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1 27° RELATÓRIO DE ACTIVIDADES DA COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS (CADHP) APRESENTADO EM CONFORMIDADE COM O ARTIGO 54 DA CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS UNIÃO AFRICANA UNION AFRICAINE Comissão Africana on Human & Peoples’ Rights UNIÃO AFRICANA Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos 31, Bijilo Annex Lay-out, P. O. Box 673, Banjul, Gâmbia Tel: (220) 441 05 05 / 441 05 06 Fac-símile: (220) 441 05 04 Correio electrónico: [email protected]; Internet: http://www.achpr.org

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27° RELATÓRIO DE ACTIVIDADES DA COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS (CADHP)

APRESENTADO EM CONFORMIDADE COM O ARTIGO 54 DA CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS

UNIÃO AFRICANA

UNION AFRICAINE

Comissão Africana on Human & Peoples’ Rights

UNIÃO AFRICANA Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos

Povos

31, Bijilo Annex Lay-out, P. O. Box 673, Banjul, Gâmbia Tel: (220) 441 05 05 / 441 05 06 Fac-símile: (220) 441 05 04

Correio electrónico: [email protected]; Internet: http://www.achpr.org

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO............................................................................................................................6 EVENTOS ANTERIORES À SESSÃO....................................................................................6 PARTICIPANTES À SESSÃO.............................................................………………………..6 A CERIMÓNIA DE ABERTURA..............................................................................................7

TOMADA DE POSSE DOS NOVOS COMISSÁRIOS.......................................................9

ELEIÇÃO DO BUREAU............................................................................................................10 AGENDA DA SESSÃO............................................................................................................10

COOPERAÇÃO E RELAÇÕES COM INSTITUIÇÕES NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS (NHRI) E ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS (ONG)........10

SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM ÁFRICA..................................................11

ACTIVIDADES DOS MEMBROS DA COMISSÃO AFRICANA DURANTE O INTERVALO ENTRE SESSÕES.............................................................................................11

COMISSÁRIO BAHAME TOM MUKIRYA NYANDUGA – PRESIDENTE EM EXERCÍCIO.................................................................................................................................11

ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIO...................................................................13

ACTIVIDADES COMO RELATOR ESPECIAL PARA OS REFUGIADOS, PESSOAS EM BUSCA DE ASILO, PESSOAS DESLOCADAS INTERNAMENTE (IDP) E MIGRANTES EM ÁFRICA (IDP)............................13

COMISSÁRIA CATHERINE DUPE ATOKI.......................................................................14

ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIA...................................................................14

ACTIVIDADES COMO PRESIDENTE DO COMITÉ DE SEGUIMENTO DAS DIRECTIVAS DA ILHA DE ROBBEN SOBRE A PREVENÇÃO DA TORTURA (RIG)...........................................................................................................16

COMISSÁRIO MUSA NGARY BITAYE..............................................................................17

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ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIO...................................................................18

ACTIVIDADES COMO PRESIDENTE DO GRUPO DE TRABALHO PARA AS POPULAÇÕES/COMUNIDADES INDÍGENAS EM ÁFRICA...............................18

COMISSÁRIA REINE ALAPINI-GANSOU........................................................................20

ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIA...................................................................21 ACTIVIDADES COMO MEMBRO DO GRUPO DE TRABALHO PARA AS PESSOAS IDOSAS E PESSOAS INCAPACITADAS EM ÁFRICA....................22 ACTIVIDADES COMO A RELATORA ESPECIAL PARA OS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS EM ÁFRICA.............................................................22

COMISSÁRIA SOYATA MAIGA..........................................................................................25

ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIA...................................................................25 ACTIVIDADES COMO A MEMBRO DO GRUPO DE TRABALHO PARA AS POPULAÇÕES INDÍGENAS / COMISSÃO AFRICANA....................................25 ACTIVIDADES LEVADAS A CABO COMO RELATORA ESPECIAL PARA OS DIREITOS DAS MULHERES EM ÁFRICA......................................................25

COMISSÁRIO MUMBA MALILA........................................................................................29

ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIO...................................................................29 ACTIVIDADES COMO RELATOR ESPECIAL PARA AS PRISÕES E LOCAIS DE DETENÇÃO EM ÁFRICA.....................................................................................29

COMISSÁRIA ZAINABO SYLVIE KAYITESI1.................................................................31

ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIA...................................................................31 ACTIVIDADES COMO PRESIDENTE DO GRUPO DE TRABALHO PARA A PENA DE MORTE.........................................................................................................32 ACTIVIDADES COMO MEMBRO DO GRUPO DE TRABALHO PARA QUESTÕES ESPECÍFICAS..........................................................................................32

COMISSÁRIA PANSY TLAKULA........................................................................................32 ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIA...................................................................33

ACTIVIDADES COMO RELATORA ESPECIAL PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM ÁFRICA...........................................................................................33

COMISSÁRIO Y.K.J. YEUNG SIK YUEN...........................................................................35

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ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIO...................................................................36 ACTIVIDADES COMO PRESIDENTE DO GRUPO DE TRABALHO PARA OS DIREITOS DAS PESSOAS IDOSAS.....................................................36

MECANISMOS ESPECIAIS....................................................................................................36

DISTRIBUIÇÃO DE MECANISMOS ESPECIAIS.............................................................36

REDISTRIBUIÇÃO DE ÁREAS DE RESPONSABILIDADE..........................................38 SESSÃO PRIVADA..................................................................................................................38

RELATÓRIO DA SECRETÁRIA, INCLUINDO QUESTÕES ADMINISTRATIVAS E FINANCEIRAS...........................................................................................................................38

CONSIDERAÇÃO DE RELATÓRIOS DE ESTADO AO ABRIGO DO ARTIGO 62 DA CARTA..................................................................................................................................39

SITUAÇÃO DA ENTREGA DE RELATÓRIOS DOS ESTADOS PARTES...................39

ACTIVIDADES DE PROTECÇÃO........................................................................................41 ADOPÇÃO DE RELATÓRIOS DE MISSÕES.....................................................................43 RELATÓRIO DO COMITÉ CONSULTIVO PARA QUESTÕES ORÇAMENTAIS E DE PESSOAL..............................................................................................................................43 REGRAS DE PROCEDIMENTO............................................................................................43 RESOLUÇÕES............................................................................................................................44 RELATÓRIOS DA SESSÃO....................................................................................................44

7ª SESSÃO EXTRAORDINÁRIA..........................................................................................44

DATAS E LOCAL DA 47ª SESSÃO ORDINÁRIA.............................................................45 ENTREGA DO VIGÉSIMO SÉTIMO RELATÓRIO DE ACTIVIDADES....................45 LISTA DE ANEXOS..................................................................................................................46

ANEXO 1..........................................................................................................................47

ANEXO 2..........................................................................................................................50

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ANEXO 3..........................................................................................................................64

ANEXO 4..........................................................................................................................90

ANEXO 5........................................................................................................................118

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INTRODUÇÃO

1. O presente documento constitui o Vigésimo Sétimo (27°) Relatório de Actividades da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a “CADHP”).

2. O relatório descreve as actividades levadas a cabo pela CADHP de Junho a

Novembro de 2009 e inclui a 7ª Sessão Extraordinária da Comissão realizada em Dacar, Senegal, de 5 a 12 de Outubro de 2008, e a 46ª Sessão Ordinária da CADHP que teve lugar em Banjul, Gâmbia, de 11 a 25 de Novembro de 2009.

3. Na sequência da eleição da Comissária Sanji Mmasenono Monageng para o Tribunal Criminal Internacional e o seu subsequente pedido de demissão como membro da CADHP, e devido à ausência da vice-presidente, Comissária Ângela Melo, a 14 de Julho de 2009 os Comissários Bahame Tom Mukirya Nyanduga e Reine Alapini Gansou foram eleitos presidente e vice-presidente em exercício, respectivamente.

EVENTOS ANTERIORES À SESSÃO

4.Os membros e os funcionários da CADHP participaram e colaboraram com outras organizações de direitos humanos numa série de actividades que antecederam ou que tiveram lugar à margem da Sessão, incluindo as seguintes:

i Reunião sobre as Constatações das Pesquisas da CADHP e o Projecto

Conjunto da Organização Internacional do Trabalho sobre Medidas Constitucionais e Legislativas relativas aos Direitos das Populações/Comunidades Indígenas, que teve lugar em Banjul, Gâmbia, a 6 de Novembro de 2009;

ii Fórum das ONG realizado de 7 a 9 de Novembro de 2009, organizado

pelo Centro Africano de Estudos de Democracia e Direitos Humanos (ACDHRS);

iii Grupo de Trabalho para as Populações Indígenas, encontro realizado de 7

a 9 de Novembro de 2009, organizado pelo Grupo de Trabalho para as Populações/Comunidades Indígenas em África; e

iv 3ª Conferência das Instituições Nacionais de Direitos Humanos que teve

lugar de 8 a 10 de Novembro de 2009. Este evento foi organizado pela Direcção de Assuntos Políticos da Comissão da União Africana (CUA).

PARTICIPANTES À SESSÃO

5.Os seguintes membros da CADHP tomaram parte na 46ª Sessão Ordinária (Sessão):

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- Comissária Reine Alapini-Gansou, Vice-Presidente em exercício

- Comissária Catherine Dupe Atoki;

- Comissário Musa Ngary Bitaye

- Comissário Mohamed Fayek;

- Comissário Mohamed Bechir Khalfallah

- Comissário Mumba Malila;

- Comissária Kayitesi Zainabo Sylvie;

- Comissária Pansy Tlakula; e

- Comissária Yeung Kam John Yeung Sik Yuen.

6.A Comissária Ângela Melo esteve ausente. 7.O presidente cessante, Comissário Bahame Mukirya Tom Nyanduga, também

participou numa parte da Sessão, tendo presidido à Cerimónia de Abertura.

A CERIMÓNIA DE ABERTURA

8.Na Cerimónia de Abertura foram proferidos discursos pelo presidente cessante da CADHP, Sr. Bahame Tom Mukirya Nyanduga; pelo Embaixador Emile Ognimba, Director da Direcção de Assuntos Políticos da CUA em representação de Sua Excelência a Sra. D. Julia Dolly Joiner, Comissária para os Assuntos Políticos; a representante das Organizações Não-governamentais (ONG), Sra. D. Hannah Forster; o representante dos Estados Membros da UA; a ilustre ministra da justiça da República de Moçambique, Sra. D. Maria Benvinda D. Levi; e a representante das Instituições Nacionais de Direitos Humanos (NHRI), Sra. D. Winfred Lichuma.

9.A Sra. D. Therese Sarr Toupan, Conservadora do Registo Industrial em exercício,

em representação da ilustre ministra da justiça da República da Gâmbia, Sra. D. Marie Saine Firdaus, proferiu o discurso de boas-vindas, procedendo depois à abertura da 46ª Sessão Ordinária da CADHP.

10. A 46ª Sessão Ordinária da Comissão contou com a presença de duzentos e

oitenta e oito (288) participantes, incluindo: 10 representantes de 8 Instituições Nacionais de Direitos Humanos, 8 Organizações Internacionais e Intergovernamentais, 112 participantes de 36 ONG africanas e internacionais e 67 Delegados de Estado de 21 Estados Partes.

11. Na sua alocução, o Comissário Nyanduga agradeceu ao governo e ao povo da

República da Gâmbia pela sua hospitalidade e por albergarem o Secretariado da Comissão Africana. Ele agradeceu aos participantes por terem tomado parte na

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Sessão. Disse que a 46ª Sessão Ordinária tinha como objectivo, entre outras coisas, passar em revista a situação dos direitos humanos nos países africanos e as diversas medidas adoptadas pelos governos, para além de estabelecer o diálogo com os vários actores em matéria de direitos humanos a nível do continente. Fez notar que esse diálogo incluía um número cada vez maior de actores não estatais para a área do usufruto dos direitos humanos e dos povos em África.

12. O presidente em exercício, ora cessante, realçou que a CADHP continuava a

receber numerosos relatórios sobre abusos dos direitos humanos, perpetrados no continente. Disse ter-se verificado uma importante evolução dos acontecimentos em muitas partes do mundo, incluindo África, incluindo o crescimento sem paralelo da democracia e de grandes mudanças sociais e económicas que transformaram a paisagem política. Ele referiu que os africanos continuavam a exigir o direito de determinarem a forma como deveriam ser governados. Fez notar que embora tivessem sido dados importantes passos nesse sentido, há ainda algumas áreas em que o continente africano necessita de registar melhorias. Expressou ainda preocupação relativamente à escalada de violações dos direitos humanos em países como a República Democrática do Congo, as Repúblicas da Gâmbia, Guiné, Sudão, Níger e Somália.

13. Realçou que as mudanças climáticas constituíam uma outra ameaça ao usufruto

dos direitos humanos no continente. Declarou que muitas das nações africanas têm vindo a constatar que as ameaças resultantes das mudanças climáticas são de natureza grave e urgente uma vez que nenhuma nação pode escapar às consequências que delas advêm. Indicou que a não ser que a África e a comunidade internacional adoptem políticas e programas de combate aos efeitos negativos das mudanças climáticas no continente, há o risco de virem a ocorrer violações maciças de direitos humanos em África, zona que continua a depender de uma agricultura alimentada pela chuva. Para ele, a inércia não constitui uma opção.

14. O Comissário Nyanduga instou os Estados Membros da União Africana, por uma

questão de prioridade, a ratificarem o Protocolo anexo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativamente à criação do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (“Tribunal Africano”) e a efectuarem a declaração relevante ao abrigo do Artigo 34 (6) do Protocolo tendo em vista assegurar que o Tribunal Africano desempenhe integralmente o seu mandato. Ele notou com apreço que o trabalho desenvolvido pela CADH continua a merecer a atenção dos Estados Partes, incluindo os Órgãos de Decisão, o Conselho Executivo e a Assembleia.

15. O Embaixador Emile Ognimba, Director da Direcção de Assuntos Políticos da

CUA, em representação de Sua Excelência a Sra. D. Julia Dolly Joiner, também se dirigiu à 46ª Sessão. Disse que apesar de se terem registado alguns avanços, em termos gerais a situação dos direitos humanos em África continua a ser débil, tendo lamentado que muitos dos países africanos continuam a violar os direitos humanos dos seus próprios povos.

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16. Referiu que a deterioração da situação dos direitos humanos em muitos países africanos havia tido um impacto particularmente negativo em relação às vidas das mulheres e crianças. Tendo frisado que os direitos humanos devem constituir a responsabilidade colectiva de todos, o Embaixador Ognimba manifestou esperança de que a 46ª Sessão Ordinária se iria debruçar sobre essas questões importantes. Afirmou que a CUA, em parceria com as diferentes partes interessadas, incluindo outros órgãos competentes da UA e das Nações Unidas, estava a trabalhar num plano estratégico visando melhorar a situação dos direitos humanos em África.

17. No seu discurso de abertura, a Sra. D. Therese Sarr-Toupan, em representação do

ilustre Procurador-Geral da República e Ministro da Justiça da República da Gâmbia, deu as boas-vindas aos participantes à 46ª Sessão Ordinária, tendo manifestado o regozijo do governo e povo da Gâmbia pela oportunidade de albergar a Sessão da CADHP.

18. Indicou que o Governo da Gâmbia estava empenhado em proteger e desenvolver

os direitos humanos e dos povos, a estimular a paz, a estabilidade política e a boa governação à escala mundial. Frisou que a promoção e protecção dos direitos humanos e dos povos em África constituíam a principal responsabilidade dos Estados uma vez que a segurança humana só poderá tornar-se numa realidade se os direitos forem garantidos, promovidos e protegidos.

19. Ela lamentou o facto de que em 2009, África havia testemunhado o retorno aos

golpes de Estado, à agitação social, às execuções sumárias e aos crimes sexuais, os quais transformaram-se em ferramentas e armas nas mãos de juntas instaladas no poder. A este respeito, instou a CADHP para que continuasse a trabalhar com os Estados membros na aplicação do seu mandato de acompanhar, proteger e promover os direitos humanos.

20. Apelou aos que promovem e protegem os direitos humanos para que actuem de

forma responsável no desempenho dos seus mandatos e funções, evitando fazer afirmações falaciosas e infundadas sobre alegadas violações de direitos humanos, ou declarações assentes em motivos inconfessáveis.

21. A concluir, desejou a todos os participantes sucessos na tomada de decisões,

tendo declarado oficialmente aberta a sessão.

TOMADA DE POSSE DOS NOVOS COMISSÁRIOS

22. Durante a 15ª Sessão Ordinária do Conselho Executivo da União Africana

realizada em Sirte, Líbia, em Junho de 2008, foram eleitos dois novos Comissários como membros da Comissão, tendo um outro sido reeleito. São os seguintes os Comissários:

- Comissário Mohamed Fayek, eleito

- Comissário Mohamed Bechir Khalfallah, eleito

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- Comissária Zainabo Sylvie Kayitesi, reeleita 23. Em conformidade com as Regras de Procedimentos da CADHP, os referidos

Comissários foram empossados após terem proferido uma declaração solene no decurso de uma Sessão Pública da CADHP.

ELEIÇÃO DO BUREAU

24. Em conformidade com o Artigo 42 da Carta Africana e as disposições relevantes

das Regras de Procedimento da CADHP, a Comissária Reine Alapini Gansou e o Comissário Mumba Malila foram eleitos presidente e vice-presidente, respectivamente, para um mandato de dois anos, com efeitos a partir de 11 de Novembro de 2009.

AGENDA DA SESSÃO 25. A Agenda da Sessão foi adoptada a 11 de Novembro de 2009, encontrando-se

apensa ao presente Relatório sob a designação de Anexo I.

COOPERAÇÃO E RELAÇÕES COM INSTITUIÇÕES NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS (NHRI) E ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS (ONG)

26. A CADHP considerou os pedidos de quatro (4) ONG para obtenção do Estatuto

de Observador, tendo concedido tal estatuto a três (3) ONG em conformidade com a Resolução 1999 sobre os Critérios para a Concessão e Usufruto do Estatuto de Observador de Organizações Não-Governamentais que Trabalham no Campo dos Direitos Humanos e dos Povos, CADHP/Res. 33 (XXV) 99. São as seguintes as ONG que obtiveram o Estatuto de Observador:

i. Africa in Democracy and Good Governance (ADG), Gâmbia;

ii. Female Lawyers Association-Gambia (FLAG), Gâmbia

iii. Frontline, Irlanda.

27. Eleva-se para quatrocentos e cinco (405) o número de ONG com Estatuto

de Observador perante a CADHP. 28. A CADHP decidiu remeter o pedido de Estatuto de Observador de uma

ONG, nomeadamente a Coligação das Lésbicas Africanas (CAL), sediada na África do Sul, para a próxima Sessão Ordinária, estando pendente da conclusão das considerações da CADHP relativamente ao documento sobre “Orientação Sexual” em África.

29. Durante a 46ª Sessão Ordinária, a CADHP não recebeu quaisquer pedidos

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de Estatuto de Afiliado da parte de NHRI. O número de NHRI com esse estatuto junto da Comissão Africana continua, portanto, a ser de vinte e um (21).

SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM ÁFRICA

30. Foram proferidas declarações pelos Delegados de Estado do Botsuana,

Burkina Faso, Congo, Côte d‟Ivoire, Egipto, Etiópia, Líbia, Mauritânia, Moçambique, Namíbia, Nigéria, República Árabe Democrática Sarauita, África do Sul, Tanzânia, Tunísia, Uganda e Zimbabué sobre a situação dos direitos humanos nos respectivos países. O resumo dos textos dessas declarações consta do Relatório da 46ª Sessão Ordinária da CADHP.

31. Os representantes de organizações internacionais e das NHRI falaram

sobre várias questões relacionadas com direitos humanos no continente e da necessidade de continuarem a cooperar com a CADHP para uma melhor promoção e protecção dos direitos humanos. Dessas organizações constava o Gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (OHCHR), a Comissão Sul-Africana de Direitos Humanos (SAHRC), a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Ruanda (NHRCR), a Comissão Nacional Queniana de Direitos Humanos (KHRC), e a Comissão Nacional Ugandesa de Direitos Humanos (UHRC).

32. Um total de quarenta (40) Organizações Não-Governamentais (ONG), com

Estatuto de Observador junto da CADHP também proferiu declarações sobre a situação dos direitos humanos em África.

ACTIVIDADES DOS MEMBROS DA COMISSÃO AFRICANA DURANTE O INTERVALO ENTRE SESSÕES

33. O Presidente e os membros da CADHP procederam à apresentação de

relatórios sobre as actividades por si levadas a cabo durante o período de intervalo entre a 45ª Sessão Ordinária em Maio de 2009, e a 46ª Sessão em Novembro de 2009. Os relatórios cobrem as actividades realizadas pelos autores na sua qualidade de Membros da CADHP, Relatores Especiais, e/ou Membros dos Mecanismos Especiais. As actividades são descritas em conformidade com o presente relatório. O Comissário Malila procedeu à apresentação do relatório de actividades do ex-presidente em exercício, em nome deste.

Comissário Bahame Tom Mukirya Nyanduga – Presidente em Exercício

Relatório de actividades como Comissário

34. Em Junho de 2009, o presidente em exercício participou numa conferência

convocada pelo IRRI e outras ONG em Nairobi, Quénia. A conferência adoptou

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recomendações, tendo, entre outras coisas, instado o Procurador do Tribunal Criminal Internacional e a comunidade internacional a debruçarem-se sobre a questão da selecção de assuntos a encaminhar para outras jurisdições, por se tratar de um assunto que preocupa os Estados africanos.

35. Entre 26 de Junho e 4 de Julho de 2009, participou nas reuniões do Comité

de Representantes Permanentes (PRC), do Conselho Executivo e da Assembleia de Chefes de Estado e de Governo, que tiveram lugar em Sirte, Líbia, tendo aí procedido à apresentação do 26° Relatório de Actividades da CADHP junto do Conselho Executivo.

36. Entre 14 e 17 de Julho de 2009, participou na Reunião Conjunta do

Tribunal Africano e da Comissão Africana em Arusha, Tanzânia. A reunião teve como objectivo deliberar sobre a harmonização das Regras de Procedimento das duas instituições, e as relações entre a Comissão Africana e o Tribunal Africano.

37. Entre 31 de Agosto e 3 de Setembro de 2009, o presidente em exercício deu

aulas sobre a “Análise Comparativa do Sistema Africano de Direitos Humanos, e dos Sistemas Interamericano e Europeu de Direitos Humanos”, perante o Colégio de Verão de Direitos Humanos. O evento foi organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de Leuven, Bélgica.

38. A 9 de Setembro de 2009, expediu um Apelo Urgente a Muammar Al-

Gaddafi, chefe da Jamahiriya Árabe Líbia Popular Socialista, visando a adopção de Medidas Provisórias relativamente a alegações de que diversos nigerianos, detidos em diversas prisões estavam prestes a ser executados, estando pendente a consideração sobre uma Participação-queixa remetida à Comissão Africana pelo Socio-Economic Rights and Accountability Project, uma ONG nigeriana.

39. Entre 9 e 11 de Setembro de 2009, participou numa Conferência

Internacional organizada pela Fundação MacArthur, pelo Centro Hauser da Universidade de Harvard, pelo Centro Internacional para a Justiça de Transição, e pelo Tribunal Criminal Internacional. A conferência, que teve lugar em Nova Iorque, Estados Unidos, teve como tema a Justiça Criminal Internacional.

40. Como um dos intervenientes no painel de debates, efectuou uma

comunicação sobre o Papel das Instituições Judiciais e Quase Judiciais Internacionais e Regionais, relativamente à Responsabilização por Crimes Internacionais.

41. De 5 a 11 de Outubro de 2009, o presidente em exercício participou na 7ª

Sessão Extraordinária da Comissão Africana destinada a concluir as Regras Provisórias de Procedimento da Comissão Africana, e a preparar a 2ª Reunião Conjunta da Comissão Africana e do Tribunal Africano em Dacar, Senegal.

42. De 12 a 16 de Outubro de 2009, participou na 2ª Reunião Conjunta da

Comissão Africana e do Tribunal Africano em Dacar, Senegal, destinada a harmonizar as Regras de Procedimento de ambas as instituições.

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43. A 20 de Outubro de 2009, o presidente em exercício enviou um apelo

urgente a Sua Excelência o Presidente Jacob Zuma da República da África do Sul, relacionado com alegações de que o Governo da África do Sul procedia à revisão dos poderes da polícia quanto ao uso da força no acto de execução de detenções, e à atribuição de direitos à polícia para disparar com a intenção de matar.

44. De 7 a 9 de Novembro de 2009, participou no Fórum de ONG, que teve

lugar antes da 46ª Sessão Ordinária da Comissão Africana, e na 20ª Feira do Livro dos Direitos Humanos Africanos, realizada em Banjul, Gâmbia.

45. Durante o Fórum, proferiu uma declaração de abertura, tendo condenado

o ressurgimento de golpes a nível do continente e o abuso de acordos de coligação, tendo em vista a minimização de graves violações dos direitos humanos e dos povos por alguns dos partidos que integram governos de unidade nacional.

46. De 8 a 10 de Novembro de 2009, participou na 3ª Conferência de

Instituições Africanas de Direitos Humanos, organizada pela Direcção de Assuntos Políticos da União Africana em Banjul, Gâmbia.

47. Durante a conferência, o presidente em exercício realçou a necessidade de

se reforçar a coordenação e a colaboração entre a Comissão da União Africana, a Comissão Africana, as NHRI e outras organizações com mandato para a área dos direitos humanos a nível do continente. Recomendou que a Comissão Africana procedesse à revisão da Resolução sobre a concessão de Estatuto de Afiliado às NHRI, que foi adoptada em 1998, de modo a tomar em linha de conta os acontecimentos e as preocupações manifestadas pelas NHRI.

48. A 11 de Novembro de 2009, o presidente em exercício procedeu à abertura

da 46ª Sessão Ordinária da Comissão Africana.

Actividades como Relator Especial para os Refugiados, Pessoas em Busca de Asilo, Pessoas Deslocadas Internamente (IDP) e Migrantes em África

49. A 29 de Junho de 2009, o presidente em exercício endereçou um apelo

urgente a Sua Excelência o Presidente Joseph Kabila da República Democrática do Congo, na sequencia de alegações de que o seu governo havia procedido à expulsão de milhares de imigrantes angolanos. O presidente em exercício instou o Governo da República Democrática do Congo e da República de Angola a envolverem-se em discussões bilaterais tendo em vista a criação de um mecanismo que lide com a questão dos direitos humanos dos migrantes em vez de enveredarem por expulsões mútuas, o que é proibido nos termos do Artigo 12 da Carta Africana.

50. No relatório por si elaborado, o Relator Especial fez notar que os conflitos

na Somália, no Sudão e na República Democrática do Congo continuam a criar deslocações e violações dos direitos das Pessoas Deslocadas Internamente. Ele

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mencionou as deslocações em Darfur onde mais de 2 milhões de pessoas continuam a viver em campos desde os últimos seis anos. Neste sentido, sublinhou a importância da Convenção da União Africana sobre a Protecção e Assistência às Pessoas Deslocadas Internamente em África (também conhecida por Convenção de Kampala), adoptada numa Cimeira Especial da União Africana, que teve lugar em Kampala, Uganda, de 22 a 23 de Outubro de 2009.

51. De 19 a 23 de Outubro de 2009, o Relator Especial participou numa reunião

do Conselho Executivo da União Africana e na Cimeira Especial da União Africana em Kampala, Uganda. O ponto alto da Cimeira Especial foi a adopção da Convenção de Kampala.

52. O Relator Especial foi um dos Peritos Legais da UA que redigiu o

Documento Quadro, o projecto inicial, tendo igualmente prestado assistência ao processo de negociações sobre a Convenção de Kampala.

53. No decurso da Cimeira Especial teve oportunidade de se dirigir aos

ministros e representantes que tomaram parte no evento, tendo a sua alocução versado sobre o papel do Relator Especial e da Comissão Africana, tal como contemplado na Convenção de Kampala.

54. O Relator Especial instou todos os Estados Membros da UA a assinar e a

ratificar a Convenção de forma expedita. Instou ainda todos os parceiros da Comissão Africana, nomeadamente as NHRI, ONG, a comunicação social e os demais amigos da Comissão a assegurarem que a Convenção de Kampala receba o máximo de publicidade como ferramenta de defesa dos direitos das Pessoas Deslocadas Internamente, qualquer que seja o local do continente em que se encontrem.

Comissária Catherine Dupe Atoki

Actividades como Comissária

55. De 14 a 17 de Julho de 2009, a Comissária Atoki participou na Reunião

Conjunta entre a Comissão Africana e o Tribunal Africano em Arusha, Tanzânia. 56. De 6 a 7 de Agosto de 2009, a Comissária Atoki participou na Reunião de

Peritos sobre Questões de Género relativamente às Directivas sobre Relatórios referentes ao Protocolo dos Direitos das Mulheres em África. A reunião, que decorreu em Pretória, África do Sul, foi organizada pelo Centro para os Direitos Humanos, Universidade de Pretória, em colaboração com a Comissão Africana.

57. A reunião teve como objectivo global o reforço da capacidade da Comissão

Africana em promover e proteger os direitos das mulheres através da monitoria da aplicação do Protocolo sobre os Direitos da Mulheres anexo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. No final das deliberações, foram adoptadas Directivas sobre Elaboração de Relatórios de Estado para serem apresentadas à

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Comissão Africana para consideração.

58. De 10 a 15 de Agosto de 2009, a Comissária Atoki participou como juíza, juntamente com sete outros membros de um painel, na 18ª Competição Anual de Simulação de Julgamentos organizada em Lagos, Nigéria, pelo Centro para os Direitos Humanos, Universidade de Pretória, África do Sul.

59. A 25 de Setembro de 2009, a Comissária Atoki foi convidada pela Missão

Permanente da Suécia nas Nações Unidas, em colaboração com a Amnistia Internacional, a efectuar uma comunicação no decurso de um encontro à margem da 64ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. A comunicação da Comissária Atoki subordinou-se ao tema, “Debate sobre a pena de morte – experiências em diferentes regiões”.

60. De 5 a 11 de Outubro de 2009, a Comissária Atoki participou na 7ª Sessão

Extraordinária da Comissão Africana em Dacar, Senegal. A reunião foi convocada para se concluir a posição da Comissão Africana em questões de complementaridade na versão revista das Regras de Procedimento em antecipação da reunião com o Tribunal Africano.

61. De 12 a 16 de Outubro de 2009, a Comissária Atoki participou numa

Reunião Conjunta entre a Comissão Africana e o Tribunal Africano, em Dacar, Senegal. A reunião concluiu a questão de complementaridade da versão revista das Regras de Procedimento e a harmonização das Regras de Procedimento de ambas as instituições.

62. A 21 de Outubro de 2009, a Comissária Atoki emitiu uma declaração para

assinalar o Dia Africano dos Direitos Humanos em Cotonou, Benim, no decurso da Missão de Promoção a este país. A declaração, que foi transmitida pela televisão nacional, sublinhou a necessidade dos Estados Partes da Carta Africana, ONG, a comunidade internacional e outros intervenientes a empenharem-se na realização dos direitos consagrados na Carta Africana.

63. De 13 a 27 de Maio de 2009, a Comissária Atoki levou a cabo uma Missão

de Promoção à República da Sudão, juntamente com as Comissárias Reine Alapini-Gansou, Pansy Tlakula e Soyata Maïga.

64. A Missão de Promoção teve como objectivo, entre outras coisas, promover

a Carta Africana; a troca de ideias e a partilha de experiências com o Governo da República da Sudão e intervenientes de renome na área dos direitos humanos no país sobre como melhorar o usufruto dos direitos humanos no país; discutir formas de promover os direitos humanos no Sudão; trocar pontos de vista com as relevantes autoridades sudanesas no Sudão em preparação das eleições gerais a terem lugar no país em 2010; e uma maior colaboração entre a Comissão Africana e a República do Sudão, por um lado, e entre a Comissão Africana e as organizações da sociedade civil no país, por outro.

65. O relatório integral desta missão será apresentado à Comissão Africana

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durante a sua 47ª Sessão Ordinária.

Actividades como Presidente do Comité de Seguimento das Directivas da Ilha de

Robben sobre a Prevenção da Tortura (RIG)

66. De 23 a 27 de Junho de 2009, a Presidente do Comité de Seguimento das

Directivas da Ilha de Robben sobre a Prevenção da Tortura (RIG) em África acedeu a um convite da Associação para a Prevenção da Tortura (APT), para efectuar uma visita de trabalho a Genebra.

67. A reunião proporcionou à Presidente a oportunidade de se encontrar com

diversas entidades das Nações Unidas que desenvolvem acções na área da prevenção da tortura, incluindo membros do Subcomité para a Prevenção da Tortura (SPT), o organismo responsável pela aplicação do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura (OPCAT).

68. Durante a visita de trabalho, a Presidente também se reuniu com membros

da APT, tendo discutido outras formas de colaboração com a Comissão Africana, em particular no que respeita à prestação de Assistência Técnica ao Comité.

69. De 25 a 27 de Outubro de 2009, a Presidente efectuou uma missão à

República do Uganda. Durante a missão, a Presidente manteve discussões com entidades governamentais de alto nível, políticos e oficiais responsáveis pela aplicação da lei, a quem apresentou comunicações sobre a prevenção e proibição da tortura, seus efeitos sobre as vítimas e reabilitação das mesmas.

70. Durante a missão, referiu a necessidade de se tratar de forma célere da

adopção da Lei Contra a Tortura que se encontra perante a Assembleia Nacional para consideração.

71. Durante a missão, realizou um seminário de sensibilização de um dia

visando promover as RIG. Os participantes ao evento incluíam elementos da polícia, departamento de imigração, exército, prisões, forças especiais do Uganda, funcionários do Ministério da Justiça, a comissão Ugandesa dos Direitos Humanos, a Comissão Ugandesa para a Amnistia, a Comissão para a Reforma Legislativa do Uganda e funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A Presidente visitou ainda a Cadeia Central em Kampala.

72. De 21 a 23 de Outubro de 2009, a Presidente levou a cabo uma Missão de

Promoção à República do Benim no decurso da qual manteve um diálogo construtivo com as autoridades deste país relativamente às políticas do governo e às medidas postas em prática visando a prevenção e protecção contra a tortura. A missão proporcionou uma oportunidade para se promoverem as RIG e sensibilizarem-se os intervenientes relevantes a respeito dessas directivas, assim como a necessidade deles fazerem uso das directivas no âmbito dos respectivos programas de prevenção da tortura.

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73. Em colaboração com o Ministério da Justiça e a Associação para a Prevenção da Tortura, teve lugar um seminário de um dia sobre as RIG. Dos participantes ao evento constava o Dr. Hans Draminsky Petersen, membro do Subcomité para a Prevenção da Tortura.

74. Num relatório, a Presidente sublinhou os seguintes acontecimentos

positivos na área da prevenção e tortura em África:

- A ratificação do OPCAT pela República Federal da Nigéria em Agosto de 2009, o que fez dela o 6° Estado membro africano a tomar essa medida. A Presidente instou esse Estado a criar um Mecanismo Nacional de Prevenção (NPM).

- Os passos dados pela República do Sudão em processar judicialmente

oficiais da polícia em dois casos envolvendo mortes de pessoas sob custódia policial como resultado de tortura.

- Os passos dados pela República do Uganda em dar início ao processo de

criminalização da tortura. A Presidente instou o Estado a acelerar o processo para que a possibilidade de se moverem acções em tribunal contra os responsáveis pela prática da tortura esteja bem explícita na lei.

- A iniciativa do Benim em criminalizar a tortura no quadro da Lei do

Código Penal que se encontra perante o Parlamento. A Presidente instou o Estado a acelerar o processo de adopção dessa lei assim como da Lei sobre o Código do Processo Penal.

- A adopção, por parte do Senegal, de uma lei visando criar um NPM em

conformidade com a ratificação do OPCAT. Todavia, uma vez que o elenco do NPM não se encontra ainda criado, a Presidente instou o Estado a acelerar o processo de nomeação de membros do NPM.

75. A Presidente solicitou à República do Togo, cujo projecto de lei sobre a ratificação do OPCAT encontra-se presentemente perante o Parlamento, a acelerar a adopção da referida lei.

76. A Presidente instou os Estados Partes da Carta Africana que ainda não

procederam à criminalização da tortura, ou à ratificação do OPCAT, e/ou a criar um Mecanismo Nacional de Prevenção a fazê-lo urgentemente.

Comissário Musa Ngary Bitaye

Actividades como Comissário

77. De 14 a 17 de Julho de 2009, o Comissário Bitaye participou numa Reunião

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Conjunta entre a Comissão Africana e o Tribunal Africano em Arusha, Tanzânia, tendo em vista harmonizar as respectivas Regras de Procedimento.

78. Na sua qualidade de Presidente em exercício do Comité de Assessoria da

CADHP para Questões Orçamentais e de Pessoal, o Comissário Bitaye convocou uma reunião à margem da Reunião Conjunta da Comissão Africana e do Tribunal Africano, no dia 11 de Julho de 2009 em Arusha, Tanzânia, a fim de discutir as actividades no âmbito do orçamento da Comissão Africana para 2010.

79. De 5 a 11 de Outubro de 2009, participou na reunião organizada pela

Comissão Africana visando preparar a Reunião Conjunta com o Tribunal Africano, em Dacar, Senegal.

80. De 14 a 19 de Outubro de 2009, o Comissário Bitaye foi incumbido de

participar no Encontro de Revisão Semestral do PRC em Adis Abeba. Pelo facto da reunião ter sido adiada, o Comissário Bitaye aproveitou a oportunidade para se reunir com diversos membros do PRC e da CUA tendo em vista sensibilizá-los sobre os desafios com que a Comissão Africana depara.

81. A 25 de Outubro de 2009, o Comissário Bitaye, juntamente com a

Secretária da Comissão Africana e a Técnica de Contas e Administração, foi designado para participar no Encontro de Revisão Semestral do PRC em Adis Abeba, que entretanto havia voltado a ser convocado. O novo encontro foi de novo adiado para 2 de Novembro de 2009, tendo a delegação aproveitado a oportunidade para dar seguimento a questões pendentes relacionadas com as actividades da Comissão Africana, incluindo reuniões e visitas de cortesia a diversos membros do PRC, ao Comissário do Departamento de Assuntos Políticos e ao Director de Administração e Desenvolvimento de Recursos Humanos da CUA.

82. De 14 a 18 de Setembro de 2009, o Comissário Bitaye efectuou uma Missão

de Promoção à República Federal da Nigéria. Fez-se acompanhar do Dr. Feyi Ogunade, jurista sénior junto do Secretariado.

83. A referida Missão destinou-se, entre outras coisas, a promover a Carta

Africana; a trocar pontos de vista com todos os intervenientes na área dos direitos humanos, incluindo o Governo da República Federal da Nigéria sobre formas de se melhorar o usufruto dos direitos humanos no país; e um maior conhecimento e visibilidade a respeito da Comissão Africana e das suas funções, especialmente junto dos departamentos/instituições relevantes do governo e organizações da sociedade civil.

Actividades como Presidente do Grupo de Trabalho para as Populações / Comunidades Indígenas em África

84. Na qualidade de Presidente deste Grupo de Trabalho, o Comissário Musa

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Ngary Bitaye indicou que o Grupo havia levado a cabo as seguintes actividades, entre outras, durante o intervalo entre sessões, o que incluiu a publicação de relatórios, nomeadamente:

a) Relatórios da visita do Grupo de Trabalho ao Uganda e à República

Centro-Africana publicados em francês e em inglês; b) Relatório do Seminário Regional de Sensibilização sobre “Os Direitos

das Populações/Comunidades Indígenas na África Central” organizado pelo Grupo de Trabalho em Yaoundé, Camarões, em Setembro de 2006;

c) Relatório Geral do Projecto de Pesquisa da Organização Internacional

de Trabalho e da Comissão Africana em colaboração com o Centro para os Direitos Humanos, Universidade de Pretória, sobre a protecção constitucional e legislativa dos direitos dos povos indígenas em 24 países africanos, publicado em inglês, francês e árabe.1

85. Estão em curso planos para que um consultor da Rede de Assessoria de

Peritos afecta ao Grupo de Trabalho, conceba um manual para activistas dos povos indígenas sobre como usar de forma eficaz a plataforma da Comissão Africana assim como outros mecanismos africanos, como por exemplo o Tribunal Africano.

86. A 16 de Setembro de 2009, o Presidente do Grupo de Trabalho endereçou

um apelo urgente ao presidente da República Unida da Tanzânia na sequência do despejo de habitantes da vila de Liliondo na região norte do país. No seu apelo, o presidente do Grupo de Trabalho instou o governo a dar passos visando assegurar a protecção dos direitos das populações indígenas em Liliondo.

87. De 10 a 14 de Agosto de 2009, o Presidente do Grupo de Trabalho

participou na 2ª Sessão Ordinária do Mecanismo de Peritos das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP) que teve lugar em Genebra, Suíça, com o apoio do Dr. Albert Barume e do Dr. Melakou Tegegn, peritos que integram o Grupo de Trabalho.

88. Durante a sessão do EMRIP, o Presidente do Grupo de Trabalho efectuou

duas comunicações sobre “O Estudo das lições aprendidas e os desafios relativos à aplicação do direito dos povos indígenas à educação” e “A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a sua aplicação em África”.

89. À margem da sessão do EMRIP, o Presidente do Grupo de Trabalho

também manteve encontros importantes, nomeadamente com os embaixadores

1 A versão electrónica integral do relatório geral e os principais documentos legais relacionados

com os povos indígenas constam de uma base de dados criada como parte do projecto, podendo ser consultados em (www.chr.up.ac.za/indigenous). As cópias impressas do Relatório Geral podem ser obtidas junto da Universidade de Pretória, África do Sul, através do Prof. Frans Viljoen, e do Secretariado da Comissão Africana.

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das Missões Africanas Permanentes em Genebra; os 5 membros do EMRIP; o Relator Especial das Nações Unidas sobre a Situação dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas; o Comité Africano de ONG e Comunidades Indígenas; a Unidade dos Povos Indígenas e Minorias junto do Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos; a Organização Internacional do Trabalho (ILO); e o Grupo de Trabalho Internacional para os Assuntos Indígenas (IWGIA).

90. A 6 de Novembro de 2009, o Grupo de Trabalho organizou um seminário

em colaboração com a ILO destinado a dar seguimento às constatações das pesquisas feitas no âmbito do Projecto de Pesquisa sobre os Direitos de Povos Indígenas em 24 países africanos. O seminário explorou ainda as oportunidades de divulgação e operacionalização das referidas constatações, assim como as recomendações quanto a acções futuras. O Grupo de Trabalho elaborou Termos de Referência para a produção de um filme sobre a situação dos povos indígenas em África. Dos principais grupos alvo do filme constam os governos africanos, funcionários públicos, actores-chave da sociedade civil e outros intervenientes relevantes. O filme será usado pela Comissão Africana como ferramenta de promoção do trabalho por si levado a cabo, e por diversas organizações indígenas, organizações de direitos humanos, instituições de ensino e outras partes intervenientes em África tendo em vista chamar a atenção para questões indígenas.

91. De 7 a 9 de Novembro de 2009, o Grupo de Trabalho realizou uma reunião

antes da 46ª Sessão Ordinária em Banjul, Gâmbia, a fim de discutir as actividades levadas a cabo nos últimos seis meses e planear acções futuras.

Comissária Reine Alapini-Gansou

Actividades como Comissária

92. De 23 a 29 de Junho de 2009, a Comissária Gansou levou a cabo uma Missão de Promoção à República do Senegal. A missão criou uma plataforma para a continuação de um diálogo com todas as partes intervenientes no país, relativamente a questões sobre direitos humanos, e também para divulgação do mandato da Comissão Africana.

93. De 11 a 16 de Julho de 2009, participou numa reunião de trabalho entre a

Comissão Africana e o Tribunal Africano dos Direitos Humanos em Arusha, Tanzânia.

94. De 6 a 8 de Agosto de 2009, a Comissária Gansou foi convidada pelo

Centro para os Direitos Humanos, Universidade de Pretória, a desempenhar as funções de juíza de um painel durante a 18ª Competição de Julgamentos Simulados, em Lagos, Nigéria. À margem da competição, a Comissária Gansou participou num seminário sobre “Disputas de Direitos Humanos no seio das

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Jurisdições Nacionais”.

95. De 30 a 31 de Agosto de 2009, na sua qualidade de vice-presidente, a Comissária Gansou participou numa Sessão Extraordinária do Conselho Executivo da União Africana em Tripoli, na Grande Jamahiriya Árabe Líbia Popular Socialista. Teve a oportunidade de manifestar a disponibilidade da CADHP em dar um maior contributo a questões relacionadas com a exploração de recursos naturais.

96. De 16 a 20 de Setembro de 2009, a Comissária Gansou representou a

Comissão Africana na 12ª Sessão do Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos (UNHCR) em Genebra. Durante a Sessão, a Comissária Gansou discutiu com diversos parceiros e instituições a criação ou reforço da cooperação entre a Comissão Africana e o UNHRC. Propagou igualmente os objectivos da Comissão Africana, tendo participado em discussões sobre temas-chave, como por exemplo a situação das crianças.

97. De 5 a 16 de Outubro de 2009, participou em duas reuniões organizadas

pela Comissão Africana em Dacar, Senegal, nomeadamente a 7ª Sessão Extraordinária destinada a preparar a Reunião Conjunta com o Tribunal Africano, e a Reunião Conjunta com o Tribunal Africano, que serviu para concluir a questão da complementaridade na versão revista das Regras de Procedimento da Comissão Africana.

98. De 7 a 10 de Novembro de 2009, a Comissária Gansou tomou parte na 3ª

Conferência das Instituições Nacionais de Direitos Humanos (NHRI) organizada pela Direcção de Assuntos Políticos da Comissão da União Africana (CUA). Durante o encontro realizaram-se discussões sobre as diversas experiências das NHRI, suas relações com a União Africana assim como as dificuldades com que deparam e possíveis soluções para assegurar um melhor relacionamento. Participou igualmente no Fórum de ONG como prelúdio da 46ª Sessão Ordinária da CADHP. A este respeito, a Comissária Gansou tomou parte em várias deliberações sobre a Situação dos Defensores dos Direitos Humanos e também na Procura de Estratégias tendo em vista a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos.

Actividades como Membro do Grupo de Trabalho para as Pessoas Idosas e Pessoas Incapacitadas em África

99. De 26 a 28 de Agosto de 2009, a Comissária Gansou participou no Seminário de Peritos sobre os Direitos das Pessoas Idosas e Pessoas Incapacitadas, que teve lugar em Acra, Gana. O objectivo principal do seminário foi o de dar início à redacção de um Protocolo sobre os Direitos das Pessoas Idosas e Pessoas Incapacitadas em África.

100. Durante o seminário, a Comissária Gansou fez uma comunicação sobre os

Mecanismos Especiais da Comissão Africana, suas bases legais e respectivos

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mandatos. Referiu-se em particular ao Grupo de Trabalho para os Direitos das Pessoas Idosas e Pessoas Incapacitadas, criado durante a 45ª Sessão Ordinária da Comissão Africana.

101. No final do seminário, os participantes elaboraram dois Projectos de

Protocolo, nomeadamente sobre as Pessoas Idosas e Pessoas Incapacitadas. Estes dois documentos serão concluídos mais tarde para depois serem apresentados à Comissão Africana tendo em vista assegurar o cumprimento de procedimentos apropriados relativamente ao seu envio à União Africana.

Actividades como a Relatora Especial para os Defensores dos Direitos Humanos em África

102. De 2 a 5 de Junho de 2009, a Relatora Especial participou num Seminário Regional sobre “Capacitação de Organizações Nacionais de Defensores de Direitos Humanos na África Ocidental Francófona em preparação de uma Revisão Geral Periódica”. O evento foi organizado pelo Conselho dos Direitos Humanos.

103. Organizado pela Rede da África Ocidental para os Defensores dos Direitos

Humanos (ROADDH), com apoio da Organização Internacional da Francofonia, o seminário serviu para esclarecer determinados aspectos do sistema africano de protecção dos direitos humanos. No decurso do seminário, a Comissária Gansou sublinhou a importância dos membros da sociedade civil assegurarem a eficácia dos direitos humanos.

104. De 10 a 19 de Junho de 2009, a convite do Serviço Internacional para os

Direitos Humanos, a Relatora Especial participou numa série de actividades à margem da 11ª Sessão do Conselho para os Direitos Humanos em Genebra. Dessas actividades constaram as seguintes:

a. A 12 de Junho de 2009, participou numa mesa-redonda sobre “Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade do Género,” organizada em Genebra. A mesa-redonda teve como objectivo dar início a um diálogo inter-regional sobre questões relacionadas com orientação sexual e identidade do género no quadro dos direitos humanos. O evento destinou-se igualmente a divulgar e a reforçar a Declaração Conjunta da Assembleia Geral sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade do género.

b. A 18 de Junho de 2009, acedeu ao convite da Coligação Internacional de

Mulheres Defensoras de Direitos Humanos e do Relator Especial das Nações Unidas para os Defensores dos Direitos Humanos que na altura procediam à organização da primeira reunião estratégica de mulheres defensoras de direitos humanos. A reunião serviu de reflexão sobre preocupações específicas com que as mulheres defensoras de direitos

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humanos deparam, e para definir estratégias apropriadas a serem incluídas na agenda dos Relatores Especiais para os Defensores dos Direitos Humanos. Um outro objectivo dessa reunião foi a possibilidade de colaboração entre a Coligação Internacional de Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos e os Relatores Especiais para os Defensores dos Direitos Humanos.

c. A 19 de Junho de 2009, participou, em Genebra, na reunião de

apresentação do Relatório Anual (2008) do Observatório FIDH / OMCT sobre Defensores de Direitos Humanos. A reunião tratou da situação dos defensores de direitos humanos à escala mundial.

105. A 27 de Julho de 2009, a Relatora Especial tomou parte na apresentação do

Relatório do Observatório FIDH/OMCT relativo à situação dos direitos humanos, no Cairo, Egipto. Nessa reunião, a Relatora Especial teve a oportunidade de contactar membros da sociedade civil a fim de assegurar uma melhor colaboração com a Comissão Africana, e de trabalhar com o governo visando a apresentação do respectivo relatório de acordo o Artigo 62 da Carta Africana.

106. De 30 de Agosto a 5 de Setembro de 2009, a Relatora Especial participou

num seminário de formação destinado a defensores de direitos humanos, em Kigali, Ruanda. Organizado pelo Serviço Internacional para os Direitos Humanos, o seminário teve como principal objectivo preparar a sociedade civil para a próxima Revisão Geral Periódica do Ruanda em 2011, e para a utilização de mecanismos de promoção e protecção de direitos humanos. No decurso do seminário a Relatora Especial efectuou uma comunicação sobre o trabalho da Comissão Africana e do seu mandato.

107. De 21 a 23 de Setembro de 2009, foi convidada pelo Centro para a

Resolução de Conflitos na Cidade do Cabo, República da África do Sul, a tomar parte num seminário de formação para defensores dos defensores dos direitos humanos e o papel por eles representado na gestão e resolução de conflitos. Durante o seminário, efectuou uma comunicação sobre o mandato da Relatora Especial para os defensores de direitos humanos e os diversos procedimentos usados na promoção e protecção dos defensores de direitos humanos em África.

108. De 22 a 23 de Outubro de 2009, a Relatora Especial tomou parte nos Dias

de Desenvolvimento Europeus, certame organizado em Estocolmo, Suécia, pela Comissão Europeia e a Presidência da União Europeia. Peritos de diferentes quadrantes e de diversas nações partilharam pontos de vista sobre temas versando particularmente a boa governação, mudanças climáticas, energia e a recessão económica. Durante as discussões em painel, a Relatora Especial falou sobre as estratégias da Comissão Africana em termos de direito à saúde reprodutiva. Teve igualmente a oportunidade de participar numa conferência sobre os instrumentos de promoção e protecção dos direitos dos defensores de direitos humanos.

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109. De 27 de Outubro a 2 de Novembro de 2009, integrou a Missão Conjunta de Promoção à República Federal do Sudão.

110. De 8 a 10 de Novembro de 2009, a Relatora Especial participou no Fórum

de ONG que antecedeu a 46ª Sessão Ordinária da Comissão Africana. Durante o

Fórum discutiu-se a situação dos defensores de direitos humanos no continente.

111. De 21 a 22 de Outubro de 2009, a Relatora Especial tomou parte numa reunião de inter-mecanismos para a protecção de defensores dos direitos humanos, em Washington, Estados Unidos da América. O evento foi organizado pela Organização Mundial Contra a Tortura (OMCT). Durante a reunião, que congregou instituições regionais e mundiais responsáveis pela promoção e protecção de defensores dos direitos humanos, a Relatora Especial demonstrou os seus esforços de colaboração com outras entidades que partilham igualmente dos desafios por ela enfrentados no desempenho do seu mandato, nomeadamente na área de acompanhamento de casos de violação dos direitos dos defensores de direitos humanos.

112. Durante o intervalo entre as sessões, a Relatora Especial enviou Notas

Verbais a diversos Estados Partes da Carta Africana, solicitando a realização de visitas de promoção aos respectivos países, nomeadamente a República Popular Democrática da Argélia, e as Repúblicas da Côte d‟Ivoire, do Congo, Libéria e Etiópia. As Repúblicas do Congo e da Libéria responderam de forma positiva ao pedido da Relatora Especial.

113. Devido a notícias sobre alegadas violações de direitos humanos em alguns

países do continente, a Relatora Especial enviou Notas de Imprensa e Cartas de Apelo aos países em questão, nas quais abordava essas questões. A Relatora Especial enviou Cartas de Apelo à República da Quénia, Líbia e República Democrática do Congo. Publicou igualmente uma nota de imprensa conjunta com o Relator Especial das Nações Unidas para os Defensores dos Direitos Humanos relativamente à situação dos direitos humanos na Gâmbia e Guiné.

114. A Relatora Especial enumerou igualmente os desafios enfrentados na

execução do seu mandato durante o período entre sessões. Entre outros, mencionou a falha de comunicações entre ela e as redes de ONG o que dificulta a sua visibilidade e eficácia. A este respeito, foi criada uma página na Internet – www.srhrdafrica.org – com ligação à página electrónica da Comissão Africana, facilitando assim o fluxo de comunicações.

115. A Relatora Especial fez também algumas recomendações, incluindo o facto

dos Estados Partes deverem responder às Notas Verbais e outras mensagens expedidas pela Comissão Africana. De acordo com a Relatora Especial, esse requisito insere-se na responsabilidade dos Estados Partes em cumprirem com os termos da Carta Africana, ilustrando a vontade desses Estados em manter um diálogo construtivo com a Comissão Africana.

116. A Relatora Especial procedeu à apresentação de um relatório geral sobre a

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execução do seu mandato no período que vai de 2007 a 2009.

Comissária Soyata Maïga Actividades como Comissária

117. De 11 a 15 de Julho de 2009, a Comissária Maïga participou numa Reunião Conjunta da Comissão Africana e do Tribunal Africano, realizada em Arusha, Tanzânia.

118. De 28 de Junho a 2 de Julho de 2009, a Comissária Maïga participou na

Sessão Ordinária do Conselho Executivo e na Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da União Africana em Sirte, Líbia.

119. De 6 a 7 de Agosto de 2009, tomou parte na “Reunião de Peritos em Género

relativamente aos Relatórios de Estado sobre o Protocolo dos Direitos das Mulheres em África,” organizada pelo Centro para os Direitos Humanos da Universidade de Pretória, África do Sul. A reunião teve como objectivo enriquecer o Projecto de Directivas que havia sido preparado e apresentado pelo Centro para os Direitos Humanos relativamente à aplicação do Protocolo de Maputo.

120. De 5 a 11 de Outubro de 2009, a Comissária Maïga participou na 7ª Sessão

Extraordinária organizada pela Comissão Africana em Dacar, Senegal.

121. De 12 a 16 de Outubro de 2009, participou na Segunda Reunião Conjunta da Comissão Africana e do Tribunal Africano em Dacar, Senegal.

Actividades como a Membro do Grupo de Trabalho para as Populações Indígenas / Comissão Africana

122. De 20 a 24 de Julho de 2009, a Comissária Maïga participou num seminário subordinado ao tema, “Promover a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Populações Indígenas para o Reforço dos Direitos Humanos e da Paz,” em Bamako, Mali. O seminário foi organizado pelo Comité Coordenador das Populações Indígenas em África (IPACC), em colaboração com o Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a TIN HINAN, uma ONG local que se encontra empenhada na promoção e protecção da cultura e identidade das populações touareg.

Actividades levadas a cabo como Relatora Especial para os Direitos das Mulheres em África

123. A 4 de Junho de 2009, a Relatora Especial participou numa mesa-redonda

em Genebra, organizada à margem das deliberações da 11ª Sessão do Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos, subordinada ao tema: “Mortalidade materna e Direitos Humanos”. A mesa-redonda foi organizada como resultado da

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iniciativa do Centro de Nova Iorque para os Direitos de Reprodução, Human Rights Watch, Action Canada for Population and Development e a Iniciativa Internacional para a Mortalidade Materna e Direitos Humanos. O evento teve como principal objectivo envolver todos os actores, Estados, ONG e organizações internacionais num exercício de defesa da adopção, por parte do Conselho para os Direitos Humanos, de uma Resolução sobre Mortalidade Materna e Morbidez como problema na esfera dos direitos humanos.

124. A mesa-redonda culminou com a adopção, pelo Conselho para os Direitos

Humanos a 16 de Junho de 2009, de uma Resolução sobre Mortalidade Materna e Morbidez e Direitos Humanos.

125. A 5 de Junho de 2009, a Relatora Especial participou igualmente numa

mesa-redonda em Genebra sobre “Os 15 anos da Relatora Especial das Nações Unidas para a Violência contra as Mulheres: Sucessos, Desafios e Perspectivas”. O evento, que foi uma iniciativa da Organização Mundial Contra a Tortura (OMCT), registou a participação do Gabinete do Alto Comissário para os Direitos Humanos, o Relator Especial para as Execuções Extrajudiciais, representantes de ONG, e em particular o Fórum Ásia-Pacífico para as Mulheres, Direito e Desenvolvimento, o Comité de ONG para o Estatuto das Mulheres e o Grupo de Trabalho para o Abuso contra Mulheres e Raparigas.

126. De 22 a 23 de Junho de 2009, na sua qualidade de membro ex officio,

participou nas deliberações do Conselho Governativo do Centro Internacional para os Direitos Individuais e Desenvolvimento Democrático, mais conhecido por Direitos e Democracia, em Montreal, Canadá.

127. De 27 a 28 de Junho de 2009, participou nas deliberações da 14ª Consulta

da Sociedade Civil sobre a integração do Género na União Africana, realizada em Tripoli, Líbia. A Consulta foi dirigida pela África Women Solidarity (FAS) em colaboração com a Organização de Mulheres Maghrebi (OMMA), e a Organização de Jovens Líbios com o apoio do Fundo de Desenvolvimento das Mulheres Africanas (AWDF).

128. A 4 de Agosto de 2009, a Relatora Especial participou num seminário

organizado pela Comissão Eleitoral Sul-Africana subordinado ao tema, “Mulheres e Eleições”. O seminário, que teve lugar em Pretória, África do Sul, foi organizado no quadro das actividades comemorativas do Mês da Mulher na África do Sul.

129. A 5 de Agosto de 2009, moderou uma conferência em Pretória co-

organizada pela Responsável da Divisão do Género em África/Cooperação Multilateral dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e dos Assuntos da Mulher da África do Sul, subordinado ao tema, “Protocolo sobre os Direitos das Mulheres em África: Estado da Aplicação e Desafios”. As discussões centraram-se na forma como as barreiras socioculturais poderiam ser ultrapassadas na medida em que elas constituem obstáculos ao desenvolvimento das mulheres em África.

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130. De 13 a 14 de Agosto de 2009, participou na Consulta Regional co-organizada em Bujumbura, Burundi, pelos ministérios responsáveis pelo género e assuntos das mulheres do Burundi, República Democrática do Congo e Ruanda, em parceria com as diversas organizações e redes de mulheres dos três países.

131. A 20 de Agosto de 2009, a Relatora Especial tomou parte na organização

de um Dia de Informações e Discussões para dirigentes de Associações de Mulheres Malianas, em Bamako, Mali. O objectivo do evento foi o de elucidar as mulheres malianas sobre o conteúdo da proposta de código.

132. A 28 de Agosto de 2009 a Relatora Especial concluiu um Estudo Regional

sobre disposições discriminatórias especificamente relacionadas com o sexo e lacunas em termos de Igualdade do género nas leis nacionais dos Estados membros da CEAO. Este estudo analítico e comparativo foi levado a cabo com base nos relatórios dos 13 países, que identificaram as disposições e leis discriminatórias que não provêm garantias apropriadas para a realização da igualdade do género em cada Estado membro. As informações reunidas foram ilustradas com dados estatísticos e exemplos de casos de discriminação e de abusos apresentados perante os tribunais nacionais.

133. A 2 de Setembro de 2009, foi convidada a efectuar uma comunicação sobre

o estado da aplicação, em África, das Resoluções 1325 e 1820 do Conselho de Segurança, subordinada ao tema, “Mulheres, Paz e Segurança”, no decurso de uma mesa-redonda organizada em Otava pela Rede Canadiana para a Consolidação da Paz e pelo Centro Pearson para a Manutenção da Paz.

134. A 3 de Setembro de 2009, moderou uma mesa-redonda organizada pela

Divisão da África Ocidental do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Comércio Internacional do Canadá, cujo tema foi “Os Direitos das Mulheres em África à Luz do Crescente Fundamentalismo”.

135. A 4 de Setembro de 2009, a Relatora Especial moderou duas conferências

em Montreal, Canadá. Uma das conferências, subordinada ao tema, “O Progresso e os Desafios na Promoção dos Direitos das Mulheres em África”, foi organizada pela Rights and Democracy e destinada a funcionários desta instituição. A segunda conferência, sob o tema, “O Impacto da Crise Económica nos Direitos Humanos das Mulheres em África”, foi organizada pela Amnistia Internacional Canadá, destinando-se a membros da Rights and Democracy, representantes de ONG e africanos residentes no Canadá.

136. A 30 de Setembro de 2009, participou num painel de parceiros técnicos e

financeiros que discutiu a Proposta do Código de Pessoas e Famílias Malianas. O painel realizou-se sob os auspícios da Embaixada Canadiana em Bamako, Mali. As discussões tiveram como objectivo melhorar a compreensão dos participantes quanto aos problemas relacionados com a Proposta de Código e a avaliação das perspectivas quanto à sua iminente promulgação pelo presidente da República.

137. De 28 de Outubro a 2 de Novembro de 2009, a Relatora Especial efectuou

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uma Missão de Promoção à República da Sudão juntamente com as Comissárias Catherine Atoki e Pansy Tlakula.

138. Durante o intervalo entre sessões, a Relatora Especial enviou Notas

Verbais, Comunicados de Imprensa e cartas de apelo e notas a fazer recordar os Estados Partes sobre determinados assuntos. Enviou Notas Verbais a diversos Estados Partes da Carta Africana no contexto de Missões de Promoção que haviam sido planeadas, designadamente à República do Níger, República do Gabão, República Centro-Africana e República da Guiné. Destes países apenas a República do Níger concordou, em princípio, que a Relatora Especial efectuasse a Missão de Promoção.

139. Relativamente ao Protocolo de Maputo, a Relatora Especial enviou cartas a

Estados Partes da Carta Africana, instando-os a proceder à sua ratificação. Apenas 29 países ratificaram o Protocolo.

140. A Relatora Especial, juntamente com a Relatora Especial para a Liberdade

de Expressão, enviou uma carta de apelo a Sua Excelência o Professor Sheikh Dr. Yahya A. J. J. Jammeh, Presidente da República da Gâmbia, a 20 de Agosto de 2009. A carta pedia ao Presidente da República para que fizesse uso dos seus poderes discricionários tendo em vista a concessão do perdão e a libertação de jornalistas que haviam sido presos, incluindo uma mulher com um bebé de 7 meses.

141. Na sequência da libertação dos jornalistas, os dois mecanismos enviaram

uma carta ao Presidente da Gâmbia, expressando apreço pela medida.

142. A 31 de Julho de 2009, por ocasião do dia Pan-africano das Mulheres, a Comissária Maïga emitiu um Comunicado de Imprensa sobre a Protecção das Mulheres contra a exploração sexual e outras formas de abuso de que são alvo.

143. A Relatora Especial apelou aos Estados que ainda não ratificaram o

Protocolo de Maputo a fazê-lo tão cedo quanto possível. Instou os que ratificaram o Protocolo a incluir nos respectivos Relatórios Periódicos enviados à Comissão Africana todos os dados estatísticos sobre a situação das mulheres e raparigas assim como as medidas legislativas e outras que adoptaram para que as disposições do Protocolo surtam efeito.

144. Instou ainda os Estados Partes a reforçar os programas de educação,

informação e sensibilização sobre direitos das mulheres para benefício de dirigentes religiosos e chefes tradicionais. A Relatora Especial referiu que tais medidas iriam acelerar a mudança de padrões e modelos culturais assim como a expansão dos valores universais da igualdade e da não-discriminação.

145. A Relatora Especial recomendou que a Comissão Africana adoptasse

novas orientações referentes aos Relatórios Periódicos dos Estados Partes o que envolverá a integração das mesmas nas medidas legislativas e outras por eles adoptadas no âmbito da aplicação do Protocolo de Maputo.

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146. Encorajou ainda a Comissão Africana a apoiar os esforços do mecanismo

na popularização do Protocolo de Maputo e da Declaração Solene dos Chefes de Estado sobre a Igualdade do Género em África, em particular nas zonas de conflito onde a situação dos direitos das mulheres e das raparigas continua a ser preocupante.

Comissário Mumba Malila

Actividades como Comissário

147. A 11 de Junho de 2009, o Comissário Malila participou no Festival Global de Paz de um dia que teve lugar em Lusaca, Zâmbia. O festival foi organizado pela Federação Inter-confessional e Internacional para a Paz Mundial. Durante o festival, o Comissário Malila abordou com uma série de participantes a existência da CADHP e dos seus programas.

148. No dia 23 de Junho de 2009, o Comissário Malila procedeu ao lançamento

oficial do segundo Relatório Anual sobre o Estado dos Direitos Humanos, da autoria da Comissão dos Direitos Humanos da Zâmbia, subordinado ao tema „Constitucionalismo e Direitos Humanos‟. O relatório reflecte questões relacionadas com os direitos humanos na Zâmbia nos últimos doze meses, contendo recomendações sobre como remediar diversas desafios na área dos direitos humanos.

