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UNIDADE II – COSMOLOGIA AULA 5 – COSMOLOGIA: DAS ORIGENS A NEWTON OBJETIVOS: Ao final desta aula, o aluno deverá: ter noções do desenvolvimento histórico das teorias cosmológicas até a revolução científica do século XVII. 1 INTRODUÇÃO A cosmologia é a área do conhecimento humano voltada para a compreensão das propriedades do universo como um todo. A natureza fundamental e abrangente da cosmologia implica que este tenha sido um campo fértil para análise em diferentes povos e culturas e em diferentes períodos. E é, também, devido à sua complexidade e abrangência, que a cosmologia foi capaz de atrair a atenção e a investigação de tantos pensadores e cientistas, que produziram trabalhos tão diversos entre si e com tantas ênfases distintas. Questões de cunho cosmológico já aparecem nas mais antigas inscrições que sobreviveram até nossa época, ou seja, povoam todo o curso da história. Podemos imaginar que a humanidade pré-histórica também se questionasse sobre a estrutura e a origem do universo. De forma geral, as cosmologias mais primitivas são formadas pelas observações de como o mundo funciona em pequena (objetos do dia a dia, animais e seres humanos) e em grande (Sol, Lua e demais objetos celestes) escala, acoplados por mitos de criação. A evolução dos conceitos relacionados à cosmologia conta, de certa forma, a evolução tanto da mecânica celeste, ou seja, dos modelos físicos e matemáticos que permitem descrever e prever o comportamento dos astros no céu, quanto da ciência em geral e da própria cultura, tanto religiosa como secular, das civilizações nas quais se desenvolveu. 2 COSMOLOGIA MESOPOTÂMICA E EGÍPCIA As mais antigas fontes escritas das quais podemos falar em cosmologia são provenientes da Mesopotâmia e do Egito. As cosmologias dos diferentes povos

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UNIDADE II – COSMOLOGIA

AULA 5 – COSMOLOGIA: DAS ORIGENS A NEWTON

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:

� ter noções do desenvolvimento histórico das teorias cosmológicas até a

revolução científica do século XVII.

1 INTRODUÇÃO

A cosmologia é a área do conhecimento humano voltada para a

compreensão das propriedades do universo como um todo. A natureza fundamental

e abrangente da cosmologia implica que este tenha sido um campo fértil para

análise em diferentes povos e culturas e em diferentes períodos. E é, também,

devido à sua complexidade e abrangência, que a cosmologia foi capaz de atrair a

atenção e a investigação de tantos pensadores e cientistas, que produziram

trabalhos tão diversos entre si e com tantas ênfases distintas.

Questões de cunho cosmológico já aparecem nas mais antigas inscrições que

sobreviveram até nossa época, ou seja, povoam todo o curso da história. Podemos

imaginar que a humanidade pré-histórica também se questionasse sobre a

estrutura e a origem do universo. De forma geral, as cosmologias mais primitivas

são formadas pelas observações de como o mundo funciona em pequena (objetos

do dia a dia, animais e seres humanos) e em grande (Sol, Lua e demais objetos

celestes) escala, acoplados por mitos de criação. A evolução dos conceitos

relacionados à cosmologia conta, de certa forma, a evolução tanto da mecânica

celeste, ou seja, dos modelos físicos e matemáticos que permitem descrever e

prever o comportamento dos astros no céu, quanto da ciência em geral e da

própria cultura, tanto religiosa como secular, das civilizações nas quais se

desenvolveu.

2 COSMOLOGIA MESOPOTÂMICA E EGÍPCIA

As mais antigas fontes escritas das quais podemos falar em cosmologia são

provenientes da Mesopotâmia e do Egito. As cosmologias dos diferentes povos

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mesopotâmicos são semelhantes entre si, e guardam semelhanças também com a

cosmologia egípcia.

2.1 Mesopotâmia

A Mesopotâmia compreende a região do Oriente Médio entre os rios Tigre e

Eufrates, grosseiramente correspondendo ao moderno estado do Iraque. Nessa

região, floresceram diversos povos, desde os Sumérios em torno de 5000 a.C.,

passando pelos Amoritas, ou babilônicos, em torno de 2000 a.C., até os Caldeus,

ou neobabilônicos, cujo império encerrou-se em 539 a.C. com sua incorporação ao

império Persa. Diferentes povos, diferentes culturas, mas uma estrutura

cosmológica semelhante em todos eles: o universo é um lugar habitado por deuses

antropomórficos, conforme os mitos de criação atestam, dentre cujas realizações

está a criação do homem, para servir aos deuses e livrá-los do trabalho pesado. A

história dos deuses em si envolve e explica, em parte, os fenômenos celestes.

Um item de importância fundamental para a cosmologia mesopotâmica era a

água. O universo inteiro e todos os escalões de deuses e deusas eram resultado

Figura 5.1: Mapa da região da Mesopotâmia, berço da civilização babilônica. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mesopotamia.PNG

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direto ou indireto de um oceano primordial, que existiu por todo o sempre. A

porção seca que surgiu a partir desse oceano primordial consistia no céu e na terra,

originalmente unidos. Posteriormente, segundo a mitologia suméria, os deuses do

céu e do ar teriam separado entre si o céu e a terra, surgindo uma atmosfera entre

ambos (o que, por si só, correspondia a uma divindade); para os babilônicos, céu e

terra foram formados a partir do corpo morto de uma divindade. A água do oceano

primordial circunda todo o universo: é a abóbada celeste, sólida, que impede as

águas desse oceano de cair sobre a terra. A abóbada celeste, por sua vez,

repousava sobre a terra, que tinha o formato de um disco de uma certa espessura.

Os corpos celestes correspondem a regiões mais brilhantes da atmosfera – com

exceção do Sol e da Lua, que são associados a deuses antropomórficos. Um

aspecto interessante da “mecânica celeste” babilônica é que dia e noite precedem a

criação do Sol, o que mostra que os babilônicos entendiam dia e noite como

manifestações intrínsecas de um aspecto do universo, não como causados

diretamente pela posição do Sol em relação ao horizonte. Essa característica é

compartilhada por mitologias oriundas de áreas próximas à Mesopotâmia, como a

judaico-cristã, conforme mostram os primeiros capítulos do Gênesis bíblico.

O aspecto “final” da cosmologia mesopotâmica era um conjunto de terras e

de céus envolvendo a região que viria a ser habitada pelos humanos. O movimento

dos astros no céu, em última análise, representa o movimento físico das diferentes

divindades.

2.2 Egito

A cosmologia egípcia também compreendia uma espécie de oceano

primordial, associado a um total estado de desordem amorfa, no interior da qual

havia a porção seca. A porção seca era mantida por uma figura divina feminina,

que se curvava por sobre a terra, protegendo-a. Separando o céu e a terra, ambos

personificados por deuses, havia a atmosfera, personificada por uma terceira

divindade, de forma semelhante à mitologia mesopotâmica. O deus associado ao

Sol teria surgido do oceano primordial por um ato de sua própria vontade, dando

origem ao mundo e a todos os demais deuses e criando uma ordenação no caos

primordial. A manutenção da ordem no mundo, acreditavam os egípcios, era uma

tarefa tanto dos seres divinos quanto dos humanos.

