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UNIMAR UNIVERSIDADE DE MARÍLIA ANA LÚCIA RIBAS O NOVO CINE LATINO-AMERICANO: Por um pobre terceiro cinema revolucionário MARÍLIA SP 2012

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UNIMAR – UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

ANA LÚCIA RIBAS

O NOVO CINE LATINO-AMERICANO:

Por um pobre terceiro cinema revolucionário

MARÍLIA – SP

2012

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ANA LÚCIA RIBAS

O NOVO CINE LATINO-AMERICANO:

Por um pobre terceiro cinema revolucionário

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação da Universidade

de Marília para obtenção do grau de Mestre

em Comunicação, área de Concentração:

Mídia e Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Altamir Botoso.

MARÍLIA – SP

2012

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Universidade de Marília – UNIMAR

Reitor: Dr. Márcio Mesquita Serva

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-graduação

Profa. Dra. Suely Fadul Villibor Flory

Programa de Pós-Graduação em Comunicação

Coordenadora: Profa. Dra Rosangela Marçolla

Orientador

Prof. Dr. Altamir Botoso

O NOVO CINE LATINO-AMERICANO: por um pobre terceiro cinema revolucionário.

Ana Lúcia Ribas

Orientador: Prof. Dr. Altamir Botoso

Banca Examinadora

Prof. Dr. Altamir Botoso

Avaliação:________________________Assinatura:__________________________

Profª. Drª. Heloísa Doca

Avaliação:________________________Assinatura:__________________________

Profª. Drª. Gabriela Kvacek Betella

Avaliação:________________________Assinatura:__________________________

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À minha filha, por todas as lágrimas que chorou,

pela falta que fiz em casa durante a pesquisa e pelos

dias que deixei de estar com ela para ler e escrever.

Aos meus pais, por sempre segurarem a barra. E aos

mestres que marcaram minha trajetória: Jesus Cristo,

Silvio Gallo, Proudhon, Malatesta, Peter Mclaren,

Fernando Birri, Paulo Freire, Glauber Rocha e Kaka

Werá Jecupé.

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Agradecimentos

Ao meu orientador, Prof. Dr. Altamir Botoso,

por todo conhecimento, auxílio, calma e, sem dúvida,

sabedoria dedicada a mim neste projeto.

Ao Professor Antonio Manoel, por me tirar de um caminho

comum e me incentivar a algo novo.

À Professora Maria Cecília Guirado, por me ajudar a

sonhar, mas sempre me colocar novamente com o pé no

chão.

Ao Leonardo Delgado, amigo, colega e companheiro de

mestrado, por nossas viagens, conversas, reclamações e,

sem dúvida, o racha nas despesas.

Aos meus queridos amigos cubanos, Alejandro Sanz e

Agles, por todo carinho dedicado a mim na Fundação e em

Havana.

A Juan Carlos, historiador da Fundação do Novo Cine

Latino-Americano em Havana, pela longa conversa que

direcionou o objeto dessa pesquisa.

Ao Alex, pela empatia e pelas portas que deixou abertas

para um retorno a Havana.

À Professora Rosangela Marçolla, por me mostrar que

existe um mundo novo a ser descoberto.

Aos professores que conheci durante os créditos, por me

fazerem pensar e começar a entender ‘quem disse o quê e

onde’. À Andrea, por todas! À Lily Lara, pelo

compartilhamento das viagens em busca de conhecimento.

Aos meus amigos Márcio Tales, Vânio Pressinate, Simone

Martins, Rodrigo Oliva, Celene Maia, Neurides Martins, e

Sérgio Romano, amigos de toda uma vida e amigos de uma

nova vida, por ajudarem a me levantar toda vez que caía.

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O NOVO CINE LATINO-AMERICANO: por um pobre terceiro cinema revolucionário.

Autor: Ana Lúcia Ribas

Orientador: Prof. Dr. Altamir Botoso

RESUMO

Este estudo tem como proposta realizar levantamento histórico do movimento do Novo Cine

latino-americano, suas principais escolas e manifestos. Versa sobre os acontecimentos e

influências culturais determinantes na concepção de cada movimento, e a vida de seus

principais teóricos e cineastas nos vinte e dois países que compõem seu território. Apresenta

um panorama sobre o movimento nos três países com maior produção (Argentina, Cuba e

Brasil) e um resumo de todos os outros países da América latina com produção considerável

dentro do movimento e sobre a criação da Fundação do Novo Cine em Havana, além de seus

dois principais projetos: a EICTV - Escola Internacional de Cine e TV em Santo Antonio de

los Baños e o Festival do Novo Cine, em Havana.

Palavras-chave: Cinema. Novo Cine. História. América Latina.

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O NOVO CINE LATINO-AMERICANO: O terceiro cinema revolucionário. Author: Ana Lúcia Ribas

Advisor: Prof. Dr. Altamir Botoso

ABSTRACT

This study has as proposal to accomplish a historical raising from Latin American New

Cinema, its main schools and manifests. It deals with happenings and determined cultural

influences in the conception of each movement and life of its main theorists and film makers

in twenty-two countries that compose its territory. It presents a panorama about the movement

in three countries with larger production (Argentine, Cuba and Brazil) and a summary of all

countries from Latin America with considerable production inside the movement and about

the creation of New Cinema Foundation in Havana, besides its main projects: the EICTV –

Cinema and TV International School in Santo Antonio de los Baños and New Cinema

Festival, in Havana.

Keywords: Cinema. New Cinema. History. Latin America.

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SUMÁRIO

Introdução .............................................................................................................................................. 09

Capítulo 1 – O Cinema Novo no Brasil. ................................................................................................ 20

Capítulo 2 – O Terceiro Cine Argentino ................................................................................................ 31

Capítulo 3 – O Cine Imperfeito Cubano ................................................................................................ 39

Capítulo 4 – O Novo Cine na América latina ........................................................................................ 47

Capítulo 5 – A Fundação do Novo Cine Latino-americano e a Escola Internacional de Cinema e

Televisão em Havana ......................................................................................................... 59

Considerações Finais .............................................................................................................................. 79

Referências ............................................................................................................................................. 85

Anexo I ................................................................................................................................................... 87

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INTRODUÇÃO

Este estudo propõe apresentar um panorama geral do movimento do Novo Cine desde

seu início, a partir da década de 1950, em toda América Latina. Mediante a abordagem de

suas principais produções e da historicidade de seu processo propõe demonstrar como a

interferência dos acontecimentos mundiais e de cada país especificamente acabaram por

interferir na submissa posição de dominados e levaram ao surgimento desse movimento

cinematográfico que uniria ideologicamente os países latino-americanos contra o

imperialismo.

Aborda os movimentos sociais na América Latina a partir do início do século e busca

demonstrar, por meio das falas dos cineastas, os fatores ideológicos e políticos

influenciadores, descritos em manifestos e filmografias, que foram tão importantes no

nascimento desse movimento quanto o desenvolvimento técnico e artístico dessa nova

linguagem chamada cinema. Não se tratava mais de entretenimento, mas de uma ferramenta

na conscientização da importância da valorização das identidades e das culturas nacionais, em

detrimento dos modelos dominantes.

Esses ideais de um Novo Cine, fora dos moldes e dos padrões da indústria

cinematográfica hegemônica, culminaram na criação da Fundação do Novo Cine Latino-

Americano em Havana e em seus principais projetos: a EICTV – Escuela Internacional de

Cine y Televisión de San Antonio de los Baños e o Festival del Nuevo Cine Latino-americano

de Habana, ambos em Cuba.

A história da América Latina foi escrita em meio a atrocidades e muito derramamento

de sangue. Além da expropriação de seu território por aqueles que julgaram descobri-la, a

escravidão e a falta de respeito pela vida fez parte de quase toda sua história desde a chegada

do homem branco a esse continente.

É a América Latina, a região das veias abertas. Desde o descobrimento até

nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-

americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes

centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em

minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos

naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes

de cada lugar têm sido sucessivamente determinados, de fora, por sua

incorporação à engrenagem universal do capitalismo. A cada um dá-se uma

função, sempre em benefício do desenvolvimento da metrópole estrangeira

do momento, e a cadeia das dependências sucessivas torna-se infinita, tendo

muito mais de dois elos, e por certo também incluindo, dentro da América

Latina, a opressão dos países pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro

das fronteiras de cada país, a exploração que as grandes cidades e os portos

exercem sobre suas fontes internas de víveres e mão-de-obra (GALEANO,

1982, p.05)

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Desde seu descobrimento pelos europeus no fim do século XIV, foi palco de inúmeras

disputas territoriais e ideológicas. Toda sua extensão sempre foi vista por seus descobridores

como uma fonte potencial de riquezas. Seu processo exploratório de colonização dilapidou

não apenas o solo e as terras, mas uma população inteira de ameríndios que habitavam todo

seu território.

O discurso libertário, proposto pelos cineastas que participaram da criação do

movimento do Novo Cine Latino-americano, é reflexo de embates ideológicos que a América

Latina vivenciou desde o início do século XX. Acirravam-se as disputas dos anarquistas,

comunistas e socialistas contra o capitalismo imperialista.

A primeira ideologia anti-imperialista a se difundir na América Latina foi o

anarquismo. De acordo com o discurso de um de seus maiores representantes, Errico

Malatesta (2009, p.04), o anarquismo nasceu da “revolta moral contra as injustiças sociais”.

Homens que, sentindo-se sufocados pela sociedade em que eram obrigados a viver, “sentiram

a dor dos demais como se ela fosse sua própria”.

Eu prefiro deixar de lado a incerta filosofia e ater-me às definições comuns,

que nos dizem que a anarquia é uma forma de vida social em que os homens

vivem como irmãos, sem que nenhum possa oprimir e explorar os demais, e

em que todos os meios para se chegar ao máximo desenvolvimento moral e

material estejam disponíveis para todos. O anarquismo é o método para

realizar a anarquia por meio da liberdade e sem governo, ou seja, sem

organismos autoritários que, pela força, ainda que seja por bons fins,

impõem aos demais sua própria vontade (MALATESTA, 2009, p.04).

Essas ideologias, adaptadas ao contexto dos países latino-americanos, motivaram

manifestações de trabalhadores contra o tipo de governo exploratório instaurado em quase a

totalidade de seu território.

Os países de terceiro mundo, em suas histórias, deflagram a privação da liberdade por

meio do sistema de dominação dos impérios, que alastraram sua hegemonia mediante a força

de suas armas, destruindo culturas, povos, sistemas de vida e sociedades, na ânsia pelo

acúmulo de capital.

O século XX foi uma época de grandes transformações e revoltas populares. As duas

guerras mundiais e a guerra fria fomentaram uma disputa global em que os países de terceiro

mundo se declinaram à mercê dos interesses dos países e dos blocos hegemônicos, tanto da

direita capitalista quanto da esquerda socialista e anarquista.

A luta contra essa dominação imposta fica clara na produção cultural e na perseguição

sofrida pelos artistas. Músicos, atores, dramaturgos, poetas, são várias as manifestações

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artísticas que se voltam contra a situação de dominados e, a partir da metade do século, um

novo movimento cinematográfico acaba por unir toda a América Latina em prol de sua

libertação e humanização, dando vazão aos ideais pregados pelos socialistas que acreditavam

em uma sociedade igualitária.

Marx e Engels formularam a doutrina do ‘socialismo científico’ que

afirmava que o ideal de uma sociedade igualitária, sem propriedades, era

algo que só não aconteceria, como, à virtude da evolução natural da

economia, tinha de acontecer. O conceito marxista de evolução social surgiu

sob a influência darwiniana formulada em 1859, em A origem das espécies.

O livro de Darwin descrevia a emergência das espécies biológicas como

devidas a um processo de seleção natural que as capacitaria a sobreviver

num ambiente hostil. O processo foi dinâmico, desenvolvendo espécies de

estágios inferiores para superiores, segundo regras determináveis. Essa teoria

foi rapidamente adaptada por estudiosos do comportamento humano, dando

origem a uma escola de ‘sociologia evolucionista’ que descrevia a história

como uma progressão, ‘por estágios’, de formas inferiores para formas

superiores (PIPES, 2002, p.22).

Ao analisar essa história de dominação observam-se também, desde seu início,

manifestações e movimentos contrários às imposições do sistema imperialista. Richard Pipes

(2002, p.20), em seu livro intitulado “O Comunismo”, declara que os pensadores franceses

radicais do século XVIII foram os que “primeiro levaram adiante programas comunistas,

conclamando à abolição de toda riqueza privada com base em que era a causa de toda

desgraça que a humanidade conhecia”.

Alguns teóricos atribuem o início da mudança desse posicionamento de colônia e

neocolônia, sempre ao serviço de blocos hegemônicos, aos reflexos da Grande Depressão de

1929, quando começa a se pensar em um desenvolvimento econômico não mais baseado

apenas em exportações, mas orientado em uma industrialização em função da substituição das

importações.

Outra fonte geradora da necessidade de mudança foi a crise geral do capitalismo,

vivida após a primeira guerra mundial, com a vitória da revolução proletária na Rússia. Os

alicerces do imperialismo foram abalados. A guerra motivou a fuga de europeus para a

América Latina e junto com esses chegavam os ecos das ideologias vigentes na Europa em

defesa do proletariado.

A conexão do movimento libertário com os românticos se produz sobre

vários registros. Há um componente romântico indubitável na realização das

virtudes justiceiras do povo. Ele é a parte sã da sociedade, a que em meio à

miséria tem sabido conservar intacta a exigência de justiça e a capacidade de

luta. Mas igualmente clara será a ruptura: o que tem sabido conservar o povo

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não é algo voltado para o passado, mas, pelo contrário, sua capacidade de

transformar o presente e construir o futuro. Tocamos aí num ponto

nevrálgico nas diferenças entre anarquistas e marxistas: o referente à

memória do povo e em particular à memória das lutas. Os libertários pensam

seu modo de luta em continuidade direta com o longo processo de gestão do

povo. Os marxistas em troca põem em primeiro plano as rupturas nos modos

de luta que vêm exigidas pelas rupturas introduzidas pelo novo modo de

produção. A continuidade é para os anarquistas não uma mera tática, mas a

fonte de sua estratégia: aquela que pensa a ação política como uma atividade

de articulação das diferentes frentes e modos de luta que o povo mesmo se

dá. Além de implicar na luta todos os que estão sujeitos a opressão enquanto

capazes de resistência e impugnação, desde as crianças e os velhos até as

mulheres e os delinqüentes. É a relação de opressão e a resistência à

cotidianidade o que os libertários estavam pioneiramente revelando ao

valorizar o ponto de vista da transformação social ‘a luta implícita e

informal’, a luta cotidiana, para a qual o marxismo, segundo Castoriadis, tem

conservado uma especial cegueira (BARBERO, 2009, p.43).

A Guerra também acabou por desarmar as burguesias latino-americanas, diminuindo a

importação, o que levou países como a Argentina, o México e o Brasil a iniciar e implementar

mais ativamente uma vida econômica e política.

Com o avanço da industrialização avança também o proletariado e a guerra contra o

imperialismo começa a tornar-se mais evidente e complexa. Desde o fim do século XIX, a

luta dos trabalhadores ecoava em discursos socialistas, comunistas e anarquistas. Mediante

esses discursos, modificavam-se também as relações de força das classes, com o aumento de

manifestações populares que se integravam na luta contra o imperialismo, que se tornou mais

intenso com a criação dos Partidos Comunistas e o fortalecimento do movimento anarquista.

Ainda no início dos anos de 1920, inicia-se uma onde de greves e agitações por todo

território latino-americano. Algumas chegam a abranger milhares de operários que assumem o

papel de forças progressistas no movimento anti-imperialista, influenciados ainda pelos

discursos anarcossindicalistas que apoiavam o desenvolvimento de uma consciência de classe,

sustentada pela reverberação dos ideais da revolução socialista do proletariado russo.

Os anarquistas logo tornaram-se ativos na organização de artesãos e

operários da indústria em toda a América do Sul e Central, e até o começo da

década de 20 a maioria dos sindicatos no México, Brasil, Peru, Chile e

Argentina seguia uma organização geralmente anarcossindicalista; o

prestígio da CNT (Confederação Nacional do Trabalho) espanhola como

organização revolucionária foi sem dúvida grandemente responsável por

essa situação. Uma das organizações mais fortes e ativas foi a Federación

Obrera Regional Argentina, fundada em 1901, sob inspiração do italiano

Pietro Gori; ela cresceu rapidamente, até aproximadamente um quarto de

milhão de membros, sobrepujando as uniões social-democráticas rivais

(WOODCOCK, 2006. p.210).

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A luta contra a opressão imperialista fez com que a pequena burguesia reagisse e

lutasse. Ascenderam movimentos de liberação nacional por toda América Latina. De um lado

o desenvolvimento industrial fez com que a burguesia em ascensão visse os imperialistas

estrangeiros como rivais, levando-a a participar ativamente nos movimentos de libertação

nacional. Mas de outro lado, esse novo proletariado consciente de seus direitos tornou-se um

fardo para essas novas indústrias nacionais que surgiam.

Em sociedades industriais, a relação do proprietário com o empregado

tornou-se frágil e volátil, já que o primeiro sentia-se livre para dispensar

trabalhadores sempre que a demanda enfraquecia. Diferenças no modo de

vida tornaram-se cada vez mais evidentes quando os novos ricos alardearam

sua riqueza. Esses fatos levaram a uma crescente hostilidade em relação ao

‘capitalismo’. O socialismo, até então um ideal particularmente atraente para

intelectuais, adquiriu, além de um fundamento teórico, uma base social de

certo segmento da classe trabalhadora (PIPES, 2002, p.24).

Iniciava-se então uma batalha não apenas forjada por armas e munições, mas uma

batalha ideológica em que a produção cultural e os veículos de comunicação que se difundiam

pelo território latino-americano eram utilizados como armamento ideológico na pregação do

modo de vida e do anticomunismo.

Desde o prenúncio do fim da II Guerra Mundial, os ventos políticos

começaram a mudar nos EUA. Com a morte de Roosevelt e a posse de

Truman, em abril de 1945, ocorreu um redirecionamento da política externa

norte-americana. Essas mudanças provocaram o aumento dos conflitos entre

os EUA e a União Soviética, aliada dos norte-americanos e ingleses durante

a guerra. Os reflexos das transformações ocorridas na política externa do

país foram imediatamente irradiados para a sua política doméstica. A

decorrência lógica do fato de os soviéticos passarem a ser considerados

rivais foi a intolerância em relação aos comunistas e a qualquer perspectiva

política considerada, mesmo que remotamente, com algum viés de esquerda.

Os reflexos dessa guinada política fizeram-se sentir rapidamente em

Hollywood. Nesse momento, o anticomunismo ressurge com muita

intensidade no país, pois, com as eleições de 1946, o Partido Republicano,

reconhecidamente de maioria anticomunista, conseguiu hegemonia no

Congresso (VALIN, 2004, p.33).

A pequena burguesia que surgia, ao mesmo tempo em que lutava contra o

imperialismo, começou a buscar nele acordos que garantissem sua independência mas, na

realidade, houve apenas uma substituição dos patrões imperialistas por outros e se manteve a

base de dependência colonial. As influências da Grande Revolução Socialista, que

favoreceram o aparecimento dos Partidos Comunistas e que contribuiu para o nascimento dos

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movimentos revolucionários na América Latina, tinham agora dois inimigos. Um império

dominador e uma burguesia perdida em meio às necessidades sociais e o avanço capitalista.

Os partidos comunistas dividiam-se então em apoio às manifestações políticas e

grupos progressistas, na busca de aliados contra o jugo imperialista. Aquilo que tinha

começado em meio a perseguições ferozes com o passar do tempo cresceu e se fortaleceu,

ampliando suas fronteiras e envolvendo em seu contexto revolucionário representantes da

intelectualidade local. Ao mesmo tempo surgiam, em muitos países, forças econômicas e

sociais que ainda privilegiavam políticas voltadas à exportação, o que levou o partido a

adequar-se às realidades vivenciadas.

O comunismo revelou-se uma proposta fadada ao fracasso: a cultura política

ocidental militou quanto à crueza de uma ideologia que, embora ocidental na

origem, adquiriu forma em um ambiente não-ocidental. O comunismo

ocidental dissolveu-se na social-democracia antes de se render ao

capitalismo e, então, praticamente saiu de cena (PIPES, 2002, p.133).

Movimentos consolidados, com o passar dos anos começaram a se dissipar devido a

disputas internas e à defesa de interesses particulares. Em meio à Guerra Fria esse contexto se

extingue pela ação radical, de maioria militar, arquitetada juntamente com o governo norte-

americano, que queria garantir a continuidade de sua condição hegemônica sobre as nações do

terceiro mundo. Em cada país essa batalha escreve seus nomes e sua história. Na luta entre um

modelo socializador e libertário contra um sistema capitalista reificador, avançava aquele que

tinha o domínio do capital ou estava subjugado a ele. A miséria era vista como um efeito

colateral necessário ao direito natural à propriedade.

Em princípios de novembro de 1968, Richard Nixon comprovou em voz alta

que a Aliança para o Progresso havia cumprido sete anos de vida e,

entretanto, agravaram-se a desnutrição e a escassez de alimentos na América

Latina. Poucos meses antes, em abril, George W. Ball escrevia em Life:

“Pelo menos durante as próximas décadas, o descontentamento das nações

pobres não significará uma ameaça de destruição do mundo. Por mais

vergonhoso que seja, o mundo tem dividido, durante gerações, dois terços

pobres e um terço rico. Por mais injusto que seja, é limitado o poder dos

países pobres”. Ball encabeçara a delegação dos Estados Unidos na Primeira

Conferência de Comércio e Desenvolvimento em Genebra, e votara contra

nove dos doze princípios gerais aprovados pela conferência, com o objetivo

de aliviar as desvantagens dos países subdesenvolvidos no comércio

internacional (GALEANO, 1982, p.07).

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Ao traçar um panorama do surgimento do Novo Cine na América Latina faz-se

necessário compreender essa história e os movimentos sociais e políticos que permearam as

obras de seus idealizadores.

Também é necessário levar em conta a história dos festivais de cinema que acabaram

por unir a cinematografia de vários países, mais do que por características de produção, mas

pelo discurso ideológico refletido em suas obras.

A união estabelecida por esses encontros e as inúmeras cartas que os idealizadores

trocaram durante sua formação, no momento em que a indústria cinematográfica norte-

americana fixava-se como modelo de produção com hegemonia na distribuição, foram

imprescindíveis à formação desse movimento.

A situação neocolonial, a disputa entre o socialismo e o capitalismo, os golpes

militares, a perseguição política, o exílio: eram temáticas que permeavam toda produção que

buscava por libertar o homem da sua condição, emancipando-o e humanizando-o mediante o

discurso e as críticas expostas em cada cinematografia.

Os movimentos socialistas e anarquistas que aconteceram na América Latina no início

do século XX, assim como os movimentos artísticos como o neorrealismo italiano, o realismo

alemão e o surrealismo foram influências importantes no desenvolvimento do novo cine

latino-americano.

Apesar dessas influências estéticas, advindas dos movimentos cinematográficos

europeus, o Novo Cine primou por sua ideologia mais do que por uma preocupação com a

linguagem institucionalizada da indústria cinematográfica. Esses festivais internacionais e

cartas trocadas foram imprescindíveis para que os idealizadores do Novo Cine se unissem

como um movimento continental.

Talvez por causa da ditadura brasileira, ou mesmo pela falta de bibliografia em

português sobre o assunto, muitas vezes, quando se fala do Cinema Novo de Glauber Rocha,

Nelson Pereira do Santos ou Carlos Diegues, pouco se fala sobre a participação deste

movimento brasileiro em outro maior que se desenvolveu pela América Latina e Caribe.

As obras que tratam do tema com maior amplitude são poucas e em sua maioria em

língua espanhola. Em língua portuguesa existem apenas algumas, limitadas, na maioria das

vezes, a recortes da história de cada país.

As análises realizadas por seus cineastas - com o passar dos anos e a distância

temporal entre os primeiros escritos e os atuais - resultam em diferentes interpretações

daquelas que esses mesmos cineastas tinham sobre o seu fazer na época de sua concepção.

Dessa forma, o tema aqui exposto busca permear a forma como as ideologias sociais

influenciaram o pensamento e a produção das películas latino-americanas do Novo Cine,

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apresentar os manifestos que os mesmos protagonizaram, bem como entender sua produção

em meio aos movimentos políticos e as ditaduras militares que se instauraram em quase a

totalidade do território latino-americano

A proposta metodológica para a realização desse trabalho é a historiografia, por

concordar com o pensador Jesús Martin Barbero (2009, p.31):

Historicizar os termos em que se formulam os debates é uma forma de

acesso aos combates, aos conflitos e lutas que atravessam os discursos e as

coisas. Daí que nossa leitura será transversal: mais que perseguir a coerência

de cada concepção, questionará o movimento que a constitui em posição.

A Escola dos Annales e as contribuições de sua terceira geração, conhecida como

história nova são os referenciais metodológicos que sustentarão as argumentações propostas.

Esta escola busca substituir as visões excessivamente políticas e institucionalizadas do

positivismo e do marxismo, por uma perspectiva histórica mais ligada à análise das estruturas

que a compõem.

A história só é história na medida em que não consente nem no discurso

absoluto, nem na singularidade absoluta, na medida em que o seu sentido se

mantém confuso, misturado... A história é essencialmente equívoca, no

sentido de que é virtualmente événementielle e virtualmente estrutural. A

história é na verdade o reino do inexato. Esta descoberta não é inútil;

justifica o historiador. Justifica todas as suas incertezas. O método histórico

só pode ser um método inexato... A história quer ser objetiva e não pode sê-

lo. Quer fazer reviver e só pode reconstruir. Ela quer tornar as coisas

contemporâneas, mas ao mesmo tempo tem de reconstituir a distância e a

profundidade da lonjura histórica (LE GOFF, 1990, p.16).

A nova história argumenta que o tempo histórico apresenta ritmos diferentes em seus

acontecimentos. Considera a história pela multiplicidade de fontes e fatores, aproximando-a

das demais Ciências Sociais para melhor entendê-la. Sua terceira geração é também conhecida

como a história das mentalidades.

Estabelece uma história serial mediante as formas de representações coletivas e das

estruturas mentais da sociedade. Seu objetivo é promover a pluridisciplinaridade. Transpor

debates teóricos com base em realizações concretas mediante inquéritos coletivos, com

privilégios a todos os tipos de documentos: pictográficos, iconográficos, cinematográficos,

numéricos, orais.

Um dos principais nomes da terceira geração dos Annales é Jacques Le Goff, que a

esse respeito comenta em seu livro História e Memória:

Em contato com outras ciências sociais, o historiador tende hoje a distinguir

diferentes durações históricas. Existe um renascer do interesse pelo evento,

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embora seduza mais a perspectiva da longa duração. Esta conduziu alguns

historiadores, tanto através do uso da noção de estrutura quanto mediante o

diálogo com a antropologia, a elaborar a hipótese da existência de

uma história "quase imóvel". Mas pode existir uma história imóvel? E que

relações tem a história com o estruturalismo (ou os estruturalismos)? E não

existirá também um movimento mais amplo de "recusa da história" (LE

GOFF, 1990, p.08)

Essa crítica à história tradicional, bem como à noção do fato histórico provocou

reconhecimento de realidades históricas negligenciadas por muito tempo. Era a história das

representações que nascia junto à história política, econômica, social e cultural. Assumiram

diversas formas mediante a análise das concepções globais da sociedade, das ideologias, das

estruturas mentais comuns a cada sociedade em seu tempo.

A literatura sobre o novo cine tem como característica básica o “retorno”. Os

protagonistas do início de sua trajetória acabaram por lançar obras e entrevistas recentes, nas

quais lançam um novo olhar sobre os fatos que vivenciaram no passado. Essa evolução na

maneira de se pensar história e lançar um novo olhar sobre ela são características da nova

história. Porém, existem cuidados a serem tomados ou, como continua Le Goff (1990, p. 13):

Todos os novos setores da história representam um enriquecimento notável,

desde que sejam evitados dois erros: antes de mais nada, subordinar a

história das representações a outras realidades, as únicas às quais caberia um

status de causas primeiras (realidades materiais, econômicas) – renunciar,

portanto, à falsa problemática da infraestrutura e da superestrutura. Mas

também não privilegiar as novas realidades, não lhes conferir, por sua vez,

um papel exclusivo de motor da história. Uma explicação histórica eficaz

deve reconhecer a existência do simbólico no interior de toda realidade

histórica (incluída a econômica), mas também confrontar as representações

históricas com as realidades que elas representam e que o historiador

apreende mediante outros documentos e métodos – por exemplo, confrontar

a ideologia política com a práxis e os eventos políticos. E toda história deve

ser uma história social.

O início da década de 60 produziu grandes mobilizações populares. A juventude dos

países da América Latina, bem como de outros países de terceiro mundo, se mobilizava contra

o imperialismo e parecia-se viver a consolidação de processos revolucionários. Essa luta

contra as desigualdades sociais e econômicas estavam presentes nas temáticas abordadas pelo

Novo Cine desde as primeiras experiências cinematográficas.

Dessa forma, a pesquisa tem como bases teóricas filmes, ensaios, entrevistas, cartas,

observações, que deram luz ao pensamento, à cultura, à história das pessoas e dos

personagens que compõem o Novo Cine latino-americano.

