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UNIR A EUROPA

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Felix Klos

UNIR A EUROPAA última batalha de Churchill

TraduçãoAdelaide Cabral

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Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.Reprodução proibida por todos e quaisquer meios.

A presente edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

© Felix Klos, 2016Publicado originalmente por Hollands Diep, traduzido do inglêsChurchill´s Last Stand: The Struggle to Unite Europe, publicado por I. B. Tauris.Esta edição foi publicada com o acordo da Hollands Diep em conjuntocom o agente 2 Seas Literary Agency. Direitos para esta edição:© 2018, Clube do Autor, S. A.Avenida António Augusto de Aguiar, 108 - 6.º1050-019 Lisboa, PortugalTel.: 21 414 93 00 / Fax: 21 414 17 [email protected]

Título original: Winston Churchill – vader van EuropaAutor: Felix KlosTradução: Adelaide Cabral (Lufada de Letras)Revisão: Rui AugustoPaginação: Maria João Gomes,em caracteres PalatinoImpressão: Eigal – Indústria Gráfica, SA (Portugal)

ISBN: 978-989-724-449-0Depósito legal: 446 162/181.ª edição: Outubro, 2018

www.clubedoautor.pt

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Prefácio à edição portuguesa, por Eduardo Marçal Grilo .............. 9

«Algo que vos surpreenderá»: a chave para a paz ......................... 17

Os idealistas pan-europeus, 1930-1940 ............................................ 33

A união «indissolúvel» franco-britânica .......................................... 53

«Um bom europeu»: de Adana a Potsdam, 1940-1945 .................. 79

«Que a Europa se erga!»: a ameaça do perigo vermelho ............ 101

Uma mensagem de esperança à Europa devastada ..................... 129

«O ideal deve ser a Europa»: um movimento pela união ........... 149

«Teremos feito o nosso melhor»: o grande desígnio da Europa ..... 173

«Aqui estou em casa»: o sucesso do Congressoda Europa, 1948 .......................................................................................... 199

«Onde estão os alemães?»: o exército europeu ea indústria europeia ......................................................................... 237

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Índice

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«Uma triste desilusão»: a Commonwealth e a Europa Unida ....... 313

«Exatamente o que eu sugeri em Estrasburgo»:a defesa europeia ............................................................................. 347

«Um futuro de grande esperança»: a Europa pós-Churchill ........ 375

Notas ................................................................................................. 385

Bibliografia ....................................................................................... 397

Agradecimentos .............................................................................. 407

11.

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Prefácio

europa unida: a solução adiada

1 — A União Europeia (UE) vive uma das suas maiores crises des-de que, em 25 de março de 1957, os governos de Itália, França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e República Federal da Alemanha assinaram em Roma os tratados que consagraram a criação da Comunidade Económica Europeia (CEE) e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom). Os mesmos países que, em 1951, pouco depois da Segunda Guerra Mundial, tinham estabelecido a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), o primeiro grande passo de um processo cujo objetivo último seria evitar novas guerras entre países europeus.

A situação atual da UE, constituída por 28 países (27, se conside-rarmos a saída do Reino Unido programada para março de 2019), resulta de uma grande diversidade de questões e problemas que se têm avolumado desde o início deste século. No essencial, os proble-mas têm um carácter eminentemente político, embora se traduzam em desentendimentos e confrontos em torno de temas tão diversos como os instrumentos de regulação da Zona Euro (a que pertencem 15 dos 28 países), o controlo dos fenómenos migratórios, o combate ao terrorismo, a articulação dos sistemas fiscais, as políticas de defe-sa e de segurança ou as relações com as grandes potências, nomea-damente os EUA, a China, a Rússia e a Índia.

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As «crises da dívida soberana», na sequência do escândalo do subprime em 2007/2008, foram um detonador de novos problemas em muitos dos países da Zona Euro, ao mesmo tempo que evidenciaram questões mais complexas já existentes. A sua solução passou pela adoção de medidas excecionais no domínio económico e financei-ro que agitaram de forma particular as populações dos países mais desfavorecidos, com grande impacto no crescimento económico, no emprego e nos investimentos público e privado.

2 — Mas se hoje a União Europeia é considerada uma ideia e um projeto em crise, ela continua a ser também o grande instrumento ao serviço dos países que a integram. Isto porque, na realidade, os problemas com que estes se debatem só podem ter solução se enfren-tados através de políticas coletivas, verdadeiros denominadores co-muns entre países, ou por medidas específicas, mas que recolham o apoio e empenhamento de todos ou, pelo menos, da grande maioria.

