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1 UniFMU Curso de Direito JUÍZO DE VALOR SOBRE OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA EM FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS LUCIANO CORREIA BUENO BRANDÃO RA:440410/9 Turma 315A1 e-mail: [email protected] São Paulo Março/2004

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UniFMUCurso de Direito

JUÍZO DE VALOR SOBRE OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA

TUTELA ANTECIPADA EM FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

LUCIANO CORREIA BUENO BRANDÃORA:440410/9 Turma 315A1e-mail: [email protected]

São PauloMarço/2004

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UniFMUCurso de Direito

JUÍZO DE VALOR SOBRE OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DATUTELA ANTECIPADA EM FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

LUCIANO CORREIA BUENO BRANDÃORA:440410/9 Turma 315A1e-mail: [email protected]

Monografia apresentada ao Cursode Direito do UniFMU comorequisito parcial para obtenção dograu de Bacharel em Direito soborientação do Professor RobertoSenise Lisboa

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São PauloMarço/2004

BANCA EXAMINADORA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADESMETROPOLITANAS UNIDAS - FMU

__________________________________________________________Roberto Senise Lisboa(professor-orientador)

Nota:

__________________________________________________________

Nota:

__________________________________________________________

Nota:

__________________________________________________________Luciano Correia Bueno Brandão

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SUMÁRIO

SINOPSE.....................................................................................................05

INTRODUÇÃO...........................................................................................06

CAPÍTULO I – A REFORMA PROCESSUAL1. Breves Considerações Históricas................................................092. A Antecipação de Tutela no Âmbito da Reforma Processual......12

CAPÍTULO II – A TUTELA ANTECIPADA1. O Instituto.....................................................................................152. Dos Requisitos para Concessão da Tutela Antecipada................17

2.1 Prova Inequívoca e Verossimilhança da Alegação.................172.2 Fundado Receio de Dano Irreparável ou de Difícil

Reparação................................................................................192.3 Abuso do Direito de Defesa ou Manifesto Propósito

Protelatório do Réu.................................................................202.4 Perigo de Irreversibilidade......................................................22

CAPÍTULO III – A TUTELA ANTECIPADA: CONFLITOS1. Considerações Preliminares.........................................................242. Dos Conflitos...............................................................................26

2.1 A Tutela Antecipada e os Direitos Fundamentais ..................272.2 Conflitos no âmbito do próprio instituto.................................30

CAPÍTULO IV – A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E O MAGISTRADO1. A Figura do Juiz no Processo.......................................................332. O Juiz Face a Antecipação de Tutela...........................................363. Do Juízo de Valor Face os Princípios Constitucionais................38

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................51

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................54

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SINOPSE:

Dentro da reforma processual que se tem operado na legislação

brasileira ao longo dos anos a fim de sanar, ou ao menos diminuir, os

efeitos da morosidade do Sistema Judiciário, avulta em importância a

modificação trazida com a Lei 8.952/94 que deu nova redação ao artigo

273 do Código de Processo Civil sistematizando a aplicação do instituto da

antecipação de tutela.

No entanto, dada a natureza do instituto e os efeitos práticos que sua

concessão produz na vida dos litigantes, indispensável se torna uma análise

cuidadosa do magistrado antes de deferir ou não tal provimento. Análise

esta que, a nosso ver, deve pautar-se pelos princípios consagrados na

Constituição Federal

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INTRODUÇÃO:

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5o, inciso XXXV,

dispõe expressamente que “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário, lesão ou ameaça a direito”, de modo que a tutela jurisdicional é

garantia, constitucionalmente prevista, de proteção eficaz e tempestiva ao

direito material.

O Estado, ao valer-se do processo como método institucional a fim

de solucionar litígios e zelar pela pacificação social, deve cuidar para que

sejam as normas processuais instrumentos hábeis a garantir a efetividade da

tutela jurisdicional.

Na verdade, é razoável dizer que a eficiência da função jurisdicional

do Estado está diretamente ligada não apenas ao desenvolvimento em

concreto do instrumento pelo qual ela opera, mas, primariamente, aos

resultados obtidos.

Dessa forma, a preponderância de procedimentos extremamente

formais e por vezes inadequados, demonstrou que o Sistema Judiciário

Brasileiro, em sua organização, era incapaz de atender satisfatoriamente à

demanda de uma sociedade cada vez mais complexa, dinâmica e,

invariavelmente, litigiosa, resultando na demora de entrega da tutela

jurisdicional em favor de quem deveria recebê-la, comprometendo a

própria concepção de direito processual enquanto ciência.

Nesse contexto, dentro da reforma processual que se tem operado ao

longo dos anos, a Lei 8.952/94, que deu nova redação ao artigo 273 do

Código de Processo Civil, introduziu a modificação que tem sido

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considerada como a mais notável no sentido de procurar adequar a

prestação jurisdicional por meio do processo à garantia de efetividade

almejada pelos jurisdicionados, qual seja, a sistematização do instituto da

tutela antecipada.

Tal instituto, espécie do gênero das tutelas de urgência, propicia ao

jurisdicionado que se venha a sentir ofendido em seu direito subjetivo, a

possibilidade de vê-lo tutelado rápida, quando não, imediatamente, sem

que, para tanto, se faça necessário aguardar todo o decorrer do trâmite

processual normal.

Importante observar, no entanto, que ao mesmo tempo em que a

efetividade da tutela jurisdicional é garantida pela Constituição, e a

possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela pareça ser uma das

opções mais adequadas de torná-la viável no plano concreto, há outros

princípios, também constitucionais, que não podem ser ignorados em nome

da necessidade de rápida satisfação da tutela por parte do Estado.

Assim, quando se menciona a justa composição dos conflitos,

pretende-se dar a tal atividade o entendimento de que a decisão judicial

será satisfatória na medida em que for proferida com razoável celeridade

sem com isso prejudicar, por exemplo, o devido processo legal (art. 5o,

LIV, da Constituição Federal).

Para encontrar o ponto de equilíbrio entre efetividade da atividade

desenvolvida pelo Poder Judiciário e a observância dos direitos individuais

tanto em favor do autor quanto do réu, entendemos ser imprescindível a

atuação direta do magistrado dentro do processo, que deve pautar suas

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decisões, evidentemente com base na lei, mas tendo em vista o plano

valorativo e até mesmo sociológico do caso sub judice.

No presente estudo, forneceremos, dentro do primeiro capítulo, uma

visão geral da reforma que se tem operado no sistema processual brasileiro

em razão dos reclamos da sociedade por uma Justiça mais célere e eficaz.

Dentro dessa reforma, destacaremos , no segundo capítulo, o instituto da

antecipação de tutela, analisando tecnicamente os requisitos exigidos pelo

legislador para sua concessão. No terceiro capítulo, veremos que dada a

natureza do dispositivo da tutela antecipada, podem surgir, face o caso

concreto, conflitos entre os requisitos do próprio instituto, bem como

destes, em relação a direitos e garantias constitucionais. Estabelecidas as

divergências que podem ocorrer, teremos, por objeto do capítulo quarto,

uma análise da atuação do magistrado como figura capaz e responsável por

conciliar a letra fria da lei à realidade dos fatos cotidianos que são

submetidos à sua apreciação. É neste derradeiro em que discutiremos a

necessidade de um juízo de valor sobre os requisitos previstos na lei como

forma de aperfeiçoar a efetividade da antecipação. Juízo este que, como

procuraremos demonstrar, deve pautar-se pelos princípios, explícitos e

implícitos, insculpidos na Constituição Federal por ser esta, numa última

análise, a base de todas as normas dentro do Estado Democrático de

Direito.

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CAPÍTULO I – A REFORMA PROCESSUAL

1. Breves Considerações Históricas

Com o surgimento do Estado e seu gradativo fortalecimento, aos

litigantes restou, como forma de solução privada de seus conflitos a

autocomposição (em que cada parte faz concessões recíprocas sobre seu

interesse ou parte dele) ou a arbitragem (em que as partes elegem pessoa de

sua confiança para dar fim ao conflito). Quanto ao uso da força e sua

aplicação coercitiva, esta foi monopolizada pelo Estado que tomou para si

o encargo de imposição autoritária da solução para os conflitos de

interesses tornando-se o único e legítimo titular do exercício da jurisdição,

de modo que a autotutela restou ultrapassada salvo em casos

expressamente previstos em lei.

Contudo, com essa monopolização da atividade jurisdicional pelo

Estado, ainda que relativa, o aumento vertiginoso dos conflitos e de sua

complexidade saturou a estrutura estatal para solução de litígios que,

devido a organizações judiciárias anacrônicas e a uma legislação processual

inadequada, mostrou-se incapaz de atender a contento à crescente demanda

por uma tutela jurisdicional eficaz.