149. A 29 de Julho de 2009 participou num fórum aberto de um dia sobre o

HIV/SIDA e os direitos humanos na Zâmbia. Organizado pela Comissão dos Direitos Humanos, o fórum procedeu ao exame de diversas questões relacionadas com os direitos humanos das pessoas que vivem com o HIV/SIDA, designadamente a discriminação, o acesso a tratamento e serviços sociais.

150. No dia 25 de Agosto de 2009, o Comissário Malila reuniu-se com a Sra. D.

Magdalene Sepulveda, perita independente das Nações Unidas para os Direitos Humanos e Pobreza Extrema, durante a missão por ela efectuada à Zâmbia. Discutiram diversas questões relacionadas com a adequação ou inadequação das medidas adoptadas para se atenuar a ocorrência de pobreza extrema na Zâmbia, em particular a necessidade de uma maior atenção e reconhecimento dos direitos económicos, sociais e culturais.

Actividades como Relator Especial para as Prisões e Locais de Detenção em África

151. Como Relator Especial, o Comissário Malila esteve presente e participou nas seguintes actividades durante o período entre sessões:

a) De 20 a 21 de Julho de 2009, participou numa mesa-redonda sobre

Reforma Penal em África organizada pela Penal Reform International,

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(PRI) em Kampala, Uganda. A mesa-redonda destinou-se a fazer o balanço do progresso alcançado no âmbito da aplicação de reformas penais em África e em particular as boas práticas locais, no que se refere ao tratamento de prisioneiros.

b) Efectuou uma comunicação sobre as iniciativas empreendidas pela

CADHP, quer no passado, quer no presente, e as que tenciona empreender no futuro, e ainda sobre as estratégias de pesquisa, análise e acção no domínio das reformas penais.

c) A 31 de Agosto de 2009, participou num seminário de um dia

subordinado ao tema, „Negociando a Transição: As Limitações do Modelo Sul-Africano para o Resto de África‟. O seminário foi organizado pelo Centro para o Estudo da Violência e Reconciliação, e destinou-se a proporcionar espaço para uma reflexão crítica sobre o impacto da experiência sul-africana nos acontecimentos internacionais relacionados com negociações de paz e justiça. O seminário explorou em particular o impacto de dois elementos-chave do processo de transição sul-africano – o Governo de Unidade Nacional e a Comissão para a Verdade e Reconciliação – nas negociações respeitantes à transição em outras partes do continente, com particular incidência no Zimbabué e Quénia. O seminário discutiu igualmente as funções presentes e futuras dos vários actores de âmbito local, regional e internacional visando moldar processos dessa natureza. O seminário fez ainda recomendações sobre questões futuras.

d) O Comissário Malila efectuou uma comunicação sobre o “Papel e

Responsabilidades dos Mecanismos Regionais Africanos e da Comunidade Internacional em Assegurar a Justiça e a Paz durante a Fase de Transição Política”.

152. Durante o intervalo entre as sessões, o Relator Especial continuou a receber

relatórios sobre as débeis condições de administração prisional em diversas cadeias do continente. Foi à luz deste aspecto que continuou a manter contactos com os vários actores em matéria de direitos dos prisioneiros numa tentativa de encontrar fórmulas viáveis visando encorajar os Estados africanos a darem um maior contributo ao processo de reforma das respectivas prisões para assim se proporcionarem ambientes mais humanos às pessoas que se encontram detidas.

153. Manteve contactos com a Sra. D. Rachel Murray da PRI, Reino Unido.

Manteve igualmente contactos com o Professor Jeremy Sarkin, Relator Especial das Nações Unidas para os Desaparecimentos Forçados, tendo em vista harmonizar esforços sobre questões relacionadas com estabelecimentos prisionais africanos.

154. O Relator Especial, continuou igualmente com o diálogo que vinha

mantendo com o Prof. Muntingh do Centro Comunitário de Direito da

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Universidade do Cabo Ocidental, África do Sul, sobre formas desse centro utilizar capacidades de investigação próprias para prestar assistência à Comissão em termos de dados estatísticos referentes às diversas questões que afectam as prisões africanas, permitindo assim à Comissão tomar decisões mais abalizadas. Nesse sentido, será apresentada para consideração da Comissão em sessão privada uma proposta de Memorando de Entendimento entre o referido Centro e a Comissão.

155. Manteve ainda contactos com o Dr. Uju Agomo da PRAWA (Prison

Rehabilitation and Welfare Action) tendo em vista uma possível colaboração no âmbito de um Projecto de Intervenção de Reformas Prisionais em África que incluiria a Associação Africana de Serviços Correccionais.

Comissária Zainabo Sylvie Kayitesi

Actividades como Comissária

156. A Comissária Kayitesi participou num seminário sobre Capacitação de

Defensores dos Direitos Humanos em Kigali, Ruanda, de 31 de Agosto a 4 de Setembro de 2009, no decurso do qual efectuou duas comunicações sobre “A Comissão Africana como Mecanismo Regional de Promoção e Protecção dos Direitos Humanos” e sobre “As Instituições Nacionais de Direitos Humanos, seu Papel, Oportunidades e Colaboração com Organizações de Defensores dos Direitos Humanos”.

157. De 17 a 19 de Setembro de 2009, a Comissária Kayitesi participou numa

Seminário de Formação de Direitos Humanos destinado a estudantes universitários e membros de comités de organização e organizações estudantis. O seminário teve lugar na Província do Sul do Ruanda, no decurso do qual a Comissária Kayitesi efectuou uma comunicação sobre “Instrumentos Internacionais e Regionais de Direitos Humanos”.

158. A Comissária participou na 7ª Sessão Extraordinária organizada pela

Comissão Africana de 5 a 11 de Outubro de 2009, em Dacar, Senegal, a qual examinou as Regras de Procedimento, em particular as disposições sobre complementaridade.

159. De 12 a 16 de Outubro de 2009, participou na Segunda Reunião Conjunta

da Comissão Africana e do Tribunal Africano em Dacar, Senegal, a qual concluiu a questão de complementaridade entre a Comissão Africana e o Tribunal Africano.

Actividades como Presidente do Grupo de Trabalho para a Pena de Morte

160. A presidente do Grupo de Trabalho para a Pena de Morte presidiu a uma Conferência Sub-regional sobre a Pena de Morte em África, que teve lugar em

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Kigali, Ruanda, de 23 a 25 de Setembro de 2009. A conferência reuniu representantes dos Estados Partes, Instituições Nacionais de Direitos Humanos, ONG e outros intervenientes das regiões oriental, austral e central de África. A conferência adoptou um documento intitulado, “Framework Document on the Abolition of the Death Penalty in Africa”.

161. À margem dessa conferência, a Presidente teve um encontro com membros

do Grupo de Trabalho a fim de discutir actividades no âmbito do trabalho a levar a cabo por esse grupo após o evento.

162. No período entre as sessões, a Presidente do Grupo de Trabalho abordou a

situação da Abolição da Pena de Morte. A República do Burundi e a República do Togo adoptaram leis referentes à Abolição da Pena de Morte. Outros países tomaram medidas visando a Abolição da Pena de Morte, nomeadamente o Burkina Faso que deu início a um processo de consultas para esse fim.

Actividades como Membro do Grupo de Trabalho para Questões Específicas

163. O Grupo de Trabalho da Comissão para Questões Específicas centrou a sua acção na redacção das Regras de Procedimento da Comissão. As duas reuniões, que tiveram lugar entre a Comissão e o Tribunal Africano em Julho e Outubro de 2009 e contaram com a participação dos membros da Comissão, permitiram criar Regras de Procedimento consensuais, concretamente sobre disposições relacionadas com a complementaridade.

164. No final da 7ª Sessão Extraordinária, durante a qual se procedeu ao exame

das Regras de Procedimento da Comissão Africana, a Comissária reorganizou as disposições quanto a complementaridade adoptadas durante a Sessão, tendo efectuado uma comunicação sobre esse tema no início da Reunião da Comissão Africana e do Tribunal Africano.

Comissária Pansy Tlakula Actividades como Comissária

165. De 25 a 27 de Agosto de 2009, a Comissária Tlakula efectuou uma missão de promoção à República da Namíbia. A missão teve como objectivo estabelecer contactos com entidades relevantes para, entre outras coisas, proceder à troca de pontos de vista sobre formas e meios de se melhorar o usufruto dos direitos humanos no país.

166. De 26 de Outubro a 1 de Novembro de 2009, a Comissária Tlakula realizou

uma missão de promoção conjunta à República do Sudão, na companhia das Comissárias Reine Alapini-Gansou, Soyata Maïga e Catherine Dupe Atoki.

167. Em Pretória, África do Sul, de 6 a 7 de Agosto de 2009, a Comissária

Tlakula participou na Reunião de Peritos em questões do Género relativamente a

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Relatórios de Estado sobre o Protocolo referente aos Direitos das Mulheres em África, organizada conjuntamente pelo Centro para os Direitos Humanos, Universidade de Pretória, e pela Relatora Especial para os Direitos das Mulheres em África.

168. De 14 a 16 de Setembro de 2009, a Comissária Tlakula tomou parte numa

Conferência sobre Democracia Parlamentar em África, organizada pela União Interparlamentar e o parlamento em Gaberone, Botsuana, em comemoração do Dia Internacional da Democracia. A Comissária Tlakula proferiu um discurso introdutório subordinado ao tema, “O que diz a Carta Africana para a Democracia, Eleições e Governação? Relações com a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos”.

169. Na sua alocução, a Comissária Tlakula exprimiu preocupação pelo facto de

apenas 28 Estados Membros terem assinado a Carta para a Democracia desde a sua adopção em 2007, e que apenas dois deles, nomeadamente a República da Etiópia e a Mauritânia, ratificaram o documento.

170. A Comissária Tlakula instou os Estados Membros da União Africana a

assinarem e ratificarem a Carta Africana para a Democracia, Eleições e Governação de modo a assegurar a sua entrada em vigor sem mais delongas.

171. A 28 de Setembro de 2009, a Comissária Tlakula participou no “Dia do

Direito a Conhecer: O Fórum Nacional de Oficiais de Informação e Cerimónia de Galardoação do Prémio Chave de Ouro” em Gauteng, África do Sul. O evento destinou-se a oficiais de informação do sector público tendo a Comissária Tlakula proferido um discurso introdutório sobre a importância do acesso à informação.

172. Em Dacar, República da Senegal, de 12 a 16 de Outubro de 2009, a

Comissária Tlakula participou na Reunião Conjunta entre a Comissão Africana e o Tribunal Africano de Direitos Humanos e dos Povos sobre a harmonização das Regras de Procedimento das duas instituições.

173. A 21 de Outubro de 2009, a Comissária Tlakula participou, em

Joanesburgo, num seminário organizado pelo Departamento Sul-Africano de Relações e Cooperação Internacionais, pela Comissão Sul-Africana de Direitos Humanos, pela Comissão para os Assuntos Culturais, Religiosos e Linguísticos e pela Comissão Eleitoral em comemoração do Dia Africano dos Direitos Humanos. A Comissária Tlakula proferiu um discurso introdutório sobre o tema do seminário, “Minorias e Participação Política”.

Actividades como Relatora Especial para a Liberdade de Expressão em África

174. De 1 a 6 de Junho de 2009, a Relatora Especial participou no Fórum Global de Liberdade de Expressão (GFFE) em Oslo, Noruega. Durante o Fórum a Relatora Especial participou numa mesa-redonda de Relatores Especiais para a Liberdade de Expressão das Nações Unidas, União Africana e Organização dos

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Estados Americanos. Realizaram-se discussões sobre os vários mandatos dos Relatores Especiais, a forma deles colaborarem, e como é que o trabalho por eles realizado poderia ser apoiado pelos intervenientes que participaram no GFFE.

175. No âmbito do mesmo Fórum realizou-se um Seminário de Formação sobre

o “Mecanismo Regional de Direitos Humanos para a defesa da liberdade de expressão: África”. No decurso do seminário, a Relatora Especial efectuou uma comunicação subordinada ao tema, “Como Aceder e Usar o/a Relator/a Especial para a Liberdade de Expressão em África”.

176. De 22 a 24 de Outubro de 2009, a Comissária Tlakula participou num

painel sobre “Nova Comunicação Social para um Novo Mundo: Democracia e Desenvolvimento”. O evento foi organizado pela Comissão Europeia à margem dos Dias de Desenvolvimento Europeu em Estocolmo, Suécia.

177. Dos participantes ao painel constavam, entre outros, a Presidente da

Libéria, Sua Excelência a Sra. D. Ellen Johnson-Sirleaf, e o primeiro-ministro do Quénia, Sua Excelência o Sr. Raila Odinga.

178. Em conformidade com o seu mandato de realizar intervenções públicas

nos casos em que tenha tido conhecimento de violações ao direito da liberdade de expressão e acesso à informação em África, a Relatora Especial recebeu numerosos relatórios alegando violações da liberdade de expressão e do acesso à informação em diversos Estados Partes. Tais alegações relacionam-se com a prisão, processamento judicial, encarceramento e detenção ilegal de jornalistas e de individualidades ligadas à comunicação social.

179. A esse respeito, a Relatora Especial enviou cartas aos seguintes países:

Camarões, Côte d‟Ivoire, Eritreia, Gabão, Quénia, Namíbia, Níger, Senegal, Serra Leoa, e Gâmbia, tendo solicitado a estes Estados Partes que respondessem às alegações de que havia tido conhecimento.

180. No seu relatório, a Relatora Especial realçou a deterioração da situação da

liberdade de expressão na República da Gâmbia. A este respeito, a Relatora Especial enviou uma série de cartas de apelo relacionadas com o processamento judicial e encarceramento de seis jornalistas em Junho de 2009, por conspiração e publicação de material sedicioso “com a intenção de provocar ódio ou desprezo, ou causar insatisfação contra a pessoa do Presidente ou do Governo da República da Gâmbia” e de conspirar para a prática de difamação criminosa “com a intenção de desprezar e ridicularizar o Presidente da República da Gâmbia e o Governo da Gâmbia”. Os jornalistas foram posteriormente soltos por perdão presidencial. Foi enviada ao Presidente da República da Gâmbia, Sheikh Professor Dr. Alhaji Yahya A.J.J.Jammeh, uma carta de apreço pela libertação desses jornalistas.

181. A Relatora Especial realçou haver a necessidade de um diálogo construtivo

entre os jornalistas e individualidades ligadas à comunicação social e o Governo da Gâmbia quanto à melhoria da situação da liberdade de expressão no país. Para

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esse efeito, a Relatora Especial teve em apreço o facto de que o Governo da Gâmbia aceitou o pedido por ela formulado para a realização de uma missão de promoção.

182. Em conformidade com o seu mandato para proceder à análise da

legislação e políticas nacionais no capítulo da comunicação social no seio dos Estados membros tendo em vista monitorar o seu cumprimento da Carta Africana e da Declaração dos Princípios de Liberdade de Expressão em África, e de, nessa conformidade, aconselhar os Estados membros, a Relatora Especial procedeu à análise das leis da comunicação social do Quénia, Suazilândia e Zimbabué tendo transmitido os seus comentários a esses mesmos Estados.

183. Ela apelou aos Estados Partes a revogarem ou a reverem todas as leis de

difamação criminal de acordo com os Princípios XII e XIII da Declaração dos Princípios de Liberdade de Expressão em África (a Declaração), a investigar e a punir os que cometem assassinatos, raptos, torturas, assédio e intimidação contra jornalistas, e a proteger os jornalistas que trabalham em Estados onde estejam em curso conflitos, em conformidade com a Declaração, o que reforça as disposições do Artigo 9 da Carta da Liberdade de Expressão.

184. Relativamente às próximas eleições, a Relatora Especial instou todos os

países que venham a realizar plebiscitos em 2010, incluindo o Sudão, Etiópia, Burundi, Comores, Maurícias, Ruanda, Madagáscar, Tanzânia e a República Centro-Africana a assegurarem que os jornalistas e individualidades ligadas à comunicação social sejam autorizados a divulgar livremente informações sobre eleições sem qualquer forma de assédio ou intimidação.

Comissário Y.K.J. Yeung Sik Yuen

Actividades como Comissário

185. A 22 de Julho de 2009 o Comissário Y. K. J. Yeung Sik Yuen recebeu uma delegação do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (APRM) composta de 17 eminentes personalidades africanas. O encontro teve lugar no Tribunal Supremo de Port Louis, Maurícias.

186. A delegação foi chefiada pelo Professor Mohammed Seghir Babès da

Argélia, e incluía, entre outras individualidades, o Professor Ijuka Kabumba do Uganda, a Sra. D. Sylvie Kinigi, antiga primeira-ministra da República do Burundi, e o Dr. Moise Nembot, coordenador.

187. Durante duas horas de discussões com os distintos delegados, o

Comissário Y. K. J. Yeung Sik Yuen trocou ideias sobre direitos humanos, as melhores práticas visando a promoção dos direitos humanos, governação corporativa e democracia, assim como a necessidade de haver um sistema judicial independente.

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Actividades como Presidente do Grupo de Trabalho para os Direitos das Pessoas Idosas e das Pessoas Incapacitadas em África

188. O Presidente deste grupo organizou um Seminário de Peritos sobre os Direitos das Pessoas Idosas e das Pessoas Incapacitadas em África, o qual teve lugar em Acra, Gana, de 26 a 28 de Agosto de 2009.

189. O objectivo global do Seminário de Peritos foi o de dar início ao processo

de redacção de um protocolo sobre os Direitos das Pessoas Idosas e das Pessoas Incapacitadas em África. Assim, reuniram-se peritos de todas as regiões de África a fim de se conceber uma abordagem coordenada e uma base estratégica de preparativos no âmbito da redacção do referido Protocolo.

190. O seminário foi bem-sucedido no seu propósito de dar início à proposta do

Protocolo sobre Pessoas Idosas, e à proposta de Protocolo sobre as Pessoas Incapacitadas em África. Estas duas propostas, que foram enviadas ao Secretariado da Comissão Africana, serão subsequentemente remetidas à CADHP para consideração.

191. O presidente do Grupo de Trabalho instou os Estados Partes a adoptar

programas que promovam os direitos das pessoas idosas e as protejam de abusos, negligência e exploração. Instou ainda os Estados Partes a procederem à revisão de legislação existente a fim de se assegurarem oportunidades iguais para as pessoas idosas.

192. O Presidente do Grupo de Trabalho faz notar que não obstante as

deficiências desse grupo social, ele possui os mesmo direitos que as demais pessoas, devendo, por conseguinte, participar em pleno nas actividades das comunidades e ser reconhecido como participante em pé de igualdade.

MECANISMOS ESPECIAIS

Distribuição de Mecanismos Especiais

193. A Comissão Africana nomeou os seguintes Comissários e peritos

independentes:

a. Comité para a Prevenção da Tortura em África

i. Comissária Catherine Dupe Atoki – Presidente ii. Sr. Jean-Baptiste Niyizurugero – Vice-Presidente (Cargo renovado)

iii. Comissário Musa Ngary Bitaye – (Membro)

iv. Sra. D. Hannah Forster – Membro (Cargo renovado)

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v. Sr. Malick Sow – Membro (Cargo renovado)

b. Grupo de Trabalho para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais

i. Comissário Mohamed Bechir Khalfallah - Presidente

ii. Comissária Soyata Maïga – (Membro); iii. Sr. Ibrahima Kane – (OSISA) - (Cargo renovado); iv. Representante da Interrights – (Cargo renovado); v. Representante do Instituto para os Direitos Humanos e Desenvolvimento em

África - (Cargo renovado); vi. Representante do Centro para os Direitos Humanos, Universidade de

Pretória - (Cargo renovado).

c. Grupo de Trabalho para a Pena de Morte

i. Comissária Zainabo Sylvie Kayitesi – Presidente

ii. Comissário Mumba Malila – (Membro); iii. Sra. D. Alice Mogwe – (Cargo renovado); iv. Sra. D. Alya Cherif Chammari – (Cargo renovado); v. Prof. Phillips Francis Iya – (Cargo renovado);

vi. Prof. Carlson E. Anyangwe – (Cargo renovado).

c. Grupo de Trabalho para as Questões Específicas Relevantes para o Trabalho da Comissão

i. Comissária Pansy Tlakula – Presidente

ii. Comissária Zainabo Sylvie Kayitesi – (Membro); iii. Representante da Open Society Justice Initiative – (Cargo renovado); iv. Representante do Instituto para os Direitos Humanos e Desenvolvimento em

África – (Cargo renovado).

e. Grupo de Trabalho para as Indústrias Extractivas e Violações de Direitos Humanos em África

i. Comissário Mumba Malila – Presidente

ii. Comissária Soyata Maïga – Membro

Relatores Especiais

194. A Comissão Africana renovou as nomeações para os seguintes cargos: i. Comissária Catherine Dupe Atoki – Relatora Especial, Prisões e Condições de

Detenção em África (Nomeação); ii. Comissário Mohamed Fayek, Relator Especial, Refugiados, Pessoas em Busca

de Asilo e Pessoas Deslocadas Internamente em África (Nomeação);

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iii. Comissário Mohamed Bechir Khalfallah, Relator Especial, Defensores dos Direitos Humanos em África (Nomeação);

iv. Comissária Soyata Maïga – Relatora Especial para os Direitos das Mulheres em África (Renovação de mandato);

v. Comissária Pansy Tlakula - Relatora Especial, Liberdade de Expressão e Acesso à Informação em África (Renovação de mandato).

REDISTRIBUIÇÃO DE ÁREAS DE RESPONSABILIDADE

195. A Comissão procedeu à revisão dos países em relação aos quais os

Comissários serão responsáveis. Assim:

i. Comissária Reine Alapini-Gansou: Camarões, República Democrática do Congo , Mali, Togo e Tunísia;

ii. Comissário Mumba Malila: Quénia, Malaui, Moçambique, Tanzânia e Uganda; iii. Comissária Catherine Dupe Atoki: Egipto, Etiópia, Guiné Equatorial, Libéria e

Sudão; iv. Comissário Musa Ngary Bitaye: Gana, Nigéria, Serra Leoa, Ruanda e

Zimbabué; v. Comissário Mohamed Fayek: Botsuana, Eritreia, Somália e África do Sul ;

vi. Comissário Mohamed Bechir Khalfallah: Chade, República Centro-Africana, Guiné, Mauritânia, República Árabe Democrática Sarauita e Senegal;

vii. Comissária Soyata Maïga: Angola, Benim, Congo , Gabão, Níger e Líbia; viii. Comissária Kayitesi Zainabo Sylvie: Argélia, Burkina Faso, Burundi, Côte

d‟Ivoire, Guiné-Bissau e Lesoto; ix. Comissária Pansy Tlakula: Maurícias, Namíbia, Gâmbia, Suazilândia e Zâmbia; x. Comissário Yeung Kam John Yeung Sik Yuen: Comores, Djibuti, Madagáscar

São Tomé e Príncipe e Seychelles.

SESSÃO PRIVADA

RELATÓRIO DA SECRETÁRIA, INCLUINDO QUESTÕES ADMINISTRATIVAS E FINANCEIRAS

196. A Secretária da CADHP, Dra. Mary Maboreke, procedeu à apresentação

do respectivo relatório à Comissão Africana. O relatório delineia as actividades levadas a cabo com o apoio do Secretariado durante o intervalo de seis meses entre a 45ª Sessão Ordinária da CADHP realizada em Banjul, Gâmbia, em Maio de 2009, e a 46ª Sessão Ordinária que teve lugar em Banjul, Gâmbia.

197. Entre outras coisas, a Secretária informou a CADHP a respeito dos

preparativos referentes ao orçamento/propostas da CADH para 2010; os desafios em termos de recursos humanos que continuam a impor constrangimentos ao trabalho realizado pela CADHP; os desafios com a que a CADHP depara relativamente ao cumprimento do prazo de apresentação de documentos junto

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dos Estados membros no âmbito da actual programação das reuniões estatutárias da CADHP; a construção da sede da CADHP; e a aplicação das decisões referentes à política da União Africana.

CONSIDERAÇÃO DE RELATÓRIOS DE ESTADO AO ABRIGO DO ARTIGO 62 DA CARTA

198. A República do Botsuana, a República do Congo e a República Federal

Democrática da Etiópia procederam à apresentação dos respectivos Relatórios Periódicos em conformidade com o Artigo 62 da Carta Africana. A CADHP examinou esses relatórios, tendo-se envolvido num diálogo construtivo com os três Estados Partes. A CADHP teceu observações finais aos Relatórios Periódicos da República do Congo, e adiou a adopção de tais observações relativamente aos relatórios da República do Botsuana e da República Federal Democrática da Etiópia até que receba informações adicionais, conforme o prometido por esses Estados.

SITUAÇÃO DA ENTREGA DE RELATÓRIOS DOS ESTADOS PARTES 199. É a seguinte, a situação relacionada com a entrega e apresentação dos

Relatórios Periódicos dos Estados Partes por altura da 46ª Sessão Ordinária da Comissão:

No. Categoria Número de

Estados

1. Estados que entregaram e procederam à apresentação de todos os Relatórios

12

2. Estados que entregaram todos os Relatórios e irão proceder à apresentação do próximo relatório na 47ª Sessão Ordinária da Comissão Africana

3

3. Estados que entregaram um (1) ou dois (2) Relatórios, mas que ainda têm de entregar outros relatórios

26

4. Estados que não entregaram nenhum Relatório

12

a) Estados que entregaram e procederam à apresentação de todos os Relatórios:

No. Estado Parte

1. Argélia

2. Benim

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3. Botsuana

4. Congo, República do

5. Etiópia

6. Maurícias

7. Nigéria

8. Ruanda

9. Sudão

10. Tanzânia

11. Tunísia

12. Uganda

b) Estados que entregaram todos os Relatórios e irão proceder à apresentação do último relatório na 47ª Sessão Ordinária CADHP:

No.

Estado Parte

1. República Democrática do

Congo

2 Madagáscar

3 Camarões

c) Estados que entregaram um ou dois relatórios, mas que devem entregar

outros relatórios:

No. Estado Parte Situação

1. Angola 6 Relatórios em atraso

2. Burkina Faso 2 Relatórios em atraso

3. Burundi 4 Relatórios em atraso

4. Cabo Verde 6 Relatórios em atraso

5. Centro-Africana, República 1 Relatório em atraso

6. Chade 6 Relatórios em atraso

7. Egipto 2 Relatórios em atraso

8. Gâmbia 6 Relatórios em atraso

9. Gana 3 Relatórios em atraso

10. Guiné, República da 6 Relatórios em atraso

11. Quénia 1 Relatório em atraso

12. Lesoto 3 Relatórios em atraso

13. Líbia 1 Relatório em atraso

14. Mali 4 Relatórios em atraso

15. Mauritânia 2 Relatórios em atraso

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16. Moçambique 6 Relatórios em atraso

17. Namíbia 2 Relatórios em atraso

18. Níger 2 Relatórios em atraso

19. Sarauita, República Árabe Dem. 3 Relatórios em atraso

20. Senegal 1 Relatório em atraso

21. Seicheles 2 Relatórios em atraso

22. Sul, África do 2 Relatórios em atraso

23. Suazilândia 4 Relatórios em atraso

24. Togo 2 Relatórios em atraso

25. Zâmbia 1 Relatório em atraso

26. Zimbabué 1 Relatório em atraso

d) Estados que não entregaram nenhum relatório:

No. Estado Parte Situação

1. Comores 10 Relatórios em atraso

2. Côte d'Ivoire 7 Relatórios em atraso

3. Djibuti 8 Relatórios em atraso

4. Guiné Equatorial 10 Relatórios em atraso

5. Eritreia 4 Relatórios em atraso

6. Gabão 10 Relatórios em atraso

7. Guiné-Bissau 11 Relatórios em atraso

8. Libéria 12 Relatórios em atraso

9. Malaui 9 Relatórios em atraso

10. São Tomé & Príncipe 10 Relatórios em atraso

11. Serra Leoa 12 Relatórios em atraso

12. Somália 11 Relatórios em atraso

200. A Comissão Africana volta a instar os Estados Partes da Carta Africana

que ainda o não fizeram, a proceder à apresentação dos respectivos Relatórios Iniciais e Periódicos. Lembra-se ainda aos Estados Partes que poderão congregar todos os relatórios em atraso num único só para apresentação à Comissão Africana.

ACTIVIDADES DE PROTECÇÃO 201. No decurso do intervalo entre as 45ª e 46ª Sessões Ordinárias, a CADHP

adoptou diversas medidas em conformidade com os Artigos 46 a 59 da Carta Africana a fim de assegurar a protecção dos direitos humanos e dos povos no continente. Tais medidas incluíram, entre coisas, redigir Apelos Urgentes em reacção a alegações de violações de direitos humanos, recebidas de partes intervenientes, Notas de Imprensa tratando de tais violações.

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202. Durante a 46ª Sessão Ordinária, foram entregues setenta e nove (79) Participações-queixa à CADHP: oito (8) em que a CADHP decidiu ocupar-se das mesmas; sete (7) por Admissibilidade; uma (1) por mérito; e uma (1) para revisão.

203. A CADHP decidiu ocupar-se das seguintes Participações-queixa:

i. Participação-queixa 366/09 – Hammadi Kamoun vs Tunísia ii. Participação-queixa 375/09 – Prisillia Njere Echaria vs Quénia

iii. Participação-queixa 377/09 – Mendozaki Patricia Monachali vs África do Sul

iv. Participação-queixa 378/09 – Socio-Economic Rights and Accountability Project vs Líbia

v. Participação-queixa 379/09 – Monim Elgak Osma Hummedia ans Amir Suliman vs Sudão

vi. Participação-queixa 380/09 – Global Conscience Initiative Camarões vs Camarões

vii. Participação-queixa 381/09 – CIMIRIDE vs Quénia

204. A CADHP decidiu adiar uma (1) Participação-queixa – Participação-

queixa 382/09 Alex Alie vs Senegal, uma vez que a Comissão solicitou ao Queixoso que fornecesse mais informações.

205. A CADHP considerou e adoptou decisões quanto a Admissibilidade de

seis (6) Participações-queixa, nomeadamente:

i. Participação-queixa 317/06 - IHRDA vs Quénia

ii. Participação-queixa 320/06 - Pierre Mamboundou vs Gabão iii. Participação-queixa 321/06 - LSZ et al vs Zimbabué iv. Participação-queixa 347/07 - Association Pro Derechos Humanos de Espana

vs Guiné Equatorial v. Participação-queixa 348/07 - Association of the Families of Missing Persons

vs Argélia vi. Participação-queixa 357/07 - Urban Mkandawire vs Malaui.

206. A CADHP considerou e declarou inadmissível a seguinte Participação-

queixa, apensa como Anexo 2: Participação-queixa 310/05 - Darfur Relief and Documentation Centre vs República do Sudão

207. A CADHP considerou e adoptou uma decisão quanto ao mérito de uma

(1) Participação-queixa apensa como Anexo 3:

i. Participação-queixa 272/03 - Association des Victimes des Violences Post-

Electorales & INTERIGHTS vs Camarões.

208. A CADHP considerou e adoptou uma decisão relativamente a uma (1)

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Participação-queixa para revisão, nomeadamente:

i. Participação-queixa 373/06 - Interrights / IHRDA vs Mauritânia.

209. Foi adiada uma para a 47ª Sessão Ordinária a Consideração de sessenta e

duas (62) Participações-queixa por várias razões, incluindo constrangimentos por motivos de tempo e falta de resposta de uma ou ambas as partes.

210. Durante a 45ª Sessão Ordinária, a CADHP considerou e adoptou decisões

quanto ao mérito das seguintes Participações-queixa, apensas como Anexo 4 e 5

respectivamente:

vii. Participação-queixa 235/00 – Curtis Doebbler vs Sudão viii. Participação-queixa 276 – Centre for Minority Rights Development (Quénia)

e Minority Rights Group International em nome do Endorois Welfare Council vs Quénia

211. As partes em questão (Estados Partes e Queixosos) foram devidamente

informadas das decisões da CADHP.

ADOPÇÃO DE RELATÓRIOS DE MISSÕES 212. Durante a Sessão, a Comissão Africana adoptou os seguintes Relatórios de

Missões:

i. Missão de Promoção à República do Burkina Faso

ii. Missão de Promoção à República do Congo

iii. Missão de Promoção à República do Senegal

RELATÓRIO DO COMITÉ CONSULTIVO PARA QUESTÕES ORÇAMENTAIS E DE PESSOAL

213. Durante a 6ª Sessão Extraordinária, a CADHP decidiu criar um Comité

Consultivo para Questões Orçamentais e de Pessoal, constituído por quatro Comissários e três funcionários do Secretariado, tendo em vista facilitar a preparação e aplicação do orçamento dos programas da CADHP. O Comité Consultivo apresentou o Orçamento de Programas de 2010 à CADHP no decurso da Sessão Privada.

REGRAS DE PROCEDIMENTO

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214. Durante a reunião da CADHP e do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, realizada em Dacar, Senegal, ambas as instituições prosseguiram com a consideração das respectivas Regras de Procedimento.

RESOLUÇÕES

215. Durante a 46ª Sessão Ordinária, a CADHP adoptou as seguintes

Resoluções:

i. Resolução sobre a Nomeação do Relator Especial para as Prisões e Locais de Detenção em África;

ii. Resolução sobre a Nomeação do Relator Especial para os Refugiados, Pessoas em Busca de Asilo e Pessoas Deslocadas Internamente e Migrantes em África;

iii. Resolução sobre a Designação de um Relator Especial para os Defensores dos Direitos Humanos em África;

iv. Resolução sobre a Renovação do Mandato da Relatora Especial para os Direitos das Mulheres em África;

v. Resolução sobre a Renovação do Mandato e Recondução da Relatora Especial para a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação em África;

vi. Resolução sobre a Renovação do Mandato do Grupo de Trabalho para as Populações/Comunidades Indígenas em África;

vii. Resolução sobre a Renovação do Mandato da Presidente do Grupo de Trabalho para a Pena de Morte;

viii. Resolução sobre a Mudança de Nome do Comité de Seguimento das Directivas da Ilha de Robben para Comité para a Prevenção da Tortura em África, e Renovação do Mandato;

ix. Resolução sobre the a Nomeação do Presidente e Membros do Grupo de Trabalho para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais em África;

x. Resolução sobre a Renovação do Mandato e Composição do Grupo de Trabalho para Questões Específicas Relevantes para o Trabalho da Comissão;

xi. Resolução sobre a Criação de um Grupo de Trabalho para as Indústrias Extractivas, Ambiente e Violações de Direitos Humanos em África;

xii. Resolução sobre a necessidade de se realizar um Estudo sobre a Liberdade de Associação em África;

xiii. Resolução sobre o Impacto da presente Crise Financeira Mundial no Usufruto de Direitos Sociais e Económicos em África;

xiv. Resolução sobre Mudanças Climáticas e Direitos Humanos e a Necessidade de se Estudar o seu Impacto em África;

xv. Resolução sobre a Situação Geral dos Direitos Humanos em África

RELATÓRIOS DAS SESSÕES

216. A Comissão Africana adiou a consideração e adopção dos relatórios da 45ª e 46ª Sessões Ordinárias da Comissão Africana assim como das 6ª e 7ª Sessões Extraordinárias.

7ª SESSÃO EXTRAORDINÁRIA

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217. A CADHP realizou a sua 7ª Sessão Extraordinária de 5 a 11 de Outubro de

2009 em Dacar, Senegal. 218. Os seguintes membros da CADHP participaram na Sessão:

- Comissário Bahame Tom Mukirya Nyanduga – Presidente em exercício;

- Comissária Reine Alapini-Gansou – Vice-Presidente em exercício;

- Comissária Catherine Dupe Atoki;

- Comissário Musa Ngary Bitaye;

- Comissária Soyata Maïga;

- Comissária Kayitesi Zainabo Sylvie.

219. A sessão foi convocada para, entre outras coisas, concluir a posição da

CADHP sobre questões de complementaridade na versão revista das Regras de Procedimento em antecipação da reunião com o Tribunal Africano.

DATA E LOCAL DA 47ª SESSÃO ORDINÁRIA 220. A CADHP decidiu que a 47ª Sessão Ordinária realizar-se-á de 12 a 26 de

Maio de 2010 em Tunes, República da Tunísia. ENTREGA DO VIGÉSIMO SÉTIMO RELATÓRIO DE ACTIVIDADES

221. De acordo com o Artigo 54 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos

Povos, a CADHP procede à entrega do 27° Relatório de Actividades perante a 16ª Sessão Ordinária do Conselho Executivo da União Africana para consideração e envio à 15ª Cimeira dos Chefes de Estado e Governo da UA.

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Lista de Anexos

1. Agenda da 46ª Sessão Ordinária (Anexo 1) 2. Decisões sobre Participações-queixa concluídas nas 45ª e 46ª

Sessões Ordinárias

a. Participação-queixa 310/05- Darfur Relief and Documentation

Centre vs República do Sudão (Anexo 2) b. Participação-queixa 272/03 – Associação das Vítimas da

Violência Pós-eleitoral e INTERIGHTS vs Camarões (Anexo 3)

c. Participação-queixa 235/00 – Curtis Doebbler vs Sudão

(Anexo 4) d. Participação-queixa 276 – Centro para o Desenvolvimento

dos Direitos das Minorias (Quénia) e Grupo de Direitos de Minorias Internacional em nome do Conselho para o Bem-estar dos Endorois vs Quénia (Anexo 5)

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Anexo 1

AGENDA DA 46ª SESSÃO ORDINÁRIA DA COMISSÃO AFRICANA DOS

DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS (11 – 25 de Novembro de 2009, Banjul, Gâmbia)

Item 1: Cerimónia de Abertura (Sessão Pública) Item 2: Empossamento dos novos Membros da Comissão Africana (Sessão Pública) Item 3: Eleição do Bureau Item 4: Adopção da Agenda (Sessão Privada)

Item 5: Organização dos Trabalhos (Sessão Privada) Item 6: Situação dos Direitos Humanos em África (Sessão Pública)

a) Declarações dos Delegados Estatais b) Declaração dos Órgãos da União Africana com mandato para o sector dos Direitos

Humanos; c) Declarações das Organizações Intergovernamentais e Internacionais; d) Declarações das Instituições Nacionais de Direitos Humanos; e) Declarações das ONG.

Item 7: Cooperação e Relacionamento com Instituições Nacionais de Direitos Humanos (NHRI) e Organizações Não-Governamentais (ONG) (Sessão Pública )

a) Relacionamento entre a CADHP e as NHRI b) Cooperação entre a CADHP e as ONG:

i. Relacionamento com as ONG; ii. Consideração de Pedidos de ONG para obtenção do Estatuto de

Observador.

Item 8: Consideração de Relatórios de Estados (Sessão Pública)

a) Situação dos Relatórios dos Estados Partes b) Consideração do :

i. Relatório Periódico da República Democrática do Congo; ii Relatório Periódico da República do Congo;

iii. Relatório Periódico da República Federal Democrática da Etiópia; iv. Relatório Periódico da República dos Camarões; v.Relatório Periódico da República do Botsuana.

Item 9: Relatórios de Actividades dos Membros das Comissão e dos Mecanismos Especiais (Sessão Pública)

a) Apresentação dos Relatórios de Actividades do Presidente, Vice-Presidente e Membros da CADHP;

b) Apresentação dos Relatórios de Actividades dos Mecanismos Especiais da

CADHP:

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i. Relator Especial para as Prisões e Condições de Detenção em África; ii. Relatora Especial para os Direitos das Mulheres em África;

iii. Relator Especial para os Refugiados, Pessoas em Busca de Asilo, Pessoas Deslocadas Internamente e Migrantes em África;

iv. Relator Especial para os Defensores dos Direitos Humanos em África;

v. Relatora Especial sobre a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação em África;

vi. Presidente do Grupo de Trabalho para a Aplicação das Directivas da Ilha de Robben;

vii. Presidente do Grupo de Trabalho para a Situação das Pessoas/Comunidades Indígenas em África;

viii. Presidente do Grupo de Trabalho para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais em África;

ix. Presidente do Grupo de Trabalho para a Pena de Morte; x. Presidente do Grupo de Trabalho para Questões Específicas

Relevantes para o Trabalho da Comissão Africana; e xi. Presidente do Grupo de Trabalho para os Direitos das Pessoas

Idosas e Pessoas Incapacitadas.

Item 10: Consideração de: (Sessão Privada) a) Relatório do Comité de Assessoria sobre o Orçamento e Questões de Pessoal; b) Memorando de Entendimento entre a CADHP e o CCR; c) Proposta sobre o alargamento da Jurisdição do Tribunal Africano; d) Relatório sobre Intervenção no âmbito das Reformas Prisionais em África; e e) Projecto de Directivas sobre o Protocolo referente aos Direitos das Mulheres em África

Item 11: Consideração e Adopção de Projectos de Relatórios (Sessão Privada):

a) Missões de Promoção à:

i. República Unida da Tanzânia; ii. República do Burkina Faso

iii. República do Congo iv. República da Namíbia

b] Mecanismos Especiais

i. Missão da Relatora Especial para os Defensores dos Direitos Humanos à República do Senegal;

Item 12: Consideração de Participações-queixa: (Sessão Privada)

Item 13: Relatório da Secretária: (Sessão Privada)

Item 14: Consideração e Adopção de (Sessão Privada)

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a) Recomendações, Resoluções e Decisões; b) Observações Finais sobre Relatórios Periódicos da:

República Democrática do Congo;

República do Congo;

República Federal Democrática da Etiópia;

República dos Camarões; e

República do Botsuana Item 15: Datas e Local da 47ª Sessão Ordinária da CADHP (Sessão Privada)

Item 16: Quaisquer outros assuntos (Sessão Privada)

Item 17: Adopção de: (Sessão Privada)

a) 27° Relatório de Actividades; b) Comunicado Final da 46ª Sessão Ordinária; c) 6ª Sessão Extraordinária d) Relatório da 45ª Sessão Ordinária ; e) Relatório da 46ª Sessão Ordinária ; e f) Relatório da 7ª Sessão Extraordinária.

Item 18: Leitura do Comunicado Final e Cerimónia de Encerramento (Sessão Pública) Item 19: Conferência de Imprensa (Sessão Pública)

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Anexo 2

Participação-queixa 310/2005 – Darfur Relief and Documentation Centre vs República do Sudão2

Resumo dos Factos

1. A presente Participação-queixa é apresentada pelo Darfur Relief and

Documentation Centre (DRDC) (doravante designado por Queixoso), em nome de 33 cidadãos sudaneses (doravante designados por vítimas) contra a República do Sudão (doravante designado por Estado Respondente).

2. O Queixoso declara que as vítimas foram contratadas no início da década de 80

pela firma Southern Oil Company, propriedade do Iraque, como condutores, mecânicos, electricistas, cozinheiros, criados e trabalhadores braçais nos campos petrolíferos da referida empresa na Cidade de Basra (Sul do Iraque).

3. Nos dias 22 e 23 de Fevereiro de 1983 as referidas vítimas foram presas durante a primeira Guerra do Golfo entre o Irão e o Iraque, e levadas para o território iraniano a 24 de Fevereiro de 1983 como detidos de guerra civis. Ficaram detidos em prisões militares especiais até ao dia 5 de Outubro de 1990 (sete anos), altura em que foram soltos e repatriados para o Sudão.

4. O Queixoso sustenta que durante a sua detenção, as vítimas ficaram sem as suas

fontes de receita e não puderam comunicar com os seus familiares e advogados; foram torturadas psicológica e fisicamente, não tiveram acesso a tratamentos médicos e não puderam efectuar os seus rituais religiosos.

5. Após as vítimas terem sido soltas da prisão, o governo iraquiano concordou em

liquidar uma parte dos salários que não haviam sido pagos nos anos em que haviam permanecido sob custódia iraniana. Não se tomaram medidas para pagamento de indemnizações, danos ou reparações pelo sofrimento que havia sido causado às vítimas durante a sua detenção.

6. Um total de US$ 500,000, pagos em moeda sudanesa à taxa de câmbio do dia de

pagamento, era para ser dados aos detidos e divididos equitativamente entre todos eles. Ficou acordado pelos governos do Sudão e do Iraque que os referidos montantes seriam pagos às vítimas por intermédio do Ministério das Finanças e Planeamento Económico em Cartum. (Ver documentos comprovativos No. 1, 2, e 3). Os dois governos acordaram ainda que o montante total seria deduzido da dívida do Sudão ao Iraque.

7. Mais sustenta o Queixoso que o Ministério das Finanças e Planeamento

Económico em Cartum informou as vítimas a respeito dos preparativos

2 A República do Sudão ratificou a Carta Africana a 18 de Fevereiro de 1986 sendo, consequentemente,

um Estado Parte da Carta Africana.

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acordados entre o Sudão e o Iraque (Ver documento comprovativo No. 4). As vítimas aceitaram as condições de pagamento não obstante o facto de não terem tomado parte nas negociações que resultaram no acordo de pagamento alcançado entre o Sudão e o Iraque. O acordo incluía o pagamento em moeda sudanesa, embora os respectivos salários haviam sido fixados em dólares americanos.

8. O Queixoso alega que a 20 de Março de 1992, o Ministério das Finanças e

Planeamento Económico do Sudão aprovou os pagamentos a serem efectuados às vítimas, tendo instruído o Banco do Sudão a proceder a tais pagamentos. (Ver documento comprovativo No. 5.) Subsequentemente, a 15 de Abril de 1993 e a 10 de Maio de 1993, foi pago às vítimas um total de US$ 167,367 (SP 22,700,000) como primeira prestação. (Ver documento comprovativo No. 6.) Cada vítima recebeu o equivalente de US$ 5,230. O Ministério das Finanças e Planeamento Económico prometeu pagar mais tarde o saldo remanescente de US$ 332,633.

9. O pagamento do saldo remanescente em dívida para com os vítimas foi

protelado e o Queixoso afirma que eventualmente o Ministério das Finanças e Planeamento Económico recusou-se a proceder ao pagamento de todo o montante. Alega o Queixoso que o primeiro subsecretário no Ministério das Finanças e Planeamento Económico, Sr. Hassan Mohamed Taha, foi quem assegurou que os referidos montantes não seriam pagos às vítimas.

10. O Queixoso sustenta que as vítimas tentaram fazer uso de todos meios legais e

políticos disponíveis de modo a que os seus direitos fossem reconhecidos e que as verbas que lhe eram devidas fossem pagas, mas tudo em vão.

Artigos que foram alegadamente violados

11. O Queixos alega que houve violação dos Artigos 1, 2, 5, 7(1) (a), 14 e 16(1) da

Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

Rezas 12. O Queixoso solicita que a Comissão Africana inste o governo do Sudão a -:

Pagar às vítimas o saldo por liquidar, presentemente no montante de US$ 2,965,789, tendo em conta os benefícios acumulados ao longo dos anos ou rebeeh3 especificado ao abrigo do Sistema Bancário Islâmico aplicado ao Sudão;

Pagar mais US$3 milhões como compensação pelos danos materiais, sociais e psicológicos e pelos transtornos causados às vidas das vítimas durante os últimos 13 anos. Isto eleva o montante total solicitado para US$5,965,789.

3 De acordo com o Sistema Bancário Islâmico o “rebeeh” constitui um benefício anual sobre o fundo principal. Multiplica-se esse montante por 120%.

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13. Solicita ainda o Queixoso que na eventualidade de ocorrência de atraso na resolução satisfatória da Participação-queixa e na efectivação do pagamento, benefícios idênticos deverão ser pagos no decurso de 2006 e nos anos posteriores, assim como US$ 1,000,000 de compensação para cada ano adicional a partir de 1 de Janeiro de 2006. O Queixoso pretende que o pagamento do saldo, benefícios e compensação acima referidos seja efectuado em dólares americanos a ser dividido equitativamente entre as vítimas.

Procedimento

14. A Participação-queixa é datada de 22 de Novembro de 2005, tendo sido recebida

pelo Secretariado da Comissão Africana a 24 de Novembro de 2005. 15. Na sua 38ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 21 de Novembro a

5 de Dezembro de 2005, a Comissão Africana considerou a Participação-queixa, tendo decidido ocupar-se da mesma.

16. Por Nota Verbal datada de 8 de Dezembro de 2005, o Secretariado enviou, por

DHL, uma cópia da Participação-queixa ao Estado Respondente, tendo-lhe solicitado que enviasse as suas conclusões quanto a admissibilidade dentro de 3 meses. O Queixoso foi igualmente solicitado a enviar as suas conclusões quanto a admissibilidade dentro de 3 meses.

17. A 13 de Fevereiro de 2006, o Secretariado da Comissão Africana recebeu as

conclusões dos Queixosos quanto a admissibilidade tendo acusado a recepção das mesmas por carta datada de 14 de Fevereiro de 2006. Ao Estado Respondente foi enviada por fac-símile e correio electrónico uma cópia das conclusões dos Queixosos quanto a admissibilidade.

18. Por Nota Verbal datada de 20 de Março de 2006, fez-se recordar ao Estado

Respondente que devia enviar as suas conclusões por escrito, relativamente à admissibilidade da Participação-queixa.

19. A 20 de Maio de 2006, o Secretariado da Comissão Africana recebeu uma Nota

Verbal datada de 20 de Maio de 2006 e apensa à mesma vinham as conclusões do Estado quanto a admissibilidade.

20. Durante a 39ª Sessão Ordinária da Comissão Africana, a Comissão decidiu

remeter a sua decisão quanto a admissibilidade da Participação-queixa para a sua 40ª Sessão Ordinária. Por carta e Nota Verbal datada de 31 de Maio de 2006, o Secretariado informou o Queixoso e o Estado, respectivamente, da decisão da Comissão em remeter a Participação-queixa para a sua 40ª Sessão.

21. Por correio electrónico a 16 de Abril de 2007, o Secretariado recebeu uma carta

datada de 10 de Abril de 2007, proveniente do Queixoso, à qual se encontravam apensos conclusões e documentos adicionais em resposta aos argumentos do Estado Respondente.

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22. Na sua 40ª Sessão Ordinária, a Comissão Africana decidiu remeter a

Participação-queixa para mais considerações quanto a admissibilidade para a sua 41ª Sessão Ordinária.

23. Durante a sua 41ª Sessão Ordinária, que teve lugar em Acra, Gana , o

Secretariado da Comissão Africana recebeu, a 22 de Maio de 2007, uma carta endereçada à Comissão Africana à qual estavam apensas conclusões por parte do Queixoso em resposta aos argumentos do Estado Respondente quanto a admissibilidade.

24. Na 41ª Sessão Ordinária da Comissão Africana, a decisão quanto a

admissibilidade da Participação-queixa voltou a ser remetida, desta feita para a 42ª Sessão Ordinária.

25. Na 42ª Sessão da Comissão Africana a decisão quanto a admissibilidade da

presente Participação-queixa foi adiada a fim de se obterem esclarecimentos sobre determinadas questões por parte dos Queixosos.

26. Na 43ª Sessão, o Secretariado ainda não havia recebido a resposta dos Queixosos,

e como resultado disso remeteu a Participação-queixa para a 44ª Sessão Ordinária.

27. A Participação-queixa voltou a ser adiada durante a 44ª Sessão para dar tempo

ao Secretariado para que redigisse a sua decisão quanto a admissibilidade.

A Lei

Admissibilidade

Resumo dos argumentos do Queixoso quanto a admissibilidade da Participação-queixa

28. O Queixoso declara ter sido endereçada uma carta ao Presidente do Sudão, Sua

Excelência Omar El Bashir, solicitando-o a intervir na questão e a resolver o caso. (Anexo No. 7)

29. Após ter estudado os documentos relevantes relacionados com a presente

questão, a 5 de Setembro de 2000 o Solicitador-Geral enviou um parecer legal ao Ministério das Finanças e Planeamento Económico a confirmar que as vítimas estavam habilitadas ao pagamento do saldo em dívida por parte do referido Ministério. (Anexo No.9).

30. A 28 de Agosto de 2001, o Dr. Maghzoub Al Khalifa, então presidente do

Comité Ministerial Conjunto Iraquiano-Sudanês e ex-ministro da agricultura e florestas do Sudão, enviou uma carta ao Ministério das Finanças e Planeamento Económico, fazendo-o recordar do acordo entre os governos sudanês e iraquiano, tendo solicitado que efectuasse sem demora o pagamento às vítimas dos

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montantes em atraso. (Anexo No. 8)

31. Declara o Queixoso que uma vez que as tentativas de se solucionar a questão amigavelmente não haviam resultado, as vítimas decidiram dar seguimento à questão junto dos tribunais.

32. O Queixoso declara que a 18 de Junho de 2000, as vítimas apresentaram uma

queixa contra o Ministério das Finanças e Planeamento Económico junto do Tribunal de Primeira Instância em Cartum. O caso No. AM/1724/2000 foi rejeitado pelo Tribunal a 21 de Março de 2000 (Anexo No. 10). As vítimas recorreram da sentença do Tribunal de Primeira Instância junto do Tribunal de Recurso, no âmbito do caso ASM/475/2001. A 7 de Julho de 2001, o Tribunal de Recurso emitiu um despacho endereçado ao Tribunal de Primeira Instância para que este reconsiderasse a sentença. A 19 de Fevereiro de 2002 Tribunal de Primeira Instância voltou a rejeitar o caso. (Anexo No. 10)

33. As vítimas recorreram da segunda decisão do Tribunal de Primeira Instância

junto do Tribunal de Recurso de Cartum nos termos do Caso Case No. ASM/250/2002). A 26 de Dezembro de 2002, o Tribunal de Recurso confirmou a sentença do Tribunal de Primeira Instância, tendo rejeitado o caso. (Anexo No. 11).

34. As vítimas abordaram o Tribunal de Segunda Instância de Cartun, Vara Cível, no

âmbito do Caso MA/TM/165/2003 para que emitisse uma providência cautelar contra a decisão do Tribunal de Recurso. Todavia, a 18 de Junho de 2003, o Tribunal de Segunda Instância decidiu confirmar a sentença do Tribunal de Recurso, tendo rejeitado a questão. (Anexo No. 11). Os Queixosos alegam que as decisões do Tribunal de Primeira Instância, do Tribunal de Recurso e do Tribunal de Segunda Instância em rejeitar o caso, assentava em questões técnicas e não no espírito da justiça, da lei e da boa consciência.

35. Consequentemente, o Queixoso sustenta que as vítimas esgotaram todo os recursos ou instâncias de Direito Interno em virtude da sentença do Tribunal de Segunda Instância datada de 18 de Junho de 2003, que rejeitou o caso.

36. O Queixoso sustenta que ao proferirem as suas sentenças, os tribunais não

tomaram em linha de conta os factos elementares que teriam sido favoráveis ao caso das vítimas. Por exemplo, o facto de que as vítimas haviam recebido uma parte do pagamento à luz do acordo alcançado entre o Sudão e o Iraque, e que o Ministério das Finanças e Planeamento Económico assumira o compromisso de pagar às vítimas o saldo em dívida; o facto de não se ter tomado em linha de conta a opinião jurídica do Solicitador-Geral, declarando que ele não era uma testemunha de casos específicos. Os Queixosos afirmam ainda que as decisões dos referidos Tribunais em rejeitar a questão assentaram em questões técnicas e não no espírito da equidade, da lei e da justiça.

37. O Queixoso sustenta ainda que os tribunais sudaneses não possuem competência

para lidar com casos de tal magnitude, fazendo notar que o Tribunal de Segunda

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Instância, ao proferir a sua sentença em relação ao pedido de providência cautelar, havia declarado que o valor da indemnização financeira reclamado no presente caso excedia o valor fixado pela Circular Judicial No. 44/99, o que constitui uma condição necessária para aceitação de uma providência cautelar perante o Tribunal de Segunda Instância.

38. Para além do mais, o Queixoso assevera que os tribunais no Sudão não haviam

tomado em consideração o facto de que o regime que então vigorava no Iraque era totalitário e o do Sudão é militar e, como tal, os cidadãos não podem interferir nas decisões do governo ou procurar os documentos necessários que possam constituir prova dos respectivos casos perante um tribunal.

39. Por essas razões, o Queixoso sustenta que o processo judicial nacional continha

falhas e não podia proporcionar justiça às vítimas. 40. O Queixoso declara que o Sudão encontra-se sob um governo militar totalitário,

liderado por um presidente que continua a ser desde 30 de Junho de 1989 um oficial do exército no activo. Como consequência disso, o regime segue uma política sistemática de controlo e domínio a todos os níveis do aparelho de Estado, incluindo o sistema judicial, cujos procedimentos e decisões não são respeitados. Como resultado disso, os cidadãos, grupos e organizações sudaneses não podem apresentar casos relacionados com direitos humanos perante os tribunais por recearem ser alvo de assédio, ameaça e intimidação por parte dos agentes de segurança do governo.

41. Para ilustrar que o sistema judicial não é independente, o Queixoso remete a

Comissão Africana para os relatórios anuais do Relator Especial das Nações Unidas para a Situação dos Direitos Humanos no Sudão nas Quinquagésima oitava4 e Quinquagésima nona5 Sessões da Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, os quais fazem referência à falta de independência do sistema judicial no Sudão. Para além disso, o Queixoso declara que a Comissão Internacional de Inquérito sobre o Darfur (ICID), instaurada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em Outubro de 2004 para se investigarem os crimes cometidos no contexto do conflito armado de Darfur, também havia procedido a um exame do sistema judicial no Sudão no âmbito do seu mandato. No seu relatório de 25 de Janeiro de 2005, a ICID fornece uma panorâmica pormenorizada do sistema judicial sudanês.6 O Queixoso sustenta que o relatório reconhece que durante a última década o sistema judicial parece ter sido manipulado e politizado e, como tal, os juízes que discordaram do governo foram muitas vezes alvo de assédio, tendo inclusivamente sido demitidos. 7

42. O Queixoso faz notar que a Comissão de Inquérito havia declarado que

4 E/CN.4/2002/46 datada de 23 de Janeiro de 2002, Parágrafos 19, 20 e 21 pp. 6 e 7. 5 E/CN.4/2003/42 datada de 6 de Janeiro de 2003, Parágrafo 28 p. 8. 6 Ver parágrafos 432-455, pp 111-115. 7 Ver Relatório da Comissão Internacional de Inquérito sobre Darfur, p.111, Parágrafo 432.

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“considerava que em face da impunidade que reina em Darfur, o sistema judicial demonstrou que tinha falta de estruturas adequadas, de autoridade, credibilidade…”8

43. O Queixoso chama também à atenção a Comissão Africana para a decisão por si

tomada no caso Amnistia Internacional, Comité Loosli Bachelard, Comité de Advogados para os Direitos Humanos, Associação de Membros da Conferência Episcopal da África Oriental/Sudão9 no qual a Comissão constatou que o sistema judicial no Sudão não era independente. O Queixoso declara que mesmo após este pronunciamento pela Comissão, a situação no Sudão não melhorou, tendo na realidade deteriorado sob vários aspectos dado que um maior número de juízes foi saneado do sistema judicial, e em seu lugar nomeados apoiantes do governo.

Resumo das conclusões do Estado Respondente quanto a Admissibilidade

44. O Estado Respondente começa por afirmar que o sistema judicial do Sudão é um

dos órgãos de Estado mais competentes e eficientes, assente no princípio da independência total e de separação de poderes. Declara ainda o Estado Respondente que o sistema judicial é eficiente, honesto e caracterizado pela competência. O Estado sustenta que o Sudão é um dos poucos Estados africanos que possui um Tribunal Supremo em todas as províncias e um sistema judicial que se encontra à disposição de todas as pessoas.

45. O Estado afirma que os Queixosos não cumpriram com as condições enunciadas

no Artigo 56 da Carta Africana. O Estado Respondente sustenta que o Queixoso não observou o disposto no Artigo 56(5) da Carta Africana o qual trata do esgotamento de recursos ou instâncias de Direito Interno antes que uma

Participação-queixa possa ser apresentada perante a Comissão Africana.

46. A este respeito o Estado sustenta que aos Queixosos é concedida a oportunidade dos seus casos serem ouvidos pelo Tribunal Constitucional e pelo Departamento de Querelas. Estes dois instrumentos foram criados no âmbito da Constituição do Sudão visando a protecção dos direitos humanos. O Estando substancia esta afirmação com documentos sobre estatísticas a ilustrar o desempenho judicial no Sudão, afirmando que os Queixosos não haviam ainda esgotado todas as vias à sua disposição.

47. O Estado Respondente afirma que o disposto no Artigo 56(1) não foi cumprido

uma vez que a queixa “foi apresentada por um tal Abdul-Baqui Jubril em nome do Dafur Centre for Relief and Documentation Centre.” Afirma ainda o Estado que essa pessoa continua a apresentar queixas, por vezes junto da Comissão, ao abrigo de uma série de organizações da sociedade civil, e que tais queixas não se apoiam em quaisquer provas ou bases legais.

8 Ver Relatório da Comissão Internacional de Inquérito sobre Darfur, p. 115 Parágrafo 455. 9 Participações-queixa Nos. 48/90, 50/91, 52/91 e 89/93.

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48. O Estado declara igualmente que o Queixoso não observou o disposto no Artigo 56(2) Carta Africana, e que o recurso ao Artigo 1 da Carta, por parte do Queixoso, não se aplicava ao presente caso. O Estado sustenta que no fundo, a natureza de qualquer caso é que há um vencedor e um vencido, e acrescenta que a Carta exige que se observe o cumprimento da lei quando ao se discutirem os direitos de indivíduos e de grupos. E diz ainda o Estado ser inaceitável afirmar-se que as sentenças decretadas por tribunais constituem violações dos direitos humanos, que essas sentenças reflectem a realidade e são em conformidade com a letra e o espírito da Carta Africana e Carta da UA, e que qualquer suposição em contrário deve ser tida como uma negação das funções dos tribunais dos Estados membros.

49. Declara ainda o Estado que os instrumentos internacionais de direitos humanos

reconhecem a soberania dos Estados e o exercício da lei natural existente nesses Estados, e que qualquer suposição em contrário constitui por si só uma violação flagrante da lei.

50. O Estado Respondente sustenta igualmente que a queixa não obedece ao Artigo

56(3) da Carta Africana, o qual estabelece que uma Participação-queixa apresentada perante a Comissão não deverá ser redigida em linguagem insultuosa ou ultrajante. O Estado defende que os argumentos dos Queixosos, especialmente no parágrafo 40 da Participação-queixa continha afirmações que incluíam expressões impróprias contra dirigentes assim como os métodos da aplicação da justiça e da lei no Sudão.

51. O Estado Respondente sustenta igualmente que a queixa não conforma com o

Artigo 56 (6) da Carta Africana, o qual estabelece que uma Participação-queixa deve ser apresentada dentro de um prazo razoável após terem-se esgotado todos os recursos ou instâncias de Direito Interno. O Estado considera que a presente Participação-queixa foi apresentada perante a Comissão 31 meses após a sentença do tribunal.

52. Em face das razões acima expostas, o Estado considera que a Participação-queixa

deve ser declarada inadmissível pela Comissão Africana.

Resumo da resposta dos Queixosos às conclusões do Estando Respondente quanto a admissibilidade

53. O Queixoso alega que embora o Supremo Tribunal seja a mais alta instância

judicial no Sudão, a Lei Processual Civil do Sudão estabelece que o “Tribunal Supremo deverá ter jurisdição para determinar: Objecção por via de recurso contra decisões e ordens dos Tribunais de Recurso relativamente a objecções contra decisões administrativas.”

54. O Queixoso argumenta igualmente que a Participação-queixa não diz respeito

aos Tribunais Shar‟ia, nem tão pouco foi apresentada junto deles; trata-se de um caso cível que foi devidamente apresentado perante o circuito legal cível.

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55. O Queixoso também sustenta que a decisão final do Tribunal de Segunda Instância, que rejeitou o caso, foi-lhes enviada pelo escrivão mais de três meses após ter sido tomada por aquela instância. Este atraso impediu que os peticionários apresentassem um requerimento para revisão da sentença do Tribunal Supremo dentro do prazo recomendado de 15 (quinze) dias.

56. Relativamente ao argumento de que o Estado Respondente poderia apresentar a

questão perante o Tribunal Constitucional, os Queixosos afirmam que a Lei Constitucional do Sudão de 2005 enuncia a jurisdição, funções e poderes do Tribunal Constitucional. Essa lei estabelece que o Tribunal Constitucional não possui jurisdição para proceder à revisão de sentenças, decisões, medidas e despachos emitidos pelo sistema judiciário. Significa isto que o Tribunal Constitucional não possui competência para lidar com questões que já foram tratadas por outros tribunais.

57. Alega também o Queixoso que as provações das vítimas junto das autoridades

sudanesas têm vindo a registar-se desde 1993, altura em que o Ministério das Finanças e Planeamento Económico não efectuou o pagamento do saldo remanescente. As vítimas deram então início a uma acção nos tribunais em 2000, que acabou por ser rejeitada pelo Tribunal de Segunda Instância em Junho de 2003, e de acordo com os Queixosos as vítimas esgotaram todos os meios possíveis à sua disposição para recuperar os fundos em dívida, mas tudo em vão.

58. O Queixoso também alega que, no desempenho dos seus deveres, o sistema

judicial do Sudão não é independente do governo. Isto, alega o Queixoso, é devido ao facto de o país ser governado por um regime totalitário de índole militar, e que o governo leva a cabo uma política sistemática de controlo e dominação rigorosos a todos os níveis do aparelho de Estado, incluindo o sistema judicial.

59. Em face dos factos acima referidos, o Queixoso alega ter esgotado todas as

possibilidades de recurso ou instâncias de Direito Interno junto dos tribunais sudaneses, pelo que pretende que a Comissão Africana considere a presente Participação-queixa admissível.

Análise quanto a admissibilidade

60. A admissibilidade de Participações-queixa a nível da Comissão Africana rege-se

pelos requisitos do Artigo 56 da Carta Africana. Este Artigo estabelece sete requisitos os quais devem ser todos eles cumpridos antes que a Comissão possa declarar uma Participação-queixa admissível. Se uma das condições / requisitos não for cumprida, a Comissão declarará a Participação-queixa inadmissível, salvo se o Queixoso fornecer justificativos suficientes quanto à impossibilidade do não cumprimento de qualquer um dos requisitos.

61. Na presente Participação-queixa, o Queixoso afirma ter cumprido com todos os

requisitos do Artigo 56 da Carta Africana. Por sua vez, o Estado Respondente sustenta não terem sido cumpridos cinco requisitos de admissibilidade, isto é, os

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números (1), (2), (3), (5) e (6) do Artigo 56.