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A pesquisa apresenta então a história do Novo Cine, com ênfase na história dos países

que foram seus principais realizadores. No primeiro capítulo aborda-se o Novo Cine no

Brasil. No segundo capítulo, o surgimento do Novo Cine Argentino. O terceiro capítulo trata

da história Cubana. O quarto capítulo apresenta um breve resumo do movimento em outros

países latino-americanos e o quinto capítulo conta a história de como esses pequenos

movimentos nacionais tomaram força em um movimento continental que culminou na

Fundação do Novo Cine latino-americano.

As obras utilizadas para essa leitura do passado são o livro de Eduardo Galeano: As

veias abertas da América Latina, trechos de manifestos, entrevistas dadas por seus

realizadores no início do Novo Cine até os dias de hoje e registros das cartas trocadas durante

os anos que fomentaram esse movimento. O livro ¿Y si fuera uma huella?, Alfredo Guevara,

presidente do Festival del Nuevo Cine Latinoamericano, apresenta um epistolário onde

publica, na íntegra, trechos dessas cartas com informações de todos os envolvidos em seu

processo de criação.

Outra importante fonte de registros são as cópias dos manifestos editadas no livro La

máquina de la Mirada, de Susana Velleggia. Suas considerações, embasadas nas vivências

com seu objeto de estudo e na obra Apuentes sobre el nuevo cine latinoamericano, de

Osvaldo Daicich, lançada em 2004.

Os idealizadores do movimento produziram bibliografia não apenas através de

manifestos, mas com obras literárias profundas, que ajudam a entender um pouco mais seu

pensamento. Ensaios como os de Carlos Diegues, Octavio Getino, Fernando Solanas, Nelson

Pereira dos Santos, Fernando Birri, Tomás Gutierrez Alea, norteiam essa leitura da

historicidade desse movimento cinematográfico.

O novo cinema teve uma produção considerável e a participação ativa de vários países

que, com orçamentos pequenos, recheados de manifestos e ideologias revolucionárias,

realizaram uma filmografia que rompia com os padrões americanos do cinema

entretenimento.

O destaque agora eram as diferentes regiões de cada nação, suas realidades e seus

dilemas. Seus clássicos versam sobre a fragilidade do homem colonizado e exposto a um

sistema capitalista que visa lucro e os separa em castas definidas por seu desenvolvimento

cultural e financeiro.

A proposta é apresentar uma abordagem do movimento do Novo Cine, com bases

teóricas que vão desde o anarquismo de Malatesta, às mediações de Jesús Martin Barbero e à

hibridização de Nestor Garcia Canclini. Essa busca pela "objetividade histórica – objetivo

ambicioso – constrói-se pouco a pouco através de revisões incessantes do trabalho histórico,

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laboriosas verificações sucessivas e acumulação de verdades parciais" (LE GOFF, 1990,

p.26).

Sob o olhar do pesquisador como observador e da análise das impressões sobre o

movimento com base em sua contemporaneidade, mediante as impressões obtidas também

durante a participação no 32º Festival do Novo Cine Latino-americano em Havana e nas

oficinas, nos grupos de discussão, nas visitas realizadas à FNCL, em meio a livros, filmes e

conversas.

A dissertação encontra-se estruturada em cinco capítulos. O primeiro trata do Cinema

Novo Brasileiro, em especial na figura de Glauber Rocha, seu maior expoente. Filmes como

Deus e o diabo na terra do sol serviram de exemplo para a cinematografia de outros países

latino-americanos.

No segundo capítulo, estuda-se o Novo Cine na Argentina, a importância do trabalho

de Fernando Birri e da Escola de Santa Fé. O Terceiro Cinema Argentino teve no documental

sua mais forte influência e filmes como Tire dié e La hora de los hornos são marcos dessa

estética criada por seus cineastas.

O terceiro capítulo apresenta a história do Novo Cine em Cuba. O desfecho da disputa

entre a direita, capitalista, e a esquerda, socialista e comunista, teve um fim diferente da

maioria dos outros países latino-americanos. A Revolução Cubana, comandada por Fidel

Castro, tirou Cuba das mãos imperialistas norte-americanas e proporcionou à seus cineastas

uma maior abertura para o desenvolvimento cinematográfico.

No capítulo quatro, outros países da América Latina que tiveram movimentos

significativos dentro do movimento do Novo Cine estão focados. Algumas cinematografias

importantes como a Mexicana, que, junto com a cubana, a argentina e a brasileira formam a

grande elite do cinema latino-americano. Também se relata sobre o Grupo Ukamau, da

Bolívia, e sobre o desenvolvimento do cinema chileno, entre outros.

O quinto capítulo aborda a criação da Fundação do Novo Cine latino-americano,

situada em Havana e os motivos que levaram à sua criação, bem como o estabelecimento da

Escola de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, conhecida também como escola

dos Três Mundos, por ter como interesse ser um espaço de união entre a América Latina, Ásia

e África.

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CAPITULO 1 - O Cinema Novo no Brasil

O Cinema Novo brasileiro talvez possa ter sua melhor explicação na afirmação de seu

maior representante, Glauber Rocha (1939-1981): “Eu sou o cinema novo”.

A análise do discurso revolucionário que está presente em seus filmes, livros,

manifestos e em entrevistas, seu maior legado, repercute seu nome no Brasil e no mundo, e

demonstra os ideais desse movimento cinematográfico brasileiro.

Ao estudar a presença do discurso revolucionário na história do Brasil, percebe-se sua

presença no quilombo de Palmares (1630-1650), em Canudos (1896-1897), na Colônia

Cecília - criada pelos anarquistas italianos no estado do Paraná (1890-1894), e muitos outros

exemplos de ações de revolucionários em território brasileiro.

Quando se atém aos anos que antecederam o Cinema Novo, verifica-se que são ainda

mais fortes os levantes do povo e evidentes os reflexos da Revolução do proletariado, na

Rússia, que aconteceu em 25 de outubro de 1917. Nesse mesmo ano, no Brasil,

principalmente no estado de São Paulo, as manifestações grevistas motivadas por sindicatos

avançaram com firmeza em suas reivindicações.

No ano seguinte à Revolução Russa, no Rio de Janeiro realizou-se um levante armado

do operariado, conclamando uma república socialista, sufocado rapidamente pelo governo. A

proibição da criação de partidos políticos não possibilitava a união e formação de lideranças

que organizassem lutas mais amplas em prol da democracia e da liberdade.

Nesse princípio de século quase a totalidade dos filmes que circulavam no país eram

obras estrangeiras, em sua maioria francesas ou norte-americanas, mas nessa mesma época

começam as produções nacionais voltadas ao mercado.

Hacia 1910 se ruedan los primeros largometrajes de ficción; y en 1912 se

crea en Sao Paulo la “Compañía Cinematográfica Brasileña”, productora de

la mayoría de las películas de este período inicial. Entre estas primeras obras

destaca Os estranguladores (1906) de Antonio Leal que, junto a películas

como O crime da mala, O crime dos Banhados y O crime de Paula Mattos,

forma parte de una curiosa corriente seudonaturalista dedicada a los

crímenes famosos ocurridos en aquellas fechas. También tiene un cierto

interés la etapa musical, desarrollada entre 1908 y 1912, en la cual destaca

Paz e amor (1910) de Alberto Botelho. También se realizan otras películas,

de muy relativo, entre las que pueden citarse: Inocência (1915) de Capellaro,

Un ejemplo regenerador (1919), Perversidade (1920) y Do Rio a Sao Paulo

para casar (1921) de José Medina (TORRES; ESTREMERA, 1973, p.54)1.

1 Em 1910 são rodados os primeiros longa-metragem de ficção; e em 1912 é criada em São Paulo a “Companhia

Cinematográfica Brasileira ”, produtora da maioria dos filmes desse período inicial. Entre as primeiras obras se destacam Os

estranguladores (1906) de Antonio Leal que, junto com outros filmes como O crime da mala, O crime dos Banhados e O

crime de Paula Mattos, é parte de uma curiosa corrente pseudonaturalista dedicada aos crimes famosos ocorridos naquela

época. Também tem um certo interesse a etapa musical desenvolvida entre 1908 e 1912, na qual se destaca Paz e Amor

(1910) de Alberto Botelho. Também se realizam outros filmes de relativo interesse, entre eles podemos citar: Inocência

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Em 1922, os progressistas militares se uniram às vozes civis e iniciaram manifestações

em defesa da liberdade democrática, mas acabam silenciados, no episódio conhecido na

história do Brasil como “os 18 do forte”. Antes de morrerem, seus últimos gritos foram de:

Viva a revolução!

A indignação da sociedade ao assistir a esse massacre acirrou ainda mais o discurso e

a luta pela democracia. Começaram também os cursos desenvolvidos pelo Partido Comunista

do Brasil, que ensinavam às massas as bases da revolução do proletariado e as marxistas.

A próxima grande tentativa de revolução foi liderada por Luiz Carlos Prestes (1898-

1990), mas não conseguiu atingir os objetivos propostos. Prestes, formado em engenharia

militar, participou ativamente do movimento revolucionário. Conquistava correligionários e

propagava entre eles seu discurso na luta para libertar a pátria do capitalismo.

Em julho de 1924, Prestes comanda um levante, exigindo a criação do governo do

operariado, mas não provoca um grande movimento. Torna-se querido pelas massas, mas a

falta da participação ativa do povo faz com que consiga apenas libertar prisioneiros e quebrar

instrumentos de tortura.

Os filmes realizados nesse período desenvolveram-se em diferentes zonas de

produção, conhecidas como ciclos, cujos mais importantes são três: de Recife, de Campinas e

de Cataguazes. Este último ciclo foi responsável pelo surgimento do cineasta Humberto

Mauro (1897-1983), que na década de trinta dirige suas maiores obras primas, Ganga bruta

(1932), que fala sobre repressão e violência e Favela dos meus amores (1934), tema que seria

continuamente tratado em quase toda a história do cinema brasileiro. Mauro torna-se o

primeiro cineasta a ter uma produção considerada cinemanovista.

Mauro es el primer autor brasileño que consigue, a través del medio

cinematográfico, expresar la realidad nacional de una forma peculiar y

fundamentada en unas bases culturales propias, gracias a una estética

personal, nacida de unas necesidades reales, asimiladora del fenómeno

cinematográfico mundial, y de una modernidad sorprendente; de esto es un

buen ejemplo Ganga bruta, mezcla aparente de muchos estilos pero

perfectamente cohesionada y adecuada a la realidad mostrada (TORRES;

ESTREMERA, 1973, p.56)2

(1915) de Capellaro, Um exemplo regenerador (1921), Perversidade (1920) e Do Rio a São Paulo para casar (1921) de José

Medina. (TORRES, 1973, p.54). Esclarecemos que todas as traduções apresentadas em nota de rodapé foram realizadas pela

autora desta dissertação.

2 Mauro é o primeiro autor brasileiro que consegue, através do meio cinematográfico, expressar a realidade nacional de uma

forma peculiar e fundamentada em bases culturais próprias, graças a uma estética pessoal, nascida de necessidades reais,

assimiladora do fenômeno cinematográfico mundial, e de uma modernidade surpreendente; um bom exemplo disso é Ganga

bruta, mistura de muitos estilos mas perfeitamente coeso e adequado à realidade mostrada (TORRES, 1973, p.56).

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A partir de 1930 o Brasil entra em recessão devido à queda na exportação do café, seu

principal produto. O cineasta Mario Peixoto (1908-1992) lança o controverso, porém clássico,

filme do cinema brasileiro, Limite (1930). No mesmo ano de sua filmagem sobe ao poder o

presidente Getulio Vargas (1882-1954), que nele permanece até o ano de 1954. Em 1937,

Vargas condena o revolucionário Prestes a 46 anos de prisão. Porém, durante a segunda

guerra mundial, a pressão das forças democráticas exige a libertação de Prestes, que passa a

atuar no senado brasileiro pelo partido comunista.

Em meio a esses acontecimentos o cinema sonoro se desenvolve muito lentamente e

inicia-se o período das chanchadas, que caem no gosto do povo e enchem as salas de cinema.

Mesmo com todo esse êxito comercial, não existe uma instituição que transforme estas

aventuras em uma real indústria cinematográfica.

Em 1947 o Brasil rompe as relações com a União Soviética, ilegaliza o Partido

Comunista do Brasil e lança uma ferrenha campanha contra os comunistas. Porém, ao mesmo

tempo em que se fecha o cerco contra o comunismo, acirra-se a luta pela independência,

liberdade nacional, contra o imperialismo norte-americano e contra o modo de vida capitalista

liberal.

Nesse contexto, a arte era vista pelos intelectuais e artistas como elemento para

conscientizar e mobilizar. O cinema era uma poderosa ferramenta para a revolução, que lutava

contra o domínio do mercado pelo norte e por Hollywood, onde se alternavam as propostas

estéticas e as de conscientização.

As primeiras utilizações do termo Cinema Novo no Brasil acontecem em 1952, a partir

do I Congresso Paulista de Cinema Brasileiro em abril, e do I Congresso Nacional do Cinema

Brasileiro, em setembro do mesmo ano, no Rio de Janeiro, onde foram discutidas produções

do cinema brasileiro e questões como distribuição, exibição e sindicalização, entre outras.

Nesse ano ainda, um acordo militar assinado com os Estados Unidos

[...] proibiu o Brasil de vender as matérias-primas de valor estratégico -

como o ferro - aos países socialistas. Esta foi uma das causas da trágica

queda do presidente Getúlio Vargas, que desobedeceu a esta imposição

vendendo ferro à Polônia e à Tchecoslováquia, em 1953 e 1954, a preços

muito mais altos do que os que pagavam os Estados Unidos (GALEANO,

1982, p.109)

A desobediência de Vargas e o conflito gerado com os EUA era apenas o começo da

disputa em que o país entraria nos próximos anos contra o imperialismo capitalista. As

produções artísticas refletiam esse momento da história do país.

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O filme Rio 40 graus (1955), do cineasta Nelson Pereira dos Santos (1928-), delimita

de vez os contornos do Cinema Novo. Com esse filme Nelson prova que era possível fazer

um cinema barato, condizente com sua realidade social. O cineasta inicia sua busca e

inspiração em livros de escritores brasileiros consagrados. Entre seus principais filmes

encontram-se as adaptações que fez ao cinema das obras do escritor Graciliano Ramos: Vidas

secas (1964), indicado à Palma de Ouro; o episódio “Os Ladrões” do filme Insônia (1980),

feito juntamente com cooperados do Sindicato dos trabalhadores da indústria cinematográfica;

Memórias do Cárcere (1984). Apesar de ter obras significativas no movimento, não foi

considerado seu maior expoente.

Com a renúncia do novo presidente Jânio Quadros, o povo se levanta novamente,

agora liderados no sul por Leonel Brizola (1922-2004), para frustrar o golpe militar e colocar

no poder o vice-presidente João Goulart (1919-1976). Em 1962, quando um ministro tenta

colocar em prática o decreto fatal contra a exportação de ferro, “o embaixador dos Estados

Unidos, Lincoln Gordon, envia a Goulart um telegrama protestando com viva indignação pelo

atentado que seu governo ameaçava cometer contra os interesses de uma empresa norte-

americana” (GALEANO, 1982, p.109).

No mesmo ano de 1962 é fundado o Centro Popular de Cultura da UNE - União

Nacional dos Estudantes, onde intelectuais e artistas se reúnem com estudantes para

construírem juntos os ideais de uma cultura nacional popular e democrática. Incentivavam a

arte popular, sua democratização e o trabalho voltado ao povo. Levavam espetáculos às

associações, sindicatos, fábricas e favelas. Em sua primeira diretoria estava o cineasta Leon

Hirszman (1937-1987), que, entre os projetos, dirigiu o episódio “Pedreira de São Diego”, do

filme Cinco Vezes Favela (1962).

[...] o filme marca a estréia de cinco muito jovens realizadores, todos

ativíssimos no movimento dos cineclubes, alguns com trânsito no

documentário de curta metragem: Joaquim Pedro de Andrade, Miguel

Borges, Carlos Diegues, Marcos Farias e Leon Hirszman. No elenco e em

outras capacidades técnicas e artísticas encontram-se ainda alguns dos

rapazes que têm ajudado a revolucionar o teatro brasileiro: Oduvaldo Viana

Filho, Carlos Estevam, Francisco de Assis, Flávio Migliaccio etc. (VIANY,

1999, p.46).

No início da década de sessenta o Brasil era um cenário efervescente de

transformações sociais, políticas e culturais. Com o governo populista de João Goulart, muito

mais próximo da esquerda, afirmavam-se propostas para realização de reformas agrárias e

trabalhistas, motivadas por ideais progressistas e humanistas.

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O governo de Goulart planejava abastecer de ferro vários países europeus, tanto

socialistas como capitalistas. Porém, em 31 de março de 1964 o presidente é deposto por um

golpe chefiado por militares. Neste mesmo período, em que embates políticos e ideológicos

aconteciam em nível de governo, trabalhadores rurais abriam o interior do país, porém esse

trabalho não era para conquistarem terra para si.

Os desertos interiores nunca foram acessíveis à população rural. Em proveito

alheio, os trabalhadores foram abrindo o país, a golpes de facão, através das

selvas. A colonização foi uma simples extensão da área latifundiária. Entre

1950 e 1960, 65 latifúndios brasileiros absorveram a quarta parte das novas

terras incorporadas à agricultura (GALEANO, 1982, p.93).

Da mesma forma, as jazidas de ferro, responsáveis pela queda de Jânio Quadros e João

Goulart, já haviam sido cedidas há tempos para multinacionais durante os governos

anteriores, com isenções fiscais que garantiam a elas maiores lucros. Além de perder suas

riquezas minerais, o país não recebia quase nada por isso, em nome da abertura de seu

território e do desenvolvimento regional. E não era apenas nas extrações minerais que o país

perdia; não havia como se defender das políticas de exportação e importação dos países

hegemônicos, como exemplifica Galeano:

Se a colheita do café de 1964 tivesse sido vendida, no mercado norte-

americano, a preços de 1955, o Brasil teria recebido 200 milhões de dólares

a mais. A baixa de um só centavo na cotação do café implica uma perda de

65 milhões de dólares usurpados pelo país consumidor, Estados Unidos, ao

Brasil, país produtor. Porém, em beneficio de quem? Do cidadão que bebe

café? Em julho de 1968, o preço do café brasileiro nos Estados Unidos tinha

baixado 30% em relação a janeiro de 1964. Todavia, o consumidor norte-

americano não pagava mais barato seu café, senão 13% mais caro. Os

intermediários ficaram, pois, entre 1964 e 68, com este 13% e com aquele

30%: ganharam nas duas pontas. No mesmo espaço de tempo, os preços

recebidos pelos produtores brasileiros, por cada saca de café reduziram-se à

metade em 74. Quem são os intermediários? Seis empresas norte-americanas

dispõem de mais da terça parte do café que entra nos Estados Unidos: são as

firmas dominantes em ambos os extremos da operação (GALEANO, 1982,

p.71).

A respeito dessa dependência imperialista e de como era o alvo do pensamento

cinemanovista, Glauber Rocha, no texto Eztetyka da fome (1965), comenta que tanto o Brasil

quanto a América Latina permaneciam colônia e o que diferenciava “o colonialismo de ontem

do atual” era apenas a “forma mais aprimorada do colonizador: e além dos colonizadores de

fato, as formas sutis daqueles que também sobre nós armam futuros bote” (ROCHA, 2004,

p.64).

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Nesse manifesto, Glauber discute as relações entre a tendência do digestivo e as etapas

do ‘miserabilismo’ apregoada ao Cinema Novo brasileiro e observa sobre seu compromisso

com a verdade, ainda que do ponto de vista do diretor, ao apresentar realidades que iam contra

as ditadas pelas indústrias cinematográficas hegemônicas, nas quais prevalecia a estética e o

discurso estadunidense.

De Aruanda a Vidas Secas, o Cinema Novo narrou, descreveu, poetizou,

discursou, analisou, excitou os temas da fome: personagens comendo terra,

personagens comendo raízes, personagens matando para comer, personagens

fugindo para comer, personagens sujas, feias, descarnadas, morando em

casas sujas, feias, escuras: foi esta galeria de famintos que identificou o

Cinema Novo com o miserabilismo, hoje tão condenado pelo Governo do

Estado da Guanabara, pela Comissão de Seleção para Festivais do Itamarati,

pela crítica a serviço dos interesses oficiais, pelos produtores e pelo público

– este último não suportando as imagens da própria miséria. Este

miserabilismo do Cinema Novo opõe-se à tendência do digestivo,

preconizada pelo crítico-mor da Guanabara, Carlos Lacerda: filmes de gente

rica, em casas bonitas, andando em automóveis de luxo: filmes alegres,

cômicos, rápidos, sem mensagens, e de objetivos puramente industriais.

Estes são os filmes que se opõem à fome, como se, na estufa e nos

apartamentos de luxo, os cineastas pudessem esconder a miséria moral de

uma burguesia indefinida e frágil, ou se mesmo os próprios materiais

técnicos e cenográficos pudessem esconder a fome que está enraizada na

própria incivilização. Como se, sobretudo, neste aparato de paisagens

tropicais, pudesse ser disfarçada a indigência mental dos cineastas que fazem

este tipo de filmes. O que fez do Cinema Novo um fenômeno de importância

internacional foi justamente seu alto nível de compromisso com a verdade,

foi seu próprio miserabilismo, que, antes escrito pela literatura de ’30, foi

agora fotografado pelo cinema de ’60; e, se antes era escrito como denúncia

social, hoje passou a ser discutido como problema político. Os próprios

estágios do miserabilismo em nosso cinema são internamente evolutivos

(ROCHA, 2004, p.64).

Em contraste com a miséria que assolava o povo, que ansiava pela continuação da

reforma agrária, a revista Time, em uma edição latino-americana do ano de 1967, divulga

informações sobre o oferecimento do governo brasileiro de isenção de impostos e vantagens

que permitiriam aos capitalistas estrangeiros comprar ao preço de “sete centavos o acre”.

O discurso da agência governamental para o desenvolvimento da Amazônia –

SUDAM, estimulava o país a abrir as portas para ao “investimento estrangeiro”. Sustentado

pela falta de recursos para realizar mapeamento, pregavam a entrega do espaço aéreo

amazônico para fotogrametria por parte da aviação americana (GALEANO, 1982, p.97). Na

mesma época o Conselho de Segurança Nacional afirmava:

Causa suspeita o fato de que as áreas ocupadas, ou em vias de ocupação, por

elementos estrangeiros, coincidam com regiões que estão sendo submetidas

a campanhas de esterilização de mulheres brasileiras por estrangeiros”. De

fato, segundo o Correio da Manhã, “mais de vinte missões estrangeiras,

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principalmente as da Igreja protestante dos Estados Unidos, estão ocupando

a Amazônia, localizando-se nos pontos mais ricos em minerais radiativos,

ouro e diamantes... Empregam em grande escala a esterilização mediante o

método DIU (Dispositivo Intra Uterino) e ensinam inglês aos índios

catequizados (GALEANO, 1982, p.98).

O Brasil não servia apenas por seu potencial extrativista. Era preciso conter a

dominação de seu território, para que não houvesse disputa. Controlar não apenas sua política

e economia, mas seu modo de vida em sociedade.

Após o golpe de 1964, o AI-5 (ato inconstitucional número cinco), em 1968, cerceava

toda liberdade de expressão por meio de perseguição aos intelectuais, aos discursos de

esquerda radical e a qualquer movimentação que protestasse em torno desses discursos. A

vontade do povo foi calada pela perseguição, torturas e mortes. Todo tipo de mobilização que

divergisse da grande proposta capitalista no grande quintal norte-americano deveria ser

silenciado.

Nessa guerra instaurada pelo cinema novo, a religiosidade também fazia parte da

estrutura de algumas construções narrativas, fortemente presentes nas obras de Glauber, como

Deus e o diabo na terra do sol (1964) ou O dragão da maldade contra o santo guerreiro

(1969). O cineasta constrói seus personagens elevando-os de suas rotinas de vida como

subversão a um mundo em ruínas.

Sobre essa estética glauberiana, Nelson Pereira dos Santos assim se expressa:

Glauber rompe con muchas cosas. Su cine en esa época es muy importante

como elemento de transformación. Su importancia aún no ha sido totalmente

analizada dentro de la historia del cine y no solo del cine, sino de la cultura

brasileña. Respetaba la importancia y la presencia de la Revolución Cubana

en el cambio de la vida de América latina. Fue enfático muchas veces en eso

y también decía que Brasil habia escogido el mismo camino antes de Fidel,

un camino muy parecido. La Revolución Cubana vino a apoyar, a acreditar

que el camino de los brasileños, de los intelectuales, de la cultura brasileña,

era correcto, en el sentido de la liberación de nuestro pueblo (apud

DAICICH, 2004, p.46)3.

A primeira tarefa então era livrar-se da cultura que vinha de Hollywood e ditava o

modo de vida norte-americano mediante a cenarização informativa e crítica da realidade

brasileira e a reivindicação de uma expressão da cultura popular autêntica.

3 Glauber rompe com muitas coisas. Seu cinema nessa época é muito importante como elemento de transformação. Sua

importância ainda não foi totalmente analisada dentro da história do cinema e não só do cinema, mas da cultura brasileira.

Respeitava a importância e a presença da Revolução Cubana na mudança do modo de vida na América Latina. Foi enfático

muitas vezes com isso e também dizia que o Brasil havia escolhido o mesmo caminho antes de Fidel, um caminho muito

parecido. A revolução Cubana veio a apoiar, a acreditar que o caminho dos brasileiros, dos intelectuais e da cultura brasileira

era correto, no sentido da libertação de nosso povo (DAICICH, 2004, p.46).

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O cinema tornou-se uma arma na guerra contra a intensa aculturação, em uma

proposta que buscava enraizar os traços míticos e populares de um povo que se paralisava

frente à produção cinematográfica norte-americana, absorvendo seus costumes e tradições

importadas em detrimento de sua própria cultura.

Muito mais próximos econômica e culturalmente dos Estados Unidos do que

da Europa, os nossos espectadores têm uma imagem da vida através do

cinema americano. Quando um cidadão brasileiro pensa em fazer seu filme,

ele pensa em fazer um filme “à americana”. E é por isso que o espectador

brasileiro de um filme brasileiro exige, em primeira instância, um filme

“brasileiro à americana”. Se o filme por ser nacional não é americano,

decepciona. O espectador condicionado impõe uma ditadura artística a priori

ao filme nacional: não aceita a imagem do Brasil vista por cineastas

brasileiros porque ela não corresponde a um mundo tecnicamente

desenvolvido e moralmente ideal como se vê nos filmes de Hollywood.

Assim, não é mistério quando um filme brasileiro faz sucesso popular: todos

os filmes brasileiros que fazem sucesso são aqueles que, mesmo abordando

temas nacionais, o fazem utilizando uma técnica e uma arte imitadas do

americano (ROCHA, 2004, p.128).

Esta dependência econômica e política levavam o povo brasileiro a uma fragilidade

filosófica e não proporcionava o reconhecimento de suas próprias e diversificadas realidades

culturais. A exposição dos modos de vida, costumes, tradições e do pensamento crítico

imperialista eram impostos de forma tão natural e generalizada que deixou a sociedade

impotente e até mesmo inconsciente do processo em que estava inserida.

No Brasil, consolidava-se uma estrutura capitalista que exaltava as contradições entre

o mundo agrário, das pequenas cidades interioranas, responsáveis pela maior parte da

população brasileira, e o das grandes metrópoles, onde produções se organizavam mediante a

aliança entre autores ainda imaturos e blocos capitalistas, uma pequena burguesia ansiosa pela

superação provinciana que, em sua maioria, sonhava com os prêmios dos grandes festivais

mundiais e somava-se a grupos financeiros interessados em mecenato, baseando essas

produções nos moldes norte-americanos ou europeus.

Não existia formação técnica, muito menos produções suficientes para uma prática

ininterrupta e evolutiva de um aspirante a realizador. Nesse processo, os que menos se

preocupavam eram aqueles que buscavam nessa profissão apenas uma possibilidade de

enriquecimento e de êxito profissional e pouco se interessavam pelo sentido ideológico do

filme ou por sua significação cultural.

Se na Europa e nos Estados Unidos ainda existiam exceções e diretores dotados de

inteligência, cultura e sensibilidade, no Brasil estas qualidades soavam como loucura,

irresponsabilidade e comunismo.

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28

O cinema, inserido no processo cultural, deveria ser a última instância de linguagem

de uma civilização, mas de qual civilização? Somavam-se contradições de um país que vivia

as dicotomias de grandes centros e do interior.

Enquanto a América Latina vivenciava e chorava suas misérias, o observador

estrangeiro enxergava nessa realidade trágica apenas um elemento formal. Dessa forma, nem

o latino-americano comunicava sua verdadeira miséria ao homem civilizado, nem o homem

civilizado compreendia de verdade a grande miséria latino-americana.

O surgimento do Cinema Novo – a mudança de qualidade da produção

cinematográfica brasileira – não ocorreu no vácuo, porém, nem é um

fenômeno de difícil explicação. Decorre, em primeiro lugar, da própria

transformação radical pela qual vem passando o cinema, nos últimos anos,

em plano mundial (VIANY, 1999, p.147).