Este é um problema que mostrou-se crônico e perverso, na medida

em que a morosidade do trâmite processual terminava por comprometer a

distribuição de Justiça que, numa última análise, é seu objetivo final. Nesse

sentido, CAPPELLETTI e GARTH deixaram escrito sobre os perniciosos

efeitos do tempo nos processos judiciais:

“Em muitos países, as partes que buscam uma soluçãojudicial precisam esperar dois a três anos, ou mais, por

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uma decisão exeqüível. Os efeitos dessa delonga,especialmente se considerados os índices de inflação,podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para aspartes e pressiona os economicamente fracos aabandonar suas causas, ou aceitar acordos por valoresmuito inferiores àqueles a que teriam direito. AConvenção Européia para Proteção dos DireitosHumanos e Liberdades Fundamentais reconheceexplicitamente, no artigo 6º, parágrafo 1º que a Justiçaque não cumpre suas funções dentro de ‘um prazorazoável’ é, para muitas pessoas, uma Justiçainacessível.1”

Como forma de abrandar esse angustiante problema, tornou-se

comum a aplicação indiscriminada da tutela cautelar como via alternativa

de solução de controvérsias, criando uma situação também inconveniente.

Restou evidente que, sem uma reforma de modo a tornar o processo mais

eficiente, a tutela estatal acabaria por perder a sua razão de ser.

Sálvio de Figueiredo Teixeira, então presidente da comissão revisora

da reforma, declarou:

“Foi-se o tempo do Judiciário dependente, encasteladoe inerte. O povo, espoliado e desencantado, está nele aconfiar e reclama sua efetiva atuação através dessagarantia democrática que é o processo, instrumento dajurisdição.É de convir-se, todavia, que somente procedimentosrápidos e eficazes têm o condão de realizar overdadeiro escopo do processo. Daí aimprescindibilidade de um novo processo: ágil, seguro emoderno, sem as amarras fetichistas do passado e dopresente, apto a servir de instrumento à realização da

1 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Sergio AntonioFabris Editor: Porto Alegre, 1988, p. 20-21.

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Justiça, à defesa da cidadania, a viabilizar aconvivência humana e a própria arte de viver”.2

A reforma do Código de Processo Civil tal como esperada, no

entanto, restou frustrada. Por mais de duas décadas, projetos foram

apresentados no Congresso Nacional. Admitindo-se que a reforma de todo

o Código Processual a um só tempo seria inviável, ou não traria os efeitos

desejáveis, optou-se, como definiu Dinamarco, a “uma tática de guerrilha e

não de uma guerra total”, efetuando-se as devidas modificações por partes.

Assim, os estudos originariamente levados a efeito por processualistas

pátrios como Calmon de Passos, Kazuo Watanabe, Joaquim Correia de

Carvalho Júnior, Luís Antônio de Andrade e Sérgio Bermudes, foram

retomados por juristas da lavra do ex-ministro Athos Gusmão Carneiro, de

Ada Pellegrini Grinover, Celso Agrícola Barbi, José Carlos Barbosa

Moreira, J. E. Carreira Alvim, Humberto Theodoro Júnior, Sérgio Sahione

Fadel, e pelo próprio Kazuo Watanabe.

Entre as diversas modificações introduzidas parceladamente no

Direito Processual Brasileiro Positivo, desde a Lei n. 8.455/92 (sobre a

prova pericial), passando pelas Leis n. 9.139, de 30/11/95 (do agravo) e n.

9.245, de 26/12/95 (sobre o procedimento sumaríssimo, hoje sumário),

podemos dizer que a mais avançada, a mais audaciosa foi, sem dúvida, a

Lei 8.952/94, que deu nova redação ao artigo 273, do Código de Processo

Civil, buscando a sistematização do instituto da antecipação de tutela.

2 FIGUEIREDO TEIXEIRA, Sálvio de. Estatuto da Magistratura e Reforma do Processo Civil. Belo Horizonte.Editora Del Rey, 1993, p. 26-27.

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2. A Antecipação de Tutela no Âmbito da Reforma Processual

Como já assinalamos, os reclamos da sociedade contra a morosidade

do sistema judiciário nacional, resultando em uma tutela jurisdicional

ineficaz ao tempo em que efetivada, forçou a uma reformulação das normas

processuais e do modo como o processo deve ser visto. No âmbito da

reforma operada, a Lei 8.952 de 31 de Dezembro de 1994, deu nova

redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil abrindo as portas para a

sistematização do instituto da antecipação de tutela ou, como Marinoni

prefere chamar, a tutela sumária satisfativa. Posteriormente, a Lei 10.444

de 7 de Maio de 2002 modificou seu §3o e acrescentou os §§ 6o e 7o ao

artigo 273 do Diploma Processual.

Pode-se dizer que o instituto da tutela antecipada, seus antecedentes

bem como seu objetivo, confundem-se com a própria reforma que lhe deu

origem. Como pondera José Roberto dos Santos Bedaque, “a reforma

operada no sistema processual brasileiro, especialmente no que se refere à

antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, teve o objetivo primordial

de colocar as coisas nos seus devidos lugares”.

Ensina o Mestre que o poder geral de cautela, conferido ao juiz pelo

artigo 798 do estatuto processual, que deveria representar mecanismo

excepcional de segurança, somente voltado para garantir o resultado útil do

processo naqueles casos em que não houvesse previsão cautelar específica,

passou a ser utilizado como técnica de sumarização da tutela jurisdicional

definitiva.

Assim, a disposição do artigo 273 do CPC, visou a regulamentação

de forma precisa do poder geral de cautela no que concerne às antecipações

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dos efeitos da tutela jurisdicional. A questão da antecipação de tutela avulta

em importância por que, como toda tutela de urgência, é fundada em

cognição sumária e implica, em maior ou menor grau, em limitação às

garantias constitucionais do processo. Dessa forma, é imprescindível que a

regulamentação da tutela antecipada leve em conta não apenas a

necessidade de conferir efetividade ao processo, mas também a

impossibilidade de reduzir a parte contrária a mero integrante da relação

processual, sem qualquer oportunidade de influir em seu resultado.3

Com a alteração, ampliaram-se inegavelmente, as oportunidades para

concessão da tutela antecipada que pode, preenchidos os requisitos

previstos, ser requerida em qualquer hipótese submetida ao conhecimento

comum ou especial, não mais se limitando aos casos específicos

anteriormente previstos. Da modificação do instituto, decorreu ainda o

aumento dos poderes do juiz, garantindo-lhe maior flexibilidade no sentido

de adequar expressões vagas, de conteúdo indefinido, encontradas na lei, às

situações da vida carentes de proteção urgente.

A possibilidade de antecipação da tutela, na visão de Sálvio de

Figueiredo Teixeira, “permitiu obstaculizar os sucessivos equívocos e

abusos ocorridos na prática com a cautelar inominada, com a qual, aliás,

não se confunde a tutela do artigo 273, afinal, era exatamente por falta de

mecanismos desse porte e desse alcance que prosperou no foro o chamado

abuso de cautelares. Com a sistematização e uso correto do instituto,

espera-se a correção da anomalia”.

3 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumária e de Urgência(tentativa de sistematização). Ed.: Malheiros Editores, 2001. p. 291.

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No mesmo sentido, manifestaram-se processualistas como Nelson

Nery Júnior para quem, com a instituição da tutela antecipada “dos efeitos

da sentença de mérito no direito brasileiro, de forma ampla, não há mais

motivo para que seja utilizado o expediente das impropriamente

denominadas “cautelares satisfativas”, que constituem em si uma

contradição, vez que as cautelares não satisfazem. Se a medida é

satisfativa, é porque, ipso facto, não é cautelar” 4.

Na verdade, ao lado destes ilustres juristas acima mencionados,

Kazuo Watanabe e Ovídio A. Baptista da Silva, figuram como ferrenhos

defensores da possibilidade de a tutela pretendida pelo autor ser prestada

liminarmente, total ou parcialmente. Talvez a declaração de Marinoni de

que a sistematização trazida pelo artigo 273, CPC, represente “único sinal

de esperança em meio à crise que afeta a Justiça Civil” seja um tanto

exagerada, mas certamente trata-se de um dos institutos de maior

relevância atualmente dentro do ordenamento processual.

4 NERY JÚNIOR, Nelson. Atualidades sobre o Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 52.

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CAPÍTULO II – A TUTELA ANTECIPADA

1. O Instituto

A tutela antecipada destina-se a acelerar a produção de efeitos

práticos do provimento, para abrandar o dano causado pela demora do

processo.