O ciclo de dias e noites, segundo a mitologia egípcia, consiste no movimento

do deus-Sol, acima do horizonte durante o dia, e no mundo subterrâneo, abaixo da

porção seca, à noite, formando um ciclo de morte e renascimento diários. A

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perpetuação do ciclo diurno era sinal da manutenção da ordem no mundo, assim

como o ciclo das fases da lua e o ciclo das enchentes do rio Nilo.

3 DA GRÉCIA ANTIGA À ERA MEDIEVAL

Os gregos tinham seus próprios mitos de criação, envolvendo divindades que

criaram pela sua vontade o mundo visível. Alguns aspectos da mitologia grega

encontram correspondência com os egípcios e babilônicos, e a cosmologia grega

mais antiga era baseada nesses mitos. Porém, a postura investigativa dos

pensadores gregos produziu modelos cosmológicos que resultaram em grandes

avanços na compreensão do mundo. A ciência grega, mais do que qualquer outra

na época, baseava-se na análise sistemática dos eventos visando, através do

raciocínio dedutivo e indutivo, determinar regras simples e universais para explicar

os fenômenos naturais. Para isso, os pensadores gregos utilizavam a lógica e a

matemática, em conjunção com informações empíricas sobre os fenômenos que

pretendiam analisar. A ciência grega era, portanto, racionalista e secular (não se

baseava diretamente em mitos de criação ou influência divina).

3.1 A filosofia pré-socrática

Figura 5.2: Mapa da região do Egito. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Egypt-CIA_WFB_Map.png

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Os primeiros filósofos gregos dedicaram-se a compreender a natureza física

do mundo. O filósofo Tales de Mileto propunha que a natureza fundamental de

todas as coisas era composta por um único “princípio”: a água. O mundo se origina

da água, e pela sua própria natureza assume diferentes qualidades em diferentes

circunstâncias, produzindo a variedade de substâncias observadas. A Terra teria

sido formada a partir da condensação de uma vasta porção de água, sobre a qual

viria a flutuar. A elaboração de uma cosmologia na qual nenhuma entidade divina

era invocada marca um contraste com as cosmologias mais antigas.

Anaximandro e

Anaxímenes de Mileto, ambos

sucessores de Tales, também

defendiam a ideia de um

elemento fundamental, que

seriam o ar, para

Anaxímenes, e um elemento

de origem indefinida, eterno

e infinito, para Anaximandro.

Para Anaxímenes, os

elementos água, terra e fogo

eram produzidos por diferentes graus de rarefação do ar; a Terra consistia num

disco que flutuava no ar, enquanto as estrelas eram rarefações de ar (fogo) que se

ergueram da superfície da Terra. Entre os pensadores contrários à teoria de que o

ar era o elemento fundamental estava Demócrito (segunda metade do século V

a.C.), que propunha que toda a matéria no universo consistia em infinitos

elementos muito pequenos e indivisíveis, separados entre si pelo vazio, os átomos.

Anaximandro produziu um modelo mecânico para o universo no qual a

Terra, em vez de flutuar sobre uma superfície de água (como propunha Tales),

estaria em repouso no centro do universo, não sendo necessário nenhum suporte.

Além disso, a Terra seria um cilindro, e o mundo habitável estaria situado sobre

uma de suas bases.

Pitágoras de Samos enfatizou o ordenamento aparente do universo e

considerou que esse ordenamento se enraizava na natureza dos números. Pitágoras

elaborou, assim, uma teoria de que os objetos celestes se moviam de acordo com

um ordenamento numérico que produzia uma harmonia de movimentos, como uma

espécie de sinfonia. A Terra seria uma esfera perfeita, assim como todos os corpos

celestes, e tanto a Terra como a Lua, o Sol e os demais planetas girariam em torno

de um fogo invisível, presos em esferas ocas e concêntricas. Os sons musicais

Figura 5.3: Tales de Mileto. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Thales-04.jpg

Tales de Mileto: filósofo grego,

que viveu entre os séculos VII e

VI a.C. Foi um dos mais

importantes filósofos da

antiguidade, tendo se dedicado

não apenas a questões éticas e

à metafísica, mas também à

geometria e à astronomia.

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provenientes dessa harmonia das esferas seria inaudível aos ouvidos humanos,

mas acessível através da razão e da matemática. A ideia de utilizar elementos da

matemática para representar o mundo seria aprofundada por filósofos

subsequentes.

É importante perceber que os

modelos cosmológicos pré-socráticos

sempre visam explicar a origem das

coisas e também seu

comportamento observado. A ideia

de Tales, por exemplo, de que a

Terra flutua sobre uma superfície de

água, explica a ocorrência dos

terremotos como resultado de ondas que se propagam por essa superfície.

Anaximandro, com seu modelo de Terra cilíndrica, não apenas resolvia a aparente

falha da teoria de Tales (o que retém a porção de água sobre a qual a Terra

flutua?), mas também permitia explicar o movimento do Sol e da Lua e a mudança

nas suas posições no céu em diferentes estações do ano. Ou seja, os filósofos pré-

socráticos já acreditavam que o mundo era regido por leis naturais, em princípio

acessíveis aos seres humanos pela observação e pelo raciocínio e, possivelmente,

interpretáveis em termos matemáticos.

3.2 Platão e Aristóteles

O filósofo Sócrates viveu em Atenas durante o século V a.C. Embora nenhum

trabalho de Sócrates tenha sobrevivido, outros filósofos foram profundamente

influenciados por ele, em especial devido ao seu método de explorar ideias

complexas mediante o questionamento sucessivo. As maiores referências a

Sócrates são oriundas dos trabalhos de seu discípulo, Platão.

A cosmologia de Platão era fortemente influenciada pela ideia de que o

mundo acessível aos sentidos humanos era apenas uma representação nebulosa da

realidade fundamental. Sendo assim, Platão dava mais ênfase ao raciocínio do que

à observação direta dos fenômenos físicos. Para Platão, o universo era perfeito e

imutável, e a Terra estava situada em seu centro. Tendo especial apego ao conceito

de perfeição geométrica, Platão defendia que todos os corpos celestes se moviam

em órbitas perfeitamente circulares em torno da Terra. Enquanto que o mundo

terrestre era formado pelos elementos terra, água, fogo e ar, os corpos celestes

eram formados por uma substância diferente e especial, a quintessência.

Verificando a correspondência do número de “elementos” com o número de sólidos

Pitágoras de Samos: filósofo grego, viveu na

segunda metade do século VI a.C. Defensor da

hipótese da reencarnação, criou uma filosofia

permeada por conceitos matemáticos; hoje em

dia é mais conhecido pelas suas contribuições

para a matemática, como o teorema que leva seu

nome.

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regulares (que também são cinco), Platão propôs que cada elemento era formado

por partículas cuja forma correspondia a um sólido regular.

Aristóteles produziu um

modelo astronômico e cosmológico

que dominaria o pensamento

ocidental até o Renascimento. Dando

mais ênfase do que Platão às

informações provenientes dos

sentidos humanos, preocupou-se não

apenas em tecer teorias sustentadas na razão, mas também parcialmente baseadas

em observações dos fenômenos físicos. A partir das observações dos eclipses

lunares, por exemplo, Aristóteles defendeu que a Terra era esférica, já que a

sombra produzida na superfície da Lua era sempre circular. Aristóteles concebeu

um universo perfeito e imutável, separado em dois domínios, um superior e um

inferior. No domínio inferior estava a Terra, imóvel e localizada no centro do

universo. Esse domínio era

constituído dos elementos ar, água,

terra e fogo, que obedecem a um

certo conjunto de leis físicas, e,

nesse domínio, os movimentos

“naturais” se davam em linha reta. O

domínio superior consistia no mundo

celeste, ocupado pelas estrelas,

planetas, o Sol e a Lua. Os corpos do mundo celeste eram constituídos pela

quintessência, que obedecia a um conjunto de leis físicas próprias e diferentes

daquelas aplicáveis aos corpos na Terra. O movimento “natural” da quintessência,

para Aristóteles, era o movimento circular, e, por isso, todos os corpos celestes se

moviam em torno da Terra em trajetórias circulares.