De facto, questões como as alterações climáticas, a gestão das plataformas continentais, o controlo e regulação dos movimentos migratórios, o combate ao terrorismo, a segurança — incluindo a cibersegurança —, as relações transatlânticas, os acordos no âmbito da Organização Mundial do Comércio ou a regulação dos sistemas financeiros e da fiscalidade são matérias que nenhum país poderá en-carar e resolver por si só. Estas questões requerem um debate ao nível europeu e a adoção de medidas resultantes de acordos multilaterais.

Se na década de 50 os Tratados de Roma tiveram como objetivo contribuir de forma decisiva para a manutenção da paz na Europa, nos dias de hoje os acordos estabelecidos ou a estabelecer têm como objetivo principal, senão único, preservar uma região com um peso e uma influência ímpares ao nível global. Mas esse protagonismo irá decrescer exponencialmente se a Europa não for capaz de se or-ganizar e de criar os instrumentos e os mecanismos de cooperação internos que suplantem as debilidades de cada país.

Como referido por alguns autores, «na Europa os países po-dem dividir-se em dois tipos: os que são pequenos e os que ainda não perceberam que são pequenos». Isto significa que de Malta ou Chipre à França ou à Alemanha todos têm uma dimensão política,

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demográfica, financeira ou económica que os tornam incapazes de desempenhar um papel relevante no contexto internacional. É nes-ta perspetiva que os países europeus só através de uma verdadeira união política poderão continuar a ter uma palavra no confronto com os grandes países e as grandes economias, designadamente os EUA e a China, sem esquecer a Índia, o Brasil, a África do Sul ou mesmo a Rússia. Uma ideia avançada por Churchill há mais de 70 anos.

3 — Os últimos anos foram determinantes para questionar o projeto político da União Europeia no contexto de um mundo em profunda mudança que caminha para um futuro imprevisível, onde alguns líderes defendem exclusivamente os interesses do seu país e daqueles que os apoiam.

Com efeito, o referendo que resultou na decisão do Reino Unido de abandonar a União Europeia e a eleição do presidente Trump nos Estados Unidos sobrepuseram-se aos problemas que ocorreram na sequência da crise financeira de 2007/2008, pondo em causa a coesão da própria União Europeia. O Brexit e as políticas internacionais da Casa Branca, desde 2016, são hoje questões que fazem parecer que nunca antes a União Europeia foi chamada a lidar com questões tão complexas, e desafiantes, tendo em conta o seu futuro e a consolida-ção do projeto europeu.

Como se tudo isto não fosse suficiente, tem-se assistido nos últimos dois anos a um recrudescimento de movimentos de cariz nacionalista e populista, que estão a pôr em causa os fundamentos e a estabilidade da própria União Europeia. São movimentos que, aproveitando o descon-tentamento existente em algumas camadas das populações, em particu-lar nos países onde a crise dos refugiados e as questões da imigração se fazem sentir com maior incidência, põem em risco os equilíbrios que pa-reciam adquiridos em matéria de políticas de acolhimento na Europa, área em que os europeus sempre se mostraram abertos e solidários.

Significa isto que a Europa vive um momento muito difícil como resultado de fatores externos, mas também de questões internas que dificultam a concretização de um projeto que a seguir à Segunda Guerra Mundial conseguiu trazer aos europeus um tempo de paz e de prosperidade.

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4 — Winston Churchill é talvez o político mais prestigiado e mais determinante de todo o século xx. Líder incontestado do Ocidente durante a Segunda Guerra Mundial, Churchill pautou toda a sua vida política por uma luta sem tréguas em defesa da liberdade, da democracia e dos regimes políticos que têm como base a supremacia dos parlamentos nacionais. Mas este seu posicionamento não o im-pediu, de forma visionária mas realista (como hoje podemos verifi-car), de ter assumido na Europa do pós-guerra o papel de promotor na criação de uma entidade supranacional a que chegou a chamar Estados Unidos da Europa.

Num continente que se encontrava dilacerado por uma guerra que havia destruído não apenas cidades, capacidade económica e in-fraestruturas, mas que tinha sobretudo criado nos europeus um es-pírito de derrota, de desespero e de impotência, Winston Churchill, na altura líder da oposição no parlamento de Westminster, foi a voz que se fez ouvir em defesa de um projeto que pudesse trazer paz e progresso a todos os países, fossem vencedores ou vencidos do con-fronto travado entre 1939 e 1945.