Seus autores compreendiam que os embargos seriam eliminados, não apenas pela

elaboração técnica de programas, mas por uma cultura da fome, da miséria, da violência que,

apresentando suas estruturas, supera-as, e joga por terra toda tradição da piedade redentora

colonialista, que nos tornava mendicantes, dentro de uma política mistificada e sustentada por

mentiras.

El cinema novo admite haber logrado alcanzar la verdadera comunicación,

pero confesando esto, se libera la certeza comunicativa del “populismo”; sin

embargo, se trata de una afirmación engañadora porque la profundidad del

populismo cultiva sólo los “valores culturales” de una sociedad

subdesarrollada. Estos “valores” no valen nada; nuestra cultura, producto de

una incapacidad artesanal, de la pereza, del analfabetismo, de la impotente

política de un inmovilismo social, es una “cultura año cero”. ¡Fuego a las

bibliotecas, entonces! (ROCHA, 1969).4

Carlos Diegues (1940-), depois de sua experiência com Cinco Vezes Favela, acaba por

tornar-se um dos nomes significativos do movimento e entre suas principais crenças trata a

questão dos mitos do modernismo e suas impressões. Entre suas afirmativas, garante que não

era sinônimo de modernidade apenas realizar uma boa produção cinematográfica, mas que

esta modernidade fez com que o cinema se adequasse ao seu tempo, e só havia uma forma de

realizá-la: mediante o estreito envolvimento com os problemas sociais e com as realidades

sociais de seu povo.

4 O cinema novo admite haver falhado em alcançar a verdadeira comunicação, porém, confessando isso, se liberta da certeza

comunicativa do ‘populismo’; entretanto, trata-se de uma afirmação enganadora porque a profundidade do populismo cultiva

apenas os ‘valores populares’ de uma sociedade subdesenvolvida. Estes "valores" não valem nada; a nossa cultura, devido a

uma escala de incapacidade, preguiça, analfabetismo, sem poder político, imobilidade social, é uma "cultura de ano zero".

Fogo nas bibliotecas, então!

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Esto quiere decir que no creo en un cine que no sea político, aunque no

llamo político al cine panfletario, ni al discursivo, sino al cine de

participación en el sentido de que esté comprometido con las corrientes de

opinión y con el pensamiento del mundo moderno. Una vez más, creo que el

cine subdesarrollado puede estar al frente, a la vanguardia de ese cine

político porque es, justamente, el cine de los pueblos oprimidos del mundo

entero y, por lo tanto, el cine más apto para hablar de la tragedia, del hambre,

del subdesarrollo, de los astronautas en el espacio exterior y de la miseria en

los países inferiorizados. En mis películas pretendo justamente - en la

medida de lo posible - hablar siempre de ese gran conflicto, de esa gran

contradicción del mundo moderno que es la distancia enorme que existe

entre los pueblos y las naciones del hemisferio sur y del hemisferio norte, o

dicho con otras palabras: de los pueblos que ya nacieron para la historia y de

aquellos que aún están al margen de ella. Creo, también que ya está superada

la fase del cine nacionalista en el sentido pequeño burgués del término, es

decir, del cine de glorificación o exaltación de las causas nacionales. Creo,

por ejemplo, que hoy día el Brasil es un país “devuelto” a la realidad

latinoamericana y que, por lo tanto, necesita más que nunca de un cine

integrado, participando de toda verdad latinoamericana que, a su vez, es una

consecuencia o un reflejo de toda tragedia mundial (DIEGUES, 1967).5

Dessa forma, o Cinema Novo, como arma ideológica, preocupava-se em estampar toda

fome, toda miséria, toda discrepância de um país que mesclava sua modernidade nos grandes

centros com as realidades do povo oprimido no interior, onde a falta de infraestrutura e o

abandono criavam um homem sem as mesmas perspectivas de desenvolvimento intelectual e

econômico. E era exatamente esse tipo de homem que estava sentado diante das telas dos

cinemas interioranos, sonhando com um estilo de vida que nunca se encaixaria em sua

realidade.

Esse Novo Cine, condizente com a realidade do povo brasileiro, convidava-o a pensar

com ele, a não se prostrar diante das temáticas, da capacidade operacional e tecnológica do

primeiro mundo, mas de entender que, mesmo não tendo essa mesma capacidade, os temas

tratados por ele eram importantes para o desenvolvimento intelectual e a compreensão de seu

papel social. Ou como o cineasta Glauber Rocha analisava, uma alternativa à barbárie

resultante dos ideais imperialistas.

5 Isso significa que eu não acredito em um filme que não seja político, embora não chame de político o cinema de

propaganda, nem ao discursivo, mas ao cinema subdesenvolvido, no sentido de que esse é comprometido com as correntes de

opinião e com o pensamento do mundo moderno. Novamente, acredito que o cinema subdesenvolvido pode estar à frente, na

vanguarda desse cine político porque é, justamente, o cine do povo oprimido do mundo inteiro e, portanto, o cine mais apto a

falar da tragédia, da fome, do subdesenvolvimento, dos astronautas no espaço exterior e da miséria dos países inferiorizados.

Em meus filmes pretendo justamente, na medida do possível – falar sempre desse grande conflito, dessa grande contradição

do mundo moderno que é a distância enorme que existe entre os povos e as nações do hemisfério sul e do hemisfério norte,

ou, com outras palavras: dos povos que já nasceram para a história e daqueles que ainda estão à margem dela. Creio também,

que está superada a fase do cinema nacionalista no sentido pequeno burguês do termo, ou seja, de um cinema que glorificasse

ou exaltasse as causas nacionais. Acredito, por exemplo, que hoje em dia o Brasil é um país “devolvido”

à realidade latino-americana e que, portanto, necessita mais do que nunca de um cinema integrado, participando de toda

verdade latino-americana que, por sua vez, é uma consequência do reflexo de toda a tragédia mundial.

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Eu não sou crítico, acho que tenho uma contribuição a dar à sociedade

brasileira, mas meu estilo de vida não é uma coisa tipo grã-fino paulista ou

playboy carioca, um tipo de malandragem populista. Como não transo nessa

área, fico desesperado. Tive vontade de pegar o avião e ir-me embora.

Aquela frase do Figueiredo dizendo que deixava o Brasil e ia embora me

chocou muito, um efeito psicológico. Se ele está falando isso é porque deve

desejar. Então eu já quero ir-me embora para algum lugar, com medo de que

subitamente o Brasil não dê certo, as pessoas não vão conseguir encontrar o

caminho da luz, vão acreditar que o humanismo acabou, só vai existir

mesmo a violência, o mal, a fofoca, o baixo nível (ROCHA apud

CAETANO, 1997, p.85)

E foram essas as predições que Glauber apresentou como resultante da aceitação

incondicional dos padrões hollywoodianos. Quando se assiste às gravações das poucas

edições de seu programa Abertura (1979), vê-se o desespero do cineasta em fazer-se

compreender pela maioria, da mesma forma como o Cinema Novo buscou essa compreensão

de seu público, ao entender que suas produções não eram tão bonitas, nem tinham grandes

investimentos em equipamentos e divulgação, mas apresentavam análises que refletiam a

realidade brasileira e latino-americana.

E como não havia formas de copiar todo o investimento realizado por essas indústrias

imperialistas de entretenimento, era imprescindível realizar sua cinematografia com

características também únicas de produção, com uma linguagem específica que representasse

as produções que nasciam sob o nome de Cinema Novo.

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CAPITULO 2 – O Terceiro Cine Argentino.

A revolução do proletariado na Rússia também foi estopim para muitas manifestações

na Argentina. Ela serviu para a ascensão impetuosa do movimento operário e para a

realização de paradas, comícios e manifestações culturais. Por todo país ecoavam os discursos

em homenagem aos russos empreitados na Revolução.

O partido reformista burguês chegou ao poder na Argentina em 1916, mas, apesar das

muitas promessas que fez, não realizou nenhuma reforma democrática significativa, além da

violência truculenta com que suas tropas e a polícia desmontavam qualquer tipo de

manifestação popular.

O Partido Socialista Argentino rachou durante os anos da Primeira Guerra Mundial.

Uma ala revolucionária buscava desmascarar a política chauvinista que realizavam os líderes

do Partido, o que os levou a serem expulsos em 1918, quando formaram o Partido Socialista

Internacional, que dois anos depois passou a denominar-se Partido Comunista.

As repressões continuavam e em 1918 houve greve dos metalúrgicos, que foram

brutalmente reprimidos. O cortejo fúnebre dos mortos nessa manifestação acabou também

alvo das tropas: a cerimônia foi metralhada impiedosamente e os sindicatos foram devastados.

Essas ações de repressão geraram um protesto que, no início de 1919, resultou em uma greve

geral que se estendeu por diversas regiões do país e levou muitos trabalhadores revoltados a

invadir lojas de armamentos.

As lideranças anarcossindicalistas, que atuavam no país há mais de uma década e

tinham histórico de campanhas grevistas, negociavam junto às autoridades o cessar das mortes

e da greve, mas a maioria dos operários rebelados não aceitavam retornar ao trabalho e

sentiram-se traídos.

De 1902 a 1909, a FORA6 iniciou uma intensa campanha de greves gerais

contra os empregadores e contra a legislação antitrabalhista. Perto do fim

desse período a situação tornou-se muito difícil em Buenos Aires, com a

brutalidade das autoridades e a militância dos operários incitando-se cada

qual a um grande clímax, até que, no "Maio de 1909", uma gigantesca

marcha de protesto percorreu as ruas de Buenos Aires, sendo dissolvida pela

polícia, responsável por inúmeras baixas entre os manifestantes. Em

retaliação, um anarquista polonês matou o coronel Falcon, chefe de polícia

de Buenos Aires, a quem se atribuía a culpa pela morte de vários

sindicalistas. Depois disso, uma rigorosa lei antianarquista foi aprovada, mas

a FORA continuou sendo uma organização numerosa e influente até 1927,

quando finalmente se juntou com a UGT socialista, transformando-se na

Confederação Geral Operária e abandonando rapidamente as antigas

tendências anarcossindicalistas (WOODCOCK, 2006, p.210).

6 Federación Obrera Regional Argentina

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Declarou-se Estado de Guerra no país. Casas foram invadidas. Inocentes mortos. Em

torno de quatro mil operários assassinados. As manifestações culturais e a imprensa voltam-se

para o discurso revolucionário que conclama a ditadura do proletariado.

As ações repressoras serviram apenas como gatilho para um engajamento ainda maior

na revolução. Pouco tempo depois, portuários e operários das indústrias de costuras entraram

em greve. Logo se instauraram greves por todo país. Operários petrolíferos, metalúrgicos,

agrícolas e ferroviários se juntaram em um movimento que tomou conta de todo o país.

Juntaram-se também a esse movimento os estudantes, que começaram a clamar por

uma reforma universitária. Não demorou muito para as lideranças estudantis aderirem ao

proletariado revolucionário. Nas reuniões e comícios estudantis era clara a simpatia pelo

discurso da Revolução Russa. Era preciso silenciar essas manifestações e para isso se instala o

terror e implanta-se o medo, como alternativa mais fácil para se calar aqueles que

protestassem contra a dominação sofrida.

[...] na Argentina não se fuzila: seqüestra-se. As vítimas desaparecem. Os

exércitos invisíveis da noite realizam a tarefa. Não há cadáveres, não há

responsáveis. Assim, a matança - sempre oficiosa, nunca oficial - realiza-se

com a maior impunidade. Assim é irradiada com mais potência a angústia

coletiva. Ninguém presta contas, ninguém oferece explicações. Cada crime é

uma dolorosa incerteza para os seres próximos à vítima e é também uma

advertência para todos os demais. O terrorismo de Estado se propõe a

paralisar, pelo medo, a população (GALEANO, 1982, p.199).

Manifestar poderia ter um preço muito mais caro do que a própria vida. Todos corriam

perigo. A estratégia eficaz garantiu que, mesmo sob protesto, a dominação fosse mantida e as

reações contrárias fossem caladas.

Nesse contexto, o cine militante se assume como um instrumento, como o

complemento de apoio à política. Dá margem à diversidade de objetivos que procuram

contrainformar, desenvolver mais altos níveis de consciência, agitar. O que definirá um filme

como militante e revolucionário não são apenas as ideologias e os propósitos de seu produtor

e realizador, mas a correspondência entre as ideias e as teorias revolucionárias válidas em

determinados contextos e a própria prática do filme com um destinatário real.

Sua distribuição acontecia por meio das organizações estudantis e de sindicatos. Era a

proposta não apenas de uma nova linha de produção, mas também de novos termos para

circulação.

As universidades nacionais, ao alcançarem o apogeu, estavam abertas a todas as

classes, o que permitiu que os filhos dos trabalhadores cursassem nível superior. As escolas

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universitárias de cinema eram reservatórios de novos realizadores onde se destacava a Escola

de Cinema da universidade Nacional do litoral, dirigida pelo cineasta Fernando Birri (1925-),

diretor do filme Tire dié (1958), que transcendia os ideais de um novo cine latino-americano.

O filme conta a história de crianças que se arriscavam próximo à estrada de ferro,

pedindo para que os passageiros do trem lhes atirassem dinheiro. Um verdadeiro retrato da

situação de miséria em que se encontravam muitos argentinos no fim da década de sessenta.

O Instituto de Cinematografia de Santa Fé, ou Escola Documental de Santa Fé, tem

sua sede dentro da Universidade Nacional do Litoral e foi fundado no dia 19 de dezembro de

1956. Considerado a primeira escola de cinema na América Latina, demonstrou desde sua

fundação características únicas na forma de produção e métodos de ensino, desde a seleção

dos temas, como a construção do conteúdo social e crítico, com estímulo à participação, tanto

da comunidade acadêmica quanto da cidade de Santa Fé.

Atravessou conjunturas nacionais que foram do autoritarismo à abertura política.

Propôs um método de formação mediante a união da teoria e da prática. Tinha como objetivo

realizar filmes a partir do conhecimento das realidades vividas na Argentina. Buscava um

cinema alternativo aos filmes comerciais, mas também buscava não se aproximar dos filmes

intelectuais para a elite estudada.

Seu intuito era realizar um cinema com as qualidades artísticas voltadas a um público

popular, contrapondo-se ao pragmatismo das produções comerciais e ao hermetismo do

cinema experimental, pois os dois serviam apenas a uma cultura burguesa colonial em

decadência. Tinham objetivos centrais ligados à realidade popular Argentina.

Além dessas, outras escolas foram criadas, como a Escola de Cinema da Universidade

Nacional de La Plata, o Centro de Experimentação e Realização Cinematográfica do Instituto

Nacional de Cinema e a Escola de Cinema da Universidade Nacional de Córdoba.

Era nesses lugares que docentes e discentes debatiam sobre as tendências e ideologias

que os uniam ou separavam diante, novamente, da dicotomia entre um cinema engajado com

a sociedade ou um cinema compromissado com os interesses do mercado.

Esses engajados, independentes ou sociais, uniam-se em grupos. Os que tiveram maior

destaque foram o Grupo Cine Liberación e o grupo Cine de la Base. O primeiro vinculado ao

peronismo e, o segundo, ao socialismo.

A proposta não seguia os padrões do cinema dominante estrangeiro, nem os padrões

do cinema local dominado argentino. Ao contrário, era caracterizada por uma militância que

buscava coerência entre suas convicções ideológicas e sua produção.

Esse modelo cinematográfico categorizava as possibilidades do cinema autor, discutia

suas características e o essencial era que, no momento, todos estavam cheios de perguntas.

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Então, não se tratava apenas de repetir a experiência neorrealista, ou surrealista, ou ainda a

experiência soviética.

A ideia não era copiar modelos pré-estabelecidos, mas provar que era possível

assimilar toda essa experiência vital como atitude. Em uma colônia subdesenvolvida, temas

como política alimentavam as discussões nos espaços alternativos de exibição.

O Cine de La Base e o Cine Liberación tinham objetivos políticos bem marcados, mas

seus ideais poderiam cair por terra, devido a questões culturais muito mais profundas e

arraigadas na sociedade. Não havia como se chegar à base se a maioria dos frequentadores

vinham da classe média e as classes populares não iam ao cinema.

Tornou-se então uma preocupação maior deste grupo projetar filmes em vilarejos,

sindicatos e setores populares, concebendo-o então muito mais como um grupo de

distribuição.

No início dos anos sessenta, fracassou o intento da construção de um cinema autoral

que competisse nas salas tradicionais de cinema com as produções estrangeiras que

dominavam os circuitos de distribuição, o que levou diretores novos e veteranos a praticarem

suas estratégias estéticas voltadas aos cine clubes e a uma atividade amadora, pois seus

projetos não estavam em conformidade com a indústria cinematográfica hegemônica.

No fim dos anos sessenta, uma nova geração de cineastas floresceu, formada pelos

cineclubistas, conscientes do fracasso das propostas de um cinema emancipador e

testemunhas da dominação do Cinema Novo brasileiro pela ditadura.

Conjugavam uma tomada de consciência sobre a impossibilidade de um cine político

comercial. Dessa forma alguns cineastas começaram a filmar de forma testemunhal, como

aconteceu no filme La hora de los hornos, de Fernando Solanas e Octávio Gertino (1968).

A primeira declaração do grupo Cine Liberación acompanhou as primeiras

apresentações da película La hora de los hornos.

El pueblo de un país neocolonizado como el nuestro, no es dueño de la tierra

que pisa, ni de las ideas que lo envuelven; no es suya la cultura dominante, al

contrario: la padece. Sólo posee su conciencia nacional, su capacidad de

subversión. La rebelión en su mayor manifestación de cultura. El único papel

válido que cabe al intelectual, al artista, en su incorporación a esa rebelión

testimoniándola y profundizándola (VELLEGGIA, 2007, p.271).7

7 O povo de um país neocolonizado como o nosso não é dono da terra que pisa, nem das ideologias que o envolvem, não é

sua a cultura dominante, ao contrário: ele a padece. Apenas repousa sobre a sua consciência nacional, por sua capacidade de

subversão. A rebelião é sua maior manifestação de cultura. O único papel válido que cabe ao intelectual ou ao artista em sua

incorporação a essa rebelião é testemunhá-la e aprofundar-se nela (VELLEGGIA, 2007, p.271).

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Dispostos a uma produção coletiva e comprometida com conflitos sociais, esses

ativistas buscavam iludir a intervenção da censura e da polícia. Esse trabalho clandestino foi o

início da formação do grupo Cine Liberación, responsável pela organização de circuitos

alternativos de distribuição em organizações estudantis, trabalhistas, igrejas e propriedades

particulares. Dessa vez, tratava-se de um projeto sociopolítico e com perspectivas globais.

Surge quase como uma necessidade pessoal de realizar uma autobiografia, envolvida

em seu contexto social, na qual apareciam indagações sobre a situação em que se

encontravam e como fazer algo que estava quase proibido. Segundo Octavio Getino, não

foram eles que inventaram La hora de los hornos, mas uma realidade política, social e

histórica que vivia o país. Era necessário existir produções que escapassem dos laços

institucionais da ditadura.

En consecuencia Pino Solanas y yo nos preguntamos: ¿Que hacemos?

Hagamos algo totalmente distinto, pero hagamos lo que realmente sentimos.

Además sabíamos que si no lo hacíamos a esa edad, en que éramos jóvenes,

no lo íbamos a hacer nunca. Y fue allí que en principio era sobre los caminos

de la liberación en la Argentina, una abstracción muy grande, pero la

desarrollamos a través del propio proceso que nos llevó dos años... La

argentina de esos años era un desastre. Los años 65 – cuando empezamos a

hacer esto – y 66 eran años donde todavía a primera vista la sociedad

argentina no daba para mucho, incluso cuando vino el golpe militar de

Ongania parte del sindicalismo, si no lo aplaudió, se puso de su lado,

pensando que se podía desarrollar una política nacional. Sin embargo,

nosotros percibíamos que detrás de esas apariencias había otra situación de

fondo que no se explicitaba del todo y que daba pie para producir este tipo

de estudio de la situación argentina que nos obligaba a trabajar

simultáneamente en varios campos. Significaba hacer una cosa distinta

frente a un pensamiento dominante en el campo de la cinematografía que

suponía que lo único posible era hacer películas para las salas de cine, de

acuerdo a las leyes vigentes, a lo que imponían los sindicatos de la industria

etc. (DAICICH, 2004, p.136).8

O principal problema que todos percebiam era metodológico e se indagavam como

haveriam de voltar a cruzar as relações com o cinema latino-americano. A ditadura que se

instaurou na Argentina em junho de 1966 aspirava assegurar a ordem socioeconômica das

oligarquias financeiras.

8 Em consequência, Pino Solanas e eu nos perguntamos o que fazer. Façamos algo totalmente diferente, mas façamos o que

realmente sentimos. Além disso, sabíamos que se não fizéssemos naquele tempo em que éramos jovens, não iríamos fazer

nunca. E foi ali o princípio, sobre os caminhos para a libertação da Argentina, uma abstração bem grande, porém a

desenvolvemos através do próprio processo que nos levou dois anos... A Argentina nesses anos era um desastre. Os anos de

65 - quando começamos a fazer isso - e 66 eram anos em que, todavia, à primeira vista, a sociedade argentina não se

importava muito, inclusive quando veio o golpe militar de Ongania, parte do sindicalismo, se não aplaudiu, se pôs ao seu

lado, pensando que poderiam desenvolver uma política nacional. Percebíamos que por detrás dessa aparência havia outra

situação de fundo que não se explicava no todo e que dava pé para produzir esse estudo da situação argentina que nos

obrigava a trabalhar simultaneamente em vários campos. Significava fazer uma coisa distinta frente a um pensamento

dominante no campo da cinematografia, que supunha que o único possível era fazer filme para as salas de cinema de acordo

com as leis vigentes, que nos impunham os sindicatos da indústria etc. (DAICICH, 2004, p.136).

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Exercia uma política econômica que reduziu o nível de vida das camadas mais

populares da sociedade e provocou o empobrecimento da classe média. Empreendeu também

uma política de repressão ideológica que tinha como característica as severas restrições ao

movimento dos trabalhadores, intervindo nas instituições acadêmicas em uma ação

moralizante, que tinha na censura cinematográfica uma de suas mais fiéis representantes.

Em 1967, no cinema argentino viveu-se uma espécie de circuito de distribuição

formado por organizações estudantis, políticas e sindicais. Não adiantava apenas propor uma

nova estética ou novas medidas de produção. Era necessário ter em mente novas

possibilidades de distribuição.

O Cine Liberación, encabeçado por Fernando Solanas e Octavio Getino, vinculava as

exibições a um trabalho político e à militância de esquerda, destinados a mobilizar e

conscientizar. O conceito de cine militante aos poucos cede lugar ao de Cine Guerrilla. O

principal ensaio ou manifesto foi Hacia un Tercer Cine e levou à nomes como Tercer Cine,

Cine revolucionário, Cine Militante e outros.

¿Era posible superar esa situación? ¿Cómo abordar un cine de

descolonización si sus costos ascendían a varios millones de dólares y los

canales de distribución y exhibición se hallaban en manos del enemigo?

¿Cómo asegurar la continuidad de trabajo? ¿Cómo llegar con este cine al

pueblo? ¿Cómo vencer la represión y la censura impuestas por el sistema?

Las interrogantes que podrían multiplicarse en todas las direcciones,

conducían y todavía conducen a muchos al escepticismo o a las coartadas.

“No puede existir un cine revolucionario antes de la revolución”, “el cine

revolucionario sólo ha sido posible en países liberados”, “sin el respaldo del

poder político revolucionario resultan imposibles un cine o un arte de la

revolución”. El equívoco nacía del hecho de seguir abordando la realidad y

el cine a través de la misma óptica con que se manejaba la burguesía. No se

planteavam otros modelos de producción, distribución y exhibición que no

fuesem los proporcionados por el cine americano porque había llegado aún a

través del cine a una diferenciación neta de la ideología y la política

burguesas (VELLEGIA, 2007, p.272).9

Antes de um estilo, o método da produção cinematográfica revolucionária era uma

atitude moral. Em resumo, não se tratava de fazer cine neorrealista na Argentina, mas fazer

entender e sentir até que ponto era necessário que a arte cinematográfica, em virtude de seus

próprios meios expressivos, se entrelaçasse com a realidade das imagens do real que acontecia

9 Era possível superar essa situação? Como abordar um cinema de descolonização se os seus custos ascendiam a vários

milhões de dólares e os canais de distribuição e exibição se encontravam nas mãos dos inimigos? Como assegurar a

continuidade do trabalho? Como chegar com esse cinema ao povo? Como vencer a repressão e a censura impostas pelo

sistema? As interrogações poderiam multiplicar-se em todas as direções, porém conduziam e conduzem a muitos para uma

atitude cética e desculpas. “Não pode existir um cinema revolucionário antes da revolução”, “sem o apoio do poder político

revolucionário é impossível um cinema e uma arte de revolução”. Esse equívoco nascia do fato de se continuar pensando a

realidade do cinema pela mesma ótica burguesa. Não se planejavam outros modelos de produção, distribuição e exibição que

não fossem os proporcionados pelo cinema americano, por que havia chegado, mesmo através do cinema, a uma

diferenciação entre a produção ideológica e a das políticas burguesas (VELLEGIA, 2007, p.272).

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sob os olhos daqueles que a vivenciavam, debaixo de seus objetivos e até que ponto este

realismo, a realidade dessas imagens, funcionavam como reflexo de uma mesma região, de

uma mesma nação. A esse respeito o cineasta Fernando Birri (2004, p.42) afirma:

La idea era hacer un cine que no es programado. Nuestra origen, nuestros

trabajos anteriores se juntan para seguir con más fuerza. Lo importante es

que todas nuestras cinematografias son parte de nuestra realidad

sociocultural. Por eso son parecidas, porque la temática no es diferente, a

decir que es un movimiento continental. No está preparado, no hay un

programa, vamos a hacer películas así de esta forma, eso viene de las bases,

viene de nuestras orígenes. 10

Um dos clássicos do novo cine argentino era um projeto de produção de uma ideia

que, a princípio, era sobre los camiños de la liberación en la Argentina e que mudou durante

o percurso de sua produção. Sobre La hora de los hornos (1968), Getino comenta em

entrevista a Daicich (2004, p.136):

Recorrimos el país, hablamos con militantes, intelectuales, dirigentes

sindicales, políticos y demás y fuimos cambiando, porque lo que cambia a

uno no sólo sentarse en la computadora y escribir un guión cuando se trata

de este tipo de trabajo, sino el contacto con la realidad para percibir lo que

está pasando y devolver una imagen a esa realidad, de alguna manera re-

procesada por nuestra visión, y que aporte a la misma.11

Em La hora de los hornos, houve a manifestação da contra-história como estratégia

discursiva, no intuito de destruir a memória das oligarquias militares em prol de sua reposição

pela memória do proletariado peronista e das massas populares representadas como o sujeito

histórico. O grupo cercou-se dos setores que vieram do peronismo em busca de gestionamento

de uma revolução nacional e social.

O ano de 1970 é o primeiro ano em que as experiências de exibição em circuito

alternativo começam a alcançar resultados significativos. Em março de 1971, avançam as

distinções entre o Terceiro Cine e o Cine Militante, com o segundo se assumindo como

hipotético dentro de um processo em desenvolvimento.

No entanto, o cinema político social não tinha as mesmas aspirações que o industrial.

Não havia sido concebido com estratégias de marketing. Seu principal objetivo estava no

10 A ideia era fazer um cinema não programado. Nossa origem, nossos trabalhos anteriores se juntavam para seguir com mais

força. O importante era que todas nossas cinematografias faziam parte de nossa realidade sociocultural. Por isso são

parecidas, porque a temática não é diferente. Dessa forma, podemos dizer que é um movimento continental. Não está

preparado, não existe um programa, faremos filmes assim dessa forma, isso vem das bases, vem de nossas origens (BIRRI).

11 Percorremos o país, falamos com militantes, intelectuais, dirigentes sindicais, políticos e fomos mudando, porque, para

mudar, não basta a alguém sentar na frente de um computador e escrever o roteiro, mas o contato com a realidade para

perceber o que se passa e devolver a imagem dessa realidade, de alguma maneira reprocessada por nossa visão, e que se refira

a si mesma.

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conscientizar, mobilizar seus espectadores na produção de mudanças reais. Suas obras se

dividiam entre razão e coração, prosa e poesia, panfletagem ou obra de arte, nesses extremos

de ideologias exacerbadas, desnecessárias à interação, que não se deu nas trincheiras, apenas

na memória.

Seus realizadores fizeram constantes esforços para permanecer dentro do universo

simbólico de seus espectadores. Contudo, no embate entre cine culto e cine industrial, não

conseguiram fazer com que absorvessem a coerência de seus princípios ideológicos.

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CAPITULO 3 – O Cine Imperfeito Cubano.

Cuba talvez tenha uma das histórias mais singulares na luta contra o capitalismo, mas

nem por isso foi menor o derramamento de sangue em seu território. O país originalmente era

povoado por várias etnias e culturas que, durante os processos de colonização, foram

desaparecendo. Mesmo com um povo subjugado a outras culturas, o cinema não tardou a

chegar e a primeira película produzida foi em fevereiro de 1887, quando realizaram apenas

um pequeno registro, com cerca de um minuto de duração.