Trata-se, portanto, de um dispositivo que, provisoriamente, implica

satisfação do interesse material.

Prescreve o art. 273 do CPC:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, totalou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial,desde que, existindo prova inequívoca, se convença daverossimilhança da alegação e:I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou omanifesto propósito protelatório do réu.§1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modoclaro e preciso, as razões do seu convencimento.§2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houverperigo de irreversibilidade do provimento antecipado.§3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber econforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§4o e 5o, e 461-A.§4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada aqualquer tempo, em decisão fundamentada.§5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá oprocesso até final julgamento.§6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando umou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-seincontroverso.§7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requererprovidência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentesos respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráterincidental do processo ajuizado”.

Certamente o dispositivo traz consigo inúmeras nuanças e

características peculiares. Porém, numa primeira análise dos elementos

trazidos no bojo do referido artigo, poder-se-ia definir a tutela antecipada

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como um provimento que, a requerimento da parte interessada, poderá ser

concedido pelo juiz de modo a antecipar, total ou parcialmente, os efeitos

trazidos pela tutela definitiva pretendida na inicial.

Para isso, no entanto, em sede de cognição sumária, deve o juiz

concluir pela presença dos requisitos da prova inequívoca e

verossimilhança da alegação, bem como o fundado receio de dano

irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, fique caracterizado o abuso de

direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Denota-se também que o perigo de irreversibilidade da medida

pleiteada constitui óbice para a concessão da antecipação da tutela.

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2. Dos Requisitos para Concessão da Tutela Antecipada

Façamos pois, uma análise mais apurada de cada um dos requisitos

que devem ser observados para que a Antecipação de Tutela possa ser

concedida.

2.1 Prova Inequívoca e Verossimilhança da Alegação

Exige o artigo 273, caput, como requisito para concessão da

antecipação de tutela, a existência de prova inequívoca, suficiente para

convencer o juiz da verossimilhança da alegação.

Enquanto para a concessão de qualquer cautelar baste a

verossimilhança das alegações ainda que inexistente prova a respeito,

fundamentando-se a decisão do juízo na simples existência do fumus boni

juris, exige-se, para concessão da antecipação de tutela, não apenas a

fumaça do bom direito, mas a existência nos autos de conjunto probatório

suficiente a formar o convencimento do julgador.

Como assinala Humberto Theodoro Júnior5, a antecipação de tutela

não pode ser concedida com base em simples alegações ou suspeitas,

devendo estar apoiada em prova preexistente, ainda que não

necessariamente documental.

Obviamente, como ressalta Teori Albino Zavascki6, não se exige a

prova de verdade absoluta, pois não se trata de cognição exauriente, mas

sim que haja robustez capaz de, ainda que em sede de cognição sumária,

5THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, V. III. São Paulo, SARAIVA, 31° ed. , p.563.6ZAVASCKY, Teori Albino. Antecipação da Tutela, São Paulo, SARAIVA, 3° ed., 2000.

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convencer o juízo de que há uma segura medida de probabilidade de

verdade ante o direito reclamado.

Não se deve entender, portanto, a prova inequívoca como aquela

suficiente para o acolhimento do pedido, o que autorizaria não a

antecipação de tutela, mas o julgamento antecipado da lide. Nas palavras de

Marinoni, a denominada “prova inequívoca”, capaz de convencer o juiz da

verossimilhança da alegação, deve ser entendida como a prova suficiente

para o surgimento do verossímil, entendido como o não suficiente para a

declaração da existência ou não de determinado direito.

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2.2 Fundado Receio de Dano Irreparável ou de Difícil Reparação

Tal requisito, mencionado no inciso I do artigo 273, CPC, visa,

essencialmente, assegurar o resultado útil do processo. Esse requisito

relaciona-se diretamente com a existência de risco para a efetividade da

tutela jurisdicional. É a urgência que justifica a antecipação do provimento

final.

Entende Teori Albino, que:

“ o risco de dano irreparável ou de difícil reparação,que enseja a antecipação da tutela, é o risco concreto,que se apresente iminente no curso do processo, ou seja,atual, e ainda, grave, sendo que deve ser potencialmenteapto a fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmadopela parte. Dessa forma, se o risco, mesmo grave, nãofor iminente, não se justifica a antecipação da tutela,que é uma conseqüência lógica do princípio danecessidade”.7

A possibilidade de o autor vir a usufruir provisoriamente dos efeitos

do provimento final antes do momento procedimental próprio deve-se ao

perigo de que, se tiver que aguardar até o final do processo, fique

impossibilitado de fazê-lo. Nesse sentido, denota-se a natureza cautelar da

hipótese prevista no artigo 273 em seu inciso I.

Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, não se deve entender

por fundado receio, o simples temor subjetivo da parte, mas aquele que

surge de dados concretos, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo

de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de

prejuízo grave. Dessa forma, o simples inconveniente da demora processual

não autoriza a antecipação dos efeitos da tutela.

7 ZAVASCKI, op. cit. 4.

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2.3 Abuso do Direito de Defesa ou Manifesto Propósito Protelatório

do Réu

Enquanto na hipótese vislumbrada pelo legislador no inciso I do

artigo 273 verifica-se a necessidade de urgência na concessão da tutela

jurisdicional, o que justifica a antecipação de seus efeitos, na hipótese

prevista no inciso II a justificativa da antecipação em nada se relaciona

com o perigo concreto de dano.

Como aponta Bedaque, aqui temos uma situação que assemelha-se à

litigância de má-fé, regulada pelos artigos 16 e 18 do CPC.

Zavascki entende que “abuso de direito de defesa” e “manifesto

propósito protelatório do réu” são expressões que trazem conteúdos

distintos. O abuso de direito se referiria aos atos praticados pelo réu no

âmbito do processo para defender-se, por meio, por exemplo, de uma

defesa destituída de seriedade. Por outro lado, o manifesto propósito

protelatório do réu, englobaria as ações praticadas fora do processo como,

por exemplo, ocultação de provas, não cumprimento de diligências,

simulação de doenças.

Nesse caso, a antecipação dos efeitos da tutela não está ligada ao

perigo de dano concreto. Destina-se, tão somente, a agilizar o resultado do

processo, pois o direito afirmado pelo autor é verossímil, sendo reforçada

sua alegação, por uma defesa inconsistente apresentada pelo réu. Em outras

palavras, a existência do direito é provável não só pelos argumentos

deduzidos pelo autor, como por aqueles sustentados na defesa.

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Desse modo, o artigo 273, em seu inciso II, traz a noção de que é

injustificável que o autor deva aguardar o fim do processo, diante da

postura inadequada do réu, admitindo-se assim a antecipação dos efeitos da

tutela.

Cabe observar que mesmo que haja caracterizado o abuso do direito

de defesa, somente se justifica a antecipação da tutela se desse

comportamento, resultar atraso indevido na entrega da tutela. Assim, a

mera dedução de razões completamente infundadas não autoriza a

antecipação, que deve ser concedida quando imprescindível para assegurar

a efetividade do processo.

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2.4 Perigo de Irreversibilidade

Outra das condições impostas pelo legislador para concessão dos

efeitos da tutela e, como se verá, uma das que pode gerar mais polêmica, é

mencionada no §2o do artigo 273. Dispõe: “ não se concederá a

antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do

provimento antecipado”. Assim, caso a concessão da antecipação

inviabilize o eventual retorno ao “ status quo” , não se há de ser deferida. O

§4o do artigo 273, relaciona-se diretamente ao disposto no §2o ao dispor

que a tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer

tempo durante o trâmite do processo.

Pode-se dizer que tal medida tem por objetivo evitar o abuso da

providência, como ocorria com as cautelares inominadas.

A exigência legal da possibilidade de reversibilidade dos efeitos

gerados pela tutela antecipada está vinculada à necessidade de salvaguardar

o núcleo essencial do direito fundamental à segurança jurídica do réu.

Como bem aponta Humberto Theodoro Júnior, a necessidade de

valorização do princípio da efetividade da tutela jurisdicional não deve

servir de pretexto para a pura e simples anulação do princípio da segurança

jurídica. Adianta-se a medida satisfativa, mas preserva-se o direito do réu à

reversão do provimento, caso a final seja ele, e não o autor, o vitorioso no

julgamento definitivo da lide.

A irreparabilidade do prejuízo de quem pede a antecipação deve ser

examinada em face da possível irreversibilidade dos efeitos causados pela

medida. Muitas vezes, ao prejuízo irreparável, afirmado por quem pleiteia a

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tutela de urgência, se opõe a impossibilidade de retornar ao status quo em

caso de improcedência da demanda, o que, a princípio, ensejaria o

indeferimento da medida.