A reflexão e as propostas que foi fazendo ao longo do período iniciado no final dos anos 40, e que culminou com a sua eleição para o cargo de primeiro-ministro em 1951, merecem ser revisitadas por todos quantos têm a noção exata do que está hoje em jogo na Europa e na União Europeia. A importância atribuída por Winston Churchill à ideia de uma «Europa Unida» mostra bem a sua visão como esta-dista, que ultrapassou largamente a sua dimensão de político inglês ao serviço de Sua Majestade.

5 — Nunca uma Europa Unida foi tão desesperadamente neces-sária como nos dias que vivemos, sobretudo para contrariar o declí-nio europeu e tornar a União Europeia uma potência política, econó-mica e cultural capaz de competir com os EUA, com a China e com os países emergentes.

Temos muito a aprender com as intervenções de Winston Churchill no período pós-Segunda Guerra Mundial. Intervenções que nos le-vam a interrogarmo-nos sobre muitas das políticas europeias condu-zidas por Bruxelas, mas também sobre o posicionamento de certos

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países em relação à União Europeia. O Brexit mostra a complexidade e os riscos de que se pode revestir o abandono do projeto europeu por parte de um dos seus membros. A situação do Reino Unido, ape-sar de os sucessivos governos britânicos, desde 1973, terem estado sempre numa posição oscilante entre a pertença e o distanciamen-to face ao projeto de construção europeia, é um caso paradigmático desta complexidade.

O livro agora lançado em língua portuguesa é um contributo importante para a reflexão que deve ser feita por cada um de nós relativamente ao futuro da União Europeia. Esperemos que, com o relativismo que devemos colocar na leitura de textos produzidos há cerca de setenta anos, possamos ficar todos mais esclarecidos sobre a relevância excecional de que se reveste o projeto europeu neste nosso século xxi.

Agosto de 2018 E. Marçal Grilo

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Porque foi que o senhor, Sir Winston,se tornou o paladino do ideal europeu?

Creio que isto se pode explicar a partir de duas qualidades humanas,que são também as qualidades indispensáveis ao estadista:

grandiosidade de pensamento, profundidade de sentimentos.

(Konrad Adenauer dirigindo-se a Churchill em 1956,por ocasião da atribuição ao estadista

do Prémio Carlos Magno,a maior distinção pelos serviços prestados

em prol da unidade europeia)

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Capítulo 1

«algo que vos surpreenderá»:a chave para a paz

Na quinta-feira, 19 de setembro de 1946, Winston Spencer Churchill proferiu na Universidade de Zurique um discurso

que mudou o mundo. Este marcou o início do processo pós-guerra de integração europeia e criou os alicerces de uma das mais bem--sucedidas invenções de cooperação pacífica na história da huma-nidade: a União Europeia. Para Churchill, pessoalmente, o discur-so tornou-se o ponto central da sua vida e da sua carreira. Tendo a sua vida sido deveras influenciada pela devastação de duas guerras mundiais, esse discurso surgiu como um manifesto daquilo que, aos 71 anos, Churchill estava determinado a deixar como seu legado: uma Pax Europaea permanente.

Cerca de um ano antes, em julho de 1945, a vida política de Churchill parecia ter terminado. Sofrera uma esmagadora derrota nas eleições gerais britânicas, cuja magnitude foi uma penosa hu-milhação para o primeiro-ministro a quem se atribuíam os créditos de ter salvado a civilização ocidental durante a Segunda Guerra Mundial. O Partido Conservador de Churchill perdeu mais de me-tade dos lugares no Parlamento ― dos 432, nas eleições anteriores, passava agora para apenas 213. O resto do mundo recebeu a notí-cia com perplexidade. Estaline, que, juntamente com o presidente

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Truman, dos EUA, aguardava o regresso de Churchill às negociações em Potsdam, não compreendia a razão por que Churchill não fora capaz de controlar os resultados.