Após livrar-se do domínio e invasão de cerca de quatro séculos exercidos pela

Espanha, a ilha, no final do século XIX, é invadida e conquistada pelos Estados Unidos, que

ali estabelecem um governo militar e acentuam a exploração do açúcar, instalando empresas e

utilizando o local como um espaço de veraneio para o povo norte-americano, com construção

de grandes hotéis e clubes destinados apenas aos americanos que moravam e visitavam o

local, até finalmente serem expulsos em 1959 pelos rebeldes cubanos liderados por Fidel

Castro, que derrubaram o governo de Fulgencio Batista e assumiram o controle de Cuba.

Assim como em outros países latino-americano, os reflexos da Revolução Russa de

1918 nortearam as ideologias políticas cubanas e interferiram diretamente na produção

cultural que, com o passar dos anos, focou-se na luta contra o imperialismo. A situação de

dominados imposta por seus países colonizadores colocavam o povo cubano como meros

servientes aos seus interesses. No ensaio Intelectuales y artistas del mundo entero. Desuníos!,

de 1973, o cineasta cubano Julio Garcia Espinosa declara:

La revolución de octubre fue una explosión abierta y sin máscaras. El

imperialismo norteamericano fue una aparición subrepticia y cerrada. La

Revolución de Octubre inauguro la revolución cultural más importante de

este siglo: eliminar la sociedad dividida en clases. La unión Soviética le puso

nombre y apellido a la aldea global. El capital financiero la despersonalizó.

El imperialismo declaró la hegemonía del capital financiero para acabar con

la lucha de clases, impulso su carácter internacional para acabar con los

verdaderos intereses nacionales (apud VELLEGGIA, 2007, p.365).12

A ilha é a expressão fiel dos embargos sofridos por aqueles que não se adaptaram ao

sistema capitalista. Não era apenas a dominação do território que os países dominantes

queriam garantir, mas manter todos os países de terceiro mundo embaixo de suas leis de

12 A revolução de outubro foi uma explosão aberta e sem máscaras. O imperialismo norte-americano foi uma aparição oculta

e fechada. A revolução de outubro inaugurou a revolução cultural mais importante desse século: eliminar a sociedade

dividida em classes. A revolução soviética pôs o nome e sobrenome à aldeia global. O capital financeiro a despersonalizou. O

imperialismo declarou a hegemonia do capital financeiro para acabar com as lutas de classes, impulsionou seu caráter

internacional para acabar com os verdadeiros interesses nacionais (apud VELLEGGIA, 2007, p.365).

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mercado e de negociação. A Europa e os Estados Unidos foram acostumados desde o início

de sua colonização a tratar a América Latina como seu território de expropriação. O açúcar e

o tabaco cubano eram alguns dos produtos que levavam a América do Norte a lutar para

sustentar seu estado hegemônico sobre Cuba, bem como sobre toda América Latina.

Quando caiu Batista, Cuba vendia quase todo seu açúcar aos Estados

Unidos. Cinco anos antes, um jovem advogado havia profetizado

corretamente, ante aqueles que o julgavam pelo assalto ao quartel Moncada,

que a história o absolveria: havia dito em sua vibrante defesa: “Cuba

continua sendo uma feitoria de matéria-prima. Exporta-se açúcar para

importar caramelos[...]” Cuba comprava nos Estados Unidos não só

automóveis e máquinas, produtos químicos, papel e roupa, mas também

arroz e feijão, alhos e cebolas, banha, carne e algodão. Vinham sorvetes de

Miami, pães de Atlanta e até jantares de luxo de Paris. O país do açúcar

importava cerca da metade das frutas e verduras que consumia, embora só a

terça parte de sua população ativa tivesse trabalho permanente, e a metade

das terras das centrais açucareiras fossem extensões baldias onde as

empresas não produziam nada. Treze engenhos norte-americanos dispunham

de mais de 47% da área açucareira total e ganhavam por volta de 180

milhões de dólares em cada safra. A riqueza do subsolo - níquel, ferro,

cobre, manganês, cromo, tungstênio - formava parte das reservas estratégicas

dos Estados Unidos, cujas empresas apenas exploravam os minerais de

acordo com as variáveis exigências do exército e da indústria do norte. Havia

em Cuba, em 1958, mais prostitutas registradas do que operários mineiros

(GALEANO, 2002, p.51).

Para garantir a independência depois da Revolução foram necessários altos

investimentos em segurança, o que era muito caro para uma nação que sofria embargos de

todos os lados, dificultando o desenvolvimento de uma indústria forte e os investimentos

estrangeiros no país. Eram frequentes as invasões e as sabotagens realizadas pelo governo

americano. A luta permeava a disputa deflagrada entre o socialismo e o capitalismo. A

possibilidade de Cuba dar certo era uma ameaça constante a rondar as nações imperialistas,

que lutavam para manter o povo latino-americano em seu estado de dominados, fornecedores

de matéria prima, e de potencial e imenso mercado consumidor.

A Revolução Cubana de 1959 tem para a América o mesmo significado que

a Revolução Russa de 1917 teve para a Europa ou a Revolução Chinesa de

1949 para a Ásia. Durante décadas, o exemplo dos revolucionários cubanos

incendiou a imaginação da intelectualidade de esquerda na América Latina,

transformando-se no símbolo da justiça social e da possibilidade de um

futuro melhor para os povos latino-americanos. O passar do tempo, contudo,

veio a demonstrar que a experiência cubana não era um mar de rosas, apesar

das conquistas reais atingidas no plano social (ARRUDA, 2004, p.547).

Essa revolução permitiu que o cinema em Cuba se desenvolvesse de forma menos

interrupta que nos outros países latino-americanos que, em sua maioria, tinham suas

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produções controladas pelos regimes ditatoriais que, a partir dos anos sessenta, dominaram

seu território. Essa condição fez com que o cinema nacional cubano e sua distribuição

seguissem padrões que divergiam dos ditados pela indústria cinematográfica americana que

dominava todo continente e configurava-se em quase a totalidade dos filmes passados em

todo território latino.

No final da década de 1950 e início de 1960, os realizadores cubanos começaram a

produzir documentários que mostravam a realidade daquele povo que lutava e vivia em

função do combate ao imperialismo e, mediante essa produção, desenvolveram o aprendizado

de diversas técnicas.

Em 1948 haviam oficializado a Cinemateca de Cuba e exatamente oitenta e três dias

depois do começo da Revolução Cubana, em 1959, foi fundado o ICAIC – Instituto Cubano

de Arte e Indústria Cinematográfica, dedicado à promoção e desenvolvimento da

cinematografia cubana.

O ICAIC teve fortes influências do neorrealismo italiano e do cinema autoral, em que

o filme todo estaria subordinado à vontade de seu diretor. Dedicou-se também ao

desenvolvimento de grupos de experimentações sonoras para o cinema. Seus principais nomes

são: Santiago Alvarez, na produção de documentais; Juan Padrón, em animações; Humberto

Solas e Tomás Gutierrez Alea, nos filmes de ficção.

A primeira etapa foi o aprendizado que, pouco a pouco, desenvolveu a técnica e

converteu cineastas em documentaristas ou ficcionais. Com o desenvolvimento de um cinema

nacional, aos poucos foi se formando o público que, de início, não demonstrou muita

aceitação à produção, devido à baixa qualidade das películas de entretenimento realizadas.

Ao contrário das outras ditaduras instauradas na América Latina, a de Cuba era

defendida pelo povo com armas em punho. Em 1961, o ditador da Guatemala liberou áreas

em seu país para o treinamento dos invasores de Cuba em troca de promessas feitas pelos

Estados Unidos, que nunca foram pagas.

Em 1964, em seu gabinete de Havana, Che Guevara me mostrou que a Cuba

de Batista não era só de açúcar: as grandes jazidas cubanas de níquel e

manganês explicavam melhor, em seu juízo, a fúria cega do império contra a

revolução. Desde aquela conversação, as reservas de níquel dos Estados

Unidos se reduziram a um terço: a empresa norte-americana Nicro-Nickel

fora nacionalizada e o presidente Johnson ameaçara os metalúrgicos

franceses com o embargo de seus envios aos Estados Unidos, se comprassem

o minério de Cuba (GALEANO, 1982, p.52).

Para manter-se dentro de um governo socialista, Cuba abriu mão do progresso, mas

não dos investimentos em educação, saúde e lazer. O embargo econômico fez com que o país

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não se desenvolvesse tecnologicamente. Cuba até hoje paga pelo atraso econômico causado

por esse embargo.

Foram os noticiários e documentários que começaram a aproximação do público e

abriram caminho posteriormente para a ficção. Obras como a de Santiago Alvarez (1919-) e

Octavio Cortazar (1935-2008) são destaques nesse período, onde não apenas se firma a ideia

de um cine comprometido com sua cultura e sociedade, como também o objetivo de levar o

cinema aos cantos mais remotos. O cinema era visto não apenas dentro de suas possibilidades

de entretenimento, mas como uma arma na conscientização e libertação da população.

Em busca de realizar esse sonho, em 1968 Cortazar embrenhou-se por toda ilha em

uma produção que mesclava a função de espectador e protagonista. “Pela primeira vez” conta

a história de uma comunidade distante de Havana, onde a maioria dos habitantes conheciam

cinema apenas de ouvir falar. A película mostra as impressões e expressões desses cubanos ao

assistir a um filme pela primeira vez. Dava ênfase aos olhares de admiração e surpresa

lançados em direção à tela. Sobre as experiências realizadas nessa época, Cortazar fala em

entrevista a Osvaldo Daicich (2004, p.52):

En los años 1959 y 1960 los realizadores comienzan haciendo documentales,

se van formando, van aprendiendo el manejo de las diversas técnicas. Es el

caso de Santiago Álvarez, quien ya en el año de 1969 era el gran

documentalista cubano, conocido mundialmente. Lo mismo pasó con

Gutiérrez Alea (Titón), que hizo sus grandes películas en esa época. Esa es

una primera etapa fundacional donde la gente aprende, van poco a poco

aprendiendo la técnica, convirtiéndose en cineastas, algunos

documentalistas, otros en directores de ficción. Cuaja un cine nacional, va

formándose porque independientemente de las expectativas que existían en

los primeros años de la Revolución con respecto a un cine nacional, las

películas de entrenamiento bien realizadas como para que el público las

aceptara y hubo inicialmente un rechazo. Estoy pensando en los años 1962,

1963 y 1964. pero comenzó un rescate de ese mismo público a través del

Noticiero, de los documentales y posteriormente del cine de ficción. Tal es

así que a la altura de 1970 existía un público para ese cine cubano que estaba

haciendo el ICAIC. No tan solo el ICAIC, porque sería injusto decir que el

cine cubano es cine nada más hecho por nosotros. También estaban los

Estudios Fílmicos de las FAR, con una producción bastante buena, aceptable

para el desarrollo de la época y del momento.13

13 Nos anos de 1959 e 1960 os realizadores começam fazendo documentais, vão se formando, vão aprendendo o manejo de

diversas técnicas. É o caso de Santiago Alvarez, que já no ano de 1969 era o grande documentarista cubano, conhecido

mundialmente. O mesmo se passou com Gutiérrez Alea, Titón, que fez grandes filmes nessa mesma época. Essa é uma

primeira etapa fundacional onde a gente aprende, vão pouco a pouco aprendendo a técnica, convertendo-nos em cineastas:

alguns documentaristas, outros diretores de ficção. Um cinema nacional foi se formando porque, independentemente das

expectativas que existiam nos primeiros anos da Revolução, com relação a um cine nacional, os filmes de entretenimento

bem realizados para serem aceitos pelo público, mas inicialmente houve um rechaço. Estou pensando nos anos de 1962, 1963

e 1964, porém começou um resgate desse mesmo público através do Noticiero, dos documentais e posteriormente dos filmes

de ficção. Tal foi que no início de 1970 já existia um público para esse cinema cubano que estava a fazer o ICAIC. Não

apenas o ICAIC, porque seria injusto dizer que o cinema cubano é apenas o cinema feito por nós. Também o faziam os

Estúdios Fílmicos das FAR, com uma produção bastante boa, aceitável para o desenvolvimento daquela época e daquele

momento (DAICICH, 2004, p.52).

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Outro nome importante na história do Novo Cine cubano é Alfredo Guevara

(Presidente do Festival del Nuevo Cine Latinoamericano de Habana). Sobre a cinematografia

anterior e esta, em um ensaio publicado na revista Cine Cubano, com o título “Cine cubano

1963”, Guevara (1998, p.114) comenta:

Cuando se produjo el triunfo revolucionario, el movimiento artístico

cinematográfico era una ilusión, el sueño de un grupo de aficionados y

estudiantes. No había otro panorama que el de la desolación, y antes que un

precedente teníamos frente a nosotros una sentina. En ella se movían

larvalmente pequeños personajes a precio fijo, no demasiado elevado,

reptiles de alquiler que entregaban los llamados Noticieros

‘cinematográficos’ al mejor postor. Éste era siempre el gobierno de turno, y

lo fue con creces la sangrienta dictadura de Batista, y con ella la Embajada

de la gran satrapía continental, el imperialismo norteamericano. De ello

encontramos pruebas fehacientes en el despacho del tirano en el antiguo

Campamento militar de Columbia. En sus arquivos, que no fueran depurados

previamente, pues estuvieran siempre en manos del Ejército Rebelde,

encontramos la miserable correspondencia de aquellas ‘larvas’ humanas. En

ella se ofrecían inclusive a ‘barnizar’ la realidad a cambio de prebendas y

dineros para borrar de algún modo la reacción de la opinión pública con

motivo de la masacre y terror desatados inmediatamente después, y en los

meses que siguieron al 13 de marzo. Es imposible considerar a esta

generación de comerciantes sin escrúpulos como parte de la historia viva,

artística, de nuestra cinematografía. 14

O manifesto Por un cine imperfecto, escrito pelo cubano Julio Garcia Espinosa, tinha

como proposta um novo conceito de qualidade que ia ao encontro da perfeição exigida pelos

filmes produzidos pelos blocos hegemônicos, entendendo-os como reacionários e impositores

de valores culturais estrangeiros.

Cuando nos preguntamos por qué somos nosotros directores de cine y no los

otros, es decir, los espectadores, la pregunta no la motiva solamente una

preocupación de orden ético. Sabemos que somos directores de cine porque

hemos pertenecido a una minoría que ha tenido el tiempo y las

circunstancias necesarias para desarrollar, en ella misma, una cultura

artística; y porque los recursos materiales de la técnica cinematográfica son

limitados y, por lo tanto, al alcance de unos cuantos y no de todos. Pero ¿qué

14 Quando se produziu o triunfo revolucionário, o movimento artístico cinematográfico era uma ilusão, o sonho de um grupo

de apaixonados e estudantes. Não havia outro panorama que o da desolação, e antes de um precedente, tínhamos em frente a

nós um esgoto. E nele se moviam larvalmente pequenos personagens a preço fixo, não demasiadamente elevado, répteis de

aluguel que entregavam os chamados Noticieros ao melhor lance. Este era quase sempre do governo vigente, e a ditadura de

Batista foi de longe a mais sangrenta, com ela a Embaixada da grande satrapia continental, o imperialismo norte-americano.

Dele encontramos provas esclarecedoras sobre os despachos do tirano e sobre o antigo acampamento militar de Columbia.

Em seus arquivos, que não foram averiguados previamente pois estiveram sempre em mãos do exército rebelde, encontramos

a miserável correspondência daquelas ‘larvas’ humanas. Nelas se ofereciam inclusive para ‘maquiar’ a realidade em troca de

regalias e dinheiro para apagar de algum modo a reação da opinião pública e a conexão com o massacre e o terror desatados

imediatamente depois, nos meses que se seguiram ao treze de março. É impossível considerar essa geração de comerciantes

sem escrúpulos como parte da história viva, artística, de nossa cinematografia.

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sucede si el futuro es la universalización de la enseñanza universitaria, si el

desarrollo económico y social reduce las horas de trabajo, si la evolución de

la técnica cinematográfica (como ya hay señales evidentes) hace posible que

esta deje de ser privilegio de unos pocos, qué sucede si el desarrollo del

videotape soluciona la capacidad inevitablemente limitada de los

laboratorios, si los aparatos de televisión y su posibilidad de “proyectar” con

independencia de la planta matriz, hacen innecesaria la construcción al

infinito de salas cinematográficas? Sucede entonces no sólo un acto de

justicia social, la posibilidad de que todos puedan hacer cine, sino un hecho

de extrema importancia para la cultura artística: la posibilidad de rescatar,

sin complejos, ni sentimientos de culpa de ninguna clase, el verdadero

sentido de la actividad artística. Sucede entonces que podemos entender que

el arte es una actividad “desinteresada” del hombre. Que el arte no es un

trabajo. Que el artista no es propiamente un trabajador (apud VELLEGGIA,

2007, p.355).15

Uma segunda geração de cineastas se forma no fim dos anos de 1970. Em sua maioria

formada por aprendizes dos primeiros realizadores. Um dos maiores cineastas dessa segunda

geração do cinema cubano é Tomás Gutierrez Alea (1928 – 1996). Titón, como era

conhecido, tem a obra mais expressiva de todo cinema cubano, tanto pelos temas trabalhados

quanto pelo número de realizações. Suas películas narram as dificuldades e os preconceitos da

sociedade cubana. Desde seus primeiros filmes o cineasta arrebata a plateia cubana e cai em

suas graças, como conta a Alfredo Guevara em carta enviada a ele em 1959:

Esta tierra nuestra está teniendo un éxito bárbaro. En el Astral la están

aplaudiendo en medio de las escenas y uno de los días esta reacción se

produjo de pie. En Rex los aplausos son diarios. Y lleno completo

(¿orgullosito eh?) (GUEVARA, 2008, p.28).16

Em Memorias del subdesarrollo (1968) Titón mostra a vida de um americano que

decide ficar em Cuba após o início da Revolução. Além da forte influência nítida do cine

15 Quando nos perguntamos por que somos nós diretores de cine e não outros, isto é, os espectadores, essa pergunta não

apenas motiva uma preocupação de ordem ética. Sabemos que somos diretores de cine porque pertencemos a uma minoria

que tem o tempo e as circunstancias favoráveis para desenvolver uma cultura artística, e porque os recursos materiais para a

técnica cinematográfica são limitados e, portanto, estão ao alcance de poucos e não de todos. Porém, o que acontece se no

futuro a universalização do ensino universitário, se o desenvolvimento econômico e social reduz as horas de trabalho, se a

evolução da técnica cinematográfica (como já existem sinais evidentes) torna possível que esta deixe de ser privilégio de

poucos, o que acontece se o desenvolvimento do videotape solucionar a capacidade inevitavelmente limitada dos

laboratórios, se os aparatos de televisão e sua possibilidade de ‘projetar’ com independência da matriz e fizerem

desnecessária no futuro a construção de salas cinematográficas? Sucede então não apenas um ato de justiça social, mas a

possibilidade de que todos possam fazer cinema, dessa forma seria um feito de extrema importância para a cultura artística: a

possibilidade de resgatar, sem complexos, nem sentimento de culpa de nenhuma classe, o verdadeiro sentido da atividade

artística. Depois disso então poderemos entender que a arte é uma atividade ‘desinteressada’ do homem. Que a arte não é um

trabalho. Que o artista não é propriamente um trabalhador (apud VELLEGGIA, 2007, p.355).

16 Esta tierra nuestra está tendo um êxito bárbaro. No Astral a estão aplaudindo em meio às cenas e em um dos dias a reação

se produziu em pé. No Rex os aplausos são diários. Pleno e completo (tá orgulhosinho?) (GUEVARA, 2008, p.28).

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autoral, o Cinema Novo de Glauber Rocha é, sem dúvida, outra fonte de inspiração para a

produção do cinema cubano.

En la década de los sesenta se afianza con más fuerza en Iberoamérica el

cine de autor y un movimiento que en buena medida lo marca es el Cinema

Novo brasileño. Películas como Dios y el diablo en la tierra del sol, de

Glauber Rocha, las películas como La primera carga al machete, como

Lucía, donde se ve una marca del Cinema Novo. En cada país de nuestro

continente, a partir de los sesenta, toma más fuerza un cine de autor, un cine

reflexivo, un cine muy incisivo con la realidad, desde distintas posiciones

estéticas y conceptuales; ha tenido su desarrollo y estamos en el día de hoy.

No ha habido rupturas pequeñas. No es que se haga el mismo cine de antes,

pero se hace el cine. Incluso muchos directores de antes están haciendo

películas ahora, tal es el caso de Titón con su última película, Guantanamera;

comenzó haciendo cine en los años sesenta (DAICICH, 2004, p.71).17

O final da década de 1970 rendeu vários prêmios importantes e reconhecimento

internacional a Titón. Essa segunda geração produz de forma pungente, com grande

diversidade, mas com o mesmo compromisso com os conflitos sociais. O filme Hasta cierto

punto (1983) mostra a realidade machista da sociedade cubana e a luta de uma mulher para

sobreviver e sustentar sua casa. Em 1994, dois anos antes de sua morte, o cineasta grava um

dos filmes mais importantes e mais reconhecidos de sua carreira, Fresa y chocolate mostra os

exageros do regime de Fidel através da amizade de um homossexual, descontente com o

ditador, com um jovem comunista fiel ao regime que, com o contato, começa a repensar suas

certezas sobre o regime instaurado por Fidel Castro.

O trabalho de Santiago Alvarez e de outros documentaristas continua durante a década

de oitenta, quando se inicia a terceira etapa do cinema cubano e se consolida uma indústria

cinematográfica. Até esse momento, a produção havia se desenvolvido apenas de modo

experimental, em oficinas onde o aprendizado acontecia quase em conjunto ainda com a obra.

Agora havia uma lógica e uma indústria de desenvolvimento cinematográfico. Porém, mesmo

com essa industrialização do cinema, ainda assim o modelo almejado estava distante do

modelo hegemônico norte-americano, como nos diz Santiago Alvarez em seu ensaio Arte y

compromiso:

17 Na década de sessenta se estabelece com mais força na América ibérica o cinema de autor e um movimento que, em boa

medida, marca o que é o Cinema Novo Brasileiro. Filmes como Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, como La

primera carga al machete, como Lucía, onde se vê as marcas do Cinema Novo. Em cada país de nosso continente, a partir

dos anos sessenta, se torna mais forte um cine de autor, um cine reflexivo, um cine muito incisivo com a realidade, desde as

distintas posições estéticas e conceituais, existiu desenvolvimento e estamos nele até o dia de hoje. Não houve rupturas

pequenas. Não é que se faça o mesmo cinema de antes, mas se faz cinema. Inclusive muitos diretores de antes estão fazendo

filmes agora, como o caso de Titón e seu ultimo filme, Guantanamera, que começou fazendo cinema nos anos sessenta

(DAICICH, 2004, p.71).

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No creo en el cine preconcebido. No creo en el cine para la posteridad. La

naturaleza social del cine demanda una mayor responsabilidad por parte del

cineasta. Esa urgencia del Tercer Mundo, esa impaciencia creadora en el

artista producirá el arte de esta época, el arte de la vida de dos tercios de la

población mundial. En el Tercer Mundo no hay grandes zonas de elites

intelectuales ni niveles intermedios que faciliten la comunicación del creador

con el pueblo. Hay que tener en cuenta la realidad en que se trabaja. La

responsabilidad del intelectual del Tercer Mundo es diferente a la del

intelectual del mundo desarrollado. Si no se comprende esa realidad se está

fuera de ella se es intelectual a medias. Para nosotros, no obstante, Chaplin

es una meta, porque su obra llena de ingenio y audacia conmovió tanto al

analfabeto como al más culto, al proletario como al campesino (apud

VELLEGGIA, 2007, p.354).18

Em dezembro de 1986 é inaugurada a Escuela Internacional de Cine y Televisión

(EICTV), conhecida também como Escola dos Três Mundos (América Latina, África e Ásia).

A escola era resultante do empenho de vários cineastas de toda América Latina que se uniram

pela primeira vez em Viña del Mar cerca de vinte anos antes e descobriram ali os traços em

comum de suas produções. Era a concretização do sonho de uma escola latino-americana de

cinema e mantida pela Fundação do Novo Cine Latino-americano, fundada no ano interior.

Iniciava-se um racionalismo industrial, sempre sobre temas sociais, porém tal etapa

tende um pouco mais a histórias do cotidiano, sempre com baixos custos. Na década de 90,

prevalece o cotidiano, com uma dramaturgia voltada à comédia.

Cuba até hoje possui uma produção significativa, tanto o ICAIC quanto a EICTV

promovem todos os anos vários materiais nacionais ou em parceria com outros países. Todos

os anos, em dezembro, o país sedia o Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano,

com participação de cineastas de todo mundo.

18 Não creio em um cinema pré-concebido. Não creio em um cinema para a posteridade. A natureza social do cinema

demanda uma maior responsabilidade por parte do cineasta. Essa urgência do Terceiro Mundo, essa impaciência criadora no

artista produzirá a arte dessa época, a arte da vida de dois terços da população mundial. No terceiro mundo não há grandes

zonas de elites intelectuais nem níveis intermediários que facilitem a comunicação do criador com o povo. Deve-se ter em

conta a realidade em que se trabalha. A responsabilidade do intelectual do terceiro mundo é diferente da responsabilidade do

intelectual do mundo desenvolvido. Se não se compreende essa realidade se está fora dela, se é um intelectual mediano. Para

nós, não obstante, Chaplin é uma meta, porque sua obra cheia de genialidade e audácia comoveu tanto o analfabeto como o

mais culto, tanto o proletariado como o camponês (apud VELLEGGIA, 2007, p.354).

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CAPITULO 4 – O Novo Cine na América Latina

A América Latina engloba ao todo vinte países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,

Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México,

Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

Na Bolívia, o motivo da luta anti-imperialista era o estanho. Em abril de 1952

aconteceram as jornadas revolucionárias que levaram o país a nacionalizar o minério. Porém,

a fase abundante já havia passado, o grande filão estava muito reduzido e as serras quase

completamente perfuradas.

Além disso, apenas essa nacionalização não seria suficiente para estancar a

dilapidação das riquezas bolivianas frente aos interesses dos poderosos. O país continuava a

vender a matéria-prima em estado bruto e seu governante controlava o preço e o destino.

Porque a nacionalização, conquista fundamental da revolução de 1952, não

modificara o papel da Bolívia na divisão internacional do trabalho. A Bolívia

continuou exportando o mineral em bruto, e quase todo estanho se refina

ainda nos fornos de Liverpool, da empresa Williams, Harvey and Co., que

pertence a Patiño. A nacionalização das fontes de produção de qualquer

matéria-prima não é, como ensina a dolorosa experiência, suficiente. Um

país pode continuar tão condenado à impotência como sempre, embora se

seja normalmente dono do subsolo. A Bolívia produziu, ao longo de sua

história, minerais em bruto e discursos refinados. Abundam a retórica e a

miséria; os escritores cafonas e os doutores encasacados se dedicaram

sempre a absolver os culpados de qualquer culpa. De cada dez bolivianos,

seis não sabem, ainda, ler; a metade das crianças não vai à escola. Até 1971,

a Bolívia deveria ter em funcionamento sua própria fundição nacional de

estanho, levantada em Oruro ao fim de uma infinita história de traições,

sabotagens, intrigas e sangue derramado. Este país, que não pôde, até agora,

produzir seus próprios lingotes, se dá ao luxo, em compensação, de contar

com oito diferentes faculdades de Direito que fabricam vampiros de índios

em quantidades industriais (GALEANO, 1982, p.105).

Em 1966, Jorge Sanjines (1936-) fundou na Bolívia, juntamente com Antonio Eguino

(1938-), Oscar Soria (1917-1988), Ricardo Rada e Hugo Roncal (1923-2005), o Grupo

Ukamau. Esse grupo tinha como tema principal de sua produção retratar esse estado de

miséria e pobreza em que vivia o povo boliviano. Buscavam um cinema que, ao valorizar a

identidade nacional e popular junto ao povo, servisse como ferramenta de luta política contra

os interesses capitalistas.

Sua proposta era essencialmente anti-imperialista e revolucionária. Entendiam a

qualidade técnica como apenas um meio, não como objetivo. Em entrevista a Daicich (2004,

p.97), o cineasta Sanjines fala sobre a criação do grupo:

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Fue una coincidencia de objetivos lo que unió a la gente que fundó el Grupo

Ukamau. Un viejo amigo que yo había dejado en mi época de estudiante de

filosofía en la universidad, el escritor Oscar Soria, y otro viejo amigo de

colegio que había estudiado cine en Nueva York, Antonio Eguino,

compartíamos juntos un mismo sueño relativo a todo lo que yo estaba

hablando ahora y también, naturalmente, el deseo impaciente de hacer cine.