Assim, como veremos nos próximos capítulos deste estudo, por

vezes os requisitos para concessão da antecipação da tutela, dadas as

peculiaridades do caso concreto, tornam-se antagônicos entre si e, em

determinados casos, conflitam com os princípios basilares da própria

Constituição tornando-se imperativa uma atuação direta por parte do

magistrado.

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CAPÍTULO III – A TUTELA ANTECIPADA: CONFLITOS

1. Considerações Preliminares

Não existem normas perfeitas. Isso porque, ao criar as leis, o

legislador regula, de acordo com o conceito de Imputação de Kelsen, o

“ dever-ser” que se impõe sobre a conduta humana por meio da norma, que

por sua vez, tem caráter prescritivo. Assim, como aponta Miguel Reale8, o

legislador não se limita a descrever um fato tal como ele é, à maneira do

sociólogo, mas, baseando-se naquilo que é, determina algo que deva ser,

com a previsão de diversas conseqüências, caso se verifique a ação ou

omissão, a obediência à norma ou sua violação. Em muitos casos, no

entanto, a realidade das situações da vida cotidiana e os conflitos que delas

emergem mostram-se incompatíveis com as proposições estritamente

técnicas da lei que, mesmo quando provém do fato social anterior, não

atende, necessariamente, as necessidades do fato social presente ou futuro.

Sendo as relações humanas extremamente complexas, seria ingênuo

imaginar que o legislador pode ser capaz de criar fórmulas exatas capazes

de regular de modo absoluto a conduta humana, ou prever com certeza

todas as variáveis possíveis.

Assim, inevitável que surjam conflitos entre a letra fria da lei e o

caso concreto. Ante tal fato, ter a lei como absoluta seria relegar o direito a

uma ciência exata desvinculada da realidade social, causa primeira de sua

existência. Temos que a lei traça uma linha geral de conduta sendo que,

quando surgem os conflitos, caberá ao magistrado, que é aquele que tem

contato com a realidade do caso concreto, as decisões acerca da melhor

8 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24a edição. São Paulo: Saraiva, 1999.

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forma de aplicar a lei de maneira técnica e, ao mesmo tempo, distribuir

efetiva Justiça.

Por certo que o instituto da tutela antecipada, objeto deste estudo,

não seria exceção à regra e, assim, isento de constante conflituosidade. Na

verdade, observamos que referido dispositivo, face ao caso específico, pode

criar controvérsias tanto em relação aos próprios requisitos estabelecidos

para sua concessão como, destes, em relação à Constituição Federal.

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2. Dos Conflitos

Como já assinalamos superficialmente ao apreciar os requisitos que

ensejam a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, alguns critérios

estabelecidos como condição para deferimento de tal pleito podem, ante o

caso concreto, apresentar incompatibilidade entre si (como no caso do

conflito entre o perigo de dano irreparável e a irreversibilidade dos efeitos

da antecipação) e/ou com princípios outros consagrados no ordenamento

jurídico, inclusive na Constituição Federal (como a antecipação dos efeitos

da tutela face o devido processo legal).

Nos dois próximos tópicos, teceremos algumas considerações acerca

dos conflitos surgidos entre o instituto da tutela antecipada e os Direitos

Fundamentais e, em seguida, algumas das divergências havidas no âmbito

do próprio instituto.

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2.1 A Tutela Antecipada e os Direitos Fundamentais

De todo o exposto até o momento, podemos afirmar que a

sistematização do instituto da antecipação de tutela procurou garantir a

eficaz prestação de tutela jurisdicional prevista no artigo 5o, inciso XXXV,

da Constituição Federal. Há de se ter em conta, no entanto, que outros

princípios também são consagrados na Lei Maior, tais como no inciso LIV,

do artigo 5o que dispõe expressamente que “ ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, de onde decorre

que, se ao autor é garantida a eficaz prestação jurisdicional no sentido de

salvaguardar um direito ameaçado, ao réu é assegurado “ o contraditório e a

ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (artigo 5 o, LV, CF).

Ora, dada a cognição sumária em que se baseia a antecipação de

tutela, por vezes concedida liminarmente e inaudita altera pars, poder-se-ia

entender, numa primeira análise, que paira sobre o instituto a sombra da

inconstitucionalidade, uma vez que garante a Carta Magna que a privação

de um bem ou direito somente se dará após o regular exercício do

contraditório e da ampla defesa, mediante provimento jurisdicional

concedido após cognição exauriente.

O entendimento predominante na doutrina atualmente, no entanto, é

de que nada há de inconstitucional no dispositivo. Isso porque não se pode

entender a garantia ao acesso ao Poder Judiciário, por meio do processo, ou

mais propriamente, do devido processo legal, senão sob o prisma maior da

garantia de que dele se vá obter a tutela jurisdicional eficaz, de modo que

ninguém que se encontre na iminência de sofrer uma lesão a um direito, ou

ameaçado de sofrê-la, deixe de obter do Estado um provimento judicial

dotado de eficácia, de forma a garantir-lhe, numa última análise, a justiça

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perseguida. Nem que, para isso, se faça necessário, num primeiro

momento, o sacrifício da observância aos princípios do contraditório e da

ampla defesa.

Nesse sentido, discorre Humberto Theodoro Júnior:

“É claro que o princípio do contraditório não existesozinho, mas em função da garantia básica da tutelajurisdicional. Logo, se dentro do padrão normal ocontraditório irá anular a efetividade da jurisdição,impõe-se alguma medida de ordem prática para que atutela jurisdicional atinja, com prioridade, sua tarefa defazer justiça a quem merece.Depois de assegurado o resultado útil e efetivo doprocesso, vai-se, em seguida, observar também ocontraditório, mas já em segundo plano.(...)Assim, o que se faz, para harmonizar os dois princípiosfundamentais, é apenas uma inversão da seqüênciacronológica de aplicação de seus mandamentos.O juiz, porém, deve cuidar para que esta inversão nãose torne regra geral, pois dentro da garantiafundamental do devido processo legal e docontraditório, a garantia normal é a de que a agressãopatrimonial do Estado sobre a esfera jurídica da partevencida somente ocorra depois de percorrida atrajetória do procedimento com ampla discussão edefesa e, por conseguinte, após a formação da coisajulgada.Mas, se se torna necessária a inversão da seqüênciapara evitar que o titular do direito subjetivo se vejasonegado do acesso a uma tutela justa e efetiva dajurisdição, é claro que se pode e deve agir dentro dosmoldes do já anunciado poder de tutela antecipadaprevisto no art. 273 do CPC” 9.

9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela de segurança. In: Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 88, p. 9 1997

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Mesmo Calmon de Passos, que poderia ser considerado como um

dos mais cautelosos processualistas em relação ao instituto da antecipação

de tutela, admite que assim o seja. Ao refletir sobre a questão eficácia-

segurança jurídica, conclui:

“ Aqui, dois valores constitucionais conflitam. O daefetividade da tutela e o do contraditório e ampladefesa. Caso a ampla defesa ou até mesmo a simplescitação do réu importe certeza de ineficácia da futuratutela, sacrifica-se, provisoriamente o contraditório,porque recuperável depois, assegurando-se a tutela,que, se não antecipada, se faria impossível no futuro.Cuida-se de aplicação do princípio daproporcionalidade, que impõe o sacrifício de um bemjurídico, suscetível de tutela subsequente, em favor deum outro bem jurídico que, se não tutelado de pronto,será definitivamente sacrificado” 10.

Assim, optou-se por garantir a eficácia da prestação da tutela estatal

ainda que em detrimento, imediato, do contraditório e da ampla defesa.

Ciente das conseqüências práticas que a antecipação da tutela pode trazer à

vida dos litigantes, o legislador, ao sistematizar o instituto, estabeleceu

rigorosos critérios para sua concessão, buscando com isso viabilizar a

rápida prestação da tutela estatal, procurando comprometer ao mínimo as

garantias constitucionais do réu.

10 PASSOS, J. J. Calmon - Inovação no Código de Processo Civil, São Paulo-SP, 1995

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2.2 Dos Conflitos no Âmbito do Próprio Instituto

Tendo-se optado em primar pela eficiência da prestação da tutela

jurisdicional ainda que em detrimento imediato do devido processo legal, o

legislador buscou, ao enumerar as condições que ensejam a concessão da

antecipação de tutela, usar de critérios que garantam que o instituto

somente seja aplicado nos casos em que, realmente, esse sacrifício inicial

ao contraditório e a ampla defesa seja plenamente justificado.