3.3 Ptolomeu

O astrônomo Cláudio Ptolomeu utilizou-se da cosmologia de Aristóteles e a

enriqueceu matematicamente, permitindo com isso prever o movimento dos

planetas com uma precisão até então sem igual. A cosmologia aristotélica,

associada à geometria utilizada por Ptolomeu, tornou-se a base da cosmologia

ocidental.

Início de boxe

Platão: filósofo grego, viveu entre 428 e 448

a.C. Considerado o pai da filosofia ocidental, foi o

fundador da primeira instituição de ensino

superior, a Academia. É autor de diversos

rabalhos sobre questões políticas, de organização

social e de metafísica.

Aristóteles: filósofo grego, viveu entre 384 e

322 a.C. Além de dedicar-se à poesia e à música,

produziu uma vasta obra abordando questões

lógicas e sobre os fenômenos físicos e

astronômicos, que viria a fundamentar grande

parte da tradição religiosa cristã durante a idade

média.

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Fim de boxe

Já sabemos, pelas leis de Kepler, que a Terra gira em torno do seu eixo e

que os planetas possuem órbitas elípticas em torno do Sol. Do ponto de vista de

um observador situado na Terra, os planetas Marte e Vênus nunca se afastam

muito do Sol, pois mantêm-se em órbita em torno dele a uma menor distância do

que a Terra. Além disso, o planeta Marte está mais distante do Sol do que a Terra;

isso faz com que o movimento de Marte, por vezes, pareça estar se dando no

sentido contrário ao usual, num fenômeno conhecido como movimento retrógrado.

Como conciliar essa característica (e outras) do movimento dos astros com a ideia

de que cada planeta se move em um círculo em torno da Terra? Ptolomeu utilizou-

se de um conjunto de ferramentas geométricas para minimizar esses problemas: os

conceitos de epiciclos, equantes e

deferentes.

Para Ptolomeu, cada planeta

gira em torno de um ponto próximo

de si, numa órbita bastante pequena,

chamada epiciclo. E é esse ponto, no

centro de cada epiciclo, que gira em

torno da Terra, numa órbita chamada deferente. Cada planeta gira de tal forma que

percorre um certo ângulo em sua órbita num certo intervalo de tempo; o ponto em

torno do qual esse ângulo percorrido por unidade de tempo é constante é o

equante. Esse sistema complexo (e nada econômico em termos matemáticos, pois

envolvia quase uma centena de círculos diferentes) resolvia em grande parte os

problemas dos quais o modelo aristotélico sofria, embora retirasse grande parte do

seu apelo estético associado à “perfeição” do movimento circular centralizado na

Terra.

3.4 Copérnico e Kepler

Nicolau Copérnico elaborou uma nova cosmologia a partir daquilo que via

como “defeitos” da cosmologia de Ptolomeu. Em primeiro lugar, o modelo de

Ptolomeu não se ajustava perfeitamente às observações da posição dos planetas ao

longo das décadas. Em segundo lugar, Ptolomeu questionou-se sobre a natureza e

validade dos epiciclos e equantes: se é necessária toda uma parafernália

geométrica envolvendo um conjunto de círculos de movimento, e se os equantes

Cláudio Ptolomeu: filósofo natural, viveu na

cidade de Alexandria, no Egito, no século II d.C.

Além de astrônomo, era também astrólogo,

matemático e geógrafo. Seu trabalho mais

importante é o Almagesto, um tratado de dados

observacionais dos planetas.

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nunca coincidem com a posição da Terra, não haveria uma forma mais econômica

de organizar esses círculos de forma a diminuir o número de parâmetros e tornar a

teoria mais “limpa”?

Início de boxe

Fim de boxe

Copérnico propôs, então, um modelo no qual a Terra não estaria imóvel no

centro do universo. Para Copérnico, não havia razão para se acreditar que a Terra

esteja em uma posição

especial e favorecida no

universo. Essa ideia, de

que a Terra não ocupa

uma posição

privilegiada, é chamada

princípio de Copérnico.

Posteriormente, essa

ideia foi tornada mais

abrangente, implicando

em que a distribuição

de matéria no universo

é homogênea em

grande escala.

Copérnico percebeu que, pelo menos do ponto de vista qualitativo, é mais simples

conceber um universo no qual o Sol ocupe o centro, e a Terra e os demais planetas

orbitem em torno dele. No modelo de Copérnico, a Terra é uma esfera que gira em

torno do seu eixo, e o movimento diurno dos astros no céu é um movimento

apenas aparente. Nesse modelo, os movimentos retrógrados são mais facilmente

compreensíveis e, além disso, o conceito de equante pode ser totalmente

abandonado.

Um dos problemas da teoria de Copérnico é que, se a Terra gira em torno do

Sol, então deveríamos observar as estrelas mudando de posição relativa entre si,

um fenômeno chamado paralaxe; porém, não havia nenhuma paralaxe detectável

na época. Copérnico argumentou que a indetectabilidade de uma paralaxe estelar

era devida à enorme distância que separa as estrelas da Terra.

Figura 5.4: Nicolau Copérnico. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f2/Nikolaus_Kopernikus.jpg/220px-Nikolaus_Kopernikus.jpg

Nicolau Copérnico: foi um

astrônomo polonês, que viveu

entre os séculos XV e XVI d.C. É

considerado o pai da astronomia

moderna, tendo defendido no livo

De Revolutionibus Orbium

Coelestium o modelo heliocêntrico

para o universo, no qual o Sol é o

centro do universo.

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Apesar da aparente melhoria na interpretação qualitativa do movimento dos

planetas usando um modelo heliocêntrico, Copérnico não conseguiu melhorar de

forma sensível a previsão dos movimentos dos planetas, pois mantinha-se fiel à

ideia de que as órbitas dos planetas eram circulares. O uso de órbitas circulares

obrigou Copérnico a utilizar-se de epiciclos e de outras ferramentas geométricas,

tornando seu modelo matematicamente tão complexo quanto o de Ptolomeu.

Finalmente, no início do século XVII, o conceito de órbita circular foi

abandonado. Já vimos, na aula 3, as contribuições de Johannes Kepler para a

compreensão dos movimentos planetários e a introdução das órbitas elípticas.

Graças ao seu trabalho, o movimento dos corpos celestes no céu foi totalmente

compreendido. Além disso, Kepler estendeu as ideias de Pitágoras sobre a

“harmonia” do movimento dos planetas, utilizando os sólidos regulares de Platão.

4 GALILEU E DESCARTES

O francês René Descartes, filósofo natural e matemático, viveu na primeira

metade do século XVII. Descartes elaborou um modelo cosmológico no qual o Sol

não era o centro do universo. Para Decartes, as estrelas eram semelhantes ao sol,

e o sistema solar (o Sol e os planetas) seria apenas mais um entre diversos

sistemas semelhantes. Além disso, Descartes concebeu a primeira teoria de

formação de planetas, sem levar em conta argumentos teológicos ou de

intervenção divina. Para Descartes, todo o movimento em grande escala no

universo era devido a vórtices (“redemoinhos”) de matéria. Assim, estrelas e

planetas se originam da condensação de matéria dispersa em torno desses vórtices.