62. O Artigo 56 (1) da Carta Africana diz que as “Participações-queixa recebidas pela Comissão relativas aos direitos humanos… deverão ser examinadas se indicarem os respectivos autores mesmo que estes solicitem o anonimato…” De acordo com o Estado Respondente, a Participação-queixa não indica os autores. A Participação-queixa recebida pela Comissão Africana indica que o autor da Participação-queixa é o Darfur Relief and Documentation Centre. Este apresentou a Participação-queixa em nome de 33 cidadãos sudaneses cujos nomes são mencionadas nessa mesma Participação-queixa. Quer isto dizer que o autor da Participação-queixa e as vítimas estão claramente identificados. Por conseguinte, a Comissão mantém ter sido cumprido o requisito ao abrigo do Artigo 56(1) da Carta Africana.

63. O Estado sustenta que a Participação-queixa é incompatível com a Carta da

Organização de Unidade Africana (OUA) e como tal não cumpre com o Artigo 56 (2) da Carta Africana. Este número do Artigo 56 estabelece que as “Participações-queixa ... recebidas pela Comissão deverão ser examinadas se forem compatíveis com a Carta da Organização da Unidade Africana ou com a presente Carta.” No presente caso, há prova de violação prima facie da Carta Africana através da recusa do Ministério das Finanças e Planeamento Económico (uma instituição do governo sudanês) em efectuar o pagamento do saldo em dívida para com os 33 cidadãos sudaneses em violação do acordo entre os governos sudanês e iraquiano quanto ao pagamento do dinheiro como compensação pelo tempo que permaneceram em cadeias iranianas. Segundo, em face dos requisitos de compatibilidade, o Sudão é um Estado Parte da Carta Africana. Terceiro, a República do Sudão tornou-se uma parte da Carta aos 18 de Fevereiro de 1986. As alegadas violações constantes da presente Participação-queixa enquadram-se no período de aplicação da Carta ao Sudão. Finalmente, a alegada violação teve lugar dentro da esfera territorial à qual a Carta se aplica. Por essas razões, a Comissão considera que a Participação-queixa cumpriu suficientemente com o requisitos do Artigo 56(2) da Carta Africana.

64. Nos seus argumentos, o Estado insta a Comissão Africana a declarar a

Participação-queixa inadmissível com o fundamento de que esta não cumpre com o Artigo 56(3) da Carta Africana, o qual diz que as “Participações-queixa ... recebidas pela Comissão deverão ser examinadas se não forem redigidas em linguagem ultrajante ou insultuosa para com o Estado em questão e as suas instituições ou a Organização da Unidade Africana (AU)”.

65. O Estado Respondente objecta contra as declarações proferidas pelo Queixoso no

parágrafo 40 da queixa, argumentando ser impróprio descrever qualquer Estado soberano dessa forma. O parágrafo 40 da queixa afirma que “a presente Participação-queixa documenta uma situação de absoluto uso indevido da autoridade do governo e dos poderes executivos, tendo sido infligidos injustiça e sofrimento graves no seio de um segmento vulnerável dos cidadãos sudaneses. Esta situação constitui um exemplo clássico da falta de responsabilidade das entidades públicas e da falta de administração adequada de justiça e da lei no Sudão.”

66. Na sua decisão quanto a admissibilidade no caso, Zimbabwe Lawyers for Human

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Rights/ Zimbabwe (ZLHR)10, a Comissão Africana declarou inter alia que “ao se determinar se uma certa afirmação é ultrajante ou insultuosa e se debilitou a integridade do sistema judicial, a comissão tem de se sentir satisfeita que essa afirmação ou linguagem se destina a violar de forma ilegal e intencional a dignidade, reputação ou integridade de um oficial ou organismo de justiça e se é usada de forma calculada a poluir as mentes do público ou de qualquer pessoa razoável tendo em vista difamar e a enfraquecer a confiança do público quanto à administração da justiça. A linguagem deverá destinar-se a minar a integridade e o estatuto da instituição e a desacreditá-la. Nesse sentido, o Artigo 56 (3) deve ser interpretado tendo em mente o Artigo 9 (2) da Carta Africana o qual estabelece que “toda a pessoa tem direito de exprimir e de difundir as suas opiniões no quadro das leis”. Deve-se estabelecer o equilíbrio entre o direito de falar livremente e o dever de proteger as instituições do Estado a fim de se assegurar que, embora desencoraje a linguagem abusiva, a Comissão Africana não está ao mesmo tempo a violar ou a inibir o usufruto de outros direitos garantidos na Carta Africana tal, como neste caso, o direito à liberdade de expressão.”

67. Deve-se distinguir a decisão tomada no caso ZLHR de uma outra da Comissão

Africana no caso, Ligue Camerounaise des Droits de l‟Homme/ Camarões 11, em que a Comissão Africana defendeu a posição de que a Participação-queixa era inadmissível devido ao uso, por parte do queixoso, de linguagem como “[o Presidente] Paul Biya tem de responder por crimes contra a humanidade”, “30 anos de regime criminoso e neo-colonial”, “regime de torturadores”, “governo de bárbaros”, etc., por tal ser considerado linguagem insultuosa.

68. Na presente Participação-queixa o Estado Respondente não declara

expressamente que a Participação-queixa tenha sido insultuosa ou ultrajante, tendo no entanto feito notar que a linguagem usada era “imprópria”. Na opinião da Comissão Africana, a linguagem usada na Participação-queixa e especialmente no Parágrafo 40, não é insultuosa ou ultrajante para com o Governo do Sudão e, como tal não é contrária ao Artigo 56 (3). Por esta razão, a Comissão mantém que o disposto ao abrigo do Artigo 56(3) foi cumprido.

69. O Artigo 56(4) da Carta estabelece que uma Participação-queixa será admissível

se não se “…limitar exclusivamente em notícias difundidas pelos meios de comunicação social”. Não há nada na presente Participação-queixa que indique que a mesma se baseou em notícias da comunicação social e nenhuma das partes contestou este ponto. Nesse sentido, a Comissão Africana mantém que esta disposição foi cumprida.

70. O Estado Respondente sustenta ainda que a Participação-queixa não cumpre

com o Artigo 56 (5) da Carta Africana o qual exige que as “participações-queixa... recebidas pela Comissão deverão ser examinadas se forem enviadas após o esgotamento dos recursos ou instâncias de Direito Interno, caso existam, a menos que seja manifesto para a Comissão que o processo relativo a esses recursos se prolonga de modo anormal.” A Comissão já afirmou que o justificativo para este requisito é o de que um governo deverá estar ao par de uma violação dos direitos humanos de modo a

10 Participação-queixa 284/2003 11 Participação-queixa 65/92

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poder ter a oportunidade de remediar tal violação, protegendo assim a sua reputação que poderá ficar manchada ao ser chamado a defender um caso seu perante um organismo internacional. Este procedimento também evita que a Comissão Africana se torne em tribunal de primeira instância, função que não pode cumprir, quer prática ou legalmente.

71. No presente caso, o Estado Respondente considera que o Queixoso não esgotou os

recursos ou instância de Direito Interno à sua disposição no país. O Estado sustenta que o Queixoso não apresentou o seu caso perante o Tribunal Supremo para ser revisto, nem tão pouco recorreu ao Tribunal Constitucional. O Artigo 15 (2) da Lei do Tribunal Constitucional do Sudão (revista em 2005), estipula que “…os assuntos do sistema judicial, as sentenças, as decisões, medidas e os despachos emitidos pelos respectivos tribunais não serão sujeitos a revisão por parte do Tribunal Constitucional”. Quer isto dizer que o Tribunal Constitucional não possui jurisdição para lidar com recursos relacionados com sentenças, decisões, medidas e despachos emitidos pelo sistema judiciário.

72. O autor alega que a questão foi inicialmente apresentada perante o Tribunal de

primeira instância, mas que o caso foi rejeitado. Foi interposto um recurso desta decisão junto do Tribunal de Recurso o qual ordenou que a questão fosse reconsiderada junto do tribunal de primeira instância. O caso voltou a ser rejeitado uma segunda vez pelo tribunal de primeira instância e desta vez a sentença foi validada pelo Tribunal de Recurso. A seguir, as vítimas apresentaram o caso perante o Tribunal de Segunda Instância, o qual aprovou a sentença do Tribunal de Primeira Instância, tendo rejeitado o caso. O Queixoso afirma não existir nenhum outro Tribunal que possa aceitar o caso.

73. O Estado Respondente salientou, porém, que existe ainda uma opção de levar o

caso junto do Tribunal Constitucional do Sudão, o qual se encontra à disposição dos Queixosos. A Lei do Tribunal Constitucional do Sudão estabelece que “…O Tribunal…. assumirá a protecção dos direitos do ser humano e das suas liberdades fundamentais”.12 Isto, de acordo com o Estado, significa que o Queixoso pode ainda apresentar o seu caso sobre a alegada violação dos direitos dos 33 sudaneses junto do Tribunal Constitucional do Sudão como recurso ou instância relativos à queixa. A Comissão Africana, por conseguinte, mantém que nem todos os recursos ou instâncias de Direito Interno que se encontram à disposição dos Queixosos foram esgotados em conformidade com o Artigo 56(5) da Carta, e como tal a Participação-queixa não cumpriu com esta condição.

74. Relativamente ao requisito ao abrigo do Artigo 56(6) da Carta Africana, o qual

estabelece que as “participações-queixa... recebidas pela Comissão deverão ser examinadas se forem apresentadas num prazo razoável a partir do momento em que se esgotaram os recursos ou instâncias de Direito Interno, ou a partir da data em que a comissão decidiu ocupar-se da questão,...”. A Comissão Africana nota que a Carta não estipula o que é que constitui “um prazo razoável”, nem tão pouco definiu o que é prazo razoável. Por essa razão, a Comissão Africana tratará de cada caso

12 Artigo 15(1) (d) da Lei do Tribunal Constitucional.

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de acordo com os respectivos méritos.13

75. Os Artigos 60 e 61 da Carta Africana determinam que a Comissão Africana, ao decidir sobre questões que lhe sejam apresentadas, deverá inspirar-se no direito internacional sobre direitos humanos e dos povos. Na presente Participação-queixa, a Comissão Africana irá considerar a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais determina que o “Tribunal (Europeu) dos Direitos Humanos... apenas poderá lidar com a questão... dentro de um prazo de seis meses a contar da data em que a decisão final tiver sido tomada”14, depois deste prazo ter passado, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos declarará um tal Requerimento inadmissível. A Convenção Americana dos Direitos Humanos também estabelece que para ser declarada admissível, “a petição ou Participação-queixa é apresentada dentro de um prazo de seis meses a partir da data em que a parte que alega violação dos seus direitos foi notificada da sentença final.”15 A Convenção foi mais além, determinando as circunstâncias em que esta disposição não será aplicável, designadamente quando “... tiver havido atraso injustificado na leitura de uma sentença final ao abrigo dos recursos acima mencionados”.

76. A Comissão Interamericana dos Direitos Humanos indicou que o prazo de seis

meses estipulado no Artigo 46(1)(b) da Convenção Americana “tem um duplo objectivo: assegurar certeza legal e prestar à pessoa em causa tempo suficiente para considerar a sua posição.”16

77. Na presente Participação-queixa, decorreu um período de vinte e nove (29)

meses (2 anos e 5 meses) entre a altura em que o Tribunal de Segunda Instância rejeitou a questão (18 de Junho de 2003), e o momento em que a Participação-queixa foi apresentada à Comissão Africana (24 de Novembro de 2005). O Queixoso apresentou a presente Participação-queixa muito depois do prazo que poderia ser considerado de razoável, considerando a jurisprudência do Tribunal Europeu e do Tribunal Interamericano. Os Queixosos também não apresentaram nenhuma razão convincente para explicar o longo período de espera antes de terem apresentado a questão perante a Comissão Africana.

78. As disposições da Carta relativamente ao prazo limite no Artigo 56(6) destina-se

a fazer com que uma parte que se queixe de algo de errado cometido por um Estado, seja vigilante, e a desencorajar que os eventuais queixosos sejam tardios na sua forma de actuar. Todavia, quando haja boas razões que sejam igualmente convincentes para que um queixoso não apresente a sua queixa junto da

13 Participação-queixa 308/05- Michael Majuru/Zimbabwe e Participação-queixa 43/90 Union des Scolaires Nigeriens- Union Generale des Etudiants Nigeriens au Benim/ Níger, em que a Participação-queixa foi declarada inadmissível na base de que nenhuma das condições relativas à forma, prazo limite ou procedimento estipulados nos termos do Artigo 56 e Regra 114 da (Versão Anterior das Regras de Procedimento) foram observadas. 14 Artigo 26, Convenção Europeia dos Direitos Humanos. 15 Artigo 46(1) (b) da Convenção Americana dos Direitos Humanos. 16 IACHR, Caso 11.230 - Francisco Martorell, Chile, Relatório Anual 1996, Relatório Nº 11/96, parágrafo 33.

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Comissão para consideração, essa mesma Comissão tem a responsabilidade, por uma questão de razoabilidade e justiça, de conceder a essa queixoso a oportunidade de ser ouvido.

79. No presente caso, não foram dadas razões suficientes para que a Participação-

queixa não pudesse ser apresentada dentro de um prazo razoável. Por essa razão, a Comissão Africana mantém que a Participação-queixa não cumpre com o disposto no Artigo 56(6) da Carta Africana.

Decisão da Comissão

80. É de reiterar que a Carta Africana estabelece que todos os requisitos do Artigo 56

devem ser cumpridos antes que uma Participação-queixa seja declarada admissível pela Comissão Africana. Esta mantém que as disposições dos números 5 e 6 do Artigo 56 não foram cumpridos pelo Queixoso.

81. Em face do acima exposto, a Comissão Africana decide:

1) declarar a Participação-queixa inadmissível; 2) transmitir a sua decisão às partes;

3) publicar a presente decisão no seu 27° Relatório de Actividades.

Feito em Banjul, Gâmbia, durante a 46ª Sessão Ordinária da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, de 11 a 25 de Novembro de 2009.

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Anexo 3 Participação-queixa 272/03: Associação das Vítimas da Violência Pós-eleitoral e

INTERIGHTS vs Camarões

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Resumo dos Factos: 1. A Participação-queixa havia sido movida contra a República dos Camarões, Estado

Parte17 da Carta Africana, por duas Organizações Não-Governamentais (ONG): a Associação das Vítimas da Violência Pós-eleitoral de 1992 na Região Noroeste, com sede em Bamenda, Camarões; e o Centro Internacional para a Protecção Legal dos Direitos Humanos (INTERIGHTS),18 com sede em Londres, Reino Unido.

2. Na Participação-queixa, os Queixosos defendem que a 23 de Outubro de 1992, em reacção à confirmação, pelo Tribunal Supremo dos Camarões, da vitória do candidato Paul Biya, do Partido Popular Democrático dos Camarões (RDPC), nas eleições presidenciais de 11 de Outubro de 1992, os membros da Frente Social Democrática (SDF), o principal partido da oposição, atacaram os símbolos do Estado e militantes do partido que havia ganho as eleições, na cidade de Bamenda, baluarte desta formação política.

3. Bens pertencentes a militantes do RDPC e a outros cidadãos foram descritos como tendo sido destruídos. Os danos causados aos Senhores Albert Cho Ngafor e Joseph Ncho Adu estimam-se em um milhão de francos CFA relativamente a cada um deles. Cerca de uma centena de outros indivíduos terão sofrido danos na ordem dos 800 milhões de francos CFA.

4. Além do mais, determinadas vítimas, como o Sr. Albert Cho Ngafor, que haviam sido pulverizadas com gasolina, foram submetidas a ataques físicos de natureza grave.

5. Como consequência do sucedido, as autoridades camaronesas prenderam determinados indivíduos, que se presumia serem responsáveis por esses acontecimentos; as referidas autoridades criaram ainda, em Fevereiro de 1993, um Comité responsável pela indemnização a prestar às vítimas.

17 A República dos Camarões ratificou a Carta a 26 de Junho de 1989. 2 A INTERIGHTS goza de Estatuto de Observador junto da Comissão Africana.

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6. Todavia, tendo esperado em vão por indemnização, as vítimas da violência pós-eleitoral de Bamenda organizaram-se numa Associação e levaram a cabo determinadas actividades tendo em vista resolver a questão de forma amigável.

7. Esse método, porém, provou ser infrutífero uma vez que, apesar de promessas firmes feitas pelo Presidente da República, que havia sido abordado no contexto das medidas adoptadas tendo em vista uma resolução amigável, as vítimas da violência não alcançaram resultados concretos.

8. A 13 de Março de 1998, as vítimas dos acontecimentos de Bamenda moveram um recurso contra o Estado camaronês junto da Divisão Administrativa do Tribunal Supremo. O recurso em questão havia sido registado pelo Escrivão dos Tribunais a 22 de Abril de 1998, sob o número 835/97-98.

9. A 16 de Julho de 1998, o Governo dos Camarões reagiu, tendo solicitado ao Tribunal Supremo que declarasse a moção das vítimas de inadmissível e desde essa data o processo ficou bloqueado não obstante todos os esforços envidados pelos advogados dos Queixosos, com apoio de certas autoridades administrativas, como o Administrador do Distrito de Mezam (local de residência das vítimas).

A Queixa:

10. Os Queixosos alegam violação dos Artigos 1, 2, 4, 7 e 14 da Carta Africana pela República dos Camarões. Como consequência disso, os Queixosos solicitam à Comissão Africana que:

Declare a recusa da Divisão Administrativa do Tribunal Supremo dos Camarões em considerar o recurso por eles apresentado contra o Governo dos Camarões como contrária aos princípios do direito a uma justa audiência, tal como estipulado no Artigo 7 da Carta Africana e nas disposições relevantes de outros instrumentos internacionais de direitos humanos.

Note que o Governo dos Camarões não cumpriu com a sua obrigação de proteger a integridade física (Artigo 4) e os bens (Artigo 14) de indivíduos a residir no seu território ou sob sua jurisdição;

Solicite ao Governo dos Camarões para que pague uma indemnização pelos danos sofridos pelas vítimas da violência pós-eleitoral em Bamenda;

Peça ao Governo dos Camarões que promulgue legislação positiva visando assegurar uma indemnização justa, equitativa e célere relativamente às vítimas das violações dos direitos humanos, e que assegure que as violações dos direitos humanos cometidas em Bamenda não voltem a ocorrer nos Camarões.

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O Procedimento: 11. A Participação-queixa, recebida no Secretariado da Comissão Africana a 04/04/2003

foi registada sob o N° 272/2003, para consideração pela Comissão Africana na sua 33ª Sessão Ordinária (15-29 de Maio, em Niamey, Níger).

12. Por carta com a referência CADHP/COMM/2 de 15 de Abril de 2003, o Secretariado da Comissão Africana notificou os Queixosos a acusar a recepção da Participação-queixa.

13. Durante a sua 33ª Sessão Ordinária, a Comissão Africana examinou a Queixa e

decidiu tomar conta do caso. A consideração quanto a admissibilidade foi adiada para a 34ª Sessão Ordinária agendada para ter lugar em Banjul, Gâmbia, de 7 a 21 de Outubro de 2003.

14. Por carta e por Nota Verbal de 27 de Junho de 2003, o Secretariado da Comissão

Africana informou os Queixosos e o Estado Respondente da decisão da Comissão Africana.

15. A 5 de Agosto de 2003, o Secretariado recebeu um memorando dos Queixosos

quanto a admissibilidade da Queixa, tendo-o enviado ao Estado Respondente por Nota Verbal datada de 6 de Agosto de 2003, fazendo-o lembrar de que deveria enviar o seu próprio memorando ao Secretariado o mais cedo possível.

16. Por Nota Verbal de 14 de Outubro de 2003, o Ministério dos Negócios

Estrangeiros da República dos Camarões solicitou informações adicionais e mais tempo para preparar o respectivo memorando quanto a admissibilidade do caso.

17. Por carta de 17 de Outubro de 2003, o Secretariado contactou os Queixosos a solicitar que prestassem as informações adicionais de que o Estado Respondente necessitava. Os Queixosos cumpriram sem demora, tendo o pedido do Estado Respondente sido satisfeito a 30 de Outubro de 2003.

18. Durante a sua 34ª Sessão Ordinária, que se realizou em Banjul, Gâmbia, de 6 a 20

de Novembro de 2003, a Comissão Africana examinou a Queixa e ouviu as Partes. Na sequência disso, a Comissão Africana adiou a sua decisão quanto a admissibilidade do caso para a sua 35ª Sessão Ordinária.

19. Por Nota Verbal e por carta de 16 e 17 de Dezembro de 2003 respectivamente, o

Secretariado da Comissão Africana informou as Partes, fazendo recordar o Estado Respondente que o seu memorando quanto a admissibilidade continuava em atraso.

20. Por carta datada de 16 de Março de 2004, e recebida no Secretariado da Comissão

a 18 de Março de 2004, os Queixosos enviaram uma missiva a transmitir argumentos adicionais em resposta aos argumentos orais formulados pelo Estado Respondente na 34ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 6 a 20 de Novembro de 2003.

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21. A 19 de Março de 2004, o Secretariado da Comissão Africana enviou uma Nota Verbal ao Estado Respondente, fazendo-o recordar que deveria enviar os seus comentários quanto a admissibilidade da Queixa.

22. Por Nota Verbal datada de 6 de Abril de 2004 e recebida no Secretariado da

Comissão Africana , o Estado Respondente, referindo-se à Nota Verbal que lhe havia sido enviada a 16 de Dezembro de 2003, informou o Secretariado que o caso, do qual a Comissão Africana havia decidido tratar e que opunha esse mesmo Estado Respondente aos Queixosos, continuava pendente junto da Divisão Administrativa do Tribunal Supremo dos Camarões, a qual havia adiado o referido caso para 26 de Maio de 2004.

23. Durante a sua 35ª Sessão Ordinária, realizada em Banjul, Gâmbia, de Maio a Junho

de 2004, a Comissão Africana examinou a Queixa e ouviu as Partes quanto a admissibilidade do caso. Nessa ocasião, o Estado Respondente apresentou ao Secretariado da Comissão Africana, por escrito, o seu memorando quanto a admissibilidade do caso. Por seu turno, o Secretariado remeteu o memorando à Parte Queixosa por carta datada de 17 de Novembro de 2004.

24. Durante a sua 36ª Sessão Ordinária, que se realizou em Dacar, Senegal, de

Novembro a Dezembro de 2004, a Comissão Africana considerou a Queixa, tendo-a declarado Admissível.

25. Por cartas datadas de 20 de Dezembro de 2004, o Secretariado da Comissão

Africana notificou as Partes daquela decisão, tendo solicitado a ambas os seus argumentos quanto ao mérito do caso o mais cedo possível.

26. A 30 de Março de 2005, os argumentos do Estado Respondente quanto aos méritos

da Participação-queixa haviam sido recebidos no Secretariado da Comissão Africana por intermédio de uma Nota Verbal datada de 16 de Março de 2005.

27. A 14 de Abril de 2005, o Secretariado da Comissão acusou a recepção do

memorando do Estado Respondente quanto aos méritos da Participação-queixa e na mesma data enviou-o à Parte Queixosa para uma reacção.

28. A 3 de Outubro de 2005, o Queixoso enviou a respectiva réplica às observações do

Estado Respondente quanto aos méritos da Queixa, por carta datada de 26 de

Setembro de 2005. A 13 de Outubro de 2005, o Secretariado acusou a recepção da carta.

29. A 30 de Novembro de 2005, esse documento havia sido enviado, com aviso de

recepção, à delegação do Estado Respondente que participava na 38ª Sessão Ordinária da Comissão.

30. Durante a mesma Sessão (21 de Novembro - 5 de Dezembro de 2005, Banjul,

Gâmbia), a Comissão Africana examinou a Queixa e na falta de qualquer reacção por parte do Estado Respondente relativamente aos argumentos da Parte Queixosa

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quanto aos méritos do caso, adiou, nesta altura, a sua decisão para a 39ª Sessão Ordinária.

31. A 7 de Dezembro de 2005, tal decisão foi notificada às Partes, e o Estado

Respondente em particular havia sido convidado a enviar a sua reacção aos argumentos do Queixoso dentro de 3 meses.

32. Na havendo qualquer reacção por parte do Estado Respondente, foi-lhe enviada a 23

de Março de 2006 uma nota, fazendo-o recordar do pedido que havia sido feito. 33. Por Nota Verbal datada de 29 de Março de 2006, e recebida pelo Secretariado da

Comissão Africana a 13 de Abril de 2006, o Estado Respondente transmitiu a sua reacção aos argumentos que a Parte Queixosa havia apresentado quanto aos méritos do caso.

34. O Secretariado transmitiu esses argumentos à Parte Queixosa a 8 de Maio de 2006. 35. Numa Nota Verbal datada de 30 de Junho de 2006 e por carta datada de 30 de

Junho de 2006, as Partes foram, respectivamente, informadas de que durante a sua 39ª Sessão Ordinária, a Comissão Africana havia decidido adiar o caso para a sua 40ª Sessão Ordinária agendada para ter lugar em Banjul, Gâmbia, de 15 a 29 de Novembro de 2006.

36. A 4 de Outubro de 2006, o Secretariado da Comissão recebeu um memorando da

Parte Queixosa como tréplica aos argumentos, quanto aos méritos, formulados pelo Estado Respondente relativamente à Participação-queixa.

37. Durante a sua 40ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 15 a 29 de

Novembro de 2006, a Comissão Africana decidiu adiar o caso para a sua 41ª Sessão Ordinária agendada para Acra, Gana, de 16 a 30 de Maio de 2007, para uma decisão quanto aos méritos do caso.

38. Numa Nota Verbal datada de 31 de Janeiro de 2007 e por carta datada de 31 de

Janeiro de 2007, as Partes foram informadas sobre o adiamento do caso para a 41ª Sessão Ordinária da Comissão Africana, agendada para se realizar em Acra, Gana, de 16 a 30 de Maio de 2007.

39. Durante a sua 41ª Sessão Ordinária realizada em Acra, Gana, a Comissão Africana

remeteu a Participação-queixa para a 42ª Sessão Ordinária tendo em vista uma decisão quanto aos méritos do caso.

40. Por Nota Verbal datada de 15 de Junho de 2007 e por carta com a mesma data, as

Partes visadas na Participação-queixa foram informadas do adiamento do caso para a 42ª Sessão Ordinária da Comissão agendada para Brazzaville, Congo, de 14 a 28

de Novembro de 2007.

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41. Numa Nota Verbal datada de 11 de Setembro de 2007, ao Estado Respondente foi feito recordar que a Participação-queixa havia sido remetida para a 42ª Sessão Ordinária.

42. Por carta datada de 13 de Setembro de 2007, à Parte Queixosa foi feito recordar

que a Participação-queixa havia sido remetida para a 42ª Sessão Ordinária. 43. As Partes foram, respectivamente, informadas por Nota Verbal e por carta datadas

de 19 de Dezembro de 2007 sobre o adiamento da decisão quanto aos méritos, para a 43ª Sessão Ordinária da Comissão a ter lugar em Ezulwini, Reino da Suazilândia, de 15 a 29 de Maio de 2008.

44. Numa Nota Verbal datada de 18 de Março de 2008 e por carta datada de 20 de

Março de 2008, às Partes foi feito recordar o adiamento do caso para a 43ª Sessão Ordinária da Comissão. As Partes foram, no entanto, informadas da mudança de datas da referida sessão, cuja realização passou a ser de 7 a 22 de Maio de 2008, em vez de 15 a 29 de Maio, tal como havia sido inicialmente anunciado.

45. Numa Nota Verbal datada de 24 de Outubro de 2008, o Secretariado informou o

Estado Respondente a respeito do adiamento, para a 44ª Sessão Ordinária agendada para ter lugar em Abuja, Nigéria, de 10 a 24 de Novembro de 2008, das considerações a serem feitas quanto à decisão sobre os méritos da Participação-queixa.

46. Na mesma data de 24 de Outubro de 2008, os Queixosos foram informados por

carta do adiamento do exame da Participação-queixa, quanto aos seus méritos, para a 44ª Sessão Ordinária da Comissão Africana.

47. Após exame da Participação-queixa na 44ª Sessão Ordinária realizada em Abuja na

República Federal da Nigéria, a Comissão Africana adiou a reexaminação para a 45ª Sessão Ordinária agendada para Banjul, Gâmbia, de 13 a 27 de Maio de 2009 a fim de se considerarem novos acontecimentos na área do direito internacional.

48. Numa Nota Verbal datada de 21 de Dezembro de 2008 e por carta com a mesma

data, o Secretariado informou as Partes da Participação-queixa sobre o adiamento do caso para a 45ª Sessão Ordinária agendada para ter lugar de 13 a 27 de Maio de 2009. Em aditamento a isso, fez-se novamente recordar as partes por meio de Nota Verbal datada de 23 de Abril de 2009 e por carta com a mesma data.

49. As Partes da Participação-queixa foram informadas, numa Nota Verbal e por carta

datada de 11 de Junho de 2009, que a questão havia sido adiada para a 46ª Sessão Ordinária da Comissão, agendada para ter lugar em Banjul, Gâmbia, de 11 a 25 de Novembro de 2009.

A Lei: Admissibilidade:

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50. A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos estipula no seu Artigo 56 que as Participações-queixa mencionadas no Artigo 55 deverão, necessariamente, para que possam ser consideradas, ser enviadas após terem sido esgotados todos os recursos ou instâncias de Direito Interno, caso existam, a menos que o procedimento de esgotamento de tais recursos se prolongue de forma anormal.

51. No presente caso, o Queixoso, embora admitindo que o caso esteja ainda a ser considerado pelas autoridades judiciais do Estado Respondente que haviam tomado conta desse mesmo caso, defende que os procedimentos são indevidamente prolongados e que nessas circunstâncias o requisito de que se esgotem os recursos ou instâncias de Direito Interno, tal como estipulado no Artigo 56 da Carta Africana, não se deve aplicar.

Argumentos da Parte Queixosa quanto a admissibilidade do caso: 52. Em apoio a esse argumento, o Queixoso defende no memorando por si elaborado

quanto a admissibilidade, datado de 05 de Agosto de 2003, que o Queixa havia sido apresentada junto da Comissão Africana cinco anos após ter sido colocada perante a Divisão Administrativa do Tribunal Supremo do referido Estado e que até à presente data permanecia sem resposta.

53. No memorando atrás citado, o Queixoso defende ainda que as alegadas vítimas

constantes da Queixa haviam apresentado diversos argumentos junto das autoridades administrativas e políticas do Estado Respondente, que se revelaram infrutíferos, visando uma solução fora da alçada dos tribunais. As alegadas vítimas apresentaram a 13 de Março de 1998 um recurso junto da Divisão Administrativa do Tribunal Supremo visando a responsabilização do Estado dos Camarões. A 12 de Agosto de 1998, essa Divisão remeteu aos Queixosos uma declaração de defesa. Desde essa data, e apesar da reacção dos Queixosos (27 de Agosto de 1998) e dos inúmeros lembretes, os Queixosos não receberam da Divisão Administrativa do Tribunal Supremo quaisquer outras informações relativas ao caso, não obstante a legislação processual nacional3 estipular que uma vez concluída a gama de argumentos, os casos apresentados deverão ser encerrados nos 5 meses que se seguem. Passaram-se 5 anos sem que houvesse qualquer reacção da Divisão Administrativa do Tribunal Supremo.

54. É por essa razão, defende o Queixoso, que embora os recursos ou instâncias de

Direito Interno se encontrem disponíveis, eles «de nenhuma forma respondem ao imperativo de eficácia que é a sua razão de ser». Acrescenta o Queixoso que a Divisão Administrativa do Tribunal Supremo está ao par deste tipo de práticas, razão pela qual os Camarões foram condenados pela Comissão Africana 4 (por um caso que esteve pendente durante 12 anos perante o Tribunal de Recurso de Yaoundé) e pela Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos5

3 Cf. Lei No 75/17 de 08/12/1975 relativa ao procedimento perante o Tribunal Supremo. 4 Participação-queixa 59/91 : Louis Emgba Mekongo/Camarões 5 Participação-queixa 630/1995 : Abdoulaye Mazou/Camarões

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(relativamente a um caso que permaneceu pendente perante a Divisão Administrativa do Tribunal Supremo por mais de 4 anos).

55. Numa audiência durante a 34ª Sessão Ordinária da Comissão Africana, a Parte

Queixosa havia reiterado esses argumentos, insistindo no facto de que a apresentação do caso perante a Comissão Africana havia contribuído em grande medida para o reavivar do caso pelas autoridades legais após todos estes anos de inacção.

56. Num memorando contendo informações adicionais quanto a admissibilidade,

datado de 18 de Março de 2004, o Queixoso recordou que o Estado Respondente havia sido condenado pela Comissão Africana e pela Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas devido à morosidade do seu sistema judicial. Os atrasos, que não podem ser atribuídos ao subdesenvolvimento dos Camarões, mas antes, de acordo com o Queixoso, «à ineficiência das autoridades nacionais camaronesas, quer legais, quer administrativas», não são apenas contrárias à Carta Africana mas também aos princípios do direito a uma justa audiência, adoptados pela Comissão Africana.

57. O Queixoso reitera ainda que a violação, segundo ele, pela Divisão Administrativa

do Tribunal Supremo, dos regulamentos que estipulam que uma vez completa a troca de memorandos, essa mesma Divisão deve encerrar o processo dentro de 5 meses, dado que desde Agosto de 1978 os Queixosos não haviam recebido quaisquer notícias da referida Divisão apesar dos diversos lembretes, e, ainda de acordo com os Queixosos, não obstante o facto de que os Juízes desse Tribunal terem «perfeito conhecimento das implicações de tal procedimento relativamente aos Queixosos».

58. A Parte Queixosa denuncia ainda a atitude dos que detêm o poder, que haviam feito

promessas que nunca culminaram em resultados, mas acima de tudo as insuficiências das Autoridades Camaronesas reveladas pelo mau funcionamento da Comissão responsável por indemnizar as vítimas da violência (Comissão essa sob a tutela do Gabinete do Primeiro Ministro) e que havia sido criada no contexto dos esforços visando alcançar uma solução amigável do problema. A Comissão, afirma o Queixoso, era um dos recursos ou instâncias de Direito Interno à disponibilidade das vítimas. Todavia, 12 anos após a sua criação e 11 anos após ter ouvido as vítimas, essa Comissão ainda não havia apresentado o seu relatório. Uma vez mais, conclui o Queixoso, o atraso é anormalmente prolongado. Por conseguinte, o Queixoso implora à Comissão Africana que declare a Queixa admissível.

Argumentos do Estado Respondente quanto a admissibilidade do caso : 59. Por sua vez, o Estado Respondente havia alegado durante a audiência perante a

Comissão Africana na sua 34ª Sessão Ordinária, que os atrasos observados na administração da justiça nos Camarões devem-se ao subdesenvolvimento do país e não a uma vontade deliberada do governo em impedir essa mesma administração.

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60. O Estado Respondente reiterou esse ponto durante uma audiência da Comissão Africana no decurso da sua 35ª Sessão Ordinária. No memorando quanto a admissibilidade apresentado nessa ocasião, o Estado Respondente alega que a Queixa se encontra ainda em consideração perante um dos tribunais nacionais da mais alta instância o qual, certamente, conta com bastante trabalho em atraso, estando todavia ao par da situação e que as Partes necessitam que o caso seja concluído pelas autoridades legais do país. Assim, a 25 de Fevereiro e a 31 de Março de 2004, a Divisão Administrativa do Tribunal Supremo realizou duas Sessões Ordinárias. O debate sobre o caso em questão, agendado para 31 de Março de 2004, foi adiado para 26 de Maio de 2004 a pedido dos advogados dos Queixosos.

61. O Estado Respondente salientou ainda que por essas razões, o Queixoso não devia

falar de demoras anormalmente longas no âmbito do sistema de justiça dos Camarões, em particular quando a «presente demora não é atribuível ao Tribunal a cargo da questão, mas antes à própria Parte Queixosa».

62. Consequentemente, o Estado Respondente solicita à Comissão Africana que declare

a Participação-queixa inadmissível. Análise da Comissão Africana quanto a admissibilidade 63. A Comissão Africana considera que a Parte Queixosa, antes de ter comparecido

perante a Comissão, havia iniciado o uso de recursos disponíveis a nível local. O procedimento perante a Divisão Administrativa do Tribunal Supremo levou 5 anos sem que os Queixosos tivessem obtido qualquer resposta, contrariamente aos regulamentos em vigor e apesar das inúmeras notas que haviam sido enviadas, a fazer lembrar o referido Tribunal. A Comissão Africana considera, portanto, que a demora por parte do Tribunal quanto ao tratamento do caso foi anormalmente prolongada.

64. No que se refere à Comissão de Indemnizações criada sob a tutela do Gabinete do Primeiro-Ministro, a sua forma de operar foi bastante ineficiente uma vez que 12 anos após ter sido criada e 11 anos depois de ter ouvido as vítimas, não havia ainda publicado o respectivo relatório. Também neste caso, a Comissão Africana considera que essa Comissão ad hoc, cuja criação se destinava a alcançar uma solução amigável da questão, havia registado demoras excessivas na sua forma de operar.

65. O Estado Respondente alega que as autoridades legais continuam conscientes do

caso a nível nacional, mas a Comissão Africana considera excessivas as demoras por parte da Divisão Administrativa do Tribunal Supremo dos Camarões.

66. A Comissão Africana faz ainda notar que a reintrodução do processo perante a

Divisão Administrativa do Tribunal Supremo em Fevereiro de 2004, nomeadamente após uma lacuna de 5 anos, apenas ocorreu depois da apresentação de uma Queixa (à Comissão Africana) pelas vítimas em Abril de 2003 e depois da decisão dessa mesma Comissão relativamente a essa Queixa em Maio de 2003 (33ª Sessão

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Ordinária ), assim como a audiência, envolvendo as Partes do caso, em Novembro de 2003 durante a sua 34ª Sessão Ordinária. Isto levou a Comissão Africana a presumir que a reintrodução do processo não foi acidental, mas antes devido à acção movida pelas vítimas perante a Comissão Africana.

67. A Comissão Africana considera que os Estados Partes têm a obrigação de

administrar, nos respectivos territórios, uma justiça clara e diligente de modo a dar uma satisfação aos Queixosos no mais curto espaço de tempo possível, em conformidade com as disposições relevantes da Carta Africana e com as directivas e princípios do direito a uma justa audiência em África.

68. No presente caso em particular, a Comissão nota que após 5 anos, a Divisão

Administrativa do Tribunal Supremo do Estado Respondente não havia dado qualquer resposta aos Queixosos, apesar dos diversos apelos feitos por carta. O Estado Respondente admitiu este facto, atribuindo-o à falta de recursos. A consideração do caso na realidade teve o seu reinício há pouco tempo, mas pode-se concluir de forma razoável que essa consideração foi em larga medida resultado da acção movida pelas vítimas junto da Comissão Africana. Considerando que esse não deve ser o caso, isto é, a justiça a ser administrada pelos Estados Partes não deve esperar que a Comissão Africana tome conta de um caso antes que este seja tratado de forma integral, clara e diligente. Não foi isto o que se verificou com a Divisão Administrativa do Tribunal Supremo do Estado Respondente.

69. No que se refere à Comissão de Indemnizações, uma instituição ad hoc destinada a

resolver o problema amigavelmente a nível nacional, ela revelou ter limitações por não ter produzido qualquer relatório após 12 anos de existência. O Estado Respondente não refuta essas alegações, o que permite acreditar serem as mesmas verdadeiras. Por conseguinte, a Comissão Africana considera que esse recurso não é efectivo nem satisfatório.

70. Por essas razões, a Comissão Africana declara a Participação-queixa admissível. Os méritos: 71. Em conformidade com as Regra 120 das Regras de Procedimento da Comissão

Africana, quando uma Participação-queixa apresentada ao abrigo do Artigo 55 da Carta seja declarada admissível, a Comissão «procede ao exame da mesma à luz de todas as informações que o Queixoso e o Estado Respondente em questão tenham apresentado por escrito, e faz as suas observações sobre a matéria».

72. Torna-se aparente, a partir do processo, que as partes tiraram as suas conclusões

quanto aos méritos do caso em 30 de Março de 2005, e que as informações prestadas pelas Partes relativamente à Participação-queixa e apensas ao processo são suficientes para permitir uma decisão quanto aos seus méritos.

CONCLUSÕES DOS QUEIXOSOS QUANTO AO MÉRITO

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73. Os Queixosos pedem à Comissão Africana que declare que o Estado dos Camarões em violação das disposições relevantes da Carta Africana e em particular dos seus Artigos 1, 2, 4, 7 e 14, devendo, em consequência disso, declarar o Estado dos Camarões como tendo obrigação de pagar uma indemnização pelos prejuízos sofridos pelas vítimas dos acontecimentos posteriores às eleições de 1992.

74. A Comissão é, por conseguinte, obrigada a examinar as alegadas violações com base

nos factos e na lei.

SOBRE A VIOLAÇÃO DO ARTIGO 1 DA CARTA AFRICANA 75. Nos termos do Artigo 1 da Carta Africana, «os Estados membros da Organização de

Unidade Africana, Partes na presente Carta, reconhecem os direitos, deveres e liberdades enunciados na presente Carta e comprometem-se a adoptar medidas legislativas ou outras para a sua aplicação.». OS ARGUMENTOS DOS QUEIXOSOS RELATIVAMENTE À VIOLAÇÃO DO

ARTIGO 1 DA CARTA AFRICANA 76. Do ponto de vista da violação do Artigo 1, os Queixosos sustentam:

i. Que a Carta Africana enuncia no seu Artigo 1 uma obrigação geral no que se

refere à protecção dos direitos. Neste contexto, tal como «a maioria dos tratados de direitos humanos, que para além de exigirem que os Estados Partes se abstenham de todas as violações ou restrições não autorizadas dos direitos aí proclamados, obriga-os a tomar medidas positivas que garantam a mais ampla protecção possível dos indivíduos sob sua jurisdição».

ii. Que, se o reconhecimento a que se refere o Artigo 1 da Carta, «confere

universalidade 6 aos direitos garantidos, a tomada de medidas apropriadas permite que assumam eficácia real». Que a Comissão teve oportunidade de sublinhar este tipo de aspecto durante o exame de um caso relacionado com as actividades de um consórcio petrolífero no Sul da Nigéria ao reafirmar que a Carta Africana vinha criando um certo número de obrigações por parte dos Estados Partes, que incluem, em particular «a responsabilidade de respeitar, proteger, promover e aplicar7» os direitos que enunciar antes de especificar que «os governos têm a responsabilidade de proteger os seus cidadãos, não apenas mediante a adopção de legislação apropriada e a sua aplicação eficaz, mas também de proteger esses mesmos cidadãos de actividades prejudiciais que possam ser perpetradas por entidades privadas. Essa responsabilidade requer acção positiva da sua parte».

6 Ver Juan Antonio Carrillo Salcedo «Artigo 1» na Convenção Europeia dos Direitos Humanos: Comentário. Artigo por artigo sob a direcção de Louis Edmond Pettiti, Emmanuel Decaux e Pierre-Henry Imbert, Edição Economica 1999 página 141 «o uso da palavra no artigo 1 reconhece preferivelmente termos tais como proteger ou respeitar, o que sugere que os direitos reconhecidos possuem um valor erga omnes.» 7 Participação-queixa 155/96 Action Centre for Economic and Social Rights vs Nigéria, parágrafo 44.

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iii. Que a interpretação pela Comissão do Artigo 1 da Carta Africana pode ser

comparada à da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas relativamente ao Artigo 2 da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (CDH)8, interpretação em que a CDH afirma que a disposição contida no Artigo 2 abrange uma obrigação de «carácter absoluto» com «efeito imediato»9 exigindo que os Estados Partes tomem «medidas legislativas, judiciais, administrativas, educacionais e outras que sejam apropriadas para o cumprimento dessas obrigações».10

iv. Que a Comissão tem de julgar que a recusa ou a negligência das autoridades de

um Estado Parte em proteger jornalistas e activistas de direitos humanos contra repetidos ataques (assédio, prisões arbitrárias, assassínio, tortura) pelas forças de segurança e por grupos não identificados constituem uma violação da referida Carta, mesmo se esse Estado ou as suas entidades não (tenham sido) os perpetradores directos dessa violação.»11

v. Que a presente Participação-queixa confere à Comissão a oportunidade de

esclarecer o significado e o âmbito das «acções positivas» que os Estados devem levar a cabo de modo a conformar com as condições da Carta Africana, e isto em resposta à afirmação proferida pelas autoridades camaronesas, segundo as quais a aplicação de «todos os meios legais, técnicos, humanos e materiais à sua disposição para controlo dos acontecimentos de Barmenda, posteriores às eleições de 1992, isenta-as das obrigações que lhes estão atribuídas».

vi. Que a Carta Africana impõe, de forma real e verdadeira, uma obrigação

resultante e não de diligência relativamente aos Estados Partes em garantir às vítimas dos acontecimentos de Outubro de 1992 o usufruto e o exercício efectivos dos direitos que proclamam e cujo desrespeito deu azo ao direito de indemnização das vítimas ou dependentes seus, e implica, para o Estado dos Camarões, a responsabilidade de indemnizar e a liberdade de agir contra o perpetrador ou perpetradores da violação.

vii. Que, efectivamente, nos casos em que a Comissão não tenha tido inúmeras

oportunidades de tomar uma decisão quanto ao contexto exacto do Artigo 1 da Carta12, no entanto, essa mesma Comissão salientou que o referido Artigo constitui a base dos direitos reconhecidos pela Carta Africana na medida em que confere a esta natureza legalmente vinculativa, geralmente atribuída a tratados

8 Ver Nota No. 22 9 General Observation No. 31 «a natureza da obrigação legal imposta aos Estados Partes da Convenção»

da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, CCPR/C/21/Rev. 1/Ad. 13. Op. Cit. Parágrafo 14. 10 Cf. General Observation No. 31 «a natureza da obrigação legal imposta aos Estados Partes da Convenção» da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, CCPR/C/21/Rev.1/Ad. 13. Op. Cit. Parágrafo 7 11 Cf. Participação-queixa 74/92 National Human Rights and Liberties Commission contra o Chade, Parágrafo 35. 12 Ver Participações-queixa: No. 74/92; No. 137/94; No. 48/90; No. 50/91; No. 52/91; No. 89/93; No. 139/94; No. 154/96; No. 161/97; No. 147/95; No. 149/96; No. 155/96; No. 211/98; No.b223/98.

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internacionais do género, e que qualquer violação de uma das suas disposições representaria automaticamente uma violação do Artigo 1.»13

RELATIVAMENTE À VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 2, 4, 7 e 14 DA CARTA AFRICANA

77. No que se refere à violação dos Artigos 2, 4, 7 e 14, torna-se aparente que os Queixosos ligam-na à importância que o Artigo 1 representa no presente caso, uma vez que de acordo com os Queixosos, dado que o Artigo 1 é «o único que define o âmbito das obrigações legais contraídas pelos Estados Partes em relação à Carta, por conseguinte permitindo a correcta interpretação das obrigações contidas nas demais disposições do Tratado Continental». Assim, os Queixosos sustentam que se for lido de forma isolada, o Artigo 1 da Carta compromete os Estados Partes a tomar todas as medidas legislativas necessárias, permitindo a protecção efectiva dos direitos e liberdades contidos na Carta, isto é, para evitar ou pelo menos minimizar todos os riscos de violação do exercício ou usufruto desses direitos, e conjuntamente com outras disposições relevantes da Carta, a obrigação de se evitarem violações impõe aos Estados Partes obrigações tais como:

Tomada de medidas preventivas;

Tomada de medidas de modo a que o usufruto e o exercício dos direitos não sejam prejudicados por medidas de arresto14 ou de expropriação que não sejam ditadas pela satisfação do interesse geral ou por um interesse público ou até mesmo o saque ou a destruição de bens de pessoas físicas ou entidades legais;

Adopção de legislação que torne possível evitar, reprimir e punir violações da vida, mas também «tomar medidas preventivas de natureza prática visando proteger o indivíduo cuja vida esteja ameaçada por acções de outrem».15

78. Assim, os Queixosos sustentam:

i. Que o Artigo acima mencionado havia sido violado pelo Estado dos Camarões por este não ter cumprido com as suas obrigações de tomar medidas preventivas adequadas, se não para evitar ou prevenir os acontecimentos em causa, pelo menos para reduzi-los a zero. Em apoio a este raciocínio, os Queixosos realçam que as autoridades camaronesas sabiam que os acontecimentos de Bamenda iriam ter lugar e que diversas individualidades haviam falado a respeito das ameaças vindas da Frente Social Democrática (SDF) contra a segurança de pessoas e bens na província.

ii. Que o então primeiro-ministro, Sr. Achidi Achu, havia aludido a essas ameaças no discurso de campanha por ele proferido em Kumbo, Província do Noroeste, a

13 Cf. Participação-queixa No. 147/95 and 149/96 Sir Dawda K. Jawara contra a Gâmbia, parágrafo 46. 14 Cf. Participação-queixa No. 140/94, 141/94 et 145/95 Constitutional Rights Project, Civil Liberties Organization e Media Rights Agenda vs Nigéria, parágrafo 54. 15 Cf. CEDH, Affaire Kilic vs Turquia, 28 de Março de 2000, parágrafo 62.

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6 de Outubro de 1992.16 As referidas ameaças havia sido posteriormente mencionadas pelo Ministro da Comunicação e pelo porta-voz do governo numa conferência de imprensa sobre a situação política do país durante a qual ele referiu-se à existência de um arsenal provisório do SDF, estimado em 300 pistolas e 600 armas de combate.17 Para além do mais, numa entrevista concedida ao diário, Cameroon Tribune, o secretário-geral do partido dirigente, RDPC, pôs a descoberto «o plano diabólico» urdido no início do mês de Outubro pela oposição visando a tomada do poder.18 Além disso, as ameaças feitas directamente contra todos aqueles que apoiam o partido dirigente, e as diversas queixas recebidas pelo governador da Província do Noroeste, vindas de cidadãos que desejavam obter protecção do governo, provam o facto de que as autoridades administrativas territoriais haviam sido informadas sobre os planos da SDF.

iii. Que não obstante esses avisos prévios, o Governo dos Camarões, não tendo tomado as medidas adequadas para se evitarem os acontecimentos de Outubro de 1992, violou, por conseguinte, mesmo de forma passiva, os seus deveres de prevenção contidos no Artigo 1 da Carta Africana. O Estado dos Camarões não chamou à justiça os que perpetraram essas atrocidades, nem tão pagou indemnização pelos danos sofridos pelas vítimas cujo direito a recursos eficazes foi violado.

iv. Que, em consequência disso, a Comissão deve solicitar às autoridades

camaronesas, em conformidade com a sua própria jurisprudência,19 a que pague uma indemnização em face da longa demora por parte da Administração da Justiça em examinar o caso dos Queixosos. Em conclusão, a Comissão é solicitada a rejeitar os argumentos do Governo Camaronês; a tomar nota da violação dos Artigos 1, 4, 7 e 14 da Carta Africana; a solicitar ao Governo dos Camarões que mova uma acção judicial contra os que perpetraram as atrocidades que tiveram lugar entre 23 e 27 de Outubro de 1992; e a determinar, na base das provas apresentadas, o montante da indemnização a ser paga às vítimas em função dos danos por estas sofridos. Os Queixosos solicitam ainda à Comissão que peça ao Estado dos Camarões que altere as leis que sejam incompatíveis com as disposições da Carta Africana e fixe um prazo para o Estado dos Camarões, relativamente à aplicação de qualquer decisão que a Comissão possa tomar relativamente à presente questão.

A ESSÊNCIA DOS ARGUMENTOS DO ESTADO RESPONDENTE EM

RELAÇÃO À VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 1, 2, 4, 7 e 14 DA CARTA AFRICANA

16 Cf Camarões Tribune No. 5231, com a data de 7 Outubro de 1992, página 16. 17 Cf. «The Minister Kontchou Kouamegni reacts to the SDF strategy of chaos» in Cameroun Tribune No. 5246 de 26 de Outubro de 1992. Página 4. 18 Cf. Cameroun Tribune No. 5231 com a data de 7 de Outubro de 1992, página 8. 19 Ver Participação-queixa 211/98 Legal Resources Foundation vs Zimbabué.

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79. Por seu turno, o Estado Respondente argumenta que as violações a que os Queixosos aludem são totalmente infundadas uma vez que o Estado dos Camarões não privou, no presente caso, quaisquer dos Queixosos do direito do respeito à vida e à integridade física, nem ao direito de propriedade. O Estado dos Camarões tomou medidas visando salvar a vida e os bens de indivíduos durante o que pode ser designado de acontecimentos de Bamenda.

80. Para além do mais, o Estado Respondente faz saber que o presente caso em

particular ocorreu no contexto dos chamados anos de agitação democrática, durante os quais os Camarões passaram por determinados momentos de agitação como resultado do retorno ao sistema pluripartidário e à restituição das liberdades individuais. Por essa razão, de Maio de 1990 a Dezembro de 1992, e devido à organização de duas importantes eleições, primeiro as legislativas e depois as presidenciais, houve perturbação da lei e da ordem públicas em todo o país, por conseguinte dando azo a enormes perdas de vidas e a importantes danos materiais.

81. De acordo com o Estado Respondente, o caso específico de Bamenda, que assumiu

grandes proporções, ocorreu entre 23 e 30 de Outubro de 1992, tendo sido marcado acentuadamente pela dificuldade do Estado em manter a lei e a ordem. O Estado Respondente sustenta ainda que no caso de Bamenda, a aplicação do mandato visando proteger pessoas e bens mediante o uso das forças da lei e da ordem, havia sido reforçada depois de 23 de Outubro de 1992, data em que os resultados das eleições presidenciais foram proclamados. Assim, cerca de 548 homens haviam sido desdobrados na região de Bamenda com veículos motorizados e outros para a manutenção da lei e da ordem, assim como equipamento adaptado para lidar com a situação no terreno. Todavia, embora os distúrbios posteriores às eleições tivessem tido lugar em outras partes do território, os mesmos foram particularmente violentos em Bamenda onde assumiram a forma de insurreição generalizada, tendo sido instigados por militantes de um partido da oposição, a Frente Social Democrática (SDF).

82. Para além do mais, o Estado Respondente sustenta que:

i. Na sequência da destruição, foi instaurada uma Comissão da Polícia Paramilitar-Polícia-Justiça, a quem foi atribuída a responsabilidade de levar a cabo investigações a respeito de todos os suspeitos que haviam sido detidos. Porém, os indivíduos que havia sido alvo de graves acusações e levados a comparecer perante o Tribunal de Segurança do Estado foram posteriormente postos em liberdade, na sequência de insistentes pedidos de organizações de defensores dos direitos humanos.

ii. O Estado dos Camarões, tendo aplicado com firmeza os recursos legais, técnicos,

humanos e materiais à sua disposição para conter os acontecimentos de Bamenda em 1992, posteriores às eleições, ficou assim isento do dever de

diligência que era responsabilidade sua. Sendo a dimensão dos acontecimentos em causa de natureza de força maior, os mesmos não poderiam ser atribuídos ao Estado dos Camarões.

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iii. Que, em face da indemnização completa ora exigida pelos Queixosos, é de

recordar que a responsabilidade do Estado dos Camarões não podia ser determinada quer nos acontecimentos inesperados de Bamenda, ou na gestão dos mesmos. Por conseguinte, seria extremamente difícil pagar uma indemnização uma vez que não existe nenhuma lei que autorize esse tipo de pagamento, especialmente quando o Estado não é de nenhum modo o autor.

iv. Que, em relação à promulgação de uma lei autorizando o pagamento de uma indemnização justa e equitativa às vítimas de violações dos direitos humanos nos Camarões, na sequência da ocorrência inesperada dos eventos em questão, as seguintes instituições foram sucessivamente accionadas:

Uma organização para o diálogo político a nível nacional denominada Tripartida, sendo constituída pelo Estado, a Sociedade Civil e os Partidos Políticos. A Tripartida tornou possível a realização das alterações constitucionais de 18 de Janeiro de 1996.

Um Comité, designado de Comissão Nacional de Direitos Humanos e Liberdades;

Um Observatório Eleitoral Nacional e o reforço do Conselho Nacional de Comunicações.

v. Que, tomando em consideração todas essas medidas, com todas as devidas

reservas, a Comissão Africana devia declarar a presente Participação-queixa sem fundamento.

ANÁLISE DA COMISSÃO RELATIVAMENTE À NATUREZA E ÂMBITO DA

OBRIGAÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 1 DA CARTA AFRICANA.

83. Como resultado dos argumentos referentes aos factos e à lei que a Parte Queixosa apresentou e a que a Parte Respondente reagiu, a natureza e o âmbito da obrigação contida no Artigo 1 da Carta Africana constituem uma questão de importância especial nesta Participação-queixa. Assim, de acordo com a Parte Queixosa, o Artigo 1 da Carta Africana impõe uma obrigação aos Estados Partes para que tomem medidas que possam produzir resultados concretos. Considerando que se pode deduzir dos argumentos apresentados pela Parte Respondente que as disposições do Artigo 1 da Carta Africana impõem um dever de diligência aos Estados Partes.

84. Cabe, por conseguinte, à Comissão Africana esclarecer a natureza e âmbito desse

Artigo. É evidente que o aspecto legal levantado pelo argumento das duas partes presentes perante a Comissão Africana refere-se à questão de se saber se o Artigo 1 da Carta Africana impõe um dever de diligência ou uma obrigação resultante relativamente aos Estados Partes da referida Carta. Por outra palavras, os Estados Partes da Carta Africana comprometeram-se a tomar medidas que devam produzir determinados resultados em virtude do Artigo 1?

85. Em face da importância desta questão de direito, e da importância que a Parte

Queixosa parece atribuir ao Artigo 1, a Comissão Africana deve, na presente

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Participação-queixa, determinar a natureza legal da obrigação que o Artigo acima referido impõe aos Estados Partes.

DIMENSÃO E ÂMBITO DA OBRIGAÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 1 DA CARTA

86. Relativamente ao âmbito ou dimensão da obrigação imposta pelo Artigo 1 da Carta Africana é importante destacar que tal havia sido esclarecido sui generis20, (de uma maneira distinta) e que a jurisprudência da Comissão é suficientemente abundante nesta área.

87. Assim, de acordo com a jurisprudência da Comissão, o Artigo 1 confere à Carta o

carácter legalmente vinculativo que de uma maneira geral é atribuído a tratados internacionais dessa natureza. A responsabilidade do Estado Parte está estabelecida por virtude do Artigo 1 da Carta em caso de violação de quaisquer disposições dessa mesma Carta. O Artigo 1 coloca os Estados Partes perante a obrigação de fazerem respeitar, proteger, promover e aplicar os direitos.

88. O respeito pelos direitos impõe ao Estado a obrigação negativa de nada fazer para

violar esses mesmos direitos. A protecção tem como alvo a obrigação positiva do Estado de garantir que os indivíduos privados não violem esses direitos. Neste contexto, a Comissão determinou que a negligência de um Estado em garantir a protecção dos direitos da Carta deu azo a uma violação dos referidos direitos, e isso constitui uma violação dos direitos da Carta que será atribuída a esse Estado mesmo quando se estabelece que o Estado propriamente dito ou os seus dirigentes não são directamente responsáveis por tais violações, as quais foram perpetradas por indivíduos privados.21

89. De acordo com a jurisprudência permanente da Comissão, o Artigo 1 impõe

restrições à autoridade das instituições do Estado em relação aos direitos reconhecidos. Esse artigo coloca sobre os Estados Partes a obrigação positiva de prevenir e punir a violação, por indivíduos privados, dos direitos recomendados na Carta. Assim, qualquer acto ilegal levado a cabo por um indivíduo contra os direitos garantidos e não directamente atribuíveis ao Estado, pode constituir, tal como havia sido indicado anteriormente, uma causa de responsabilidade internacional do Estado, não por ele próprio ter praticado o acto em questão, mas por não ter tido a consciência para evitar a sua ocorrência e por não ter sido capaz de tomar as medidas apropriadas para pagar uma indemnização pelos prejuízos sofridos pelas vítimas.22

20 Ver Participações-queixa: No. 74/92 ; No. 137/94 ; No. 48/90 ; No. 50/91; No. 52/91; No. 89/93; No. 139/94; No. 154/96; No. 161/97; No. 147/95; No. 149/96; No. 155/96; No. 211/98; No.b223/98., em que a Comissão Africana teve de esclarecer o âmbito do Artigo 1 da Carta. 21 Participação-queixa 74/92, National Human Rights and Liberties Commission vs Chade; Participação-queixa 155/96, Social and Economic Rights Action Centre and the Centre for Economic and Social Rights vs Nigéria. 22 Participação-queixa 245/2002, Zimbabwe Human Rights NGO Forum vs Zimbabué, parágrafo 143.

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90. No presente contexto de prevenção, o Estado deve levar a cabo investigações de forma a detectar os vários riscos de violência e tomar as necessárias medidas preventivas. O problema aqui não diz propriamente respeito aos actos de violação de direitos, mas antes em saber se o Estado tomou medidas tangíveis para prevenir os riscos iminentes da prática de tais actos. Não se trata de uma questão de se culpar o Estado por falta de consciência relativamente a quaisquer actos perpetrados em relação a direitos garantidos, mas de se saber se o Estado, considerando os riscos iminentes de violações graves, fez uso da devida diligência que era necessária. Nos termos do direito comparado, trata-se da posição tomada pelo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos no caso Vélasquez Rodriguez nos seguintes termos:

91. “um acto ilegal que viole os direitos humanos e que de início não seja

directamente imputável ao Estado (por exemplo, por se tratar do acto de uma pessoa privada ou porque a pessoa responsável não foi identificada) pode resultar na responsabilização internacional do Estado, não por causa do acto propriamente

dito, mas devido à falta da devida diligência em prevenir a violação ou responder a esta tal como exigido pela convenção.”

92. No caso Zimbabwe Human Rights Forum vs Zimbabué, a Comissão havia

indicado e decidido que a doutrina de devida diligência devia ser aplicada consoante cada caso.

SOBRE A NATUREZA DA OBRIGAÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 1 DA CARTA

93. Tendo sido esclarecido o âmbito da obrigação geral do Estado em proteger,

conforme o determinado no Artigo 1 da Carta, torna-se, por conseguinte, necessário determinar a natureza dessa obrigação. Trata-se de uma obrigação de diligência ou de uma obrigação de resultado?

94. Embora pela sua origem a obrigação de diligência e a obrigação de resultado

emanem dos sistemas de direito doméstico, em particular do direito civil continental, tais termos têm vindo a ser usados com frequência em direito internacional desde o século XX.23

95. A obrigação de diligência é quando uma das Partes de um Contrato, coloca à

disposição da outra Parte todos os recursos disponíveis sem, contudo, garantir o resultado que tais recursos produziriam. Assim, no contexto desta obrigação, o devedor compromete-se a envidar todos os esforços para proporcionar ao credor uma dada necessidade, mas sem ser capaz de a garantir. É o caso do médico que se compromete a prestar todo o cuidado necessário a uma paciente seu, sem contudo ser capaz de garantir a recuperação desse mesmo paciente.

96. A afirmação de uma tal responsabilidade tem o efeito de obrigar a Parte em quem repousa a obrigação de diligência a pagar indemnização pelos danos que poderá ter

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causado na execução dessa obrigação. Essa indemnização assume a forma de uma convicção pelo pagamento de danos com juros, isto é, uma obrigação em pagar uma quantia de dinheiro. É neste contexto que surge a noção de obrigações a respeito das quais o Estado Respondente alude ao falar sobre os seus recursos, por um lado, e o corolário dos mesmos, as obrigações de resultado, por outro.

97. Pelo contrário, a obrigação de resultado pressupõe o empenho do devedor em obter um resultado específico. Assim, no contexto desta obrigação, o transportador de um viajante compromete-se a transportar o passageiro do ponto A ao ponto B, são e salvo.

98. No que se refere a provas, a prova de um erro é apenas exigida do Queixoso em caso de obrigações de diligência uma vez que ele tem de provar que o devedor não envidou todos os esforços necessários para obter o sucesso do compromisso. Por outro lado, o credor de uma obrigação de resultado está isento da prestação de tal prova. Com efeito, tudo quanto tem a fazer é determinar que o resultado prometido não foi obtido; o devedor apenas pode obter isenção da sua responsabilidade ao estabelecer que a não execução é devida a circunstâncias fora do seu controlo que não lhe podem ser atribuídas, mas sim a força maior. Força maior representa um acontecimento estranho que é simultaneamente imprevisível e incontrolável e que se situa no âmago de um dano.23

99. Geralmente, em direito internacional, a noção de obrigação de diligência e de

obrigação de resultado emana da interpretação dos Artigos 20 e 21 e da proposta de Artigos da Comissão de Direito Internacional (ILC) no que respeita às responsabilidades dos Estados. É de referir que os comentários a esses dois artigos foram adoptados pela ILC, o que fez com que esta efectuasse uma distinção entre violação das obrigações internacionais citadas como “comportamento” ou “diligência”, e violação das obrigações que de outro modo se designam por “resultado”. 25

100. Ao abrigo do Artigo 20 da Proposta de Artigos da ILC intitulada, “Violação de uma obrigação internacional necessitando de adopção de um comportamento

23 A distinção entre estes dois tipos de obrigações em direito internacional foi pela primeira vez determinada em termos explícitos por D. Donatti, o qual tornou isso num princípio geral ( D. Donati I Trattati internazionali nel diritto costituzionale, Turin, Unione tipografico-editrice torinese, 1906, vol. I . p. 343 et suivant);Tal já havia sido feito de forma implícita por H. Triepel, tendo este realçado a diferença entre direito nacional que é aplicável de imediato, e direito nacional que é internacionalmente pertinente. (H. Triepel, Volkerrecht und Landesrecht, Leipzig Hirschfeld, 1899, p. 299) [édition française : Droit internacional et droit interne, tr. Par R. Brunet, Paris, Pedone, 1920, p. 297] 24Aubert Jean-luc, Introduction to the Law and Fundamental Themes of Civil Law, Paris, Armand Colin, 1995 N°244 P.252 25 Yearbook of the Internacional Law Commission, 1977, Vol II, Part 2, página 12 em diante. 26 Request No. 9024/80, CEDH, (1985) Série A, vol. 89

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específico e pré-determinado quando o comportamento do referido Estado varia consoante o comportamento especificado ao abrigo dessa obrigação”.

101. A respeito do Artigo 21 da Proposta de Artigos da ILC intitulada, “Violação de

uma obrigação internacional necessitando o alcance de um resultado específico, a disposição estipula que:

“1) Um Estado viola uma obrigação que exige dele a escolha de um determinado resultado se, mediante o comportamento exibido, o Estado não assegura a realização do resultado esperado que dele se exige nos termos dessa obrigação.