Daí porque o dispositivo exige para sua concessão o preenchimento

de condições muito mais rigorosas do que as cautelares em geral, por

exemplo. Quando analisamos as condições impostas pelo legislador para

concessão da antecipação da tutela, observamos que uma das que

constituem garantia ao réu, é a da possibilidade de reversibilidade, a

qualquer tempo, da antecipação concedida.

Como bem ensina Bedaque, não se pode confundir a satisfatividade

com a irreversibilidade. A antecipação de efeitos reversíveis é satisfativa,

visto que proporciona à parte a possibilidade de usufruir antecipadamente

de seu provável direito. Isso não significa, no entanto, que a ratificação ou

não, dessa providência não se deva fazer por meio de tutela final. Nesse

sentido, o legislador ao regular o artigo 273 buscou, originariamente,

garantir a satisfação do autor sem, contudo, implicar na perda da

cautelaridade da medida que antecipa os efeitos da tutela, guardando esta,

suas características de provisoriedade e reversibilidade.

Como já vimos, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação é

causa que autoriza a concessão da tutela antecipada (artigo 273, inciso I,

CPC). Dessa forma, pode-se afirmar que o instituto guarda em si natureza

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cautelar. Ora, em determinados casos específicos, a antecipação dos efeitos,

destinada a garantir o resultado prático do processo acaba, ao satisfazer o

intento do autor, se tornando faticamente irreversível. Essa conseqüência

compromete a idéia de cautelaridade visto que seus efeitos não são

provisórios. Observe-se, portanto, surgir aí um conflito direto com a

exigência, também inserta no dispositivo, de que a antecipação seja

reversível (artigo 273, §2o , CPC), sob pena de a medida ser indeferida.

São vários os exemplos de situações cotidianas que colocam os

critérios legais do mesmo instituto em conflito uns com os outros. Como

forma de ilustrar essa situação, poderíamos mencionar o exemplo da

necessidade de transfusão de sangue, tida como tratamento adequado para

determinado paciente, mas que encontra oposição por parte dos parentes,

fiéis a uma religião que proíbe tal procedimento médico; da autorização

para que o filho viaje com um dos cônjuges, contra a vontade do outro; o

exemplo citado por Sérgio Bermudes, do caso da intervenção cirúrgica que

o pai pretende seja realizada no filho mas encontra oposição da mulher, que

prefere submetê-lo a tratamento por curandeira; ou ainda, os freqüente

litígios envolvendo planos de saúde, em que as empresas se negam a cobrir

as despesas hospitalares em razão do tipo de doença.

Como se denota dessas hipóteses, eventual antecipação de tutela,

destinada a garantir os efeitos práticos do processo, acaba se tornando

faticamente irreversível, de modo a violar critério estabelecido na lei.

Lembre-se, por exemplo, da autorização liminar para transfusão de sangue.

Uma vez obtida a antecipação pleiteada, qual o interesse no

prosseguimento do feito e na obtenção da sentença declaratória,

reconhecendo o direito ao autor de impor esse comportamento ao réu? Num

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caso como este, a urgência da medida sacrifica completamente a segurança,

tornando inútil o contraditório futuro.

Como resultado, forma-se um círculo vicioso no qual, ao procurar-se

minimizar os danos que eventual antecipação de tutela poderia causar ao

réu relativamente a seus direitos constitucionais, criou-se uma série de

requisitos legais tão rigorosos que, por vezes, ante o caso concreto,

terminam por conflitar-se entre si de modo que a própria aplicabilidade do

dispositivo se tornaria inviável se a lei fosse observada cegamente.

Chegamos pois ao ponto que é o objeto central deste estudo. Seja

ante a necessidade de garantir, face a antecipação dos efeitos da tutela, a

observância das garantias constitucionais, seja pela divergência entre os

critérios legalmente estabelecidos no âmbito do próprio instituto,

entendemos ser indispensável que o magistrado proceda, ante o caso

concreto, a um profundo juízo de valor quando da concessão da

antecipação da tutela, pautando-se, na dúvida, pelos princípios insertos na

própria Constituição Federal.

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CAPÍTULO IV – A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E O

MAGISTRADO

1. A Figura do Juiz no Processo

Como já mencionamos, a composição coativa dos litígios é função

privativa do Estado moderno. Cabe à figura do juiz, detentor do poder

jurisdicional, atuar no sentido de dizer o direito impondo às partes

litigantes a solução do conflito. O juiz é um agente do Poder Público

subordinado às restrições que lhe são impostas pela organização estatal que

tomou para si a função de julgar os conflitos sociais e delegou ao

magistrado a função de solucioná-los à luz do ordenamento vigente.

O exercício da jurisdição implica uma função de comando visando

distribuir a justiça e dirimir litígios para restabelecer a paz social e garantir

a ordem jurídica, através da coisa julgada. O poder judicial deve ser

encarado sob uma concepção democrática de Estado, onde se afasta um

conceito “pessoal” de poder para aceitar o de “investidura”, superior e

exterior à pessoa da autoridade. Deve o poder judicial, por isso, sofrer uma

limitação estatal, imposta em função da inviolabilidade da ordem jurídica.

Essa limitação está dentro da prudência do regime democrático, que é o da

legalidade estrita, que vê no respeito às normas a segurança do direito.

Humberto Theodoro Júnior preleciona sobre as funções do

magistrado dentro do processo. O legislador processual, a um só tempo põe

nas mãos do juiz poderes para bem dirigir o processo e deveres de observar

o conteúdo das normas respectivas. Assim, o juiz tem poderes para

assegurar tratamento igualitário entre as partes, para dar andamento célere

ao feito e para reprimir os atos contrários à dignidade da Justiça, ao passo

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que lhe é imposto o dever de despachar e sentenciar nas causas que lhe são

propostas, mesmo que haja lacunas ou obscuridade na lei (artigo 126,

CPC). Isso porque, estando privada a parte de fazer justiça com as próprias

mãos, em nenhuma hipótese é lícito ao juiz abster-se de prestar-lhe a tutela

jurisdicional, desde que pleiteada dentro dos cânones processuais

adequados11.

Dessa forma, poderíamos dizer que o legislador, como forma de

garantir a própria segurança jurídica, impôs ao magistrado o dever de, ao

conhecer da lide, observar o princípio da legalidade, ou seja, o dever de, ao

julgar, observar as normas legais existentes, pois o juiz não legisla, mas

aplica a lei em vigor.

No entanto, como já abordamos em capítulo anterior, diante da

complexidade das relações humanas, a lei não é absoluta e constantemente

entra em conflitos com o caso concreto. Como aponta Miguel Reale12, o

legislador, é o primeiro a reconhecer que o sistema de leis não é suscetível

de cobrir todo o campo da experiência humana, restando sempre grande

número de situações imprevistas, algo que era impossível ser vislumbrado

sequer pelo legislador no momento da feitura da lei. Para essas lacunas,

preocupou-se em incluir na lei, as hipóteses em que o juiz deverá julgar

socorrendo-se da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito,

reconhecendo a autonomia do juiz, o que por certo não se confunde com

arbitrariedade.

Deve-se ter em conta que o juiz não deve ser visto como um mero

aplicador da lei escrita, mas que esta, numa última análise, é um

11 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V. I. Editora Forense. Rio deJaneiro, 2000.12 REALE, op. cit. 8

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instrumento do qual o julgador se vale para exercer sua função de dirimir

os litígios, restabelecer a paz social e distribuir Justiça.

Como já vimos em tópico anterior, a lei não é perfeita, sendo que

mais comum do que imaginamos, se mostra incompatível com as situações

reais do cotidiano, devendo, nesses casos, o magistrado, no exercício da

função social que exerce, adequar o espírito da lei às necessidades dos

jurisdicionados. Entendemos pois, que embora os poderes do juiz não

sejam, e nem possam ser, absolutos e ilimitados, devem ser, dentro dos

limites que a lei permite, o mais amplos e genéricos possíveis.

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2. O Juiz face a Antecipação de Tutela

Sendo que, dada a natureza do instituto e as implicações que traz

consigo, a antecipação de tutela caracteriza forma diferenciada de atuação

jurisdicional, revestindo-se de excepcionalidade, maior deve ser a

prudência e o critério do magistrado ao deferir ou não a antecipação,

levando em consideração não só os interesses do autor, mas também as

razões invocadas pelo réu.

Os dispositivos legais estão repletos de termos vagos, abertos ou

indeterminados. Diante desse fenômeno, cresce sobremaneira o papel do

intérprete, a quem cabe adequar a letra da lei à realidade. Quanto maior a

indeterminação do conceito legal, mais relevante e delicada se apresenta a

função jurisdicional. A decisão, nesses casos, pressupõe grande liberdade

de investigação crítica do julgador, que a doutrina processual costuma

identificar, de maneira não muito precisa, como poder discricionário

atribuído ao juiz.