A manutenção do movimento circular dos

planetas era devida, também, ao

movimento de matéria nesse vórtice.

Sendo assim, o universo de Descartes era

vasto, permeado por vórtices que

conduzem à formação dos corpos celestes

e à produção do seu movimento.

O filósofo e cientista italiano

Galileu Galilei, contemporâneo de René

Descartes, fez inúmeras contribuições à

física, à astronomia e à cosmologia. Em

particular, a enorme valorização da

observação e da experimentação

separam em definitivo as ciências pré-

Figura 5.1: Galileu Galilei. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Galileo.arp.300pix.jpg

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Galileu e pós-Galileu. Galileu foi o primeiro cientista a utilizar o telescópio para fins

astronômicos. Suas observações fortaleceram sua convicção de que o modelo

copernicano era fundamentalmente correto, e forneceram argumentos que

contrariavam frontalmente a cosmologia aristotélica.

Quando Galileu apontou seu telescópio para regiões do céu onde

aparentemente não havia nada de marcante, percebeu que essas regiões, na

verdade, continham estrelas de brilho muito baixo. Assim, havia muito mais

estrelas no céu do que se podia enxergar a olho nu. Ao apontar o telescópio para

uma região da Via Láctea – uma faixa esbranquiçada e tênue que cruza os céus –

Galileu pôde observar que sua aparência nebulosa desaparecia, sendo substituída

por um número muito grande de estrelas. Considerando que quanto menos

brilhante mais distante a estrela está, Galileu percebeu que o universo era muito

mais vasto do que imaginado.

Galileu, observando a Lua com seu telescópio, percebeu que esta não era

perfeitamente esférica: era possível perceber irregularidades em sua superfície,

semelhantes a montanhas. Com essas observações, Galileu mostrou não apenas

que a Lua não tem a forma “perfeita” associada a um círculo, mas também que,

possuindo uma estrutura superficial que lembrava a estrutura da própria terra, a

Lua deveria ser constituída do mesmo tipo de matéria presente na Terra. Com isso,

Galileu acabou com a separação entre o mundo celeste e o mundo terrestre. Galileu

também observou o Sol, projetando a luz recebida pelo telescópio em um anteparo,

e confirmou observações de outros cientistas de que havia manchas na superfície

do Sol, que se moviam como se o Sol girasse em torno de seu eixo.

Galileu observou, também, as fases do planeta Vênus. Assim como a Lua

mostra “fases” diferentes ao longo do mês, Vênus também muda de fase. Esse

fenômeno era incompatível com modelos cosmológicos no qual todos os corpos

celestes giravam em torno da Terra, mas seria esperado se os planetas girassem

em torno do Sol. E, finalmente, ao observar o planeta Júpiter através do telescópio,

Figura 5.2: As fases de Vênus como observadas por Galileu Fonte: http://ircamera.as.arizona.edu/NatSci102/NatSci102/lectures/galileo.htm

Figura 5.3: Os quatro satélites de Júpiter observados por Galileu. Fonte: http://www.ccvalg.pt/astronomia/historia/galileu_galilei/luas_jupiter.gif

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Galileu percebeu que um conjunto de estrelas estava sempre próximo de Júpiter,

todas alinhadas entre si, e a cada dia as posições dessas estrelas minúsculas se

alteravam. Galileu mostrou matematicamente que o movimento aparente dessas

estrelas era compatível com a ideia de que essas estrelas orbitavam o planeta

Júpiter, assim como a Lua orbita a Terra. Assim, Galileu mostrou que havia corpos

no universo que orbitavam outros corpos que não a Terra, contrapondo-se

fortemente ao modelo aristotélico.

As ideias de Galileu entraram em choque com os fundamentos da Igreja

Católica. Galileu foi acusado de heresia e acabou condenado à prisão domiciliar

perpétua, tendo sido forçado a reconhecer que suas teorias estavam erradas.

4.1 Relatividade Galileana

Uma das contribuições importantes de Galileu foi ter postulado o seu

princípio da relatividade: quaisquer dois observadores que se movem com

velocidade constante entre si irão obter os mesmos resultados para todos os

experimentos mecânicos. Galileu ilustrou seu postulado com a seguinte situação:

imagine que uma pessoa está realizando um experimento mecânico – com um

pêndulo, por exemplo – no interior de um navio. Se o navio está se movendo com

velocidade constante, tudo no interior do navio irá parecer em repouso do ponto de

vista dessa pessoa: as cadeiras, as mesas, os passageiros que estiverem sentados

às mesas. Essa pessoa, se não puder olhar para fora do navio, não terá como

perceber se o navio está em movimento ou parado. Assim, quando essa pessoa

fizer experimentos utilizando o pêndulo, não pode perceber diferença nenhuma se o

navio estiver parado ou estiver em movimento.

Uma das consequências do seu princípio da relatividade é que não existe

velocidade absoluta. A velocidade de um corpo sempre irá se referir a um

referencial. Se observarmos uma pessoa parada na superfície de um navio, diremos

que essa pessoa está parada (velocidade nula) em relação ao navio, mas em

movimento, com certa velocidade, em relação à superfície do mar, se o navio

estiver em movimento – essas duas velocidades são igualmente “verdadeiras” e

nenhuma delas tem mais validade do que a outra.

Outra consequência do princípio da relatividade de Galileu é que sempre

precisamos definir um referencial com relação ao qual vamos nos referir às

grandezas relevantes de um sistema físico. É a partir desse referencial que

podemos definir posições, velocidades, instantes de tempo etc. Grande parte das

grandezas físicas perde sentido se não for associado a um referencial específico.

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5 COSMOLOGIA NEWTONIANA

Isaac Newton (cuja teoria da gravitação já conhecemos da aula 1) disse, em

certa ocasião, que, se havia sido capaz de enxergar mais longe que os cientistas

que o precederam, era por “estar de pé sobre ombros de gigantes”. Com essa

frase, Newton reconhecia o quanto a sua teoria da gravitação e as suas leis do

movimento dos corpos deviam aos trabalhos de Copérnico, Galileu, Kepler e outros.

Até Newton enunciar sua lei da gravitação universal, os modelos cosmológicos eram

basicamente qualitativos, como o modelo de Descartes. A lei da gravitação

universal permitiu, pela primeira vez, uma análise quantitativa, matemática das

condições globais do universo. Combinando sua lei da gravitação universal, suas

leis do movimento e princípios gerais e qualitativos já defendidos por seus

predecessores – incluindo o princípio de Copérnico e o princípio da relatividade de

Galileu –, Newton, ao lado de outros cientistas, elaborou um novo e abrangente

modelo cosmológico. Vejamos algumas de suas propriedades.

5.1 Espaço e tempo newtonianos

O movimento de um corpo resulta da alteração de sua posição no espaço.

Essa alteração precisa de um certo intervalo de tempo para ser realizada. Sendo

assim, os movimentos dos corpos envolvem os conceitos fundamentais de tempo e

de espaço. Para Newton, o tempo é uma variável característica do universo com um

todo, e que transcorre uniformemente e da mesma forma em todos os pontos, para

qualquer observador. Assim, de acordo com Newton, quando dois eventos são

simultâneos (ocorrem no mesmo instante) para um observador, eles serão

simultâneos para qualquer outro observador.