Para piorar ainda mais a situação, após entregar o seu pedido de demissão ao rei, no Palácio de Buckingham, Churchill não tinha um lar ao qual regressar. Chartwell, a sua adorada casa de campo em Kent, ainda não estava habitável após a guerra; e, enquanto isso, a residência oficial de primeiro-ministro fora entregue ao trabalhista Clement Attlee, sendo que o seu apartamento em Londres, perto de Victoria Station, havia sido vendido em 1939. Durante algum tem-po, os Churchill viveram na penthouse do Claridge’s Hotel, no sexto andar, até a filha, Diana, e o marido, Duncan Sandys, lhes cederem o seu apartamento de Westminster Gardens. Houve uma sombria reunião de despedida do Governo, na sexta-feira, 27 de julho, após a qual Churchill disse ao seu sucessor, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros dos tempos de guerra, Anthony Eden: «Trinta anos da minha vida foram passados nesta sala. Não mais me voltarei a sentar aqui. O senhor sim, mas eu não.»

Nesse fim de semana, a família foi para Chequers, a casa de campo oficial do primeiro-ministro, em Buckinghamshire, para re-colher os seus pertences e passar um último fim de semana no local onde haviam vivido tanta coisa. Mas não proporcionou qualquer alegria a Churchill. Tiveram aí lugar os habituais jantares, seguidos da exibição de filmes, mas não houve qualquer «caixa vermelha» contendo as informações secretas que Churchill via como oxigénio para a sua mente inquieta. «Observámos, à beira do desespero, uma nuvem negra descendo sobre nós», recordou a filha. Antes de par-tirem de Chequers, todos assinaram o Livro de Visitas. Churchill foi o último e escreveu por baixo da sua assinatura uma simples palavra: «Finis».

Quinze dias após as eleições, o seu médico foi encontrá-lo em mangas de camisa e com o seu colete de seda, sentado na cama da sua habitação temporária. «Não vale a pena fingir que isto não me atingiu violentamente», resmungou. «Não posso acostumar-me a não fazer nada para o resto da vida. Seria melhor ter sido morto num avião ou ter morrido como Roosevelt.»

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Alguns dias mais tarde, talvez consciente do seu estado de espíri-to, Churchill aceitou um convite do general Alexander, comandante supremo dos Aliados no Mediterrâneo e seu amigo íntimo, para vi-sitar a sua villa no lago Como, em Itália, e lá passar algum tempo em tranquilo descanso. Foi aí, nesse momento, que a pintura, a sua fonte de consolo ao longo de toda a vida, o salvou uma vez mais. Ao pegar nos pincéis e abrir a caixa de tintas, Churchill começou lentamente a sarar as feridas deixadas pela derrota nas eleições, pela dura rejeição por parte do povo britânico.

Três dias após ter chegado à villa de Alexander, Churchill escreveu à mulher dizendo que as férias lhe estavam a fazer um bem imenso. «Esta é a primeira vez, em muitos e muitos anos, que me encontro completamente ausente do mundo», disse a Clemmie.O estadista teve de admitir que, possivelmente, ela tinha razão quan-to ao resultado das eleições: «Tudo isto poderá ser, de facto, uma “bênção disfarçada”.»

Nos meses que decorreram entre as férias em Itália e o dia do discurso na Universidade de Zurique, Churchill encontrou uma energia e uma determinação renovadas. O estadista mergulhou com-pletamente na política e nos problemas do mundo do pós-guerra.A Europa estava devastada, física e moralmente derrotada após duas guerras mundiais; a segunda, então, acabou por ser o conflito mais mortal da história humana. À medida que o mundo ia lentamen-te tomando conhecimento da dimensão das atrocidades levadas a cabo pelo regime nazi, através dos Julgamentos de Nuremberga, a aliança dos vitoriosos ― Grã-Bretanha, Estados Unidos e Rússia ― começava a desintegrar-se. Para Churchill foi-se tornando cada vez mais óbvio que a Rússia soviética pretendia alargar a sua esfera de influência ao coração da Europa. A 5 de março de 1946, o estadista britânico alertou o mundo, no seu famoso discurso «O Sustentáculo da Paz» em Fulton, Missouri, de que uma «cortina de ferro» caíra sobre a Europa, desde Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático.

Hoje, muitas vezes esquecemo-nos de que a opinião mundial re-chaçou a audácia do discurso de Churchill em Fulton. Menos de um ano após o final da Segunda Guerra Mundial, ninguém queria en-frentar uma nova ameaça à paz no mundo vinda de leste. Ninguém

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se atrevia a contestar a União Soviética depois de os seus exércitos tão corajosamente terem erradicado a Alemanha nazi da Europa de Leste. Ninguém queria aceitar uma cisão da Europa tão cedo após a sua libertação. Escusado será dizer que os russos mostraram in-dignação perante as palavras de Churchill. O presidente dos EUA, Truman, levou mais de dois meses a decidir-se a apoiar publicamen-te Churchill. A consternação britânica foi tal que chegou ao ponto de ser proposta uma moção de censura contra Churchill na Câmara dos Comuns.