Porque nos gustaba hacer cine, porque nos divertía también hacer cine. Pero

queríamos juntar las dos cosas, el placer de hacer cine, de realizarnos como

cineastas, pero usando nuestro instrumento y nuestro tiempo en crear algo

útil a la sociedad. Tuvo dos etapas. La primera surge incluso antes del acceso

al Instituto Cinematográfico Boliviano, que fue a fines del año 1964. Ya

desde 1960 hasta 1964 habíamos tenido un trabajo cinematográfico muy

incipiente, cuando se hizo Revolución, se hizo Un dia, Paulino, se hizo

alguna otra película, incluso una película de encargo como Sueños y

realidades: una jornada difícil. Después de la salida del Instituto

Cinematográfico, donde estuvimos dos años, nos organizamos en lo que se

llamó la Empresa Ukamau. Yo no compartía mucho la idea de empresa para

este tipo de cine. Pero poco tiempo después, cuando vino el golpe de Banzer

y yo ya no pude volver al país, creé lo que se llama el Grupo Ukamau y nos

dividimos entre lo que era entonces empresa con Antonio Eguino y Oscar

Soria y el grupo, que continúa hasta hoy día desde el año 1971. Cuando Salí

al exilio, otra gente del mismo equipo me acompaño y estuvimos trabajando

en el Perú y en el Ecuador, haciendo después El enemigo principal y !Fuera

de aquí! dentro de esa misma línea, incluso profundizando esa línea y la

condición de cine colectivo, colectivo en el sentido de que estaba dirigido al

colectivo social. Dentro del cine que hemos hecho la dirección, el guión y la

fotografía han sido tareas de los que sabían hacer ese trabajo.19

Empenharam-se em fazer filmes que contribuíssem na luta dos setores mais

empobrecidos da sociedade boliviana e que chamassem a atenção da população sobre a

cultura de seus antepassados, em maioria indígena. Os componentes do grupo não pretendiam

militar em prol de nenhuma organização política específica, porém estavam embebidos no

discurso socialista de uma América Latina que lutava contra o imperialismo e a opressão

violenta de regimes militares ditatoriais.

19 Foi uma coincidência de objetivos que nos uniu, os fundadores do Grupo Ukamau. Um velho amigo que eu havia deixado

em minha época de estudante de filosofia na universidade, o escritor Oscar Soria e outro velho amigo de colégio que havia

estudado cinema em Nova York, Antonio Eguino, compartilhávamos juntos um mesmo sonho relativo a tudo o que eu estava

falando agora e também, naturalmente, o desejo impaciente de fazer cinema. Porque gostávamos de fazer cine, porque nos

divertia também fazer cinema. Mas queríamos juntas as duas coisas, o prazer de se fazer cinema, de realizarmos como

cineastas, mas usando nosso instrumento e nosso tempo em criar algo útil para a sociedade. Tivemos duas etapas. A primeira

surge, inclusive, antes do acesso ao Instituto Cinematográfico Boliviano, que foi aos fins do ano de 1964. Desde o ano de

1960 até 1964 havíamos tido um trabalho cinematográfico muito incipiente, quando foram feitos Revolución, se fez Un día,

Paulino, foram feitos alguns outros filmes, incluindo Sueños y realidades: una jornada difícil. Depois da saída do Instituto

Cinematográfico, onde estivemos por dois anos, nos organizamos no que se chamou a Empresa Ukamau. Eu não

compartilhava muito a ideia de empresa para esse tipo de cinema. Porém pouco tempo depois, quando veio o golpe de Banzer

e eu já não estava, não pude voltar ao país, criei o que chama de Grupo Ukamau e nos dividimos entre o que então era

empresa com Antonio Eguino e Oscar Soria e o grupo, que continua até hoje desde o ano de 1971. Quando saí para o exílio,

outras pessoas da mesma equipe me acompanharam e estivemos a trabalhar no Peru e no Equador, fazendo depois El

enemigo principal e ¡Fuera de aqui! dentro dessa mesma linha, inclusive aprofundando-a e a sua condição de cinema

coletivo. Coletivo no sentido de que estava dirigido ao coletivo social. Dentro do cinema que temos feito, a direção, o roteiro

e a fotografia têm sido tarefas daqueles que sabiam realizar esse trabalho.

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Seguiram o caminho de uma produção cinematográfica com compromisso com a luta

histórica pela libertação de seu povo diante das injustiças sociais do sistema capitalista. Seus

principais destinatários eram as maiorias indígenas e sua identidade cultural.

O grupo Ukamau tinha como proposta desenvolver uma linguagem narrativa que

privilegiasse a identidade nacional, sem negar ou renunciar aos avanços tecnológicos,

científicos e sociais. Utilizar a linguagem antes dominada pelo dominador em busca de

reconhecer nela a memória cultural e compor sua própria realidade.

Porém, havia um parêntese entre os ideais e suas práticas. A falta de experiência na

prática em voltar os olhos para sua própria cultura levava à dificuldade de absorção dessa

nova linguagem pela comunidade, bem como a dificuldade em entender quais eram os

assuntos específicos a serem abordados. Uma dessas tentativas foi o filme Sangre de Condor

(1969), que propunha mobilizar os camponeses bolivianos. A respeito dessa experiência,

Sanjines comenta:

Lo descubrimos a raíz de una anécdota que también está contada, cuando

estuvimos a punto de ser expulsados de la comunidad porque no

comprendíamos que el poder en la comunidad andina no reside en ningún

individuo, sino en la comunidad misma, en el colectivo y pensábamos que el

jefe de la comunidad, que era nuestro amigo, tenía que resolver todo y tenía

el poder. No entendíamos que él era el representante del poder y no el poder.

Cuando en el último momento, en la última noche, nos dimos cuenta de ese

proceso, le pedimos disculpas a la comunidad y le dijimos: son ustedes los

que van decidir se nos quedamos o nos vamos. Y gracias a que nos

sometimos a esa consideración y a esa manera democrática de proponer las

cosas, pudimos hacer la película (apud DAICICH, 2004, p.108).20

Surgia assim um novo cinema no altiplano boliviano, com novas linhas estéticas,

conceituais e conteúdo transformador. Em 1967, ao ser exibido no Festival de Cannes, o filme

Ukamau expunha o confronto entre a cultura indígena e a branca, impressionando por sua

fotografia, pela beleza de suas paisagens e pela integração do homem à natureza rompida pela

chegada do branco.

Produzida pelo Instituto Cinematográfico Boliviano, a película, exibida em várias

cidades da Bolívia ao mesmo tempo, foi responsável pela extinção do órgão. As autoridades

bolivianas, ao conhecerem seu conteúdo, expulsaram dali o grupo e fecharam-no. No entanto,

mais de trezentas mil pessoas já haviam assistido ao filme.

20 Nós descobrimos a moral da história que também foi contada quando estivemos a ponto de ser expulsos da comunidade

porque não compreendíamos que o poder de uma comunidade andina não reside em nenhum indivíduo, mas na própria

comunidade, no coletivo e pensávamos que o chefe da comunidade, que era nosso amigo, tinha que resolver tudo e detinha o

poder. Não entendíamos que ele era o representante do poder e não o poder. Quando, no último momento, na última noite,

nos demos conta desse processo, pedimos desculpas à comunidade e lhe dissemos: são vocês os que vão decidir se ficamos

ou nos vamos. E graças a termos tido essa consideração e essa maneira democrática de propor as coisas, pudemos realizar o

filme (apud DAICICH, 2004, p.108).

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O Grupo Ukamau produziu um cine que se manteve fora das exigências comerciais.

Propunha obras que contavam com a liberdade de dizer aquilo que julgavam importante dizer,

na tentativa de construir uma linguagem cinematográfica própria.

Contaram principalmente com o suporte de seu próprio povo e sua compreensão do

papel do homem e sua relação com a natureza, sendo essa uma personagem importante em

suas obras.

No Chile, a história cinematográfica é marcada pela inconstância e a década de 1920

foi o momento de maior produção. Em 1942, é fundada a Chile Films S.A., produzindo nove

longas entre os anos de 1944 e 1949, em sua maioria dirigidos por cineastas estrangeiros.

Pero una revisión de los pocos fragmentos de algunos de esos films revelan

que no hubo en aquel tiempo ningún realizador de verdadera importancia

estilística y con una problemática autóctona bien elaborada. Se limitaban los

directores de aquella época a hacer un cine imitación del modelo

norteamericano y, por supuesto, no eran los mejores films los elegidos como

tales (Hojas del cine 1, p.320).21

Depois de um enorme endividamento, ocorreu o fracasso. Houve a derrocada do

projeto pretensioso de uma indústria cinematográfica nacional nos mesmos moldes norte-

americanos.

Nos anos 1960, o cinema introduz-se no meio universitário e se inicia um novo

período. A mais significativa consequência é a criação da Cineteca Universitária, vinculada

ao departamento de Cine Experimental da Universidade do Chile.

Criam-se condições para uma formação técnica e estética. Uma nova geração, que

aliava a vontade de produzir cinema com a aspiração de transformar a sociedade. Devido ao

seu baixo custo, o documentário torna-se o gênero mais expressivo.

Os festivais de cinema de Viña del mar adquirem um papel fundamental não apenas

para os realizadores chilenos, mas para cineastas de todo continente latino-americano. No

festival realizado de 01 a 08 de março de 1967, reúnem-se cineastas da Argentina, Brasil,

Cuba, Chile, Peru, Uruguai e Venezuela.

Entre os nomes mais conhecidos, podem-se citar os argentinos Fernando ‘Piño’

Solanas, Octavio Getino; os brasileiros Rudá Andrade (1930-2009), Carlos Diegues, Paulo

César Saraceni (1933-), Alex Viany e o cubano Alfredo Guevara.

21 Uma revisão dos poucos fragmentos de alguns destes filmes, porém, revelam que não havia naquele tempo nenhum

realizador de verdadeira importância estilística e com uma problemática autônoma bem elaborada. Se limitavam os diretores

daquela época a fazer um cinema imitação do modelo norte-americano e, por isso, não eram os melhores filmes os elegidos

como tais (Hojas del cine 1, p.320).

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No Festival de 1969, matura-se essa geração chilena com filmes como Caliche

Sangriento, de Helvio Soto e Valparaíso, mi amor, de Aldo Garcia. Conhecido como o Nuevo

Cine Chileno. Este movimento, rico em estéticas e estilos, não era homogêneo, mas se unia

nos enredos das preocupações sociais e políticas.

Durante o período da Unidade Popular, o movimento sofre os reflexos da conturbada

economia. Mesmo assim, mantém produção fílmica ativa e voltada aos curtas documentais

formatados nos padrões ideológicos do governo. A maioria dos meios de comunicação

encontrava-se com os opositores ao governo de Salvador Allende, o que fez com que a

produção cinematográfica se tornasse porta voz do governo frente à propaganda ideológica

oposicionista. Esse período já conturbado sofrerá um novo revés com o golpe militar.

A partir do golpe do general Pinochet, inicia-se a perseguição aos intelectuais e aos

artistas. Muitos desses tiveram que se exilar para salvar suas vidas. Dessa forma, inicia-se

uma autêntica cultura chilena no exílio, com produções em países como Argentina, Brasil,

Canadá e Espanha. Essas circunstâncias acabaram levando a um novo cinema chileno, que

não acontece necessariamente em solo chileno, mas na ânsia dos cineastas expatriados de

falar da realidade de seu país, mesmo em solo estrangeiro.

O cinema sofre inúmeras perdas durante o regime militar. Cineastas e técnicos são

exilados e os que ficam no país, ou são saqueados e vivem sobre forte censura, ou são

assassinados. Esse período negro provocou uma divisão única nas historiografias

cinematográficas: o Chile possui um cinema chileno feito no país e outro feito no exílio.

As formas tradicionais de definir a origem de um filme, desse modo, perdem-se em

sua metodologia, quando se analisa o cinema chileno. Na verdade, o que caracteriza o cinema

exilado são as temáticas chilenas e a origem de seus técnicos e diretores. Entre eles, há o

exemplo clássico de Hélvio Soto, intitulado Chove Sobre Santiago, gravado entre a França e a

Bulgária.

O filme conta a luta da Unidade Popular para chegar ao poder e sua posterior

derrubada. Retrata a mobilização popular que implementou significativas melhorias na vida

dos trabalhadores e lutou contra os grandes grupos empresariais chilenos e imperialistas.

O nome do filme é uma citação ao nome da operação que, com o apoio direto da CIA

e do governo norte-americano, realizou um banho de sangue contra o povo chileno no golpe

de 11 de setembro de 1973.

Na Colômbia, o café desfrutava de toda hegemonia, porém, os grande lucros alcançados

com sua venda não chegavam à mão daqueles que trabalhavam em suas lavoras. A violência

também não tardou a chegar ao país, que conta em sua história com uma das mais sangrentas

repressões.

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[...] durante dez anos, entre 1948 e 1957, a guerra camponesa abarcou os

minifúndios e os latifúndios, os desertos e os campos semeados, os vales e as

selvas e os páramos andinos, empurrou comunidades inteiras ao êxodo,

gerou guerrilhas revolucionárias e bandos de criminosos; converteu o país

inteiro num cemitério: estima-se que deixou um saldo de 180 mil mortos. O

banho de sangue coincidiu com um período de euforia econômica para a

classe dominante: é lícito confundir prosperidade de uma classe com o bem-

estar do país (GALEANO, 1982, p.73)?

A causa de tamanha violência teve início nos enfrentamentos entre liberais e

conservadores. O ódio entre as classes acentuava-se em seu caráter de luta social. Os

explorados não aceitavam mais sua condição de subservientes.

As lideranças liberais ganhavam prestígio das massas populares, ameaçando a ordem

estabelecida. Seu maior representante, Jorge Gaitán, também conhecido como El Lobo, é

assassinado a tiros, o que provoca reação como a de um furacão.

Primeiro foi a maré humana incontida nas ruas da capital, o espontâneo

bogotazo, e em seguida a violência derivou para o campo, onde, há tempos,

os bandos organizados pelos conservadores já vinham semeando o terror. O

ódio longamente mastigado pelos camponeses explodiu e, enquanto o

governo enviava policiais e soldados para cortar testículos, abrir ventres de

mulheres grávidas ou jogar crianças ao ar para espetá-las na ponta da

baioneta, sob a palavra de ordem de “não deixar nem semente”, os doutores

do Partido Liberal recolhiam-se em suas casas sem alterar seus bons modos

nem o tom cavalheiresco de seus manifestos ou, no pior dos casos, viajavam

para o exílio. Foram os camponeses que forneceram os mortos. A guerra

alcançou extremos de incrível crueldade, impulsionada por um desejo de

vingança que crescia com a própria guerra. Surgiram novos estilos da morte:

no “corte gravata”, a língua ficava pendendo por um buraco no pescoço.

Sucediam-se as violações, os incêndios, os saques; os homens eram

esquartejados ou queimados vivos, escalpelados ou cortados lentamente em

pedaços; os rios ficavam tingidos de vermelho; os bandoleiros outorgavam a

permissão de viver, em troca de tributos em dinheiro ou carregamentos de

café, e as forças repressivas expulsavam e perseguiam inúmeras famílias que

corriam para as montanhas em busca de refúgio; nas matas pariam as

mulheres. Os primeiros chefes guerrilheiros, animados pela necessidade de

revanche, mas sem horizontes políticos claros, lançavam-se à destruição pela

destruição, o desafogo a sangue e fogo sem outros objetivos (GALEANO,

1982, p.73).

Os trabalhadores recebiam apenas cinco por cento do preço total que o café alcançava

até ser tomado pelos consumidores norte-americanos. Aumenta o número de pequenas

plantações dedicadas ao seu cultivo, porém, estes se tornam cada vez mais dependentes das

vontades dos que representam os interesses norte-americanos e dos grandes proprietários, que

monopolizam a comercialização do produto.

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No ano de 1972 esses pequenos cultivadores, que possuíam em média um hectare de

produção, recebiam cerca de cento e trinta dólares por ano. Por mais que fossem os grandes

responsáveis pela produção, eram quem pagava com a fome por ela.

Na década de 1970 se inicia uma significativa produção de documentários no país.

Funda-se o Grupo de Cali, que era composto, entre outros, pelo cineasta Carlos Mayolo

(1945-2007) e pelo escritor Andrés Caicedo (1951-1977). Entre suas produções,

documentaram o movimento e as realidades particulares da cidade de Cali. Outro trabalho

importante foi o da cineasta e documentarista Marta Rodríguez, que busca, com bases

antropológicas, mostrar as formas de vida e realidades desconhecidas de seu país pelos

próprios colombianos. Na cidade de Cartagena das Índias acontece, desde 1960, o Festival

Internacional de Cinema de Cartagena.

Outros nomes importantes do Novo Cine colombiano são Carlos Alvarez (1942-)

diretor de Asalto (1968), Colômbia 70 (1970), e ¿Qué es la democracia? (1971), além do

cineasta José Maria Arzuaga, que dirigiu filmes como Raíces de piedra (1963), Rapsódia em

Bogotá (1968). Além de Marta Rodríguez, outras duas mulheres se destacaram no cinema

Colombiano: Julia de Alvarez e Gabriela Samper.

Não existem informações sobre o envolvimento da Costa Rica no movimento do Novo

Cine na bibliografia consultada. No Equador o cinema não tinha condições econômicas de

desenvolvimento. Dessa forma, os poucos cineastas existentes vinculavam suas produções a

trabalhos publicitários e turísticos. As produções, em sua maioria, não identificavam a

realidade campesina do povo equatoriano.

Precisamente por lo expuesto anteriormente y en la búsqueda de romper el

cercamiento económico e ideológico, el Frente Cultural del Ecuador se

planteó, en el año de 1975, la realización de pequeñas experiencias

insertadas directamente en el contexto de la lucha obrera, así apareció en

enero de 1976 el primer audiovisual didáctico llamado Quien mueve las

manos, en él se construyen los hechos represivos suscitados en diciembre de

1975 en el desalojo de los obreros de una fábrica en huelga y el asesinato de

uno de los dirigentes, por parte de la policía. A propósito de este hecho,

luego el corto hace un análisis del esquema del poder dominante. Este

trabajo didáctico motivó amplios debates en la ciudad y en el campo, siendo

la primera ocasión en que los obreros se descubrían como personajes y

podían profundizar en la dimensión política de su propio drama (HOJAS del

cine, p.394. Vol. I).22

22 Precisamente pelo que foi exposto anteriormente e na busca de romper o cerco econômico e ideológico, a Frente Cultural

do Equador teve início no ano de 1975, na realização de pequenas experiências inseridas diretamente no contexto da luta do

proletariado. Assim apareceu em janeiro de 1976 o primeiro audiovisual didático chamado Quien mueve las manos. Nele se

constituem os feitos repressivos aos suscitados em dezembro de 1975 no despejo de operários de uma fábrica em greve e o

assassinato de um dos dirigentes, por parte da polícia. A propósito desde feito, logo o curto faz uma análise desse esquema de

poder dominante. Este trabalho didático motivou amplos debates na cidade e no campo, sendo a primeira ocasião em que os

operários se descobriram como personagens e podiam aprofundar a dimensão política de seu próprio drama (HOJAS del cine,

p.394. Vol. I).

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Porém, o mesmo governo que ajudou a financiar, censurou a película após saber a

realidade da denúncia que o mesmo expressava. Outro curta significativo foi o filme

Asentamientos humanos, medio ambiente y petróleo (1976), que mesmo com toda censura

conseguiu uma grande aceitação pelo proletariado, porém suas exibições aconteciam apenas

de forma privada.

Em El Salvador as tensões aconteciam, consequência da grave crise que assolou

Honduras. A maioria dos trabalhadores desse país era salvadorenha e foram obrigados a voltar

a El Salvador, onde também não havia mais trabalho para ninguém.

Na região de Izalco, produziu-se um grande levantamento camponês em

1932, que se propagou rapidamente por todo ocidente do país. O ditador

Martínez enviou soldados, com equipamentos modernos, para combater “os

bolcheviques”. Os índios lutaram com facões contra as metralhadoras e o

episódio encerrou-se com dez mil mortos. Martínez, um bruxo vegetariano e

teósofo, sustentava que “é maior o crime de matar uma formiga do que um

homem, porque o homem ao morrer reencarna, enquanto a formiga morre

definitivamente”. Se dizia protegido por “legiões invisíveis” que o

informavam de todas as conspirações e que mantinha comunicação telepática

com o presidente dos Estados Unidos. Um relógio de pêndulo, sobre o prato,

indicava se a comida estava envenenada; sobre um mapa indicava-lhe os

lugares onde se escondiam os tesouros de piratas ou os inimigos políticos.

Costumava enviar cartões de condolências aos pais de suas vítimas e no

pátio de seu palácio pastavam cervos. Governou até 1944 (GALEANO,

1982, p.79).

No México, em 1919, a traição leva à morte Emiliano Zapata. Mas a lenda do líder

que galopava sozinho pelas montanhas fez com que o povo lutasse por consumar sua obra de

reformador e vingar seu sangue. O início da era revolucionária teve o importante papel dos

anarquistas.

Entre eles, um em particular ainda hoje é lembrado como pai da Revolução Mexicana.

Ricardo Magon fundou o jornal anarcossindicalista Regeneración. Mas acabou morto em uma

prisão no ano de 1922. Segundo o pensador anarquista Woodcock, nesse país “o anarquismo

parece ter sido uma consequência lógica de uma história caótica, de uma terra dramática e

dividida, e de um regionalismo tão arraigado quanto o espanhol” (2006, p.212).

Passou o tempo, e com a presidência de Lázaro Cárdenas (1934-1940), as

tradições zapatistas recobravam vida e vigor através da colocação em

prática, por todo o México, da reforma agrária. Expropriaram-se, sobretudo

sob seu período do governo, 67 milhões de hectares em poder de empresas

estrangeiras ou nacionais e os camponeses receberam, além da terra,

créditos, educação e meios de organização para o trabalho. A economia e a

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população do país tinham começado seu acelerado ascenso; multiplicou-se a

produção agrícola, enquanto o país inteiro modernizava-se e industrializava-

se. Cresceram as cidades e ampliou-se, em extensão e em profundidade, o

mercado de consumo. Porém, o nacionalismo mexicano não derivou para o

socialismo e, em conseqüência, como ocorreu em outros países que

tampouco deram o salto decisivo, não realizou cabalmente seus objetivos de

independência econômica e justiça social. Um milhão de mortos tinha

tributado seu sangue, nos longos anos de revolução e guerra [...]

(GALEANO, p.88).

Diferentemente dos outros países latino-americanos, os documentários não foram

prioridade nas produções mexicanas, sendo grande a diferença em comparação ao número de

produções de ficção. O Nuevo documental inicia-se ligado ao movimento estudantil popular

em 1968, motivado pela crítica social e pela ideologia progressiva que buscava mudanças

sociais.

Tem como principais idealizadores a UNAM – Universidade Nacional Autônoma do

México e um grupo de cineastas independentes. Contava com uma real independência

econômica e ideológica.

Em consequência de sua autonomia é marcado pela oposição ao cine produzido pela

sociedade capitalista e buscava novas formas de produção e conteúdo, além de novas formas

de distribuição e exibição fora dos canais tradicionais e também de relação do cinema com

seu público. Arturo Ripstein, em entrevista a Daicich (2004, p.33), relata:

Era el grupo opositor del cine tradicional mexicano y a mí me importaba

capitalmente porque pertenezco a esta generación de cineastas para la que la

iconoclastia era un valor. Pedí para entrar a este grupo; por supuesto, me

veían con una gran sospecha, pensaban que yo, siendo hijo de un productor

muy conocido en México, entraría a complotar o desmembrarlos desde

dentro. Finalmente, después de probar mi lealtad y mi entusiasmo, me

permitieron ser parte del grupo y cuando fui a la primera reunión, la puerta

estaba cerrada y el grupo se había desmembrado. Es una pena que no haya

formado parte de Nuevo Cine, que es como se llamaba este contingente.

Pero después todos se volvieron mis amigos. Estuve muy cerca de ellos y no

fue lo mismo formar parte de esta especie de clan atroz que venía con

valores de demolición, pero la amistad con ellos siempre fue importante. 23

As velhas experiências dos cineastas mexicanos em relação à indústria

cinematográfica foram aproveitadas pelo novo cine que, livre das amarras do aparato

23 Era um grupo opositor ao cine tradicional mexicano e a mim importava capitalmente, porque pertenço a essa geração de

cineastas para a qual a iconoclastia era um valor. Pedi para entrar neste grupo, porém me viam com muita suspeita, pensavam

que eu, sendo filho de um conhecido produtor mexicano, entraria a aprovar ou desmembrar desde dentro. Finalmente, depois

de provar minha lealdade e meu entusiasmo, me permitiram fazer parte do grupo e quando fui à primeira reunião, a porta

estava fechada e o grupo se havia desmembrado. É uma pena que não tenha formado parte do Novo Cine, que era como se

chamava este contingente. Porém, depois todos se tornaram meus amigos. Estive muito perto deles, mas não foi o mesmo que

formar parte dessa espécie de clã atroz que vinha com valores de demolição, mas a amizade com eles sempre foi importante.

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industrial, promoveram mudanças na consciência da juventude mexicana. Mesmo desprezado

por alguns críticos culturais, o documental independente buscou consolidar seu

reconhecimento no avanço na luta pela liberação de seu povo.

Precedente de importância para esse novo cine independente foi o cine experimental

iniciado nos anos cinquenta. Desse movimento surgiram respostas às inquietudes e dúvidas da

época. Deixou clara a decadência do discurso industrial e de seus patrocinadores,

demonstrando que o México poderia fazer um cine mais digno se estivesse comprometido

com o desenvolvimento social e cultural de seu país.

O cine experimental dos anos sessenta forjou as condições para o desenvolvimento do

novo cine independente. Outra importante influência foi a difusão das obras do Novo Cine

latino-americano, pois com elas chegavam também ao México formulações teóricas que

foram guias para essa nova proposta de produção. O apoio que os novos cineastas receberam

dos cineclubes também foi fundamental para o seu desenvolvimento.

Nos últimos meses de 1976, os cineastas mexicanos lançaram-se em campanha pela

busca de uma situação favorável a eles. Depois de um primeiro momento, era hora de pôr em

evidência a utilidade de uma produção anti-imperialista contra o sistema de opressão.

A distribuição deu um avanço com a criação de uma distribuidora de filmes criada em

1978, que se propôs a difundir o material independente produzido no país, bem como ajudou

na difusão da cinematografia de outros países latino-americanos.

Na Nicarágua a história de Sandino comoveu o mundo. A luta do chefe guerrilheiro

contra cerca de doze mil invasores norte-americanos e membros da guarda nacional. Com um

exército que tinha como armas latas de sardinha cheias de pedras e facões, Sandino

reinvidicava terra para seu povo e encarou a batalha com a coragem de um líder.

Em 1932, Sandino pressentia: “Eu não viverei muito tempo.” Um ano

depois, sob o influxo da política norte-americana da boa vizinhança,

celebrava-se a paz. O chefe guerrilheiro foi convidado pelo presidente para

uma reunião decisiva em Manágua. No caminho caiu morto numa

emboscada. O assassino, Anastásio Somoza, sugeriu depois que a execução

tinha sido ordenada pelo embaixador norte-americano Arthur Bliss Lane.

Somoza, nessa época chefe militar, não demorou muito para instalar-se no

poder. Governou Nicarágua durante um quarto de século e depois seus filhos

receberam, de herança, o cargo. Antes de pôr no peito a faixa presidencial,

Somoza tinha-se condecorado a si mesmo com a Cruz del Valor, a Medalha

de Distincción e a Medalha Presidencial al Mérito. Já no poder, organizou

várias matanças e grandes celebrações, para as quais fantasiava seus

soldados de romanos, com sandálias e capacetes; converteu-se no maior

produtor de café do país, com 46 fazendas, e dedicou-se à cria de gado em

outras 51 fazendas. Nunca lhe faltou tempo, contudo, para semear também o

terror. Durante sua longa gestão de governo, não passou, verdade seja dita,

maiores necessidades, e recordava com certa tristeza os anos juvenis, quando

tinha de falsificar moedas de ouro para se divertir (GALEANO, 1982, p.79).

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No Peru, a década de 1960 é marcada pela lutas camponesas intensificadas em

resposta à repressão que se instalava em toda a América Latina. Encorajados pela experiência

cubana, pelos discursos da Aliança Popular Revolucionária Americana e pelo Partido

Comunista, desenvolveram-se ações guerrilheiras e ao mesmo tempo a organização política e

militar para defesa dos interesses capitalistas.

Porém, nesse país, o governo militar que assumiu o poder em 1968 defendia um

discurso nacionalista e anti-imperialista. Eliminou o poder das oligarquias e elevou o poder de

compra dos peruanos. “A reforma agrária que o governo militar do Peru pôs em prática, em

1969, mostrou ser, desde o início, uma séria experiência de mudança em profundidade”

(GALEANO, 1982, p.92).