Ao fazer considerações a respeito dessa questão, nega Arruda Alvim

que o juiz tenha, diante de conceitos indeterminados, o poder de aplicá-los

discricionariamente. Para ele, a “larga margem de poder” conferida ao juiz

significa maior margem de interpretação, que não se confunde com o

fenômeno da discricionariedade.

No mesmo sentido argumenta Bedaque, para quem não temos, na

antecipação de tutela, o exercício do poder discricionário uma vez que o

juiz não concede ou deixa de conceder a antecipação por mera

conveniência ou oportunidade. O que existe é apenas uma maior liberdade

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no exame dos requisitos, dada a imprecisão ou divergência dos conceitos

legais.

Sobre a relevância do papel do magistrado, Paulo Emílio Ribeiro

Vilhena argumenta no sentido de que, “ as qualidades pessoais do juiz

avultam e se lhe exige maior acuidade, maior prudência, perceptível senso

comum, espírito bem balanceado e, por último mas não menos importante,

conhecimento jurídico, especialmente no que se refere aos princípios que

enfeixam a tutela dos diversos direitos materiais e aos princípios gerais e

especiais em que se assentam, e dinamizam as regras do processo. Não

bastam encômios à perfeição da regra técnica e aos resultados práticos a

que ela visa, cuja atuação não pode ser abstraída das aptidões e da

sensibilidade daquele que a vai aplicar – ou, melhor dizendo, daquele que,

aplicando-a, a aperfeiçoa”. 13

13 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro. “o juiz e a tutela antecipada”. Jornal do Magistrado 34. Encarte, abril 1996.

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3. Do Juízo de Valor Face os Princípios Constitucionais

É certo que o juiz não pode, ignorando a lei, valer-se da

discricionariedade ou da arbitrariedade ao julgar, sob pena de tornar-se o

magistrado uma ameaça à ordem jurídica da qual ele é o guardião primário.

Por outro lado, admitindo-se ser a lei imperfeita, tampouco pode o julgador

tornar-se um escravo da imperfeição que eventualmente dela emana, mas

sim o elo entre a lei e a realidade fática do caso concreto.

No caso da tutela antecipada, já apontamos que dada sua natureza

peculiar, não é incomum o conflito entre o caso concreto e os requisitos no

âmbito do próprio instituto bem como destes em relação à princípios

constitucionais.

Dessa forma, indispensável a atuação direta do magistrado quando da

apreciação dos elementos que se apresentam de modo a decidir pelo

deferimento, ou não, da antecipação. Entendemos que tal apreciação, ainda

que não possa ser discricionária ou arbitrária, deve ser, dentro da lei, a mais

livre possível.

Assim, como forma de manter-se a legalidade da atuação do juízo

bem como preservar sua liberdade no âmbito dessa atuação, temos que suas

decisões devem pautar-se, como já dissemos, levando-se em conta os

princípios consagrados pela Constituição Federal, isso porque todas as

normas devem ser banhadas pelos princípios constitucionais para que sejam

consideradas legítimas.

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A fim de ilustrar esse posicionamento, que nos parece o mais

razoável, retomemos os exemplos anteriormente declinados, em que se

verifica o conflito entre os próprios requisitos enumerados no artigo 273.

Imagine-se o quadro da necessidade de transfusão de sangue para

salvar a vida de determinado paciente e a oposição de seus parentes,

adeptos de religião que proíbe tal procedimento médico.

Por certo que neste caso, a concessão da antecipação da tutela

implica em virtual irreversibilidade dos efeitos, restando evidente a

divergência entre a reversibilidade dos efeitos como condição legal à

concessão da antecipação (artigo 273, §2o,CPC) e o requisito do fundado

perigo de dano irreparável (artigo 273, inciso I, CPC).

Surge então ao magistrado, ante o caso concreto, o desafio de pura e

simplesmente aplicar a lei indeferindo a antecipação por não estarem

preenchidos os requisitos legalmente previstos no dispositivo ou, com base

em princípios constitucionais como o da proporcionalidade, proceder ao

juízo de valor de tais requisitos e, sopesando os bens jurídicos em disputa,

corrigir a limitação imposta pela letra fria da lei deferindo a medida.

Parece-nos que a segunda hipótese seria a que mais corresponde ao

sentido de justiça, na medida em que, analisando-se corretiva e

valorativamente ante o caso concreto os requisitos para concessão da

antecipação de tutela, o magistrado priorizou a dignidade humana (art. 1o,

inciso III, CF) e o direito à vida (artigo 5o, caput, CF), atendendo às três

máximas do princípio da proporcionalidade, quais sejam: a adequação, a

necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

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Seja no caso acima mencionado ou hipóteses outras como a da

demolição de um prédio, tombado pelo patrimônio histórico, que ameaça

desabar, ou ainda da necessidade de amputação da perna de um paciente,

contra sua vontade, como única forma de salvar sua vida, em todos estes

casos e em muitos outros, o entendimento que vem se pacificando é o de

que o julgador não vai contra a lei quando julga fundado na Constituição

Federal. Ao contrário, tal conduta se torna necessária em determinados

casos, sob pena de inaplicabilidade do dispositivo.

No entender de Jonny Maikel dos Santos 14, Juiz de Direito e ex-

procurador do Município, para que “ essa interpretação corretiva,

valorativa e proporcional dos requisitos expressos no artigo 273, CPC

surta o efeito desejado, devem ser evitadas interpretações restritivas de

direitos constitucionais; sejam valorizadas exegeses que reconheçam a

inexistência de restrições ou direitos absolutos; sejam priorizados e

valorizados os princípios da dignidade humana e proporcionalidade, bem

como o direito à vida e a personalidade; sejam aplicadas às normas

processuais segundo os ditames constitucionais e sejam fundamentadas as

flexibilizações das normas processuais em cada caso concreto” .

Vale observar que há posicionamento na doutrina que entende que a

concessão do provimento da antecipação de tutela não consiste em

liberalidade da Justiça. Entendem alguns juristas que é direito do cidadão,

que não pode ser negado quando presentes os seus pressupostos, como

também não deve ser concedido quando ausentes os requisitos de sua

admissibilidade. Assim, seria incabível, por parte do magistrado, a

realização de juízo de valor na forma como suscitamos.

14 In http:// conjur.uol.com.br/textos/23692/

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Em que pese a opinião daqueles que sustentam tal posicionamento,

entendemos que restou suficientemente demonstrado que a lei, por si só,

nem sempre satisfaz a contento as peculiaridades do caso concreto, de

modo que não pode a lei escrita tolher a liberdade do juiz de apreciar e

avaliar a existência das hipóteses de cabimento da antecipação da tutela,

ainda mais quando o faz à luz da Constituição.

Ao decidir um caso concreto, o juiz escolhe a regra que se aplica

àquela situação, e mais, fixa o seu conteúdo, dentre inúmeras

possibilidades. Por mais simples que seja uma norma jurídica, a sua

aplicação exige um processo pelo qual seja extraído de seus signos, de seus

termos, um significado. Esse processo de compreensão do significado das

normas para a resolução de uma questão concreta denomina-se

interpretação. No caso de um dispositivo da natureza da antecipação de

tutela, não admitir esse processo de interpretação face o caso que se julga

seria, a nosso ver, um erro.

Temos que a interpretação, e o juízo de valor na qual se baseia, se

coloca como parte integrante do direito, pois viabiliza a aplicação das

normas gerais a uma situação particular, ou seja, à efetiva realização do

direito. A norma, por si, como já assinalamos, é um dispositivo inerte.

Necessita da intervenção humana para que sirva como uma razão para agir,

para a tomada de decisão por parte daquela autoridade responsável por

resolver o conflito. As normas jurídicas desempenham, por sua vez, um

papel essencial nos sistemas jurídicos contemporâneos. Em uma das

conceituações mais aceitas neste século, as normas jurídicas aparecem

como o elemento básico pelo qual os sistemas jurídicos contemporâneos

são reconhecidos. Para Kelsen15 o direito é concebido como um sistema de

15 KELSEN ,Hans. Teoria Pura do Direito, Coimbra, Armênio Amado Editor, 1976.

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normas que regula a conduta humana. Esse sistema é composto de forma

hierárquica, de maneira a que cada norma retira a sua validade de uma

norma superior. No ápice dessa pirâmide encontra-se uma norma hipotética

fundamental, que valida todas as demais normas. Através dessa abstração

Kelsen isolou o direito, bastando para conhecê-lo compreender as diversas

normas que o compõe. Não há necessidade de se indagar sobre os valores

ou sobre os fatos que legitimam ou sustentam o direito. Basta conhecer as

regras.