Um aspeto amplamente ignorado ― e, hoje em dia, frequente-mente esquecido ― do discurso da Cortina de Ferro é o facto de ter apelado a «uma nova unidade na Europa, da qual nenhuma nação possa ser permanentemente afastada». E, no entanto, seria esta ideia que viria a desempenhar um papel predominante na vida política de Churchill no pós-guerra. Na sua perspetiva, a única forma de garan-tir uma paz duradoura após a devastação da primeira metade do sé-culo xx era criar uma união europeia. «Se fosse dez anos mais novo», disse à sua esposa pouco depois de regressar de Itália, «talvez viesse a ser o primeiro presidente dos Estados Unidos da Europa.»

A depressão de Churchill depois de ter sido afastado do gover-no, em julho de 1945, estava enraizada num profundo sentimento de desilusão: acreditava ter-lhe sido roubada a hipótese de ajudar a construir uma paz duradoura enquanto primeiro-ministro britânico. Agora, como líder da oposição na Câmara dos Comuns, não detinha qualquer poder executivo sobre a política externa britânica. Após cinco anos de governo em tempos de guerra, pouca glória advinha, na sua perspetiva, da restruturação do Partido Conservador ou do debate sobre os pormenores da economia interna britânica nas reuniões das comissões no Parlamento.

No entanto, Churchill rapidamente pressentiu que havia outra forma de deixar a sua marca no mundo do pós-guerra. A publicida-de que o discurso de Fulton atraíra ensinara-lhe que a sua posição como o indomável líder da Grã-Bretanha nos tempos de guerra lhe dava rédea solta para falar sobre qualquer assunto que lhe interes-sasse. A simples menção do seu nome captava a atenção das audiên-cias por todo o mudo. Se escolhesse cautelosamente as batalhas a

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travar, a sua influência continuaria a sentir-se amplamente, por todo o lado. Como muito bem lhe dissera o genro, Duncan Sandys, numa mensagem manuscrita na véspera do discurso de Zurique:

Aguardo impacientemente por ouvir o seu discurso em Zurique. Surge numa altura excelente. Os governos aliados tiveram bastan-te tempo para congeminar uma qualquer solução para o problema europeu e, muito obviamente, falharam. Estou certo de que, nas atuais circunstâncias, o público em todos os países está bastante predisposto a ouvir o que o antigo timoneiro tem para dizer.

A caminho de Zurique para proferir o seu discurso, Churchill pa-rou na cidade de Berna. A 18 de setembro de 1946, a população de Berna encheu as ruas, filas intermináveis de pessoas nos passeios, às janelas e outras que haviam subido aos telhados para terem um vislumbre deste herói do Ocidente. «O entusiasmo evocado pela visita do Sr. Churchill», escreveu o embaixador britânico em Berna no seu relatório oficial, «eclipsou, foi-me assegurado por quem tem obrigação de saber, a receção feita a qualquer outra figura de que há memória.»

Churchill desfilou numa reluzente carruagem aberta, puxada por cavalos, acompanhado por cavaleiros em trajes oitocentistas. Uma suave brisa de outono soprava-lhe as cinzas do charuto e desgre-nhava-lhe as mechas do cabelo grisalho, enquanto ele acenava aos admiradores com o chapéu John Bull preto, segurando a esguia ben-gala apertada na mão esquerda, antecipando o fim do desfile. Com a ajuda da filha mais nova, Mary, Churchill desceu da carruagem mesmo em frente à Câmara Municipal para dizer algumas palavras. As autoridades locais já haviam deixado claro que não esperavam mais do que cordialidades e trivialidades do seu visitante de 71 anos.

Contudo, a mente de Churchill estava completamente ocupada com o discurso agendado para a manhã seguinte. Por isso, deci-diu dar à população de Berna um vislumbre daquilo que planeava dizer. «Espero», disse, percorrendo com o olhar a praça apinhada que se estendia à sua frente, «que possamos ver o dia em que a Europa esteja tão pacificamente unida e consciente dos seus valores

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fundamentais, tão capaz e preparada para os desafios futuros, como o está este feliz e soalheiro país que hoje aqui me apresentaram.»