2) Se o comportamento do Estado criou uma situação que não conforma com o resultado que dele se exige por via da obrigação internacional, mas que emerge da obrigação que esse resultado ou um resultado equivalente pode do mesmo modo ser alcançado pelo subsequente comportamento do Estado, então a violação da obrigação ocorre apenas quando o Estado também não alcança, através do seu subsequente comportamento, o resultado dele esperado por essa obrigação”.

102. Assim, se a obrigação de diligência exige que o Estado adopte comportamentos

ou acções específicos para alcançar esses resultados, então, sob a obrigação de resultado, o Estado usufrui da liberdade de escolha e de acção para alcançar o resultado exigido por essa obrigação”

103. Consequentemente, no caso Coloza vs Itália, o Tribunal Europeu de Direitos

Humanos declarou e sentenciou que “os Estados contratantes (partes) gozam de discrição bastante ampla em termos do cálculo das escolhas e meios para assegurar que os respectivos sistemas legais conformam com as disposições do Artigo 6, parágrafo 1 (Art. 6-1) nesse âmbito. A tarefa do Tribunal não é a de indicar aos Estados esses meios, mas determinar se o resultado exigido pela Convenção foi alcançado”.

104. Do mesmo modo, no caso De Cubber vs Bélgica27, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos observou que a sua tarefa era a de determinar se as partes Contratantes alcançaram o resultado exigido pela Convenção Europeia, e não a de indicar especificamente os meios usados para se chegar a esse resultado.

105. Alem do mais, na sentença lida a 19 de Janeiro de 2009 relativamente ao pedido de interpretação da sentença de 31 de Março de 2004, no caso Avena e outros cidadãos mexicanos (México vs Estados Unidos da América), o Tribunal Internacional de Justiça, que havia acedido ao pedido do México para a interpretação do parágrafo 153 da referida sentença que impunha aos Estados Unidos da América uma obrigação de resultado, manteve que “é verdade que a obrigação enunciada neste parágrafo é uma obrigação de resultado que deve ser manifesta e incondicionalmente aplicada...”28

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106. Assim, a questão que geralmente surge é a de apreciar, por um lado, o propósito ou objectivo final dos direitos recomendados pela Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e, por outro, se sim ou não, a obrigação recomendada no Artigo 1 da Carta visa alcançar um propósito, um objectivo ou atingir um resultado através das disposições nele contidas.

107. Na opinião da Comissão, a distinção entre obrigação de diligência e obrigação de resultado não deve fazer perder de vista o facto de que todas as obrigações contidas num Tratado, Convenção ou Carta visam atingir um objectivo, um propósito ou um resultado. Os governos dos Estados Partes encontram-se ligados às pessoas que vivem nos respectivos territórios por meio de um contrato social que consiste em assegurar a segurança e garantir os direitos fundamentais, incluindo o direito à vida e o respeito pela integridade física e material dos cidadãos. Nos casos em que os direitos, responsabilidades e liberdades reconhecidos pelos Estados Partes da Carta dificilmente constituam problemas de grandes dimensões, uma vez que os referidos regulamentos encontram-se delineados nos Artigos 2 a 29 da Carta, cujo reconhecimento emana da vontade dos próprios Estados em ratificar a Carta, esse reconhecimento resulta, no entanto, do compromisso assumido por esses Estados em tomar medidas tangíveis capazes de fazer com que as disposições recomendadas na Carta venham a ser aplicadas.

108. É também importante esclarecer que a assinatura, aceitação e ratificação pelos

Estados das disposições contidas na Carta, a preparação ou a adopção de instrumentos legais de direitos humanos apenas constituem, por si próprias, o começo do exercício indispensável de promoção, protecção e de preparação dos direitos humanos e dos povos. A aplicação prática desses instrumentos legais através de Instituições do Estado dotadas de recursos credores, materiais e humanos é igualmente de importância considerável. Não basta remediar mediante a tomada de medidas. Estas deve também ser acompanhadas por instituições que produzam resultados tangíveis. O Relatório Periódico imposto aos Estados Partes no contexto do Artigo 62 da Carta Africana é parte do procedimento posto à disposição da Comissão Africana para verificar os resultados obtidos pelos Estados no que se refere ao seu empenho, tal como delineado no Artigo 1 da Carta.

109. Sendo verdade que as leis que garantem os direitos e liberdades, as que

criminalizam certos factos e contemplam sanções contra os que os praticam, assim como as instituições do Estado que aplicam esses instrumentos fazem uso de recursos à disposição dos cidadãos, também é verdade que as decisões dos Tribunais relativamente às violações desses direitos e os resultados da execução de tais decisões, contribuem para a reposição dos direitos das vítimas.

110. Decorre do que acima foi exposto que o Artigo 1 da Carta Africana impõe aos

Estados Partes a obrigação de usarem da diligência necessária para aplicação das disposições constantes da Carta uma vez que tal diligência tem de evoluir em relação ao tempo, espaço e circunstâncias, e tem de ser seguida de acções práticas no terreno de modo a produzir resultados concretos. Assim, na sua decisão relativamente à Participação-queixa 74/92, a Comissão afirmou que os governos têm a responsabilidade de proteger os seus cidadãos através de legislação

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apropriada e da sua aplicação eficaz. A protecção é também contra actos maléficos que podem ser perpetrados por terceiros.

111. De facto, na opinião da Comissão, é uma obrigação de RESULTADO aquilo que

o Artigo 1 da Carta Africana impõe aos the Estados Partes. Efectivamente, cada Estado tem a obrigação de garantir a protecção dos direitos humanos constantes da Carta, mediante a adopção não apenas daquilo que a própria Carta recomenda, em particular “todas as medidas legislativas necessárias para esse propósito, mas, em aditamento a isso, medidas da sua escolha que a Carta evoca por via do Artigo 1 e, por conseguinte, definidas como sendo de resultado.

112. Em conformidade com o seu tradicional empenho em proteger os direitos

garantidos pela Carta, o Estado Parte é obrigado a assegurar a protecção efectiva de direitos humanos em todo o seu território. Se esta obrigação fosse uma obrigação de diligência, a garantia dos direitos humanos seria o objecto de insegurança legal, passíveis de isentar os Estados Partes vinculados aos instrumentos de protecção dos direitos humanos de qualquer responsabilidade pela protecção efectiva. É ao tomar em conta a natureza imperativa da protecção dos direitos humanos que os instrumentos de direitos humanos criam instituições de controlo para assegurar que as obrigações emanantes desses instrumentos sejam aplicadas eficazmente.

ANÁLISE DA COMISSÃO RELATIVAMENTE À APLICAÇÃO DO CASO EM QUESTÃO

113. Tendo a natureza legal das obrigações enunciadas nas disposições do Artigo 1

da Carta sido esclarecida, a razão específica levantada relativamente à sua aplicação ao caso em questão é a de saber se o Estado dos Camarões estava vinculado a uma obrigação de diligência ou a uma obrigação de resultado, e se a circunstância de força maior citada pelo Estado Respondente foi cumprida tendo em vista isentar o referido Estado da sua obrigação.

114. O Queixoso sustenta que o Estado dos Camarões está vinculado por uma obrigação de resultado e, consequentemente, é compelido a pagar uma indemnização pelos danos sofridos pelas vítimas dos acontecimentos posteriores às eleições de 1992. O Estado dos Camarões, por sua parte, mantém que estava vinculado a uma obrigação de diligência dado que os acontecimentos de 1992 revestiam-se de um carácter insurreccional. Tais acontecimentos assemelham-se a uma situação de forças maior, os quais não puderam ser restringidos pelos meios empregues pelo governo. Como consequência disso, o Estado dos Camarões assevera estar isento de qualquer responsabilidade.

115. No que se refere ao caso em apreço, considerando a definição da natureza legal

acima indicada, a Comissão é da opinião que as obrigações que emanam do Artigo 1 impõem ao Estado dos Camarões a necessidade de aplicar todas as medidas necessárias para produzir o resultado de protecção dos indivíduos que vivem no seu território. Os recursos legais, técnicos, humanos e materiais que o Estado dos Camarões afirma ter usado não produziram o resultado esperado, nomeadamente a

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garantia da protecção de direitos humanos. Os acontecimentos posteriores às eleições que deram azo a graves violações contra as vidas e bens dos cidadãos não teriam tido lugar se o Estado, através das suas investigações, soubesse, ou deveria ter tido conhecimento, do planeamento de tais acontecimentos, tomado assim as necessárias medidas para evitar a sua ocorrência.

116. Tendo os acontecimentos em causa ocorrido no dia a seguir ao anúncio dos resultados das eleições presidenciais, as autoridades apenas actuaram quatro dias depois da eclosão das hostilidade, o que contribuiu para a magnitude da violência e das graves violações dos direitos humanos e destruição de bens. Ficou apurado que, nas circunstâncias prevalecentes, o Estado Respondente não cumpriu com a sua obrigação de proteger, considerando a sua falta de diligência, e permitiu a destruição de vidas e bens. Para além do mais, ao evocar as circunstâncias de forças maior para se ilibar da sua responsabilidade, o Estado dos Camarões mostrou de forma implícita de que estivera vinculado por uma obrigação de resultado relativamente ao presente caso em particular.

117. Em princípio, as circunstâncias de força maior, que assumem os caracteres de imprevisibilidade, irresistibilidade e imputabilidade, podem ser evocadas se, por altura dos acontecimentos, condições tenham sido criadas. Neste caso, os referidos caracteres de imprevisibilidade, irresistibilidade e imputabilidade exigidos por uma situação de força maior e que a Parte Respondente evoca não podem ser aplicáveis dado que, segundo o próprio Estado Respondente, as alterações à lei e ordem públicas existiam no país desde Maio de 1990, e especificamente durante a realização das eleições, e que além do mais, as ameaças24 dos dias 11, 18, 19 e 22 de Outubro de 1992 provenientes da SDF, o partido da oposição, e qualificadas pelo Estado Respondente como «uma atmosfera de intimidação política e contra-intimidação...», prova suficientemente a existência de sinais de aviso prévio dos acontecimentos em questão e, consequentemente, a previsibilidade dos mesmos.

118. Além do mais, o Estado Respondente havia manifestado o controlo que possuía do país e, por conseguinte, a sua capacidade de fazer face aos que perpetraram os acontecimentos posteriores às eleições, mediante a instauração de um estado de sítio alguns dias depois dos acontecimentos em questão; se esse estado de sítio tivesse sido instaurado antes, os acontecimentos em questão teriam pelo sido reduzidos no seu âmbito, se não mesmo inteiramente dominados.

119. As obrigações determinadas pela Carta Africana no seu Artigo 1 impõem aos

Estados Partes (o Estado dos Camarões incluído) a necessidade de se adoptarem todas as medidas destinadas a produzir o resultado de evitar todas as violações da Carta Africana em todo o seu território. Estas não são apenas violações que poderão emanar do próprio aparelho de Estado ou de actores não estatais. A aplicação de meios legais, técnicos, humanos e materiais a que o Estado dos Camarões aludiu deveriam, em princípio, ter produzido o resultado de evitar os acontecimentos em questão dado que estes eram previsíveis; os referidos meios deveriam pelo menos ter servido para chamar os autores a juízo, para serem julgados e sentenciados de

24 Cf. Cameroun Tribune No. 5231 de 7 Outubro de 1992 p. 8 e 16, Cameroun Tribune No. 5246 de 26 Outubro de 1992 p. 4.

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acordo com a lei, e restaurar os direitos das vítimas ou dos seus dependentes após a ocorrência dos referidos acontecimentos. Este trata-se de um resultado a posteriori que deveria ter produzido resultados, se se considerarem os meios escolhidos pelo próprio Estado dos Camarões.

120. Cada Estado Parte da Carta Africana é responsável pela segurança das pessoas e

bens em qualquer parte do seu território. Possuindo um carácter erga omnes 25, uma tal obrigação constitui parte daquilo que cobre um interesse particular relativamente a todos os Estados Partes da Carta Africana e a comunidade internacional no seu todo por ser reconhecida quer pelo direito nacional, quer internacional. Por conseguinte, tal como sublinhado pelo Estado Respondente, se este mão pode ser directamente responsável pelos acontecimentos, o Estado dos Camarões não pode também livrar-se da sua responsabilidade pelas acções de outrem, as quais resultam do facto dele não ter conformado com as disposições recomendadas pelo Artigo 1 da Carta Africana e, por conseguinte, da sua obrigação de RESULTADO.

121. Consequentemente, não tendo evitado a violência posterior às eleições de 1992,

muito embora tivessem existido sinais de aviso prévio (evidentemente) dos acontecimentos em questão, e não tendo obtido os resultados pretendidos acima mencionados, o Estado dos Camarões não cumpriu com a sua obrigação de Resultado que lhe foi imposta pelo Artigo 1 da Carta Africana, e em consequência disso o Estado Respondente dificilmente poderá evocar as circunstâncias de forças maior. Daí se infere que os direitos das vítimas e dos seus dependentes devem ser restaurados na sua totalidade.

ANÁLISE DA COMISSÃO RELATIVAMENTE À VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 2, 4, 7 e 14 DA CARTA AFRICANA

122. Ao evocar a violação dos Artigos 2 e 7 da Carta, os Queixosos desejam contestar

o congelamento da petição das vítimas, relativamente à responsabilidade pela questão que se encontra pendente perante a Divisão Administrativa do Tribunal Supremo desde 1998, de modo a obter plena indemnização pelos danos corporais e materiais sofridos. Para os Queixosos, este procedimento constitui uma violação do direito a um recurso efectivo.

123. O Artigo 2 estipula que:

«Toda a pessoa tem direito ao usufruto dos direitos e liberdades reconhecidos e garantidos na presente Carta, sem nenhuma distinção, nomeadamente de raça, de etnia, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou de qualquer outra opinião, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.»

124. Torna-se aparente que os queixosos consideram que houve violação do usufruto dos seus direitos e liberdades, tendo por isso o Artigo 2 da Carta sido infringido,

25 Cf. Barcelona Traction Judgement, CIJ, 5 Fev. 1970

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devido ao facto do Estado Respondente não ter tomado medidas adequadas para evitar a violência que resultou em prejuízos físicos e em danos materiais sofridos pelas vítimas.

125. A Comissão Africana é da opinião de que não existem dúvidas no presente caso

de que as vítimas da violência pós-eleitoral sofreram danos que infringiram o usufruto dos seus direitos. O Estado Respondente não debateu o facto de ter sido causado mal às vítimas, argumentando antes que os acontecimentos posteriores às eleições haviam sido obra de Deus estando, por conseguinte, aquém da capacidade do Estado dos Camarões, não devendo este ser considerado responsável.

126. A Comissão Africana está, por conseguinte, em posição de considerar que as

disposições do Artigo 2 da Carta Africana foram violadas dado que as vítimas usufruíam dos seus direitos e liberdades quando foram atacadas. Tais ataques, que infringiram os seus direitos e liberdades, foram possíveis por que o Estado dos Camarões não cumpriu com a sua obrigação de proteger, algo que cabe a esse mesmo Estado.

127. O Artigo 7 estipula:

«Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja apreciada. Esse direito compreende:

[…] (d) o direito de ser julgado num prazo razoável por um tribunal imparcial.» 128. O termo «recurso» refere-se a «quaisquer procedimentos por meio dos quais se

apresenta um acto constitutivo de uma alegada violação da [Carta] a uma instituição qualificada a esse respeito, com o propósito de se obter, consoante o caso, uma cessação do acto, a sua anulação, alteração ou indemnização».26 É eficaz o recurso que não apenas existe de facto, mas que é também acessível à parte em causa, e é apropriado. A petição deve ser apropriada de modo a permitir a denúncia das alegadas violações e o pagamento da indemnização apropriada.

129. Todavia, a eficácia do recurso não está ligada aos resultados esperados. Apesar

disso, os efeitos em causa deverão ser de natureza a remediar a alegada violação, caso contrário o carácter eficaz da recurso desaparece. Finalmente, existe a necessidade de especificar que o direito a um recurso eficaz aprova uma obrigação de diligência dado que o que é garantido é a existência de um recurso apropriado e não o seu resultado favorável. Porém, uma jurisprudência desfavorável torna o recurso inútil.

130. Considerando o atrás exposto, a Comissão é da opinião que os Queixosos não

beneficiaram do direito a um recurso eficaz, pois se foi determinado que o recurso se encontrava disponível e acessível, é de referir que o mesmo não era apropriado dado que o facto dele se encontrar congelado tornou impossível ao Tribunal tomar uma

26 Pettiti Louis-Edmond, Decaux Emmanuel e Imbert Pierre-Henri, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, comentário Artigo por Artigo , Paris, Economica, 1999 P. 467- 468

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decisão. A petição permaneceu pendente por mais de 5 anos antes de os Queixosos terem decidido envolver a Comissão Africana em 2003.

131. No que se refere aos Artigos 4 e 14, os Queixosos realçam as violações à

integridade física e os danos materiais sofridos pelas vítimas. 132. Nos termos do Artigo 4,

«A pessoa humana é inviolável. Todo o ser humano tem direito ao respeito da sua vida e à integridade física e moral da sua pessoa. Ninguém pode ser arbitrariamente privado desse direito.»

133. O Artigo 14 determina que “O direito de propriedade é garantido, só podendo

ser afectado por necessidade pública ou no interesse geral da colectividade, em conformidade com as disposições das leis apropriadas.”

134. À luz dos argumentos, torna-se aparente que as Partes parecem concordar

quanto à eficácia das violações relativamente às vidas das vítimas e aos consideráveis danos que resultaram da violência dos acontecimentos posteriores às eleições. O governo mostrou esta concordância ao criar um Comité de Salvação das Vítimas, em conformidade com a Lei de 26 de Junho de 1964, a qual autoriza o Estado a prover «assistência dentro dos limites dos montantes considerados para este propósito ou assistência contínua sob qualquer outra forma.» O referido Comité havia avaliado o montante dos danos – juros na ordem dos cinco mil milhões, oitocentos e oito milhões, trezentos e dez mil e oitocentos e oitenta francos CFA (5 808 310 880). Sob todas as aparências, as vítimas não havia ficado inteiramente isentes de prejuízos.

135. O Estado Respondente observou nos seus argumentos de que não se tratava de

nenhuma forma de uma indemnização da sua parte, mas uma mostra de solidariedade dado não ser directamente responsável pelos prejuízos sofridos pelas vítimas, e que tais prejuízos haviam sido um acto levado a cabo por indivíduos privados que as vítimas poderiam levar a juízo de modo a que pudessem ver as suas razões de queixa satisfeitas.

136. A Comissão é da opinião de que a responsabilidade do governo ficou

determinada. Por conseguinte, deduz-se que o governo deverá pagar uma indemnização pelos prejuízos sofridos. Apesar do facto de que o governo o tenha negado, ele compreendeu que não poderia permanecer insensível à sua obrigação de pagar uma justa indemnização às vítimas, e por essa razão criou um Comité para avaliar os danos sofridos pelos Queixosos.

DECISÃO DA COMISSÃO

137. Com base nas razões atrás referidas, a Comissão Africana decide que:

i. As disposições do Artigo 1 da Carta Africana impõem aos Estados Partes uma obrigação de Resultado;

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ii. O Estado dos Camarões não cumpriu com as suas obrigações gerais tal

como enunciadas e endossadas nos termos do Artigo 1 da Carta Africana e consequentemente o Estado dos Camarões tem uma obrigação de RESULTADO;

iii. Devido à sua óbvia falta de diligência, o Estado dos Camarões é considerado

responsável pela violação dos Artigos 2, 4 e 14 da Carta Africana; e, por conseguinte, o Estado dos Camarões é responsável pelos actos de violência que tiveram lugar no seu território, os quais deram azo a violações dos direitos humanos, independentemente de tais actos terem sido praticados pelo próprio Estado dos Camarões ou por outras pessoas,20que não o Estado;

iv. O Estado dos Camarões violou ainda as disposições do Artigo 7 da mesma

Carta. 138. Recomenda ao Estado dos Camarões que:

i. Tome todas as medidas necessárias visando garantir a protecção efectiva dos direitos humanos em todas as ocasiões e em todos os locais, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra;

ii. Conforme com o seu empenho em prestar uma indemnização justa

e equitativa às vítimas e sem demora, em pagar uma indemnização justa e equitativa pelos prejuízos sofridos pelas vítimas ou pelos seus beneficiários;

iii. Que o montante da indemnização pelos danos, e os juros sejam

fixados de acordo com as leis aplicáveis.

Feito em Banjul, Gâmbia, na 46ª Sessão Ordinária da Comissão Africana dos

Direitos Humanos e dos Povos, realizada de 11 a 25 de Novembro de 2009.

20 A jurisprudência da Comissão é constante no que se refere à responsabilidade dos Estados em relação a outros. Ver National Commission on Human Rights and Freedoms vs Chade; Participação-queixa 155/96.

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Anexo 4

235/2000 - Dr. Curtis Francis Doebbler vs Sudão

Resumo dos Factos Alegados: 1. O Queixoso representa 14,000 refugiados etíopes que fugiram da Etiópia antes de

1991, durante o regime de Mengistu e viviam no Sudão, tendo sido sujeitos a repatriamento forçado em conformidade com uma decisão adoptada pelo Estado Respondente e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR) em Setembro de 1999. O Queixoso declara que durante a década de 80 e princípios da de 90, cidadãos etíopes, num número estimado em 80,000, haviam entrado no Sudão, fugindo de perseguições e de acontecimentos que perturbaram a ordem pública na Etiópia.

2. O Queixoso alega que o actual governo da Etiópia foi formado por dirigentes da

Frente Popular de Libertação de Tigray (TPLF), os quais eram aliados do Partido Popular Revolucionário da Etiópia (EPRF) durante a luta contra o regime de Mengistu. Os apoiantes do EPRF constituem supostamente o principal alvo de repressão do governo etíope em todo o país.

3. O Queixoso alega que a todos os refugiados etíopes no Sudão havia anteriormente

sido concedido asilo pelo Governo do Sudão em conformidade com as suas obrigações internacionais. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a agência responsável pela protecção de refugiados em todo o mundo, também honrou esse reconhecimento até Setembro de 1999.

4. O Queixoso alega que em Setembro de 1999, o Governo do Sudão assinou um acordo

com o UNHCR para evocar as Cláusulas de Cessação (Artigo 1(C) (5)) da Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados) com efeitos a partir de 1 de Março de 2000.

5. O Queixoso alega que por via desse acordo, os refugiados etíopes no Sudão

perderiam o direito ao trabalho ou a qualquer assistência social como forma de coagi-los ao repatriamento forçado para a Etiópia.

6.O Queixoso declara que em Fevereiro de 2000, foi afixado na porta do complexo do

UNHCR em Cartum, Sudão, um aviso intitulado, “Anúncio Informativo aos Refugiados Etíopes no Sudão”, que em parte dizia:

O Governo do Sudão representado pela Comissão para os refugiados (COR) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR) gostaria de informar todos os refugiados etíopes no Sudão do seguinte:

Todos os refugiados etíopes fora da Etiópia depois de 1 de Março de 2000 perderão o estatuto legal de refugiados. Isto significa que todos os direitos legais concedidos por

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regulamentos internacionais, regionais e locais, os quais garantem o estatuto ou condição de refugiado, tal como estipulado na Convenção de 1951, que em termos gerais rege esse estatuto e o tratamento de refugiados, etc..., o estatuto legal respeitante à resolução de casos individuais e o direito de comparecer perante os tribunais, etc..., o direito de obter emprego e garantias, a questão de auxílio abrangente e o fornecimento de abrigo, saúde e tratamento, educação, alimentação, segurança social, etc ...e em conclusão, a assistência administrativa diversa, e autorizações tais como salvos conduto, vistos de trabalho, cartas de condução, bilhetes de identidade, cartões de residência e documentos de viagem válidos para países estrangeiros e licenças de comércio, etc...; deixarão todos eles de existir de imediato. ... À luz desta nova situação, qualquer refugiado etíope que decida permanecer no Sudão depois de 1 de Março de 2000 acarretará com toda as responsabilidades pelas consequências que poderão advir como resultado da perda dos direitos que usufruía como refugiado antes de 1 de Março de 2000. … Para se evitarem problemas desnecessários, que ocorrerão como resultado da vossa estadia ilegal no Sudão depois de 1 de Março de 2000, solicitamos que considerem seriamente as circunstâncias que vos ajudarão a tomar uma decisão razoável a fim de garantir a vossa segurança e o futuro das vossas famílias.

7.O Queixoso declara que embora o governo apenas tivesse concordado em retirar o estatuto de refugiado, dúzias de refugiados disseram que o UNHCR lhes havia informado de que seriam deportados depois de 1 de Março de 2000 e que quaisquer benefícios que vinham usufruindo cessariam. Para além do mais, alguns dos refugiados foram presos, agredidos e sofreram maus tratos por terem protestado contra o seu repatriamento involuntário.

8. O Queixoso declara que o Estado Respondente, o UNHCR e o Governo da Etiópia

celebraram um acordo visando o seu repatriamento forçado dos refugiados. Essa acção envolveu uma série de passos que foram dados, incluindo o seguinte: a retenção de benefícios de segurança social, tais como cuidados médicos, alimentação, vestuário e direitos de alojamento; e a aplicação de um procedimento injusto de fiscalização.

9. O Queixoso declara que alguns dos refugiados, que protestaram contra a retirada do

seu estatuto de refugiado, foram por vezes presos e deportados ou ameaçados de prisão e deportação, o que forçou muitos deles a fugir para países vizinhos.

10. Alega ainda o Queixoso que nessa altura, a Etiópia estava envolvida num conflito armado internacional de larga escala com a vizinha Eritreia.

11. O Queixoso declara que o UNHCR e o Estado Respondente concordaram

bilateralmente em criar um sistema de fiscalização. O Queixoso alega que este procedimento não provia as normas básicas e mínimas de direito. Por exemplo, os refugiados não foram autorizados a ter representação legal; o Governo do Sudão e/ou o UNHCR recrutaram pessoas não qualificadas para proceder à fiscalização. A fiscalização não tomou em linha de conta a Convenção Africana para os Refugiados

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de 1969 ou a Carta Africana relativamente ao processo de avaliação de casos individuais; a fiscalização só teve início meses depois da ameaça de refoulement [expulsão, devolução] forçado ter sido feita, e, em grande medida, posta em prática. Foram recrutados intérpretes da Embaixada Etíope em Cartum – a embaixada do Estado em relação ao qual eles nutriam ou tinham receio reconhecido e bem fundamentado de perseguição

12. O Queixoso declara que alguns dos refugiados haviam-se estabelecido e passado a

viver no Sudão desde há 30 anos; que muitos deles eram oponentes da Frente Popular Revolucionária Democrática da Etiópia (EPRDF) e da TPLF, que governa o país desde 1991. O Queixoso declara que um largo número de refugiados receava que seria enviado para a frente de batalha etíope-eritreia devido à guerra que decorria ao longo de 2000, ou que seria maltratado ou mesmo morto pelo governo etíope.

13. Declara o Queixoso que alguns dos refugiados, como por exemplo o Sr. Luel Kassa,

que foi forçado a regressar nos princípios de 2001, haviam sido presos no momento do regresso; e que outros haviam fugido de novo da Etiópia para o Sudão ou para um terceiro país logo que tal se lhe afigurou possível.

14. O Queixoso declara ainda que grande partes dos cerca de 14,000 refugiados etíopes

que ainda vivem no Sudão não desejam regressar à Etiópia por recearem, com fundamento, virem a ser perseguidos, ou por terem fugido da guerra e da fome na Etiópia.

15. O Queixoso declara que em Março de 2001, mais de 1,700 refugiados etíopes

organizaram uma greve de fome em Porto Sudão e em Cartum em protesto contra o seu regresso. A sua queixa principal: o processo injusto de se determinar o seu estatuto.

16. Desde Março de 2001 que o Queixoso tem vindo a contactar o Governo do Sudão e o

UNHCR na tentativa de resolver esta questão, embora sem sucesso. 17. O Queixoso declara que embora alguns dos refugiados tivessem sido autorizados a

permanecer no Sudão, outros houve que continuaram no país sem o consentimento do governo deste país, receando a possibilidade de deportação imediata sem a devida observância da lei. O Queixoso alega ainda que muitos desses refugiados vivem em condições desumanas após lhes terem sido negadas as necessidades básicas de vida.

Queixa 18. O Queixoso alega violações dos Artigos 4, 5, 6, 12(3), (4) e (5) da Carta Africana dos

Direitos Humanos e dos Povos (Carta Africana). Procedimento

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19. A Queixa deu entrada no Secretariado da Comissão Africana aos 22 de Fevereiro de 2000.

20. Na sua 27ª Sessão Ordinária realizada em Argel, Argélia, de 27 de Abril a 11 de Maio de 2000, a Comissão Africana decidiu aceitar a Participação-queixa, tendo solicitado às partes que procedessem à abordagem da mesma quanto ao esgotamento de recursos ou instâncias de Direito interno.

21. A decisão mencionada no número anterior foi comunicada às partes a 30 de Junho

de 2000. 22. Na sua 28ª Sessão Ordinária realizada em Cotonou, Benim, de 23 Outubro a 6 de

Novembro de 2000, a Comissão Africana decidiu adiar a consideração da presente Participação-queixa para a 29ª Sessão Ordinária.

23. A 13 de Março de 2001, o Secretariado recebeu as conclusões do Queixoso quanto a

Admissibilidade. 24. Na 29ª Sessão Ordinária realizada em Tripoli, Líbia, de 23 de Abril a 7 de Maio de

2001, o Estado Respondente informou a Comissão Africana de que não estava ao par das Participações-queixa 235/00 e 236/00 – apresentadas pelo Dr. Curtis Doebbler contra o Sudão. Durante a Sessão, o Secretariado forneceu ao Estado Respondente cópias das referidas participações-queixa. A Comissão Africana decidiu adiar a consideração dessas Participações-queixa para a próxima sessão.

25. A 19 de Junho de 2001, o Secretariado da Comissão Africana informou as partes

quanto à decisão da Comissão Africana, tendo solicitado ao Estado Respondente a proceder ao envio das suas conclusões por escrito dentro de dois (2) meses a contar da data de notificação dessa mesma decisão.

26. A 14 de Agosto de 2001, foi enviada uma nota ao Estado Respondente fazendo-o

recordar de que deveria remeter as suas conclusões dentro do prazo estabelecido a fim de permitir que o Secretariado processasse a participação-queixa.

27. Durante a 30ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 13 a 27 de Outubro

de 2001, o Secretariado da Comissão Africana recebeu as conclusões do Estado Respondente quanto a admissibilidade, redigidas em língua árabe, relativamente a todas as Participações-queixa que se encontravam pendentes contra si.

28. Durante a mesma Sessão, a Comissão Africana ouviu as conclusões orais das partes

relativamente à Participação-queixa. A Comissão Africana fez notar que o Estado Respondente não havia respondido às questões levantadas pelo Queixoso. Por conseguinte, a Comissão Africana decidiu remeter a Participação-queixa para a 31ª Sessão, ficando pendente a recepção das conclusões detalhadas, por escrito, do Estado Respondente.

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29. A 15 de Novembro de 2001, o Secretariado informou as partes da decisão, tendo solicitado ao Estado Respondente que enviasse as suas conclusões por escrito relativamente às questões levantadas pelo Queixoso dentro de dois (2) meses a contar da data de notificação dessa decisão.

30. A 7 de Março de 2002, foi enviada ao Estado Respondente uma nota fazendo-o

recordar que deveria proceder ao envio das suas conclusões dentro do prazo recomendado.

31. Na sua 31ª Sessão Ordinária realizada em Pretória, África do Sul, de 2 a 16 de Maio

de 2002, a Comissão Africana decidiu, a pedido do Queixoso, suspender a sua consideração sobre a presente Participação-queixa a fim de permitir que as partes enveredassem por uma solução amigável.

32. As partes foram informadas da decisão da Comissão Africana a 29 de Maio de 2002. 33. A 17 de Agosto de 2002, o Queixoso informou o Secretariado que havia escrito ao

Estado Respondente tendo em vista encontrar uma solução amigável. Todavia, o Queixoso não havia recebido nenhuma resposta do Governo do Sudão.

34. A 16 de Janeiro de 2003, o Secretariado recebeu um pedido do Queixoso para uma

audiência quanto a Admissibilidade. O Secretariado acusou recepção desta correspondência a 27 de Janeiro de 2003.

35. O Secretariado informou ambas as partes de que a admissibilidade da Participação-

queixa seria considerada na 33ª Sessão Ordinária. 36. Na sua 33ª Sessão Ordinária realizada em Niamey, Níger, de 15 a 29 de Maio de

2003, a Comissão Africana adiou a sua decisão quanto a admissibilidade para permitir que as partes dispusessem de mais tempo para o envio, por escrito, das suas conclusões quanto a Admissibilidade.

37. A 18 de Junho de 2003, o Secretariado da Comissão Africana informou ambas as

partes da decisão acima mencionada, tendo-lhes solicitado o envio, por escrito, das respectivas conclusões quanto a admissibilidade dentro de três (3) meses a contar da data de notificação dessa decisão.

38. A 8 de Setembro de 2003, o Secretariado lembrou às partes que deveriam fornecer à

Comissão Africana as respectivas conclusões quanto a Admissibilidade. 39. Por carta datada de 19 de Setembro de 2003, o Queixoso enviou um resumo quanto

a admissibilidade relativamente ao esgotamento dos recursos ou instâncias de Direito Interno.

40. Por Nota Verbal datada de 30 de Setembro de 2003, o Estado Respondente foi

informado de que Participação-queixa seria considerada na 34ª Sessão Ordinária. Os argumentos do Queixoso foram apensos à Nota Verbal.

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41. Durante a sua 34ª Sessão Ordinária realizada em Banjul de 6 a 20 de Novembro de

2003, a Comissão Africana considerou os argumentos do Estado Respondente quanto a admissibilidade e declarou a Participação-queixa inadmissível por não se terem esgotado os recursos ou instâncias de Direito Interno.

42. A 4 de Dezembro de 2003, o Secretariado da Comissão Africana transmitiu a

decisão às partes. 43. A 10 de Fevereiro de 2004, o Queixoso solicitou à Comissão Africana a reconsiderar

a sua decisão quanto a admissibilidade, tendo solicitado uma audiência oral para a próxima Sessão Ordinária.

44. Durante a 35ª Sessão Ordinária, a Comissão considerou o pedido para reconsiderar

a sua decisão quanto a admissibilidade, tendo adiado a questão para a 36ª Sessão Ordinária. A Comissão solicitou ao Secretariado que informasse ambas as partes da decisão e adiou a consideração sobre a mesma para a 37ª Sessão Ordinária. A mesma comunicação foi transmitida às partes. O Secretariado solicitou às partes que apresentassem argumentos adicionais quanto a Admissibilidade. Foi enviada ao Estado Respondente uma cópia do resumo apresentado pelo Queixoso, para que apresentasse a sua resposta.

45. A 25 Outubro de 2005, a Comissão Africana informou o Queixoso da sua decisão

em conceder-lhe uma oportunidade para apresentação de argumentos visando a reabertura da Participação-queixa na 36ª Sessão.

46. Por ocasião da 36ª Sessão Ordinária, a Comissão Africana, ao considerar os

argumentos avançados pelo Queixoso no seu “Resumo sobre a Questão do Esgotamento de Recursos ou Instâncias de Direito Interno”, decidiu reconsiderar, na 37ª Sessão, a decisão por si adoptada durante a 34ª Sessão Ordinária.

47. A 14 de Março de 2005 as partes foram informadas a respeito da decisão da

Comissão Africana, tendo sido enviada uma cópia do resumo elaborado pelo Queixoso ao Estado Respondente, e este foi solicitado a apresentar a sua resposta.

48. Durante a 37ª Sessão Ordinária, realizada em Banjul, Gâmbia, de 27 de Abril a 11

de Maio de 2005, a Comissão Africana decidiu adiar a consideração quanto a admissibilidade para a próxima sessão.

49. A 28 de Junho de 2005, tanto o Queixoso como o Estado Respondente foram

informados da decisão. O Estado Respondente foi lembrado de que deveria enviar, por escrito, as suas conclusões quanto a admissibilidade dentro de (2) meses a contar da data de notificação dessa decisão.

50. Na 38ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 21 de Novembro a 5 de

Dezembro de 2005, o Estado Respondente apresentou, por escrito, os seus argumentos quanto a admissibilidade. A Comissão Africana adiou a reconsideração da admissibilidade da Participação-queixa para a sua 39ª Sessão Ordinária.

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51. A 16 de Dezembro de 2005, o Secretariado informou as partes da decisão. Ao

Queixoso foi enviada uma cópia dos argumentos do Estado Respondente. 52. A 8 de Março de 2006, o Secretariado recebeu do Estado Respondente uma cópia da

acta de uma reunião realizada em Agosto de 2000 entre o Governo do Sudão, o Governo da Etiópia e o UNHCR. Ao Queixoso foi enviada uma cópia da acta.

53. A 23 de Março de 2006, o Secretariado recebeu a resposta às conclusões do Estado

Respondente de 3 de Dezembro de 2005. O documento foi enviado ao Estado Respondente.

54. Na 39 Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 9 a 23 de Maio de 2006, a

Comissão Africana reconsiderou a sua decisão quanto a admissibilidade, tendo declarado a Participação-queixa como admissível.

55. Por Nota Verbal de 14 de Julho de 2006, o Secretariado informou ambas as partes

da referida decisão, tendo-lhes solicitado que apresentassem os seus argumentos quanto aos méritos da questão dentro de dois (2) meses.

56. A 18 de Setembro de 2006, o Secretariado recebeu uma carta do Queixoso a solicitar

que o prazo para apresentação dos argumentos quanto aos méritos fosse prorrogado por seis (6) meses dado que o Queixoso não havia conseguido contactar o Secretariado.

57. A 16 de Outubro de 2006, o Secretariado acusou recepção da carta do Queixoso,

tendo feito recordar ambas as partes de que deveriam apresentar os seus argumentos quanto aos méritos até finais de Outubro de 2006.

58. A 11 de Abril de 2007, o Secretariado recebeu os argumentos quanto aos méritos,

apresentados pelo Queixoso. 59. A 25 de Abril de 2007, a Comissão Africana acusou recepção das conclusões do

Queixoso e lembrou ao Estado Respondente de que deveria apresentar os seus argumentos quanto aos méritos até 10 de Maio de 2007.

60. A 20 de Junho de 2007, o Secretariado enviou uma Nota Verbal ao Estado

Respondente lembrando-o de que a Comissão Africana tencionava considerar os méritos da Participação-queixa durante a 42ª Sessão Ordinária, tendo-lhe solicitado que enviasse os seus respectivos argumentos até aos finais de Julho de 2007.

61. A 6 de Junho de 2007, o Secretariado informou o Queixoso que o Estado

Respondente ainda não havia apresentado os seus argumentos quanto aos méritos. 62. Por Nota Verbal de 30 de Outubro de 2007, o Estado Respondente foi lembrado que

deveria apresentar os seus argumentos quanto aos méritos antes do início da 42ª Sessão Ordinária a realizar-se em Brazzaville, Congo.

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63. A 3 de Novembro de 2007, o Secretariado da Comissão Africana informou o Estado Respondente de que não havia ainda recebido as suas conclusões quanto aos méritos.

64. A 23 de Novembro de 2007, durante a 42ª Sessão Ordinária, o Estado Respondente

apresentou os seus argumentos quanto aos méritos. Este argumentos encontravam-se redigidos em árabe. Durante a 42ª Sessão, a Comissão Africana adiou a consideração da Participação-queixa quanto aos méritos de modo a permitir a tradução das conclusões do Estado Respondente.

65. A 27 de Dezembro de 2007, o Secretariado informou as partes da sua decisão de

remeter a Participação-queixa para uma outra altura. O Secretariado acusou recepção do resumo do Estado Parte quanto aos méritos, tendo enviado o mesmo ao Queixoso.

66. Na 43ª Sessão Ordinária, que teve lugar em Ezulwini, Suazilândia, de 7 a 22 de Maio

de 2008, a Comissão Africana remeteu a Participação-queixa para a 44ª Sessão Ordinária de modo a conceder ao Secretariado tempo suficiente para preparar a sua proposta de decisão quanto aos méritos.

67. A 2 de Junho de 20008, as partes foram informadas da decisão da Comissão

Africana. 68. Durante a 44ª Sessão realizada em Abuja, República Federal da Nigéria, a Comissão

Africana considerou a Participação-queixa tendo decidido remeter o assunto para a 45ª Sessão de modo a concluir a sua decisão quanto aos méritos.

69. Por carta e Nota Verbal de 23 de Janeiro de 2009, o Estado Respondente e o

Queixoso foram informados da decisão da Comissão.

Lei: Admissibilidade

70. A Comissão Africana recorda ter declarado a Participação-queixa como inadmissível durante a 34ª Sessão Ordinária da Comissão. O Queixoso apresentou um pedido para a reabertura do caso durante a 35ª Sessão Ordinária. Esse pedido foi considerado durante a 36ª Sessão Ordinária.

71. Ao declarar a Participação-queixa inadmissível, a Comissão Africana afirmou o seguinte:

Embora as partes não tenham fornecido, por escrito, à Comissão Africana outras conclusões sobre a questão dos recursos ou instâncias de Direito Interno, a Comissão Africana encontra-se em posição de tomar uma decisão quanto à admissibilidade da presente Participação-queixa, fazendo referência às conclusões por escrito do Queixoso (recebidas a 13 de Março de 2001) e às do Estado Respondente (recebidas durante a 30ª Sessão Ordinária) assim como às conclusões orais apresentadas por ambas as partes durante a 33ª Sessão Ordinária .

72. O Queixoso alega que não existiam recursos ou instâncias de Direito Interno

eficazes contra a ameaça do governo em repatriar à força os refugiados etíopes. Aos

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refugiados havia sido negado o direito a representação legal durante as audiências destinadas a determinar se existia algum risco, caso regressassem à Etiópia, de serem torturados ou submetidos a tratamento desumano, degradante e cruel.

73. O Queixoso sustenta que o procedimento para o repatriamento, acordado pelo UNHCR e pelo Sudão era inaceitável pelas seguintes razões: Primeiro, aos refugiados etíopes não foi concedida qualquer oportunidade para prestação de declarações durante o processo de tomada de decisões, apesar dos anúncios públicos para esse efeito. Segundo, a maior parte dos intérpretes / tradutores eram provenientes da Embaixada da Etiópia, país de onde os refugiados haviam fugido e por conseguinte poderiam ser parciais ou preconceituosos.

74. O Queixoso acrescenta que o Estado Respondente negou a emissão de vistos aos

representantes legais dos refugiados. Ao não assegurar que aos refugiados seria concedida uma audiência justa sobre questões relacionadas com os seus direitos humanos ao abrigo da Carta Africana, o Estado Respondente negou aos refugiados o direito de acesso a recursos ou instâncias de Direito Interno eficazes.

75. O Estado Respondente argumentou que não tinha havido nenhuma queixa contra o

repatriamento ilegal ou forçado de etíopes e que a presente Participação-queixa não continha nenhuma indicação concreta a esse respeito. O Estado Respondente reconhece ter compreendido que a situação na Etiópia não era favorável aos que receavam virem a ser perseguidos no seu país de origem, mas assegurou a Comissão Africana de que todos os procedimentos de repatriamento no presente caso haviam conformado com o princípio da Convenção assinada entre o Sudão, a Etiópia e o UNHCR.

76. Para além do mais, o Estado Respondente sustentou que o Queixoso não havia

abordado nem o UNHCR nem qualquer Tribunal ou órgão administrativo para que fosse tomada uma decisão sobre quaisquer alegações de violações praticadas durante o processo de repatriamento. O Queixoso poderia ter apresentado um requerimento administrativo ou remetido a questão para os tribunais competentes disponíveis no Sudão.

77. O Estado Respondente informou a Comissão Africana que o Artigo 20 do Código

dos Tribunais Administrativos de 1996 conferia ao Queixoso o direito de apresentar recurso contra qualquer decisão administrativa. Poderia ter sido apresentado um recurso junto do Tribunal Supremo contra qualquer decisão administrativa tomada pelo Presidente da República, o Conselho de Ministros Federal, o governo de qualquer região, ou ministro federal ou regional. A Comissão Africana nota que na sua Participação-queixa, o Queixoso não faz nenhuma referência a qualquer tentativa por si feita de aceder aos recursos ou instâncias de Direito Interno disponíveis no Estado Respondente.

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78. Pelas razões acima mencionadas, a Comissão Africana declara a Participação-queixa inadmissível por não terem sido esgotados os recursos ou instâncias de Direito Interno. Decisão da Comissão relativamente à Revisão

79. A Comissão aceitou o pedido do Queixoso para que reconsiderasse a sua decisão com base no argumento por ele, Queixoso, apresentado de que a Comissão não havia abordado a sua jurisprudência no que se refere às excepções do esgotamento de recursos ou instâncias de Direito Interno, em particular a não-aplicabilidade de recursos ou instâncias de Direito Interno a situações de violações massivas de direitos humanos, tal como alegado no presente caso.

80. A Comissão reconsiderou a sua decisão ao abrigo da Regra 118(2) das Regras de

Procedimento da Comissão Africana. A Regra 118(2) diz o seguinte:

Se a Comissão tiver declarado uma Participação-queixa inadmissível ao abrigo da Carta, ela poderá reconsiderar tal decisão numa data posterior caso receba um pedido de reconsideração.

81. A Regra 118(2) não estipula as condições ao abrigo da quais a Comissão pode

reconsiderar uma decisão tomada anteriormente. A Comissão poderá fazer uso dos seus poderes discricionários para reconsiderar uma decisão sua quando uma parte o solicite, apresentando razões imperativas. A Comissão é sempre chamada a proteger os direitos humanos e dos povos. A decisão tomada no âmbito da reconsideração de uma posição sua deve destinar-se a proteger esses mesmos direitos.

82. Em aditamento a esse princípio geral, uma parte que intente uma reconsideração ou revisão de uma decisão deve mostrar que a Comissão não tomou em linha de conta os critérios enunciados no Artigo 56 da Carta, ou que errou na forma como havia tomado essa decisão. A revisão deve basear-se nos mesmos factos que haviam sido inicialmente colocados perante a Comissão. Na fase de revisão, uma parte não pode introduzir factos ou informações novos.

83. No passado, a Comissão, com base na sua jurisprudência, defendeu que o requisito

de esgotamento de recursos ou instâncias de Direito Interno não se aplica “....nos casos em que seja impraticável ou indesejável para os Queixosos ou vítimas recorrer aos tribunais nacionais.”21

84. Com base nas razões atrás referidas, a Comissão reconsiderou e distanciou-se da sua

anterior decisão, tendo considerado as conclusões das partes quanto a admissibilidade.

21 Ver Amnistia Internacional et al. vs Sudão. Participações-queixa consolidadas: 48/90, 52/91 e 89/93, 27ª

Sessão Ordinária , 10° Relatório de Actividades (2000).

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Decisão quanto a Admissibilidade 85. A admissibilidade das Participações-queixa apresentadas ao abrigo da Carta

Africana rege-se pelo Artigo 56 da Carta Africana. Das sete condições estipuladas nesse Artigo, foram cumpridas seis. A sétima condição, constante do Artigo 56(5), estipula que:

As Participações-queixa serão consideradas se “forem enviadas posteriormente ao esgotamento dos recursos ou instância de Direito Interno, caso os haja, a menos que seja manifesto que este procedimento se prolonga de modo anormal...

86. O Estado Respondente afirma que o Queixoso não excluiu os recursos ou instâncias

de Direito Interno. O Estado Respondente salientou que o Queixoso tinha o direito de apresentar recurso contra qualquer decisão administrativa, em conformidade com o Artigo 20 do Código dos Tribunais Administrativos de 1996, e que poderia ainda apresentar recurso junto do Tribunal Supremo contra qualquer decisão administrativa tomada pelo Presidente da República, pelo Conselho de Ministros Federal, pelo Governo de qualquer região, ou por um ministro federal ou regional.

87. O Queixoso sustenta que a Comissão Africana defende que “a regra de se

esgotarem os recursos ou instâncias de Direito Interno constitui a condição mais importante para a admissibilidade de Participações-queixa. Não restam dúvidas, por conseguinte, de que em todas as Participações-queixa aceites pela Comissão Africana, o primeiro requisito considerado diz respeito ao esgotamento de recursos ou instâncias de Direito Interno...”22 O Queixoso argumenta que a razão desta regra foi definida pela Comissão como um teste com um duplo propósito em mente. Primeiro, o de conceder aos tribunais nacionais a oportunidade de decidir sobre casos antes destes serem remetidos a um fórum internacional. Se um direito não estiver devidamente assegurado a nível nacional, não poderão nunca existir recursos eficazes. 23

88. Segundo, o Queixoso declara que o Estado Respondente deve ter aviso de uma

violação de direitos humanos de modo a que tenha a oportunidade de remediar uma tal violação antes que esta seja apresentada a um Tribunal Internacional.24 O Queixoso sustenta que o Estado Respondente esteve durante anos ao par da situação dos refugiados não tendo feito nada para protegê-los. O Queixoso alega que não existem dúvidas de que o governo do Estado Respondente havia sido avisado da situação que dera azo à presente Participação-queixa. Tal aviso foi dado pelos próprios refugiados em comunicações com o governo; por via de comunicações que

22 Participação-queixa 228/99-The Law Office of Ghazi Suleiman/ Sudão, 33ª Sessão Ordinária, Décimo Sexto Relatório Anual de Actividades (2003) parágrafo 29. 23 Participação-queixa 155/96 -- The Social and Economic Rights Action Group and the Centre for Economic and Social Rights/ Nigéria, Décimo quinto Relatório Anual de Actividades (2003) parágrafo 37. 24 Ibid. parágrafo 38.

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os representantes legais dos refugiados mantiveram com o governo e através da cobertura por parte da comunicação social da situação crítica em que se encontravam os refugiados.

89. O Queixoso sustenta que o Estado Respondente respondeu a essas comunicações,

negando qualquer responsabilidade pela situação crítica dos refugiados. O Queixoso declara que dadas as graves violações de direitos humanos que tiveram lugar, deve-se renunciar ao requisito de que os refugiados têm de fazer uso de recursos ou instância de Direito Interno, devendo a Comissão considerar os méritos da presente Participação-queixa.

90. O Queixoso afirma que ao interpretar o Artigo 56 (5) da Carta, a Comissão Africana

deve ter em consideração os princípios geralmente reconhecidos de direito internacional com o propósito de assegurar a protecção dos direitos humanos.25

91. O Queixoso sustenta que a Comissão defendeu de forma inequívoca que quando

um Estado Respondente se defende, afirmando que os recursos ou instâncias de Direito Interno não foram esgotados, esse mesmo Estado deve livrar-se desse ónus e demonstrar a existência de tais recursos.”26

92. O Queixoso insta a Comissão Africana a inspirar-se em mecanismos regionais e internacionais de direitos humanos relativamente a esta questão. O Tribunal Interamericano de Direitos Humanos afirmou repetidas vezes que um Estado tem o dever de “organizar o aparelho governamental e, em geral, todas as estruturas através das quais o poder público é exercido, de modo a que seja capaz de assegurar judicialmente o livre e pleno usufruto de direitos humanos.”27 O Tribunal defendeu que “o Estado que reivindica o não-esgotamento de recursos ou instâncias de Direito Interno tem a obrigação de provar que tais recursos estão ainda por ser esgotados e que são eficazes.”28

93. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos declarou expressamente que o

ónus da prova da existência de recursos ou instâncias de Direito Interno eficazes e que os mesmos não foram esgotados, recai sobre o governo que faz uma tal reivindicação.29

25 Ver Art. 60 da Carta Africana. 26 Recontre Africaine Pour la Defense des Droits de l‟Homme vs Zâmbia, Participação-queixa 71/92, 21ª Sessão Ordinária, Décimo Relatório Anual de Actividades (1997) parágrafo 12. 27 Excepções e Esgotamentos de Recursos ou Instâncias de Direito Interno (Art. 46(1)), 46(2)(A) e 46(2)(B) American Convention on Human Rights, Ser. A, No.11, Advisory Opinion OC-11/90 de (10 de Agosto de 1990), parágrafo 23; Caso Velasquez Rodriguez, Ser. C, No. 4 (29 de Julho de 1988), parágrafo 166; e Caso Godinez Cruz, Ser. C, No. 5 (20 de Janeiro de 1999) parágrafo 175. 28 Loayza Tamayo Case, Objecções Preliminares, Ser. C, No. 25 (31 de Janeiro de 1996), parágrafo 40. 29 Artigo 37(3) dos Regulamentos adoptados em OAS Doc. OAE.Ser.L.V/II.82 doc. 6, rev.1 em 103 (1992).

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94. Opinião semelhante, relativamente ao ónus da prova, foi assumida pelo Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas em que o Estado Respondente “…não prestou informações suficientes sobre recursos eficazes.”30 De igual modo, o Tribunal Europeu e a Comissão Europeia de Direitos Humanos defenderam que cabe ao governo o ónus da prova de que existem recursos eficazes.

95. De uma forma idêntica, a Câmara Alta do Tribunal Europeu de Direitos Humanos

manifestou a opinião de que “cabe ao governo que reivindica o não-esgotamento de recursos ou instâncias de Direito Interno satisfazer o Tribunal de que o recurso era eficaz, disponível em teoria e na prática na altura relevante.”31 O Tribunal acrescentou …quer isso dizer que tal recurso era acessível, que era capaz de proporcionar desagravo relativamente às queixas do requerente, e oferecer perspectivas razoáveis de sucesso.”32 Apenas quando este ónus de prova tiver sido observado é que o peticionário tem de determinar que o recurso ou instância de Direito Interno “foi de facto esgotado e que, por alguma razão, era inadequado ou ineficaz nas circunstâncias específicas.”33

96. O Queixoso insta a Comissão a aplicar as normas acima articuladas, o que exige

que o Estado Respondente prove que no Sudão existem recursos ou instâncias de Direito eficazes e que os mesmos são razoavelmente acessíveis. O Queixoso sustenta ainda ser evidente que o Estado Respondente não cumpriu com esse ónus de prova. O Estado Respondente não mostrou que os refugiados dispunham de recursos adequados e eficazes. O governo evitou ele próprio que os refugiados acedessem a quaisquer recursos – independentemente da sua eficácia e adequação que afirma encontrarem-se disponíveis.

97. O Queixoso sustenta que a Participação-queixa 235/00 envolve violações maciças e

graves de direitos humanos. O Queixoso declara que a Comissão Africana constatou que as acções que ameaçam a vida e o bem-estar de menos de mil pessoas constituem violações graves e maciças de direitos humanos.34

98. O Queixoso alega que a presente Participação-queixa envolve mais de catorze mil

(14,000) refugiados etíopes, cuja sobrevivência diária encontra-se ameaçada, os quais não podem abordar as autoridades por recearem que os seus documentos de identidade como refugiados sejam confiscados, e que sejam deportados sem observância de um processo legal justo.

30 Famara Kone vs Senegal, Participação-queixa No. 386/1989, opiniões adoptadas a 21 Outubro de 1994, parágrafo 5.3. 31 Ver Akdivar vs Turquia, parágrafo 68. 32 Ibid. 33 Ibid. 34 Commission Nationale des Droits de l‟Homme at des Libertes vs Chade, Participação-queixa. No. 74/92. Nono Relatório Anual de Actividades (1996), parágrafos 1-6.

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99. O Queixoso declara que o Estado Respondente sugeriu que os refugiados poderiam teoricamente contar com os procedimentos Administrativos e Constitucionais, conforme o “Artigo 20 do Código Constitucional e Administrativo de 1996, e o Artigo 120 (2)(b) da Constituição.” O Queixoso alega que tal não teria sido um recurso adequado uma vez que no Sudão o sistema judicial não é independente.

100. O Queixoso salienta o facto da Comissão ter observado que o Estado

Respondente havia demitido mais de 100 juízes quando subiu ao poder cerca de 12 anos antes.35 Mais alega o Queixoso que desde 1989, a nomeação de juízes é feita em estreita coordenação com o Presidente. Acrescenta o Queixoso que a Constituição do Sudão de 1998 aumentou intencionalmente os poderes do Presidente.36

101. O Queixoso alega que no dia 12 de Dezembro de 1999, o Presidente declarou o

Estado de Emergência, tendo prolongado o controlo que detinha sobre o sistema judicial até 2001. Os casos apresentados perante o Tribunal a contestar essa declaração de emergência foram rejeitados sem se prestar pouca ou nenhuma atenção ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Em vez disso, os Tribunais escudaram-se em referências vagas aos poderes presidenciais consuetudinários que anulam a letra da Constituição.37 O Queixoso conclui que os tribunais sudaneses encontram-se sob controlo do poder executivo sudanês desde 1989, e que no Sudão não existe um poder judicial independente.

102. O Queixoso sustenta que o Estado Respondente não possui nenhum sistema

que possa proteger os direitos humanos na esmagadora maioria dos casos. O Queixoso salienta como exemplo o caso Amal Aba al-Ajab vs Governo do Sudão em que o Tribunal recusou-se a aplicar o direito internacional de direitos humanos.38 O Queixoso faz ainda referência a uma situação semelhante no caso Abdelraham et al vs Sudão, Caso No. 7/98 de 13 de Agosto de 1998.39

103. O Queixoso sustenta que a falta de independência do sistema judicial resulta

das várias medidas tomadas pelo governo sudanês desde que chegou ao poder em 1989. O Queixoso cita os relatórios do Sr. Leonard Franco, Relator Especial das Nações Unidas para a Situação dos Direitos Humanos no Sudão assim como numerosas organizações não-governamentais para demonstrar a falta de independência do sistema judicial do Sudão. 40

35 Ver Caso Sudão, parágrafo 37. 36Doebbler, C.F. e Suleiman, G., “Human Rights in Sudão in the Wake of the New Constitution.” 6(1) Human Rights Brief 1,2 (1998). 37 Ver Ibrahim Yusif Habani et al vs Governo do Sudão, Caso No. MD/GD/1/2000 (não notificado, 8 de Março de 2000), citado e discutido em Bantekas, I., e Abu-Sabeib, H., “Reconciliation of Islamic Law with Constitutionalism: The Protection of Human Rights in Sudão ‟s New Constitution.” 12 RADIC 531 (2000). 38 Amal Aba al-Ajab vs Governo do Sudão, Caso No. MD/GD/8/99, Sentença de 10 de Agosto de 1999 (não notificado), 39 Abdelraham, et al, vs Sudão, Caso No. 7/98 de 13 de Agosto de 1998.

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104. O Queixoso argumenta que embora tenha sido adoptada uma nova Constituição a 1 de Julho de 1998, o poder executivo continua a exercer amplos poderes sobre o sistema judicial. A Secção 5 do decreto constitucional 13/1995, intitulado, „Poderes do Presidente‟ determina que... “o Presidente será o guardião do sistema judicial e do Conselho de Justiça em conformidade com a Constituição e a Lei”, ... “Um juiz deverá ser orientado pelo conceito de supremacia da Constituição, da Lei e das orientações gerais da Sharia.” A Secção 61 (1-3) determina que: “O sistema judicial é responsável perante o Presidente para o desempenho eficaz e honestamente das suas funções para que a justiça prevaleça; a sua função é a de julgar de forma justa em disputas constitucionais, administrativas, civis e criminais, e a exercer o seu juízo em conformidade com a lei.”

105. O Queixoso alega que o Sudão se rege por um Estado de Emergência em que o Presidente exerce controlo quase completo sobre as funções executivas, legislativas e judiciais. O Queixoso alega ainda que por essas razões, não existem recursos adequados e eficazes no Sudão que os refugiados devam esgotar.

106. O Queixoso sustenta que no presente caso, o Estado Respondente negou às vítimas, de forma repetida, acesso ao seu representante legal – Dr. Curtis F. J. Doebbler – ao recusar por diversas vezes conceder-lhe visto de entrada no país. O governo também não colocou meios à disposição dos refugiados, mesmo quando estes se encontravam sob custódia, para que contactassem o seu representante legal.

107. O Queixoso rejeitou as conclusões do Estado Respondente, segundo as quais o desagravo sob a forma de recurso ao UNHCR ou aos tribunais sudaneses encontrava-se à disposição dos refugiados.

108. Sustentou o Queixoso que nenhum desses meios de desagravo era adequado. O

recurso ao UNHCR era ineficaz dado que aos refugiados havia sido negada representação legal. Argumenta ainda o Queixoso que as entidades do UNHCR

com poder de decisão haviam-se recusado a aplicar a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e a Convenção da OUA de 1969 Relativa a Aspectos Específicos do Problema de Refugiados em África. Segundo, não era possível recorrer aos tribunais sudaneses dado não existir nenhuma decisão tomada por um organismo administrativo sudanês.

109. O Queixoso sustenta que o Estado Respondente negou responsabilidade pela

protecção de refugiados etíopes sob sua jurisdição.

40 Internacional Human Rights Watch e Lawyers Committee for Human Rights. Estes incluem UN Doc. E/CN.4/1999/38/Add1 (17 de Maio de 1999), parágrafo 34, UN Doc. E/CN.4/2000/36 (19 de Abril de 2000), parágrafo 11b, assim como relatórios da Amnistia.

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110. O Queixoso declarou que a posição do governo sudanês contrasta com a posição manifestada pela Comissão, segundo a qual, “a Carta especifica no Artigo 1 que os Estados Partes não deverão apenas reconhecer os direitos, deveres e liberdades adoptados pela Carta, mas deverão também „adoptar... medidas que dêem efeito aos mesmos.‟” Por conseguinte, se um Estado negligencia assegurar os direitos contidos na Carta Africana, tal poderá constituir uma violação, mesmo se o Estado ou os seus agentes não sejam a causa imediata da violação.41

111. O Queixoso sustentou ainda que o processo proporcionado pelo UNHCR tinha falhas relativamente a diversas questões graves. Não obstante os repetidos pedidos para representação dos refugiados em procedimentos perante o UNHCR, aos refugiados havia sido negado o direito de representação legal.

112. O UNHCR recrutou tradutores da Embaixada Etíope no Sudão para entrevistar os Queixosos. Uma vez que os procedimentos aplicados pelo UNHCR não aplicaram as normas mais básicas de um processo legal justo, tal não poderá ser considerado de eficaz ou adequado como meio de se protegerem os direitos dos refugiados que se encontram garantidos na Carta Africana.

113. Para além do mais, o Queixoso sustentou que o direito de recurso, relativamente a procedimentos que não conformam com as normas de um processo legal justo, é ilusório e não pode ser tido como um recurso eficaz. Os refugiados não puderam recorrer de uma decisão do UNHCR junto dos organismos administrativos sudaneses. Apenas é possível recorrer das decisões administrativas tomadas pelas autoridades do governo sudanês. O próprio governo do Sudão admitiu que nada tinha a ver com a decisão do UNHCR. Consequentemente, não existia nenhum recurso ou instância de Direito Interno que pudesse proteger adequada e efectivamente os direitos humanos das vítimas.

114. O Estado Respondente reiterou a sua posição de que o Queixoso não havia abordado o UNHCR nem qualquer Tribunal ou Organismo Administrativo a fim de denunciar a alegada violação dos direitos dos refugiados etíopes anteriores a 1991. O Estado Respondente frisou que o Queixoso poderia ter contestado a forma como o exercício de repatriamento havia sido levada a cabo, apresentando um recurso junto do Tribunal Supremo em conformidade com o Artigo 20 da Código dos Tribunais Administrativos de 1996. O Artigo 20 do Código determina que qualquer pessoa pode apresentar um recurso junto do Tribunal Supremo contra qualquer decisão administrativa tomada pelo Presidente da República, pelo Conselho de Ministros Federal, pelo Governo de qualquer região ou por um ministro federal ou regional.

115. O Estado Respondente acrescentou que o Queixoso não havia citado nenhum caso de refugiados que haviam sido mandados de volta à Etiópia de forma ilegal ou forçada. O Estado Respondente reconheceu que a situação prevalecente na Etiópia

41 Free Legal Assistance Group, Lawyers Committee for Human Rights, Union Interafricaine des Droits de l‟Homme, Les Temoins de Jehova vs Zaire, Participações-queixa 25/89, 47/90, 56/91 e 100/93, Nono Relatório Anual de Actividades (1996), parágrafo 20.

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em Março de 2000 não era favorável ao repatriamento de refugiados que temiam ser perseguidos no respectivo país de origem. No entanto, o Estado Respondente declarou que o processo de repatriamento obedeceu aos princípios estipulados no Acordo Trilateral assinado entre o Governo do Sudão, o Governo da Etiópia e o UNHCR em Agosto de 2000.

116. A Comissão Africana é da opinião que, mesmo se determinados recursos ou instâncias de Direito Interno se encontrem disponíveis, não era razoável esperar que os refugiados colocassem as suas queixas perante os tribunais sudaneses, dada a sua vulnerabilidade extrema e estado de privação, o receio de serem deportados e a falta de meios adequados para obter representação legal. A Comissão faz notar que as autoridades do Estado Respondente haviam repetidamente negado entrada no país ao representante legal dos refugiados.

117. Além disso, e mesmo aceitando o argumento do Estado Respondente de que os refugiados poderiam ter contestado a decisão relativa ao seu repatriamento junto dos Tribunais Administrativos ou recorrido ao Tribunal Supremo, a Comissão é da opinião, declarada por diversas vezes no passado, que nos casos em que as violações envolvam muitas vítimas, não se torna prático nem desejável que os Queixosos ou as vítimas procurem por tais recursos ou instâncias de Direito Interno relativamente a todos os casos de violação de direitos humanos.42

Por todas essas razões, a Comissão Africana declara a presente Participação-queixa admissível.

Consideração dos méritos 118. A presente Participação-queixa alega que o Estado Respondente violou os direitos humanos de um grupo de refugiados etíopes estimado em catorze mil pessoas, após o UNHCR ter evocado a Cláusula de Cessação ao abrigo do Artigo 1(C)(5) da Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados Conclusões do Queixoso quanto aos méritos 119. O Queixoso declara que a certa altura em Setembro de 1999, o Estado Respondente e o UNHCR concluíram um acordo o qual, entre outras coisas, estipulava que a 1 de Março de 2000 os refugiados etíopes no Sudão deixariam de ter o direito ao trabalho e de receber qualquer forma de assistência social como forma de coagi-los ao repatriamento forçado. 120. O Queixoso declara que os referidos refugiados foram subsequentemente repatriados involuntariamente para a Etiópia ou ameaçados de prisão ou de repatriamento involuntário pelo Estado Respondente por terem protestado contra o seu repatriamento. Refugiados houve que foram forçados a deixar o Sudão para terceiros países.