Da mesma forma, Newton defendia um conceito de espaço absoluto, uma

arena imperturbável ocupada pelos corpos e pelas partículas no universo. O espaço

newtoniano não era modificado pela presença ou ausência de matéria, e mantinha

suas características indefinidamente. Sendo assim, podemos pensar que o espaço

newtoniano é uma espécie de “malha” fixa que permeia o universo, em relação à

qual os objetos estão posicionados. Isso implica, entre outras coisas, que quaisquer

dois observadores situados em dois pontos dessa mesma “malha” (ou mesmo

movendo-se com velocidade constante) serão capazes de, realizando medições,

obter exatamente a mesma posição para um certo objeto no espaço. Além disso, o

espaço é independente da (e precede a) existência material do universo.

5.2 O universo newtoniano

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Tendo como pano de fundo seu conceito de espaço, Newton concebeu uma

força criativa que criou a matéria, em suas diferentes formas, e as distribuiu pelo

universo. Além disso, essa força criativa criou todo um conjunto de forças com as

quais diferentes porções de matéria podem interagir entre si. Newton associou o

conceito judaico-cristão de divindade absoluta – Deus – a essa força criativa.

Uma vez que sua teoria do movimento dos corpos e da gravitação era capaz

de descrever com precisão tanto o movimento dos corpos celestes quanto o dos

corpos na Terra, foi possível conceber o universo como uma máquina, que funciona

segundo uma sequência de mecanismos que produz movimentos previsíveis. Assim,

a Deus caberia a criação do universo e a sua manutenção, garantindo o

funcionamento adequado dessa máquina. Esse é o conceito de universo-relógio em

uma de suas formas: para Newton, o universo havia sido criado por uma força

divina, mas era governado pelas leis da física (em si imutáveis) com o auxílio de

Deus.

Invocando o princípio de Copérnico, Newton imaginou um universo que, em

grande escala, fosse homogêneo (apresentasse mais ou menos a mesma densidade

de matéria em qualquer região), e que, em pequena escala, fosse heterogêneo (o

que certamente é, como podemos perceber a nossa volta). Do ponto de vista

astronômico, duas regiões diferentes, mas com o mesmo volume, vastas o

suficiente para envolver um número bastante grande de estrelas, possuem mais ou

menos o mesmo número de estrelas. Por outro lado, Newton demonstrou que a

força gravitacional era a interação mais importante entre os corpos celestes.

Considerando que o universo tivesse um limite físico – “terminasse” em algum

lugar –, corpos celestes que estivessem distribuídos na periferia do universo

estariam sujeitos a uma força gravitacional que os impeliria na direção do centro

dessa distribuição. Assim, o universo inteiro entraria em colapso e toda a matéria

do universo seria compactada em um único ponto. Newton resolveu esse problema

postulando que o universo é infinito – não apresenta fronteiras. Livre de “bordas”, o

universo newtoniano poderia ser gravitacionalmente estável.

A total estabilidade do universo é uma exigência parcialmente baseada na

nossa experiência diária. Noite após noite, podemos observar o céu noturno e

observar as estrelas em suas mesmas posições relativas. Isso nos dá a forte

sensação de que o universo em grande escala não muda com o passar do tempo.

Associada a essa percepção individual do céu noturno, a estabilidade costuma ser

vinculada com uma ideia de perfeição universal: um universo instável, em vias de

colapsar ou de se expandir, para muitos soa como um universo defeituoso,

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desprovido da beleza que a imutabilidade fornece. Esse conceito de imutabilidade,

como vimos anteriormente, já fazia parte da visão aristotélica dos corpos celestes.

5.3 Paradoxos na cosmologia newtoniana

A infinitude do universo newtoniano, embora resolva o problema da

estabilidade, cria novos problemas. Dois desses problemas são o paradoxo de

Olbers e o paradoxo gravitacional.

O paradoxo de Olbers, descrito por Heinrich Olbers em 1823, mas já

conhecido por astrônomos anteriores, se refere ao brilho do céu noturno: se o

universo é infinito, e as infinitas estrelas que o compõem emitem luz que podemos

observar da Terra, então em cada direção do céu que olharmos deveríamos

encontrar uma estrela, e assim o céu noturno deveria brilhar tanto quanto,

digamos, a superfície do Sol. O que faz com que o céu noturno seja escuro, apesar

de o universo ser infinito? Esse paradoxo pode ser resolvido, no contexto da

cosmologia newtoniana, se considerarmos que o universo não é infinitamente

antigo, e que a luz leva um certo tempo para se deslocar de um ponto a outro no

universo: a luz emitida por estrelas muito distantes da Terra ainda não teve tempo

de chegar à Terra.

O paradoxo gravitacional consiste no fato de que uma distribuição infinita de

massa produz, num ponto qualquer, uma força gravitacional de intensidade

indeterminada. Se pretendemos manter um corpo estático (em equilíbrio) no

universo, e cada vez mais adicionarmos outros corpos com os quais ele pode

interagir, mais facilmente esse equilíbrio é rompido por pequenas não-

uniformidades na distribuição de massa. Distribuições não-homogêneas em grande

escala dificilmente poderiam produzir uma força gravitacional nula em qualquer

ponto do espaço. Newton tentou resolver o problema postulando que a massa no

universo está perfeitamente organizada de tal forma que, em grande escala, a força

gravitacional que atua em qualquer ponto é nula, proposta que parece, de

imediato, muito pouco provável.

ATIVIDADES

Revise o conteúdo da aula de hoje, que é bastante longo e cheio de detalhes

históricos.

RESUMO

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Nesta aula, você viu:

� O que é o objeto de estudo da cosmologia.

� Os fundamentos da cosmologia das primeiras civilizações.

� A evolução das ideias cosmológicas desde a Grécia antiga até a era

medieval.

� Noções sobre as contribuições de Galileu e Descartes à astronomia e

à cosmologia.

� Os fundamentos da cosmologia newtoniana.

REFERÊNCIAS

BASSALO, José Maria Filardo. Nascimentos da Física (3500 a.C. – 1900 a.D.).

Belém: EDUFPA, 1996.

FERRIS, Timothy. Coming of age in the Milky Way. perennial ed. New York:

HarperCollins, 2003.

MORAIS, Antônio Manuel Alves. Gravitação e cosmologia. São Paulo: Livraria da

Física, 2009.

RIDPATH, Ian. Guia ilustrado Zahar Astronomia. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2008.

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AULA 6 – A TEORIA DA RELATIVIDADE GERAL

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:

� conhecer os fundamentos da Teoria da Relatividade Geral;

� conhecer os principais testes experimentais dessa teoria.

1 INTRODUÇÃO

O século XX assistiu a uma mudança significativa na forma como o tempo e

o espaço são encarados pela ciência. Até então, a mecânica newtoniana, com seus

conceitos de tempo e espaço absolutos, dominava o pensamento científico, e sua lei

da gravitação acumulava sucessos na descrição dos corpos celestes.