Kelsen admite, no entanto, que a aplicação das normas aos casos

concretos demanda por uma intervenção humana, muitas vezes desprezada

pelos doutrinadores, como se o processo pelo qual uma norma abstrata se

transforma em uma decisão concreta fosse automática, realizando-se

mecanicamente. O positivismo de Kelsen não pode ser confundido com o

formalismo do século XIX, que foi o alvo da investida realista, embora

aponte que os sistemas jurídicos contemporâneos são a realização do ideal

de governo das leis (no sentido de regras), que se busca desde a

antigüidade. Sem recorrer ou refutar a psicanálise, Kelsen sustenta a

integridade do sistema jurídico, como governo das leis, apesar de estar

consciente de que as decisões individuais não são uma pura aplicação dos

preceitos gerais e abstratos da lei. Para Kelsen as normas jurídicas gerais

funcionam como uma moldura dentro da qual há várias possibilidades de

aplicação. Quando o magistrado escolhe um desses sentidos autorizados

pela norma não está agindo discricionariamente, mas sob aquela esfera de

competência que lhe foi reservada pelo próprio direito. Assim o direito não

é formado simplesmente por normas gerais e abstratas, mas também por

normas concretas de aplicação das normas gerais e esse trabalho é atribuído

aos magistrado. Kelsen também critica o que chama da teoria tradicional,

por entenderem os formalistas que a norma abstrata oferece condições para

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que o aplicador do direito reconheça nela a única resposta que deve ser

dada ao caso sob julgamento, como se fosse possível realizar a justiça do

direito positivo. Alerta que não há qualquer método - capaz de ser

classificado como de Direito positivo - segundo o qual, das várias

significações verbais de uma norma, apenas uma possa ser destacada como

correta. A decisão do magistrado será sempre uma decisão política, pois

assim como o legislador age politicamente ao elaborar uma lei que

complemente a constituição, o magistrado ao manifestar a sua decisão

estará, num patamar inferior, implementando a lei. Obviamente que esse

espaço dado ao legislador para elaborar a norma geral, ou ao magistrado

apara emanar uma norma concreta, é limitado pelas normas que lhe são

gradativamente superiores, culminando na Constituição Federal.

Nessa linha de raciocínio, entendemos que o juiz, enquanto aplicador

da lei positivada, ao exercer um juízo de valor quando da aplicação desta

lei, não está, de modo algum, exorbitando de suas função, mas na verdade,

procedendo da maneira que se esperaria ao cumprir com sua função social

ao proferir o direito e distribuir justiça.

Zavascky16 aponta como premissas de natureza constitucional a

nortear o juízo de valor quando da concessão da antecipação dos efeitos da

tutela:

1. o princípio da necessidade, segundo o qual a

regra de solução (que é limitadora de direito fundamental), somente

será legítima quando for real o conflito, ou seja, quando efetivamente

não for possível estabelecer um modo de convivência simultânea dos

direitos fundamentais sob tensão;

16ZAVASCKY, Teori Albino. Antecipação da Tutela e Colisão de Direitos Fundamentais, AJURIS nº 64, págs. 395

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2. o princípio da menor restrição possível ou da

proibição de excessos, associado ao da proporcionalidade, segundo o

qual a restrição a direito fundamental, operada pela regra de solução,

não poderá ir além do limite mínimo indispensável à harmonização

pretendida;

3. o princípio da salvaguarda do núcleo essencial,

segundo o qual não é legítima a regra de solução, que a pretexto de

harmonizar a convivência entre direitos fundamentais, opera a

eliminação de um deles, ou lhe retira a sua substância elementar;

4. o princípio da segurança jurídica;

5. o princípio da necessidade, que não permite o

abuso de direito;

A análise de cada um desses princípios, entre outros, não é prevista

expressamente na lei. Trata-se de uma atividade que o magistrado

desenvolve quase que automaticamente ao decidir e julgar, sendo que não

pode a lei, impedi-lo de assim proceder.

Quando a sumariedade inerente ao provimento da antecipação da

tutela se torna incompatível com as garantias de segurança do processo,

deve incidir o princípio da proporcionalidade, o que implicará no sacrifício

do valor menos relevante. Quem, senão o magistrado, está apto a fazer tal

julgamento?

Na verdade, cabe ao magistrado, diante da situação concreta, optar

pela exigência ou não de prestação de caução para deferimento da

antecipação da tutela. Não seria este um juízo de valor aplicado pelo

magistrado?

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Entendemos pois que, quando indispensável o juízo de valor, por

exigência das particularidades do caso concreto, não há maior segurança de

legalidade do que as decisões judiciais pautadas pelo espírito que permeia a

Constituição17, sem que tal juízo possa ser considerado como discricionário

ou mesmo arbitrário.

A idéia de que os juizes em casos difíceis, que envolvem a

interpretação de termos abertos, inevitavelmente decidem de forma

discricionária, afirmada e reafirmada pelo realismo e pelo positivismo

jurídico, foi surpreendentemente refutada por Ronald Dworkin18, em 1967.

O projeto de Dworkin foi construir uma teoria da adjudicação que não

deixasse espaço para discricionariedade judicial, ao menos no sentido

admitido por Kelsen.

Inicia sua argumentação elaborando uma crítica ao positivismo. Ao

seu ver a conceitualização do direito como um sistema de regras, ainda que

elaborada de forma extremamente sofisticada, a partir do estabelecimento

de uma regra de reconhecimento que confere validade a todas as demais, é

insuficiente para compreender o fenômeno jurídico como um todo, gerando

distorções como a teoria da discricionariedade judicial.

Para Dworkin, quando os advogados debatem e os juizes decidem

casos difíceis, que envolvem questões abstratas sobre direitos e obrigações,

eles também fazem uso de critérios que não são propriamente regras, mas

princípios e “ policies”. Por policies entenda-se políticas, metas a serem

atingidas pelo governo, geralmente para a melhoria de algum aspecto

17 Espírito esse que vem consignado no Preâmbulo da Constituição de 1988 onde se busca garantir “umEstado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, asegurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de umasociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia’18 DWORKIN, Ronald. Models of Rules, originalmente publicado pela University of Chicago Law Review, em 1967

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econômico ou social da comunidade. Princípio são critérios que devem ser

observados pelos magistrados, não em função da melhoria ou avanço de

uma determinada situação econômica, política ou social tida como

desejável, mas porque constituem uma exigência de justiça ou equidade ou

alguma outra dimensão da moralidade. Essa distinção muita vezes pode

ficar obscurecida, pois, princípios podem ser articulados através de

políticas públicas e vice-versa. O fato a ser destacado é que se o direito for

entendido apenas como sistema de regras, os princípios e as políticas, serão

desprezados pelas teorias do direito como elementos que fazem parte do

sistema jurídico. Ao trazer os princípios para o sistema jurídico e,

consequentemente, à tarefa desenvolvida pelo magistrado, Dworkin busca

demostrar que o espaço deixado ao julgador não é tão amplo como

pretendem os realistas ou positivistas, e que o fato dos juizes se utilizarem

de outros critérios, que não apenas regras, na aplicação do direito, não

significa que estejam agindo discricionariamente, mas apenas aplicando

elementos estruturantes do sistema jurídico, que não se confunde com seus

próprios valores.

Regras e princípios funcionam diferentemente. As regras são

normalmente aplicadas de forma peremptória, num tudo-ou-nada. Dados os

fatos, as regras devem ser aplicadas de forma implacável, consideradas as

exceções por elas próprias estabelecidas. Os princípios, por sua vez,

contam como razões que devem levar o juiz a uma determinada decisão,

mas não exigem uma única conclusão . Diferentemente das regras não são

razões determinantes, pois podem haver outros princípios que apontem em

direção oposta. Quando se diz que um princípio faz parte do direito, o que

se pretende, é que ele seja levado em conta por aquele que tem a

responsabilidade de tomar a decisão. Ao julgador cabe avaliar o peso do

princípio, de que forma ele pode cooperar na compreensão do sentido que

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deve ser dado a uma determinada norma, e como, num caso concreto,

princípios concorrentes devem ser harmonizados. Enquanto as regras são

aplicáveis ou não a um determinado caso, os princípios são mais ou menos

importantes àquele caso. Na hipótese de conflito entre normas, apenas uma

delas deverá ser aplicada: aquela de hierarquia maior, ou, no caso de

normas da mesma posição hierárquica, aquela que uma regra superior

determinar. Já em relação aos princípios, os conflitos devem ser resolvidos

por intermédio de uma ponderação a respeito da sua importância, do seu

peso, para a solução do caso específico.