42 Ver parágrafo 85, Malawi African Association, et al versus Mauritânia, Participações-queixa consolidadas: 54/91, 61/91, 98/93, 164/97, 196/97 e 210/98.

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121. O Queixoso alega que o Estado Respondente violou os Artigos 4, 5, 6, e 12 (3), (4) e (5) da Carta Africana por não ter protegido os refugiados etíopes contra o repatriamento involuntário e ameaças de prisão. Declara ainda o Queixoso que por não ter protegido os refugiados, o Estado Respondente forçou-os a viver em condições desumanas, sem as necessidades básicas de vida. O Queixoso alega que os etíopes são de facto refugiados, e, por conseguinte, encontram-se protegidos pelo Artigo 12 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

122. O Queixoso sustenta que o Estado Respondente tem a obrigação de assegurar o respeito pelo direito à vida, o direito ao tratamento humano e o direito à segurança da pessoa relativamente a cada indivíduo sob sua jurisdição. Tem igualmente obrigações nos termos do Artigo 7 da Carta Africana, o qual exige que todo a pessoa tem direito a uma justa determinação dos seus direitos, em conformidade com o que a Carta protege.

123. O Queixoso chama a atenção da Comissão Africana para o Artigo 60 da Carta e que se inspire na Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa aos Refugiados43 e na Convenção da OUA de 1969 OAU Relativa a Aspectos Específicos dos Problemas de Refugiados em África, instrumentos que o Estado Respondente assinou e ratificou,44 ao determinar o significado dos artigos da Carta atrás referidos relativamente a esses instrumentos. 124. O Queixoso argumenta que uma vez que a Carta Africana é um tratado ex post facto, relativamente à Convenção das Nações Unidas relativa aos Refugiados ou à Convenção Africana Relativa aos Refugiados, o princípio geral de direito internacional a ser aplicado para se resolver qualquer conflito entre tratados é o de que o tratado mais recente é o que prevalece em relação ao anterior que não seja compatível. O Queixoso fundamenta-se no Artigo 30(3) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,45

a qual diz que “o tratado anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam compatíveis com as do tratado posterior.” Argumenta o Queixoso que ao se aplicar esse princípio, quaisquer disposições da Convenção das Nações Unidas relativa aos Refugiados que sejam incompatíveis quer com a Convenção Africana Relativa aos Refugiados ou com a Carta devem ser consideradas como anuladas por estes dois últimos instrumentos. 125. A Comissão deseja afirmar que não encontra qualquer conflito ou incompatibilidade entre a Carta Africana e as duas convenções relativas a refugiados, ou entre as Convenções das Nações Unidas e da OAU relativas a Refugiados. A Convenção da OUA de 1969 estipula que ela constitui um complemento da Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa aos Refugiados. O Parágrafo 9 do preâmbulo desta Convenção reconhece a Convenção das Nações Unidas de 1951 e o Protocolo de 1967 como instrumentos básicos e universais relativos ao estatuto de refugiados. O Artigo VIII da Convenção da OAU recomenda aos Estados membros a cooperarem com o

43 Convenção Relativa ao Estatuto de Refugiados, 189 UNTS 150, entrou em vigor a 22 de Abril de 1954. 44

Convenção que Rege os Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados em África, 1001, UNTS 45, entrou em vigor a 20 de Junho de 1974 e foi ratificada pelo Governo do Sudão a 24 de Dezembro de 1972. 45 1155 UNTS 331, que entrou em vigor a 27 de Janeiro de 1980.

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UNHCR, e declara ainda que a Convenção da OAU é um complemento regional da Convenção das Nações Unidas de 1951. 126. A esse respeito, a Comissão deverá ler as disposições dos três instrumentos como

complementando cada um deles. O argumento do Queixoso de que as disposições da convenção mais recente prevalecem sobre a antiga não afecta de nenhuma forma a interpretação que a Comissão fará das disposições aplicáveis, caso tal se afigure necessário efectuar nos termos da presente Participação-queixa. Isto pelo facto de as disposições quando muito complementarem cada uma delas, não sendo mutuamente exclusivas.

127. Relativamente às violações mencionadas, o Queixoso sustenta que o Estado

Respondente não negou os factos tal como apresentados; em vez disso, o Estado Respondente meramente alegou que o problema era da responsabilidade do UNHCR. Diz o Queixoso que tanto o Governo do Sudão como o UNHCR reconheceram todos os refugiados na década de 90. O Queixoso afirma que embora o Estado Respondente declare que os refugiados não mais necessitam de protecção, os refugiados, no entanto, refutam tal afirmação. O Queixoso argumenta que os refugiados ainda merecem protecção e, no mínimo, merecem um processo justo para se determinar esta questão, individualmente em cada caso. Argumenta ainda que uma vez que o Estado Respondente negou aos refugiados protecção e um processo de determinação justo, torna-se necessário examinar individualmente o estatuto de jure.

128. O Queixoso argumenta que quer o direito consuetudinário internacional, quer a Carta Africana provêem protecção especial de indivíduos que não conseguem obter protecção junto dos seus próprios países. Tais pessoas – refugiados e pessoas em busca de asilo – são reconhecidas como estando em posições particularmente vulneráveis. Os Estados estão sob a obrigação moral de considerar as reivindicações de refugiados para protecção por via de um processo justo, e de proporcionar-lhes protecção se as suas reivindicações forem consideradas com bem fundamentadas. 129. Remetendo a Comissão para o Artigo 12 da Carta Africana, o Queixoso argumenta que a Carta reconhece especificamente a necessidade de se protegerem tais indivíduos, apesar desse instrumento não definir em detalhe quem é refugiado, descrevendo-os apenas como quaisquer pessoas que sejam perseguidas. O Queixoso adianta que o segundo parágrafo preambular da Resolução No. 72/(XXXVI)/04, que cria o cargo de Relator/a Especial da Comissão, reitera essa protecção, ao mesmo tempo que chama a atenção dos Estados para as suas obrigações ao abrigo dos instrumentos internacionais relevantes.46 130. O Queixoso argumenta ainda que a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados é lex specialis relativamente à Carta Africana.47

46 Parágrafo preambular 2 e parágrafo 1(g) da Resolução da Comissão No.72(XXXVI) 04. 47Artigo 1(A) (2) da Convenção Relativa ao Estatuto de Refugiados. Embora este tratado tenha em tempos sido limitado a eventos que ocorreram antes de 1 de Janeiro de 1951, tal restrição temporal foi retirada

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131. Argumenta o Queixoso que a Convenção que Rege Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados em África é lex specialis quer em relação à Carta ou à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. O Queixoso declara que este instrumento expande e reforça a definição de um refugiado que mereça a protecção de asilo. Esse tratado, mantém o Queixoso, alarga a definição de refugiado ao afirmar no parágrafo 2 do Artigo 1 que não apenas é um refugiado uma pessoa, tal como descrito pela Convenção das Nações Unidas, mas que também:

o termo "refugiado" aplicar-se-á a todas as pessoas que, devido a agressão externa, ocupação, dominação estrangeira ou acontecimentos que perturbem seriamente a ordem pública, quer em parte, quer na totalidade do seu país de origem ou nacionalidade, é obrigado a deixar o seu local de residência habitual de modo a procurar refúgio num outro local fora do seu país de origem ou de nacionalidade.

132. O Queixoso conclui que, no caso vertente, essa definição alargada, em

aditamento à definição da Convenção das Nações Unidas relativa aos Refugiados, aplica-se aos refugiados etíopes. Essa definição alargada deve igualmente constituir a base da interpretação e aplicação do Artigo 12 pela Comissão por proporcionar cumulativamente às pessoas a protecção mais adequada dos seus direitos humanos em conformidade com as obrigações legais internacionais em relação às quais o governo do Sudão assumiu um compromisso.

Conclusões do Estado Respondente quanto aos méritos 133. Nas suas conclusões, o Estado Respondente declara que o Sudão esteve sempre empenhado na aplicação dos instrumentos internacionais de direitos humanos e que continua a cooperar com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o qual tem a responsabilidade de monitorar as convenções internacionais e regionais relativas a refugiados. 134. O Estado Respondente nega todas as alegações do Queixoso, e argumenta que, como signatário da Carta Africana e de diversos instrumentos sobre refugiados, havia meramente cooperado com o UNHCR “…no desempenho das suas funções, prestando-lhe assistência a fim de facilitar os seus deveres e levar a cabo as suas missões de monitorar e aplicar as disposições” da Convenção de Genebra.48 O Estado Respondente argumenta que os refugiados estão apenas habilitados a receber apoio das Nações Unidas nos casos em que o receio de perseguição, que fez com que eles tivessem fugido, ainda persista.

em países como o Sudão, os quais ratificaram o Protocolo adicional de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados, 606 UNTS 267 (entrou em vigor a 4 de Outubro de 1967). 48 Parágrafos 3 e 4 das Conclusões do Estado Respondente quanto aos méritos.

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135. O Estado Respondente argumenta que a seguir à queda do regime de Mengistu em 1991, o UNHCR era da opinião que as circunstâncias que deram lugar à fuga de etíopes para o Sudão e outros países do mundo, haviam deixado de existir. O Estado Respondente declara que o UNHCR acreditava que a situação na Etiópia depois da queda de Mengistu havia mudado o suficiente para o regresso de um grande número de refugiados para esse país. Todavia, o Estado Respondente argumenta que o anúncio do Término do Estatuto de Refugiado relativamente aos refugiados etíopes não deveria ocorrer sem que decorresse um prazo adequado a fim de assegurar a estabilidade e sustentabilidade da mudança operada no país de origem. 136. O Estado Respondente, citando o Artigo 1 (C) parágrafos de 1 a 6 da Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa aos Refugiados, que define as seis condições nos termos dos quais o estatuto de refugiado cessa, argumenta que no caso dos refugiados etíopes, as condições não mais justificavam a continuação da sua permanência no Sudão. O Estado Respondente argumenta que essas seis condições baseiam-se na consideração de que a protecção internacional não é normalmente concedida quando for injustificada. 137. O Estado Respondente cita a Cláusula de Cessação, Artigo 1(C) (5), como sendo a origem da presente disputa, a qual não era apenas dirigida aos refugiados etíopes no Sudão, mas aos refugiados etíopes em outras partes do mundo. O Estado Respondente argumenta que, de facto, o UNHCR no passado havia emitido Cláusulas de Cessação semelhantes, relativamente a outros refugiados do Zimbabué, Malaui, Moçambique, Namíbia, África do Sul e Chile, quando a situação nesses países havia normalizado. O Estado Respondente sustenta que uma vez que o Sudão alberga um grande número de refugiados etíopes, para evitar as consequências que uma aplicação rápida causaria aos refugiados assim como aos sudaneses, esse país solicitou ao Terceiro Comité das Nações Unidas em Nova Iorque uma aplicação gradual da Cláusula de Cessação relativamente aos refugiados etíopes no Sudão. 138. O Estado Respondente declara que em 1993 havia sido celebrado um Acordo Tripartido entre o Sudão, a Etiópia e o UNHCR. Ao abrigo desse acordo, em 1993 começou por ser posto em prática um programa de repatriamento voluntário, tendo o mesmo prosseguido até 1998. O Estado Respondente sustenta que, em conformidade com esse acordo, 720,000 refugiados haviam regressado voluntariamente. Todavia, no final do programa, um número considerável de refugiados permaneceu no Sudão. 139. O Estado Respondente declarou que a Etiópia e o Sudão haviam solicitado ao UNHCR a 29 de Dezembro de 1999 e a 1 de Fevereiro de 2000, respectivamente, que fosse adiado o repatriamento devido à eclosão da guerra com a Eritreia. Mais tarde, a 25 de Agosto de 2000, o Estado Respondente, a Etiópia e o UNHCR celebraram um outro Acordo Tripartido visando o repatriamento de refugiados no término da guerra com a Eritreia e o fim da estação chuvosa. 140. O acordo de Agosto de 2000 estabelecia, inter alia, as modalidades de transporte, o aprovisionamento de embalagens de regresso para os retornados, tais como chávenas, mantas, subsídios de alimentação e outros itens não alimentares. O acordo determinava ainda um mecanismo para um grupo residual de indivíduos com razões imperativas

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para protecção internacional, e para os que, por razões sociais e económicas, desejavam permanecer no Sudão. 141. A Comissão Sudanesa para os Refugiados e o UNHCR, efectuaram, em conjunto, um processo de triagem a fim de se determinar quem é que continuaria a necessitar de protecção internacional. Ficou acordado que a regularização dos que desejassem permanecer no Sudão era um assunto sujeito a discussões bilaterais entre os dois governos. Previa-se que o processo de triagem ficaria concluído em Novembro de 2000. O repatriamento seria levado a cabo entre 1 e 31 de Dezembro de 2000, dado que em 2001 não haveria alimentação nem fundos disponíveis. A execução do programa de repatriamento foi adiada para uma posterior data (14 de Março de 2001) para permitir uma aplicação e avaliação apropriadas. 142. O Estado Respondente argumenta que o UNHCR levou para o país os melhores quadros a trabalhar em diversas partes do mundo a fim de tomarem parte nesse programa, tendo em vista assegurar equidade e justiça. O Estado Respondente sustenta que o repatriamento foi voluntário. Ele nega que quaisquer refugiados tivessem sido encarcerados, torturados ou sujeitos ao retorno involuntário. Sustenta ainda o Estado Respondente que a nenhuma pessoa foram negados serviços sociais, tais como cuidados médicos, alimentação ou abrigo. Foi prestada assistência aos refugiados até ao respectivo ponto final de residência. Os que permaneceram no país foram assistidos até se terem esgotado todas as fases de aplicação da Cláusula de Cessação, incluindo a reconciliação do seu estatuto legal. 143. O Estado Respondente sustentou ainda que dos que não optaram pelo repatriamento voluntário, a 282 refugiados foi concedida protecção, o mesmo não tendo acontecido em relação a 2 753 outros. Tal foi determinado em conformidade com a decisão do Comité Executivo (EXCOM) do UNHCR de 1977, que exigia que os Estados membros adoptassem procedimentos abrangentes visando assegurar que às pessoas em busca de asilo fosse concedido um prazo apropriado para recorrerem a uma reconsideração da decisão de acreditá-los, junto do mesmo comité ou de outra autoridade. 144. Em Junho de 2001, o Estado Respondente havia registado 7,072 etíopes, durante as fases de repatriamento de 1993 e 1998, e de 2000, tendo-lhes sido passados certificados de residência renováveis anualmente, em conformidade com a decisão No. 69 do Comité Executivo (EXCOM) do UNHCR, exigindo que os Estados membros, em cumprimento da Cláusula de Cessação, façam os preparativos necessários de modo a permitir que as pessoas que devam abandonar o país cuidem de questões familiares, sociais e económicas. 145. O Estado Respondente chamou a atenção da Comissão para a data de recepção da Participação-queixa junto do seu Secretariado, designadamente a 22 de Fevereiro de 2000. O Estado Respondente sustentou que a Participação-queixa havia sido recebida antes da data de aplicação da Cláusula de Cessação. O Estado Respondente sustentou que “10,000 refugiados etíopes haviam na realidade regressado ao seu país

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voluntariamente a seguir à aplicação da cláusula...” Argumenta o Estado Respondente que tais retornados não podem ser considerados para inclusão na Participação-queixa.

Decisão da Comissão quanto aos méritos 146. A presente Participação-queixa gira em torno de questões relacionadas com a aplicação de dois importantes princípios do direito internacional sobre refugiados e direitos humanos. A primeira questão tem a ver com o efeito da Cláusula de Cessação e a sua aplicação ao abrigo da Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados vis-à-vis o Estado Parte da Carta Africana. A segunda questão refere-se à aplicabilidade do princípio de não refoulement [expulsão, devolução] assente nas acções tomadas pelo Estado Respondente como consequência da Cláusula de Cessação. A Comissão Africana tem, portanto, de determinar se o Estado Respondente, ao aplicar a Cláusula de Cessação, agiu ou não de uma forma que constituiu refoulement de refugiados para o seu país de origem, onde receavam vir a ser perseguidos, sendo isso, por conseguinte, uma violação da Carta Africana. 147. Antes de se analisar o caso vertente, torna-se importante esclarecer os conceitos de “Cláusula de Cessação ,” “expulsão” e de “não-expulsão.” 148. O Artigo 1(C)(5) da Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados estipula uma das seis condições que põe termo ao estatuto de refugiado, e, por conseguinte, a protecção até então usufruída por um refugiado durante o asilo num país anfitrião, após ter fugido à perseguição ou ao receio de perseguição no seu país de origem. O Artigo 1( C) (5) da Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa aos Refugiados diz o seguinte:

Esta Convenção deixará de ser aplicável a qualquer pessoa (isto é, um refugiado) se ela não mais puder, por causa das circunstâncias em consequência das quais foi considerada refugiada deixaram de existir, continuar a recusar pedir a protecção do país de que tem a nacionalidade;

Desde que o presente parágrafo não se aplique a nenhum refugiado ... que seja capaz de evocar razões imperiosas relacionadas com perseguições anteriores por se recusar a pedir a protecção do país de que tem a nacionalidade.

149. A Convenção da OAU de 1969 que Rege os Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados em África estipula uma Cláusula de Cessação própria. O Artigo I (4) (e) diz o seguinte:

Esta Convenção deixará de ser aplicável a qualquer refugiado se ele não mais puder, devido às circunstâncias em consequência das quais foi reconhecido como refugiado, deixarem de existir, continuar a recusar pedir a protecção do país de que tem a nacionalidade.

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De acordo com as duas convenções, o estatuto de refugiado cessa quando as circunstâncias que fizeram com que uma pessoa assumisse o estatuto de refugiado deixaram de existir. Uma tal pessoa não mais poderá recusar a protecção do seu país. A protecção internacional é concedida a refugiados pelo facto deles não usufruírem da protecção dos seus próprios países de origem. A Cláusula de Cessação não se aplica quando razões imperiosas resultantes de perseguições anteriores, forcem uma pessoa a recusar a protecção do seu país. 150. “Não-expulsão”, por seu turno, é um princípio que assumiu um carácter cada vez mais fundamental como uma das pedras basilares do direito internacional de refugiados. Esse princípio proíbe o retorno de um indivíduo para um país no qual ele ou ela poderá ser perseguido.49 Este princípio vem enunciado na Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa aos Refugiados, Artigo 33 (1) da seguinte forma: “Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou devolverá ("refouler") um refugiado, seja de que maneira for, para fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.”50 151. A Convenção da OAU de 1969 que Rege os Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados em África51 consagra o princípio da não-expulsão no seu Artigo II (3). Diz o artigo que: “nenhuma pessoa será sujeita por um Estado membro a medidas tais como rejeição na fronteira, retorno ou expulsão, o que a obrigará a regressar ou a permanecer num território onde a sua vida, integridade física ou liberdade seriam ameaçadas pelas razões enunciadas no Artigo 1, parágrafos 1 e 2.” 152. Os parágrafos 1 e 2 do Artigo I da Convenção da OUA definem as condições que forçam um indivíduo a fugir do país de sua residência habitual e a procurar asilo num outro país. 153. Tendo visto as disposições aplicáveis, compete à Comissão determinar se o Estado Respondente violou a Carta Africana. 154. O Queixoso sustenta que o Estado Respondente negou a protecção a que 14,000 refugiados tinham direito e o processo justo de determinação ao executar um acordo conjunto firmado com o UNHCR em Setembro de 1999, dando efeito à Cláusula de Cessação a 1 de Março de 2000.

49 Guy S. Goodwin-Gill The Refugee in Internacional Law (2ª edição, Clarendon Press, Oxford, 1996) 120. Ver também Lauterpacht and Bethlehem, The Scope and Content of the Principle of Non-Refoulement: Opinion (UNHCR), ¶ 2 (2001). 50 Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, adoptada a 28 de Julho de 1951, Art. 33, U.N. Doc. A/CONF.2/108 (1951), 189 U.N.T.S. 150 (entrou em vigor a 22 de Abril de 1954) [de ora em diante, “Convenção de 1951”]. 51 Convenção da Organização de Unidade Africana que Rege os Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados em África (10 de Setembro de 1969) 1001 UNTS 45.

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155. As acções do Estado Respondente ao executar o acordo conjunto em Setembro de 1999 e ao colocar um aviso em Fevereiro de 2000, equivalem à prática de refoulement, isto é, o acto de expulsar refugiados? A mera execução do acordo e a colocação do aviso não constituíram actos correspondentes a uma expulsão ou repatriamento. O acordo de Setembro de 1999 e o subsequente aviso manifestaram claramente a intenção de aplicar a Cláusula de Cessação. Ambos criaram uma atmosfera que deu azo à presente Participação-queixa mesmo antes da aplicação da Cláusula de Cessação ter sido accionada. O processo de repatriamento ao abrigo das convenções sobre refugiados é levado a cabo de forma voluntária. 156. Sendo parte do acordo de Setembro de 1999, o Estado Respondente foi, assim, responsável por qualquer acção que se seguisse à execução desse mesmo acordo. O Estado Respondente não pode culpar o UNHCR pelas suas próprias acções. O Estado Respondente, no entanto, declarou que não havia procedido ao refoule dos refugiados. O Estado Respondente sustentou que não repatriou os refugiados à força; não os encarcerou nem lhes negou as necessidades básicas da vida, tal como alegado pelo Queixoso. 157. O Estado Respondente negou ter repatriado os refugiados durante o conflito eritreu-etíope. De facto, o Estado Respondente sustentou que tanto ele como a Etiópia haviam solicitado ao UNHCR que adiasse o repatriamento durante a Guerra entre a Etiópia e a Eritreia. O repatriamento recomeçou após o fim do conflito com a conclusão de um acordo tripartido em Agosto de 2000. O acordo provia o repatriamento voluntário, incluindo assistência do UNHCR aos retornados assim como as modalidades para se determinar o caso dos refugiados que não optaram por ser repatriados. 158. O Estado Respondente declarou que aos refugiados não havia sido negada assistência, apesar do aviso, até ao fim do programa de repatriamento. Um total de 282 refugiados continuou a receber protecção após a Cláusula de Cessação. 159. O Queixoso alegou que o Estado Respondente havia infligido maus tratos aos refugiados por terem protestado contra o seu repatriamento forçado. Alegou o Queixoso que os refugiados haviam sido agredidos, presos, repatriados à força, e em outros casos ameaçados de repatriamento forçado por exigirem que permanecessem no Sudão por receio de virem a ser perseguidos caso regressassem à Etiópia. 160. ]É desejo da Comissão Africana declarar que as versões das duas partes a respeito dos acontecimentos posteriores à Cláusula de Cessação divergem em determinados aspectos. O Queixoso, que afirmou representar 14,000 refugiados, sustentou que muitos deles não queriam regressar à Etiópia por alinharem com o partido de oposição, EPRP, e por receio de virem a ser perseguidos. O Estado Respondente sustentou que a maior parte dos refugiados anteriores a 1991 havia regressado. A um número substancial foi concedida protecção adicional, tendo a outros sido passados certificados de residência por razões familiares ou socioeconómicas. O Estado Respondente argumenta que em Junho de 2001 passou certificados de residência a mais de 7 000 refugiados que não haviam optado por serem repatriados.

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Declarou ainda o Estado Respondente que outros refugiados posteriores a 1991, que haviam fugido do actual regime etíope, continuaram a viver no Sudão. 161. A Comissão Africana não constatou quaisquer razões substanciais para duvidar do relato do Estado Respondente. A Comissão Africana considera que aos milhares de refugiados que foram repatriados voluntariamente ao abrigo do acordo tripartido, e aos que permaneceram no país havia sido concedido o estatuto de refugiado ou então passaram a deter o estatuto normal de imigrantes aos lhes serem concedidos certificados de residência. 162. A Comissão Africana declara, porém, que as alegações feitas pelo Queixoso poderiam dizer respeito ao caso de alguns refugiados que receavam o pior durante o prazo imediatamente a seguir ao anúncio da Cláusula de Cessação. O receio do desconhecido por parte de um número substancial de refugiados que tinham meios de comunicar com o respectivo advogado assim como a publicidade gerada por notícias da comunicação social, para além das frustrações causadas pela recusa de emissão de vistos pelo Estado Respondente ao Queixoso, contribuiu para a percepção de que o Estado Respondente estava prestes a proceder ao refoule dos refugiados. 163. A Comissão não constatou a existência de nenhuma prova de que os refugiados haviam sido refouled como resultado da Cláusula de Cessação. A Comissão não determinou quaisquer casos de encarceramento, detenção ou repatriamento forçado. Não foram trazidas à atenção da Comissão provas concretas de que tais casos, caso tenham existido, estivessem ligados à promulgação e aplicação da Cláusula de Cessação. O Estado Respondente demonstrou, mediante o fornecimento de números, os quais não foram refutados, respeitantes a refugiados que haviam sido repatriados voluntariamente antes e depois da Cláusula de Cessação, e em relação aos que havia sido concedida protecção ou soluções alternativas de repatriamento. As alegações do Queixoso de que os Artigos 4, 5, e 6 da Carta Africana haviam sido violados não ficaram provadas. 164. O Queixoso argumenta que o Artigo 7 da Carta Africana exige que todo o indivíduo tenha direito a uma determinação justa dos direitos humanos que se encontram protegidos na Carta. 165. O Estado Respondente negou ter violado o Artigo 7 da Carta Africana. Argumentou não existir nenhuma processo uniforme para se determinar o estatuto de refugiado e dos recursos ao abrigo do regime internacional de refugiados. Declarou o Estado Respondente que havia criado um mecanismo conjunto de determinação, envolvendo a Comissão Sudanesa dos Refugiados e o UNHCR, a fim de se determinar quais os refugiados que não haviam optado pelo repatriamento voluntário ao abrigo da decisão EXCOM No 69. A Comissão, embora reiterando a necessidade de se adoptarem recursos judiciais na eventualidade de tais mecanismos administrativos não funcionarem, faz notar que a decisão EXCOM estipulava um mecanismo destinado à reconsideração de decisões pelo mesmo comité ou outra autoridade, caso surgisse insatisfação quanto a uma determinada decisão do Comité Conjunto.

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166. É desejo da Comissão declarar que o Queixoso levantou questões que, na realidade, haviam sido tratadas. Aparentemente, a Participação-queixa foi apresentada antes da aplicação da Cláusula de Cessação ter-se iniciado. Assim se infere que quando a aplicação teve início, as alegadas violações dos direitos dos refugiados, conforme o que ficou expresso pelo Queixoso, foram eventualmente tratadas pelo Estado Respondente. 167. O Queixoso sustenta que os refugiados continuaram a considerar-se a eles próprios como refugiados de facto posteriormente à Cláusula de Cessação, com base nos parágrafos 3, 4 e 5 do Artigo 12 da Carta Africana:

(3) Toda a pessoa tem direito, em caso de perseguição, de procurar e de obter asilo em território estrangeiro, em conformidade com a lei de cada país e com as convenções internacionais.

(4) O estrangeiro legalmente admitido no território de um Estado Parte da presente Carta só poderá ser expulso em virtude de uma decisão tomada em conformidade com a lei.

(5) A expulsão colectiva de estrangeiros é proibida. A expulsão colectiva é aquela que visa grupos nacionais, raciais, étnicos ou religiosos.

Atendendo às conclusões antes referidas, a Comissão constata que, com base nas informações perante si, houve apenas casos de refugiados que foram repatriados voluntariamente ou que permaneceram no Estado Respondente ao abrigo de diversos estatutos legais reconhecidos, nomeadamente os que mantiveram o seu estatuto ou os que se tornaram imigrante aos lhes serem concedidos certificados de residência, e os refugiados posteriores a 1991 que não foram, em qualquer dos casos, objecto da Participação-queixa. A Comissão, por conseguinte, constata não ter existido em nenhuma altura, qualquer caso de refugiados de facto. A Comissão constata que a Participação-queixa foi apresentada em antecipação a uma violação, a qual na realidade não ocorreu após a aplicação da Cláusula de Cessação. 168. As alegações do Queixoso de que o Artigo 12 da Carta Africana foi violado também não ficaram provadas.

A Comissão Africana constata que as alegações relativas às violações dos Artigos 3, 4, 5, 6, 7, e 12 (3), (4), e (5) da Carta Africana não ficaram provadas.

Feito em Banjul, Gâmbia, na 46ª Sessão Ordinária da Comissão Africana dos

Direitos Humanos e dos Povos, realizada de 11 a 25 de Novembro de 2009.

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Anexo 5

Participação-queixa 276 / 2003 – Centro para o Desenvolvimento dos Direitos das Minorias (Quénia) e Grupo Internacional para os Direitos das Minorias em nome do

Conselho para o Bem-estar dos Endorois vs Quénia

RESUMO DOS FACTOS ALEGADOS 1. A queixa é apresentada pelo Centro para o Desenvolvimento dos Direitos das Minorias

(CEMIRIDE) com o apoio do Grupo Internacional para os Direitos das Minorias (MRG) e do

Centro para os Direitos Habitacionais e Despejos (COHRE – que procedeu à entrega de uma

peça processual amicus curiae) em nome da comunidade endorois. Os Queixosos alegam

violações resultantes da deslocação dos endorois, uma comunidade indígena, das suas terras

ancestrais; da indemnização inadequada pela perda dos seus bens; e da rotura da empresa

de pastorícia dessa mesma comunidade. São ainda alegadas violações do direito dessa

comunidade praticar a respectiva religião e cultura, assim como de todo o processo de

desenvolvimento do povo endorois.

2. Os Queixosos alegam que o Governo do Quénia, em violação da Carta Africana dos

Direitos Humanos e dos Povos (de ora em diante referida como a Carta Africana), da

Constituição do Quénia e do Direito internacional, retirou pela força os endorois das suas

terras ancestrais em redor da área do Lago Bogoria, nos Distritos Administrativos de

Baringo e Koibatek, assim como nos Distritos Administrativos de Nakuru e Laikipia,

situados na Província de Rift Valley, no Quénia, sem a devida consulta prévia e

indemnização adequada e efectiva.

3. Os Queixosos declaram que os endorois constituem uma comunidade de

aproximadamente 60,000 pessoas52 que desde há séculos vivem na área do Lago Bogoria.

Afirmam os Queixosos que antes da expropriação das terras dos endorois através da criação

da Reserva Natural do Lago Hannington em 1973, e subsequente listagem, pelo Governo do

Quénia, em boletim oficial de 1978, da Reserva Natural do Lago Bogoria, os endorois

vinham ao longo dos séculos a praticar uma forma de vida sustentável, inextrincavelmente

ligada às suas terras ancestrais.

4. Os Queixosos declaram que à excepção de uma confrontação com os masai há

aproximadamente 300 anos, a respeito da região do Lago Bogoria, os endorois haviam sido

aceites por todas as tribos vizinhas como proprietários bona fide das terras. De acordo com os

Queixosos, o endorois continuaram a ocupar essas terras, usufruindo do uso tranquilo das

52 Os endorois são por vezes classificados de sub-tribo da tribo tugen pertencente ao grupo Kalenjin. Durante o censo populacional de 1999, os endorois foram considerados como fazendo parte do grupo Kalenjin, constituído de nandis, kipsigis, keiros, tugens e de marakwets, entre outros.

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mesmas, pese embora o facto delas estarem sob administração colonial britânica, com os

ingleses a reivindicar o direito de posse em nome da Coroa Britânica.

5. Os Queixosos declaram que por ocasião da independência, em 1963, a reivindicação da

posse das terras dos endorois pela Coroa Britânica passou para os respectivos Concelhos

Municipais. Todavia, ao abrigo da Secção 115 da Constituição Queniana, os Concelhos

Municipais conservaram essas terras em regime de fideicomissos em nome da comunidade

endorois. Esta permaneceu nessas terras, continuando a ter posse, a fazer uso e a tirar

proveito das mesmas. Os direitos consuetudinários dos endorois relativamente à região do

Lago Bogoria não haviam sido contestados até o Governo do Quénia ter procedido à

listagem das referidas terras em boletim oficial no ano de 1973. Os Queixosos afirmam que a

listagem das terras em boletim oficial e, por conseguinte, a sua expropriação, constituem o

cerne da presente Participação-queixa.

6. Os Queixosos declaram que a área em redor do Lago Bogoria é constituída por terras

férteis, proporcionando zonas de pastagem, o que ajuda na criação de gado saudável. Os

Queixosos afirmam que o Lago Bogoria é o ponto central das práticas religiosas e

tradicionais dos endorois. Declaram ainda que os locais históricos de culto, de ritos de

circuncisão e de outras cerimónias culturais da comunidade situam-se em redor do Lago

Bogoria. Esses locais eram usados semanal ou mensalmente para cerimónias locais menos

importantes, e anualmente para festividades culturais envolvendo os endorois de toda a

região. Os Queixosos afirmam que os endorois acreditam que os espíritos de todos os

endorois, independentemente do local onde se encontram sepultados, continuam a viver

nesse lago, sendo aí que se realizam festivais anuais. Os Queixosos afirmam ainda que os

endorois acreditam que a floresta de Monchongoi é considerada como a sua terra natal e o

local onde se estabeleceu a primeira comunidade endorois.

7. Os Queixosos declaram que apesar da falta de compreensão relativamente à comunidade

endorois no âmbito daquilo que ficou decidido pelo Estado Respondente, os Serviços de

Fauna Bravia Quenianos (adiante designados por KWS) informaram certos anciães endorois

pouco depois da criação da Reserva Natural de que 400 famílias endorois seriam

indemnizadas sob a forma de “terras férteis”. Segundo os Queixosos, o compromisso

especificava igualmente que a comunidade receberia 25% das receitas do turismo levado a

cabo na Reserva Natural e ocuparia 85% dos postos de trabalho criados, e que o Estado

Respondente procederia à construção de tanques carricidas e represas de água doce.

8. Os Queixosos alegam que após diversas reuniões destinadas a determinar a

indemnização financeira referente à transferência das 400 famílias, os KWS disseram que

iriam atribuir 3,150 xelins quenianos por família. Os Queixosos alegam que nenhum desses

termos foi aplicado e que apenas 170 das 400 famílias vieram eventualmente a receber algum

dinheiro em 1986, anos após a conclusão dos acordos. Os Queixosos declaram que o dinheiro

dado às 170 famílias foi sempre considerado como sendo um meio de facilitar a sua

transferência e não como indemnização pelas perdas incorridas pelos endorois.

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9. Os Queixosos declaram que para recuperar as suas terras ancestrais e garantir o seu

modo de vida pastoril, os endorois apresentaram uma petição tendo em vista reunirem-se

com o Presidente Daniel Arap Moi, o qual desempenhava as funções de membro do

Parlamento pelo círculo eleitoral dessa comunidade. A 28 de Dezembro de 1994, realizou-se

um encontro no Lake Bogoria Hotel.

10. Os Queixosos declaram que, como resultado desse encontro, o presidente deu instruções

às autoridades locais para que fosse respeitado o acordo de 1973 referente à indemnização, e

ordenou que 25% do rendimento anual destinado a projectos comunitários fosse dado aos

endorois. Em Novembro do ano seguinte, ao serem notificados pela comunidade endorois

de que nada havia sido posto em prática, os Queixosos declararam que o Presidente Moi

voltou a dar instruções para que as suas directivas fossem cumpridas.

11. Os Queixosos declaram que na sequência do não cumprimento das directivas do

Presidente Moi, os endorois moveram uma acção em tribunal contra os Concelhos

Municipais de Baringo e Koibatek. A sentença foi lida a 12 de Abril de 2002, rejeitando o

requerimento.53 Embora reconhecesse que o Lago Bogoria tivesse sido Terra Fideicomissária

dos endorois, o Tribunal de Primeira Instância declarou que essa comunidade havia

efectivamente perdido quaisquer direitos legais como resultado da designação dessas terras

como Reserva Natural em 1973 e em 1974. O tribunal concluiu que o dinheiro concedido às

170 famílias em 1986 pelo custo da sua transferência representava o cumprimento de

quaisquer obrigações que as autoridades tinham para com os endorois por terem perdido as

suas terras ancestrais.

12. Os Queixosos declaram que o Tribunal de Primeira Instância também havia afirmado de

forma clara que não poderia tratar da questão relacionada com o direito colectivo de uma

comunidade à posse de bens, referindo-se ao longo do processo a “indivíduos” afectados,

tendo declarado “não existir qualquer identidade própria das pessoas afectadas pela

colocação de terras sob reserva ... que tivesse sido exibida ao Tribunal”. Disseram ainda os

Queixosos que o Tribunal de Primeira Instância havia declarado não acreditar que as leis

quenianas deviam lidar com qualquer protecção especial de terras de um povo na base da

ocupação histórica e de direitos culturais.

13. Os Queixosos alegam que desde que o caso foi levado ao Tribunal de Primeira Instância

queniano em 2002, a comunidade endorois ficara consciente de que parte das suas terras

ancestrais havia sido demarcada e vendida a terceiros pelo Estado Respondente.54

14. Os Queixosos alegam ainda que em 2002 haviam sido dadas concessões a uma companhia privada para exploração mineira de rubis em terras tradicionais dos endorois. Isso incluiu a construção de uma estrada destinada a facilitar o acesso de maquinaria pesada de exploração mineira. Os Queixosos afirmam que essas actividades concorrem para um

53 William Yatich Sitetalia, William Arap Ngasia et al. vs. Concelho Municipal de Baringo Country Council, Sentença do Tribunal de Primeira Instância, 19 de Abril de 2002, Caso Cível No. 183 de 2000, p. 6. 54 Dependendo do contexto, Autoridades Quenianas e Estado Respondente são termos usados no presente texto de forma permutável, querendo significar o Governo do Quénia.

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elevado risco de poluição dos cursos de água usados pela comunidade endorois, quer para consumo pessoal, quer para uso pelo gado. Tanto as operações mineiras como a demarcação e venda de terras prosseguiram, não obstante o pedido formulado pela Comissão Africana ao presidente do Quénia para que suspendesse essas actividades, enquanto se aguardava pelo resultado da presente Participação-queixa. 15. Os Queixosos declaram que após a acção ter sido movida em tribunal em nome da

comunidade, foram feitas melhorias no acesso dos seus membros ao lago. Por exemplo,

nunca mais lhes foi exigido o pagamento de entrada na Reserva Natural. Os Queixosos

alegam, todavia, que esse acesso depende da alta recreação das autoridades da Reserva

Natural, acrescentando que os endorois continuam a ter acesso limitado ao Lago Bogoria

para a apascentação de gado, realização de cerimónias religiosas e recolha de ervas

tradicionais. Os Queixosos afirmam que a incerteza jurídica em torno dos direitos de acesso

e de uso da terra faz com que os endorois fiquem totalmente dependentes da alta recreação

das autoridades da Reserva Natural quanto à concessão desses direitos em regime ad hoc.

16. Os Queixosos sustentam que para os endoris, a terra é tida em grande estima uma vez que as terras tribais, para além de assegurarem a sua subsistência e modo de vida, são consideradas de sagradas, estando inextrincavelmente ligadas à integridade cultural da comunidade e à sua forma de vida tradicional. A terra, segundo eles, pertence à comunidade e não ao indivíduo, sendo essencial para a sua preservação e sobrevivência como povo tradicional. Os Queixosos afirmam que a saúde, os meios de existência, a religião e a cultura estão todos eles intimamente ligados às suas terras tradicionais uma vez que as terras para pastagem, os locais religiosos sagrados e as plantas usadas para a prática da medicina tradicional situam-se em redor das margens do Lago Bogoria. 17. Os Queixosos afirmam que de momento os endorois vivem num em diversos locais na periferia da Reserva – que os endorois não são apenas forçados a sair de terras férteis para áreas semi-áridas, mas também divididos enquanto comunidade, e deslocados das suas terras tradicionais e ancestrais. Os Queixosos dizem que para os endorois, o acesso à região do Lago Bogoria constitui um direito da comunidade, e que o Governo do Quénia continua a negar a essa mesma comunidade a participação efectiva em decisões que afectam as suas próprias terras, em violação do seu direito ao desenvolvimento. 18. Os Queixosos alegam ainda que o direito dos endorois a representação legal é limitado uma vez que Juma Kiplenge, o advogado e defensor de direitos humanos que agia em defesa dos 20,000 endorois nómadas que se dedicam à pastorícia, foi preso em Agosto de 1996 e acusado de “pertencer a uma sociedade ilegal”. Os Queixosos afirmam que Juma Kiplenge foi também alvo de ameaças de morte. 19. Os Queixosos alegam que a decisão do governo em declarar, em boletim oficial, as terras tradicionais dos endorois como Reserva Natural, o que por outro lado lhes nega o acesso à zona, comprometeu a empresa de pastorícia da comunidade e pôs em perigo a sua integridade cultural. Afirmam ainda os Queixosos que 30 anos após o início dos despejos, os endorois ainda não obtiveram indemnização integral e justa pela perda das suas terras e do seu direito à posse das mesmas. Alegam igualmente que o processo de despejo das suas

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terras tradicionais não apenas viola os direitos de propriedade da comunidade endorois, mas também corta os laços espirituais, culturais e económicos à terra. 20. Os Queixosos alegam que os endorois não têm voz activa na gestão das suas terras

ancestrais. O Comité para o Bem-Estar dos endorois, que é o órgão representativo da

comunidade endorois, não foi autorizado a registar-se, negando assim aos endorois o direito

a consultas justas e legítimas. De acordo com os Queixosos, o não registo do referido comité

fez com que, em muitas das vezes, se realizassem consultas desprovidas de legitimidade,

procedendo as autoridades à escolha de determinados indivíduos para que estes dêm o seu

consentimento „em nome‟ da comunidade. Os Queixosos sustentam ainda que a negação do

título legal de propriedade doméstica relativamente às terras tradicionais dos endorois, a

retirada da comunidade das suas terras ancestrais e as severas restrições impostas, nos dias

que passam, ao acesso à região do Lago Bogoria, para além da não atribuição de uma justa

indemnização, constituem uma grave violação da Carta Africana. Os Queixosos declaram

que a comunidade endorois evoca essas violações em seu nome como povo, e em nome de

todos os indivíduos afectados.

21. Os Queixosos alegam que ao criar a Reserva Natural, o Estado Respondente desrespeitou as leis nacionais, as disposições da Constituição do Quénia e, o que é mais importante, numerosos artigos da Carta Africana, incluindo o direito à propriedade, o direito à livre distribuição de recursos naturais, o direito à religião, o direito à vida cultural e o direito ao desenvolvimento. Os Artigos Alegadamente Violados

22. Os Queixosos desejam obter uma declaração a dizer que a República do Quénia viola os Artigos 8, 14, 17, 21 e 22 da Carta Africana. Os Queixosos pretendem ainda a:

Restituição das suas terras, incluindo o título legal de posse e a demarcação clara das mesmas.

Indemnização a ser prestada à comunidade por todos os prejuízos que tenha sofrido como resultado da perca de bens, do direito ao desenvolvimento e aos recursos naturais, e ainda da liberdade das práticas religiosas e culturais.

PROCEDIMENTO 23. A 22 de Maio de 2003, o CEMIRIDE enviou ao Secretariado da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (o Secretariado) uma carta formal de intenções na qual se dizia estar prevista para breve a entrega de uma Participação-queixa em nome da comunidade endorois. 24. A 9 de Junho de 2003, o Secretariado escreveu uma carta ao CEMIRIDE, acusando a recepção da missiva.

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25. A 23 de Junho de 2003, o Secretariado escreveu uma carta a Cynthia Morel do MRG, entidade que presta assistência ao CEMIRIDE, a acusar a recepção da Participação-queixa e a informar que a queixa seria apresentada durante a 34ª Sessão Ordinária da Comissão Africana. 26. A 29 de Agosto de 2003 foi enviada ao Secretariado uma cópia da Queixa, datada de 28 de Agosto de 2003. 27. Na sua 34ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 6 a 20 de Novembro de 2003, a Comissão Africana examinou a Queixa, tendo decidido ocupar-se da mesma. 28. A 10 de Dezembro de 2003, o Secretariado escreveu a todas as partes, informando-as da sua decisão, tendo-lhes solicitado envio, por escrito, das respectivas conclusões quanto a Admissibilidade antes da 35ª Sessão Ordinária. 29. Dado que os Queixosos já haviam enviado as suas conclusões aquando do envio da Participação-queixa ao Secretariado, este escreveu uma nota ao Estado Respondente, fazendo-o recordar de que deveria enviar as suas conclusões quanto a Admissibilidade. 30. Por carta datada de 14 de Abril de 2004, os Queixosos solicitaram à Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão Africana) autorização para apresentar as suas conclusões orais sobre a questão durante a referida Sessão. 31. A 29 de Abril de 2004, o Secretariado enviou uma nota ao Estado Respondente fazendo-o recordar de que deveria expedir as suas conclusões quanto à Admissibilidade da Participação-queixa. 32. Na sua 35ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 21 de Maio a 4 de Junho de 2004, a Comissão Africana examinou a Queixa, tendo decidido remeter para a próxima Sessão a sua tomada de decisão quanto a Admissibilidade. A Comissão Africana também decidiu emitir um Apelo Urgente ao Governo da República do Quénia, solicitando-o a suspender quaisquer acções ou medidas por parte do Estado relacionadas com a presente Participação-queixa, enquanto se aguardava por uma decisão da Comissão. Esse apelo foi expedido a 9 de Agosto de 2004. 33. Na mesma Sessão foi entregue à delegação do Estado Respondente uma cópia da Queixa. 34. A 17 de Junho de 2004, o Secretariado escreveu a ambas as partes a informá-las da decisão por si tomada, tendo solicitado ao Estado Respondente que enviasse as suas conclusões sobre Admissibilidade antes da 36ª Sessão Ordinária. 35. Ao Alto Comissariado do Estado Respondente em Adis Abeba, Etiópia, foi enviada a 22 de Junho de 2004 uma cópia da mesma Participação-queixa. 36. A 24 de Junho de 2004, o Alto Comissariado do Quénia em Adis Abeba, Etiópia, informou o Secretariado de que havia transmitido a Participação-queixa da Comissão Africana ao Ministério dos Negócios Estrangeiros do Quénia.

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37. A 7 de Setembro de 2004, o Secretariado enviou uma nota semelhante ao Estado Respondente, fazendo-o recordar da necessidade do envio, por escrito, das suas conclusões sobre a Admissibilidade da Participação-queixa antes da 36ª Sessão Ordinária. 38. Durante a 36ª Sessão Ordinária realizada em Dacar, Senegal, de 23 de Novembro a 7 de Dezembro de 2004, o Secretariado recebeu um pedido do Estado Respondente redigido à mão, visando o adiamento da questão para a próxima Sessão. Na mesma Sessão, a Comissão Africana remeteu o caso para a Sessão seguinte a fim de permitir que o Estado Respondente pudesse dispor de mais tempo para o envio das suas conclusões quanto a Admissibilidade. 39. A 23 de Dezembro de 2004, o Secretariado escreveu ao Estado Respondente a informá-lo da sua decisão, tendo solicitado que enviasse as suas conclusões quanto a Admissibilidade o mais cedo possível. 40. Notas semelhantes foram enviadas ao Estado Respondente a 2 de Fevereiro e a 4 Abril de 2005. 41. Na sua 37ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 27 de Abril a 11 de Maio de 2005, a Comissão Africana considerou a presente Participação-queixa, tendo-a declarado Admissível pelo facto do Estado Respondente não ter cooperado com a Comissão Africana no âmbito do procedimento sobre Admissibilidade, não obstante as inúmeros cartas e notas fazendo-o recordar das suas obrigações ao abrigo da Carta. 42. A 7 de Maio de 2005, o Secretariado escreveu às partes, informando-as dessa decisão, tendo-lhes solicitado que enviassem as suas conclusões quanto ao Mérito da questão. 43. A 21 de Maio de 2005, a presidente da Comissão Africana endereçou um apelo urgente ao Presidente da República do Quénia na sequência de relatórios dando conta que o dirigente do Conselho de Assistência dos Endorois, envolvido na presente Participação-queixa, teria sido assediado. 44. A 11 e 19 de Julho de 2005, o Secretariado recebeu as conclusões dos Queixosos sobre o Mérito, as quais foram enviados ao Estado Respondente. 45. A 12 de Setembro de 2005, o Secretariado redigiu uma nota a lembrar o Estado Respondente da necessidade do envio das respectivas conclusões. 46. A 10 de Novembro de 2005, o Secretariado recebeu do COHRE uma peça processual amicus-curiae relacionada com o caso. 47. Na sua 38ª Sessão Ordinária realizada de 21 de Novembro a 5 de Dezembro de 2005 em Banjul, Gâmbia, a Comissão Africana considerou a Participação-queixa tendo remetido a sua decisão quanto ao mérito para a 39ª Sessão Ordinária. 48. A 30 de Janeiro de 2006, o Secretariado informou os Queixosos dessa decisão. 49. Por Nota Verbal datada de 5 de Fevereiro de 2006, entregue em mão ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da República do Quénia por um funcionário do Secretariado que se

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deslocara àquele país em Março de 2006, o Secretariado informou o Estado Respondente da referida decisão da Comissão Africana. Da Nota Verbal constavam cópias de todas as conclusões apresentadas pelos Queixosos desde a abertura do presente processo. 50. Por correio electrónico, o Advogado Principal da Procuradoria-Geral do Estado Respondente solicitou à Comissão Africana, a 4 de Maio de 2006, que remetesse a consideração da presente Participação-queixa para uma outra ocasião, dado que esse mesmo Estado Respondente ainda estava a preparar uma resposta sobre a questão, o que, segundo a fonte, era um assunto moroso, envolvendo muitos departamentos. 51. Por Nota Verbal datada de 4 de Maio de 2006, que foi recebida pelo Secretariado no mesmo dia, o Solicitador Geral do Estado Respondente pediu formalmente à Comissão Africana que remetesse a questão para a próxima Sessão, salientando que devido fundamentalmente à vasta gama de assuntos constantes da Participação-queixa, a resposta não ficaria concluída para entrega antes da 39ª Sessão Ordinária. 52. Na sua 39ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 11 a 25 de Maio de 2006, a Comissão Africana considerou a Participação-queixa, tendo remetido as suas considerações para a 40ª Sessão Ordinária, aguardando, entretanto, pelos resultados das negociações em curso entre os Queixosos e o Estado Respondente, visando uma solução amigável da questão. 53. O Secretariado da Comissão Africana notificou as partes dessa decisão. 54. A 31 de Outubro de 2006, o Secretariado da Comissão Africana recebeu uma carta dos Queixosos a informar que as partes haviam tido uma troca construtiva de pontos de vista sobre a questão, cujo mérito seria ouvido pela Comissão em Novembro de 2006. Os Queixosos requereram ainda autorização para que fosse ouvido um perito durante a 40ª Sessão Ordinária. 55. Na 40ª Sessão Ordinária, após ter ouvido o perito que havia sido convocado pela parte Queixosa, a Comissão Africana remeteu para uma posterior ocasião as suas decisões quanto ao Mérito da Participação-queixa. O Estado Respondente também efectuou depoimentos. Foram entregues outros documentos durante a Sessão, e no período de intervalo antes da 41ª Sessão Ordinária, foi recebida documentação adicional proveniente de ambas as partes.

56. Durante a 40ª Sessão Ordinária, os Queixosos apresentaram os seus comentários finais relacionados com os argumentos mais recentes do Estado Respondente.

DECISÃO QUANTO A ADMISSIBILIDADE

57. Ao Estado Respondente foi concedida ampla oportunidade para o envio das suas conclusões sobre a Admissibilidade da questão. Nas duas Sessões Ordinárias da Comissão Africana que haviam tido lugar, foram fornecidas aos delegados do Estado Respondente cópias da Queixa. Não houve resposta do Estado Respondente. À Comissão Africana não lhe restou outra opção que não fosse a de proceder à consideração da Admissibilidade da Participação-queixa com base nas informações à sua disposição.

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58. A Admissibilidade de Participações-queixa entregues em conformidade com o Artigo 55 da Carta Africana, rege-se pelas condições estipuladas no Artigo 56 dessa mesma Carta. Este Artigo estabelece sete (7) condições, as quais devem em geral ser cumpridas por um queixoso para que a sua Participação-queixa possa ser considerada como Admissível. 59. Na presente Participação-queixa, o Queixoso indica os seus autores (Artigo 56(1)). A Queixa é compatível com as Cartas da Organização de Unidade Africana/ União Africana e com a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Artigo 56(2)), não tendo sido redigida em linguagem ultrajante (Artigo 56(3)). Devido à falta de informações que o Estado Respondente deveria ter fornecido, caso elas existissem, a Comissão Africana não está em posição de questionar se o Queixoso se fundamenta exclusivamente em notícias disseminadas através da comunicação social (Artigo 56(4)), se esgotou os recursos ou instâncias de Direito Interno (Artigo 56(5)), e se dirimiu a questão em outra instância conforme o Artigo 56(7) da Carta Africana. No que respeita ao requisito para que se esgotem os recursos ou instâncias de Direito Interno, em particular, os Queixosos abordaram o Tribunal de Primeira Instância em Nakuru, Quénia, em Novembro de 1998. A questão foi anulada em termos processuais. Uma reclamação semelhante foi feita perante o mesmo Tribunal em 2000 como caso de referência constitucional. Tal como no caso anterior, procurou-se obter a determinação de uma ordem. A questão foi, no entanto, rejeitada na base de que não possuía mérito. O Tribunal considerou que os Queixosos haviam sido devidamente consultados e indemnizados pelas perdas sofridas. Assim, os Queixosos consideram que, em face de não se poder recorrer de casos de referência constitucional, todos os recursos ou instâncias de Direito Interno possíveis foram esgotados. 60. A Comissão Africana faz notar que houve falta de cooperação por parte do Estado Respondente em proceder à entrega de conclusões quanto à Admissibilidade da Participação-queixa, não obstante o envio de numerosas notas, fazendo-o lembrar da necessidade de cumprir com os requisitos. Na ausência de tais conclusões, dado o valor aparente das conclusões dos Queixosos, a Comissão Africana considera que a Queixa cumpre com o Artigo 56 da Carta Africana. Em virtude disso, declarou a Participação-queixa Admissível. 61. Nas suas conclusões quanto ao Mérito, o Estado Respondente solicitou à Comissão Africana que procedesse à revisão da sua decisão quanto a Admissibilidade. O Estado Respondente argumentou que muito embora a Comissão Africana tivesse optado por Admitir a Participação-queixa, ele iria, no entanto, proceder à entrega das suas conclusões segundo as quais a Comissão Africana não devia ser impedida de reexaminar a Admissibilidade da Participação-queixa, após testemunho oral do Estado Respondente, e de anular a Participação-queixa.

62. Ao argumentar que a Comissão Africana não devia ser um tribunal de primeira instância, o Estado Respondente argumenta que os recursos que os Queixosos pretendiam obter junto do Tribunal de Primeira Instância do Quénia não poderiam ser os mesmos a obter junto da Comissão Africana. 63. Para benefício da Comissão Africana, o Estado Respondente delineou as questões colocadas perante o Tribunal no âmbito do Caso Cível, Misc, No: 183 de 2002:

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(a) Uma Declaração de que as terras em redor do Lago Baringo são propriedade da comunidade endorois, mantidas para seu benefício, em regime de fideicomissos, pelos Concelhos Municipais de Baringo e de Koibatek, nos termos das Secções 114 e 115 da Constituição do Quénia. (b) Uma Declaração de que os Concelhos Municipais de Baringo e de Koibatek violaram o dever fiduciário de custódia, relativamente à comunidade endorois, por não terem feito uso dos benefícios provenientes da Reserva Natural em prol da comunidade, ao contrário do estipulado nas Secções 114 e 115 da Constituição do Quénia. (c) Uma Declaração de que os Queixosos e a comunidade endorois têm direito a todos os benefícios gerados através da Reserva Natural, exclusivamente e / ou como alternativa a terra da Reserva Natural deve reverter para a comunidade sob gestão de Fiduciários nomeados pela comunidade para que recebam e invistam tais benefícios no interesse da comunidade ao abrigo da Secção 117 da Constituição do Quénia. (d) Uma adjudicação de danos exemplares resultantes da violação dos direitos constitucionais dos Requerentes ao abrigo da Secção 115 da Constituição do Quénia.

64. O Estado Respondente informa a Comissão Africana de que o Tribunal considerou ter havido cumprimento dos procedimentos que regem a delimitação da Reserva Natural. O Estado Respondente declara também que foi ainda mais longe, tendo aconselhado os Queixosos de que deveriam ter exercido o direito de recurso nos termos das Secções 10, 11 e 12 da Lei das Terras em Regime de Fideicomissos, Capítulo 288, das Leis do Quénia, caso achassem que a adjudicação de indemnização não havia sido tratada de forma equitativa. Nenhum dos Queixosos interpôs recurso, e o Tribunal de Primeira Instância foi da opinião de que era tarde demais para se queixarem.

65. O Estado Respondente declara ainda que o Tribunal foi da opinião de que o requerimento não se inseria no âmbito da Secção 84 (Aplicação dos Direitos Constitucionais) dado que não contestou quaisquer violações ou possíveis violações dos direitos dos requerentes ao abrigo das Secções 70 – 83 da Constituição. 66. O Estado Respondente argumenta igualmente que a Participação-queixa foi entregue perante a Comissão Africana de forma irregular uma vez que os Requerentes não esgotaram os recursos ou instâncias de Direito Interno no que se refere às alegadas violações. Isto porque:

(a) Os Queixosos não contestaram que os seus direitos haviam sido violados ou que poderiam ser violados pelo Tribunal de Primeira Instância, Caso Cível, Misc., 183 de 2002. O Estado Respondente declara que a questão das alegadas violações de quaisquer dos direitos reivindicados ao abrigo da presente Participação-queixa não foi, por conseguinte, tratada pelos tribunais locais. Isto significa que a Comissão Africana irá agir como tribunal de primeira instância. O Estado Respondente argumenta que aos Requerentes devia, por conseguinte, ser exigido que esgotassem os recursos ou instâncias de Direito Interno antes de abordarem a Comissão Africana.

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(b) Os Queixosos não seguiram outros recursos administrativos que se encontravam à sua disposição. O Estado Respondente argumenta que as alegações de que o sistema legal queniano não possui recursos ou instâncias de Direito adequados para lidar com o caso dos endorois não correspondem à verdade e são destituídas de fundamento. O Estado Respondente argumenta que em questões de direitos humanos, o Tribunal de Primeira Instância do Quénia está disponível para a aplicação dos instrumentos internacionais de direitos humanos visando proteger os direitos do indivíduo.

67. O Estado Respondente afirma ainda que o sistema legal queniano possui uma discrição bastante detalhada dos direitos de propriedade, e estabelece a protecção de todas as formas de propriedade no âmbito da Constituição. O Estado Respondente argumenta que embora os vários instrumentos internacionais de direitos humanos, incluindo a Carta Africana, reconheçam o direito à propriedade, eles contêm uma abordagem minimalista e não satisfazem o tipo de propriedade protegida. O Estado Respondente afirma que o sistema legal queniano vai mais além do que aquilo que se encontra estabelecido nos instrumentos internacionais de direitos humanos.

68. Mais declara o Estado Respondente que a propriedade da terra é reconhecida ao abrigo do sistema legal queniano e que os vários métodos de posse de bens encontram-se reconhecidos e protegidos, incluindo a posse privada (relativamente a pessoas naturais e pessoas jurídicas), posse comunal quer através da Lei da Terra (Representantes de Grupos) para terras adjudicadas, que também é conhecida por Grupos de Fazendas ou Terras em Regime de Fideicomissos geridas por Concelhos Municipais. Tais terras situam-se nas áreas de jurisdição Concelhos Municipais, sendo geridas em benefício das pessoas normalmente nelas residentes. O Estado assevera que a Lei dos Grupos de Terras faz valer o direito de posse, os interesses ou outros benefícios resultantes das terras e que possam estar disponíveis nos termos da lei consuetudinária africana. 69. O Estado Respondente conclui que as Terras em Regime de Fideicomissos estabeleceram-se ao abrigo da Constituição do Quénia, sendo administradas por via da Lei Parlamentar. A Constituição estabelece que as Terras em Regime de Fideicomissos podem ser alienadas por meio de:

Registo em nome de outra pessoa que não seja o Concelho Municipal;

Lei Parlamentar determinando que o Concelho Constitucional destine uma área das Terras em Regime de Fideicomissos.

70. A Regra 118(2) das Regras de Procedimento da Comissão Africana afirma que:

Se a Comissão declarar uma Participação-queixa como inadmissível ao abrigo da Carta, ela poderá reconsiderar essa decisão mais tarde caso receba um pedido para reconsideração.

A Comissão Africana tomou nota dos argumentos avançados pelo Estado Respondente para que procedesse à reabertura da sua decisão quanto a Admissibilidade. Todavia, após ter considerado cuidadosamente os argumentos do Estado Respondente, a Comissão Africana

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não se sente convencida de que deve proceder à reabertura dos argumentos sobre a Admissibilidade da Participação-queixa. Por conseguinte, a Comissão rejeita o pedido do Estado Respondente.

CONCLUSÕES QUANTO AO MÉRITO Conclusões dos Queixosos quanto ao Mérito 71. A seguir apresentam-se as conclusões dos Queixosos, tomando ainda em consideração o

testemunho oral por eles feito no decurso da 40ª Sessão Ordinária, todas as conclusões

apresentadas por escrito, incluindo cartas e declarações ajuramentadas.

72. Os Queixosos argumentam que os endorois foram desde sempre os proprietários bona

fide das terras em redor do Lago Bogoria.55 Eles argumentam que o conceito de terra dos

endorois não prevê a perda de terras sem conquista. Eles argumentam que, como

comunidade dedicada à pastorícia, o conceito de “posse” de terra por parte dos endorois não

se enquadra no âmbito da posse estipulada no papel. Os Queixosos declaram que a

comunidade endorois entendeu sempre que a terra em questão era dos “endorois”,

pertencente à comunidade no seu todo e usada para fins habitacionais, gado, apicultura e

práticas religiosas e culturais. Outras comunidades, por exemplo, teriam de pedir permissão

para levar os seus animais para essa zona.56

73. Argumentam ainda os Queixosos que os endorois consideraram-se sempre como uma comunidade distinta. Argumentam que, historicamente, os endorois constituem uma comunidade pastoril, dependente quase exclusivamente do gado. A prática da pastorícia por parte dos endorois consiste em apascentar o gado (bois, cabritos e ovelhas) nas zonas baixas em redor do Lago Bogoria durante a estação chuvosa, dirigindo-se para a Floresta de Monchongoi durante a estação seca. Os Queixosos afirmam que por tradição os endorois dependem da apicultura para obtenção de mel e que a área em redor do Lago Bogoria é constituída por terras férteis, proporcionando pastagens e salinas medicinais que ajudam na criação de gado saudável. Eles argumentam que o Lago Bogoria é também o centro de práticas religiosas e tradicionais da comunidade: em redor do lago encontram-se locais históricos de oração, locais para rituais de circuncisão e outras cerimónias culturais. Esses locais eram usados semanal ou mensalmente para pequenas cerimónias de âmbito local, e anualmente para festivais culturais envolvendo endorois de toda a região. 74. Os Queixosos argumentam que os endorois acreditam que os espíritos de todos os seus antepassados, independentemente do local em que se encontram sepultados, continuam a viver no lago. Os festivais anuais no lago realizavam-se com a participação de endorois de toda a região. Eles afirmam que a Floresta de Monchongoi é considerada como a terra natal do povo endorois e o local onde se estabeleceu a primeira comunidade endorois. Os Queixosos declaram ainda que o sistema de chefia da comunidade baseia-se por tradição nos

55 Op. cit, parágrafos 3, 4 e 5 da presente Participação-queixa em que os Queixosos apresentam argumentos a provar a posse das respectivas terras. 56 Op. cit, parágrafos 3, 4 e 5.

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anciães. Embora durante a administração colonial britânica os chefes fossem nomeados, tal prática não prosseguiu depois da independência do Quénia. Eles afirmam que mais recentemente, a comunidade formou o Comité para o Bem-estar dos Endorois (EWC) destinado a representar os seus interesses. Todavia, as autoridades locais recusaram-se a proceder ao registo do EWC, não obstante esforços feitos em duas ocasiões desde a criação do comité em 1996.

75. Os Queixosos argumentam que os endorois são um „povo‟, estatuto que os habilita a tirar

partido das disposições da Carta Africana que protegem direitos colectivos. Os Queixosos

argumentam que a Comissão Africana declarou o direito dos “povos” em apresentarem

reclamações ao abrigo da Carta Africana no caso, „The Social and Economic Rights Action

Centre for Economic and Social Rights vs. Nigéria‟, (o caso Ogoni), afirmando que: “A Carta

Africana, nos Artigos 20 a 24 estabelece claramente que as pessoas retêm os seus direitos

como povos‟, isto é, como colectividades. A importância da identidade de uma comunidade

e colectividade na cultura africana é reconhecida pela Carta Africana.”57 Argumentam ainda

os Queixosos que a Comissão Africana fez notar que, na presença de um largo número de

vítimas individuais, poderá tornar-se impraticável que cada queixoso individual compareça

perante os tribunais nacionais. Em situações dessas, tal como no caso Ogoni, a Comissão

Africana pode adjudicar os direitos de um povo como colectividade. Por conseguinte, Os

Queixosos argumentam que o endorois, como povo, têm o direito de apresentar as suas

reivindicações ao abrigo das disposições relevantes da Carta Africana já referidas.

Alegada Violação do Artigo 8 – O Direito de Praticar uma Religião O Artigo 8 da Carta Africana diz que:

A liberdade de consciência, a profissão e a prática livre da religião são garantidas. Sob reserva da ordem pública, ninguém pode ser objecto de medidas de constrangimento que visem restringir a manifestação dessas liberdades.

76. Os Queixosos alegam a violação da prática da sua religião. Eles afirmam que a recusa

continuada das autoridades quenianas em conceder à comunidade o direito de acesso a

locais religiosos para professar o culto livremente constitui uma violação do Artigo 8.

77. Os Queixosos argumentam que a Comissão Africana abarcou a discrição abrangente

exigida pelo Direito internacional ao definir e proteger a religião. No caso, Free Legal

Assistance Group e Outros vs. Zaire, eles argumentam que a Comissão Africana considerou

que as práticas das Testemunhas de Jeová encontravam-se protegidas ao abrigo do Artigo

8.58 Na presente Participação-queixa, os Queixosos afirmam que a religião e as crenças dos

endorois encontram-se protegidas pelo Artigo 8 da Carta Africana e constituem uma religião

ao abrigo do Direito internacional. Os endorois acreditam que o Grande Antepassado,

57 The Social and Economic Rights Action Centre for Economic and Social Rights vs. Nigéria, Comissão Africana

dos Direitos Humanos e dos Povos, Participação-queixa No. 155/96, (2001), parágrafo 40. 58 Free Legal Assistance Group e Outros vs Zaire, Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Participações-queixa Nos. 25/89, 47/90, 56/91, 100/93 (1995), parágrafo 45.