No entanto, limitações aparentes da física de Newton começaram a aparecer

e a se acumular. Uma dessas limitações foi observada quando da tentativa de

descrever o movimento do planeta Mercúrio. O fato é que as previsões da

gravitação newtoniana para o movimento de Mercúrio apresentavam um desvio

pequeno, mas persistente, em relação às observações: é como se Mercúrio se

“adiantasse” levemente em relação ao movimento previsto pela lei da gravitação

universal. Uma explicação possível para essa discrepância seria a existência de um

planeta ainda não detectado, com órbita

próxima à do Sol, cuja atração

gravitacional atuando sobre Mercúrio

alteraria as características de sua órbita.

Porém, esse planeta hipotético jamais foi

encontrado.

A solução desse enigma viria no

início século XX com o trabalho do físico

Albert Einstein, que desenvolveu uma

nova teoria para a gravitação, baseado

em parte no trabalho de cientistas que o

sucederam e que já prenunciavam, de

certa forma, o surgimento dessa “nova

física”.

2 A TEORIA DA RELATIVIDADE ESPECIAL

Figura 6.1: Albert Einstein. Fonte: http://www.brasilescola.com/fisica/postulados-einstein.htm

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As contribuições de Einstein à gravitação têm início no ano de 1905, quando

é publicado seu trabalho “Sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento”. Nele,

Einstein dá as bases da sua teoria da relatividade especial, que, posteriormente, ele

próprio irá generalizar em uma teoria geral da relatividade. Para que possamos

compreender a teoria da relatividade especial, é preciso que, primeiramente,

abordemos uma teoria física que descreve a propagação da luz e o resultado de um

experimento aparentemente conflitante com essa teoria.

2.1 O eletromagnetismo de Maxwell

O físico James Clerk Maxwell, no ano de 1865, publicou o trabalho “Uma

Teoria Dinâmica do Campo Eletromagnético”, no qual resume todo o conhecimento

disponível, até aquela época, sobre os fenômenos elétricos e magnéticos. Nesse

trabalho, Maxwell mostrou que o comportamento dos campos elétricos e

magnéticos, bem como a interação de um com outro, podem ser totalmente

descritos com um conjunto de apenas quatro equações. Físicos posteriores viriam a

reconhecer que o trabalho de Maxwell é um dos mais importantes da história da

física.

Para nossos

propósitos neste curso, o

que mais nos importa é a

descoberta de Maxwell de

que campos

eletromagnéticos podem se

propagar no espaço na

forma de uma onda.

Manipulando suas

equações, Maxwell mostrou

que uma onda dessa

natureza – uma onda

eletromagnética – se

propaga no espaço com

uma velocidade de aproximadamente 3 × 10� m/s. Esse valor é quase idêntico ao

valor obtido experimentalmente para a velocidade da propagação da luz, o que

sugere que a luz corresponda justamente a uma onda eletromagnética prevista por

Maxwell. O físico Heinrich Hertz, em 1886, confirmou, através de experimentos, a

existência das ondas eletromagnéticas.

Figura 6.2: Maxwell. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:James_Clerk_Maxwell_big.jpg

James Clerk Maxwell:

físico britânico, viveu

entre 1831 e 1879. Foi

um dos maiores físicos

de todos os tempos,

tendo desenvolvido a

primeira teoria física

“completa” para o

eletromagnetismo.

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A velocidade obtida por Maxwell para as ondas eletromagnéticas – 3 ×10� m/s – aparece de uma forma “absoluta” nas equações, ou seja, essa velocidade

não é associada a nenhum referencial específico. Mas já vimos, na seção 4.1 da

aula 5, que posições e velocidades só fazem sentido quando relacionadas a alguma

referência. Por exemplo, a distância que aparece na lei da gravitação universal de

Newton é uma distância entre dois pontos no espaço, e não um valor absoluto de

posição. Da mesma forma, quando um automóvel está se movendo sobre uma

rodovia, como sua “velocidade” nos referimos à velocidade com a qual ele se

desloca em relação à pista da rodovia; não é uma velocidade “absoluta” ou

intrínseca ao automóvel. Como é possível, então, que as equações de Maxwell

prevejam a existência de algo que se propaga com uma certa velocidade mas que

aparentemente não especifica o referencial na qual essa velocidade é medida?

A solução mais óbvia para o problema, na época, foi propor a existência de

um meio material no qual as ondas eletromagnéticas se propagam. Esse meio

material – chamado éter – permeia o universo inteiro, e é em relação a esse éter

que as ondas eletromagnéticas se propagam com a velocidade de 3 × 10� m/s encontrada por Maxwell. Essa hipótese podia ser submetida a um teste

experimental, da seguinte forma: se a Terra se move em torno do Sol, está se

deslocando em relação ao éter. Sendo assim, se um raio de luz atinge a Terra em

sentido contrário ao que a Terra se move, deveríamos medir uma velocidade maior

para a luz do que mediríamos se a Terra estivesse parada. Da mesma forma,

quando estamos caminhando e cruzamos por uma pessoa que caminha no sentido

contrário ao nosso, essa pessoa se aproxima e se afasta mais rapidamente do que

se estivéssemos parados vendo-a passar. Por outro lado, se um raio de luz atinge a

Terra no mesmo sentido ao que a Terra se move, deveríamos medir uma

velocidade menor. Da mesma forma, demoramos mais a nos afastar de uma

pessoa que caminha no mesmo sentido que nós do que no sentido contrário.

Esse experimento foi realizado em 1887, por Albert Michelson e Edward

Morley. O resultado do experimento é surpreendente: Michelson e Morley

mostraram que a velocidade medida para a luz é a mesma em qualquer um dos

casos. Para que possamos perceber como esse resultado é surpreendente, compare

com o exemplo que utilizamos acima: é como se nos afastássemos de uma pessoa

sempre com a mesma rapidez, não importa se caminhamos em sentido contrário ou

no mesmo sentido que ela.

2.2 Os postulados da relatividade especial

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Baseando-se nas equações de Maxwell e do resultado desse experimento,

Einstein criou sua teoria da relatividade geral, fundamentada em dois postulados:

Primeiro postulado (o “postulado da relatividade”): as leis da física

mantêm sua forma em todos os referenciais inerciais.

Segundo postulado (o “postulado da constância da velocidade da

luz”): a velocidade da luz tem o mesmo valor para todos os referenciais

inerciais.

O primeiro postulado é uma generalização do postulado da relatividade de

Galileu, que vimos na seção 4.1 da aula 5, mas agora abrangendo todas as leis da

física e não somente os resultados de medidas mecânicas, como o postulado

original de Galileu. O segundo

postulado diz que quaisquer

dois observadores que se

movem com velocidade

constante um em relação ao

outro irão medir a mesma

velocidade para a luz.

Esses dois postulados têm profundas implicações na forma como dois

observadores irão perceber eventos externos. Entre essas implicações, estão:

A relatividade da simultaneidade: se dois eventos são

simultâneos para um certo observador situado em um referencial S, não

necessariamente esses eventos serão simultâneos para um segundo

observador, situado num segundo referencial, S’, inercial em relação a S.

Isso significa que dois eventos nunca são simultâneos num sentido absoluto:

a percepção de dois eventos como simultâneos depende do referencial pelo

qual observamos esses eventos.

A contração do comprimento: considere que um certo objeto

possui um comprimento � medido por um observador parado em relação a

esse objeto (referencial S); se um segundo observador, situado num

referencial S’ que se move com velocidade constante � na mesma direção do

comprimento do corpo, fizer uma medida do comprimento desse objeto, irá

encontrar um valor menor do que �. Esse valor será tanto menor do que �

quanto mais rápido estiver se deslocando o segundo observador. Isso

significa que o corpo irá se mostrar mais “curto” para o segundo observador

do que para o primeiro, como se tivesse sido contraído – daí porque nos

referimos a esse efeito como contração do comprimento. O comprimento

Referencial inercial: qualquer referencial que se mova

com velocidade constante em relação a outro – ou seja,

um referencial não acelerado. As leis de Newton da

mecânica, que mencionamos ligeiramente na aula 5, são

válidas para referenciais inerciais.