Quando o governo nacionalista do general Velasco Alvarado chegou ao

poder em 1968, estava em exploração menos da sexta parte das terras do país

aptas para a exploração intensiva, a renda per capita da população era quinze

vezes menor que a dos Estados Unidos e o consumo de calorias aparecia

entre os mais baixos do mundo, porém a produção de algodão continuava,

como a do açúcar, regida por critérios alheios ao Peru, como havia

denunciado Mariátegui. As melhores terras, as campinas da costa, estavam

em mãos de empresas norte-americanas ou latifundiários que só eram

nacionais num sentido geográfico, como a burguesia de Lima. Cinco grandes

empresas - entre elas duas norte-americanas: a Anderson Clayton e a Grace -

tinham em suas mãos a exportação do algodão e do açúcar e contavam

também com seus próprios “complexos agroindustriais” de produção. As

plantações de açúcar e algodão da costa, supostos focos de prosperidade e

progresso por oposição aos latifúndios da serra, pagavam aos peões salários

de fome até que a reforma agrária de 1969 as expropriou e as entregou, em

cooperativas, aos trabalhadores. Segundo o Comitê Interamericano de

Desenvolvimento Agrícola, a renda de cada membro das famílias de

assalariados da costa só chegava aos cinco dólares mensais (GALEANO,

1982, p.68).

A crise internacional acabou sendo ponto determinante para a volta de uma política

focada nos interesses internacionais e a forte crise que assolou o país caracterizou-se pelo

desemprego e pela miséria.

No Uruguai, quem não delatava seu próximo também era considerado culpado. Ao

entrar em uma universidade o estudante deveria jurar por escrito que denunciaria qualquer

atividade que não fosse dedicar-se aos estudos. Dessa forma, qualquer episódio alheio a isso

seria corresponsabilidade daquele que o testemunhasse.

Era o projeto de uma sociedade de sonâmbulos, onde cada cidadão, convertido em

policial, trabalhava em ruas, cafés, pontos de ônibus, fabricas e universidades. Aquele que se

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queixasse poderia ir parar na prisão por atentado contra a força moral das forças Armadas,

com penas variáveis de três a seis anos.

No Uruguai, os inquisidores modernizaram-se. Curiosa mistura de Idade

Média e senso capitalista de negócios. Os militares já não queimam livros:

agora vendem-nos a indústrias do papel. As indústrias retalham-no,

convertem-no em polpa de papel e devolvem-nos ao mercado consumidor.

Não é verdade que Marx não esteja ao alcance do público. Não está em

forma de livros. Está em forma de guardanapos de papel. Em entrevista à

imprensa do presidente Aparício Méndez, em 21 de maio de 1977, em

Paysandú, "Estamos tratando de poupar o país da tragédia da paixão

política", disse o presidente. "Os homens de bem não falam de ditaduras, não

pensam em ditaduras nem reclamam direitos humanos" (GALEANO, 1982,

p.201).

Dessa forma o Novo Cine se desenvolveu por toda a América Latina. Em alguns

países, de forma mais organizada e com maior número de produções; em outros com pouca ou

nenhuma produção, mas seus ideais estiveram presentes em quase todos os vinte países que

fazem parte de seu território.

Em meio a golpes militares e indo contra os interesses norte-americanos, em cada país,

em cada manifesto, em cada película ficavam claros os desejos de liberdade e a vontade de

deixar de servir apenas aos interesses dos blocos hegemônicos que controlavam todo o

território latino-americano.

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CAPITULO 5 - A Fundação do Novo Cine Latino-americano e a Escola Internacional de

Cinema e Televisão em Havana.

O cinema latino-americano teve o início de sua história pouco mais de um ano depois

de o mundo ouvir as notícias sobre a primeira apresentação de cinema dos irmãos Lumiére no

Boulevard des Capucines, em Paris, na França, no ano de 1895. A primeira indústria latino-

americana de cinema que se destacou foi a Mexicana, no início do século XX. Com um

melodrama passional e sentimentalista, conquistou espaço no mercado europeu e norte-

americano.

Na mesma linha, o cinema argentino, com seus tangos e apelos românticos, conquistou

mercado, sendo exportado para países como Paraguai, Brasil, Chile e Espanha. No início dos

anos 50, as chanchadas brasileiras levaram mais espectadores às salas de cinema do país do

que as produções hollywoodianas.

Na mesma época, os ideais de um Novo Cinema fomentaram-se por toda a América

Latina com fortes influências francesas e italianas. De lá vinham novas técnicas e a escola que

teve mais importância para esta nova forma de fazer cinema a que se propunham os cineastas

latino-americanos: o neorrealismo.

Centrado nas posições ideológicas e políticas de seus cineastas, que não eram

teóricos profissionais, mas produtores idealistas focados na luta contra a situação de

dominados e na ordem socioeconômica, política, cultural e necessidades de cada país. Assim,

[...] o subdesenvolvimento é mesmo uma força autodevoradora que dilacera

as possibilidades dos indivíduos e paralisa a criatividade. O cinema que

começamos a fazer na metade dos anos 50 partiu exatamente da

descontinuidade, instrumento arrancado de dentro do subdesenvolvimento,

para voltar-se contra ela, para transformar em ação o que se impõe como

impossibilidade de invenção livre. Os filmes parecem inconclusos. As

teorias criadas em torno deles também. Uma coisa e outra têm um idêntico

tom de roteiro, primeiro pedaço de uma imagem que está nascendo naquele

exato instante, ou esboço perfeito de uma imagem que só vai nascer adiante

(AVELLAR, 1995, p.10).

Atentos a essas histórias e cinematografias dos países aqui apontados, é possível

verificar que cada um, à sua maneira, lutava por fins muito parecidos. Essas singularidades

nas produções tornaram-se mais claras a cada encontro.

O primeiro desses encontros aconteceu no ano de 1958, em Montevidéu, no Uruguai,

durante o Primeiro Congresso Latino-americano de Cineastas Independentes (ALACI).

Participaram idealizadores como Fernando Birri (Argentina), Nelson Pereira dos Santos

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(Brasil), Manuel Chambi (Peru), Jorge Ruiz (Bolívia) e Mario Handler (Uruguai). Quatro

anos depois, encontram-se novamente no Festival de Sestri Levante, na Itália.

Em março de 1967, no Chile, acontece o Festival de cine de Viña del Mar e o I

Encontro de Cineastas Latino-americanos, fundamental para o Movimento do Novo Cine

Latino. A visualização das películas produzidas por cada país, o intercâmbio de discussões,

experiências e ideias, permitiram traçar pontos e objetivos comuns. Um dos mais evidentes

era a necessidade pulsante de produzir uma cinematografia própria, comprometida com as

realidades sociais, históricas, políticas e culturais de cada país, algo comum, mas, até aquele

momento, desconhecido pela maioria.

Em Viña Del Mar, constatou-se a existência de um Novo Cine. Era necessário planejar

e trabalhar para o seu desenvolvimento, para fortalecer as culturas nacionais e transformá-lo

em um instrumento de luta e resistência contra o imperialismo econômico e cultural que

dominava a América Latina. Desse primeiro encontro oficial no Chile deu-se também lugar a

criação do Centro Latinoamericano del Nuevo Cine.

O novo encontro aconteceu em 1968, no Festival de Cine de la Universidad de los

Andes, em Mérida, na Venezuela. Em 1974, movidos pela necessidade de criar uma

organização que unificasse os esforços, desenvolvesse e integrasse um cinema comprometido

com a promoção da solidariedade, durante o Encontro de Cineastas em Caracas, com apoio do

ICAIC (Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos), cria-se Comitê de Cineastas

da América Latina. Suas resoluções foram:

Para la aplicación de los contenidos expresados en la presente declaración,

este Plenario resuelve crear el Comité de Cineastas Latinoamericanos, que

tendrá las siguientes tareas fundamentales:

1. Asegurar la continuidad de las reuniones y encuentros de los cineastas

latinoamericanos, debiendo realizar el próximo en el plazo de un año.

2. Promover reuniones regionales y seminarios de estudios, para examinar y

discutir la problemática del cine latinoamericano.

3. Establecer la solidaridad activa con las cinematografías nacionales que

sufren la persecución y represión de regímenes dictatoriales como Chile,

Uruguay y Bolivia, y, con aquellas que pudieran sufrir la misma situación.

4. Apoyar las cinematografías de aquellos países que están en un grado

incipiente de desarrollo y promover el nacimiento en aquellos donde aún no

existiera.

5. Denunciar permanentemente la utilización de los medios de comunicación

masiva por el imperialismo, como instrumento de penetración ideológica y

deformación de nuestra cultura latinoamericana y parte de su política de

neocolonialismo y dominación. Darse una política en el rescate de esos

medios de comunicación masiva para que estén al servicio de los pueblos

latinoamericanos.

6. Organizar un revelamiento del cine latinoamericano que reúna

información en los siguientes aspectos: condiciones de producción,

distribución y exhibición; existencia de equipos y servicios técnicos,

películas realizadas y en vías de realización, para facilitar su circulación.

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7. Promover la participación del cine latinoamericano en muestras,

festivales, encuentros y otras manifestaciones culturales similares, con el

objeto de que nuestro cine sea instrumento para el conocimiento integral de

nuestra realidad continental.

8. Editar un boletín informativo sobre la situación del cine latinoamericano y

crear las condiciones para su edición.

9. La sede del Comité de Cineastas Latinoamericanos será la ciudad de

Caracas (PORTAL, 1974)24

O Novo Cine Latino-americano teve a descoberta de ideias, ideais e realidades comuns

como mola propulsora para a integração do cinema como um movimento na América Latina.

Mais do que analisar a cinematografia produzida, a proposta deste estudo é analisar as

ideologias que permeavam suas produções.

O movimento teve uma produção considerável em seu início e a participação ativa de

países que, com orçamentos pequenos, recheados de manifestos e ideologias revolucionárias,

realizaram uma filmografia que rompia com os padrões norte-americanos do cinema

entretenimento. O destaque agora eram as diferentes regiões de cada nação, suas realidades,

seus dilemas e a constante luta entre dominados e dominadores.

O princípio da década de 60 foi um período de grandes mobilizações populares por

todo o mundo. A América Latina e outras partes do terceiro mundo viveram processos de

radicalização política e movimentos sociais que acabaram por conduzi-la por novas correntes

ideológicas, que incitaram o protesto das massas populares frente à queda das conquistas

sociais e perante os modelos econômicos de desenvolvimento dos grandes blocos

hegemônicos, que invadiam seu território, seja com tropas ou empresas.

24 Para a aplicação dos conteúdos expressados na presente declaração, este Plenário resolve criar o Comitê de Cineastas

Latino-americanos, que terá as seguintes tarefas fundamentais:

1. Assegurar a continuidade das reuniões e encontros dos cineastas latino-americanos, devendo realizar o próximo no

prazo de um ano.

2. Promover reuniões regionais e seminários de estúdios para examinar e discutir a problemática do cine latino-

-americano.

3. Estabelecer a solidariedade ativa com as cinematografias nacionais que sofrem perseguição e repressão de regimes

ditatoriais como Chile, Uruguai e Bolívia, e com aquelas que poderão sofrer a mesma situação.

4. Apoiar as cinematografias daqueles países que estão em um grau menor de desenvolvimento e promover o

nascimento naqueles onde não existir.

5. Denunciar permanentemente a utilização dos meios de comunicação massivos pelo imperialismo, como

instrumento de penetração ideológica e deformação da nossa cultura latino-americana e parte de sua política de

neocolonialismo e dominação. Trabalhar politicamente no resgate desses meios de comunicação massivos para que

estejam a serviço dos povos latino-americanos.

6. Organizar e revelar o cine latino-americano mediante reunião de informação nos seguintes aspectos: condições de

produção, distribuição e exibição, existência de equipes e serviços técnicos, filmes realizados e em vias de

realização, para facilitar sua circulação.

7. Promover a participação do cinema latino-americano em mostras, festivais, encontros e outras manifestações

culturais similares, com o objetivo de que nosso cinema seja instrumento para o conhecimento integral de nossa

realidade continental.

8. Editar um boletim informativo sobre a situação do cinema latino-americano e criar as condições para sua edição.

9. A sede do comitê de cineastas Latino-americanos será a cidade de Caracas. (1974)

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Houve manifestações locais e setores da juventude mobilizados nesses novos

movimentos que se apartavam também das esquerdas tradicionais e conclamavam a uma ação

revolucionária.

Na história do cinema, na América Latina, a maior marca talvez seja a

descontinuidade do modo de pensar e produzir o cinema, que se fragmentou para enfrentar as

realidades e se dividir entre a necessidade de se pensar na ação e a urgência do agir.

Outra particularidade a respeito do cine latino-americano é sua prática estar associada

à militância. Não produziu uma atividade teórica relevante, nem conceitos fundamentais nos

contextos de suas sociedades. Seus maiores pontos de referência foram os grandes teóricos

europeus: franceses, italianos e alemães.

A produção teórica sobre cinema na América Latina é encontrada, na maioria das

vezes, diluída entre artigos, ensaios, entrevistas e reportagens dispersas que hoje, graças ao

avanço tecnológico, começam a ser reunidas e organizadas. Porém, observa-se que essa

teorização está centrada não em estéticas, mas nas possíveis relações entre o cinema e a

sociedade.

Sua análise tem caráter de hipóteses provisórias, pois, em sua maioria, são reflexões

teóricas sobre as possibilidades e estratégias cinematográficas e da busca por um cine apto

para a emancipação da sociedade e dos seres humanos mediante um discurso libertário contra

a dominação.

Considerado por alguns teóricos “o neorrealismo latino-americano”, o Novo Cine

latino-americano acontece não pelo ‘estabelecimento’ de uma ‘linha comum de produção’,

mas pelo ‘reconhecimento’ dela. Em cada país surgiram manifestos e produtores envolvidos

com causas e ideologias próprias, mas com os encontros e a continentalidade resultante de

realidades e influências semelhantes, não iguais.

Surgido na Itália no final dos anos 40, o neorrealismo propiciava não apenas uma nova

estética ou discurso, mas também uma nova alternativa de produção, que ampliou as

possibilidades fílmicas.

Ele pode ser entendido como a primeira proposta nacionalista de aproximar o autor da

realidade. O olhar reflexivo que lança sobre a realidade vai além dos paradigmas e técnicas

impostos pela indústria cinematográfica hegemônica.

Registra questões que afetam a vida das pessoas e influenciam jovens cineastas que o

percebem como a oportunidade para a concretização de projetos que ultrapassariam os limites

do cinema entretenimento, abrindo espaço para debates sobre novas estéticas e sobre o cinema

como meio de elevação do senso crítico. Sobre essas influências, o cineasta brasileiro Carlos

Diegues, no artigo apresentado ao Festival Viva América 2008, comenta:

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Nada mais atraente, para os jovens intelectuais, artistas e cineastas latino-

americanos daquele momento, do que essas idéias e os filmes que, em nome

delas, começavam a chegar então ao nosso continente. Além de seus valores

morais e políticos, os filmes de Rosselini, Visconti, De Sicca e outros,

possuíam uma iconografia social e humana que, reproduzindo o estado de

ruína e miséria italiano no pós-guerra, se aproximava do que víamos em

nossas próprias cidades e campos, em nossas favelas operárias e em nossos

camponeses semi-escravizados (DIEGUES, 2008, p.02).

Essa influência foi apenas o ponto de partida para que os cineastas latino-

americanos buscassem referências de sua cultura e do registro de sua realidade. Buscavam

explorar novas possibilidades artísticas e discursivas para essa nova arte que acabara por se

popularizar em seu primeiro meio século de existência. Suas produções eram ficções realistas

que se inspiravam no neorrealismo italiano do pós-guerra, bem como no cinema autoral

francês. Sobre como essas influências foram fortes na América Latina, o cineasta cubano Juan

Carlos Tabío comenta em entrevista a Daicich (2004, p.71):

En la década de los sesenta se afianza con más fuerza en Iberoamérica el

cine de autor y un movimiento que en buenas medidas lo marca: es el

cinema novo brasileño. Películas como Dios y el diablo en la tierra del sol,

de Glauber Rocha, las de Diegues, de alguna manera marcaron el cine

cubano. Hay películas como La primera carga al machete, como Lucia,

donde se ve una marca del Cinema Novo. En cada país de nuestro

continente, a partir de los sesenta, toma más fuerza un cine de autor, un cine

reflexivo, un cine muy incisivo con la realidad, desde distintas posiciones

estéticas y conceptuales; ha tenido su desarrollo y estamos en el día de hoy.

No ha habido una continuidad y una continuidad no es más que una suma de

rupturas pequeñas. No es que se haga el mismo cine de antes, pero se hace el

cine. Incluso muchos directores de antes están haciendo películas ahora, tal

es el caso de Titón con su última película, Guantanamera; comenzó haciendo

cine en los años sesenta.25

Com diferenças conceituais e estilísticas, porém com muitos pontos em comum, os

movimentos são empreendidos em “resignificar la realidad fílmica e impulsar la

resignificación de la historia” (VELLEGGIA, 2007, p.83), sendo esse o cerne dos discursos

explícitos em suas produções.

25 Na década de sessenta se torna mais forte na América Ibérica o cinema de autor e o movimento que destaca essa marca é o

cinema novo brasileiro. Filmes como Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha e os de Diegues, de alguma maneira,

marcaram o cinema cubano. Existem filmes como La rimera carga al machete, como Lucia, onde se vê presente a marca do

Cinema Novo. Em cada país de nosso continente, a partir dos anos sessenta, toma mais força um cinema de autor, um cinema

reflexivo, um cinema muito incisivo com a realidade, desde suas diferentes posições estéticas e conceituais, houve um

desenvolvimento que nos levou ao que estamos nos dias de hoje. Não houve continuidade e uma continuidade não é mais que

uma soma de pequenas rupturas. Não é que se faça o mesmo cinema que antes, porém se faz cinema. Incluindo muitos

diretores de antes estão realizando filmes agora, como é o caso do Titón com seu ultimo filme, Guantanamera; ele começou

fazendo filmes nos anos sessenta.

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Outro realizador que foi referência para as obras do Novo Cine é o espanhol Luis

Buñuel, como relata Alfredo Guevara em carta enviada ao cineasta no ano de 1960:

Ya sabe Ud., Buñuel, todo lo que le admiramos, todo el interés, y aún la

pasión que despierta en nuestra juventud su obra, y con ella, en ella y por

Ud. mismo, la honestidad artística y humana – una sola – y el

inconformismo. El cine cubano aspira a contar en algún momento con la

firma de Buñuel (GUEVARA, 2008, p.69).26

Os jovens intelectuais latino-americanos bebiam na fonte da cinematografia europeia e

o Centro Experimental de Cinematografia de Roma foi considerado um ponto de conexão

entre esses jovens latino-americanos, que acabariam por transformar suas cinematografias

nacionais e que ali descobririam a possibilidade de criar suas próprias histórias, retratar suas

realidades. Este traço foi comum entre os cineastas a partir da metade do século, em especial

na Argentina, México, Brasil e Cuba.

Até os anos sessenta, em relação às películas ficcionais, o cinema documental era

quase nulo. A produção era apenas voltada a investimentos que garantiriam retorno seguro de

bilheteria. Falar do movimento documentarista é falar de cineastas independentes, com real

independência, tanto econômica quanto ideológica, completamente desligada e contrária às

fábricas de produções cinematográficas da classe dominante que se instauraram em alguns

países da América latina.

Ya no se trata de agradar los sentidos para sumergir al espectador en el

ilusionismo e las imágenes con el fin de hacerle olvidar los problemas del

mundo en el cual vive, sino de provocar en el interrogante que hagan

tambalear sus certidumbres e ideas previas acerca del mismo. Para lograr este

efecto, también debe ser puesta en crisis su lógica perceptiva y, por tanto, la

lógica narrativa de construcción de la obra (VELLEGGIA, 2007, p.85).27

O cinema e as ideologias políticas caminharam juntos durante esse período,

construindo um modelo que negava o norte-americano e incorporava a valorização da cultura

e da integração latino-americana. Seus cineastas eram jovens intelectuais que, em sua maioria,

retornavam das academias europeias com ideais anarquistas e socialistas, buscando uma

linguagem própria e nacionalista, como afirma Vellegia (2007, p.79):

26 Você já sabe Buñuel, o tanto que lhe admiramos, todo o interesse e a paixão que desperta em nossa juventude sua obra e,

com ela, e nela e por você mesmo, a honestidade artística e humana, uma só, é o inconformismo. O cinema cubano aspira

contar em algum momento com a assinatura de Buñuel (GUEVARA, 2008, p.69).

27 Já não se trata de agradar os sentidos para submergir ao espectador o ilusionismo e as imagens com fim de fazê-lo

esquecer os problemas do mundo no qual vive, mas provocar nele interrogações que abalem suas certezas e ideias prévias

sobre si mesmo. Para alcançar este efeito, também deve ser posta em crise sua lógica perceptiva e, portanto, sua lógica

narrativa de construção da obra (VELLEGGIA, 2007, p.85).

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El realismo socialista construirá su narrativa en relación con los hechos de la

historia pasada y presente, pero con la intención apologética de “recorte para

la posteridad” como si todo tiempo ya fuera pasado y siempre en torno al

“héroe positivo”. Este personaje marmóreo con su vocación de sacrificio sin

límites, su discurso “sabiondo” – que en todo momento ilustra la moral y la

línea política “correctas” – y su personalidad sin contradicciones, dudas ni

fisuras, construye el arquetipo del socialista verdadero. Por oposición

connotada o denotada, los que se aparten del mismo serán los villanos,

traidores o inadaptados sociales que será preciso combatir o “re-educar”. 28

Durante estes anos, o cine de autor se fortalece em movimentos como o Cinema novo

brasileiro. Este novo cinema transformou-se em um instrumento de trocas e de intervenção

política entre os países latino-americanos.

Seus cineastas se nutriam das propostas teóricas e práticas em seus distintos

movimentos. Esse novo cinema permitia debates estritamente ligados com a história e a vida

de seus povos e os encontros em festivais eram os momentos de trocas de experiências entre

esses cineastas.

Esta nova maneira de se fazer cinema, de forma comprometida com a mudança,

respondia às condições sociais de cada povo, do mesmo modo que delimitava suas

especificidades. Levava de modo implícito uma nova forma de ver o mundo: a do autor, do

idealizador. O Novo Cine surgia sob a influência italiana em vários países do continente. Os

filmes de Tomás Gutierrez Alea (Cuba), Fernando Birri (Argentina) e o Rio, 40 Graus, de

Nelson Pereira dos Santos (Brasil), são exemplos desse novo cinema latino-americano.

A ideia era fazer um cine não programado de acordo com suas origens e trabalhos.

Esses idealizadores se uniram para juntos seguirem com mais força. O mais importante em

suas cinematografias era mostrar a realidade sociocultural de seus povos. Nessas temáticas

não eram diferentes e possibilitavam que se organizassem assim num movimento continental.

Não havia um modelo a ser seguido, apenas baseavam-se na origem e cultura de cada país na

busca de ser um instrumento de elevação crítica da população.

Considerado o ponto de partida do Novo Cinema, o Festival Internacional de Cinema

de Viña del Mar, em 1967, foi o primeiro grande encontro de cineastas latino-americanos na

América Latina. Aí, os idealizadores de países como Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Cuba e

Uruguai, se encontraram, cada um trazendo para o grupo suas realizações cinematográficas,

28 O realismo socialista construirá sua narrativa em relação com os feitos da história passada e presente, mas com a intenção

apologética de ser um ‘recorte para a posteridade’, como se todo tempo já fora passado e sempre em torno do ‘herói

positivo’. Este personagem marmóreo com sua vocação de sacrifícios sem limites, seu discurso ‘sabido’ – que em todo

momento ilustra a moral e a linha política ‘correta’ – sua personalidade sem contradições, duvidas nem fissuras, constrói o

arquétipo do socialista verdadeiro. Por oposição conotada ou denotada, os que se apartem do mesmo serão os vilões, os

traidores ou inadaptados sociais a quem será preciso combater ou reeducar.

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frutos dos processos vividos em seus países alguns anos antes, especialmente nos anos

cinquenta.

No ano seguinte, 1968, em Mérida, na Venezuela, acontece o II Encontro de Cineastas

Latino-americanos, quando se inicia o intercâmbio de ideias que chega ao seu auge na

elaboração dos documentos comuns que culminariam na organização do Comitê de Cineastas

da América Latina.

Esses encontros contaram com dezenas de cineastas latino-americanos e

muitos críticos e teóricos de toda parte que vinham se inteirar das inusitadas

produções “terceiromundistas” que despertavam os interesses europeus

numa fase de intensa politização da arte. Esses espaços possibilitavam aos

cineastas novas experiências de sociabilidade e delimitavam importantes

conexões entre contextos culturais diferentes, viabilizando a elaboração de

projetos e manifestos comuns que contribuíram para a afirmação coletiva do

movimento, conferiram visibilidade mundial à produção teórica e

cinematográfica latino-americana, propiciaram a interação com o mercado

europeu, a sobrevivência artística e política de muitos cineastas e o

reconhecimento da crítica internacional especializada (VILLAÇA, 2008,

p.2).

Como precedente a esse evento, mas em um nível mais local, houve ainda o Festival

Sodré de Uruguay, onde se encontraram Nelson Pereira dos Santos, do Brasil; Fernando Birri,

da Argentina; Manuel Chambi, do Peru; Jorge Ruiz, da Bolívia e Patrício Kaulen, do Chile.

Sobre esse encontro, Pereira (2004, p.41) declara:

Fernando Birri y yo estuvimos juntos en el año 1958, en el que creo fue el

primer encuentro de cineastas de América Latina, organizado en

Montevideo, aprovechando un festival organizado por la Cinemateca Sodré.

Estábamos yo, Fernando, Manuel Chambi – un documentalista peruano muy

bueno, ya fallecido -, el boliviano Jorge Ruiz y el uruguayo Mario Handler.

Empezamos a trabajar, nos prometimos organizar algo por el cine en

América Latina como conjunto, como idea. No había resultados prácticos,

pero la idea permaneció y proseguimos, hasta que finalmente, con el Festival

de Viña del Mar, que fue el encuentro más importante, más representativo,

se creó el Comité de Cineastas de América Latina, que resultó luego en la

Fundación del Nuevo Cine Latinoamericano y después en la Escuela

Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de los Baños, gracias al

trabajo de Birri, que es un dínamo, que estaba aquí, allá, en Europa, en

Brasil. Birri tuvo también un papel muy importante en Brazil: hizo una

escuela de documentalistas. 29

29 Fernando Birri e eu estivemos juntos no ano de 1958, no que creio foi o primeiro encontro de cineastas da América Latina,

organizado em Montevidéu, aproveitando um festival organizado pela Cinemateca Sodré. Estávamos eu, Fernando, Manuel

Chambi – um documentalista peruano muito bom e já falecido -, o boliviano Jorge Ruiz e o uruguaio Mario Handler.

Começamos a trabalhar, nos prometemos organizar algo pelo cine na América latina como conjunto, como ideal. Não havia

resultados práticos, apenas o ideal permaneceu e prosseguimos, até que, finalmente, com o Festival de Viña del Mar, que foi

o encontro mais importante, mais representativo, se criou o Comitê de Cineastas da América Latina, que resultou logo na

Fundação do Novo Cine Latino-americano e depois na Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los

Baños, graças ao trabalho de Birri, que é um dínamo, que estava aqui, lá, na Europa, no Brasil. Birri teve também um papel

muito importante no Brasil: constituiu uma escola de documentaristas.

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É impossível desligar o cinema revolucionário, que se desenvolveu na América latina,

dos processos políticos que a maior parte de seus países viveu naqueles anos. No âmbito

documental, o cine político se expande, a partir dos anos sessenta, como o marco dos Novos

Cines que surgem por todo mundo, as mesmas “reapropiaciones y resemantizaciones de

aportes de procedência diversa de las vanguardias de los cominezos del siglo XX”, porém,

suas renovações estéticas excedem o sentido político de suas obras (VELLEGIA, 2007, p.83).

Era a possibilidade de a arte, em todo seu conjunto, olhar para a vida. O cinema como o

instrumento de reconhecimento da realidade, demonstrando-a com maior profundidade que

qualquer outra forma de visualização, ciências, lógica ou mesmo razão. Este era o poder

atribuído ao cine.

Mas a efervescência dos ideais progressistas, tanto nos âmbitos sociais como culturais e

as poucas experiências democráticas logo se viram amarradas pelos golpes que atingiram o

continente a partir de 1962 no Peru, 1964 no Brasil e Bolívia, 1966 na Argentina, 1972 no

Equador e, por fim, em 1973 no Uruguai e no Chile, faz com que esse período de produção

livre dure pouco e passe para um tempo de censuras com grande queda na produção

cinematográfica.

Isso leva muitos cineastas a se focarem, ainda que de forma difícil, na tradução da

repressão, das desigualdades e da pobreza que se estabelecia hegemônica em todo seu

território. Muitos cineastas foram exilados e muitas produções nacionais realizadas em solo

estrangeiro, para evitar a perseguição política.

O cinema latino pôs em evidência recortes culturais próprios a cada região e, mesmo

que de maneiras distintas, seus cineastas transformaram o processo de produção, estéticas e

discursos mediante movimentos intelectuais, artísticos e culturais, que reafirmavam as

soberanias nacionais e o compromisso com o processo histórico. O cineasta Glauber Rocha

declara suas motivações sociais e políticas ao afirmar que:

[...] desde que surgiu o “cinema novo” saímos do provincianismo cultural.

Não podíamos cair em discussões não políticas. Não podíamos atacar e

denunciar companheiros de esquerda à ditadura da mesma forma que estes

companheiros nos denunciavam e nos desmoralizavam diante da direita. Só

tínhamos uma resposta: filmes. E nossos filmes, por todos estes anos,

estiveram entre os melhores revolucionários do mundo (ROCHA, 1971, p.3).