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Dorios, veio dos Céus, tendo-se radicado na Floresta de Mochongoi. Depois de um período

de excessos e luxúria, os endorois acreditam que Deus zangou-se e que, como castigo, numa

noite escavou o terreno, criando o Lago Bogoria. Os endorois crêem ser descendentes das

famílias que sobreviveram a esse episódio.

78. Afirmam os Queixosos que em cada estação, a água do lago torna-se vermelha e as

termas emitem um forte odor. É nesta altura que a comunidade executa cerimónias

tradicionais para apaziguar os antepassados que se afogaram com a formação do lago. Os

endorois consideram tanto a Floresta de Mochongoi como o Lago Bogoria como locais

sagrados, tendo desde sempre utilizado esses mesmos locais para cerimónias culturais e

religiosas importantes, tais como casamentos, funerais, circuncisões e ritos tradicionais de

iniciação.59

79. Os Queixosos argumentam que os endorois, como grupo indígena cuja religião está

intimamente ligada à terra, requerem protecção especial. O Lago Bogoria, argumentam os

Queixosos, é de significado religioso fundamental para todos os endorois. Os locais

religiosos do povo endorois estão situados em redor do lago. É aí que eles rezam, havendo

uma ligação regular entre as cerimónias religiosas e o lago. Os antepassados encontram-se

sepultados próximo do lago, e, tal como acima referido, os Queixosos afirmam que o Lago

Bogoria é considerado como a casa espiritual de todos os endorois, vivos ou mortos. O lago,

argumentam os Queixosos, é, por conseguinte, essencial às práticas religiosas e crenças dos

endorois.

80. Os Queixosos argumentam que ao procederem ao despejo dos endorois das suas terras, e

ao recusarem o acesso da comunidade endorois ao lago e a outros locais religiosos

circundantes, as autoridades quenianas interferiram na sua capacidade de praticar e

professar de acordo com os ditames da sua fé. Em violação do Artigo 8 da Carta Africana, os

Queixosos argumentam que os locais religiosos dentro da Reserva Natural não foram

devidamente demarcados e protegidos. Argumentam ainda que desde que foram alvo de

despejo da área do Lago Bogoria, os endorois viram-se impossibilitados de praticar a sua

religião livremente. À comunidade foi-lhe negado o direito de acesso a rituais religiosos, tais

como circuncisões, rituais maritais e ritos de iniciação. Do mesmo modo, os endorois não

têm sido capazes de realizar ou participar no ritual religioso anual mais significante, que é

quando o lago sofre mudanças sazonais.

81. Citando a jurisprudência da Comissão Africana no caso Amnistia Internacional vs Sudão, os

Queixosos argumentam que a Comissão Africana reconheceu a questão central da prática da

liberdade religiosa, fazendo notar que o Estado Parte violou o direito dos autores à prática

religiosa dado que os não muçulmanos não possuíam o direito de pregar ou de construir

igrejas, e estavam sujeitos a moléstias, prisões arbitrárias e expulsão.60 Para além do mais,

59 Ver Relatório da World Wildlife Federation, p. 18, parágrafo 2.2.7. 60

Amnistia Internacional e Outros vs Sudão, (1999) Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Participações-queixa Nos. 48/90, 50/91, 52/91, 89/93 (doravante, Amnistia Internacional vs Sudão)

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argumentam que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas

confere a estes o direito de “manter, proteger e ter acesso, em privacidade, aos respectivos

locais religiosos e culturais…”61 Eles declaram que só mediante o acesso irrestrito é que os

endorois poderão proteger, manter e usar os respectivos locais sagrados de acordo com as

suas crenças religiosas.

82. Citando o caso Loren Laroye Riebe Star,62 os Queixosos argumentam que a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos (IAcmHR) determinou que a expulsão de terras que

sejam centrais à prática da religião constituiu uma violação das liberdades religiosas. No

caso acima referido, os Queixosos argumentam que a IAcmHR considerou que a expulsão

de padres da área de Chiapas constituía uma violação do direito de livre associação para

fins religiosos. Afirmam igualmente que a IAcmHR chegou a uma conclusão semelhante

no caso Dianna Ortiz vs Guatemala. Tratou-se de um caso relacionado com uma freira

católica fugida da Guatemala na sequência de medidas tomadas pelo Estado visando

impedi-la de professar livremente a sua religião.63 Neste caso, a IAcmHR decidiu que o

direito da referida freira de praticar livremente a respectiva religião havia sido violado por

lhe ter sido negado acesso às terras por si tidas como sendo as mais significantes.64

83. Os Queixosos argumentam que os actuais gestores da Reserva Natural não procederam

à demarcação integral dos locais sagrados situados dentro dessa mesma reserva, nem tão

pouco cuidaram de locais conhecidos como sendo sagrados para os endorois.65

Argumentam que o facto das autoridades quenianas não terem demarcado e protegido os

locais religiosos dentro da Reserva Natural constitui interferência grave e permanente nos

direitos dos endorois de praticarem a sua religião. Sem que sejam devidamente cuidados,

os locais que possuam imenso significado religioso e cultural acabam por sofrer danos,

degradação ou destruição. Os Queixosos citam “a Declaração das Nações Unidas sobre os

Direitos dos Povos Indígenas” a qual afirma em parte que “os Estados devem tomar

medidas efectivas, conjuntamente com os povos indígenas em questão, visando assegurar

que os locais indígenas sagrados, incluindo locais de sepultura, sejam preservados,

respeitados e protegidos.”66

84. Os Queixosos também acusam as autoridades quenianas de interferência no direito dos

endorois da prática livre da respectiva religião por terem procedido ao despejo dos

61

Ver Anteprojecto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, U.N. Doc. E/CN.4/Sub.2/1994/2/Add.1 (1994), Artigo 13.

62 Loren Laroye Riebe Star, Jorge Alberto Baron Guttlein e Rodolfo Izal Elorz/México, (1999) Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, Relatório No. 49/99, Caso 11.610. 63

Dianna Ortiz vs Guatemala, (1997) Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório 31/96, Caso No. 10.526. 64

ib. 65

Federação Mundial de Fauna Bravia, Lago Bogoria, Anteprojecto de Plano de Gestão da Reserva

Nacional, Julho de 2004.

66

Anteprojecto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, U.N. Doc. E/CN.4/Sub.2/1994/2/Add.1 (1994), Artigo 13.

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membros dessa comunidade das suas terras, recusando-lhes depois o livre acesso a locais

sagrados. Esta separação das suas terras, argumentam os Queixosos, impede que os

endorois levem a cabo práticas sagradas que são centrais à sua religião.

85. Os Queixosos argumentam que muito embora o Artigo 8 estabeleça que os Estados

podem interferir em práticas religiosas, “sujeito à lei e à ordem”, as práticas religiosas dos

endorois não constituem uma ameaça à lei e à ordem, pelo que não existe nenhum

justificativo para a interferência que teve lugar. Eles argumentam que as limitações

impostas aos deveres do Estado quanto à protecção de direitos devem ser vistas à luz dos

sentimentos subjacentes à Carta Africana. No caso Amnistia Internacional vs Zâmbia, os

Queixosos argumentam que a Comissão Africana fez notar que era “da opinião de que as

cláusulas „revogatórias‟ não podem ser interpretadas contra os princípios da Carta... O

recurso a esses princípios não deve ser usado como meio de conferir credibilidade a

violações das disposições expressas na Carta.”67

Alegada Violação do Artigo 14 – O Direito à Propriedade

O Artigo 14 da Carta Africana afirma:

O direito à propriedade é garantido, só podendo ser afectado por necessidade

pública ou no interesse geral da colectividade, em conformidade com as

disposições das leis apropriadas.

86. Os Queixosos argumentam que a comunidade endorois tem direito à propriedade

relativamente às suas terras ancestrais, às possessões a elas ligadas, e ao respectivo gado.

Eles argumentam que esses direitos de propriedade derivam da lei queniana e da Carta

Africana, as quais reconhecem os direitos de propriedade dos povos indígenas em relação às

suas terras ancestrais. Os Queixosos argumentam que os direitos de propriedade dos

endorois foram violados através da contínua expropriação de terras na área do Lago

Bogoria. Eles argumentam que o impacto sobre a comunidade foi desproporcional a

qualquer necessidade pública ou interesse geral da comunidade.

87. Ao apresentarem os argumentos de que houve violação do Artigo 14 da Carta, os

Queixosos afirmaram que ao longo dos séculos, os endorois haviam construído casas,

cultivado terras, usufruído de direitos incontestados à pastorícia, pastos e florestas,

dependendo da terra para o sustento do seu modo de vida em redor do lago. Argumentam

que mediante essa prática, os endorois exercem uma forma indígena de posse de terra,

retendo as terras por meio de uma forma colectiva de propriedade. Esse tipo de

comportamento é indicativo da posse tradicional africana de terras, sendo raras as vezes em

que se encontra assente sob a forma de codificação de direitos ou títulos, mas que no entanto

67

Amnistia Internacional vs Zâmbia, Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Participação-queixa No. 212/98 (1999).

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é vista como tal mediante o reconhecimento e respeito mútuos entre proprietários de terras.

As „transacções de terras‟ apenas terão lugar através da conquista.

88. Os Queixosos argumentam que mesmo durante a administração colonial, quando a

Coroa Britânica reivindicou a posse formal das terras dos endorois, as autoridades coloniais

reconheceram o direito dos endorois à ocupação e uso da terra e dos seus recursos. Eles

argumentam que perante a lei, a terra foi reconhecida como o “Local dos Endorois” e que na

prática os endorois não foram, em termos gerais, incomodados pela administração colonial.

Os Queixosos asseveram que a comunidade endorois continuou a deter direitos, interesses e

benefícios tradicionais na terra em redor do Lago Bogoria, mesmo quando, em 1963, se criou

a República independente do Quénia. Afirmam ainda os Queixosos que a 1 de Maio de 1963,

a terra dos endorois passou a designar-se de „Terras em Regime de Fideicomissos‟ ao abrigo

da Secção 115 (2) da Constituição do Quénia, a qual declara que:

Cada Concelho Municipal deverá manter as Terras em Regime de

Fideicomissos a si atribuídas, em benefício das pessoas normalmente

residentes nessas mesmas terras, e deverá tornar efectivos os direitos,

interesses ou outros benefícios respeitantes à terra e que possam, ao abrigo da

lei consuetudinária africana, entretanto em vigor e aplicável no presente caso,

ser atribuídos a qualquer tribo, grupo, família ou indivíduo.

89. Os Queixosos argumentam que ao longo dos séculos em que viveram e trabalharam nas

terras, os endorois eram “normalmente residentes nas terras”, e a respectiva forma

tradicional de posse colectiva da terra foi considerada como um “direito, interesse ou outro

benefício... ao abrigo do Direito consuetudinário africano” atribuídos a “qualquer tribo,

grupo [ou] família” nos termos da Secção 115(2). Os Queixosos, por conseguinte,

argumentam que, como consequência disso e nos termos das leis quenianas, os Concelhos

Municipais de Baringo e Koibatek eram – e de facto continuam a ser – obrigados a efectivar

os direitos e interesses dos endorois no que à terra diz respeito.

Direitos de Propriedade e Comunidades Indígenas

90. Os Queixosos argumentam que quer os tribunais internacionais, quer os nacionais

reconheceram que os grupos indígenas possuem uma forma específica de posse de terras

que cria uma determinada série de problemas, os quais incluem a falta de reconhecimento

“formal” do título de posse dos respectivos territórios históricos, o não reconhecimento, por

parte dos sistemas legais nacionais, dos direitos de propriedade comunal, e a reivindicação

pelas autoridades coloniais do título formal de posse de terras indígenas. Os Queixosos

declaram que esta situação deu lugar a muitos casos de deslocações, em territórios

históricos, de um povo por parte das autoridades coloniais e dos Estados pós-coloniais que

se fundamentaram no título legal de posse de terras herdado dessas mesmas autoridades.

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91. Seguindo essa linha de raciocínio, os Queixosos argumentam que a própria Comissão

Africana, num Relatório do Grupo de Trabalho para as Populações/Comunidades

Indígenas, reconheceu os problemas enfrentados pelas comunidades tradicionais no âmbito

da expropriação das respectivas terras. Diz o relatório:

[…] as suas leis e regulamentos consuetudinários não são reconhecidos ou

respeitados e uma vez que a legislação em muitos dos casos não estabelece o título

colectivo de posse de terra, a posse colectiva é fundamental para muitas das

comunidades indígenas pastoris e de caçadores-recolectores e um dos principais

pedidos formulados por comunidades indígenas é, por conseguinte, o

reconhecimento e a protecção de formas colectivas da posse de terra.68

92. Os Queixosos argumentam que a jurisprudência da Comissão Africana faz notar que o

Artigo 14 inclui o direito à propriedade, quer individual, quer colectivamente.

93. Citando o caso, Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs Nicarágua,69 os Queixosos argumentam

que os direitos de propriedade indígena foram legalmente reconhecidos como sendo direitos

de propriedade comunal, tendo o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos (IActHR)

reconhecido que a Convenção Interamericana protegia os direitos de propriedade “numa

perspectiva que inclui, entre outras coisas, os direitos dos membros das comunidades

indígenas no quadro da propriedade comunal.”70

94. Os Queixosos argumentam ainda que os tribunais lidaram com violações de direitos de

propriedade indígena resultantes do confisco de terras por parte do colonialismo, como por

exemplo quando os Estados modernos se fundamentam no título nacional de posse de

propriedade herdado das autoridades coloniais. Os Queixosos afirmam que os tribunais

nacionais reconheceram esse direito. Decisões nesse âmbito já haviam sido tomadas em 1921

pelo Conselho Privado do Reino Unido,71 pelo Supremo Tribunal do Canadá72 e pelo

Tribunal de Primeira Instância da Austrália.73 Citando o caso Richtersveld, os Queixosos

argumentam que o Tribunal Constitucional sul-africano considerou que os direitos de uma

determinada comunidade mantiveram-se face à anexação da terra pela Coroa Britânica,

podendo ser evocados contra os actuais ocupantes das suas terras.74

95. Argumentam ainda os Queixosos que a protecção conferida pelo Artigo 14 da Carta

Africana inclui os direitos de propriedade indígena, em particular as respectivas terras

68 Relatório do Grupo de Trabalho de Peritos da Comissão Africana entregue de acordo com a “Resolução sobre os Direitos das Populações/Comunidades Indígenas em África”, adoptada pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos na sua 28

ª Sessão Ordinária (2003).

69 O Caso Awas Tingni (2001), parágrafos. 140(b) e 151. 70 Ib. parágrafo 148. 71Ver Amodu Tijani vs Southern Nigéria, Conselho Privado do Reino Unido, 2 AC 399, (1921). 72 Calder et al vs Procurador-Geral da Colúmbia Britânica, Supremo Tribunal do Canadá, 34 D.L.R. (3d) 145 (1973). 73 Mabo vs Queensland, Tribunal de Primeira Instância da Austrália, 107 A.L.R. 1, (1992). 74Alexkor Ltd vs Comunidade Richtersveld, Tribunal Constitucional da África do Sul, CCT 19/03, (2003).

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ancestrais. O direito dos endorois, argumentam os Queixosos, às terras históricas em redor

do Lago Bogoria, encontra-se, por conseguinte, protegido pelo Artigo 14. Os Queixosos

asseveram que os direitos de propriedade que se encontram protegidos situam-se além dos

direitos considerados na lei queniana e incluem o direito colectivo de propriedade.

96. Os Queixosos argumentam que, como resultado das acções empreendidas pelas

autoridades quenianas, a propriedade dos endorois foi usurpada, especialmente por meio da

expropriação, e por seu turno, o direito deles à posse das respectivas terras foi-lhes negado.

Afirmam ainda que o sistema judicial queniano não proporcionou qualquer protecção dos

direitos de propriedade dos endorois. Referindo-se ao Tribunal de Primeira Instância do

Quénia, os Queixosos argumentam que ele havia declarado que não podia tratar do direito

de propriedade de uma comunidade.75

97. Os Queixosos argumentam que na sentença passada pelo Tribunal de Primeira Instância

do Quénia também se declarava que, efectivamente, os endorois haviam perdido quaisquer

direitos ao abrigo do regime de fideicomissos, não havendo necessidade de indemnização

para além das quantias mínimas que na realidade foram concedidas sob a forma de custos

pelo reassentamento de 170 famílias. Os Queixosos argumentam que a sentença também

negou que os endorois possuíam direitos ao abrigo do regime de fideicomissos, apesar de

“residirem normalmente” na terra. O Tribunal, segundo os Queixosos, declarou:

O que está em questão é um recurso natural da nação. A lei não permite que

indivíduos beneficiem de um tal recurso simplesmente porque nasceram junto a

esse recurso natural.

98. Os Queixosos argumentam que ao agir dessa forma, o Tribunal de Primeira Instância

rejeitou os referidos argumentos assentes não apenas no regime de fideicomisso, mas

também nos direitos dos endorois à terra como um „povo‟ e como resultado da sua ocupação

histórica do Lago Bogoria.

99. Os Queixosos citam uma série de intromissões que, segundo eles, atingem o cerne da

identidade da comunidade como um „povo‟, incluindo:

(a) a não concessão do reconhecimento e protecção adequados dos direitos da comunidade

no âmbito da lei nacional, relativamente à terra e em particular o não reconhecimento, por

parte da lei queniana, da posse colectiva de terra;

(b) a declaração da Reserva Natural em 1973/74, que visou retirar os direitos

remanescentes de propriedade de terra da comunidade, incluindo os seus direitos como

beneficiária de um fideicomisso ao abrigo da lei queniana;

(c) a falta de indemnização total prestada à comunidade endorois pela perda da sua

capacidade em fazer uso e beneficiar dos seus bens nos anos que se seguiram a 1974; 75 op. cit, parágrafo 12.

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(d) o despejo dos endorois das suas terras, quer através da remoção de famílias endorois

que aí viviam, quer pela recusa da terra ao resto da comunidade endorois, assim como em

face dos prejuízos resultantes da perda de bens imóveis que se encontravam na terra,

incluindo habitações, locais religiosos e culturais e colmeias;

(e) a perda significante de gado incorrida pelos endorois como resultado do despejo;

(f) a negação do benefício, uso e interesses relacionados com as respectivas terras

tradicionais desde a ocorrência do despejo, incluindo a negação de quaisquer benefícios

financeiros dos recursos da terra, como por exemplo os que foram gerados pelo turismo;

(g) a atribuição de títulos de terra a indivíduos privados e de concessões mineiras nas terras

em disputa.

100. Os Queixosos argumentam que a intromissão em propriedades constituirá violação do

Artigo 14 a não ser que se demonstre que é em benefício geral ou público da comunidade e

de acordo com as disposições de leis apropriadas. Os Queixosos argumentam ainda que o

teste estabelecido no Artigo 14 da Carta é conjuntivo, isto é, para que uma intromissão não

seja em violação do Artigo 14, deve-se provar que essa intromissão foi no interesse da

necessidade pública/interesse geral da comunidade e efectuada de acordo com as leis

apropriadas, devendo ainda ser proporcional. Citando as próprias decisões jurídicas

anteriormente tomadas pela Comissão, os Queixosos argumentam que: „A justificação das

limitações têm de ser estritamente proporcionais e absolutamente necessárias às vantagens que daí

decorrem.76 Eles argumentam que quer o Tribunal Europeu de Direitos Humanos,77 quer a

IAcmHR consideraram que as limitações relativamente aos direitos têm de ser

“proporcionais e razoáveis.”78

101. Os Queixosos argumentam que na presente Participação-queixa, as autoridades

quenianas, em nome da criação de uma Reserva Natural, procederam à retirada dos

endorois das suas terras, tendo destruído os seus bens, incluindo casas, construções

religiosas e colmeias. Eles argumentam que o levantamento e a deslocação de toda uma

comunidade e a negação dos seus direitos de propriedade sobre as respectivas terras

ancestrais são desproporcionais a qualquer necessidade pública proporcionada pela Reserva

Natural. Eles afirmam que mesmo assumindo que a criação da Reserva Natural constituía

um objectivo legítimo ao serviço de uma necessidade pública, tal poderia ter sido alcançado

por meios alternativos que fossem proporcionais a essa necessidade.

102. Os Queixosos argumentam ainda que a intromissão na propriedade a que os endorois

têm direito devia ser levada a cabo de acordo com “leis apropriadas” de forma a evitar a

76 Constitutional Rights Project, Civil Liberties Organisation e Media Rights Agenda vs Nigéria, (1999), Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Participações-queixa Nos. 140/94, 141/94, 145/95, parágrafo 42 (O Caso Constitutional Rights Project). 77 Handyside vs Reino Unido, No. 5493/72 (1976) Série A.24 (7 de Dezembro), parágrafo 49. 78 X & Y vs Argentina, (1996) Relatório No. 38/96, Caso 10.506 (15 de Outubro), parágrafo 60.

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violação do Artigo 14, e que esta disposição deve no mínimo significar o respeito, quer da lei

queniana, quer das disposições relevantes do Direito internacional. Eles argumentam que a

violação dos direitos dos endorois não respeitou a lei queniana a pelo menos três níveis: (i)

não havia poderes para expulsá-los das terras onde viviam; (ii) o fideicomisso em seu favor

nunca havia sido extinto legalmente, mas simplesmente ignorado; e (iii) nunca foi paga

indemnização adequada.

103. Os Queixosos declaram que as terras tradicionais dos endorois classificam-se de Terras

em Regime de Fideicomissos ao abrigo da Secção 115 da Constituição, e que isso obriga o

Concelho Municipal a efectivar “tais direitos, interesses ou outros benefícios respeitantes à

terra e que possam, ao abrigo do direito consuetudinário africano, encontrar-se de momento

em vigor.” Eles argumentam que essa disposição criou um direito benéfico para os endorois

em relação às suas terras ancestrais.

104. Argumentam ainda os Queixosos que a 9 de Novembro de 1973 as autoridades

quenianas criaram a Reserva Natural do Lago Hannington, e que incluía as terras indígenas

dos endorois, tendo mudado o nome para Reserva Natural do Lago Bogoria por via de um

Segundo Edital datado de 1974.79 O „Edital‟ de 1974 foi emitido pelo ministro queniano do

turismo e fauna bravia ao abrigo da Lei de Protecção dos Animais Selvagens (WAPA).80 Esta

lei, informam os Queixosos à Comissão Africana, aplicava-se a Terras em Regime de

Fideicomissos, assim como a outras terras, e não exigia que as terras fossem retiradas desse

sistema antes que uma Reserva Natural pudesse ser declarada nessas terras. Argumentam os

Queixosos que a legislação relevante não conferia autoridade para a remoção de qualquer

indivíduo ou grupo que ocupasse terras numa Reserva Natural. Em vez disso, a lei WAPA

meramente proibia a caça, a matança ou captura de animais dentro da Reserva Natural.81 No

entanto, argumentam os Queixosos, apesar da falta de justificativo legal, a comunidade

endorois foi informada a partir de 1973 de que teria de vagar as suas terras ancestrais.

105. Além do mais, argumentam os Queixosos, a criação da Reserva Natural do Lago

Bogoria por via do Edital de 1974 não afectou o estatuto da terra dos endorois como

propriedades abrangidas pelo regime de fideicomissos. Os Concelhos Municipais de Baringo

e Koibatek continuaram a ter a obrigação de efectivar os direitos e interesses da comunidade

endorois. Afirmam os Queixosos que a única via, ao abrigo da lei queniana, para que os

benefícios dos endorois pudessem ser dissolvidos, nos termos do sistema de fideicomissos,

seria por intermédio do Concelho Municipal ou do Presidente da República em que estes

procederiam à “separação” das terras. Porém, a Lei das Terras em Regime de Fideicomissos

79

Eles afirmam que em conformidade com a lei queniana, as autoridades publicaram o Edital 239/1973 no Kenya Reserve declarando a criação da “Reserva Natural do Lago Hannington.” O Edital constante do Boletim Oficial 270/1974 foi publicado para revogar o Edital anterior, tendo mudado o nome da Reserva Natural a 12 de Outubro de 1974: “a área indicada na lista será uma Reserva Natural conhecida por Reserva Natural do Lago Bogoria.” 80

Os Queixosos declaram que a Secção 3(2) da lei WAPA foi subsequentemente revogada a 13 de Fevereiro de 1976 por via da S.68 da Lei da Conservação e Gestão da Fauna Bravia. 81

Os Queixosos argumentam que a Secção 3(20) da lei WAPA não permitia que o ministro queniano do turismo e fauna bravia procedesse à remoção dos ocupantes das terras.

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exige que a separação de terras carece de publicação no Boletim Oficial queniano para que

possa ser considerada de legal.82

106. Os Queixosos argumentam que daquilo que a comunidade tinha conhecimento é que

um tal Edital não havia sido publicado. Até que isso seja feito, argumentam, as Terras em

Regime de Fideicomissos abrangendo o Lago Bogoria não podem ser separadas,

continuando a vigorar, nos termos da lei queniana, os direitos dos endorois consagrados no

Direito consuetudinário africano.83 Declaram os Queixosos que o Tribunal de Primeira

Instância queniano não protegeu os direitos dos endorois nos termos do sistema de

fideicomissos, designadamente o direito de usufruto de benefícios, e que as instruções dadas

aos endorois para que abandonassem as suas terras ancestrais não eram permitidas nos

termos da lei queniana.

107. Concluíram os Queixoso que as autoridades quenianas agiram em violação do sistema

de fideicomissos e „contrariamente às disposições da lei‟ para efeitos do Artigo 14 da Carta.

108. E mais argumentam os Queixosos que mesmo que as terras dos endorois tivessem sido

divididas, a lei queniana exige que os residentes de terras que sejam alvo de divisão devem

ser indemnizados. Afirmam os Queixosos que a Constituição queniana diz que nos casos em

que as Terras em Regime de Fideicomissos sejam divididas, o governo deve assegurar:

[O] pronto pagamento de indemnização integral a qualquer residente da terra

dividida, o qual – (a) ao abrigo do Direito consuetudinário africano, que se

encontra ainda em vigor e seja aplicável à terra, tem o direito de ocupar qualquer

parte da terra. 84

109. Citando a lei queniana, os Queixosos argumentam que a Lei de Aquisições de Terras

queniana estabelece factores que devem ser considerados ao determinar-se a indemnização a

ser paga,85 começando pelo princípio básico de que a indemnização deve basear-se no valor

de mercado das terras no momento da aquisição. Das demais considerações constam as

seguintes: danos causados à pessoa interessada devido à sua remoção da terra e outros

danos, incluindo perda de rendimentos, despesas de mudança de um local e qualquer

diminuição de lucros provenientes das terras. A Lei de Aquisições de Terras estabelece um

suplemento adicional de 15% do valor de mercado como forma de indemnização por

transtornos. Ao abrigo da lei queniana, se um tribunal considerar que o montante da

82 Os Queixosos argumentam que o processo referente à „divisão‟ de Terras em Regime de Fideicomissos, ao abrigo da S. 117 ou S.118 da Constituição, encontra-se estipulado na Lei das Terras em Regime de Fideicomissos queniana. Eles afirmam que é necessária a publicação de acordo com a S. 13(3) e (4) da Lei das Terras em Regime de Fideicomissos relativamente à S.117 da Constituição, e a S.7(1) e (4) da Lei das Terras em Regime de Fideicomissos relativamente à S.118 da Constituição . 83 Também argumentam que recentemente a área foi descrita como Reserva Nacional do Lago Bogoria.

Mesmo se o título tivesse sofrido alguma alteração legal, isso não significaria a extinção, sem a “divisão”, ao abrigo da lei queniana, do sistema de fideicomissos dos endorois”.

84 Constituição do Estado do Quénia, Secção 117(4). 85 Lei de Aquisições de Terras, “Princípios em que se determina a indemnização”.

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indemnização é insuficiente, deverão ser pagos juros de 6% ao ano sobre a diferença devida

às partes interessadas.86

110. Os Queixosos declaram que apenas 170 famílias das cerca de 400 que foram forçadas

pelas autoridades quenianas a vagar as terras tradicionais dos endorois é que receberam um

certo tipo de assistência monetária. Em 1986, das 170 famílias que nos finais de 1973

receberam ordem de despejo das suas casas na Reserva Natural do Lago Bogoria, cada uma

recebeu cerca de 3,150 Kshs. Na altura, esse montante era equivalente a aproximadamente

£30.

111. Os Queixosos afirmam que as autoridades quenianas haviam prometido montantes

adicionais sob a forma de indemnização pelo valor das terras perdidas, juntamente com

receitas e oportunidades de emprego na Reserva Natural. Todavia, a comunidade nunca

recebeu esses montantes.

112. Os Queixosos argumentam que o próprio Estado Respondente reconheceu que o

pagamento de 3,150 Kshs por família correspondia apenas a “assistência relacionada com a

mudança”, não constituindo indemnização integral pela perda das terras. Os Queixosos

argumentam que o Direito internacional também estabelece requisitos rigorosos quanto a

indemnização em casos de expropriação de propriedades.87 Argumentam que o facto desse

pagamento ter sido efectuado cerca de 13 anos após o primeiro despejo, e não representar o

valor de mercado das terras listadas no Boletim Oficial sob a designação de Reserva Natural

do Lago Bogoria, significa que o Estado Respondente não efectuou o pagamento “a pronto

da indemnização integral” tal como exigido pela Constituição relativamente à divisão de

Terras em Regime de Fideicomissos. Por conseguinte, a lei queniana não foi cumprida. Além

do mais, argumentam os Queixosos, o facto dos membros da comunidade endorois terem

aceitado uma indemnização monetária de montante bastante limitado, tal não significa que

considerem essa indemnização com sendo integral ou que reconheçam a perda das suas

terras. Os Queixosos afirmam que mesmo se o Estado Respondente tivesse formalmente

dividido as Terras em Regime de Fideicomissos por meio de Edital publicado em Boletim

Oficial, o teste “em conformidade com as disposições da lei” exigido pelo Artigo 14 da Carta

não teria sido satisfeito devido ao pagamento de indemnização inadequada.

113. Os Queixosos argumentam que o requisito de que quaisquer intromissões em direitos

de propriedade sejam em conformidade com as “leis apropriadas”, devendo ainda incluir as

leis internacionais relevantes. Os Queixosos argumentam que o Estado Respondente,

incluindo os tribunais, não aplicaram o Direito internacional relativamente à protecção dos

86 Ver Lei de Aquisições de Terras do Quénia, Parte IV, parágrafo 29(3). 87

Os Queixosos argumentam que no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, por exemplo, a indemnização deve ser justa, e o montante e o momento do pagamento é pertinente se se constatar que houve violação do direito de propriedade. Eles citam o caso Katikaridis e Outros vs Grécia, Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Caso No. 72/1995/578/664, (1996). Os Queixosos também citam o Artigo 23 (2) da Convenção Americana de Direitos Humanos que estabelece que “ninguém deverá ser privado da sua propriedade, excepto mediante o pagamento de indemnização justa por razões de utilidade pública ou interesse social, e nos casos e formas estabelecidos por lei.”

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direitos de terras indígenas, do qual consta a necessidade de se reconhecer a natureza

colectiva dos direitos referentes a terras; de se reconhecer a associação histórica; e de dar

prioridade aos laços culturais, espirituais e outros que os povos têm em relação a um

determinado território. Em vez disso, a lei queniana apenas reconhece, de forma limitada, o

direito consuetudinário africano. No Quénia, o sistema de Terras em Regime de

Fideicomissos na realidade estabelece apenas direitos mínimos, uma vez que um

fideicomisso (e, por conseguinte, os direitos abrangidos pela lei consuetudinária africana,

incluindo os da comunidade endorois) podem ser extintos por meio de uma simples decisão

do governo. Os Queixosos argumentam que a questão crucial do reconhecimento da posse

colectiva de terras dos endorois não consta da lei queniana, como ficou claramente

demonstrado pela sentença do Tribunal de Primeira Instância. A intromissão nos direitos de

propriedade dos endorois não obedeceu, por conseguinte, às leis internacionais apropriadas

sobre os direitos dos povos indígenas. Afirmam os Queixosos que os endorois também

sofreram perdas significativas de propriedades como resultado da deslocação a que foram

sujeitos, tal como acima detalhado, incluindo a perda de gado, e que a única “indemnização”

recebida foi o eventual aprovisionamento de dois tanques carricidas para o gado, o que não

compensou a perda de salinas em redor do lago ou a perda substancial de terras tradicionais.

114. A concluir, os Queixosos afirmam que o facto de não terem sido observadas as normas

internacionais sobre direitos referentes a terras indígenas e ao pagamento de indemnizações,

para além de se terem ignorado as disposições da lei queniana, significa que a intromissão

na propriedade da comunidade endorois não ocorreu de acordo com as “leis apropriadas”,

nos termos do Artigo 14 da Carta.

Alegadas Violações do Artigo 17(2) e (3) – O Direito à Cultura

O Artigo 17(2) e (3) diz que:

(2) Toda a pessoa pode tomar livremente parte na vida cultural da Comunidade.

(3) A promoção e a protecção da moral e dos valores tradicionais reconhecidos pela Comunidade constituem um dever do Estado.

115. Os Queixosos argumentam que os direitos culturais da comunidade endorois foram

violados como resultado da criação da Reserva Natural. Ao restringir o acesso ao Lago

Bogoria, as autoridades quenianas negaram o acesso da comunidade ao elemento central

da prática cultural endorois. Depois de terem definido a cultura como querendo significar

a soma total de todas as actividades materiais e espirituais e produtos de um dado grupo

social que o distingue de outros grupos similares,88 os Queixosos argumentam que a

88

Os Queixosos mencionam Rodolfo Stavenhagen et al. eds, (2001), “Cultural Rights: A Social Science,

Perspective,” em Economic, Social and Cultural Rights, (Asbjørn Eide) segunda edição, pp. 85, 86-88. Ver também

Rachel Murray e Steven Wheatley (2003), „Groups and the African Charter on Human and Peoples‟ Rights‟, Human

Rights Quarterly, Vol. 25, p. 222.

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protecção conferida pelo Artigo 17 pode ser invocada por qualquer grupo que se

identifique com uma determinada cultura de um Estado. Todavia, os Queixosos

argumentam que esse artigo faz mais do que isso. Eles consideram que o Artigo 17 alarga-

se à protecção das culturas e formas de vida indígenas.

116. Os Queixoso argumentam que os endorois sofreram violações dos seus direitos

culturais em duas ocasiões. Em primeiro lugar, a comunidade enfrentou restrições

sistemáticas no acesso a determinados locais, como por exemplo as margens do Lago

Bogoria, locais esses que se revestem de significado fundamental no âmbito dos ritos e

celebrações culturais. As tentativas da comunidade em ter acesso às suas terras históricas

para a materialização desses fins foram consideradas de “entrada ilegal”, tendo os

endorois de fazer face a intimidações e detenções. Em segundo lugar, e aqui

separadamente, os direitos culturais da comunidade foram violados em face dos graves

danos causados pelas autoridades quenianas ao seu modo de vida pastoril.

117. Com as concessões mineiras agora em funcionamento nas proximidades do Lago

Bogoria, os Queixosos argumentam existir uma nova ameaça contra a integridade cultural

e espiritual das terras ancestrais dos endorois.

118. Argumentam ainda os Queixosos que ao contrário dos Artigos 8 e 14 da Carta

Africana, o Artigo 17 não contém nenhuma cláusula expressa que permita, em

determinadas circunstâncias, a imposição de restrições ao exercício dos direitos. Os

Queixosos afirmam que a não existência de uma tal cláusula constitui forte indicação de

que os que redigiram a Carta previram poucas, ou até mesmo nenhumas, circunstâncias

em que seria apropriado limitar o direito de um povo à cultura. Todavia, se ocorrem

restrições de qualquer espécie, elas devem ser proporcionais a um objectivo legítimo e

estar em consonância com os princípios das leis internacionais sobre os direitos humanos e

dos povos. Os Queixosos argumentam que o princípio da proporcionalidade exige que as

limitações sejam, dentro do possível, o menos restritivas de modo a que esse objectivo

legítimo possa ser alcançado.

119. Assim, os Queixosos argumentam que mesmo se a criação da Reserva Natural

constituísse um objectivo legítimo, o facto do Estado Respondente não ter assegurado o

direito de acesso, por direito, à celebração dos festivais e rituais culturais, tal não pode ser

considerado como proporcional a esse objectivo.

Alegada Violação do Artigo 21 – Direitos à Liberdade de Dispor dos Recursos Naturais

O Artigo 21 da Carta diz que:

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1. Todos os povos deverão dispor livremente da sua riqueza e dos recursos

naturais. Este direito deverá ser exercido no interesse exclusivo dos povos. Em

nenhum caso um povo poderá ser privado desse direito.

2. Em caso de espoliação, o povo espoliado deverá ter direito à legítima

recuperação dos seus bens bem como a uma indemnização adequada.

120. Os Queixosos argumentam que após ter sido alvo de despejo da Reserva Natural, a

comunidade endorois viu-se impossibilitada de ter acesso aos recursos vitais existentes na

região do Lago Bogoria. As salinas medicinais e os solos férteis que faziam com que o gado

da comunidade se mantivesse saudável encontram-se agora fora do alcance da comunidade.

Atribuíram-se concessões mineiras nas terras dos endorois sem que a estes tivesse sido dada

uma parte dos recursos mineiros. Consequentemente, os endorois sofreram uma violação do

Artigo 21: O Direito aos Recursos Naturais.

121. Os Queixosos argumentam que no caso Ogoni, o direito aos recursos naturais contidos

nas terras tradicionais das populações indígenas havia sido atribuído a estas. Acrescentam

os Queixosos que um povo que habite uma determinada região dentro de um Estado pode

reivindicar a protecção ao abrigo do Artigo 21.89 Argumentam ainda que o direito de dispor

livremente dos recursos naturais é de crucial importância para os povos indígenas e para o

seu modo de vida. Os Queixosos citam o relatório dos Peritos do Grupo de Trabalho da

Comissão Africana para as Populações/Comunidades Indígenas, no qual se afirma:

A expropriação de terras e de recursos naturais constitui um grande problema para

as populações indígenas em termos de direitos humanos... A criação de áreas

protegidas e de parques nacionais empobreceu comunidades indígenas pastoris e de

caçadores-recolectores, tornou-as vulneráveis e incapazes de lidar com a incerteza

ambiental e, em muitos dos casos, fez com que elas passassem a viver como

deslocadas... Isto [a perda de recursos naturais fundamentais] constitui uma grave

violação da Carta Africana (Artigo 21(1) e 21 (2)), o qual diz claramente que todos

os povos têm o direito aos recursos naturais, à saúde e à propriedade.90

122. Citando a Carta Africana, os Queixosos argumentam que ela cria dois direitos distintos

relacionados com a propriedade (Artigo 14) e a liberdade de dispor da riqueza e dos

recursos naturais (Artigo 21). Eles argumentam que no contexto das terras tradicionais, há

uma ligação bastante estreita entre esses dois direitos, tendo ambos sido violados de forma

semelhante. Os Queixosos afirmam que o Artigo 21 da Carta Africana é, no entanto, mais

vasto no seu âmbito do que o Artigo 14, e exige o respeito pelo direito de um povo em

utilizar os recursos naturais, mesmo quando ele não possua títulos de posse de terra.

89 O Caso Ogoni (2001), parágrafos 56-58. 90 Relatório de Peritos do Grupo de Trabalho da Comissão Africana, p. 20.

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123. Os Queixosos salientam que a Directiva Operacional 4.10 do Banco Mundial diz que:

“Atenção particular deve ser dada ao direito dos povos indígenas de usar e desenvolver as

terras por si ocupadas, de serem protegidos contra intrusos ilegais, e de ter acesso a recursos

naturais (tais como florestas, fauna bravia e água) vitais à sua subsistência e reprodução.”91

124. Eles declaram que, como povo, os endorois gozam da protecção do Artigo 21

relativamente ao Lago Bogoria e à riqueza e recursos naturais que daí advêm. Argumentam

que para os endorois, dos recursos naturais constam medicamentos tradicionais à base de

ervas que se encontram em redor do lago, salinas e terras férteis que são benéficas para o

gado e, por conseguinte, para o modo de vida pastoril dessa comunidade. Estes,

argumentam os Queixosos, eram recursos naturais de que a comunidade beneficiava antes

de ter sido alvo de despejo das suas terras tradicionais. Além disso, o Artigo 21 também

protege o direito da comunidade à riqueza potencial da terra, incluindo o turismo, os rubis e

outros que possam existir. Os Queixosos afirmam que a partir do momento em que os

endorois foram alvo de despejo do Lago Bogoria, em violação do Artigo 21, foi-lhes negado

o acesso irrestrito à terra e aos seus recursos naturais, dado que não mais puderam beneficiar

dos recursos naturais e do potencial de riqueza, incluindo a que é gerada pela recente

exploração da terra, nomeadamente as receitas e o emprego criado pela Reserva Natural e o

produto das operações de exploração mineira.

Alegada Violação do Artigo 22 – O Direito ao Desenvolvimento

O Artigo 22 da Carta Africana diz que:

Todos os povos têm direito ao desenvolvimento económico, social e

cultural, no estrito respeito da sua liberdade e da sua identidade, e ao

usufruto igual do património comum da humanidade.

125. Relativamente à questão do desenvolvimento, os Queixosos argumentam que esse

direito dos endorois foi violado pelo facto do Estado Respondente não ter envolvido a

comunidade de forma adequada no processo de desenvolvimento e de não ter assegurado

a contínua melhoria do seu bem-estar.

126. Os Queixosos argumentam que os endorois viram o conjunto de escolhas e

capacidades que lhes havia sido apresentado a ficar reduzido a partir da ordem de despejo

da Reserva Natural. Argumentam que devido à falta de acesso ao lago, às salinas e aos

pastos habituais o gado dos endorois viria a morrer em grandes números.

Consequentemente, não puderam pagar os impostos e como resultado disso as autoridades

quenianas ficaram ainda com mais gado.

127. Os Queixosos frisam que os endorois não tiveram outra escolha que não a de vagar a

região do lago. Argumentam que essa impossibilidade de escolha por parte da 91 Directiva Operacional 4.10, Banco Mundial.

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comunidade, contraria directamente as garantias do direito ao desenvolvimento. Declaram

que se as autoridades quenianas tivessem proporcionado o direito ao desenvolvimento tal

como prometido na Carta Africana, o desenvolvimento da Reserva Natural teria

expandido as capacidades dos endorois.

128. Citando o Caso Ogoni, os Queixosos argumentam que a Comissão Africana fizera

notar a importância da escolha pelo bem-estar. Declaram que a Comissão Africana fez

notar que o Estado devia respeitar os titulares de direitos e a “respectiva liberdade de

acção.”92 Argumentam ainda que a liberdade reconhecida pela Comissão é correspondente

à escolha incorporada no direito ao desenvolvimento. Ao reconhecer essa liberdade,

argumentam os Queixosos, a Comissão Africana começou por abarcar o direito ao

desenvolvimento como uma escolha. Voltando a lidar de forma mais profunda com a

questão do direito ao desenvolvimento, os Queixosos argumentam que o mesmo princípio

de „liberdade de acção‟ pode ser aplicado à comunidade endorois no âmbito da presente

Participação-queixa.

129. Os Queixosos argumentam que a escolha e a autodeterminação também incluem a

capacidade de dispor de recursos naturais da forma que uma comunidade o desejar, por

conseguinte exigindo um grau de controlo sobre as terras. Os Queixosos argumentam que

para os endorois, a capacidade de utilização de salinas, água e solos na área do Lago

Bogoria foi eliminada, minando a autodeterminação dessa comunidade. A esse respeito, os

Queixosos argumentam ser claro que o desenvolvimento deve ser visto como um aumento

do bem-estar dos povos, consoante as capacidades e escolhas disponíveis. A materialização

do direito ao desenvolvimento, dizem eles, exige a melhoria e o aumento das capacidades

e das escolhas. Eles argumentam que os endorois sofreram perdas em termos de bem-estar

em face das limitações impostas às suas escolhas e capacidades, incluindo a efectiva e

significativa participação em projectos que afectariam as suas vidas.

130. Citando o Comité de Direitos Humanos (HRC), os Queixosos argumentam que o

HRC se havia debruçado sobre a eficácia dos procedimentos de consulta no caso Mazurka

vs Nova Zelândia.93 Os Queixosos argumentam que o HRC constatou que o amplo processo

de consulta levado a cabo pela Nova Zelândia havia efectivamente proporcionado a

participação do povo maori na determinação de direitos de pesca. As autoridades da Nova

Zelândia haviam negociado com os representantes dos maoris e de seguida consentiram

que o Memorando de Entendimento, resultante dessa consulta, fosse amplamente

discutido pelos maoris por todo o país.94 Os Queixosos argumentam que o Comité fez

notar especificamente que o processo de consulta havia tratado do significado cultural e

religioso da pesca para os maori, e que os representantes desse povo haviam podido

afectar os termos da solução final.

92 O Caso Ogoni, (2001), parágrafo 46. 93 Apirana Mahuika et al vs Nova Zelândia, Comité de Direitos Humanos, Participação-queixa No. 547/1993, UN Doc. CCPR/C/70/D/547/1993 (2000), parágrafos 5.7-5.9. 94 Apirana Mahuika et al vs Nova Zelândia (2000) Comité de Direitos Humanos, Participação-queixa. No. 547/1993, UN Doc. CCPR/C/70/D/547/1993, parágrafos 5.7-5.9.

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131. A inadequação das consultas levadas a cabo pelas autoridades quenianas,

argumentam os Queixosos, é posta em evidência pelas acções dos endorois a seguir à

criação da Reserva Natural. Os Queixosos disseram à Comissão Africana que os endorois

acreditavam e continuaram a acreditar mesmo depois da ordem de despejo, que a Reserva

Natural assim como o seu modo de via pastoril não seriam mutuamente exclusivos, e que

eles, endorois, teriam o direito de reentrada nas suas terras. Os Queixosos afirmam que por

não terem compreendido as razões do seu despejo permanente, muitas das famílias não

haviam saído do local antes de 1986.

132. Argumentam os Queixosos que a via seguida fez com que os endorois se sentissem

privados do seu direito de representação num processo da maior importância para as suas

vidas como povo. O ressentimento causado pela forma injusta como foram tratados, levou

a que alguns dos membros da comunidade tentassem reivindicar a posse da Floresta de

Mochongoi em 1974 e em 1984; se reunissem com o Presidente em 1994 e 1995 a fim de

discutir a questão; e a levar a cabo acções de protesto no âmbito de manifestações pacíficas.

Os Queixosos afirmam que se as consultas tivessem sido conduzidas de forma a envolver a

participação dos endorois de forma efectiva, não teria surgido confusão quanto aos direitos

da comunidade ou ressentimentos decorrentes da forma injusta com fora obtido o seu

consentimento.

133. Argumentam ainda os Queixosos que o requisito de consentimento antecipado e

fundamentado também se encontra delineado na jurisprudência da IAcmHR. Remetendo a

Comissão Africana para o caso Mary e Carrie Dan vs Estados Unidos da América, os

Queixosos argumentam que a IAcmHR havia feito notar que a convocação de reuniões

com a comunidade 14 anos após o início do processo de extinção de títulos de propriedade,

não constituiu participação antecipada nem eficaz.95 Eles afirmam que para que exista um

processo de consentimento totalmente fundamentado “exige-se no mínimo que todos os

membros da comunidade estejam completa e rigorosamente informados da natureza e

consequências do processo e dotados de uma oportunidade efectiva de participação, quer

individualmente, quer como colectividades.”96

134. Os Queixosos são também da opinião que o Estado Respondente violou o direito dos

endorois ao desenvolvimento ao empenhar-se em actividades coercivas e intimidatórias

que aboliram o direito da comunidade de participar de forma significativa e de livremente

dar o seu consentimento. Os Queixosos afirmam que essas medidas coercivas persistem até

aos dias de hoje. Eles dizem que o Sr. Charles Kamuren, presidente do Conselho para o

Bem-Estar dos Endorois, havia fornecido à Comissão Africana detalhes das ameaças e de

actos de assédio de que ele e a família assim como outros membros da comunidade haviam

95 Mary e Carrie Dann vs Estados Unidos da América (2002), parágrafo 136. 96 Ib. no parágrafo 140. Antoanella-Iulia Motoc e a Fundação Tebtebba, Documento de trabalho preliminar sobre o princípio de consentimento livre, antecipado e fundamentado dos povos indígenas relativamente ao desenvolvimento das suas terras e recursos naturais, que serviu de base para a redacção, pelo Grupo de Trabalho, de um comentário legal sobre esse conceito. U.N. Doc. E/CN.4/Sub.2/AC.4/2004/4 (2004), parágrafo 14 (a).

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sido alvo, especialmente por terem objectado contra a atribuição de concessões de

exploração mineira.

135. Os Queixosos argumentam ainda que os endorois haviam sido excluídos de participar

ou de partilhar os benefícios do desenvolvimento. Afirmam que o Estado Respondente não

seguiu uma abordagem de crescimento económico com base na observância de direitos,

abordagem essa que insiste no desenvolvimento de uma forma que seja consequente e

sirva para materializar os direitos humanos e o direito ao desenvolvimento através de

consultas adequadas e antecipadas. Os queixosos afirmam que o desenvolvimento dos

endorois como povo ficou prejudicado económica, social e culturalmente. E concluem que

a comunidade endorois foi vítima de uma violação do Artigo 22 da Carta.

Conclusões do Estado Respondente quanto ao Mérito

136. Em resposta à peça processual entregue pelos Queixosos quanto ao Mérito, assim como à peça processual Amicus Curiae do COHRE, o Estado Respondente, designadamente a República do Quénia, entregou à Comissão Africana a sua resposta sobre o Mérito da Participação-queixa. 137. Os argumentos que se seguem constituem os factos articulados pelo Estado Respondente, tomando em consideração o seu testemunho oral perante a 40ª Sessão Ordinária da Comissão Africana, todas as conclusões por escrito, incluindo cartas, testemunhos ajuramentados em apoio a esses argumentos, provas em vídeo e os „Conclusões e Esclarecimentos Adicionais do Respondente Suscitados pelas Perguntas feitas pelo Comissário Durante a Audiência sobre o Mérito da Participação-queixa.‟ 138. O Estado Respondente argumenta que a maior parte das tribos não reside nas respectivas terras ancestrais devido a movimentos efectuados por uma série de factores, incluindo a procura de pastos para o gado; procura de terra arável para poderem praticar a agricultura; transferências levadas a cabo pelo governo para permitir o desenvolvimento; criação de sistemas de irrigação, parques nacionais, reservas naturais, florestas e extracção de recursos naturais, tais como minerais.

139. O Estado Respondente argumenta ter instituído um programa de ensino primário gratuito e universal assim como um programa de recuperação agrícola destinado a aumentar o rendimento dos agregados familiares da população rural pobre, incluindo os endorois. O Estado Respondente afirma ter iniciado não apenas programas para a distribuição equitativa de recursos orçamentais, mas que também formulou uma estratégia de recuperação económica para a criação de riqueza e emprego, a qual visa erradicar a pobreza e assegurar os direitos económicos e sociais dos pobres e dos marginalizados, incluindo os endorois. 140. O Estado Respondente argumenta que a terra em redor do Lago Bogoria é ocupada pela tribo tugen, e que esta é constituída por quatro clãs:

141. Os endorois – que se estabeleceram em redor de Mangot, Mochongoi e Tangulmbei;

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Os lebus – que se estabeleceram em redor do Distrito de Koibatek; Os somor – que vivem em redor de Maringati, Sacho, Tenges e Kakarnet; e Os alor – que vivem em redor de Kaborchayo, Paratapwa, Kipsalalar e Buluwesa.

142. O Estado Respondente argumenta que todos os clãs coexistem numa área geográfica. Afirma ser de realçar que todos esses clãs partilham a mesma língua e os mesmos nomes, o que significa que possuem muito em comum. O Estado Respondente disputa que os endorois constituam mesmo uma comunidade / sub-tribo ou clã com características próprias, e argumentam que cabe aos Queixosos provar que os endorois distinguem-se de outras sub-tribos tugen ou mesmo da tribo maior dos kalenjin antes de poderem dar andamento ao caso perante a Comissão Africana.

143. O Estado Respondente mantém que na sequência da Declaração da Reserva Natural do Lago Bogoria, o governo levou a cabo um programa de reassentamento. O programa culminou com o reassentamento da maioria dos endorois no aldeamento de Mochongoi. O Estado Respondente argumenta que isso foi em aditamento à indemnização paga aos endorois depois das suas terras ancestrais em redor do lago terem sido listadas no Boletim Oficial. Declara ainda o Estado Respondente que no Quénia não existe algo como a Floresta Mochongoi e que a única floresta na área é a Floresta de Ol Arabel. Decisão quanto ao Mérito 144. A presente Participação-queixa alega que o Estado Respondente violou os direitos humanos da comunidade dos endorois, um povo indígena, por tê-los retirado à força das respectivas terras ancestrais, por não lhes ter pago a devida indemnizado pela perda dos seus bens, por ter desarticulado a empresa de pastorícia dessa mesma comunidade, por ter violado o direito deles praticarem a respectiva religião e cultura, e por também ter desarticulado todo o processo de desenvolvimento do provo endorois. 145. Antes de se considerarem os Artigos que foram alegadamente violados, o Estado Respondente solicitou à Comissão Africana que determinasse se os endorois podiam ser reconhecidos com uma „comunidade‟ / sub-tribo ou clã por direito próprio. O Estado Respondente disputa que os endorois sejam uma comunidade distinta com necessidade de protecção especial. O Estado Respondente argumenta que os Queixosos têm de provar essa distinção da sub-tribo tugen ou mesmo da tribo maior dos kalenjin. As questões imediatas que a Comissão Africana tem de abordar são as seguintes: 146. Os endorois constituem uma comunidade distinta? São um povo indígena e, por conseguinte, necessita de protecção especial? Se são uma comunidade distinta, o que é que os diferencia da sub-tribo tugen ou até mesmo da tribo maior dos kalenjin?

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147. Antes de responder às questões acima enunciadas, a Comissão Africana faz notar que os conceitos de “povos” e “povos / comunidades indígenas” são termos em disputa.97 No que se refere aos “povos indígenas”, não existe nenhuma definição universal e não ambígua do conceito uma vez que nenhumas das definições aceites capta a diversidade das culturas, histórias e circunstâncias actuais indígenas. As relações entre povos indígenas e grupos dominantes ou tradicionais de uma sociedade variam de país para país. O mesmo se aplica ao conceito de “povos”. Assim, a Comissão Africana está consciente da conotação política desses conceitos. As controvérsias adjacentes levaram os que redigiram a Carta Africana a absterem-se deliberadamente de propor quaisquer definições no âmbito da noção de “povo(s)”.98 No seu Relatório do Grupo de Trabalho dos Peritos para as Populações/Comunidades Indígenas,99 a Comissão Africana descreve o dilema com que deparou quanto à definição do conceito de “povos” nos seguintes termos:

Apesar do seu mandato para interpretar todas as disposições da Carta Africana nos termos do Artigo 45(3), inicialmente a Comissão Africana precaveu-se de interpretar o conceito de „povos‟. A própria Carta Africana não define o conceito. De início, a Comissão Africana não se sentiu à-vontade em elaborar direitos onde de concreto escasseava a jurisprudência internacional. O ICCPR e o ICESR não fazem uma definição de „povos‟. Torna-se evidente que aqueles que redigiram a Carta Africana pretendiam distinguir entre direitos individuais tradicionais, em que as Secções que precedem o Artigo 17 fazem referência a “todos os indivíduos”. O Artigo 18 actua como um travão ao referir-se à família. Os Artigos de 19 a 24 fazem menção específica de “todos os povos”.

148. A Comissão Africana, no entanto, faz notar que embora os termos „povos‟ e „comunidades indígenas‟ suscitem debates emotivos, certos grupos marginalizados e vulneráveis em África sofrem de problemas particulares. A Comissão Africana está consciente de que muitos desses grupos não foram acomodados por paradigmas dominantes de desenvolvimento e em muitos dos casos estão a ser vitimizados por políticas e pensamentos tradicionais de desenvolvimento e os seus direitos humanos violados. A Comissão Africana está também consciente de que os povos indígenas, devido a processos anteriores e em curso, tornaram-se marginalizados nos seus próprios países, necessitando de reconhecimento e protecção dos respectivos direitos humanos e liberdades fundamentais básicos.

149. A Comissão Africana faz igualmente notar que por uma questão normativa, a Carta Africana constitui um documento inovador e ímpar de direitos humanos quando comparada a outros instrumentos regionais de direitos humanos ao dar ênfase especial aos

97

Ver Relatório do Relator Especial (Rodolfo Stavenhagen) sobre a Situação dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas relativamente à “Aplicação da Resolução da Assembleia Geral 60/251 de 15 de Março de 2006, A/HRC/4/32/Add.3, 26 de Fevereiro de 2007: Missão no Quénia ” de 4 a 14 de Dezembro de 2006, no ¶ 9. 98

Ver o Relatório do Relator da reunião ministerial da OUA sobre o anteprojecto da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, realizada em Banjul, Gâmbia, de 9 a 15 de Junho de 1980 (CAB/LEG/67/3/Draft Rapt. Rpt (II)), p.4. 99

Relatório do Grupo de Trabalho dos Peritos para as Populações/ Comunidades Indígenas da Comissão Africana, publicado conjuntamente por ACHPR/IWGIA, 2005.

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direitos dos “povos”100 A Carta Africana afasta-se de forma substancial das fórmulas limitadas de outros instrumentos regionais e universais de direitos humanos ao tecer uma tapeçaria que inclui as três “gerações” de direitos: direitos civis e políticos; direitos económicos, sociais e culturais; e direitos de grupos e de povos. Nesse sentido, a Comissão Africana faz notar a sua própria observação de que o termo “indígenas” também não se destina a criar uma classe especial de cidadãos, mas antes a tratar de injustiças e desigualdades históricas e actuais. É este o sentido com que o termo foi aplicado no contexto africano pelo Grupo de Trabalho da Comissão Africana para as Populações/Comunidades Indígenas.101 No contexto da Carta Africana, o Grupo de Trabalho faz notar que a noção de “povos” relaciona-se de forma íntima com os direitos colectivos.102 150. A Comissão Africana faz ainda notar que a Carta Africana, nos Artigos 20 a 24, estabelece que os povos retêm direitos como povos, isto é, como colectividades.103 A Comissão Africana, por intermédio do seu Grupo de Trabalho dos Peritos para as Populações/Comunidades Indígenas enunciou quatro critérios para se identificarem povos indígenas,104 nomeadamente: a ocupação e uso de um território específico; a perpetuação voluntária de distinção cultural; auto-identificação como colectividade distinta assim como o reconhecimento por outros grupos; experiência de subjugação, marginalização, expropriação, exclusão ou discriminação. O Grupo de Trabalho também delimitou algumas das características partilhadas dos grupos indígenas africanos:

… antes de mais (mas não exclusivamente) diferentes grupos de caçadores-recolectores ou ex-caçadores-recolectores e certos grupos pastoris...

… Uma característica-chave da maior parte desses grupos é a de que a sobrevivência do seu modo de vida particular depende do acesso e dos direitos às respectivas terras tradicionais e aos recursos naturais nelas contidos.105

151. Assim, a Comissão Africana está consciente de que existe um consenso emergente relativamente a alguns traços objectivos que um colectivo de indivíduos deve manifestar para ser considerado como “povo”, designadamente: uma tradição histórica comum,

100

A Carta Africana não é um acidente histórico. A sua criação pela OUA surgiu numa altura em que se acentuava o escrutínio dos Estados relativamente às suas práticas em matéria de direitos humanos, e a ascendência dos direitos humanos como assunto legítimo do discurso internacional. Para os Estados africanos, a retórica de direitos humanos possuía uma ressonância especial por várias razões, incluindo o facto dos Estados africanos da era pós-colonial terem surgido da luta anticolonial pelos direitos humanos, uma luta pela autodeterminação política e económica e pela necessidade de se reivindicar legitimidade internacional e de salvaguardar a sua imagem. 101

Relatório do Relator Especial (Rodolfo Stavenhagen) sobre a Situação dos Direitos Humanos Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, supra n. 47. 102

Ibid. 103

Ver o caso, The Social and Economic Rights Action Centre for Economic and Social Rights vs Nigéria. (SERAC e CESR) ou o Caso Ogoni 2001. Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Decisão 155/96, The Social and Economic Rights Action Centre e o Centre for Economic and Social Rights – Nigéria (27 de Maio de 2002), Décimo Quinto Relatório Anual de Actividades da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, 2001-2002. 104

Relatório do Grupo de Trabalho dos Peritos para as Populações/ Comunidades Indígenas da Comissão Africana (adoptado na Vigésima Oitava Sessão, 2003). 105

Relatório do Grupo de Trabalho dos Peritos para as Populações/ Comunidades Indígenas da Comissão Africana (adoptado na Vigésima Oitava Sessão, 2003).

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identidade racial ou étnica, homogeneidade cultural, unidade linguística, afinidades religiosas e ideológicas, ligação territorial e uma vida económica comum ou outros vínculos, identidades e afinidades que usufruam de forma colectiva – especialmente os direitos enumerados ao abrigo dos Artigos 19 a 24 da Carta Africana – ou que sofrem colectivamente a privação desses direitos. O que se torna claro é que todas as tentativas de se definir o conceito de povos indígenas reconhecem as ligações entre povos, as suas terras e cultura e que um tal grupo manifesta o desejo de ser identificado como povo ou tem a consciência de que é um povo.106 152. No respeitante à presente questão, a Comissão Africana é também levada a inspirar-se, nos termos do Artigo 61 da Carta Africana, em outras fontes subsidiárias de direito internacional ou em princípios gerais na determinação de direitos ao abrigo da Carta Africana.107 A Comissão Africana regista a definição de trabalho proposta pelo Grupo de Trabalho das Nações Unidas para as Populações Indígenas:

… que os povos indígenas são …os que, tendo uma continuidade histórica em relação às sociedades que precederam as invasões ou a colonização e que se desenvolveram nos seus territórios, consideram-se como sendo distintos de outros sectores das sociedades que agora prevalecem nesses territórios ou em parte dos mesmos. Presentemente, eles fazem parte dos sectores não dominantes da sociedade e estão determinados a preservar, desenvolver e transmitir às futuras gerações os seus territórios ancestrais e a sua identidade étnica como base para a sua existência contínua como povos, de acordo com as suas próprias tendências culturais, instituições sociais e sistemas legais.108

153. Esta definição de trabalho deve, todavia, ser lida conjuntamente com o Relatório do Grupo de Trabalho dos Peritos da Comissão Africana para as Populações/Comunidades Indígenas (2003), e que constitui a base da „definição‟ de populações indígenas.109 Do mesmo modo, o relatório faz notar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) avançou com uma definição de povos indígenas na Convenção No. 169, referente aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes:110

Os povos de países independentes, que sejam tidos como indígenas em função da sua descendência de populações que haviam habitado o país ou a região geográfica a que esse país pertence, por altura da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das actuais fronteiras do Estado e que, independentemente do seu estatuto legal, mantêm parte ou todas das suas instituições sociais, económicas, culturais e políticas.111

106

Ib. 107

Ver Artigo 60 da Carta Africana. 108

Jose Martinez Cobo (1986), Relator Especial, Estudo sobre o Problema da Discriminação das Populações Indígenas, Subcomissão para a Prevenção da Discriminação, e a Protecção de Minorias, UN Doc. E/CN.4/Sub.2/1986/7/Add.4. 109

O Grupo de Trabalho das Nações Unidas alarga a análise à experiência histórica africana e também levanta uma questão um pouco controversa do “primeiro ocupante ou do ocupante original” do território, o que nem sempre é relevante para o continente africano. 110

Convenção referente aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (OIT No. 169), 72 Bula Oficial da OIT. 59, entrou em vigor a 5 de Setembro de 1991, Artigo 1(1)(b).

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154. A Comissão Africana está também consciente de que embora certas populações indígenas possam constituir os primeiros habitantes, a validação de direitos não é automaticamente conferida às reivindicações anteriores às invasões e ao período colonial. Nos termos da Convenção 169 da OIT, mesmo que muitos dos países africanos não a tenham assinado e ratificado, e tal como o conceito dos Grupos de Trabalho das Nações Unidas sobre o referido termo, a Comissão Africana faz notar que existe um denominador comum a todos os critérios que tentam descrever os povos indígenas – de que os povos indígenas possuem um relacionamento não ambíguo com um território distinto e que todas as tentativas para se definir o conceito reconhecem as ligações entre povos, as suas terras e cultura. A esse respeito, a Comissão Africana faz notar que a observação feita pelo Relator Especial das Nações Unidas, segundo a qual no Quénia as populações/comunidades indígenas incluem comunidades pastoris tais como os endorois,112 borana, gabra, maasai, pokot, samburu, turkana e Somali, e comunidades de caçadores-recolectores cujos modos de vida permanecem ligados à floresta, tais como os awer (boni), ogiek, sengwer, ou os yaaku. O Relator Especial das Nações Unidas observou ainda que a comunidade endorois viveu durante séculos no respectivo território tradicional em redor do Lago Bogoria, o qual foi declarado santuário de fauna bravia em 1973.113 155. Na presente Participação-queixa, a Comissão Africana deseja frisar que a Carta reconhece os direitos dos povos.114 Os Queixosos argumentam que os endorois são um povo, estatuto que os habilita a beneficiar das disposições da Carta Africana a qual protege direitos colectivos. O Estado Respondente discorda.115 A Comissão Africana faz notar que a Constituição do Quénia, embora incorporando o princípio da não-discriminação e garantindo direitos civis e políticos, não reconhece direitos económicos, sociais e culturais como tais, assim como direitos de grupos. Ela faz ainda notar que os direitos das comunidades pastoris e de caçadores-recolectores indígenas não são reconhecidos como tais no quadro constitucional e legal do Quénia, não havendo nenhuma política ou instituição governamental que lide directamente com questões indígenas. A Comissão faz ainda notar que tendo o Quénia ratificado a maior parte dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, esse país não ratificou a Convenção No. 169 da OIT sobre os Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, não aprovou a Declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

111

Convenção referente aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (OIT No. 169), 72 Bula Oficial da OIT. 59, entrou em vigor a 5 de Setembro de 1991, Artigo 1(1)(b). 112

Ver Relatório do Relator Especial (Rodolfo Stavenhagen) sobre a Situação dos Direitos Humanos Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, op. cit, supra n. 47 – Acrescentado ênfase. 113

Ver Relatório do Relator Especial (Rodolfo Stavenhagen) sobre a Situação dos Direitos Humanos Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, op. cit, Supra n. 47. 114

A Comissão afirmou o direito dos povos apresentarem reivindicações ao abrigo da Carta Africana. Ver o caso do The Social and Economic Rights Action Center for Economic and Social Rights vs Nigéria. Aqui, a Comissão declarou: “A Carta Africana, nos seus Artigos 20 a 24, estabelece claramente que os povos retêm os seus direitos como povos, isto é, como entidades colectivas.” 115

A Comissão também fez notar que nos casos em que haja um grande número de vítimas, poderá ser impraticável que cada queixoso individual compareça perante tribunais nacionais. Nessas situações, tal como no Caso Ogoni, a Comissão pode pronunciar-se sobre os direitos de um povo na sua condição de entidade colectiva. Por conseguinte, os endorois, como povo, têm o direito de apresentar as suas reivindicações colectivamente ao abrigo das disposições relevantes da Carta Africana atrás citadas.