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observado em S’ será menor do que em S por um fator multiplicativo ,

chamado fator de Lorentz, que vale:

= 1�1 − �����

6.1

A dilatação do tempo: considere que um relógio está situado em

um certo ponto do espaço. Um observador, parado em relação ao relógio,

observa o relógio e infere, a partir dessa observação, que o tempo passa em

um certo ritmo. Um segundo observador, situado num referencial que se

move com velocidade constante em relação ao relógio, irá inferir, ao

observar o relógio, que o tempo passa num ritmo mais lento do que o

observado pelo primeiro observador: cada segundo se mostra mais “longo”

para o segundo observador do que para o primeiro, como se tivesse dilatado

– daí porque nos referimos a esse efeito como dilatação do tempo. O tempo

observado em S’ será maior do que em S por um fator multiplicativo, o

mesmo fator de Lorentz que aparece na contração do comprimento.

Dessas e de outras implicações, percebemos que os conceitos de tempo

absoluto e de espaço absoluto, tão importantes na física newtoniana, perdem seu

sentido na relatividade especial de Einstein. Na relatividade, tempo e espaço se

“fundem” naquilo que chamamos espaço-tempo, cujas propriedades dependem do

referencial no qual realizamos uma medida.

3 O PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA

A relatividade especial é voltada para referenciais inerciais. Ela nos diz como

podemos comparar medidas físicas realizadas entre dois referenciais inerciais

distintos. Porém, existem referenciais não inerciais entre si. Por exemplo, um

observador realizando um movimento circular em torno de um segundo observador

está num referencial não-inercial em relação a ele. Como se relacionam as leis da

física entre esses dois referenciais? Outro exemplo: um corpo próximo à superfície

da Terra está sujeito a uma aceleração devida à força gravitacional que atua sobre

ele. Sendo assim, como se comparam as observações realizadas por um observador

situado no mesmo referencial do corpo com as observações realizadas por um

observador livre da ação gravitacional terrestre? Da resposta a esta pergunta

dependia a elaboração de uma nova teoria da gravidade, que corrigisse as falhas da

teoria de Newton.

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Para resolver essa questão, Einstein, em 1907, raciocinou de forma

semelhante à seguinte: se uma pessoa está em queda livre na Terra, no interior de

uma caixa (de forma que não veja o que de fato está acontecendo com ela), essa

pessoa não tem como saber se está em queda livre em uma região onde há um

campo gravitacional, ou se está em um referencial inercial a esse (movendo-se com

velocidade constante) na ausência de um campo gravitacional. Ou seja, para quem

está em queda livre, é como se o campo gravitacional “deixasse de existir”.

Einstein, então, propôs o princípio da equivalência: um campo gravitacional

atuando em um corpo e uma aceleração do referencial no qual o corpo está em

repouso são fisicamente equivalentes.

Pelo primeiro postulado da relatividade especial, sabemos que as leis da

física mantêm sua forma em quaisquer dois referenciais inerciais entre si. Se um

observador estiver situado em um referencial não-inercial, as leis da física sofrerão

“deformações”: mudam sua

forma funcional. Um exemplo

dessas deformações é o

surgimento de forças

fictícias, quando analisamos

um fenômeno físico em um

referencial não-inercial em

relação ao fenômeno. Sendo

assim, a aceleração de um referencial produz deformações nas leis da física como

percebidas por um observador nesse referencial. A partir do princípio da

equivalência, podemos compreender a gravitação também como uma deformação –

mas uma deformação do espaço-tempo. O princípio da equivalência nos diz que a

presença de matéria no universo perturba as características do espaço-tempo no

seu entorno. Isso é a base da teoria da relatividade geral de Einstein: a gravitação

é o efeito da deformação do espaço-tempo produzida por uma distribuição de

matéria. Sendo assim, a matéria influencia na curvatura do espaço-tempo, e o

espaço-tempo influencia o movimento da matéria no universo.

4 AS EQUAÇÕES DE EINSTEIN DA RELATIVIDADE GERAL

A matemática envolvida na teoria da relatividade geral de Einstein é

formidável – não se pode expressar sua teoria como uma expressão simples, como

a lei da gravitação universal de Newton. Isso acontece porque a lei de Newton da

gravitação é uma lei de força entre dois corpos individualmente, e só depende das

características desses corpos e de sua distância. Já a teoria da relatividade geral diz

Força fictícia: uma força que precisamos definir para

tornar as observações realizadas em um referencial não-

inercial coerentes com as observações situadas em um

referencial inercial. Um exemplo de força fictícia é a força

centrífuga: somente um observador situado num

referencial não-inercial percebe essas forças. Você vai

aprender mais sobre forças fictícias na disciplina Física I.

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que o movimento de um corpo devido à gravitação é afetado pela curvatura do

espaço-tempo; porém essa curvatura também é afetada pela distribuição de massa

no universo.

O princípio da relatividade geral pode ser expresso como um conjunto de 10

equações da forma:

��� − 12 ���� = − 8��

�� ��� 6.2

O lado esquerdo dessa equação descreve a geometria do espaço-tempo. O

lado direito nos diz como a matéria está distribuída no espaço-tempo. Essa equação

mostra que, de fato, a distribuição de matéria determina a curvatura do espaço-

tempo, e o espaço-tempo determina como a matéria irá se deslocar no tempo e no

espaço. Resolver essas equações não é fácil: é preciso conhecer a geometria do

espaço-tempo e expressar como a matéria está distribuída. Na aula 7, vamos

mostrar uma aplicação das equações de Einstein; na verdade, a aplicação mais

ousada de todas – a análise da geometria do universo como um todo.

Quando Einstein aplicou sua teoria da relatividade geral para o universo em

grande escala, percebeu que, na forma mostrada nas equações 6.2, sua teoria era

incapaz de produzir soluções estáticas, ou seja, soluções nas quais o universo

permaneceria estável, sem alterar suas propriedades em grande escala. Porém, a

estabilidade do Universo e sua aparência estática em grande escala convenceram

Einstein de que suas equações estavam erradas, e que careciam de algum termo

extra que o permitisse chegar a soluções estáticas. Para solucionar esse aparente

problema com as equações, Einstein introduziu um termo aditivo � nas suas

equações:

��� − 12 ���� + �g�� = − 8��

�� ��� 6.3

O termo aditivo � é chamado constante cosmológica. A constante

cosmológica fornece uma energia que se contrapõe à força gravitacional: conforme

a gravidade tenta colapsar o universo, a constante gravitacional tende a deformar o

universo de forma inversa à ação da gravidade, permitindo, assim, que o universo

seja estático.

5 TESTES EXPERIMENTAIS DA RELATIVIDADE GERAL

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A teoria da relatividade geral foi submetida a diversos testes experimentais

e, até agora, nenhuma incompatibilidade com as observações foi constatada. Os

principais sucessos da teoria da relatividade geral são:

A órbita de Mercúrio: Einstein, utilizando suas equações da

relatividade geral, re-calculou a órbita de Mercúrio e demonstrou que sua

teoria se ajusta muito bem às observações. A órbita “anômala” de Mercúrio

é, portanto, resultado da deformação do espaço-tempo produzida pelo Sol.