Ao mesmo tempo em que reafirmavam e se fechavam em sua regionalidade, os países

latino-americanos tinham como característica em comum a construção de suas culturas

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68

impregnadas de elementos europeus, africanos e ameríndios. Essas peculiaridades os tornaram

tanto voltados para si, como abertos para as tradições culturais de outros continentes:

Estas ideas contribuyen a que la identidad cultural de esta región,

especialmente la resultante de las expresiones literarias, deba entenderse

como una noción dinámica, reflejo de un proceso dialéctico permanente

entre tradición y novedad, continuidad y ruptura, integración y cambio,

evasión y arraigo, apertura hacia ‘otras’ culturas y repliegue aislacionistas y

defensivo sobre sí misma, dinâmica que se traduce en un doble movimiento:

el centrípeto nacionalista y el centrífugo universalista (AINSA, 1991,

p.52).30

Os intelectuais latino-americanos, ao (re)produzir sua cultura, incorporaram a ela

conceitos de subdesenvolvimento nas ciências sociais e nas artes, ao mesmo tempo que

evidenciaram os movimentos populares e os discursos da minoria, principalmente após os

acontecimentos históricos da década de 60, na proeminência utópica de uma América latina

revolucionária, rumo à libertação de seus povos. Para melhor entender esse processo, faz-se

necessário buscar dentro de cada país seus pensadores e realizadores.

No período histórico a partir dos anos de 1960, a maioria dos países da América Latina

foram marcados por revoluções e golpes militares que foram decisivos no caminho trilhado

por sua cinematografia.

Os ideais do Novo Cine eram frutos de uma ideologia que não cabia mais no ambiente

político que imperou após os golpes militares. Não havia mais espaço para ações como as de

Oscar Kanto e Alex Viany, conforme retratadas na carta enviada pelos dois a Alfredo Guevara

(2008, p.128) em 1963:

Reunidos los compañeros responsables de las frentes de cine del Partido del

Brasil y la Argentina, después de analizar la situación de nuestras respectivas

cinematografías, así como las del resto de Latinoamérica, que reflejan en

mayor o menor medida la situación de crisis de la estructura de nuestros

países, hemos pensado en la necesidad de encarar en común una producción

que sea expresión de los intereses populares y nacionales, para así acentuar

la lucha ideológica y desarrollar dentro de nuestras posibilidades una labor

de esclarecimiento y entendimiento entre nuestros pueblos. En ese sentido,

comenzamos, dentro de poco tiempo, dos coproducciones en episodios, que

reúnen a Brasil, Argentina, Chile y México. 31

30 Estas ideias contribuem para que a identidade cultural desta região, especialmente a resultante das expressões literárias,

deve entender-se como uma noção dinâmica, reflexo de um processo dialético permanente entre a tradição e a novidade,

continuidade e ruptura, integração e mudança, evasão e sujeição, abertura a outras culturas e retiradas isolacionistas e

defensivas sobre si mesmo, dinâmica que traduz um duplo movimento: o centrípeto nacionalista e o centrifugo universalista

(AINSA, 1991, p.52). 31 Reunimos os companheiros responsáveis pelas frentes de cinema do Partido do Brasil e da Argentina, depois de analisar a

situação de nossas respectivas cinematografias, assim como as do resto da América Latina, que refletiam em maior ou menor

medida a situação de crise da estrutura de nossos países, temos pensado na necessidade de encarar em comum uma produção

que seja expressão dos interesses populares e nacionais, para assim acentuar a luta ideológica e desenvolver dentro de nossas

possibilidades um trabalho de esclarecimento e entendimento entre nossos povos. Nesse sentido começamos, dentro de pouco

tempo, duas co-produções em episódios que reúnem o Brasil, Argentina, Chile e México.

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Aos poucos todas as possibilidades de produções conjuntas se fecham e as

perseguições a tais ideais levam muitos realizadores ao exílio, ou mesmo à morte. Como no

caso de Jorge Cedrón, cineasta argentino cuja morte até hoje não foi explicada, e do brasileiro

Vladimir Herzog, torturado pelos militares após se apresentar para prestar depoimento e

encontrado morto em sua cela, enforcado com a própria gravata.

O enfoque agora será conhecer um pouco a produção cinematográfica dos principais

países participantes do Novo Cine. Alguns com uma vasta história e vários nomes, outros com

pequenas histórias e apenas um idealizador, mas cada um com seu discurso, seus ideais, e a

produção voltada para mudar a realidade de subserviente.

A partir da criação do comitê de cineastas fica mais forte o movimento e sente-se a

necessidade da criação de uma entidade que trabalhasse essa integração continental e cuidasse

tanto da produção quanto auxiliasse na distribuição.

Três anos depois, no festival de Mérida, na Venezuela, incorporaram-se novos

membros ao comitê. Em 1979 acontece em Cuba, o primeiro Festival Internacional do Novo

Cine Latino-americano de Havana, que passa a ser o local de encontro anual dos membros do

comitê. Em 1982, durante o IV Festival de Havana, amplia-se o número de participantes do

Comitê e cria-se uma coordenação com cinco integrantes. Em 1984, Fidel Castro reúne-se

com os membros do C-CAL e inicia o movimento para a criação da Fundação do Novo Cine

Latino-americano (FNCL) e da Escola Internacional de Cinema e Televisão (EICTV).

Foi essa sequência de encontros que resultou na Fundação do Novo Cine Latino-

americano, que se formou como herdeira do discurso e da tradição de solidariedade

estabelecida dentro de cinematografias distintas que ocorreram em seus países e confluíram

para o estabelecimento de ações coordenadas, em resposta ao processo que anunciava e

propunha novas etapas de crescimento para as cinematografias na América Latina. Em 04 de

dezembro de 1985, o “Comitê de Cineastas da América Latina” (C-CAL) reuniu-se presidido

pelo escritor colombiano Gabriel Garcia Marques, com a proposta de integrar esforços e

ampliar contatos.

Os cineastas Fernando Birri (Argentina), Nelson Pereira dos Santos (Brasil) e Alfredo

Guevara (Cuba) são considerados membros de honra, pela representação histórica no

movimento do Novo Cine. Na mesma época é redigida a primeira Ata, que dizia:

En los últimos años hemos asistido al ejercicio de un período del Nuevo

Cine Latinoamericano, que anuncia y propone etapas superiores de

crecimiento. Los iniciales y significativos esfuerzos de los primeros años de

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la década de los cincuenta se han convertido, por la constancia y el sostenido

trabajo de los cineastas, en un proceso siempre ascendente aunque cruzado

por las dificultades y adversidades propias de una lucha desigual contra los

poderes del atraso y de la dependencia. Proceso que cristaliza hoy en

legislaciones nacionales dirigidas a proteger las cinematografías, en

organismos de fomento a la producción y cultura cinematográficas, en

convenios subregionales y regionales, en la creación de asociaciones

multinacionales – latinoamericanas o iberoamericanas – para la integración

cultural y la ampliación de nuestros propios mercados, en el fortalecimiento

gremial y sindical, en la conquista de un espacio en las pantallas y, de

manera especial, en la realización de obras de notable jerarquía creadora

como son, entre muchas otras, las de Glauber Rocha, Fernando Birri, Nelson

Pereira dos Santos, Tomás Gutiérrez Alea, Miguel Littín, Santiago Álvarez.

El Comité de Cineastas de América Latina, consciente de este proceso, de

sus enormes contenidos, de su destino abierto y promisorio; consciente del

surgimiento de nuevas cinematografías y jóvenes realizadores orientados por

el objetivo común de rescatar y afianzar nuestra identidad continental;

consciente de que nuestra actividad en el cine, la televisión y otros medios

audiovisuales debe estar orientada al logro del bienestar espiritual y material

de los pueblos, ha resuelto crear la FUNDACIÓN DEL NUEVO CINE

LATINOAMERICANO, a los fines de contribuir al fortalecimiento de la

cinematografía de nuestros países, en particular de las cinematografías

nacientes, mediante el fomento a la producción, distribución y exhibición,

así como a la investigación, docencia, conservación, archivo y difusión

cultural de la obra cinematográfica, en el amplio marco de la preservación de

nuestro patrimonio cultural y la progresiva renovación de la sociedad.

El Comité de Cineastas de América Latina autoriza a su Secretaría Ejecutiva

a todos los actos concernientes al estudio y elaboración del Acta Constitutiva

- Estatutos Sociales de la FUNDACIÓN, en la cual se expresará el nombre,

domicilio, objeto y la forma en que será administrada y dirigida, así como a

los actos necesarios para la formación del Patrimonio inicial de la

FUNDACIÓN, mediante aportes, contribuciones y donaciones de entes

públicos y privados del Continente y del resto del mundo. El Comité de

Cineastas de América Latina, dispone asimismo, que el acto de

protocolización del Acta Constitutiva - Estatutos Sociales y la instalación de

la FUNDACIÓN deberán realizarse en el curso del VII Festival del Nuevo

Cine Latinoamericano. Comité de Cineastas de América Latina. En la

Ciudad de La Habana, Cuba, abril 1985 32

32 Nos últimos anos temos assistido a uma produção de um período do Novo Cine Latino-americano, que anuncia e propõe

etapas superiores de crescimento. Os iniciais e significativos esforços dos primeiros anos da década de cinquenta se

convertem, pela constância e pelo trabalho desenvolvido pelos cineastas, em um processo sempre ascendente, ainda cruzado

pelas dificuldades e adversidade próprias de uma luta desigual contra os poderes do atraso e da dependência. Processo que

cristaliza hoje as legislações nacionais dirigidas a proteger a cultura cinematográfica em convênios sub-regionais e regionais,

na criação de associações multinacionais, latino-americanas ou ibero-americanas, para a integração cultural e a ampliação de

nossos próprios mercados, e o fortalecimento de grêmios e sindicatos, na conquista de espaço nas telas e, de maneira

especial, na realização de obras de notável hierarquia criadora como são, entre muitas outras, as de Glauber Rocha, Fernando

Birri, Nelson Pereira Dos Santos, Tomás Gutiérrez Alea, Miguel Littín, Santiago Álvarez. O comitê de Cineastas da América

Latina, consciente deste processo, de seus enormes conteúdos, de seu destino aberto e promissor, conscientes do surgimento

de novas cinematografias e jovens realizadores orientados por um objetivo comum de resgatar e afiançar nossa realidade

continental, consciente de que nossa atividade no cinema, na televisão e nos outros meios audiovisuais deve estar orientada

para a procura de bem-estar espiritual e material dos povos, resolveu criar a FUNDAÇÃO DO NOVO CINE LATINO-

-AMERICANO, com o fim de contribuir para o fortalecimento da cinematografia de nossos países, em particular com as

cinematografias nascentes, mediante o fomento da produção, distribuição e exibição, assim como a investigação, docência,

conservação, arquivos e difusão cultural da obra cinematográfica, em seu amplo marco de preservação de nosso patrimônio

cultural e a progressiva renovação da sociedade. O comitê de cineastas da América Latina autoriza sua Secretaria Executiva a

todos os atos concernentes ao estudo e elaboração da Ata Constitutiva - Estatutos Sociais da Fundação, no qual se expressará

o nome, domicilio, objeto e a forma como será administrada e dirigida, assim como os atos necessários para a formação do

patrimônio inicial da Fundação, mediante aportes, contribuições e doações de entes públicos e privados do Continente e do

resto do mundo. O Comitê de Cineastas da América Latina dispõe ainda que o ato de protocolização da Ata Constitutiva -

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Foi durante o VII Festival do Novo Cine em Havana, no dia quatro de dezembro de

1985, que se constitui a Fundação do Novo Cine Latino-americano. Logo no início de 1986

iniciam-se os trabalhos para o desenvolvimento da EICTV. Devido ao apoio dado por Fidel

Castro, decidiu-se que ambas seriam radicadas em Cuba. Em treze de março o poeta Gabriel

García Márquez é nomeado oficialmente o presidente da fundação. Para criação da EICTV

convidaram Fernando Birri, que já havia vivido a experiência da Escola Documental de Santa

Fé, na Argentina, para dirigi-la, cargo que acabou por ocupar até 1991. A sede da Fundação

foi oficialmente inaugurada em quatro de dezembro de 1985 e a EICTV em 15 de dezembro

de 1986. Sobre a presidência de Gabo, um artigo publicado no Correio Brasiliense, de 11 de

dezembro do mesmo ano, dizia:

Muita gente se intriga com a presença constante do escritor, Prêmio Nobel

de Literatura, Gabriel García Márquez, ao lado de Fidel Castro, no momento

em que intelectuais como Vargas Llosa, Octávio Paz e Jorge Semprún

dirigem críticas ferinas aos rumos tomados pela revolução que instituiu a

primeira experiência socialista na América Latina.

Mais intrigados, ainda, ficam os que tomam conhecimento da nova função

do escritor: ele é, desde o ano passado, presidente da Fundação do Novo

Cinema Latino-Americano, organismo que recentemente ganhou magnífica

sede nos arredores de Havana. E mais: o escritor teve o prazer de inaugurar,

em San Antonio de los Baños, a Escola Internacional de Cinema, Televisão e

Vídeo ou Escola dos Três Mundos, presidida por ele e dirigida pelo

argentino Fernando Birri. O brasileiro Sérgio Muniz é coordenador

pedagógico.

No dia de Santa Bárbara, Gabriel García Márquez proferiu na nova sede da

Fundação do Novo Cine Latino-americano (a finca Santa Bárbara), discurso

que, além de arrancar muitas gargalhadas, mostrou as múltiplas intenções do

organismo por ele presidido. Embora seja uma figura notória no mundo

literário e não no cinematográfico, o escritor mostra-se disposto a dedicar-se

com igual afinco à literatura e ao cinema. Quando a Fundação transformar-se

em uma realidade concreta, os leitores-cinéfilos de Gabo terão como prêmio

a recriação cinematográfica de parte significativa de sua obra ficcional

(CAETANO, 1982, p.37).

Seus membros fundadores foram:

Os colombianos Carlos Alvarez e Lisandro Duque; os argentinos Edgardo Pallero e

Fernando Birri; os bolivianos Jorge Sanjinés e Beatriz Palácios; os brasileiros Cosme Alves

Netto, Chico Teixeira, Geraldo Sarno, Nelson Pereira dos Santos e Silvio Tendler; os

Cubanos Alfredo Guevara, Daniel Díaz Torres, Julio García Espinosa e Manuel Pérez

Paredes; os chilenos Miguel Littín, Pedro Chaskel e Sergio Trabucco; os mexicanos Jorge

Estatutos Sociais que a instalação da Fundação deverá realizar-se durante o VII Festival del Nuevo Cine Latino-americano.

Comitê de cineastas da América Latina. Cidade de Havana, Cuba, abril, 1985.

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Sanches e Paul Leduc; o nicaraguense Ramiro Lacayo; o panamenho Pedro Rivera; o

equatoriano Ulises Estrella; o norte-americano Jesús Treviño; os peruanos Alberto Durant e

Nora Izcue; os portorriquenhos José García e Ana Maria García; o Uruguaio Walter Achugar;

os venezuelanos Edmundo Aray e Tarik Souki.

Ao todo somavam-se quinze nacionalidades e para entender qual discurso os movia,

destacam-se as palavras proferidas no discurso de seu presidente no ato da posse:

[...] Sólo después de adoptarla como sede de la Fundación del Nuevo Cine

Latinoamericano, supimos que la historia de esta casa no empezaba ni

terminaba con estas torres, y que mucho de lo que se cuenta de ella no es

verdad ni es mentira. Es cine. Pues, como ya ustedes deben haberlo

vislumbrado, fue aquí donde Tomás Gutiérrez Alea filmó Los sobrevivientes,

una película que a ocho años de su realización, y a veintisiete del triunfo de

la Revolución Cubana, no es una verdad más en la historia de la imaginación

ni una mentira menos de la historia de Cuba, sino parte de esta tercera

realidad entre la vida real y la invención pura, que es la realidad del cine.

De modo que pocas casas como esta podrían ser tan propicias para

emprender desde ella nuestro objetivo final, que es nada menos que el de

lograr la integración del cine latinoamericano. Así de simple, y así de

desmesurado. Y nadie podría condenarnos por la simpleza sino más bien por

la desmesura de nuestros pasos iniciales en este primer año de vida, que por

casualidad se cumple hoy, día de Santa Bárbara, que también por artes de

santidad o de santería es el nombre original de esta casa.

La semana entrante la Fundación del Nuevo Cine Latinoamericano va a

recibir del Estado cubano una donación que nunca nos cansaremos de

agradecer, tanto por su generosidad sin precedentes y su oportunidad, como

por la consagración personal que ha puesto en ella el cineasta menos

conocido del mundo: Fidel Castro. Me refiero a la Escuela Internacional de

Cine y Televisión, en San Antonio de los Baños, preparada para formar

profesionales de la América Latina, Asia y África, con los recursos mejores

de la técnica actual. La construcción de la sede está terminada a sólo ocho

meses de su iniciación. Los maestros de distintos países del mundo están

nombrados, los estudiantes están escogidos, y la mayoría de ellos están ya

aquí con nosotros. Fernando Birri, el Director de la Escuela, que no se

distingue por su sentido de la irrealidad, la definió hace poco ante el

Presidente argentino Raúl Alfonsín, sin que le temblara un músculo de su

cara de santo, como "la mejor Escuela de Cine y Televisión de toda la

historia del mundo".

Esta será, por naturaleza misma, la más importante y ambiciosa de nuestras

iniciativas, pero no será la única, pues la formación de profesionales sin

trabajo sería un modo demasiado caro de fomentar el desempleo. De modo

que en este primer año hemos empezado a echar las bases para una vasta

empresa de promoción y enriquecimiento del ámbito creativo del cine y la

televisión de América Latina, cuyos pasos iniciales son los siguientes:

Hemos coordinado con productores privados la producción de dos

largometrajes de ficción y tres documentales largos, todos dirigidos por

realizadores latinoamericanos, y un paquete de cinco cuentos de una hora

cada uno, para televisión, realizado por cinco directores de cine o televisión

de distintos países de América Latina.

Estamos haciendo en estos días las convocatorias para ayudar a cineastas

jóvenes de América Latina que no hayan podido realizar o terminar sus

proyectos de cine o televisión.

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Tenemos adelantadas las gestiones para la adquisición de una sala de cine en

cada país de América Latina, y tal vez en algunas capitales de Europa,

destinadas a la exhibición permanente y el estudio del cine latinoamericano

de todos los tiempos.

Estamos promoviendo en cada país de América Latina un concurso anual de

cine de aficionados, a través de las secciones respectivas de la Fundación,

como un método de captación precoz de vocaciones, y como un medio de la

Escuela Internacional de Cine y Televisión para seleccionar a sus alumnos

en el futuro.

Estamos patrocinando una investigación científica sobre la situación real del

cine y la televisión en América Latina, la creación de un banco de

información audiovisual sobre el cine latinoamericano, y la primera

filmoteca del cine independiente del Tercer Mundo.

Estamos patrocinando la elaboración de una historia integral del cine

latinoamericano, y de un diccionario para la unificación del vocabulario

cinematográfico y de televisión en lengua castellana.

La sección mexicana de la Fundación ha iniciado ya la publicación que

recoge, país por país, los principales artículos y documentos del Nuevo Cine

Latinoamericano.

En el marco de este Festival de Cine de La Habana, nos proponemos hacer

un llamado a los gobiernos de América Latina, y a sus organismos de cine,

para que intenten una reflexión creativa sobre algunos puntos de sus leyes de

protección a los cines nacionales, que en muchos casos sirven más para

estorbar que para proteger, y que en términos generales van en sentido

contrario al de la integración del cine latinoamericano.

Entre 1952 y 1955, cuatro de los que hoy estamos a bordo de este barco

estudiábamos en el Centro Experimental de Cinematografía de Roma: Julio

García Espinosa, Vice-Ministro de Cultura para el Cine, Fernando Birri, gran

papá del Nuevo Cine Latinoamericano, Tomás Gutiérrez Alea, uno de sus

orfebres más notables, y yo, que entonces no quería nada más en esta vida

que ser el Director de Cine que nunca fui. Ya desde entonces hablábamos

casi tanto como hoy del cine que había que hacer en América Latina, y de

cómo había que hacerlo, y nuestros pensamientos estaban inspirados en el

neo-realismo italiano, que es –como tendría que ser el nuestro– el cine con

menos recursos y el más humano que se ha hecho jamás. Pero sobre todo, ya

desde entonces teníamos conciencia de que el cine de América Latina, si en

realidad quería ser, sólo podía ser uno. El hecho de que esta tarde sigamos

aquí, hablando de lo mismo como loquitos con el mismo tema después de

treinta años, y que estén con nosotros hablando de lo mismo tantos

latinoamericanos de todas partes y de generaciones distintas, quisiera

señalarlo como una prueba más del poder impositivo de una idea

indestructible.

Por aquellos días de Roma viví mi única aventura en un equipo de dirección

de cine. Fui escogido en la Escuela como tercer asistente del director

Alexandro Blasetti en la película Lástima que sea un canalla, y esto me

causó una gran alegría, no tanto por mi progreso personal, como por la

ocasión de conocer a la primera actriz de la película, Sofía Loren. Pero

nunca la vi, porque mi trabajo consistió, durante más de un mes, en sostener

una cuerda en la esquina para que no pasaran los curiosos. Es con este título

de buen servicio, y no con los muchos y rimbombantes que tengo por mi

oficio de novelista, como ahora me he atrevido a ser tan presidente en esta

casa, como nunca lo he sido en la mía, y a hablar en nombre de tantas y tan

meritorias gentes de cine.

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Esta es la casa de ustedes, la casa de todos, a la cual lo único que le falta

para ser completa es un letrero que se vea en todo el mundo, y que diga con

letras urgentes: "Se aceptan donaciones".

Adelante. 33

33 Apenas depois de adotá-la como sede da Fundação do Novo Cine Latino-americano, supomos que a história dessa casa

não começava nem terminava com estas torres, e que muito do que se conta sobre ela não é verdade nem mentira. É cinema.

Pois, como vocês já deve ter percebido, foi aqui que Tomás Gutiérrez Alea filmou Os sobreviventes, um filme que a oito anos

de sua realização e a vinte e sete do triunfo da Revolução Cubana, não é uma verdade a mais na história da imaginação, nem

uma mentira a menos na história de Cuba, senão parte desta terceira realidade entre a vida real e a invenção pura, que é a

realidade do cinema.

De modo que poucas casas como esta poderiam ser tão propícias para empreender através dela nosso objetivo final, que é

nada menos que obter a integração do cinema latino-americano. Simples e desmesuradamente assim. E ninguém poderia

condenar-nos pela simplicidade senão melhor pela desmesura de nossos passos iniciais neste primeiro ano de vida, que por

casualidade se cumpre hoje, dia de Santa Bárbara, que também por arte de santidade ou de bruxaria é o nome original dessa

casa.

Na próxima semana a Fundação do Novo Cine Latino-americano vai receber do Estado cubano uma doação que nunca

cansaremos de agradecer, tanto por sua generosidade sem precedentes e sua oportunidade, como pela consagração pessoal

que tem posto nela o cineasta menos conhecido do mundo: Fidel Castro. Eu me refiro à Escola Internacional de Cinema, em

San Antonio de los Baños, preparada para formar profissionais da América latina, Ásia e África, com os melhores recursos da

técnica atual. A construção da sede está terminada a apenas oito meses do início dos trabalhos. Os professores de distintos

países do mundo estão nominados, os estudantes estão escolhidos e a maioria deles já estão aqui conosco. Fernando Birri, o

diretor da escola, que não se distingue por seu sentido de irrealidade, a definiu faz pouco ante o presidente argentino Raúl

Alfonsín, sem que lhe mexesse um músculo em sua cara de santo, como ‘a melhor Escola de Cinema e Televisão de toda

história do mundo”.

Esta será, por sua própria natureza, a mais importante e ambiciosa de nossas iniciativas, porém não será a única, pois a

formação de profissionais sem trabalho seria um modo demasiadamente caro de fomentar o desemprego. De modo que neste

primeiro ano começamos a fixar as bases para uma vasta empresa de promoção e enriquecimento do âmbito criativo do

cinema e da televisão na América Latina, cujos passos iniciais são os seguintes:

Temos coordenado com produtores privados a produção de dois longa-metragens de ficção e três longas documentais, todos

dirigidos por realizadores latino-americanos, e um pacote com cinco contos de uma hora cada um, para televisão, realizado

por cinco diretores de cine e televisão de diferentes países da América Latina.

Estamos fazendo nesses dias as convocatórias para ajudar cineastas jovens da América Latina que não puderam terminar

seus projetos de cinema e televisão. Temos adiantadas as gestões para aquisição de uma sala de cinema em cada país da

América Latina e, talvez em algumas capitais da Europa, destinadas à exibição permanente e ao estudo do cine latino-

americano em todos os tempos.

Estamos promovendo em cada país da América Latina um concurso anual de cinema para aficionados, mediante as

respectivas seções da Fundação, como um método de capacitação precoce de vocações e como um meio de a Escola

Internacional de Cinema e Televisão selecionar seus alunos no futuro.

Estamos patrocinando uma investigação cientifica sobre a real situação do cinema e da televisão na América Latina, a criação

de um banco de informação audiovisual sobre o cinema latino-americano e a primeira videoteca de cine independente do

terceiro mundo.

Estamos patrocinando a elaboração de uma história integral do cinema latino-americano e um dicionário para unificação do

vocabulário cinematográfico e de televisão em língua castelhana.

A seção mexicana da Fundação iniciou já a publicação que recolhe, de país em país, os principais artigos e movimentos do

Novo Cine Latino-americano.

No marco deste Festival de Cinema de Havana, nos propomos a fazer um chamado aos governos da América Latina e a seus

organismos de cinema, para que intentem uma reflexão crítica sobre alguns pontos de suas leis de proteção aos cinemas

nacionais que, em muito casos, serve mais para atrapalhar do que para proteger, e que em termos gerais vão em sentido

contrario à integração do cine latino-americano.

Entre 1952 e 1955, quatro dos que hoje estamos a bordo desse barco estudávamos no Centro Experimental de Cinematografia

de Roma: Julio García Espinosa, Vice-Ministro da Cultura para o Cinema, Fernando Birri, o grande pai do Novo Cine

Latino-americano, Tomás Gutiérrez Alea, um de seus nomes mais notáveis, e eu, que então não queria mais nada nessa vida

que ser Diretor de Cinema que nunca fui. Desde então falávamos quase tanto como hoje do cine que havíamos de fazer na

América Latina, e de como havíamos de fazê-lo, e nossos pensamentos estavam inspirados no neorrealismo italiano, que é –

como teria que ser o nosso – o cine com menos recursos e mais humano que se havia feito. Sobretudo, já desde então

tínhamos consciência de que o cine da América Latina, se na realidade queria ser, só podia ser um. O fato de que nesta tarde

seguimos falando como loucos dos mesmos temas depois de trinta anos, e que estiveram falando conosco os mesmos tantos

latino-americanos de todas as partes e gerações distintas, quisera assinalar como uma prova a mais do poder impositivo de

uma ideia indestrutível.

Naqueles dias de Roma vivi minha única aventura com uma equipe de direção de cinema. Fui escolhido na Escola como

terceiro assistente do diretor Alexandro Blasetti no filme Lástima que seja um canalha, e isto me causou uma grande alegria,

tanto por meu progresso pessoal, como pela chance de conhecer a protagonista do filme, Sofia Loren. Porém nunca a vi, por

que meu trabalho se constituiu, durante mais de um mês, em manter uma corda na esquina para que não passassem curiosos.

E com esse título de bom serviço, e não com os muito e retumbantes que tenho por meu ofício de novelista, como agora me

atrevi a ser presidente desta casa, como nunca fui na minha e a falar em nome de tantas e tão merecedoras pessoas do cinema.

Esta é a casa de vocês, a casa de todos, à qual a única coisa que falta para ser completa é um letreiro que se veja em todo o

mundo, que diga com letras garrafais: "Aceitam-se doações".

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Sob essas diretrizes, o conselho diretivo da Fundação do Novo Cine teve como

representantes: David Blaustein, da Argentina; Orlando Senna, do Brasil; Alquimia Peña, de

Cuba. Sua proposta de trabalho é desenvolver projetos com três linhas estratégicas de atuação.

Em primeiro lugar e como princípio básico em sua política institucional, o

desenvolvimento e a integração cinematográfica da América Latina e Caribe, mediante o

desenvolvimento de projetos e ações que visavam consolidar o mercado audiovisual dos

países participantes. As prioridades no plano de ações era a incorporação das tecnologias de

informação e comunicação e seu uso intensivo, otimizando a vasta rede de cineastas e

profissionais em audiovisual.

A segunda linha de atuação trabalha pela preservação do patrimônio cultural

audiovisual e assegurar a memória da diversidade cinematográfica e audiovisual latino-

americana e caribenha. A terceira linha é fomentar o desenvolvimento de uma indústria

cultural do cinema e do audiovisual, promovendo o reconhecimento mútuo das realidades

sociais, das lutas e dos sonhos de milhões de latino-americanos.