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156. Após ter estudado todos os argumentos dos Queixosos e do Estado Respondente, a Comissão Africana é da opinião que a cultura, a religião e o modo de vida tradicional dos endorois estão intimamente ligados às suas terras ancestrais – o Lago Bogoria e a área circundante. A Comissão concorda que o Lago Bogoria e a Floresta de Monchongoi são fulcrais para o modo de vida dos endorois, e que sem acesso às suas terras ancestrais eles não podem exercer integralmente os seus direitos culturais e religiosos, sentindo-se desligados das suas terras e dos antepassados. 157. Para além de uma relação sagrada com as suas terras, a auto-identificação constitui outro critério importante para se determinar a condição de povos indígenas.116 O Relator Especial das Nações Unidas para os Direitos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas também apoia a auto-identificação como um critério-chave para se determinar quem é na realidade indígena.117 A Comissão Africana está consciente de que presentemente há muitos povos indígenas que ainda se encontram excluídos da sociedade, e até, muitas das vezes, privados dos seus direitos como cidadãos iguais de um Estado. No entanto, muitas dessas comunidades estão determinadas a preservar, a desenvolver e a transmitir às gerações futuras os seus territórios ancestrais e identidade étnica. A Comissão aceita os argumentos de que a contínua existência de comunidades indígenas como „povos‟ está estreitamente ligada à possibilidade deles influenciarem o seu próprio destino e de viverem de acordo com os seus próprios padrões culturais, instituições sociais e sistemas religiosos.118 A Comissão Africana faz ainda notar que o Relatório do Grupo de Trabalho dos Peritos da Comissão Africana para as Populações/Comunidades Indígenas (WGIP) sublinha que a auto-identificação dos povos constitui um importante ingrediente do conceito de direitos dos povos, tal como estipulado na Carta. A Comissão concorda que as alegadas violações da Carta Africana pelo Estado Respondente são as que atingem o cerne dos direitos indígenas – o direito de preservar a identidade de uma pessoa por via da sua identificação com as terras ancestrais, tendências culturais, instituições sociais e sistemas religiosos. A Comissão Africana, por conseguinte, aceita que a auto-identificação dos endorois como indivíduos indígenas e a aceitação como tal pelo grupo é uma componente essencial do seu senso de identidade.119 158. Além do mais, ao inspirar-se no Direito internacional sobre os direitos humanos e dos povos, a Comissão Africana faz notar que o IACtHR lidou com casos de auto-identificação em que as comunidades de descendentes de africanos viviam de forma colectiva e tinham, durante mais de 2-3 séculos, estabelecido laços ancestrais com suas terras. Além disso, o modo de vida dessas comunidades dependia em grande medida do uso tradicional das

116

Relatório do Grupo de Trabalho dos Peritos para as Populações/ Comunidades Indígenas da Comissão Africana (adoptado na Vigésima Oitava Sessão, 2003). 117

Ver Relatório do Relator Especial (Rodolfo Stavenhagen) sobre a Situação dos Direitos Humanos Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, UN Doc. E/CN.4/2002/97, (2002) no parágrafo 53. 118

Ver também Comité para a Eliminação da Discriminação Racial, Recomendação Geral 8, Pertença a Grupos Raciais ou Étnicos com Base na Auto-identificação (Trigésima Oitava Sessão, 1990), U.N. Doc. A/45/18 at 79 (1991). “O Comité”, na Recomendação Geral VIII, declarou que a pertença a um grupo “deverá, se não existir justificativo em contrário, basear-se na auto-identificação por parte do indivíduo em questão”. 119

Ver Relatório do Relator Especial (Rodolfo Stavenhagen) sobre a Situação dos Direitos Humanos Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, UN Doc. E/CN.4/2002/97, (2002) no parágrafo 100 em que ele argumenta que a auto-identificação é um critério-chave para se determinar quem é na realidade indígena.

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suas terras, tal como a sua sobrevivência cultural e espiritual devido à existência de sepulturas ancestrais nessas terras.120 159. A Comissão Africana, tendo já aceitado a existência de povos indígenas em África através dos relatórios do WGIP e da adopção do respectivo parecer [Advisory Opinion] respeitante à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, faz notar o facto de que o Tribunal Interamericano não hesitou em conceder a protecção de direitos colectivos a grupos, indo além da visão “estreita/aborígene/pré-colombiana” de povos indígenas que, por tradição, é adoptada nas Américas. A esse respeito, a Comissão Africana destacou duas decisões relevantes do IACtHR: Moiwana vs Suriname121 e Saramaka vs Suriname. O caso Saramaka é de particular relevância para o dos endorois, dadas as opiniões manifestadas pelo Estado Respondente durante os depoimentos orais quanto ao Mérito da questão.122

160. No caso Saramaka, de acordo com as provas apresentadas pelos Queixosos, o povo saramaka é um dos seis grupos distintos dos maroon do Suriname, cujos antepassados eram escravos africanos levados à força para o Suriname durante a colonização europeia no século XVII. O IACtHR considerou que o povo saramaka constituía uma comunidade tribal cujas características sociais, culturais e económicas eram diferentes das outras secções da comunidade nacional, em particular devido à sua relação especial com os respectivos territórios ancestrais e por se regerem, pelo menos parcialmente, por normas, costumes e/ou tradições próprios.

161. Tal como o Estado do Suriname, o Estado Respondente (Quénia ) na presente Participação-queixa argumenta que a inclusão dos endorois na „sociedade moderna‟ afectou a sua distinção cultural de tal forma que seria difícil defini-los como grupo distinto,

120

Op. cit, infra n. 71. 121

Ver Moiwana Village vs Suriname, Sentença de 15 de Junho de 2005. Série C No. 124, parágrafos 85 e 134-135. A 29 de Novembro de 1986, o exército do Suriname atacou a aldeia de N‟djuka Maroon em Moiwana tendo massacrado mais de 40 homens, mulheres e crianças, e arrasado a aldeia. Os que escaparam ao ataque fugiram para a floresta circunvizinha, e posteriormente para o exílio ou então tornaram-se deslocados internos. A 12 de Novembro de 1987, quase um ano mais tarde, o Suriname, em acto simultâneo, ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos e reconheceu a jurisdição do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos (IACtHR). Quase 10 anos mais tarde, a 27 de Junho de 1997, foi entregue uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (IACmHR) e posteriormente junto do IACtHR. A Comissão declarou que embora o ataque propriamente dito tivesse ocorrido antes do Suriname ter ratificado a Convenção Americana e reconhecido a jurisdição do Tribunal, a alegada negação de justiça e deslocação da comunidade moiwana ocorreu subsequentemente ao ataque, constituindo a questão tratada no requerimento. Neste caso, o IACtHR reconheceu os direitos colectivos sobre a terra, apesar de se tratar de uma comunidade de descendentes africanos (isto é, não se trata de uma interpretação tradicional pré-colombiana / „autóctone‟ de autenticidade indígena no contexto das Américas). 122 Durante os depoimentos orais feitos no decurso da 40

ª Sessão Ordinária em Banjul, Gâmbia, o

Estado Respondente declarou que: (a) os endorois não merecem tratamento especial uma vez que não são diferentes da outra sub-tribo tungen, e que (b) a inclusão de alguns dos membros da comunidade endorois na “sociedade moderna” afectou a sua distinção cultural de tal forma que seria difícil defini-los como uma personalidade jurídica distinta, e que (c) a representação dos endorois pelo Conselho para o Bem-Estar dos Endorois é alegadamente ilegítima. Ver Comissão Interamericana de Direitos Humanos (IACHmR), Relatório No. 9/06 Os Doze Clãs Saramaka (Los) vs Suriname (2 de Março de 2006); Tribunal Interamericano de Direitos Humanos (IACtHR), Caso do Povo Saramaka vs Suriname (Sentença de 28 de Novembro de 2007) nos parágrafos 80-84.

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bem diferente da sub-tribo tugen ou até mesmo da tribo ainda maior dos kalenjin. Isto é, o Estado Respondente questiona se os endorois podem ser definidos de uma forma que tome em linha de conta os diferentes graus em que os vários membros da comunidade endorois aderem às leis, costumes e economia tradicionais, em particular os que vivem na área do Lago Bogoria. No caso Saramaka, o IACtHR discordou do Estado do Suriname de que os saramaka não poderiam ser considerados como um grupo distinto de pessoas apenas por que alguns dos seus membros não se identificavam com o grupo maior. No presente caso, a Comissão Africana, com base em todas as provas que lhe foram apresentadas, sente-se satisfeita de que os endorois podem ser definidos como um grupo tribal distinto cujos membros gozam e exercem certos direitos, tais como o direito à propriedade, de uma forma colectiva, distinta da sub-tribo dos tugen ou até mesmo da tribo maior dos kalenjin. 162. O IACtHR também fez notar o facto de alguns membros individuais da comunidade saramaka poderem viver fora do território tradicional saramaka e de uma forma que possa ser diferente de outros saramakas, que vivem dentro do território tradicional e de acordo com os costumes dos saramaka, não afecta a distinção desse grupo tribal, nem o seu uso e usufruto comunais dos respectivos bens. No caso dos endorois, a Comissão Africana considera que a questão de se saber se determinados membros da comunidade podem reivindicar certos direitos comunais em nome do grupo em causa é algo que tem de ser resolvido pelos próprios endorois de acordo com os seus costumes e normas tradicionais, e não pelo Estado. Aos endorois não pode ser negado o direito à personalidade jurídica apenas por haver falta de identificação nacional com as tradições e leis dos endorois por parte de alguns membros da comunidade.

De todas as provas (tanto orais como escritas e ainda testemunhos em vídeo) entregues à Comissão Africana, esta concorda que os endorois são uma comunidade indígena e que preenchem o critério de „distinção‟. A Comissão Africana concorda que os endorois consideram-se a eles próprios como um povo distinto, que partilha uma história, cultura e religião comuns. A Comissão Africana sente-se satisfeita de que os endorois são um “povo”, estatuto esse que os habilita a beneficiar das disposições da Carta Africana que protegem os direitos colectivos. A Comissão Africana é da opinião de que as alegadas violações da Carta Africana são as que atingem o cerne dos direitos indígenas – o direito de preservar a identidade de uma pessoa através da sua identificação com as terras ancestrais.

Alegada Violação do Artigo 8 163. Os Queixosos alegam que o direito dos endorois de livremente praticarem a respectiva religião foi violado pela medida do Estado Respondente em proceder ao despejo dessa comunidade das suas terras, e de recusar-lhes acesso ao Lago Bogoria e a outros locais religiosos circundantes. Alegam ainda que o Estado Respondente interferiu com a capacidade dos endorois de praticar a sua religião e de adorar de acordo com os ditames da sua fé; que os locais religiosos dentro da Reserva Natural não foram devidamente demarcados e protegidos; e que desde que saíram da área do Lago Bogoria, os endorois viram-se impossibilitados de praticar livremente a sua religião. Os Queixosos afirmam que o acesso a que tinham direito para a prática de rituais religiosos – tais como circuncisões, rituais de casamento, e ritos de iniciação – foi negado a essa comunidade. Do mesmo modo, afirmam que os endorois viram-se impossibilitados de realizar ou participar no

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mais significativo ritual religioso anual que tem lugar quando o lago sofre alterações sazonais. 164. Os Queixosos argumentam ainda que os endorois viram-se impossibilitados da prática de orações e cerimónias que estão intimamente ligadas ao lago, e de visitar livremente o local espiritual de todos os endorois, vivos ou mortos. Argumentam que as crenças espirituais e as práticas cerimoniais dos endorois constituem uma religião ao abrigo do Direito internacional. Eles salientam que nos instrumentos internacionais de direitos humanos, o termo “religião” abrange diversas crenças religiosas e espirituais, devendo ser interpretados de uma forma abrangente. Os Queixosos argumentam que o HRC declara que o direito à liberdade religiosa no âmbito do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR):

protege crenças teístas, não-teístas e ateístas, assim como o direito de não

professar qualquer religião ou crença. Os termos „crença‟ e „religião‟ deverão

ser amplamente interpretados. O Artigo 18 não se limita na sua aplicação a

religiões tradicionais ou a religiões ou crenças com características

institucionais ou práticas análogas a essas religiões tradicionais.123

Para refutar a alegação de violação do Artigo 8 da Carta Africana, o Estado Respondente argumenta que os Queixosos não demonstraram que a acção do governo em listar a Reserva Natural no Boletim Oficial para efeitos de conservação do ambiente e da fauna bravia e em larga medida as bases culturais dos Queixosos, não passou o teste da Constituição sobre razoabilidade e legitimidade. O Estado Respondente argumenta que através da listagem, no Boletim Oficial, de diversas áreas como áreas protegidas, Parques Nacionais ou Reservas Naturais, ou que estejam sob a alçada dos Museus Nacionais, foi possível conservar algumas das áreas sob ameaça de intromissão devido à modernização. O Estado Respondente argumenta que algumas dessas áreas incluem „Kayas‟ (florestas usadas como zonas para rituais religiosos pelas comunidades da província costeira do Quénia). Isto provou ser bastante eficaz, continuando as comunidades a ter acesso a essas zonas sem o receio da ocorrência de intromissões. 165. Antes de decidir se o Estado Respondente na verdade violou o Artigo 8 da Carta, a Comissão deseja estabelecer se as crenças espirituais e as práticas cerimoniais dos endorois constituem uma religião ao abrigo da Carta Africana e do Direito internacional. A esse respeito, a Comissão Africana faz notar a observação do HRC no parágrafo 164 (supra). A Comissão é da opinião que a liberdade de consciência e de religião deve, entre outras coisas, significar o direito de culto, de participação em rituais, a observação de dias de repouso, e o envergar de vestes religiosas.124 A Comissão Africana faz notar a sua própria observação no caso, Free Legal Assistance Group vs Zaire, em que defendeu que o direito de liberdade de consciência permite que todos os indivíduos ou grupos professem um culto

123 Comité de Direitos Humanos, Comentário Geral 22, Artigo 18 (Quadragésima Oitava Sessão, 1993), Compilação de Comentários Gerais e Recomendações Gerais Adoptada pelos Órgãos de Tratados em Matéria de Direitos Humanos, U.N. Doc. HRI\ GEN\1\ Rev.1 (1994), 35. 124 Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com Base na Religião ou Crença (Trigésima Sexta Sessão, 1981), U.N. GA Res. 36/55.

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ou se reúnam no âmbito de uma religião ou crença, e criem e mantenham locais para esses fins, assim como a celebrar cerimónias de acordo com os preceitos da religião ou crença de uma pessoa. 125 166. Esta Comissão está consciente de que a religião está muitas das vezes ligada à terra, às crenças e práticas culturais, e que a liberdade de culto e de participação nesses actos cerimoniais constitui a questão central da liberdade religiosa. As práticas culturais e religiosas dos endorois localizam-se em redor do Lago Bogoria e são de grande significado para todos os membros dessa comunidade. No decurso dos depoimentos orais, e mesmo nos argumentos entregues por escrito pelos Queixosos, foi chamada a atenção desta Comissão para o facto de que os locais religiosos se encontrarem situados em redor do Lago Bogoria, que é onde os endorois rezam e as cerimónias religiosas têm regularmente lugar. A Comissão toma em consideração que os antepassados dos endorois encontram-se sepultados próximo do lago, e tal como já antes referido, o Lago Bogoria é tido como a casa espiritual de todos eles, vivos ou mortos. 167. A Comissão faz ainda notar que uma das crenças dos endorois é a de que o seu Grande Antepassado, Dorios, veio dos Céus tendo-se radicado na Floresta de Mochongoi.126 A Comissão faz notar os argumentos dos Queixosos, que não foram contestados pelo Estado Respondente, segundo os quais os endorois acreditam que em cada estação, a água do lago torna-se vermelha e que as águas termais emitem um forte odor, assinalando a altura em que a comunidade realiza cerimónias tradicionais para apaziguar os antepassados que se afogaram com a formação do lago. 168. Da análise acima feita, a Comissão Africana é da opinião de que as crenças religiosas e práticas cerimoniais dos endorois constituem uma religião ao abrigo da Carta Africana. 169. A Comissão Africana passará agora a determinar se o Estado Respondente por meio das suas acções ou por omissões, interferiu no direito de liberdade religiosa dos endorois. 170. O Estado Respondente não negou que os endorois tivessem sido removidos das suas terras ancestrais que eles consideram como sua casa. O Estado Respondente meramente avançou as razões por que os endorois não mais podiam permanecer na área do Lago Bogoria. Os Queixosos argumentam que a incapacidade dos endorois de praticar a religião que professam, decorre directamente da sua expulsão das respectivas terras e que desde o despejo a que foram sujeitos viram-se impossibilitados de praticar livremente essa mesma religião uma vez que o acesso a locais de rituais religiosos foi negado à comunidade. 171. É bom referir que no caso Amnistia Internacional vs Sudão, a Comissão Africana reconheceu a questão central da prática da liberdade religiosa.127 A Comissão Africana fez notar que o Estado Parte havia violado o direito dos autores de praticarem a sua religião 125

Ver Free Legal Assistance Group vs Zaire, Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Participações-queixa Nos. 25/89, 47/90, 56/91, 100/93 (1995), parágrafo 45. Ver também a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com Base na Religião ou Crença, (Trigésima Sexta Sessão, 1981), U.N. GA Res. 36/55. 126

Ver parágrafos 73 e 74. 127

Amnistia Internacional e Outros vs Sudão, Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Participações-queixa No. 48/90, 50/91, 52/91, 89/93 (1999) (de ora em diante, Amnistia Internacional vs Sudão).

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uma vez que os não-muçulmanos não tinham o direito de pregar ou de construir as suas igrejas e estavam sujeitos a moléstias, prisões arbitrárias e expulsões. A Comissão Africana faz ainda notar o caso Loren Laroye Riebe Star da IACmHR, tendo esta instância determinado que a expulsão de terras que sejam centrais para a prática da religião constitui uma violação das liberdades religiosas. Faz a Comissão notar que o Tribunal considerou que a expulsão de padres da área de Chiapas constituía uma violação da liberdade de associação para fins religiosos.128 172. A Comissão Africana concorda que em algumas situações pode ser necessário aplicar um determinado tipo de restrições limitadas a um direito que se encontra protegido pela Carta Africana. Tais restrições, porém, devem ser determinadas por lei, não devendo ser aplicadas de modo a que venham a viciar por completo o referido direito. A Comissão faz notar a recomendação feita pelo HRC de que podem ser aplicadas limitações apenas para os fins para que foram recomendadas, devendo estar directamente relacionadas e ser proporcionais à necessidade específica em que se fundamentam.129 A razão de ser de uma limitação, particularmente rígida, ao direito de praticar uma religião, tal como a que os endorois ficaram sujeitos, deve fundamentar-se em razões excepcionalmente boas, e cabe ao Estado Respondente provar que essa interferência é não apenas proporcional à necessidade específica em que se fundamenta, mas também razoável. No caso da Amnistia Internacional vs Sudão, a Comissão Africana declarou que o banimento generalizado, imposto às associações cristãs, era “desproporcional às medidas exigidas pelo governo para a manutenção da ordem pública, segurança e protecção”. A Comissão Africana acrescentou que quaisquer restrições impostas aos direitos de uma pessoa praticar a sua religião devem ser insignificantes. No caso acima mencionado, a Comissão Africana decidiu que a expulsão completa e total de terras destinadas a cerimónias religiosas não se trata de uma questão mínima.130 173. A Comissão Africana considera que a negação do acesso dos endorois ao lago constitui uma restrição à liberdade deles praticarem a respectiva religião, restrição essa que não surgiu da necessidade de qualquer interesse significante de segurança pública ou de outra justificação. A Comissão Africana também não está convencida de que a remoção dos endorois das suas terras ancestrais constituiu uma acção legal na prossecução do desenvolvimento económico ou da protecção ecológica. A Comissão Africana é da opinião que ao permitir que os endorois fizessem uso das terras para práticas religiosas, o objectivo de conservar ou desenvolver a área por razões económicas não seria prejudicado.

128

Loren Laroye Riebe Star, Jorge Alberto Baron Guttlein e Rodolfo Izal Elorz/México, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório No. 49/99, Caso 11.610, (1999). Dianna Ortiz vs Guatemala, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório 31/96, Caso 10.526, (1997). 129

Comité de Direitos Humanos. Comentário Geral 22, Artigo 18 (Quadragésima Oitava Sessão, 1993), Compilação de Comentários Gerais e Recomendações Gerais Adoptados pelos Órgãos de Tratados em Matéria de Direitos Humanos, U.N. Doc. HRI\GEN\1\Rev.1 (1994), 35, parágrafo 8. 130

A Comissão Africana é da opinião de que as limitações impostas aos deveres do Estado em proteger direitos devem ser vistas à luz dos sentimentos subjacentes à Carta Africana. Essa foi a opinião da Comissão no caso Amnistia Internacional vs Zâmbia, em que fez notar que as cláusulas „revogatórias‟ não devem ser interpretadas contra os princípios da Carta … e que o recurso a esses mesmos princípios não devem ser usados como um meio de dar crédito às violações das disposições expressas na Carta. Ver Amnistia Internacional vs Sudão (1999), parágrafos 82 e 80.

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Por conseguinte, a Comissão Africana considera que o Estado Respondente violou o Artigo 8 da Carta Africana. A Comissão Africana é da opinião que o despejo forçado dos endorois das suas terras ancestrais por parte do Estado Respondente interferiu no direito de liberdade religiosa dos endorois, e retirou-os de locais sagrados essenciais à prática da sua religião, tornando praticamente impossível à comunidade manter práticas religiosas centrais à sua cultura e religião. A Comissão Africana é da opinião de que as limitações impostas aos deveres do Estado em proteger direitos devem ser vistas à luz dos sentimentos subjacentes à Carta Africana. Essa foi a opinião da Comissão no caso Amnistia Internacional vs Zâmbia, em que fez notar que as cláusulas „revogatórias‟ não devem ser interpretadas contra os princípios da Carta … e que o recurso a esses mesmos princípios não devem ser usados como um meio de dar crédito às violações das disposições expressas na Carta.”131

Alegada Violação do Artigo 14 174. Os Queixosos argumentam que a comunidade endorois tem direito à propriedade, nomeadamente no que respeita às suas terras ancestrais, às possessões a estas ligadas, e ao respectivo gado. O Estado Respondente nega a alegação. 175. O Estado Respondente argumenta que a terra em questão estava abrangida pela definição de Terras em Regime de Fideicomissos e era administrada pelo Concelho Municipal de Baringo em benefício de todos os povos que eram residentes habituais na jurisdição desse Concelho, sendo constituídos principalmente por quatro tribos tungen. O Estado Respondente argumenta que as Terras em Regime de Fideicomissos não foram apenas instituídas ao abrigo da Constituição do Quénia, sendo administradas nos termos de uma Lei Parlamentar, como também a Constituição do Quénia estipula que tais terras podem ser alienadas por meio de registo em nome de outra pessoa que não seja o Concelho Municipal; por Lei Parlamentar determinando que o Concelho Municipal divida uma área das Terras em Regime de Fideicomissos que lhe tenha sido atribuída para uso e ocupação por órgão ou autoridade pública para fins públicos; por pessoa ou pessoas ou propósitos, os quais, na opinião do Concelho, poderão beneficiar as pessoas que normalmente residam na referida área; e pelo Presidente, em consulta com o Concelho. O Estado Respondente argumenta que as Terras em Regime de Fideicomissos poderão ser divididas sob a forma de terras do governo para fins governamentais, ou de terras privadas. 176. O Estado Respondente argumenta que quando se procede à divisão das Terras em Regime de Fideicomissos, quaisquer que sejam os fins, os interesses ou outros benefícios relacionados com essas terras, e que anteriormente haviam sido atribuídas a uma determinada tribo, grupo, família ou indivíduo ao abrigo do Direito consuetudinário africano, deixam de existir. Todavia, o Estado Respondente declara que a Constituição e a Lei das Terras em Regime de Fideicomissos estipulam a indemnização, pronta e adequadamente, de todos os residentes. O Estado Respondente, quer nos seus argumentos orais, quer escritos, sustenta que a Lei das Terras em Regime de Fideicomissos estabelece um

131Amnistia Internacional vs Zâmbia, Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Participação-queixa No. 212/98 (1999).

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procedimento abrangente de avaliação das indemnizações, na base do qual os endorois deveriam ter requerido ao Comissário Distrital e interposto recurso se não se sentissem satisfeitos. O Estado Respondente argumenta ainda que, nos termos da Constituição, os endorois têm o direito de aceder ao Tribunal de Primeira Instância do Quénia para se determinar se houve violação dos seus direitos. 177. Segundo o Estado Respondente, com a criação de novas autoridades municipais, as terras em questão passaram a incluir partes dos Concelhos Municipais de Baringo e Koibatek, e por via do Edital No. 239 publicado no Boletim Oficial de 1973, as terras começaram por ser divididas no âmbito da Reserva Natural do Lago Hannington, o que foi posteriormente revogado através do Edital No. 270, publicado no Boletim Oficial de 1974, tendo a Reserva Natural passado a designar-se de Reserva Natural do Lago Baringo, e os respectivos limites e propósitos da divisão da área especificados em Editais publicados no Boletim Oficial, tal como exigido pela Lei das Terras em Regime de Fideicomissos. O Estado Respondente argumenta que o governo pagou indemnizações adequadas e atempadas às pessoas afectadas, “um facto com o qual os Requerentes estão de acordo.”132 178. Nos seus testemunhos orais e por escrito, o Estado Respondente argumenta que a listagem de uma Reserva Natural no Boletim Oficial, ao abrigo das leis da fauna bravia do Quénia, foi com o objectivo de assegurar que essa fauna fosse administrada e conservada de modo a gerar receitas de vulto para a nação em geral e para as áreas individuais em particular, em termos de ganhos culturais, estéticos e científicos assim como económicos no contexto da gestão e conservação adequadas desse sector. O Estado Respondente argumenta ainda que as Reservas Nacionais, ao contrário dos Parques Nacionais, em que a Lei exclui expressamente a intervenção humana, salvo nos casos em que uma pessoa disponha de autorização, estão sujeitas a acordos quanto a restrições ou condições no âmbito das disposições referentes à área abrangida pela reserva. O Estado Respondente declara ainda que as comunidades residentes em redor de Reservas Nacionais foram em alguns casos autorizadas a levar o respectivo gado para apascentação nessas reservas, desde que não causassem danos ao ambiente e ao habitat dos animais selvagens. O Estado Respondente afirma que com a criação de uma Reserva Nacional, em particular a partir de Terras em Regime de Fideicomissos, torna-se aparente que o direito de acesso das comunidades não se extingue. Em vez disso, o respectivo direito de propriedade, tal como reconhecido ao abrigo da lei (isto é, o direito de lidar com propriedades da forma que mais lhes aprouver) passa a ser inferior, daí o requisito de se indemnizarem as pessoas afectadas. 179. Refutando a afirmação dos Queixosos de que as autoridades quenianas os impedira de ocupar outras terras ancestrais que lhes pertenciam, a Floresta de Muchongoi, o Estado Respondente argumentou que as terras em questão haviam sido listadas no Boletim Oficial em 1941 com o nome de Floresta de Ol Arabel, o que significa que essas terras haviam deixado de ser terras comunais. O Estado Respondente declara que se procedeu ao reordenamento da Floresta de Ol Arablel visando a criação do Complexo de Aldeamentos de Muchongoi. Este complexo destinava-se a acomodar membros das quatro tribos tungen do distrito de Baringo, sendo uma delas constituída por endorois.

132

Ver parágrafo 3.3.3 da peça processual do Respondente quanto ao Mérito da questão.

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180. O Estado Respondente também argumenta que deu passos adicionais no sentido de formular “Regras”, nomeadamente as “Regras das Florestas (Tugen-Kamasia)” para permitir que os habitantes do Distrito de Baringo, incluindo os endorois usufruíssem de alguns privilégios através do acesso à Floresta de Ol Arablel para determinados fins. As Regras, declara o Estado Respondente, permitem que a comunidade proceda à recolha de lenha; à colheita de amoras e frutos silvestres e de cascas de árvores já mortas para cobertura de colmeias; ao corte e remoção de trepadeiras e lianas para fins de construção; ao encaminhamento de gado, incluindo cabritos, para locais com água dentro dos limites das Florestas Centrais, consoante aprovação do Comissário Distrital em consulta com o Oficial de Florestas; à entrada nas zonas da floresta para a realização de cerimónias e ritos tradicionais, não devendo ser causados danos a quaisquer árvores; à apascentação de ovelhas na área da floresta; à apascentação de bois durante determinados períodos da estação seca com autorização passada por escrito pelo Comissário Distrital ou pelo Oficial de Florestas; e à manutenção ou construção de palhotas dentro da Floresta, com recurso a cultivadores de florestas aprovados, entre outros. 181. O Estado Respondente argumenta ainda que as Regras acima mencionadas asseguram que o sustento da comunidade não se encontra comprometido pela listagem das terras no Boletim Oficial uma vez que as pessoas podem obter comida e materiais de construção assim como exercer determinadas actividades comerciais na floresta, nomeadamente apicultura e pastorícia. O Estado Respondente afirma ainda que as pessoas eram livres de praticar a respectiva religião e cultura. Além disso, declara o Estado Respondente, por altura da listagem das terras no Boletim Oficial, observou-se um processo legal justo relativamente a indemnizações. 182. Quanto à questão da expropriação de terras ancestrais na alegada Floresta de Mochongoi, o Estado Respondente não se referiu a ela, tendo argumentado que essa mesma questão não fazia parte das assuntos tratadas no âmbito do caso perante o Tribunal de Primeira Instância e, por conseguinte, a Comissão Africana passaria a agir como tribunal de primeira instância se decidisse abordar o assunto. 183. O Estado Respondente não disputa que a área do Lago Bogoria e dos distritos administrativos de Baringo e Koibatek constitui terra ancestral dos endorois. Uma das questões que o Estado Respondente disputa é se os endorois constituem na verdade uma comunidade distinta. A resposta a esta questão já foi dada no presente documento. No parágrafo 1.1.6 da peça processual do Estado Respondente relativamente ao Mérito da questão, esse mesmo Estado afirma que: “Na sequência da Declaração da Reserva Natural do Lago Bogoria, o governo enveredou por um programa de reassentamento. Esse programa culminou no reassentamento da maioria dos endorois no complexo de Mochongoi. Isto foi em aditamento à indemnização paga aos endorois após as suas terras ancestrais em redor do lago terem sido listadas no Boletim Oficial.133

184. Torna-se assim claro que as terras em redor do Lago Bogoria são terras tradicionais do

povo endorois. No parágrafo 1 da peça processual relativamente ao Mérito, entregue pelos

Queixosos, estes afirmam: “Os endorois são uma comunidade de aproximadamente 60, 000

pessoas as quais, desde os tempos remotos, vivem na área do Lago Bogoria pertencente aos

133 Utilizou-se itálico para dar ênfase.

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Distritos Administrativos de Baringo e Koibatek.”134 No parágrafo 47, os Queixosos também

afirmam que: “Durante séculos, os endorois construíram casas nessas terras, procederam ao

cultivo das mesmas, usufruíram de direitos incontestados de pastos e de florestas,

dependendo da terra para o sustento do seu modo de vida.” Os Queixosos argumentam que

para além de uma confrontação com os masai, há trezentos anos atrás, a respeito da região

do Lago Bogoria, os endorois foram aceites por todas as tribos vizinhas, e pela Coroa

Britânica como proprietários bona fide das respectivas terras. O Estado Respondente não

contesta estas declarações dos Queixosos. A única conclusão a que se pode chegar é a de que

a comunidade endorois possui o direito de posse das suas terras ancestrais, das possessões a

elas ligadas e dos respectivos animais.

185. Há duas questões que devem ser tratadas antes de se lidar com assuntos mais substanciais como o de se apurar se o Estado Respondente violou o Artigo 14. A primeira, visa determinar o que é que constitui „direito de propriedade‟ (no contexto de populações indígenas) de acordo com a leis africanas e internacionais. A segunda destina-se a determinar se são necessárias medidas especiais para se protegerem direitos, caso existam, e se as terras dos endorois foram alvo de intromissão por parte do Estado Respondente. Os Queixosos argumentam que os “direitos de propriedade” possuem um significado autónomo ao abrigo das leis internacionais de direitos humanos, e que estas substituem as definições constantes das leis nacionais. Os Queixosos declaram que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (ECHR) e o IActHR procederam ao exame de factos específicos relacionados com situações individuais a fim de se determinar o que é que devia ser classificado como „direitos de propriedade‟, em particular no que se refere a pessoas deslocadas, em vez de se limitarem a requisitos formais no âmbito do direito nacional.135 186. Para se determinar essa questão, a Comissão Africana irá primeiro considerar a sua própria jurisprudência e depois a jurisprudência internacional. No caso, Malawi African Association e Outros vs Mauritânia, a terra foi considerada como „propriedade‟ para efeitos do Artigo 14 da Carta.136 No caso Ogoni, a Comissão Africana também constatou que o „direito à propriedade‟ inclui não apenas o direito de ter acesso à propriedade de um indivíduo e que a propriedade desse indivíduo não seja invadida ou alvo de intromissão,137 mas também o direito de posse, uso e controlo inalteradas de tal propriedade, consoante aquilo que o(s) proprietário(s) considerar(em) apropriado.138 A Comissão Africana faz ainda notar que o ECHR reconheceu que os „direitos de

134

Utilizou-se itálico para dar ênfase. 135

Ver o caso, The Mayagna Awas Tingni vs Nicarágua, Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, (2001), parágrafo 146 (de ora em diante, o Caso Awas Tingni 2001). Os termos de um tratado internacional de direitos humanos possuem um significado autónomo e por essa razão não podem ser equivalentes ao significado que lhes é atribuído nas leis nacionais. 136

Malawi African Association e Outros vs Mauritânia, Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Participações-queixa Nos. 54/91, 61/91, 98/93, 164/97 e 196/97, e 210/98 (2000), parágrafo 128. Ver também Participação-queixa 54/91 et al vs Mauritânia, 13

° Relatório de Actividades, parágrafo 128.

137

O Caso Ogoni (2001), parágrafo 54. 138

Participação-queixa No. 225/98 vs Nigéria, 14° Relatório Anual, parágrafo 52.

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propriedade‟ poderiam ainda incluir os recursos económicos e direitos relativos às terras comuns dos requerentes.139 187. Os Queixosos argumentam que quer os tribunais internacionais, quer os nacionais, reconheceram que os grupos indígenas têm uma forma específica de posse de terras, o que cria um conjunto especial de problemas. Os problemas comuns deparados pelos grupos indígenas incluem a falta de reconhecimento “formal” dos títulos de propriedade dos seus territórios históricos, o facto dos sistemas legais nacionais não reconheceram direitos de propriedade comunal, e a reivindicação de títulos formais de propriedade de terras indígenas por parte das autoridades coloniais. Isto, argumentam os Queixosos, resultou em muitos casos de deslocações de povos dos seus territórios históricos, levadas a cabo tanto pelas autoridades coloniais como pelos Estados pós-coloniais, em que estes se fundamentaram no título legal de propriedade herdado das autoridades coloniais. A Comissão Africana faz notar que o seu Grupo de Trabalho para as Populações/Comunidades Indígenas reconheceu que certas minorias africanas vêem-se confrontadas com a expropriação das suas terras, sendo necessárias medidas especiais para se assegurar a sobrevivência dessas minorias em conformidade com as suas tradições e costumes.140 A Comissão Africana é da opinião que o primeiro passo a ser dado na protecção das comunidades tradicionais africanas é o reconhecimento de que os direitos, interesses e benefícios de tais comunidades nas suas terras tradicionais, constituem „propriedade‟ ao abrigo da Carta e que medidas especiais poderão vir a ser tomadas para assegurar esses „direitos de propriedade‟. 188. O caso Doğan e Outros vs Turquia141 é elucidativo no âmbito da presente Participação-queixa. Embora os Requerentes não tivessem sido capazes de demonstrar os títulos de registo de terras de onde tiveram de sair à força como consequência da ordem de despejo decretada pelas autoridades turcas, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos observou que:

[A] noção de „possessões‟ no Artigo 1 tem um significado autónomo o qual certamente não se limita à posse de bens físicos: certos direitos e interesses que constituem bens também podem ser considerados de „direitos de propriedade‟, e, por conseguinte, como „possessões‟ para efeitos da presente disposição.142

189. Embora os Requerentes não possuíssem propriedade registada, eles tinham casas próprias construídas nas terras dos seus ascendentes ou então viviam em casas

139 Ver Doğan e Outros vs Turquia, Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Requerimentos 8803-8811/02, 8813/02 e 8815-8819/02 (2004), parágrafos 138-139.

140 Ver Relatório do Grupo de Trabalho dos Peritos para as Populações/ Comunidades Indígenas da Comissão Africana, entregue de acordo com a “Resolução sobre os Direitos das Populações/Comunidades Indígenas em África”. Adoptado na Vigésima Oitava Sessão Ordinária da Comissão Africana, 2005).

141

Doğan e Outros vs Turquia, Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Requerimentos 8803-8811/02, 8813/02 e 8815-8819/02 (2004), parágrafos 138-139. 142

Doğan e Outros vs Turquia, Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Requerimentos 8803-8811/02, 8813/02 e 8815-8819/02 (2004), parágrafos 138-139.

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pertencentes aos pais, cultivando as terras pertencentes a estes. O Tribunal fez ainda notar que os Requerentes possuíam direitos incontestados em relação às terras comunais da aldeia, tais como os pastos, apascentação de gado e terras com florestas, e ganhavam o seu sustento com recurso à criação de gado e ao derrube de árvores. 190. A Comissão Africana nota ainda a observação do IActHR no influente caso Os Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs Nicarágua,143 de que a Convenção Interamericana protegia os direitos de propriedade na medida em que incluía os direitos dos membros das comunidades indígenas no quadro da propriedade comunal. Aquela instância argumentou que a posse da terra deveria ser suficiente para as comunidades indígenas, que não possuíssem o verdadeiro título de propriedade, poderem obter o reconhecimento oficial da mesma. 191. Na opinião da Comissão Africana, o Estado Respondente tem a obrigação, ao abrigo do Artigo 14 da Carta Africana, de não apenas respeitar o „direito à propriedade‟, mas também de proteger esse direito. Nos „Casos da Mauritânia‟,144 a Comissão Africana concluiu que o confisco e pilhagem de propriedades pertencentes a mauritanos negros, e a expropriação ou destruição das suas terras e casas antes de terem sido forçados a seguir para o estrangeiro, constituíram violações do direito à propriedade, tal como garantido no Artigo 14. Do mesmo modo, no Caso Ogoni 2001145 a Comissão Africana tratou de situações factuais envolvendo a remoção de pessoas das suas casas. A Comissão Africana considerou que a remoção de pessoas das suas casas havia violado o Artigo 14 da Carta Africana assim como o direito a habitação condigna o qual, embora não explicitamente expresso na Carta Africana, encontra-se igualmente garantido pelo Artigo 14.146 192. O caso Saramaka também delineia como é que o não reconhecimento de um grupo indígena/tribal passa a ser uma violação do „direito à propriedade.‟147 Na sua análise sobre se o Estado do Suriname havia adoptado um quadro apropriado para conferir efeito legal ao „direito à propriedade‟, o IACtHR tratou das seguintes questões:

143

O Caso Awas Tingni (2001), parágrafos 140(b) e 151. 144

Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Participações-queixa 54/91, 61/91, 98/93, 164/97, 196/97 e 210/98.

145 Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Decisão 155/96, The Social and Economic

Rights Action Centre e o Centre for Economic and Social Rights – Nigéria (27 de Maio de 2002), Décimo Quinto Relatório Anual de Actividades da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, 2001-2002, feito na 31ª Sessão Ordinária da Comissão Africana realizada de 2 a 16 de Maio de 2002 em Pretória, África do Sul.

146

Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Decisão 155/96, The Social and Economic Rights Action Centre e o Centre for Economic and Social Rights – Nigéria (27 de Maio de 2002) (citando o Comité para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Comentário Geral No. 7, O direito a habitação condigna (Art. 11 (1) do Pacto): despejos forçados, parágrafo 4, U.N. Doc. E/C.12/1997/4 (1997)).

147

Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, O Caso do Povo Saramaka vs Suriname (Sentença de 28 de Novembro de 2007). .

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Esta controvérsia sobre quem na realidade representa o povo saramaka é precisamente uma consequência natural da falta de reconhecimento da sua personalidade jurídica.148

193. No caso Saramaka, o Estado do Suriname não reconheceu que o povo saramaka pudesse usufruir e exercer direitos de propriedade como comunidade. O Tribunal observou que a outras comunidades no Suriname havia sido negado o direito de obter protecção judicial contra alegadas violações dos seus direitos colectivos de propriedade precisamente porque o juiz considerou que elas não possuíam a necessária capacidade legal para solicitar esse tipo de protecção. Isto, opinou o Tribunal, colocou o povo saramaka numa situação vulnerável em que os „direitos de propriedade‟ individuais poderiam sobrepor-se aos direitos desse povo relativamente a propriedades comunais, e em que ele, povo saramaka, não poderia obter, como personalidade jurídica, protecção judicial contra violações dos seus „direitos de propriedade‟ reconhecidos ao abrigo do Artigo 21 da Convenção. 194. Tal como no presente caso perante a Comissão Africana, o Estado do Suriname admitiu que o seu quadro legal nacional não reconhecia o direito dos membros do povo saramaka ao uso e usufruto de propriedades de acordo com o seu sistema de propriedade comunal, mas antes o privilégio de uso da terra. O Estado do Suriname apresentou ainda as razões por que não deveria ser tido como responsável para dar efeito às reivindicações dos saramaka ao direito de propriedade, por exemplo, dado que o sistema de posse de terras do povo saramaka, em particular no que se refere à pessoa que detém a posse de terras, apresenta um problema prático quanto ao reconhecimento, pelo Estado, do direito desse povo à propriedade comunal. O IACtHR rejeitou todos os argumentos do Estado do Suriname. Na presente Participação-queixa, o Tribunal de Primeira Instância do Quénia também rejeitou quaisquer reivindicações com base na ocupação histórica e nos direitos culturais.149 195. O IACtHR foi ainda mais longe, tendo afirmado que, de qualquer forma, a alegada falta de clareza quanto ao sistema de posse de terras dos saramakas não devia constituir um obstáculo intransponível para o Estado. Este tinha o dever de consultar os membros do povo saramaka e obter esclarecimentos sobre a questão, de modo a cumprir com as suas obrigações ao abrigo do Artigo 21 da Convenção. 196. Na presente Participação-queixa, o Estado Respondente (Governo do Quénia) argumentou, durante os depoimentos orais, que a legislação ou o tratamento especial a favor dos endorois podia ser tida como discriminatória. A Comissão Africana rejeita esse ponto de vista. A Comissão Africana é da opinião que o Estado Respondente não se pode abster de cumprir com as suas obrigações internacionais ao abrigo da Carta Africana, simplesmente por isso poder ser visto como discriminatório. A Comissão é da opinião que em certos casos, a discriminação positiva ou a acção afirmativa ajuda a corrigir desequilíbrios. A Comissão Africana partilha das preocupações do Estado Respondente quanto às dificuldades em causa. Todavia, o Estado continua a ter o dever de reconhecer o direito dos membros da comunidade endorois à propriedade no quadro de um sistema de

148

Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, O Caso do Povo Saramaka vs Suriname (Sentença de 28 de Novembro de 2007). .

149 Op. cit, parágrafos 11 e 12.

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propriedade comunal e estabelecer os mecanismos necessários para dar efeito legal a esse direito que é reconhecido na Carta e pelo Direito internacional. Além disso, no Direito internacional encontra-se bem definido o princípio segundo o qual o tratamento desigual dado a pessoas em situações desiguais não equivale necessariamente a discriminação não permissível.150 A legislação que reconhece tais diferenças não é, por conseguinte, necessariamente discriminatória. 197. Voltando a inspirar-se no caso Saramaka vs Suriname, o qual confirma a jurisprudência anterior dos casos Moiwana vs Suriname, Yakye Axa vs Paraguai,151 Sawhoyamaxa vs Paraguai,152 e Mayagna Awas Tingni vs Nicarágua;153 o caso Saramaka considerou que aos membros da comunidade tribal eram devidas medidas especiais de protecção de modo a garantir o pleno exercício dos seus direitos. O IACtHR declarou que, com base no Artigo 1 (1) da Convenção, os membros das comunidades indígenas e tribais carecem de medidas especiais que garantam o exercício pleno dos seus direitos, particularmente no que se refere ao usufruto dos „direitos de propriedade‟ como forma de se salvaguardar a sua sobrevivência física e cultural. 198. Outras fontes de Direito internacional declararam igualmente que tais medidas especiais afiguravam-se necessárias. No caso Moiwana, o IACtHR determinou que uma outra comunidade maroon a viver no Suriname também não era indígena da região, constituindo antes uma comunidade tribal que se havia radicado no Suriname nos séculos XVII e XVIII, e que essa mesma comunidade tinha “uma relação profunda e abrangente com as suas terras ancestrais” centrada, não “no indivíduo, mas antes na comunidade no seu todo”. Esta relação especial com a terra assim como seu conceito comunal de propriedade levou o Tribunal a aplicar à comunidade tribal de moiwana a sua jurisprudência sobre povos indígenas e o respectivo direito de propriedade comunal, nos termos do Artigo 21 da Convenção.

150

Ver ECHR, Connors vs O Reino Unido, (declarando que os Estados têm a obrigação de dar passos positivos para prover e proteger os diferentes estilos de vida das minorias como forma de proporcionar igualdade ao abrigo da lei). Ver ainda o Relatório da IACmHR sobre a Situação dos Direitos Humanos no Equador, (declarando que “geralmente, dentro do Direito internacional em geral, e especificamente da Lei Interamericana, poderão ser necessárias protecções especiais para os povos indígenas para que eles possam exercer plena e igualmente os seus direitos em relação ao resto da população. Adicionalmente, poderão ser necessárias protecções especiais para os povos indígenas de forma a assegurar a sua sobrevivência física e cultural – um direito protegido numa gama de instrumentos e convenções internacionais”). Ver também a Convenção Internacional das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, Artigo 1.4 (onde se declara que “poderão ser necessárias medidas [es]peciais com o único propósito de se assegurar o progresso de certos grupos raciais ou étnicos ou indivíduos que precisem dessa protecção, consoante o que for necessário, tendo em vista assegurar que o usufruto ou exercício de direitos humanos e de liberdades fundamentais de forma igual, por parte desses grupos e indivíduos, não sejam considerados como discriminação racial”) e UNCERD, Recomendação Geral No. 23, Direitos dos povos indígenas, parágrafo 4 (instando os Estados a tomarem certas medidas visando reconhecer e assegurar os direitos dos povos indígenas). 151

Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 17 de Junho de 2005, Tribunal Interamericano de Direitos Humanos. 152

Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs Paraguai, Sentença de 29 de Março de 2006, Tribunal Interamericano of Direitos Humanos. 153

Ver Os Mayagna Awas Tingni vs Nicarágua, Tribunal Interamericano of Direitos Humanos, (2001) (de ora em diante o Caso Awas Tingni 2001.

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199. A Comissão Africana é da opinião que muito embora a Constituição do Quénia estabeleça que as Terras em Regime de Fideicomissos possam ser alienadas e que a Lei das Terras em Regime de Fideicomissos estabeleça procedimentos detalhados quanto à avaliação das indemnizações, os direitos de propriedade dos endorois foram alvo de intromissão, em particular pela expropriação e negação efectiva da posse das respectivas terras. A Comissão concordou com os Queixosos de que aos endorois nunca havia sido concedido o título pleno de propriedade das terras que na prática possuíam antes da administração colonial britânica. Em vez disso, as terras dos endorois passaram a depender de um sistema de fideicomissos, o qual lhes conferiu o título de usufruto, mas que lhes negava o verdadeiro título de posse dessas mesmas terras. A Comissão Africana concorda ainda que embora os endorois tenham podido exercer durante uma década os seus direitos tradicionais sem restrições, o sistema de Terras em Regime de Fideicomissos demonstrou ser inadequado para a protecção dos seus direitos. 200. A Comissão Africana também se referiu aos pontos de vista expressos pelo Comité para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais o qual proporcionou um teste legal para a remoção forçada de terras tradicionalmente reivindicadas por um grupo de pessoas como sendo sua propriedade. No seu „Comentário Geral No. 4‟, o Comité afirma que os “casos de despejo forçado são incompatíveis prima facie com os requisitos do Pacto e somente podem ser justificados em circunstâncias muito excepcionais, e de acordo com os princípios relevantes do Direito internacional.”154 Este ponto de vista foi também reafirmado pela Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos a qual declara que os despejos forçados constituem uma violação grosseira dos direitos humanos e em particular do direito à habitação condigna.155 A Comissão Africana também se refere ao Comentário Geral No. 7 o qual exige que os Estados Partes, antes de procederem a quaisquer despejos, explorem todas as alternativas viáveis em consulta com as pessoas afectadas tendo em vista evitar, ou pelo menos minimizar, a necessidade do uso da força.156 201. A Comissão Africana inspira-se igualmente na Comissão Europeia de Direitos Humanos. O Artigo 1 do Protocolo 1 da Convenção Europeia declara:

Toda a pessoa física ou jurídica tem direito ao usufruto pacífico das suas possessões. Ninguém poderá ser privado das suas possessões excepto no interesse público e sujeito às condições estabelecidas por lei e pelos princípios gerais do Direito internacional.157

154

Comité para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Comentário Geral 4, O direito a habitação condigna (Sexta Sessão, 1991), parágrafo 18, U.N. Doc. E/1992/23, anexo III em 114 (1991), reproduzido em Compilação de Comentários Gerais e Recomendações Gerais Adoptada pelos Órgãos de Tratados em Matéria de Direitos Humanos, U.N. Doc. HRI/GEN/1/Rev.6 em 18 (2003). 155

Ver, Comissão de Direitos Humanos, Resolução 1993/77, UN Doc. E/C.4/RES/1993/77 (1993); Comissão de Direitos Humanos, Resolução 2004/28, UN Doc. E/C.4/RES/2004/28 (2004). 156

Ver Comité para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Comentário Geral 7, Direitos forçados e o direito a habitação condigna (Décima Sexta Sessão, 1997), parágrafo 14, U.N. Doc. E/1998/22, anexo IV em 113 (1998), reproduzido em Compilação de Comentários Gerais e Recomendações Gerais Adoptada pelos Órgãos de Tratados em Matéria de Direitos Humanos, U.N. Doc. HRI/GEN/1/Rev. 6 em 45 (2003). 157

Protocolo da Convenção para a Protecção de Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, Art. 1, 213 U.N.T.S. 262, entrou em vigor a 18 de Maio de 1954.

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202. A Comissão Africana também se refere ao caso Akdivar e Outros vs Turquia. O Tribunal Europeu considerou que os despejos forçados constituem uma violação do Artigo 1 do Protocolo 1 da Convenção Europeia. O caso Akdivar e Outros envolveu a destruição de casas no contexto do conflito em curso entre o Governo da Turquia e as forças separatistas kurdas. Os peticionários foram alvo de despejo forçado das suas propriedades, as quais foram subsequentemente incendiadas e destruídas. Não ficou claro que parte envolvida no conflito havia sido responsável. Todavia, o Tribunal Europeu considerou que o Governo da Turquia havia violado o Artigo 8 da Convenção Europeia e o Artigo 1 do Protocolo 1 da Convenção Europeia dado que tinha o dever de respeitar e proteger os direitos consagrados na Convenção Europeia e nos seus Protocolos. 203. No caso vertente, o Estado Respondente delineou as condições ao abrigo das quais se procede à divisão de Terras em Regime de Fideicomissos, quaisquer que sejam os fins.158 204. A Comissão Africana faz notar que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, oficialmente aprovada pela Comissão Africana através do seu Advisory Opinion de 2007, trata de forma abrangente dos direitos relacionados com terras. A jurisprudência ao abrigo do Direito internacional confere o direito de posse em vez do direito de mero acesso. A Comissão Africana faz notar que se o Direito internacional apenas concedesse o acesso, os povos indígenas permaneceriam vulneráveis a mais violações/ expropriações por parte do Estado ou de terceiros. A posse assegura que os povos indígenas podem-se envolver com o Estado e terceiros como intervenientes activos e não como beneficiários passivos.159 205. A jurisprudência do Tribunal Interamericano também torna claro que o mero acesso ou a propriedade de facto da terra não é compatível com os princípios do Direito internacional. Somente a propriedade de jure poder garantir a protecção efectiva dos povos indígenas.160 206. No caso Saramaka, o Tribunal considerou que o quadro legal do Estado meramente garantia aos membros do povo saramaka o privilégio do uso da terra, mas que não garantia o direito ao controlo efectivo do seu território, livre de interferências externas. O Tribunal considerou que, em vez de um privilégio de uso da terra, que pode ser retirado pelo Estado ou superado por direitos de propriedade imobiliária por parte de terceiros, os membros de povos indígenas e tribais devem obter o título de propriedade dos respectivos territórios de modo a garantir o uso e usufruto permanentes dos mesmos. Este título deve ser reconhecido e respeitado não apenas na prática, mas também perante a lei de modo a assegurar a sua exactidão legal. Para se obter esse título, o território tradicionalmente usado e ocupado pelos membros do povo saramaka teve primeiro ser delimitado e

158

Ver 3.2.0 da Peça Processual do Estado Respondente quanto ao Mérito da questão. Ver ainda o parágrafo 178 da presente sentença em que o Estado Respondente argumenta que os direitos de acesso da comunidade não se encontram extintos. 159

Ver Artigos 8(2) (b), 10, 25, 26 e 27 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. 160

Parágrafo 110 do Caso Saramaka.

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demarcado, em consulta com esse mesmo povo e outros povos vizinhos. A situação dos endorois não é diferente. O Estado Respondente simplesmente quer conceder-lhes privilégios, tais como o acesso restrito aos locais de cerimónias. Isto, na opinião da Comissão, situa-se aquém das normas internacionalmente reconhecidas. O Estado Respondente tem de conceder títulos ao território dos endorois a fim de garantir o seu uso e usufruto permanentes. 207. A Comissão Africana faz notar que os Artigos 26 e 27 da Declaração das Nações Unidas sobre os Povos Indígenas usa o termo “ocupado ou de outro modo usado.” Isto visa realçar que os povos indígenas possuem direitos de reivindicação reconhecidos no que se refere à posse de terras ancestrais ao abrigo do Direito internacional, mesmo na ausência de títulos oficiais de propriedade. Isto ficou claro na sentença do caso, Awas Tingni vs Nicarágua. No presente caso de destaque internacional sobre esta questão – Os Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs Nicarágua161 – o IActHR reconheceu que a Convenção Interamericana protegia direitos de propriedade “em termos que incluem, entre outras coisas, os direitos dos membros das comunidades indígenas no quadro de propriedade comunal.”162 Essa instância declarou que a posse da terra deve ser suficiente para que as comunidades indígenas, que não possuam títulos imobiliários, obtenham o reconhecimento oficial desse bem.163 208. A Comissão Africana também faz notar que no caso Sawhoyamaxa vs Paraguai, o IActHR, agindo no âmbito da sua jurisdição decisória, tomou uma posição relativamente à posse de terras indígenas em três situações diferentes, designadamente: no Caso da comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni, o Tribunal salientou que a posse de terras deve ser suficiente para as comunidades indígenas, que não possuam títulos de propriedade de terras, obterem reconhecimento oficial dessa mesma propriedade e procederem ao subsequente registo;164 no Case da comunidade Moiwana, o Tribunal considerou que os membros do povo n‟djuka eram os legítimos proprietários das respectivas terras tradicionais”, embora não estivessem em posse das mesmas pelo facto de as terem vagado como resultado de actos de violência de que haviam sido alvo, se bem que neste caso as terras tradicionais não haviam sido ocupadas por terceiros.165 Finalmente, no Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa, o Tribunal considerou que os membros desta comunidade estavam habilitados, mesmo ao abrigo das leis nacionais, a apresentar reivindicações referentes a terras tradicionais e a ordenar ao Estado, como medida de reparação, que procedesse à individualização e transferência dessas terras, sem que fossem tomados em consideração os demais factores.166

161

O Caso Awas Tingni (2001), parágrafos 140(b) e 151. 162

Ib., no parágrafo 148. 163

Ib., no parágrafo 151. 164

Ver o caso da comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni, nota 184 supra, parágrafo 151. 165

Ver o caso da comunidade Moiwana. Sentença de 15 de Junho de 2005. Série C No. 124. Parágrafo 134. 166

Ver o caso da Comunidade Indígena Yakye Axa, nota 1 supra, parágrafos 124-131.

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209. Na opinião da Comissão Africana, poder-se-á tirar as seguintes conclusões: (1) a posse tradicional de terras por povos indígenas tem o efeito equivalente do título de propriedade concedido pelo Estado; (2) a posse tradicional habilita os povos indígenas a exigir o reconhecimento e registo oficial do título de propriedade; (3) os membros dos povos indígenas que tenham saído, sem ser por sua livre vontade, das respectivas terras tradicionais ou deixado de ter posse sobre as mesmas, mantêm os direitos de propriedade sobre essas terras, mesmo que não possuam título legal, salvo se as terras tiverem sido legalmente transferidas de boa-fé para terceiros; e (4) os membros dos povos indígenas que tenham perdido, sem ser por sua livre vontade, a posse das suas terras no momento em que estas tenham sido legalmente transferidas para terceiros inocentes, têm direito à restituição das mesmas ou à obtenção de outras terras de dimensão e qualidade iguais. Consequentemente, a posse não é um requisito para a existência de direitos de restituição de terras indígenas. O caso vertente dos endorois categoriza-se nos termos da última conclusão. Assim, a Comissão Africana concorda que a terra dos endorois foi alvo de intromissão. 210. Que essa intromissão teve lugar está patente na incapacidade dos endorois, após terem sido alvo de despejo das suas terras ancestrais, de ter acesso a locais religiosos e às suas terras tradicionais para apascentação de gado. A Comissão Africana está consciente de que foram construídas estradas de acesso, portões, estalagens e um hotel nas terras ancestrais da comunidade endorois em redor do Lago Bogoria e que operações iminentes de exploração mineira também ameaçam causar danos irreparáveis a essas mesmas terras. A Comissão Africana foi igualmente notificada de que o Estado Respondente estava empenhado em proceder à demarcação e venda a terceiros de partes das terras históricas dos endorois. 211. A Comissão Africana está consciente de que a intromissão por si só não constitui uma violação do Artigo 14 da Carta, desde que ocorra de acordo com a lei. O Artigo 14 da Carta Africana indica um teste duplo, em que a intromissão apenas podo ser levada a cabo – „no interesse de necessidade pública ou no interesse geral da comunidade‟ e „de acordo com as leis apropriadas‟. A Comissão Africana passará agora a avaliar se uma intromissão „no interesse de necessidade pública‟ é na realidade proporcional a ponto de anular os direitos dos povos indígenas às suas terras ancestrais. A Comissão Africana concorda com os Queixosos de que o teste estipulado no Artigo 14 da Carta é conjuntivo, isto é, para que uma intromissão não seja em violação do Artigo 14, deve ficar provado que essa mesma intromissão foi no interesse da necessidade/interesse geral públicos da comunidade e foi levada a cabo de acordo com as leis apropriadas. 212. O teste do „interesse público‟ depara com um patamar muito mais elevado no caso de intromissão em terras indígenas em vez de propriedade individual privada. Neste sentido, o teste é muito mais rígido quando aplicado a direitos de terras ancestrais de povos indígenas. Em 2005, este ponto foi sublinhado pelo Relator Especial da Subcomissão das Nações Unidas para a Promoção e Protecção de Direitos Humanos, o qual emitiu a seguinte declaração:

As limitações, caso existam, ao direito dos povos indígenas aos respectivos recursos naturais devem decorrer dos mais urgentes e prementes interesses do Estado. Poucas, se mesmo algumas, limitações aos direitos de recursos indígenas

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são apropriadas uma vez que a propriedade indígena desses recursos está associada aos mais importantes e fundamentais direitos humanos, incluindo o direito à vida, alimentação, o direito à autodeterminação, ao abrigo e o direito à existência como povo.167

213. As limitações aos direitos, tais como as permitidas no Artigo 14, têm de ser revistas nos termos do princípio da proporcionalidade. A Comissão faz notar as suas próprias conclusões de que “… a justificação de limitações deve ser estritamente proporcional e absolutamente necessária às vantagens que delas decorrem.168 A Comissão Africana refere-se ainda ao caso decisivo de Handyside vs Reino Unido, em que o ECHR declarou que quaisquer condições ou restrições impostas a um direito têm de ser “proporcionais ao legítimo objectivo que se pretende alcançar.”169 214. A Comissão Africana é da opinião de que quaisquer limitações aos direitos devem ser proporcionais a uma necessidade legítima, e as medidas o menos restritivas possíveis. Na presente Participação-queixa, a Comissão Africana considera que ao enveredar pela criação de uma Reserva Natural, o Estado Respondente procedeu ao despejo ilegal dos endorois das suas terras ancestrais e destruiu os bens que possuíam. A Comissão é da opinião que o levantamento e a deslocação dos endorois das terras a que eles chamam de casa, e a negação dos direitos de propriedade sobre as respectivas terras ancestrais foram desproporcionais a quaisquer serviços prestados pela Reserva Natural relativamente a necessidades públicas. 215. A Comissão é também da opinião que mesmo que a Reserva Natural tivesse um objectivo legítimo e servisse uma necessidade pública, tal poderia ter sido alcançado por meios alternativos proporcionais a essa mesma necessidade. Das provas apresentadas oralmente e por escrito, torna-se claro que a comunidade estava disposta a trabalhar com o governo em moldes que respeitassem os seus direitos de propriedade, mesmo que estivesse a ser criada uma Reserva Natural. A esse respeito, a Comissão Africana faz notar a conclusão a que ela própria chegou no caso, Constitutional Rights Project, em que afirma que “uma limitação não poderá fragilizar um direito de tal forma que esse mesmo direito se torne ilusório.”170 A partir do momento em que tal direito se torna ilusório, a limitação não pode ser considerada de proporcional – a limitação torna-se uma violação desse direito. A Comissão Africana concorda que o Estado Respondente para além de ter negado à comunidade endorois todos os direitos referentes às respectivas terras ancestrais – o que fez com que os seus direitos de propriedade se tornassem praticamente ilusórios – violou igualmente a própria essência desses direitos em nome da criação de uma Reserva Natural. Assim, o Estado Respondente não pode justificar essa interferência com base “no interesse geral da comunidade” ou de uma “necessidade pública.”

167

Nazila Ghanea e Alexandra Xanthaki (2005) (eds). 'Indigenous Peoples’ Right to Land and Natural Resources' in Erica-Irene Daes „Minorities, Peoples and Self-Determination‟, Edição de Martinus Nijhoff Publishers. 168

Constitutional Rights Project, Civil Liberties Organisation and Media Rights Agenda vs Nigéria, Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Participações-queixa Nos. 140/94, 141/94, 145/95 (1999), parágrafo. 42 (de ora em diante o Caso Constitutional Rights Project 1999). 169

Handyside vs Reino Unido, No. 5493/72, Série A.24 (7 de Dezembro de 1976), parágrafo 49. 170

O caso Constitutional Rights Project, parágrafo 42.

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216. A Comissão Africana faz notar que a ligação ao direito à vida, no parágrafo 219, é particularmente notável pois trata-se de um direito não anulável, de acordo com o Direito internacional. A incorporação do direito à vida no patamar do “teste ao interesse público” é ainda confirmada pela jurisprudência do IActHR. No caso, Yakye Axa vs Paraguai, o Tribunal constatou que os efeitos nefastos da expropriação forçada de terras ancestrais de povos indígenas podiam equivaler à violação do Artigo 4 (direito à vida) caso as condições de vida da comunidade fossem incompatíveis com os princípios da dignidade humana. 217. O IActHR constatou que uma das obrigações que um Estado deve inevitavelmente cumprir como garantia para se proteger e assegurar o direito à vida é a da criação de condições de vida mínimas que sejam compatíveis com a dignidade da pessoa humana, não devendo esse Estado criar condições que retardem ou impeçam esse direito. A este respeito, o Estado tem o dever de tomar medidas positivas e concretas visando a realização do direito a uma vida decente, especialmente no caso de pessoas que sejam vulneráveis e se encontrem em situação de risco, e cujos cuidados passem a constituir uma grande prioridade. 218. A Comissão Africana faz ainda notar que a natureza „desproporcional‟ de uma intromissão em terras indígenas – por conseguinte, aquém do teste enunciado nas disposições do Artigo 14 da Carta Africana – deve ser considerada como uma violação ainda maior do Artigo 14, quando a deslocação em causa for levada a cabo à força. Os despejos forçados, pela sua própria definição, não podem ser considerados como sendo em cumprimento do teste enunciado no Artigo 14 da Carta, segundo o qual esses mesmos despejos devem ser levados a cabo „em conformidade com a lei‟. Esta disposição tem de significar, no mínimo, que houve respeito, quer da lei queniana, quer das disposições relevantes do Direito internacional. A natureza grave dos despejos forçados pode constituir uma violação grosseira de direitos humanos. De facto, nas suas Resoluções 1993/77 e 2004/28, a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos reafirmou que os despejos forçados constituem violações grosseiras de direitos humanos e em particular o direito a habitação condigna.”171 Nos casos em que tais remoções tenham sido forçadas, por si só isso sugere que o teste de „proporcionalidade‟ não foi satisfeito. 219. No que se refere ao teste, „em conformidade com a lei‟, o Estado Respondente deve igualmente ser capaz de mostrar que a remoção dos endorois foi não apenas no interesse público, mas que essa mesma remoção satisfez as leis quenianas e internacionais. Se se determinar de que existia um sistema de fideicomissos a favor dos endorois, terá esse sistema sido extinto legalmente? Em caso afirmativo, como é que isso foi levado a cabo? A comunidade foi indemnizada de forma adequada? E será que a legislação relevante que criou a Reserva Natural, exigia expressamente a remoção dos endorois das suas terras? 220. A Comissão Africana faz notar que o Estado Respondente não contesta a reivindicação de que as terras tradicionais do povo endorois são classificadas de Terras em Regime de Fideicomissos. De facto, a S. 115 da Constituição queniana torna efectiva essa

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Ver Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, resolução 1993/77, UN Doc. E/CN.4/1993/RES/77 e Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, resolução 2004/28, UN Doc. E/CN.4/2004/RES/28. Ambas as resoluções reafirmam que a prática do despejo forçado constitui uma violação grosseira de direitos humanos, em particular o direito à habitação condigna.