Durante a visita a Berna, o estadista passou cada minuto livre a preparar o discurso de Zurique. Como fora seu hábito ao longo da vida, Churchill estava a trabalhar em cima da hora, para aprimorar o discurso ao mais ínfimo detalhe. Elaborou e sopesou cada palavra e frase com igual cuidado. Apesar de aquelas ideias já andarem a fer-mentar na sua mente há algum tempo, o estadista ditou pela primei-ra vez o esboço do discurso aos seus secretários de viagem durante o percurso de duas horas de comboio entre Berna e Zurique, na noite de quarta-feira, 18 de setembro.

Churchill chegou à estação ferroviária central de Zurique pouco antes das seis da tarde, onde era esperado por um comité de boas- -vindas encabeçado por Eric Grant Cable, cônsul-geral britânico nesta cidade. Cable era uma pedra no sapato de Churchill. Insensatamente, incitara o Grande Velho Senhor, numa missiva que lhe enviara dois dias antes, a abster-se de fazer quaisquer comentários políticos em Zurique. «De que mais falaria eu, senão de política?», exclamou iradamente Churchill ao ler o aviso de Cable. Ainda furioso com a audácia da carta, recusou-se a cumprimentar Cable com um aperto de mão.

A partir da estação, Churchill foi conduzido de automóvel ao Grand Dolder Hotel ― uma estância de inverno saída de um conto de fadas, instalada no cume do monte mais alto de Zurique ―, onde leu algumas partes do esboço perante um reduzido grupo de con-vidados, ao jantar. O evento prolongou-se noite dentro, dando aos diplomatas suíços presentes informações relevantes acerca do racio-cínio e das intenções de Churchill. O estadista acabou por se despe-dir dos seus convidados por volta da uma da manhã e por trabalhar até ao nascer do dia para polir os últimos pormenores do discurso.

Churchill enfrentou a manhã de quinta-feira, 19 de setembro, com a mesma energia ansiosa que o acompanhara ao longo de toda a noite anterior. Sem vestígios do seu característico rubor no rosto, o Grande Velho Senhor parecia assustadoramente frágil.

Pouco antes das dez da manhã, Mary e o pai abandonaram o Dolder Hotel de automóvel. Uma forte brisa soprava por entre as

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copas das árvores ligeiramente amarelecidas. Apesar dos chuviscos constantes, a multidão era tanta que a universidade teve de encerrar os portões duas horas antes da altura agendada para a chegada de Churchill. Após a receção oficial, que antecedeu a palestra, oferecida pelo governo da cidade de Zurique, Churchill e Mary seguiram até à entrada principal da universidade através de um corredor formado por uma guarda de honra de estudantes.

Mary, com um elegante chapéu de veludo vermelho e um enor-me ramo de flores, sentou-se no lugar que lhe estava destinado na primeira fila. Balançando ansiosamente os pés para a frente e para trás, Mary receava que o pai já estivesse demasiado velho para tra-balhar até de madrugada e que exigisse demasiado de si próprio. Todos se ergueram quando Churchill entrou no grandioso salão. Um coro masculino de estudantes começou a cantar. Churchill sentou-se num cadeirão junto ao palanque, aguardando que o reitor terminas-se o seu moroso e prolixo discurso de boas-vindas.

Às 11h45, Churchill subiu ao palco do imponente salão revestido a mármore. Habitualmente, a atmosfera sob a cúpula do auditório ― um elemento acrescentado à antiga universidade em inícios do sé-culo xx ― era bastante fria. Naquele dia, coroas de flores de outo-no amarelas adornavam a tribuna e as galerias de ambos os lados do auditório. Doze estudantes em trajes medievais e chapéus com penacho estavam posicionados de ambos os lados, empunhando enormes e cintilantes estandartes, representando várias associações estudantis.

Perante Churchill, os professores de Zurique e seus convidados aguardavam sentados, em concentração expectante. Atrás dele, no vasto mural naturalista de Paul Bodmer, um grupo de lânguidas jo-vens de longos e fluídos vestidos observava o panorama em baixo num silêncio indiferente. Lá fora, nos átrios relvados, grupos de es-tudantes aglomeravam-se, em abafado silêncio, à volta de altifalan-tes, propositadamente instalados para o discurso.

Churchill abriu a palestra com simplicidade e serenidade: «Desejo falar-vos hoje sobre a tragédia da Europa.» Leu o discurso com ges-tos francos e simples, por vezes enfatizando uma palavra ou uma curta frase num tom impávido e sereno.