No mesmo ano de 1985, o Comitê decide criar a Escola Internacional de Cinema e TV

de San Antonio de los Baños, buscando contribuir para o fortalecimento da produção de seus

jovens idealizadores, de preferência aqueles que não tinham nenhuma infraestrutura de

produção, além do incentivo à pesquisa, à docência e à difusão cultural das obras

cinematográficas. A inauguração acontece em 1987.

A sede, que se encontra a trinta quilômetros de Havana, foi construída em meio à

natureza e disponibiliza o desenvolvimento de talento tanto de seus estudantes quanto

daqueles que trabalham ali.

Sua estrutura é autossuficiente em muitos sentidos: é casa, escola e produtora

audiovisual. Integra liberdade criativa e antidogmatismos e dela participam estudantes,

egressos, professores e trabalhadores, que juntos compartilham os processos de aprendizagem

em espaços comuns de convivência.

Os trabalhadores, em sua maioria, são habitantes de San Antonio de los Baños, que

facilitam o envolvimento dos estudantes com a comunidade. Todos os anos a escola recebe

uma nova geração de estudantes no curso regular. O processo de admissão é feito através de

uma seleção rigorosa.

Adiante.

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76

Muitos egressos retornam à escola como professores e assistentes. Esses ex-alunos

ajudam a manter vivos os ideais originais da instituição. Essa rede formada por alunos e

egressos busca destacar-se por sua unidade.

Mas será que o discurso social do cinema, que lutava contra a soberania de poucos

sobre muitos, contra a dominação, ainda continua o mesmo? Nos anos de 1960, referendados

pelo discurso anarcossindicalista dos anos 20, pelo discurso socialista que combatia o

capitalismo e fundamentado no discurso marxista, o duelo entre o social e o capital se instalou

em toda a América Latina.

Porém, com o passar dos anos, o domínio do capital e das indústrias culturais aponta

para um novo momento em que essa simples divisão não se sustenta mais. Ao pensar o novo

cine produzido atualmente deve-se levar em conta que o problema agora reside:

[...] em que a modernização se produziu de um modo diferente do que

esperávamos em décadas anteriores. Nessa segunda metade do século, a

modernização não foi feita, tanto pelos estados, quanto pela iniciativa

privada. A ‘socialização’ ou democratização da cultura foi realizada pelas

indústrias culturais – em posse quase sempre de empresas privadas – mais

que pela boa vontade cultural ou política dos produtores. Continua havendo

desigualdade na apropriação dos bens simbólicos e no acesso à inovação

cultural, mas essa desigualdade já não tem a forma simples e polarizada que

acreditávamos encontrar quando dividíamos cada país em dominadores e

dominados, ou o mundo em impérios e nações dependentes. Depois desse

acompanhamento das transformações estruturais, é preciso averiguar como

diversos agentes culturais – produtores, intermediários e públicos –

redimensionam suas práticas ante tais contradições da modernidade, ou

como imaginam que poderiam fazê-lo (CANCLINI, 2008, p.97).

Dessa forma, os processos sociais e políticos nos anos marcados pelos regimes

autoritários em vários países da América do Sul e as diversas lutas por libertação na América

Central destruíram velhas certezas e abriram novas brechas que confrontaram sua verdade

cultural: "a mestiçagem, que não é só aquele fato racial do qual viemos, mas a trama hoje de

modernidade e de descontinuidades culturais, deformações sociais e estruturas do sentimento,

de memórias e imaginários", em uma mistura entre o indígena, o rural, o urbano, o folclórico,

o popular e o massivo (CANCLINI, 2008, p.64).

Continuar com os mesmos propósitos num tempo em que as ideologias socialistas e

libertárias foram sufocadas pela máxima do direito à propriedade e pela efemeridade da

produção artística, talvez seja um desafio maior ainda do que as coibições políticas já

enfrentadas pelo movimento. Em um tempo de consumismo exacerbado, a estética da fome

torna-se mais um rito do que uma ideologia pulsante. Essa ritualidade reflete aos “diferentes

usos sociais dos meios”, como no “barroquismo expressivo dos modos populares de assistir

ao filme, frente à sobriedade e seriedade do intelectual, para quem qualquer ruído é capaz de

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distraí-lo de sua contemplação cinematográfica” (BARBERO, 2009, p.19). Sobre o processo

de conversão das ideologias em ritos, Canclini afirma:

Há um momento em que os gestos de ruptura dos artistas que não

conseguem converter-se em atos (intervenções eficazes em processos

sociais) tornam-se ritos. O impulso originário das vanguardas levou a

associá-las com o projeto secularizador da modernidade: suas irrupções

procuravam desencantar o mundo e dessacralizar os modos convencionais,

belos, complacentes, com que a cultura burguesa o representava. Mas a

incorporação progressiva das insolências aos museus, sua digestão analisada

nos catálogos e no ensino oficial da arte, fizeram das rupturas uma

convenção. Estabelecera, diz Octavio Paz, “a tradição da ruptura”. Não é

estranho, então, que a produção artística das vanguardas seja submetida às

formas mais frívolas de ritualidade: os vernissages, as entregas de prêmios e

as consagrações acadêmicas (2008, p.45).

Entender as motivações que levaram à sua produção pode ser um caminho para buscar

repetir essas vivências no dia de hoje e abre espaço para novos desafios e pesquisas que

surgem a cada dia sobre o tema. Dessa forma, esse estudo não fecha uma análise, mas abre

interrogações sobre as influências que levaram cineastas, em diferentes pontos da América

Latina, a produzir uma cinematografia em que se reconhecessem, ao mesmo tempo em que

aponta para uma leitura mais profunda de sua relação com seus novos protagonistas. De

acordo com BARBERO, o primeiro a esboçar as chaves do novo pensamento foi Daniel Bell:

[...] em um livro cujo mero título contém já o sentido da inversão: O fim da

ideologia. Porque a nova sociedade só é pensável a partir da compreensão da

nova revolução, a da sociedade de consumo, que liquida a velha revolução

operada no âmbito da produção. Daí que nem os nostálgicos da velha ordem,

para os quais as democracias de massa são o fim de seus privilégios, nem os

revolucionários ainda fixados na ótica da produção e da luta de classes

entendem verdadeiramente o que está se passando. Pois o que está mudando

não se situa no âmbito da política, mas no da cultura, e não entendida

aristocraticamente, mas como ‘os códigos de conduta de um grupo ou um

povo’. É todo processo de socialização o que está se transformando pela raiz

ao trocar o lugar desde o qual se mudam os estilos de vida... E os críticos da

sociedade de massa, tanto os de direita como os de esquerda, estão ‘fora do

jogo’ quando continuam opondo os níveis culturais a partir do velho esquema

aristocrático ou populista que busca a autenticidade na cultura superior ou na

cultura popular do passado. Ambas as posições têm sido superadas pela nova

realidade cultural da massa que é de uma só vez ‘o uno e o múltiplo’ (p.67).

Dessa forma, muitas questões que rondam a história do novo cine na América Latina,

desde suas influências estéticas, seu início e desenvolvimento, até os dias de hoje, ainda

necessitam de estudos mais profundos, não apenas sobre sua historicidade, mas sobre as

ideologias políticas e o discurso que imperava em cada época e uma análise ainda mais

detalhada de sua produção através das cinco décadas que o compõem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da história do movimento do Novo Cine latino-americano busca o

entendimento de quais fatores foram decisivos para sua formação e organização como um

movimento continental, que, mesmo com todas as dificuldades devido aos altos custos de sua

produção, esteve presente na maioria dos países latino-americanos.

Em primeiro lugar, o que se percebe com este estudo é o entendimento de que o

cinema em si não faz a revolução. O cinema é apenas um meio, assim como o rádio, a

televisão, os jornais e, como tal, por mais que explicite realidades culturais e sociais de um

povo, não pode, por si só, realizá-la.

São os filmes e as posturas ideológicas de seus realizadores que determinam o caráter

revolucionário de uma produção, como disse Jean-Patrick Lebel, em seu livro Cine e

Ideologia:

En lo que concierne al papel propio que puede desempeñar el cine en ese

combate ideológico, ya se puede decir que, teniendo en cuenta las

necesidades engendradas por la singularidad y la especificidad de los

“puntos de mira ideológicos”, no hay (y no puede haber) un modelo de film

revolucionario, materialista, subversivo o, en regla general, un film que

contribuya al retroceso de la ideología dominante. En el conjunto del frente

ideológico, cinematográfico y audiovisual es donde debe librarse la batalla

en el marco de los diferentes “puntos de mira ideológicos” que nacen de la

diversidad y de la inestabilidad ideológica de los públicos y de la variedad de

las formas de estructuración y de significación audiovisuales (LEBEL, 1973,

p.249).34

Ao verificar como as ideologias socialistas e anarquistas vindas da Europa

misturavam-se à produção cultural e artística latino-americana desde o início do século,

entende-se por que, no relato apresentado pela maioria dos cineastas no decorrer do trabalho,

eram essas ideologias o foco principal da maioria de suas obras, nas quais se colocavam, às

vezes de forma até agressiva, como contraproposta aos ditames da indústria cultural

hegemônica, especialmente contra o modo de fazer cinema estadunidense, que produzia os

filmes que lotavam as salas de cinema, impregnando esse meio com sua cultura.

34 No que concerne ao papel próprio que pode desempenhar o cinema nesse combate ideológico, já se pode dizer que, tendo

em conta as necessidades engendradas pela singularidade e pela especificidade dos “pontos de vista ideológicos”, não há (e

não pode haver) um modelo de filme revolucionário, materialista, subversivo ou, em regra geral, um filme que contribua para

o retrocesso da ideologia dominante. No conjunto de frente ideológica, cinematográfica e audiovisual, é onde se deve lutar a

batalha no marco dos diferentes ‘pontos de vista ideológicos’ que nascem da diversidade, da instabilidade ideológica dos

públicos e da variedade das formas de estruturação e significação audiovisual (LEBEL, 1973, p.249).

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Também fica claro nesses relatos que a proposta do Novo Cine, por mais que se

aproximasse dos movimentos europeus de cinema como o neorrealismo ou o surrealismo, ou

ainda que tivesse como método o cinema autoral, no qual o diretor comandava todo processo

de produção, se diferenciava por criar estéticas únicas e por não se tratarem apenas de

entretenimento, nem somente denúncia, mas propaganda de suas ideologias, ou ainda como

exemplifica Paulo Paranaguá, na confluência de três fenômenos:

[...] assimilação do neorrealismo, condensação de uma cultura

cinematográfica, explosão do nacionalismo desenvolvimentista – desemboca

na constituição de um novo conceito de modernidade. Para os cineastas das

novas gerações, a modernidade deve estar inscrita na própria linguagem do

filme, no corpo da obra. Assim, o cinema passa a estar mais entrosado com

as tendências contemporâneas da literatura, teatro e música. Coexistem, é

bem verdade, projetos diferentes. Para esboçar um paralelo, podemos dizer

que junto a fitas comparáveis ao romance regionalista, “criollista” ou

indigenista, despontam outras que significam uma superação equivalente

àquela constituída pela moderna literatura latino-americana. Coexistem José

de Alencar, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa (PARANAGUÁ, 1984,

p.73).

Ao assimilar o neorrealismo e aprender sobre a cultura cinematográfica, os jovens

cineastas latino-americanos que retornavam da Europa viam estampados nas salas de cinema

realidades que nada tinham a ver com as condições de explorados em que vivia povo da

América Latina. Faltava nela o índio, o negro, o caboclo, o sertanejo pobre que trabalhava

todo dia embaixo do sol para garantir o sustento à família.

Dessa forma, sua produção direcionou-se em documentar, mesmo quando em ficção, a

realidade do povo oprimido de cada país. A América Latina vivia sob o jugo da dominação

estadunidense de seu território. E essa dominação não era apenas cultural e não se ligava

apenas ao cinema, mas estava presente em todas as instâncias governamentais e começava a

interferir no modo de vida de cada sociedade.

Na década de sessenta a disputa entre o socialismo e o capitalismo em solo latino-

americano representava perda de riquezas norte-americanas. Não se tratava apenas de uma

dominação cultural e ideológica, mas de uma dominação econômica: a exploração do povo

em detrimento dos interesses dos Estados Unidos da América. Dessa forma, o solo latino-

americano era pilhado de seus recursos naturais, que se tornavam matéria-prima para as

indústrias do primeiro mundo.

Em cada película, em cada manifesto, construíram-se estéticas que buscavam

reproduzir o dia a dia do povo de cada país. A estética da fome, da violência, o miserabilismo,

eram evidentes em documentários como Tire Dié do argentino Fernando Birri, que escancarou

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a realidade dos excluídos argentinos que viviam à margem da ferrovia e para sobreviverem

eram obrigados a colocar seus filhos pequenos para correr junto ao trem mendigando dinheiro

da burguesia em ascensão. Ou os ficcionais como Deus e o diabo na terra do sol, com a

disputa épica entre Antonio das Mortes e o corisco (1964), de Glauber Rocha ou ainda

Memorias del subdesarrollo (1968) de Tomás Gutierrez Alea, que conta, mediante a visão de

um americano, os dias que se seguem à Revolução Cubana.

A través de la historia del film, de las etapas de su fabricación (su proceso de

producción), y por el film, hay elaboración, acumulación, formación,

producción de la ideología (de un contenido ideológico). Y, si ese contenido

ideológico re-produce muy a menudo la ideología dominante, no es a causa

de la naturaleza del cine, sino, porque este descentramiento de la esencia

ideológica de los films es un descentramiento social y, por consecuencia, la

ideología dominante influye con todo su peso en el cerebro de los que hacen

los films y de los que los consumen (LEBEL, 1973, p.74).35

Outra questão evidente foram os reflexos da revolução Russa de outubro de 1918, o

levante do proletariado. O exemplo russo foi o estopim para diversos movimentos populares

em toda a América Latina, e em casos como a Argentina, o Brasil, o Chile, e ainda outros

países latino-americanos, a proximidade de um governo socialista era uma ameaça iminente

ao sistema extrativista que os Estados Unidos da América haviam estabelecido neste

território.

Mais um fator importante e imprescindível para o surgimento do movimento do Novo

Cine foram os festivais que aconteceram por toda América Latina e permitiram o contato

entre seus cineastas. Essa descoberta de uma produção cinematográfica com características

em comum só foi possível graças a esses encontros, que ocorreram a partir da década de

sessenta, dentro de cada país e por todo o continente.

É evidente que os festivais europeus também foram importantes, mas foram os

festivais latino-americanos que proporcionaram os primeiros encontros e levaram à união dos

cineastas, produtores cinematográficos e ao estabelecimento dos vínculos entre seus

realizadores, que acabaram por definir e fortalecer o movimento mediante a criação do

Comitê de Cineastas da América Latina e posteriormente a Fundação do Novo Cine Latino-

americano.

35 Através da história do filme, das etapas de sua fabricação (seu processo de produção) e pelo filme, há elaboração,

acumulação, formação e produção de ideologia (de um conteúdo ideológico). E, se esse conteúdo ideológico reproduz

discretamente a ideologia dominante, não é a causa da natureza do cinema, senão por que esse descentramento da essência

ideológica dos filmes é um descentramento social e, por consequência, a ideologia dominante influi com todo seu peso no

cérebro dos que fazem os filmes e dos que os consomem (LEBEL, 1973, p.74).

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Quase concomitantemente ao aparecimento da sétima arte, mediante a invenção do

cinematógrafo, o modelo de fazer cinema hollywoodiano se fixou, dominou e ditou

tendências que até hoje enchem salas por todo mundo, não apenas no intuito de vender seus

produtos cinematográficos, mas também sua cultura, seu modo de vida.

Para manter sua hegemonia, os Estados Unidos da América não apenas vendiam

películas, mas criavam um padrão de sociedade a qual consideravam superior, como bem se

pode verificar no capítulo um, no episódio em que o embaixador dos EUA no Brasil declara

que a venda de ferro por parte do governo brasileiro às nações socialistas eram um atentado

contra os interesses norte-americanos.

A situação de colônia em que a maioria das nações viviam fez com que seus dirigentes

acabassem por alimentar ainda mais essa indústria dominante e deixassem de lado o

investimento em uma produção nacional que evidenciasse as culturas locais e trouxessem à

tona as realidades de cada país, cultura e região. Dessa forma, a intenção de seus realizadores

muitas vezes não ia apenas contra ao modelo norte-americano, mas contra os interesses dos

dirigentes de cada país envolvido e dependente de seu poderio.

Mesmo em seu auge, o Novo Cine latino-americano se produziu muito mais pela

vontade de seus realizadores do que por políticas públicas que o incentivassem. Em alguns

casos, esse apoio até aconteceu em termos de produção, até porque entre o projeto e sua

execução não havia muito controle por parte do estado patrocinador, mas, na maioria dos

países da América Latina, não houve avanços significativos na distribuição de suas próprias

cinematografias, pelo contrário, muitas vezes as exibições só aconteciam em associações,

sindicatos, cine clubes, universidades e à revelia do governo. Muitas obras chegaram a ser

destruídas, ou proibidas de serem veiculadas, pela censura.

O cinema norte-americano, o japonês e, em geral, o europeu, nunca foram

subdesenvolvidos, ao passo que o hindu, o árabe ou o brasileiro nunca

deixaram de ser. Em cinema, o subdesenvolvimento não é uma etapa, um

estágio, mas um estado: os filmes dos países desenvolvidos nunca passaram

por essa situação, enquanto os outros tendem a se instalar nela. O cinema é

incapaz de encontrar dentro de si próprio energias que lhe permitam escapar

à condenação do subdesenvolvimento, mesmo quando uma conjuntura

particularmente favorável suscita uma expansão na fabricação de filmes

(PARANAGUÁ, 1984, p.66).

As propostas lançadas pelos cineastas latino-americanos, criadores do movimento do

Novo Cine, a partir de 1950, eram fruto do momento histórico em que viviam. Forças

capitalistas e socialistas duelavam, tanto no domínio da política, quanto na forma de agir e

pensar, como ficou explícito na película La hora de los hornos, de Solanas e Getino. Ao

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mesmo tempo em que o filme mostra a realidade de uma Argentina devastada pela pobreza,

demonstra a influência norte-americana na forma de vestir e de se portar dos jovens que,

indiferentes à sua própria realidade, negam e assumem os modelos de comportamentos

apresentados nas películas que reafirmavam a hegemonia não só de uma indústria, mas da

forma de viver de um povo. Alheios às suas próprias realidades, esses jovens consumiam a

moda, as músicas, o modo de ser de outra cultura e negavam a sua própria.

Ao pesquisar no decorrer da história as influências do sistema capitalista no modo de

vida, será possível ver que, em todas suas formas de comunicar, a arte muitas vezes expressou

ação ou reação a esses sistemas de dominação e opressão econômicos, culturais e sociais.

Quando se investiga a história de cada país na América Latina, vê-se que a produção

artística lutava contra esse estado de dominados, com situações semelhantes na música, no

teatro, nas artes plásticas, na literatura, na poesia e até mesmo com o jornalismo. O que

tornaria, então, o Novo Cine mais fascinante que movimentos como o tropicalismo, ou a

bossa nova, ou a história do jornalismo anarquista na América Latina?

Sua continentalidade, seu respeito multicultural na luta contra um dominador que

dilapidava seu território, seu povo e sua cultura, a construção de uma temática semelhante,

mesmo com as diferentes estéticas.

A utilização da sétima arte com ênfase em um discurso de negação às privações e

pilhagens que a América Latina sofreu da Europa desde seu descobrimento e sua

neocolonização pelos EUA.

O subdesenvolvimento não é mais um dado estrutural assumido com

passividade ou fatalismo. O handicap técnico intervém na própria

elaboração de uma linguagem adequada à sociedade da qual emana. “Uma

estética da fome, uma estética da violência”, proclama Glauber Rocha. “Um

terceiro cinema, militante, oposto a um cinema alienado, comercial,

dominante, bem como ao cinema reformista, colonizado, de autor”, teorizam

os argentinos Fernando E. Solanas e Octavio Getino. “Um cinema

imperfeito”, propõe o cubano Julio Garcia Espinosa. “Um cinema Coletivo,

junto ao povo”, sustenta o boliviano Jorge Sanjinés. Assim, os cineastas são

seus próprios teóricos... ou produtores de ideologia (PARANAGUÁ, 1984,

p.70).

Mesmo com toda essa devoção à sua proposta de ferramenta emancipatória e

humanizadora, o Novo Cine encontrou dificuldades devido à falta de recursos para sua

realização, muitas vezes sem retorno financeiro que possibilitasse reinvestir em novas

produções e pela ausência uma distribuição que garantisse o acesso à sua cinematografia.

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Ainda hoje as películas realizadas por seus cineastas são de difícil acesso e, em sua

maioria, encontram-se limitadas aos ambientes das Universidades e a alguns cine clubes. Se

mesmo diante das dificuldades financeiras, o Novo Cine aconteceu pela luta de seus

idealizadores. O mesmo não se pode dizer a respeito de sua distribuição. Na maioria das salas

de cinema a predominância ainda era de filmes norte-americanos e, mesmo com toda luta

ideológica até os dias de hoje, é a estética hollywoodiana que impera nos cinemas.

Pode-se dizer que essa foi a barreira mais difícil a ser quebrada. Produzir e dirigir

filmes eram tarefas hercúleas, porém ser aceito nas salas de cinema era uma barreira ainda

mais difícil de ser transposta. Mesmo depois de todos esses anos e com toda abertura que os

países conseguiram pós-revoluções militares, o contato com os clássicos do Novo Cine ainda

se torna restrito a cine clubes, cursos universitários de cinema e a algumas poucas instituições

cinematográficas como a Fundação do Novo Cine em Havana.

A realização desta pesquisa e deste trabalho demonstrou a falta de conhecimento que

ainda se tem no Brasil sobre essa parte da história latino-americana. Mesmo com o destaque

para as figuras de Glauber Rocha e Carlos Diegues como os grandes representantes do

movimento cinemanovista brasileiro, há poucas informações sobre esse movimento ligado a

um movimento maior e continental. A prova disso é a limitada bibliografia em português

sobre esse assunto.

Para se estudar a história do Novo Cine não bastou ler os livros que tratam sobre o

assunto; fez-se necessário vivenciá-la mediante a convivência com alguns de seus produtores,

realizadores e o contato com suas principais produções. Ouvir histórias, discussões, assistir a

inúmeros filmes, ler, e mesmo com tudo isso ainda continua a sensação de que ainda existe

muito a ser visto, a ser lido.

Essa parte da história da cinematográfica latino-americana ainda se encontra envolta

nas brumas lançadas pelas ditaduras e pela dominação. Porém, com as mudanças tecnológicas

e a facilidade de produção e distribuição possibilitadas pelo cinema digital e pela internet,

percebe-se a aceleração no processo de conhecimento sobre essa e outras histórias que até

bem pouco tempo eram desconhecidas ou conhecidas por seus poucos agentes e participantes.

A história do Novo Cine latino-americano é uma história de lutas ideológicas, que

acontecem ligadas a um tempo histórico em que se pensava em uma sociedade mais justa e

igualitária e quando se sonhava com o acesso de todos à cultura, aos bens de consumo e à

educação.

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VIANY, Alex. O processo do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Ed. Aeroplano, 1999.

0

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ANEXO I

Impressões de uma pesquisadora.

A experiência de participar do Festival do Novo Cine e conhecer a Fundação em

Havana influenciou na definição do objeto da pesquisa e possibilitou a convivência com

muitos dos nomes e dos lugares que compõem esta história.

Mesmo sem a documentação das conversas, que aconteceram de maneira informal nos

ambientes do festival ou mesmo em casas noturnas de Havana, esses diálogos renderam

algumas observações que, segundo a pesquisadora, vale a pena relatar.

A primeira foi a agitação por sentar ao lado ou esbarrar em pessoas que até então eram

apenas personagens dos livros e das histórias do cinema novo. Mas aos poucos essa excitação

levou à observação das diferentes linguagens presentes ali.

Se havia representantes daquele primeiro momento em que se buscava uma linguagem

cinematográfica que privilegiasse a emancipação da América Latina e a valorização de sua

cultura frente à dominação exercida por aqueles que a expropriavam desde a sua ‘descoberta’,

também havia jovens produtores preocupados em escrever seus nomes na cinematografia de

seus respectivos países.

Durante as oficinas e os debates eram nítidas as divergências entre os discursos

empenhados pelos mais velhos e pelos jovens cineastas. Aquela preocupação ideológica que

havia culminado na criação da Fundação do Novo Cine mantinha-se apenas no discurso

formal, mas não parecia estar presente nas obras ali exibidas. Dos envolvidos no Festival, que

mobiliza toda cidade de Havana, poucos chegaram à sede da fundação, onde também havia

projeção dos participantes na sala Glauber Rocha.

Foram várias as impressões causadas nos doze dias passados ali. A grande motivação

para conhecer e estar presente durante o Festival era ver ao vivo o discurso de libertação da

América Latina. Depois de três dias de exibições e oficinas, ainda se buscava onde estava o

discurso libertário, mas não se sabia mais se iria encontrá-lo.

Na sede do Hotel Nacional, em Havana, transitavam diretores, produtores e atores que

angariavam filas para autógrafos, ao caminharem entre gramados, aves silvestres, e a incrível

vista do Malecom que seus jardins oferecem. Mas onde estaria o espírito revolucionário?

Na quarta noite, em um clube de jazz tradicional de Havana, sentou-se ao lado um

senhor de cabelos brancos que, em pouco tempo sorriu e iniciou uma conversa, perguntando

se era idealizadora de algum filme participante do festival. Contei-lhe, em meu espanhol não

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muito profícuo, as motivações e as angústias que me levaram a Cuba. O homem sorriu e

começou a me contar sua história.

Seu nome era Ivan Trujillo, diretor do Festival Internacional de Cinema de

Guadalajara, no México. Esse senhor havia acompanhado o Novo Cine desde seu nascimento

e mostrava uma certa nostalgia ao falar sobre minhas inquietações.

Falou-me do tempo que passou em Santa Fé e na EICTV ao lado de Fernando Birri e

de como o Jazz Clube era seu refúgio em meio ao tumulto do festival. Sorriu de minhas

dúvidas quando perguntei onde estaria o espírito revolucionário nessa nova cinematografia e

aconselhou-me a conhecer a sede da Fundação.

No outro dia logo cedo, abandonei as atividades do Festival e tomei um taxi rumo à

Fundação, que se encontra a cerca de vinte minutos do Hotel Nacional, que sedia a maioria

das oficinas e fóruns de debate do festival.

Chegando ao local precisava agora entender como tudo aquilo funcionava e comecei a

conversar com os funcionários sobre quem poderia me ajudar. O fascínio dos cubanos pelos

brasileiros facilitou-me abrir portas e em pouco tempo me apresentaram as figuras que foram

imprescindíveis nessa busca de conhecimento.

Alex foi o primeiro a me indicar os caminhos. Com seu sorriso e bom humor me

conduziu pelas salas daquele imenso casarão, apresentando pessoas e indicando quem poderia

ajudar-me: Juan Carlos, historiador e responsável por projetos de salvaguarda e catalogação,

além de organizar a biblioteca e as revistas digitais que constam no site da Fundação, e

Alejandro Celada Sanz, assessor de comunicação da Fundação e meu guia na capital cubana.

Esses três homens abriram todas as portas para esta pesquisadora, que agora passava

as manhãs e tardes em meio aos arquivos separando livros, assistindo filmes e tendo longas

conversas sobre o ideal libertário que se fazia presente naquele lugar, mas que não havia

encontrado nos jardins do Hotel Nacional.

Os dias agora se dividiam em manhãs e tardes dedicadas aos arquivos da fundação e as

noites entre as exibições, oficinas e o Jazz Club, reduto preferido dos cineastas mais antigos

que fugiam da badalação do Festival para ali ouvir a melhor música de Havana e conversar

sobre cinema. Entre solos de sax e mojitos, o Jazz Club proporcionava muito mais

experiências com as raízes do novo cine do que o tempo gasto em conversas nos salões e

jardins do Hotel Nacional.

Foi uma experiência magnífica os dias passados na Fundação. Em pouco tempo todos

acolheram a ‘brasileña’ que subia e descia suas grandes escadarias e sentava-se para ler nos

átrios de seu café. Uma das sensações mais marcantes foi, sem dúvida, assistir ao filme La

hora de los hornos, do Argentino Fernando Solanas. Era visceral. Após assistir a ele não

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havia como pensar em mais nada. Os olhares, o sofrimento, a montagem, me levaram a

caminhar por duas horas pelo bosque que contorna o casarão. Era um soco no estomago. Era o

ideal revolucionário que estava presente nas histórias contadas nos livros que me levaram a

Havana.

Juan Carlos, o historiador, tornou-se um confidente de todas essas angústias que

permeavam minha pergunta: Era possível ao Novo Cine apresentado no festival ter as mesmas

ideologias do Novo Cine que levaram à criação da Fundação? Havia similaridades entre o

discurso daqueles que fizeram parte do primeiro Comitê de Cineastas latino-americanos com

aqueles jovens cineastas que participavam do Festival?

Aqueles dias passados em Havana, ao contrário do que eu imaginava, não trouxeram

respostas, apenas aumentaram o número de perguntas. Porém, as experiências vividas entre os

muros daquela casa enorme, cercada de verde, aguçaram ainda mais a busca por entender esse

cinema revolucionário e libertário.