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reivindicação. Na opinião da Comissão Africana, essa disposição constitucional criou um direito benéfico para os endorois relativamente às suas terras ancestrais. Nessa conformidade, o Concelho Municipal deveria ter materializado esses direitos, interesses e outros benefícios relacionados com as terras. 221. Os Queixosos argumentam que o Estado Respondente criou a Reserva Natural do Lago Hannington, abrangendo as terras indígenas dos endorois, a 9 de Novembro de 1973. O nome foi alterado, mediante um segundo Edital publicado em 1974, passando a designar-se de Reserva Natural do Lago Bogoria.172 O Edital de 1974 foi emitido pelo ministro queniano do turismo e fauna bravia nos termos da Lei de Protecção dos Amimais Selvagens (WAPA).173 Os Queixosos argumentam que a Lei WAPA era extensiva às Terras em Regime de Fideicomissos tal como a quaisquer outras terras, e não exigia que se procedesse à retirada de terras dos fideicomissos antes que uma Reserva Natural pudesse ser declarada nessas mesmas terras. 222. Argumentam ainda os Queixosos que a legislação relevante não conferia autorização para a remoção de qualquer indivíduo ou grupo que ocupasse as terras numa Reserva Natural. Em vez disso, a Lei WAPA meramente proibia a caça, o abate ou captura de animais dentro da Reserva Natural.174 Os Queixosos argumentam que apesar de não haver nenhuma ordem legal precisa a pedir que os endorois se transferissem para outras terras, os membros desta comunidade foram informados a partir de 1973 de que teriam de vagar as suas terras ancestrais. 223. Refutando isso, o Estado Respondente argumenta que a Constituição do Quénia estabelece que as Terras em Regime de Fideicomissos podem ser alienadas. Diz ainda o Estado Respondente que o “governo ofereceu, pronta e adequadamente, uma indemnização às pessoas afectadas…”175 No que respeita à declaração dos Queixosos de que o Estado Respondente havia impedido que a comunidade endorois tivesse acesso a outras terras ancestrais suas – a floresta de Muchongoi – o Estado Respondente argumenta que as terras em questão haviam sido listadas no Boletim Oficial em 1941 sob o nome de Floresta de Ol Arablel, implicando isso que elas haviam deixado de ser comunais. 224. A Comissão Africana concorda que a Lei WAPA meramente proibia a caça, abate ou captura de animais dentro da Reserva Natural.176 Para além do mais, o Estado Respondente não foi capaz de provar, sem réstia de dúvida, que o despejo da comunidade

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Em conformidade com a lei queniana, as autoridades publicaram o Edital 239/1973 em Kenya Reserve a declarar a criação da “Reserva Natural do Lago Hannington.” O Edital 270/1974 publicado no Boletim Oficial revogou o edital anterior, tendo alterado o nome da Reserva Natural a 12 de Outubro de 1974: “a área consignada na presente lista será uma Reserva Natural conhecida por Reserva Natural do Lago Bogoria.” 173

Ver Secção 3(2) relativamente às partes relevantes da WAPA. A Secção 3(2) foi subsequentemente revogada a 13 de Fevereiro de 1976 nos termos da S.68 da Lei da Conservação e Gestão da Fauna Bravia. 174

Ver Secção 3(20) da WAPA, a qual não permitia que o ministro queniano do turismo e fauna bravia procedesse à remoção dos ocupantes. 175

Ver parágrafo 3.3.3 da peça processual do Estado Respondente relativamente ao Mérito da questão. 176

Ver nota 125.

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endorois havia satisfeito as leis queniana e internacional. A Comissão Africana não se sente convencida de que todo o processo de remoção dos endorois das suas terras ancestrais satisfez as disposições bastante rigorosas do Direito internacional. Além disso, a simples listagem de Terras em Regime de Fideicomissos no Boletim Oficial não é o suficiente para extinguir legalmente um fideicomisso. A Lei WAPA devia ter exigido que a terra fosse retirada das Terras em Regime de Fideicomissos antes que a Reserva Natural pudesse ter sido declarada. Isto significa que a declaração da Reserva Natural do Lago Bogoria por meio do Edital de 1974 não afectou o estatuto de Terras em Regime de Fideicomissos de que as terras dos endorois beneficiava. A obrigação dos Concelhos Municipais de Baringo e Koibatek em efectivar os direitos e interesses do povo endorois continuou a existir. Isso deve também ser lido conjuntamente com o conceito de indemnização adequada. A Comissão Africana está de acordo com os Queixosos de que a única forma, nos termos da lei queniana, dos benefícios dos endorois, ao abrigo do sistema fideicomisso, serem dissolvidos, seria se o Concelho Municipal ou o presidente do Quénia tivesse “dividido” as terras. Todavia, a Lei das Terras em Regime de Fideicomissos exigia que, para que fosse legal, essa divisão de terras fosse publicada no Boletim Oficial queniano.177 225. Dois outros elementos do teste „em conformidade com a lei‟ dizem respeito aos requisitos de consulta e indemnização. 226. Nos termos do requisito de consulta, o patamar é particularmente rigoroso a favor dos povos indígenas dado que também exige que deve ser dado consentimento. O não cumprimento das obrigações de realizar consultas e de procurar obter consentimento – ou de indemnizar – resulta, em última análise, numa violação do direito à propriedade. 227. No caso Saramaka, para se garantir que as restrições aos direitos de propriedade dos membros do povo saramaka, mediante a atribuição de concessões dentro do respectivo território, não constituía uma negação da sua sobrevivência como povo tribal, o Tribunal declarou que o Estado tinha de respeitar as seguintes três salvaguardas: primeiro, assegurar a participação efectiva dos membros do povo saramaka, em conformidade com os seus costumes e tradições, no que se refere a quaisquer planos de desenvolvimento, investimento, exploração ou extracção dentro do território saramaka; segundo, garantir que os saramakas beneficiariam de forma razoável de quaisquer desses planos dentro dos respectivos territórios; terceiro, assegurar que não seria atribuída nenhuma concessão dentro do território saramaka até que entidades independentes e tecnicamente capazes, com supervisão do Estado, efectuassem um estudo prévio do impacto ambiental e social. Essas salvaguardas destinam-se a preservar, proteger e garantir o relacionamento especial que os membros da comunidade saramaka têm com o respectivo território, o que, por seu turno, assegura a sua sobrevivência como povo tribal. 228. No caso vertente, a Comissão Africana é da opinião que não foi autorizada nenhuma participação efectiva por parte dos endorois, nem tão pouco essa comunidade obteve qualquer benefício. Para além do mais, não foi levado a cabo um estudo prévio de impacto ambiental e social. A ausência desses três elementos do “teste” equivale a uma violação do

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A mecânica de uma „divisão‟ de Terras em Regime de Fideicomissos, ao abrigo da S.117 ou S.118 da Constituição, é estipulada pela Lei das Terras em Regime de Fideicomissos do Quénia. É necessária a publicação nos termos da S.13(3) e (4) da Lei das Terras em Regime de Fideicomissos, relativamente à S.117 da Constituição, e à S.7(1) e (4) da Lei das Terras em Regime de Fideicomissos relativamente à S.118 Constituição.

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Artigo 14, o direito à propriedade, ao abrigo da Carta. A não garantia de uma participação efectiva e de uma partilha razoável dos lucros da Reserva Natural (ou outras formas adequadas de indemnização) constitui igualmente uma violação do direito ao desenvolvimento. 229. Relativamente à questão de indemnização, o Estado Respondente, refutando as alegações dos Queixosos de que havia sido paga indemnização inadequada, argumenta que esses mesmos Queixosos não contestaram a forma como a indemnização havia sido feita, mas que apenas haviam invocado que cerca de 170 famílias é que tinham recebido indemnizações. O Estado Respondente argumenta ainda que se todas as indemnizações pagas não tivessem sido adequadas, a Lei das Terras em Regime de Fideicomissos estabelece os procedimentos a seguir para se recorrer da decisão referente ao montante e às pessoas que sintam que lhes foi negada indemnização a respeito daquilo que era interesse seu. 230. O Estado Respondente não nega as alegações dos Queixosos de que em 1986, das 170 famílias alvo de despejo das suas casas situadas na Reserva Natural do Lago Bogoria nos finais de 1973, cada uma havia recebido cerca de 3,150 Kshs (na altura o equivalente a aproximadamente £30). Esse pagamento foi efectuado cerca de 13 anos após o primeiro despejo. O Estado Respondente também não nega a alegação de que £30 não representava o valor de mercado das terras listadas sob a forma de Reserva Natural do Lago Bogoria. O Estado Respondente também não nega que as autoridades quenianas tenham, elas próprias, reconhecido que o pagamento de 3,150 Kshs por família correspondia apenas a „ajuda de custos de transferência‟, não constituindo indemnização plena pela perda das terras. 231. A Comissão Africana é da opinião que o Estado Respondente não efectuou pronta e integralmente a indemnização tal como exigido pela Constituição. A Comissão é da opinião que a lei queniana não foi cumprida e que embora determinados membros da comunidade endorois tenham aceitado indemnizações monetárias limitadas, isso não significa que houve, da parte deles, a concordância de que esse pagamento constituía indemnização integral ou a aceitação da perda das suas terras. 232. A Comissão Africana faz notar as observações contidas na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, as quais, entre outras disposições referentes a restituições e indemnizações, afirma:

Os povos indígenas têm o direito à restituição das terras, territórios e recursos que eram seus por tradição ou que haviam ocupado ou usado; e que foram confiscados, ocupados, usados ou danificados sem consentimento livre e fundamentado. Nos casos em que tal não seja possível, esses povos têm o direito a indemnização justa e razoável. Salvo se de outra forma acordado livremente pelos povos em questão, a indemnização será sob a forma de terras, territórios e recursos, idênticos em qualidade, tamanho e estatuto legal. 178

178

Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, parágrafo preambular 5, E/CN.4/Sub.2/1994/2/Add.1 (1994).

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233. No caso Yakye Axa vs Paraguai, o Tribunal determinou que qualquer violação de uma obrigação internacional que tenha causado danos implica o dever de efectuar reparações apropriadas.179 Nesse sentido, o Artigo 63(1) da Convenção Americana estabelece que:

[se] o Tribunal constatar que houve violação de um direito ou liberdade protegidos pela Convenção, essa instância deverá decidir que a parte ofendida seja assegurada do usufruto do seu direito ou liberdade que tenham sido violados. O tribunal deverá ainda decidir, caso seja apropriado, que as consequências da medida ou situação que constituiu a violação desse direito ou liberdade sejam remediadas e que uma justa indemnização seja paga à parte ofendida.

234. O Tribunal afirmou que logo que fique provado que os direitos de restituição de terras continuam válidos, o Estado deverá tomar as necessárias medidas visando a sua devolução aos membros do povo indígena que os reivindicam. Todavia, tal como o tribunal destacou, quando um Estado é incapaz, por razões objectivas e razoáveis, de adoptar medidas visando a devolução de terras tradicionais e de recursos comunais às populações indígenas, ele deverá proceder à entrega de terras alternativas de tamanho e qualidade idênticos, as quais serão escolhidas mediante acordo com os membros dos povos indígenas, em conformidade com os seus próprios procedimentos de consulta e decisão.180 Não foi este o caso no que diz respeito aos endorois. A terra que lhes foi concedida não é da mesma qualidade. 235. A posição do governo relativamente à presente Participação-queixa é questionável por diversas razões, nomeadamente: (a) as terras contestadas inserem-se no local de uma área de conservação, e os endorois – como guardiães ancestrais das mesmas – estão dotados dos melhores meios para manter os ecossistemas das referidas terras; (b) os endorois estão preparados para prosseguir com os trabalhos de conservação iniciados pelo governo; (c) nenhuma outra comunidade radicou-se nas terras em questão, e mesmo se esse fosse o caso, o Estado Respondente teria a obrigação de rectificar essa situação;181 (d) as terras não foram espoliadas pelo que se encontram habitáveis; (e) e a contínua expropriação e alienação de terras ancestrais dos endorois continua a ser uma ameaça à sua sobrevivência cultural, e em consequência disso o argumento da proporcionalidade pende claramente a favor dos povos indígenas ao abrigo do Direito internacional. 179

Ver o Caso de Huilca Tecse. Sentença de 3 de Março de 2005. Série C No. 121, parágrafo 86, e o Caso das Irmãs Serrano Cruz, parágrafo 133. 180

Ver o Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa, parágrafo 149. 181

De facto, no parágrafo 140 do caso, a Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs Paraguai, o Tribunal Interamericano realça que: “Finalmente, no que se refere ao terceiro argumento apresentado pelo Estado, ao Tribunal não foi fornecido o tratado acima mencionado entre a Alemanha e o Paraguai, mas de acordo com o Estado, a referida convenção permite que os investimentos de capital feitos por uma parte contratante sejam desapropriados ou nacionalizados para “fins ou no interesse públicos”, o que pode justificar a restituição de terras aos povos indígenas. Para além do mais, o Tribunal considera que a aplicação de tratados comerciais bilaterais nega a justificação do não cumprimento das obrigações do Estado ao abrigo da Convenção Americana; pelo contrário, a aplicação dessas obrigações deve ser sempre compatível com a Convenção Americana. Este é um tratado multilateral de direitos humanos com estatuto próprio e que gera direitos relativos a seres humanos individuais e não depende inteiramente da reciprocidade entre Estados.

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236. Também parece à Comissão Africana que o montante de £30 como indemnização pelas terras ancestrais vai contra o senso comum e a equidade. 237. A Comissão Africana faz notar as recomendações pormenorizadas relativas à indemnização a pagar a pessoas deslocadas ou alvo de despejo, e que foram concebidas pela Subcomissão das Nações Unidas para a Prevenção da Discriminação, e Protecção de Minorias.182 Essas recomendações, que foram consideradas e aplicadas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos,183 enunciam os seguintes princípios relacionados com o pagamento de indemnizações em caso de perda de terras: As pessoas deslocadas devem ser (i) indemnizadas pelas suas perdas em função do valor total de substituição antes da mudança propriamente dita; (ii) assistidas na mudança, e apoiadas durante o período de transição no local de reassentamento; e (iii) assistidas nos esforços por si envidados visando melhorar os níveis de vida, a capacidade de gerar rendimento e os níveis de produção anteriormente registados, ou pelo menos a repô-los. Estas recomendações poderão ser observadas caso o Estado Respondente esteja interessado em conceder uma justa indemnização aos endorois. 238. Considerando todos os argumentos de ambas as partes, a Comissão Africana concorda com os Queixosos que os bens dos endorois foram alvo de grave intromissão. Esta intromissão não é proporcional a qualquer necessidade pública e não está de acordo com as leis nacionais e internacionais. Nessa conformidade, a Comissão Africana, no que se refere aos Queixosos, considera que os endorois, como povo distinto, foram vítimas de violação do Artigo 14 da Carta. Alegada Violação do Artigo 17 (2) e (3) 239. Os Queixosos alegam que os direitos culturais dos endorois foram violados de duas formas: primeiro, a comunidade enfrentou restrições sistemáticas no acesso aos locais culturais e, segundo, os direitos culturais da comunidade foram violados como resultado de danos graves causados pelas autoridades quenianas ao seu modo de vida pastoril. 240. O Estado Respondente nega a alegação, afirmando que o acesso às áreas da floresta foi sempre permitido, sujeito a procedimentos administrativos. O Estado Respondente sustenta ainda que em alguns casos, certas comunidades permitiram que questões políticas fossem disfarçadas de práticas culturais e ao fazê-lo puseram em perigo a coexistência pacífica com outras comunidades. O Estado Respondente não identifica essas “comunidades” nem tão pouco especifica as “questões políticas disfarçadas de práticas culturais”. 241. A Comissão Africana é da opinião que proteger direitos humanos vai além do dever de não se destruir ou fragilizar de forma deliberada os grupos minoritários. Por ser essencial à identidade desses grupos, tal acção exige o respeito e a protecção do seu

182 Subcomissão das Nações Unidas para a Prevenção da Discriminação, e Protecção de Minorias, Guidelines on International Events and Forced Evictions (Quadragésima sétima sessão, 1995), UN Doc. E/CN.4/Sub.2/1995/13. 17 de Julho de 1995, parágrafo 16(b) e (e). 183 Doğan vs Turquia (2004), parágrafo 154.

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património religioso e cultural, incluindo edifícios e locais como bibliotecas, igrejas, mesquitas, templos e sinagogas. Tanto os Queixosos como o Estado Respondente parecem concordar com esta questão. A Comissão faz notar que o Artigo 17 da Carta tem uma dupla dimensão quer na sua natureza individual, quer cultural, protegendo, por um lado, a participação dos indivíduos na vida cultural da respectiva comunidade e, por outro lado, obrigando o Estado a promover e a proteger valores tradicionais reconhecidos pela comunidade. Assim, a Comissão entende a cultura como significando um todo complexo que inclui uma ligação espiritual e física às terras ancestrais de uma pessoa, ao conhecimento, às crenças, à arte, às leis, à moral, aos costumes e a quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pela humanidade no contexto das sociedades – o somatório das actividades materiais e espirituais e produtos de um dado grupo social e que o distingue de outros grupos semelhantes. A Comissão entende ainda a identidade cultural como abrangendo a religião, a língua e outras características que definem um grupo.184 242. A Comissão Africana faz notar que o preâmbulo da Carta Africana reconhece que os “direitos civis e políticos não podem ser dissociados dos direitos económicos, sociais e culturais .... os direitos sociais e culturais são uma garantia do usufruto dos direitos civis e políticos”; ideias estas que influenciaram a Carta Cultural Africana de 1976 a qual, no seu preâmbulo, realça “o direito inalienável [de qualquer povo] de organizar a sua vida cultural em plena harmonia com as suas ideias políticas, económicas, sociais, filosóficas e espirituais.185 O Artigo 3 da mesma Carta declara que a cultura é uma fonte de enriquecimento mútuo das diversas comunidades.186 243. A Comissão faz ainda notar os pontos de vista do Comité de Direitos Humanos no que se refere ao exercício dos direitos culturais protegidos nos termos do Artigo 27 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas. O Comité observa que a “cultura manifesta-se sob várias formas, incluindo uma forma particular de vida associada ao uso dos recursos da terra, especialmente no caso dos povos indígenas. Esse direito poderá incluir actividades tradicionais tais como a pesca e a caça e o direito de viver em reservas protegidas por lei. O usufruto desses direitos poderá exigir medidas legais positivas de protecção e outras medidas visando assegurar a efectiva participação dos membros de comunidades minoritárias em decisões que os afectem.”187 244. A Comissão Africana faz notar que um tema comum que normalmente surge em debates sobre cultura e a violação dos valores culturais, é a ligação de um indivíduo às suas terras ancestrais. A Comissão faz ainda notar que o seu próprio Grupo de Trabalho para as Populações/Comunidades Indígenas observou que a expropriação de terras e dos seus recursos constitui “um grande problema de direitos humanos para os povos

184

Rachel Murray e Steven Wheatley (2003) „Groups and the African Charter on Human and Peoples‟ Rights‟, Human Rights Quarterly, 25, p. 224. 185

Carta Cultural Africana (1976), parágrafo 6 do Preâmbulo. 186

Ib. Artigo 3. 187

Comité de Direitos Humanos, Comentário Geral 23 (Quinquagésima sessão, 1994), U.N. Doc. CCPR/C/21Rev.1/Add5, (1994). Parágrafo 7.

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indígenas.”188 Faz ainda notar que um relatório do Grupo de Trabalho havia igualmente realçado que a expropriação “ameaça a sobrevivência cultural, económica e social das comunidades pastoris e de caçadores-recolectores indígenas.”189 245. No caso das comunidades indígenas do Quénia, a Comissão Africana faz notar o importante „Relatório do Relator Especial sobre a Situação dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas do Quénia‟ no qual refere que “os seus meios de existência e culturas têm sido tradicionalmente discriminados e a falta de reconhecimento legal e empoderamento desses povos reflecte a sua marginalização social, política e económica.”190 Afirma ainda o Relator Especial que as principais questões de direitos humanos que esses povos enfrentam “relacionam-se com a perda e degradação ambiental das suas terras, florestas tradicionais e recursos naturais como resultado da expropriação ocorrida na época colonial e no período pós-independência. Em décadas recentes, políticas inapropriadas de desenvolvimento e conservação agravaram a violação dos seus direitos culturais, económicos e sociais.”191 246. A Comissão Africana é da opinião que na sua interpretação da Carta Africana, esta reconheceu o dever do Estado em tolerar a diversidade e de introduzir medidas que protejam grupos de identidade diferente das do grupo maioritário/dominante. Assim, a Comissão interpretou o Artigo 17(2) como exigindo que os governos tomem medidas “destinadas à conservação, desenvolvimento e difusão da cultura,” tais como a promoção da “identidade cultural como factor de apreciação mútua entre indivíduos, grupos, nações e regiões; . . . promovendo a consciência e o usufruto do património cultural de grupos e minorias étnicos nacionais e dos sectores indígenas da população.”192 247. O Grupo de Trabalho da Comissão Africana para as Populações e Comunidades Indígenas realçou ainda a importância de se criarem espaços para que as culturas dominantes e indígenas coexistam. Esse Grupo de Trabalho nota com preocupação que:

São muitos os casos em que as comunidades indígenas foram afastadas das suas áreas tradicionais para permitir a entrada de interesses económicos de outros grupos mais dominantes e de iniciativas de desenvolvimento em larga escala que tendem a destruir as suas vidas e culturas em vez de melhorar a sua situação.193

188

Relatório do Grupo de Trabalho da Comissão Africana para as Populações/Comunidades Indígenas (2003), p.20. 189

Ib. p.20.

190 Relatório do Relator Especial para a Situação dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, supra n. 47. 191

Ibid. Adicionado o itálico para dar realce. 192

Orientações referentes a Relatórios Periódicos Nacionais, in Segundo Relatório Anual de Actividades da Comissão Africana para os Direitos Humanos e dos Povos 1988–1989, ACHPR/RPT/2nd, Anexo XII. 193

Relatório do Grupo de Trabalho da Comissão Africana para as Populações/Comunidades Indígenas (2005), p. 20. [Adicionado realce]

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248. A Comissão Africana é da opinião que o Estado Respondente tem um dever ainda maior tendo em vista dar passos positivos para proteger grupos e comunidades como os endorois,194 mas também para promover direitos culturais, incluindo a criação de oportunidades, políticas, instituições ou outros mecanismos que permitam a existência e o desenvolvimento de culturas e modos de vida diferentes, face aos desafios enfrentados pelas comunidades indígenas. Esses desafios incluem a exclusão, exploração, discriminação e pobreza extrema; a deslocação a partir de territórios tradicionais e a negação de meios de subsistência; a não participação em decisões que afectam as vidas das comunidades; a assimilação forçada e as estatísticas sociais negativas, entre outras questões. Por vezes, as comunidades indígenas sofrem os efeitos da violência e perseguição directas, havendo algumas delas que deparam mesmo com o perigo de extinção.195 249. Ao analisar o Artigo 17 da Carta Africana, a Comissão Africana está consciente de que ao contrário dos Artigos 8 e 14, o Artigo 17 não dispõe de cláusula revogatória. A falta de uma cláusula revogatória é indicativo de que os que redigiram a Carta previram poucas, se mesmo algumas, circunstâncias em que seria apropriado limitar o direito de um povo à cultura. Faz ainda notar a Comissão que mesmo que o Estado Respondente tivesse imposto qualquer limitação ao exercício desse direito, a restrição teria de ser proporcional a um objectivo legítimo que não interferisse de forma adversa no exercício dos direitos culturais de uma comunidade. Assim, mesmo que a criação da Reserva Natural constitua um objectivo legítimo, o facto do Estado Respondente não ter assegurado meios de acesso, como um direito, para a celebração do festival cultural e de rituais não pode ser considerado de proporcional a esse objectivo. A Comissão é da opinião que as actividades culturais da comunidade endorois não põem em perigo o ecossistema da Reserva Natural, não havendo justificação para a restrição de direitos culturais, especialmente por não ter sido concedida à comunidade nenhuma alternativa apropriada. 250. Na opinião da Comissão Africana, o Estado Respondente descurou o facto de que a atracção universal da grande cultura reside nas suas especificidades, e que a sujeição da cultura a leis ou regras árduas mina os seus aspectos mais prementes. O Estado Respondente não tomou em consideração o facto de que ao restringir o acesso ao Lago Bogoria, acabou por negar à comunidade o acesso a um sistema integrado de crenças, valores, normas, costumes, tradições e artefactos estreitamente ligados às vias de acesso ao lago. 251. Ao forçar a comunidade a viver em terras semi-áridas sem acesso a salinas medicinais e outros recursos vitais à saúde do gado, o Estado Respondente ameaçou sobremaneira o modo de vida

194

Ver Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, Artigo 4(2): Os Estados devem tomar medidas visando criar condições favoráveis para permitir que as pessoas que façam parte de minorias exprimam as suas características e desenvolvam a sua cultura, língua, religião, tradições e costumes; Recomendação Geral XXIII do CERD, Artigo 4(e): Assegurar que as comunidades indígenas possam exercer o direito de praticar e revitalizar as suas tradições culturais e preservar e praticar as suas línguas; Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Artigo 15 (3). 195

Ver declaração do Sr. Sha Zukang, subsecretário-geral para os Assuntos Económicos e Sociais e coordenador da Segunda Década Internacional dos Povos Indígenas do Mundo, perante o Terceiro Comité da Assembleia Geral, relativamente ao item, “Questões Indígenas”. Nova Iorque, 20 de Outubro de 2008.

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pastoril dos endoroi. A Comissão é da opinião que aos endorois foi negada a própria essência do direito à cultura, o que fez com que esse mesmo direito se tornasse para todos os efeitos ilusório. Nesta conformidade, o Estado Respondente é considerado como tendo violado o Artigo 17(2) e (3) da Carta. Alegada Violação do Artigo 21 252. Os Queixosos alegam que desde o seu despejo da Reserva Natural a comunidade endorois deixou de ter acesso aos recursos vitais existentes na região do Lago Bogoria. 253. O Estado Respondente nega a alegação. Ele argumenta que em sua opinião os Queixosos beneficiaram em grande medida do turismo e das actividades de prospecção mineira, notando por exemplo que:

a) Os proventos da Reserva Natural foram utilizados para financiar uma série de projectos naquela área, tais como escolas, instalações sanitárias, poços e estradas.

b) Desde a descoberta de rubis na área de Weseges, próximo do Lago Bogoria, três companhias obtiveram licenças de prospecção, fazendo notar que duas delas pertencem à comunidade, incluindo os endorois. Além disso, a companhia que não é constituída por residentes da zona, nomeadamente a Corby Ltd, celebrou um acordo com a comunidade, comprometendo-se a proceder à entrega de benefícios vários a essa mesma comunidade sob a forma de apoio a projectos. O Estado Respondente diz ser óbvio (com base na acta de uma reunião entre a comunidade e a companhia) que esta está pronta a realizar um projecto sob a forma de estrada de acesso ao local de prospecção para uso pela comunidade e pela empresa prospectora.

c) Argumenta igualmente o Estado Respondente que as actividades de prospecção mineira ocorrem fora da Reserva Natural do Lago Bogoria, o que significa que as terras não fazem parte da queixa dos Requerentes.

254. Argumenta ainda o Estado Respondente que a comunidade tem vindo a manter consultas com a Corby Ltd., e que o acordo entre ambos é uma manifestação clara da forma como os antigos participantes na tomada de decisões lidam com a exploração dos recursos naturais e a partilha de benefícios que daí emanam. 255. A Comissão Africana nota que no Caso Ogoni, o direito aos recursos naturais existentes nas terras tradicionais dessa comunidade, foi também atribuído ao povo indígena, o que torna claro que um determinado povo que habite uma região específica dentro de um Estado também pode fazer reivindicações nos termos do Artigo 21 da Carta Africana.196 O Estado Respondente não fornece provas suficientes para substanciar a afirmação de que os Queixosos beneficiaram imenso das actividades relacionadas com o turismo e as prospecções mineiras.

196 O Caso Ogoni (2001), parágrafos 56-58.

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256. A Comissão Africana faz notar que os proventos da Reserva Natural foram usados para financiar um grande número projectos de utilidade vária, „um facto‟ não contestado pelos Queixosos. A Comissão Africana, porém, menciona casos inseridos no âmbito do sistema Interamericano de Direitos Humanos para se compreender esta área do Direito. A Convenção Americana não possui disposição equivalente ao Artigo 21 da Carta Africana sobre o direito aos Recursos Naturais. A Comissão, por conseguinte, considera que o direito aos recursos naturais está patente no direito à propriedade (Artigo 21 da Convenção Americana), e por seu turno aplica limites semelhantes, no que diz respeito aos direitos relacionados com recursos naturais, da mesma forma que o faz em relação aos limites impostos ao direito de propriedade. Em ambos as circunstâncias, o “teste” considera um patamar muito mais elevado nos casos em que a potencial de espoliação ou de desenvolvimento de terras afecta as terras indígenas. 257. No caso Saramaka e na jurisprudência Interamericana, uma questão que deriva da afirmação do IActHR, segundo a qual os membros do povo saramaka têm o direito ao uso e usufruto do seu território de acordo com as suas tradições e costumes, é a que se relaciona com o direito ao uso e usufruto dos recursos naturais que se encontram na terra, incluindo os recursos naturais do subsolo. No caso Saramaka, quer o Estado, quer os membros do povo saramaka reivindicam um direito sobre esses recursos naturais. Os saramakas afirmam que o seu direito ao uso e usufruto de todos esses recursos naturais é uma condição necessária para o usufruto do seu direito à propriedade nos termos do Artigo 21 da Convenção. O Estado argumentou que todos os direitos à terra, em particular os recursos naturais do subsolo encontram-se atribuídos a esse mesmo Estado, o qual pode dispor livremente deles por meio de concessões feitas a terceiros. 258. O IActHR tratou desta questão complexa da seguinte forma: primeiro, o direito dos membros do povo saramaka de usar e beneficiar dos recursos naturais que se encontram nas terras do território que tradicionalmente lhes pertence; segundo, as concessões feitas pelo Estado para a exploração e extracção de recursos naturais, incluindo os recursos do subsolo do território saramaka; e finalmente, o cumprimento das garantias do Direito internacional relativamente a concessões de exploração e extracção já feitas pelo Estado. 259. Primeiro, o IActHR analisou se e em que medida os membros do povo saramaka têm o direito de usar e usufruir dos recursos naturais que se encontram nas terras que tradicionalmente lhes pertencem. O Estado não contestou que durante séculos os saramakas, por tradição, usaram e ocuparam certas terras, ou que esse povo possui um “interesse” em relação ao território que, por tradição, usou de acordo com os seus costumes. A controvérsia girava em torno da natureza e âmbito do dito interesse. De acordo com o quadro legal e constitucional do Suriname, os saramakas não possuem direitos de propriedade per se, mas meramente um privilégio ou permissão para usar e ocupar as terras em questão. De acordo com o Artigo 41 da Constituição do Suriname, e o Artigo 2 do Decreto sobre Exploração Mineira aprovado por esse país em 1986, a posse de direitos sobre todos os recursos naturais encontra-se investida no Estado. Por essa razão, o Estado reivindica um direito inalienável à prospecção e exploração desses recursos. Por outro lado, as leis consuetudinárias do povo saramaka conferem-lhe o direito sobre todos os recursos naturais dentro do seu território tradicional.

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260. O IActHR considerou que a sobrevivência cultural e económica dos povos indígenas e tribais e dos respectivos membros, depende do acesso e uso que eles fazem dos recursos naturais existentes no seu território, e que se relacionam com a cultura desses povos. Aquela instância considerou que o Artigo 21 da Convenção Interamericana protege os direitos dos referidos povos a tais recursos. Disse ainda o Tribunal que de acordo com a sua própria jurisprudência, tal como afirmada nos casos Yakye Axa e Sawhoyamaxa, os membros das comunidades tribais e indígenas possuem o direito de posse sobre os recursos naturais que por tradição usaram dentro do respectivo território, pelas mesmas razões que as terras que tradicionalmente usaram e ocuparam durante séculos são pertença sua. Sem a posse desses recursos, a própria sobrevivência física e cultural desses povos é posta em causa;197 daí, opinou o Tribunal, a necessidade de se protegerem as terras e os recursos que eles, por tradição, usaram para evitar a sua extinção como povo. O tribunal declarou que o objectivo e o propósito das medidas especiais exigidas em nome dos membros das comunidades indígenas e tribais visam garantir que eles possam continuar a viver o seu modo de vida tradicional, e que a sua identidade cultural, estrutura social, sistema económico, costumes, crenças e tradições distintos sejam respeitados, garantidos e protegidos pelos Estados. 261. O Tribunal declarou ainda que os recursos naturais que se encontram nos territórios dos povos indígenas e tribais, territórios esses protegidos nos termos do Artigo 21 (da Convenção Americana), são recursos naturais usados tradicionalmente e necessários para a própria sobrevivência, desenvolvimento e a continuação do modo de vida desses povos.198 262. No caso Saramaka, o Tribunal também teve de determinar que recursos naturais, dos que se encontravam no território do povo saramaka, eram essenciais à sobrevivência do seu modo de vida, estando assim protegidos pelo Artigo 21 da Convenção. Isto é directamente relevante para a questão perante a Comissão Africana dado que as concessões de exploração mineira de rubis, existentes em terras ancestrais dos endorois e outras adjacentes às mesmas, concessões essas, segundo alegam os Queixosos, causaram o envenenamento do único recurso de água a que os endorois tinham acesso. 263. A Comissão Africana faz notar a opinião do IActHR no caso Saramaka, relativamente à questão das limitações permissíveis. O Estado do Suriname havia argumentado que, caso o tribunal reconhecesse o direito dos membros do povo saramaka aos recursos naturais que se encontravam em terras de posse tradicional, esse direito deveria ser limitado aos recursos tradicionalmente usados para a sua subsistência e actividades culturais e religiosas. De acordo com o Estado, os alegados direitos de terras dos saramakas não incluíam quaisquer interesses em relação a florestas ou minerais, para além daquilo que uma tribo tradicionalmente possui e usa para a sua subsistência (agricultura, caça, pesca, etc.), e para as necessidades culturais do seu povo. 264. O Tribunal opinou que embora fosse verdade que toda a actividade de exploração e extracção no território saramaka poderia afectar, em maior ou menor escala, o uso e usufruo de alguns recursos naturais tradicionalmente usados para a subsistência dos saramakas, é também verdade que o Artigo 21 da Convenção não deve ser interpretado de uma forma que impeça o Estado de conceder quaisquer tipos de concessões destinadas à

197

Ver o Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa, e o Caso da Comunidade Indígena Sawhoyamaxa. 198

Ib.

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exploração e extracção de recursos naturais no território saramaka. O Tribunal observou que estes recursos naturais poderiam ser afectados pelas actividades de extracção relacionadas com outros recursos naturais que não fossem tradicionalmente usados ou essenciais à sobrevivência da comunidade saramaka e, consequentemente, dos seus membros. Ou seja, é mais provável que a extracção de um recurso natural venha a afectar o uso e usufruto de outros recursos naturais que sejam necessários à sobrevivência dos saramakas. 265. No entanto, o tribunal afirmou que a protecção do direito à propriedade, nos termos do abrigo do Artigo 21 da Convenção, não era absoluta, e, por conseguinte, não permitia uma interpretação tão rígida. O Tribunal também reconheceu a interligação entre o direito dos membros dos povos e tribos indígenas ao uso e usufruto das suas terras e o direito deles aos recursos necessários à sua sobrevivência, embora esses mesmos direitos de propriedade, tal como muitos outros reconhecidos na Convenção, estejam sujeitos a certas limitações e restrições. Assim, o Artigo 21 da Convenção declara que a “lei pode subordinar [o] uso e usufruto [de propriedades] ao interesse da sociedade.” Mas o Tribunal também afirmou que havia anteriormente considerado que, de acordo com o Artigo 21 da Convenção, um Estado pode restringir o uso e usufruto do direito à propriedade nos casos em que as restrições sejam: a) previamente estabelecidas por lei; b) necessárias; c) proporcionais, e d) com o intuito de atingir um objectivo legítimo no âmbito de uma sociedade democrática.199 266. O caso Saramaka é análogo ao caso vertente, no que respeita à exploração mineira de rubis. O IActHR procedeu a uma análise para determinar se as concessões destinadas à exploração mineira de ouro, situadas dentro do território tradicional saramaka, haviam afectado os recursos naturais usados de forma tradicional e necessários à sobrevivência dos membros da comunidade saramaka. De acordo com as provas perante o Tribunal, a comunidade saramaka não usava ouro no âmbito da sua identidade cultural ou sistema económico. Apesar de possíveis excepções individuais, a comunidade saramaka não se identificava com o ouro, nem tão pouco demonstrou ter uma relação particular com esse recurso natural, para além de reivindicar um direito genérico de ter “posse de tudo, desde a copa das árvores até ao lugar mais recôndito que se puder alcançar debaixo da terra.” No entanto, disse o Tribunal, dado que quaisquer actividades de exploração mineira de ouro dentro do território saramaka afectariam necessariamente outros recursos naturais dos quais os saramakas necessitam para a sua sobrevivência, tais como cursos de água, o Estado tinha o dever de consultá-los em conformidade com as suas tradições e costumes, no âmbito de quaisquer concessões mineiras que se propusesse estabelecer dentro desse território, assim como de permitir que os membros da referida comunidade partilhassem, de forma razoável, dos benefícios derivados de quaisquer concessões possíveis, para além de executar e supervisionar estudos de impacto ambiental e social antes do arranque do projecto. A mesma análise aplicar-se-ia a concessões no contexto do presente caso envolvendo os endorois.

199

Ver o Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa, parágrafos 144-145 citando (mutatis mutandi) o Caso de Ricardo Canese vs Paraguai. Mérito, Reparações e Custos. Sentença de 31 de Agosto de 2004. Série C No. 111, parágrafo 96; Caso de Herrera Ulloa vs Costa Rica. Objecções Preliminares, Mérito, Reparações e Custos. Sentença de 2 de Julho de 2004. Série C No. 107, parágrafo 127; e Caso de Ivcher Bronstein vs Peru. Mérito, Reparações e Custos. Sentença de 6 de Fevereiro de 2001. Series C No. 74. Parágrafo 155. Ver também, Caso da Comunidade Indígena Sawhoyamaxa, parágrafo 137. Série

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267. No presente caso dos endorois, o Estado Respondente tem o dever de avaliar se a restrição desses direitos de propriedade privada é necessária à preservação da sobrevivência da comunidade endorois. A Comissão Africana está consciente de que não existem laços estreitos entre os endorois e os rubis. Todavia, é salutar referir que a Comissão Africana, no caso Ogoni, decidiu que o direito aos recursos naturais contidos nas terras tradicionais, havia sido investido no povo indígena. Esta decisão era clara quando dizia que um povo que habite uma região específica dentro de um Estado, pode reivindicar a protecção do Artigo 21.200 O Artigo 14 da Carta Africana indica que o teste duplo – „no interesse de necessidade pública ou no interesse geral da comunidade‟ e „de acordo com as leis apropriadas‟ – tem de ser satisfeito. 268. Daquilo que a Comissão Africana tem conhecimento, o atrás referido não foi observado pelo Estado Respondente. A Comissão Africana é da opinião de que os endorois têm o direito de dispor livremente da sua riqueza e dos seus recursos naturais em consulta com o Estado Respondente. O Artigo 21(2) também se refere às obrigações de um Estado Parte da Carta Africana em termos de restituição e indemnização quando ocorram casos de violação por via da espoliação. Os endorois nunca receberam indemnização ou restituição adequadas pelas respectivas terras. Assim, considera-se que o Estado Respondente violou o Artigo 21 da Carta. Alegada Violação do Artigo 22 269. Os Queixosos alegam que o direito dos endorois ao desenvolvimento foi violado como resultado da criação da Reserva Natural pelo Estado Respondente e do facto deste não ter integrado os endorois de forma adequada no processo de desenvolvimento. 270. Refutando as alegações dos Queixosos, o Estado Respondente argumenta que cabe às comunidades, no âmbito de uma democracia participativa, contribuir para o bem-estar da sociedade em geral, e não apenas zelar de forma egoísta pelos interesses de uma comunidade com risco para terceiros. O Estado Respondente argumenta que os Concelhos Distritais de Baringo e Koibatek não apenas representam os endorois, mas também outros clãs da tribo tugen. Os endorois são apenas um clã dessa tribo. Porém, para se evitar a tentação de domínio de uma comunidade por outra, o sistema político queniano inclui o princípio de uma comunidade de modelo participativo, em que regularmente têm lugar eleições competitivas destinadas a escolher representantes para os referidos concelhos. O Estado Respondente declara que as eleições são por sufrágio para adultos, sendo os escrutínios livres e justos. 271. Sustenta ainda o Estado Respondente ter instituído um ambicioso programa de ensino primário universal e gratuito, assim como um programa de recuperação agrícola destinado a aumentar o rendimento dos agregados familiares do sector rural tido como pobre, incluindo os endorois; e levado a cabo programas visando a distribuição equitativa de recursos orçamentais por intermédio do Fundo de Desenvolvimento Local, dos Fundos Locais de Bolsas de Estudo, Comités Locais para o SIDA, e da Junta Distrital de Estradas.

200

O Caso Ogoni (2001), parágrafos 56-58.

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272. Acrescenta o Estado Respondente que desde há muito que o turismo no Quénia tem vindo a decair. Isto, argumenta o Estado Respondente, foi ocasionado principalmente pelos distúrbios étnicos nas províncias de Coast e de Rift Valley que constituem os grandes circuitos turísticos do Quénia e que integram as terras dos Queixosos. O declínio económico terá, por conseguinte, afectado os Concelhos Distritais de Baringo e Koibatek. 273. Voltando a refutar as alegações dos Queixosos, o Estado Respondente argumenta que eles haviam afirmado no parágrafo 239 da respectiva peça processual quanto ao Mérito da questão, que, devido à falta de acesso às salinas e aos habituais pastos, o gado, sua pertença, havia morrido em grandes números, o que os impossibilitava de pagar os respectivos impostos, e que como consequência disso, o Estado ficou-lhes com o gado como forma de ressarcir as dívidas ao fisco; e que eles, Queixosos, ficaram também impossibilitados de custear os estudos primários e secundários dos filhos. Isso, de acordo com o Estado Respondente, é absolutamente erróneo uma vez que os impostos incidem sobre o rendimento. O Estado Respondente argumenta que se os endorois não tivessem sido capazes de obter o rendimento correspondente aos valores tributados sobre a criação de gado que levavam a cabo, obviamente que não estariam sujeitos a tributação. O Estado Respondente acrescenta que essa alegação é falsa e destinada a fornecer uma imagem desfavorável do governo. 274. O Estado Respondente argumenta que os Queixosos alegam que as consultas que tiveram lugar não haviam sido de „boa-fé‟ ou com o objectivo de alcançar acordo ou consentimento, e além disso o Estado Respondente não honrou as promessas feitas à comunidade endorois no que se refere à partilha das receitas provenientes da Reserva Natural, à atribuição de uma certa percentagem de empregos, à transferência para terras férteis, e a indemnizações. O Estado Respondente acusa os Queixosos de tentarem induzir a Comissão Africana em erro uma vez que o Concelho Municipal, no caso das Reservas Naturais, procede à colecta de receitas que depois revertem para as comunidades inseridas nas jurisdições do referido Concelho, no âmbito de projectos de desenvolvimento levados a cabo por esta entidade. 275. Respondendo à alegação de que a Reserva Natural tornava particularmente difícil aos endorois terem acesso a ervas medicinais necessárias à manutenção de uma vida saudável, o Estado Respondente argumenta que o propósito principal de se ter listado a Reserva Nacional no Boletim Oficial era o da conservação. Comentando igualmente a afirmação de que o Estado Respondente havia concedido diversas concessões mineiras e de corte de madeira a terceiros, dos quais os endorois não havia tirado benefício, esse mesmo Estado Respondente assevera que a comunidade fora devidamente informada da prospecção de minerais na área. O Estado Respondente declara ainda que o Comité comunitário para a exploração mineira havia celebrado um acordo com a companhia queniana que prospectava minerais, o que implica que os endorois estavam integralmente envolvidos nas decisões da comunidade. 276. O Estado Respondente também argumenta que a comunidade encontra-se representada no Concelho Municipal através de vereadores eleitos, por conseguinte conferindo à comunidade a oportunidade de estar sempre representada no fórum onde são tomadas decisões relativas ao desenvolvimento. O Estado Respondente argumenta que

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todas as decisões que haviam sido alvo de queixas tiveram de ser tomadas em reunião plenária do referido concelho.

277. A Comissão Africana é da opinião de que o direito ao desenvolvimento corresponde a

um teste duplo, isto é, constitutivo e instrumental, ou útil como um meio e um fim. A

violação dos elementos processual ou substantivo constitui uma violação do direito ao

desenvolvimento. Realizando apenas uma das componentes do referido teste, não satisfaz

o direito ao desenvolvimento. A Comissão Africana nota que os argumentos dos

Queixosos de que o reconhecimento do direito ao desenvolvimento exige o cumprimento

de cinco critérios principais: deve ser equitativo, não-discriminatório, participativo,

passível de responsabilização, e transparente, em que a igualdade e a escolha sejam temas

tão importantes como abrangentes no contexto do direito ao desenvolvimento.201

278. A esse respeito, a Comissão faz referência ao relatório de um Perito Independente das

Nações Unidas, o qual afirmou que o desenvolvimento não é simplesmente o Estado

proporcionar, por exemplo, habitação para determinados indivíduos ou pessoas; em vez

disso, o desenvolvimento significa dotar as pessoas da capacidade de escolha do local onde

desejam viver. Diz o perito que “... o Estado ou qualquer outra autoridade não pode

decidir arbitrariamente onde um indivíduo deve viver apenas por que a prestação desses

meios habitacionais se tornam disponíveis”. A liberdade de escolha tem de estar presente

como parte do direito ao desenvolvimento.202

279. Os endorois acreditam que não tiveram outra escolha que não fosse a de vagar a

região do lago, e quando alguns deles tentaram reocupar as terras e as casas onde viviam,

depararam com violência e transferências forçadas. Os Queixosos argumentam que esta

falta de escolha contradiz directamente as garantias do direito ao desenvolvimento. A

Comissão Africana faz ainda referência a um relatório produzido pelo Grupo de Trabalho

das Nações Unidas para as Populações Indígenas, em que se exige que “os povos indígenas

não sejam coagidos, sujeitos a pressões ou intimidados nas suas escolhas quanto ao

desenvolvimento.”203 Se o Estado Respondente tivesse permitido condições visando

facilitar o direito ao desenvolvimento, tal como enunciado na Carta Africana, o

desenvolvimento da Reserva Natural teria aumentado as capacidades dos endorois na

201

Arjun Sengupta, “Development Cooperation and the Right to Development,” Francois-Xavier Bagnoud Centre, Documento de Trabalho No. 12, (2003), disponível em www.hsph.harvard.edu/fxbcenter/working_papers.htm. Ver também Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento, U.N. GAOR, 40ª Sessão., Doc. A/RES/41/128 (1986), Artigo 2.3, que se refere à “participação activa, livre e significativa no desenvolvimento.” 202

Arjun Sengupta, “The Right to Development as a Human Right,” Francois-Xavier Bagnoud Centre, Documento de Trabalho No. 8, (2000), página 8, disponível em http://www.hsph.harvard.edu/fxbcenter/working_papers.htm 2000. 203

Antoanella-Iulia Motoc e a Fundação Tebtebba. Documento de Trabalho preliminar sobre o princípio do consentimento livre, prévio e fundamentado dos povos indígenas em relação ao desenvolvimento com impacto sobre as suas terras e recursos naturais, que servirá como quadro para a elaboração de um comentário legal pelo Grupo de Trabalho, sobre este conceito. U.N. Doc. E/CN.4/Sub.2/AC.4/2004/4 (2004), parágrafo 14 (a).

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medida em que eles teriam tido a possibilidade de colher benefícios da Reserva Natural.

Todavia, os despejos forçados eliminaram qualquer escolha quanto ao local onde eles iriam

viver.

280. A Comissão Africana nota que os argumentos do Estado Respondente de que a comunidade está devidamente representada nas estruturas de tomada de decisões, mas isto é disputado pelos Queixosos. No parágrafo 25 da peça processual dos Queixosos quanto ao Mérito da questão, eles alegam que os endorois não têm qualquer papel na gestão das suas terras ancestrais. O EWC, organismo representativo da comunidade endorois, não foi autorizado a registar-se, negando assim a essa mesma comunidade o direito de consulta justa e legítima. Os Queixosos alegam ainda que o facto do EWC não se ter registado deu muitas vezes azo a que se realizassem consultas ilegítimas, em que as autoridades seleccionaram determinados indivíduos para que estes dessem o seu consentimento „em nome‟ da comunidade . 281. A Comissão Africana faz notar que de acordo com as suas próprias normas, os governos devem proceder a consultas no que respeita a povos indígenas, especialmente ao tratar de questões sensíveis como a terra.204 A Comissão Africana concorda com os Queixosos de que as consultas que o Estado Respondente efectuou com a comunidade não foram as adequadas, não podendo ser consideradas como participação efectiva As condições das consultas não cumpriram com as normas de consulta da Comissão Africana de forma apropriada às circunstâncias. A Comissão está convencida de que os membros da comunidade foram informados da iminência do projecto como um fait accompli, não lhes tendo sido concedida a oportunidade de dar corpo às políticas ou ao papel por eles a desempenhar na Reserva Natural. 282. Para além do mais, os representantes da comunidade encontravam-se numa posição negocial de desigualdade, algo que o Estado Respondente não negou nem contestou, pois eram analfabetos e com uma compreensão bem diferente sobre o uso e posse de propriedades, comparativamente às autoridades quenianas. A Comissão Africana concorda que cabia ao Estado Respondente conduzir o processo de consultas de tal forma que permitisse aos representantes estarem plenamente informados do acordo, e participarem na concepção de partes cruciais à vida da comunidade. A Comissão concorda ainda com os Queixosos de que a inadequação das consultas levadas a cabo pelo Estado Respondente está patente nas acções levadas a cabo pelos endorois após a criação da Reserva Natural. Os endorois acreditaram e continuam a acreditar que mesmo depois da acção de despejo de que foram alvo, a Reserva Natural assim como o seu modo de vida pastoril não seriam mutuamente exclusivos, e que teriam de dispor de direito de reentrada nas suas terras. Por não compreenderem que o despejo era permanente, muitas famílias não saíram do local antes de 1986. 283. A Comissão Africana deseja chamar a atenção do Estado Respondente para o facto de que o Artigo 2(3) da Declaração das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento refere que o 204

Relatório de Peritos do Grupo de Trabalho da Comissão Africana para as Populações/Comunidades Indígenas (Vigésima Oitava Sessão, 2003). Ver Convenção da OIT 169 que afirma: “As consultas levadas a cabo no âmbito da aplicação da presente Convenção deverão ser em boa-fé e numa forma apropriada às circunstâncias, com o objectivo de se alcançar acordo ou consentimento quanto às medidas propostas.”

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direito ao desenvolvimento inclui “participação activa, livre e significativa no desenvolvimento”.205 O resultado do desenvolvimento deverá significar a responsabilização da comunidade endorois. Não basta que as autoridades quenianas dêem meramente ajuda alimentar aos endorois. Tem de haver uma melhoria das capacidades e das escolhas dos endorois para que se concretize o direito ao desenvolvimento. 284. O caso dos Yakye Axa é elucidativo. O Tribunal Interamericano constatou que os membros da comunidade Yakye Axa viviam em condições de indigência extrema como consequência da falta de terra e de acesso aos recursos naturais causados pelos factos que constituíam o tema do processo perante o Tribunal, assim como a precariedade do local de assentamento temporário onde tiveram de permanecer enquanto aguardavam por uma solução para a reivindicação que haviam feito relativamente às terras. 285. O IActHR fez notar que, de acordo com as declarações feitas por membros da comunidade Yakye Axa durante as audiências públicas, eles poderiam ter sido capazes de obter parte dos meios necessários para a sua subsistência caso estivessem na posse das suas terras tradicionais. A deslocação dos membros da comunidade das respectivas terras causou dificuldades particularmente graves na obtenção de comida, fundamentalmente devido ao facto de que a área onde se encontra situado o centro de reassentamento provisório não possui condições apropriadas para o cultivo ou a prática de actividades tradicionais de subsistência, tais como a caça, a pesca e a recolecção. Para além do mais, nesse centro, os membros da comunidade Yakye Axa não tinham acesso a habitações apropriadas com o mínimo de serviços tais como água potável e lavabos. 286. A precariedade do local de reassentamento dos endorois, surgida após a expropriação das suas terras, teve efeitos semelhantes. Nunca houve acordo quanto a terras colectivas de igual valor (não se cumprindo assim o teste „de acordo com a lei‟, uma vez que a lei exige indemnização adequada). Os endorois foram relegados para terras semi-áridas, que provaram ser insustentáveis para a pastorícia, especialmente em face da proibição rigorosa do acesso às áreas do lago onde se localizam as salinas medicinais ou às fontes tradicionais de água. Certos endorois obtiveram títulos individuais de propriedade na Floresta de Mochongoi, embora a maioria viva nas terras áridas nas cercanias da Reserva.206 287. No caso da comunidade Yakye Axa, o Tribunal determinou que o Estado não havia garantido o direito dos membros dessa mesma comunidade à propriedade comunal. O Tribunal considerou que isso teve um efeito negativo no que se refere ao direito dos membros da comunidade a uma vida decente pois a não concessão dessa garantia privara-os da possibilidade de acesso aos seus meios tradicionais de subsistência, assim como ao

205

Declaração das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento, U.N. GAOR, 40ª Sessão, Doc. A/RES/41/128 (1986), Artigo 2.3. (de ora em diante, Declaração sobre o Desenvolvimento). 206 Ver U.N. Doc. E/C.12/1999/5. O direito à alimentação adequada (Art. 11), (20ª Sessão, 1999), parágrafo 13, e U.N. Doc. HRI/GEN/1/Rev.7 em 117. O direito à água (Artigos 11 e 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais), (29ª Sessão 2002), parágrafo 16. Nestes documentos argumenta-se que no caso dos povos indígenas, o acesso às respectivas terras ancestrais e ao uso e usufruto dos recursos naturais que aí se encontram está intimamente ligado à obtenção de comida e ao acesso a água potável. A este respeito, o Comité para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais realçou a especial vulnerabilidade de muitos grupos de povos indígenas, cujo acesso a terras ancestrais foi ameaçado, por conseguinte, afectando a sua possibilidade de acesso a meios de obtenção de alimentação e água potável.

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uso e usufruto dos recursos naturais necessários à obtenção de água potável e à prática da medicina tradicional para prevenir e curar doenças. 288. Na presente Participação-queixa perante a Comissão Africana, as provas em vídeo dos Queixosos mostram que o acesso à água potável ficou seriamente prejudicado como resultado da perda das respectivas terras ancestrais (Lago Bogoria) as quais possuem amplos recursos em termos de água. Do mesmo modo, os meios tradicionais de subsistência dos Queixosos – por intermédio da apascentação dos seus animais – ficaram restringidos devido à falta de acesso às zonas de pasto verdes nas referidas terras. É comum ouvir os anciães afirmarem que desde que passaram à condição de deslocados, haviam perdido mais de metade do gado que possuíam.207 A Comissão Africana é da opinião que o Estado Respondente fez muito pouco para proporcionar a necessária assistência a este respeito. 289. Intimamente ligada ao direito ao desenvolvimento está a questão da participação. O IActHR afirmou que ao assegurar a participação efectiva do povo saramaka em planos de desenvolvimento ou investimento, o Estado tinha o dever de consultar de forma activa a referida comunidade em conformidade com os seus costumes e tradições. Este dever exige que o Estado aceite e dissemine informações, e implica comunicações constantes entre as partes. Tais consultas devem ser realizadas de boa-fé, através de procedimentos culturais apropriados e com o objectivo de se alcançar um acordo. 290. Na presente Participação-queixa, muito embora o Estado Respondente afirme ter consultado a comunidade endorois, a Comissão Africana é da opinião que essa consulta foi insuficiente. A Comissão está convencida de que o Estado Respondente não obteve o consentimento prévio e fundamentado de todos os endorois antes de ter designado as respectivas terras de Reserva Natural e iniciado o despejo dos membros dessa comunidade. O Estado Respondente não fez os endorois compreender de que lhes seriam negados todos os direitos de regresso às suas terras, incluindo o acesso irrestrito do gado, sua pertença, às terras de pasto e às salinas medicinais. A Comissão Africana concorda que os Queixosos tinham expectativas legítimas de que mesmo depois do despejo inicial de que haviam sido alvo, seriam autorizados a ter acesso às suas terras para a prática de cerimónias religiosas e para fins medicinais – de facto, a razão por que se encontram perante a Comissão Africana. 291. Em aditamento ao atrás referido, a Comissão Africana é da opinião de que no âmbito de quaisquer projectos de desenvolvimento ou investimento que viessem a ter um enorme impacto no território dos endorois, o Estado tinha o dever de não apenas consultar a comunidade, mas também de obter o seu consentimento livre, prévio e fundamentado, de acordo com os seus costumes e tradições. 292. Do testemunho e até mesmo da peça processual entregue por escrito pelos Queixosos, a Comissão Africana constatou que os representantes dos endorois que haviam agido em nome da comunidade em discussões com o Estado Respondente eram analfabetos, o que

207

Ver, por exemplo, a declaração ajuramentada de Richard Yegon, um dos Anciães da comunidade endorois.

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diminuiu a sua capacidade de compreender os documentos elaborados pelo Estado Respondente. O Estado Respondente não contestou essa afirmação. A Comissão Africana concorda com os Queixosos de que o Estado Respondente não assegurou que os endorois fossem rigorosamente informados da natureza e consequências do processo, o que constitui um requisito mínimo estabelecido pela Comissão Interamericana no caso Dann.208 293. Nesse sentido, torna-se importante fazer notar que o Relator Especial das Nações Unidas para a Situação dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas observou que: “[sempre] que ocorram [projectos de grandes dimensões] em áreas ocupadas por povos indígenas, é provável que as respectivas comunidades venham a sofrer mudanças sociais e económicas profundas que frequentemente não são bem entendidas, e muito menos previstas pelas autoridades responsáveis pela promoção desses mesmos projectos. […] Os principais efeitos desses projectos em termos de direitos humanos para os povos indígenas relacionam-se com a perda de territórios e terras tradicionais, despejos, migrações e eventual reassentamento, esgotamento de recursos necessários à sobrevivência física e cultural, destruição e poluição do ambiente tradicional, desorganização social e comunitária, impactos negativos a longo prazo em termos de saúde e nutrição, assim como, em alguns casos, assédio e violência.”209 Consequentemente, o Relator Especial das Nações Unidas determinou que o “consentimento [livre], prévio e fundamentado é essencial para a [protecção dos] direitos humanos dos povos indígenas no âmbito de grandes projectos de desenvolvimento.” 210 294. No que se refere à partilha de benefícios, o IActHR afirmou, no âmbito do Caso Saramaka, que tal partilha era vital, quer relativamente ao direito ao desenvolvimento, quer, por extensão, ao direito de posse de propriedade. Haverá violação do direito ao desenvolvimento quando o desenvolvimento em causa diminui o bem-estar da comunidade. Do mesmo modo, a Comissão Africana faz notar que o conceito de partilha de benefícios também actua como um importante indicador do cumprimento dos direitos de propriedade; e a não atribuição da devida indemnização (mesmo que se satisfaçam critérios como o de objectivo legítimo e de proporcionalidade) resulta na violação do direito à propriedade.

208

No caso Mary e Carrie Dann vs Estados Unidos da América, a IAcmHR fez notar que a convocação

de reuniões com a comunidade 14 anos após o início do processo de extinção do título de propriedade

não constitui participação prévia ou efectiva. Para que um processo de consentimento seja devidamente

fundamentado, “exige-se no mínimo que todos os membros da comunidade estejam informados com

precisão da natureza e consequências do processo e dotados de oportunidade efectiva de participação

quer individual, quer colectivamente.”Mary e Carrie Dann vs Estados Unidos da América (2002).

209

210 O UNCERD fez notar que “[no] que se refere à exploração dos recursos do subsolo das terras

tradicionais de comunidades indígenas, o Comité observa que a mera consulta dessas comunidades antes de se explorarem os recursos está aquém do cumprimento dos requisitos enunciados na recomendação geral XXIII do Comité relativamente aos direitos dos povos indígenas. O Comité recomenda, por conseguinte, que se procure obter o consentimento prévio e fundamentado dessas comunidades”. Cf. UNCERD, Consideração de Relatórios entregues por Estados Partes ao abrigo do Artigo 9 da Convenção, Observações Finais sobre o Equador (Sexagésima Segunda Sessão, 2003), U.N. Doc. CERD/C/62/CO/2, 2 de Junho de 2003, parágrafo 16.

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295. A Comissão Africana nota ainda que na „Carta Africana sobre a Participação Popular no Desenvolvimento e Transformação' de 1990, a partilha de benefícios é a chave do processo de desenvolvimento. No presente contexto dos endorois, o direito de se obter uma “justa indemnização” no espírito da Carta Africana traduz-se num direito dos membros da comunidade endorois à partilha razoável dos benefícios surgidos como resultado de uma restrição ou privação do respectivo direito ao uso e usufruto das terras tradicionais e dos recursos naturais necessários à sua sobrevivência. 296. Nesse sentido, o Comité para a Eliminação da Discriminação Racial recomendou não apenas que se deve procurar obter o consentimento prévio e fundamentado das comunidades nos casos em que se planeiem actividades de exploração de grande envergadura em territórios indígenas, mas que também se “assegure a partilha equitativa dos benefícios a derivar dessa mesma exploração.” No caso vertente, o Estado Respondente deve assegurar a partilha, mutuamente aceitável, de benefícios. Nesse contexto, e em conformidade com o espírito da Carta Africana, a partilha de benefícios pode ser entendida como uma forma razoável de indemnização equitativa, resultante da exploração de terras de posse tradicional e dos recursos naturais necessários à sobrevivência da comunidade endorois. 297. A Comissão Africana está convencida de que a inadequação das consultas fez com que os endorois se sentissem privados dos seus direitos de representação num processo de suma importância para as suas vidas como povo. O ressentimento devido à forma injusta como foram tratados fez com que alguns dos membros da comunidade tentassem recuperar a Floresta Mochongoi em 1974 e em 1984; reunir com o Presidente a fim de discutir a questão em 1994 e 1995; e a levar a cabo acções de protesto no âmbito de manifestações pacíficas. A Comissão Africana concorda que se as consultas tivessem sido conduzida de forma a efectivamente envolver os endorois, não teria havido a confusão que surgiu quanto aos direitos dessa comunidade ou ao ressentimento causado pelo facto de que o seu consentimento havia sido incorrectamente obtido. A Comissão está igualmente convencida de que os endorois depararam com perdas substanciais – de facto, a perda do bem-estar e a negação de benefícios que provieram da Reserva Natural. Para além do mais, os endorois depararam com uma perda significativa em termos de escolha a partir do momento em que foram alvo de despejo das suas terras. A Comissão concorda que os endorois, como beneficiários do processo de desenvolvimento, tinham direito a uma distribuição equitativa dos benefícios derivados da Reserva Natural. 298. A Comissão Africana é da opinião que ao Estado Respondente cabe o ónus de criar

condições favoráveis ao desenvolvimento de um povo.211 Não é certamente da

responsabilidade dos próprios endorois encontrar lugares alternativos para apascentar

gado, ou participar em cerimónias religiosas. Em vez disso, o Estado Respondente tem a

obrigação de assegurar que os endorois não sejam excluídos do processo de

desenvolvimento ou dos benefícios que daí advêm. A Comissão Africana concorda que o

facto de não se ter proporcionado indemnização e benefícios adequados, ou ainda pastos

apropriados para a apascentação do gado, indica que o Estado Respondente não

considerou de forma adequada os endorois no processo de desenvolvimento. A Comissão

211 Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, Artigo 3.

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constata que, no que se refere ao Estado Respondente, a comunidade endorois foi alvo de uma

violação ao Artigo 22 da Carta.

Recomendações 1. Em face do acima exposto, a Comissão Africana constata que o Estado Respondente

violou os Artigos 1, 8, 14, 17, 21 e 22 da Carta Africana. A Comissão Africana recomenda

que o Estado Respondente:

(a) Reconheça os direitos de propriedade dos endorois e restituía as terras ancestrais

dessa comunidade.

(b) Assegure que a comunidade endorois tenha acesso irrestrito ao Lago Bogoria e a

locais circunvizinhos para ritos religiosos e culturais, e apascentação de gado.

(c) Pague uma indemnização adequada à comunidade por todas as perdas sofridas.

(d) Pague dividendos aos endorois, resultantes das actividades económicas em

curso e assegure que eles beneficiem de possibilidades de emprego dentro da

Reserva.

(e) Outorgue o registo do Comité para o Bem-estar dos Endorois.

(f) Empenhe-se no diálogo com os Queixosos visando a aplicação efectiva das

presentes recomendações.

(g) Preste informações quanto à aplicação das presentes recomendações dentro de

três meses a partir da data de notificação.

2. A Comissão Africana põe os seus bons ofícios à disposição tendo em vista prestar

assistência às partes na aplicação das presentes recomendações.