Muitas vezes um dispositivo jurídico pode ser tratado tanto como

uma regra quanto como um princípio. Os resultados dessa distinção serão

muito grandes. Dworkin exemplifica essa questão a partir da primeira

emenda à Constituição americana. Dispõe a referida emenda que O

Congresso não deve fazer qualquer lei que limite, entre outras coisas, a

liberdade de expressão. Caso interpretada como regra, a primeira emenda

se transforma num dispositivo absoluto, que impediria, inclusive, a punição

de crimes de palavra. Caso interpretada como princípio, outros valores

como a integridade ou privacidade devem também ser levados em

consideração e sopesados face ao princípio da liberdade de expressão. O

trabalho do magistrado é avaliar qual ou quanto de cada um dos princípios

deve prevalecer na apreciação de um caso concreto.

Nesse sentido os juizes não decidem casos difíceis de forma

discricionária, pois apesar da lei (regra) muitas vezes não conter todos os

elementos para a tomada de decisão, o direito oferece outros critérios que

também compelem o magistrado. Não há uma liberdade total, onde o

magistrado decide a partir de valores externos ao direito que na maioria das

vezes são os seus próprio, mas uma esfera carregada de princípios (que

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pertencem ao sistema jurídico) que limitam e impõem um determinado

sentido às decisões judiciais. É dentro dessa esfera que se deve decidir.

Caso haja discricionariedade, essa ocorre apenas num sentido fraco.

Dworkin não aceita, dessa forma, a proposição dos positivistas de que toda

norma aberta é na realidade um convite para que os juizes exercitem suas

próprias escolhas. Ao invés de se buscar controlar a discricionariedade por

intermédio da regulamentação e detalhamento minucioso de como devem

se comportar os agentes do Estado, tradicional ao direito administrativo,

busca-se densificar o ambiente decisório a partir dos princípios.

Estar limitado pelo direito significa uma obrigação de levar em

consideração não apenas os limites traçados pelas normas, mas também os

princípios que ordenam esse mesmo direito.

Dworkin oferece um exemplo bastante elucidativo. Um sargento

recebe uma ordem para escolher os cinco homens mais experientes para a

realização de uma missão. Se é certo que a liberdade de escolha recai sobre

o sargento, a sua decisão está, no entanto, limitada pelo fato de que ele

deve escolher apenas os cinco homens mais experientes. O termo

experiente embora transforme a ordem numa norma de caráter aberto, pois

atribui à terceiro a tarefa de escolha, tem um conteúdo que deve ser

respeitado. O senso de que o sargento está obrigado à escolha dos cinco

soldados mais experientes, é que faz o seu espaço de decisão um espaço

delimitado, e não discricionário, no sentido forte do termo. Pois o termo

experiente é o critério que, no caso, integra a ordem e que deve ser levado

em consideração.

Da mesma forma, ao aplicar normas de textura aberta, os juizes

estarão obrigados por princípios que integram o direito. Por mais difícil que

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seja a tarefa intelectual do magistrado para encontrar e balancear os

princípios que são relevantes para a solução do caso, é sua obrigação fazê-

lo. Princípios direcionam a decisão para um sentido, embora de forma não

conclusiva, sobrevivendo mesmo que não prevaleçam.

O juiz deve decidir conforme a direção indicada pelo princípio ao

qual ele se veja obrigado, da mesma forma que se vê obrigado a aplicar

uma regra. Ele pode, é claro, estar errado na escolha dos princípios, mas

também pode estar errado no seu julgamento sobre a regra que deve ser

aplicada. A mera possibilidade de erro não significa a existência de uma

esfera de discricionariedade. A obrigação de decidir conforme a lei, e na

penumbra, conforme os princípios morais que integram o direito, afasta a

idéia criada pelos realistas de que o direito é aquilo que os juizes

determinam. Para Dworkin, mesmo quando nenhuma regra estabelecida

regula o caso, uma das partes tem mesmo assim o direito de vencer.

Permanece a obrigação do juiz, mesmo em casos difíceis, descobrir quais

são os direitos das partes, e não inventar novos direitos retrospectivamente.

Há assim a necessidade de se buscar uma resposta correta, que se encontra

dentro do direito.

Tendo os princípios conteúdo moral, que envolvem questões de

justiça e equidade, Dworkin entende que os juizes não só podem como

devem e, de fato, realizam investidas na esfera do debate moral, afim de

decidir casos concretos. Cláusulas abertas da constituição, como a do

devido processo legal ou da igualdade, remetem o magistrado,

obrigatoriamente, à esfera dos conceitos morais. Nesse sentido, qualquer

tribunal ou juiz envolvido no julgamento de causas que implicam na

aplicação dos direitos fundamentais teria obrigação de fazer julgamentos

morais.

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No caso da tutela antecipada, como exaustivamente discorremos, é

inegável que dada sua natureza, que implica sempre, por menor que seja,

em sacrifício de valores constitucionais, nada como a necessária apreciação

do magistrado sopesando esses mesmos princípios, como forma de servir

ao direito e à Justiça.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É impossível negar a importância do instituto da antecipação de

tutela dentro do atual ordenamento processual brasileiro.

De qualquer maneira, temos que o instituto não deve ser visto como

uma “tábua de salvação” para as mazelas que afligem o Judiciário

Brasileiro bem como as normas processuais que integram o ordenamento.

A tutela antecipada, a nosso ver, é um instrumento paliativo e excepcional.

Não concordamos com o posicionamento daqueles que entendem que a

antecipação de tutela, uma vez preenchidos os requisitos previstos na lei,

consubstancia-se num direito da parte.

Uma vez que implica, especialmente no caso de ser concedida

liminarmente ou inaudita altera pars, em sacrifício de um contraditório

equilibrado e da ampla defesa, garantias indispensáveis dentro de um

Estado Democrático de Direito, tal dispositivo deve ser aplicado com

especial cautela e moderação.

Nosso entendimento é de que o magistrado não pode ficar preso a

limitações impostas por legislação infra-constitucional quando há em jogo

direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstas.

Demonstramos que por vezes, ante o caso concreto, a antecipação da

tutela implicaria na perda de seu caráter de provisoriedade, de modo que

restou comprovado que os requisitos enumerados pelo legislador como

condição para antecipação da tutela não podem ser considerados de

maneira absoluta haja visto que, muitas vezes, são inadequados face o caso

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submetido ao julgamento, de modo que o juiz deve ser livre para formar

seu convencimento e decidir pela concessão ou não do provimento,

suprindo eventuais lacunas da lei.

Ao questionarmos a aplicação puramente esquemática do preceito da

lei à situação da vida, propondo-se tanta autonomia quanto for possível ao

magistrado, o leitor poderia se indagar se estamos a defender o chamado

“Direito Alternativo”.

Esclareça-se, portanto, que não, embora a linha entre nosso

posicionamento e o daqueles que defendem tal corrente possa, numa

primeira análise, parecer tênue. Na verdade, nossos entendimentos

aproximam-se no sentido de que os defensores do direito alternativo

consideram ser necessária uma conscientização do jurista acerca da

hermenêutica das normas que consubstanciam o ordenamento jurídico

estatal, demonstrando a necessidade de uma interpretação teleológica da

lei, atrelada aos valores de justiça e eqüidade.

No entanto, as semelhanças logo findam. Os alternativistas

propugnam tamanha liberdade aos magistrados quando do julgamento das

lides que estes poderiam, face o caso concreto, ignorar a lei ou até mesmo

julgar contra legem. Dessa forma, não coincide o direito alternativo com a

legalidade do Estado, o que vai contra o raciocínio por nós esboçado ao

longo deste estudo.

Na verdade, jamais defendemos que as decisões do juiz pudessem ser

tomadas de maneira arbitrária, sem a devida motivação ou além dos limites

traçados pela lei.

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O que defendemos, é que o juiz seja livre para julgar e formar seu

convencimento, suprindo eventuais lacunas da legislação, mas sempre à luz

das disposições e princípios constitucionais, por ser esta a norma máxima

de nosso ordenamento e aquela que melhor traduz o espírito que permeia as

demais leis.

A atuação humanística do juiz, ciente de sua função social, em

hipótese alguma o afasta da técnica legal, mas apenas a complementa e a

aproxima de sua razão última que é, justamente, solucionar de maneira

justa os conflitos que permeiam as relações humanas.

Assim, ao apreciar a legislação à luz dos preceitos da Constituição

Federal, seja relativamente ao dispositivo da antecipação de tutela como

qualquer outro, o juiz desempenha função de incomensurável importância,

donde avulta sua responsabilidade como agente aplicador do direito e

distribuidor de Justiça.

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REVISTA Consultor Jurídico. 29 de dezembro de 2003. Disponível em

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