A deflexão da luz estelar: a relatividade geral prevê que corpos

muito massivos, por produzirem uma deformação intensa do espaço-tempo

em sua volta, produzirão deflexão dos raios de luz que passarem por perto.

Se uma estrela for observada, no céu, próximo ao Sol, seus raios de luz

devem sofrer uma curvatura, alterando a posição observada da estrela no

céu. Observações astronômicas foram conduzidas em diversas partes do

globo (inclusive no Brasil) visando identificar essa deflexão da luz das

estrelas produzidas pelo Sol. Esse efeito foi observado e seu valor foi

exatamente aquele previsto pela teoria da relatividade geral.

O redshift gravitacional: uma das previsões da relatividade geral é

a de que um campo gravitacional afeta o comprimento de onda da luz de um

feixe que passa por ele. Se um feixe de luz é emitido do solo, verticalmente

para cima, devido à curvatura do espaço-tempo produzida pela Terra, essa

luz será captada, mais acima, com um comprimento de onda ligeiramente

maior do que aquele com o qual foi emitida. Quanto maior o comprimento

de onda de um raio de luz, mais vermelho ele parece – por isso, o feixe de

luz irá parecer mais vermelho quando for captado. Esse desvio para o

vermelho (em inglês, redshift) devido à ação do campo gravitacional

terrestre pode ser medido experimentalmente. Experimentos visando

detectá-lo e medido foram conduzidos pela primeira vez em 1925, e

demonstraram que a intensidade observada do redshift gravitacional é

totalmente compatível com o valor esperado pela relatividade geral.

ATIVIDADES

Revise o conteúdo da aula de hoje, que é bastante longo e cheio de detalhes

históricos. Você vai precisar dominar seus fundamentos para a aula 7.

RESUMO

Nesta aula, você viu:

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� Os fundamentos da Teoria da Relatividade Geral.

� Os principais testes experimentais dessa teoria.

REFERÊNCIAS

FERRIS, Timothy. Coming of age in the Milky Way. perennial ed. New York:

HarperCollins, 2003.

LIDDLE, Andrew. An introduction to modern cosmology. 2.ed. Wiley:

Chichester, 2003.

LONGAIR, Malcolm S. Galaxy Formation. 2.ed. Berlim: Springer-Verlag, 2008.

MORAIS, Antônio Manuel Alves. Gravitação e cosmologia. São Paulo: Livraria da

Física, 2009.

PAIS, Abraham. “Sutil é o Senhor...”: a ciência e a vida de Albert Einstein.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

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AULA 7 – TEORIAS COSMOLÓGICAS MODERNAS

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:

� conhecer os principais parâmetros cosmológicos observáveis;

� ter noções sobre os fundamentos matemáticos das teorias cosmológicas e

suas implicações astronômicas.

1 INTRODUÇÃO

O que torna a Teoria da Relatividade Geral de Einstein tão relevante para a

cosmologia? Assim como Newton havia utilizado sua lei da gravitação universal

para analisar as propriedades do universo em grande escala, podemos utilizar a

relatividade geral para fazer o mesmo: aplicá-la para o universo em grande escala

e verificar o que resulta disso. Toda a cosmologia moderna é baseada justamente

na aplicação da teoria da relatividade geral de Einstein a um modelamento do

universo em grande escala, e em suas consequências. A seguir, vamos analisar

como podemos resolver as equações de Einstein quando aplicadas especificamente

para a cosmologia, as informações que essa teoria nos dá e suas consequências.

2 A MÉTRICA DE MINKOWSKI

A equação fundamental da relatividade geral, equação 6.2,

��� − 12 ���� = − 8��

�� ��� ,

envolve o termo ���. Esse termo é chamado tensor métrico do espaço-tempo. Ele

regula como as coordenadas espaciais (x,y,z) e a coordenada temporal (o tempo, t)

se relacionam (lembre-se de que, na relatividade geral, o tempo e o espaço perdem

seu caráter absoluto e passam a formar um espaço-tempo coerente).

Início de boxe

Fim de boxe

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Para compreendermos o que significa o tensor métrico ���, pensemos no

exemplo que segue.

Imagine dois objetos, A

e B, situados em dois pontos

sobre uma superfície

euclidiana. Por superfície

euclidiana, queremos dizer

uma superfície plana nas quais

a geometria de Euclides é

aplicável (uma superfície, por

exemplo, na qual os ângulos

internos de um triângulo

somam 180 graus). Digamos

que suas posições nessa

superfície sejam "#$, %$& e "#�, %�&. A distância ' entre esses dois pontos pode ser

calculada, pelo teorema de Pitágoras, como:

'� = "#$ − #�&� + "%$ − %�&�

Definindo (# = #� − #$ e (% = %� − %$ e (' = ',

('� = (#� + (%�

O elemento (' é a métrica dessa superfície euclidiana. Generalizando para

um espaço euclidiano tridimensional, a métrica (' ficaria

('� = (#� + (%� + ()� 7.1

A métrica, portanto, é um elemento que nos permite medir distâncias no

espaço. O tensor métrico é definido a partir da métrica da seguinte forma. Se

representarmos as coordenadas espaciais #, %, ) por #$, #� e #* (onde os expoentes

são índices e não potências), então a métrica do espaço euclidiano tridimensional

pode ser expressa por:

('� = ���(#�(#� 7.2

Tensor: objeto matemático que generaliza os conceitos

de escalar e vetor. Um escalar é uma grandeza

totalmente determinada por apenas um número: isso

corresponde a um tensor de ordem zero. Um vetor é

uma grandeza determinada por um módulo, uma direção

e um sentido, podendo ser representado por uma

sequência de n elementos alinhados, correspondendo à

dimensão do vetor: isso corresponde a um tensor de

ordem 1. Uma matriz é coleção de (m x n) elementos

alinhados em m linhas e n colunas: isso corresponde a

um tensor de ordem 2. O tensor métrico ��� é um tensor

de ordem 2, ou seja, pode ser representado por uma

matriz com + linhas e , colunas.

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Pela equação 7.1, sabemos que não existem termos cruzados entre as

coordenadas #, % e ) em um universo euclidiano. Assim, os elementos do tensor

métrico serão nulos sempre que + ≠ ,. Além disso, também notamos que, pela

equação 7.1, sempre que + = , teremos ��� = 1.

No contexto da relatividade geral, já sabemos que o espaço e o tempo são

vistos como uma unidade, o espaço-tempo. Assim, o tensor métrico ��� que

aparece nas equações de Einstein é mais complicado do que o obtido na equação

7.1. Se o universo for isotrópico, ou seja, se as propriedades do universo forem

muito semelhantes em qualquer direção que o observemos, então, como

demonstrado pelo matemático Hermann Minkowski, a métrica de um espaço-tempo

tridimensional pode ser expressa como:

('� = ��(.� − "(#� + (%� + ()�& 7.3

Perceba que a expressão 7.3 é muito semelhante à 7.1, exceto por esses

dois aspectos: a presença do termo dependente do tempo, (., e a constante � que

aparece dividindo os termos dependentes do espaço. A constante � é a velocidade

da luz no vácuo. A presença do termo (. é um aspecto do fato de que, na

relatividade geral, tempo e espaço são aspectos de uma mesma entidade física. A

métrica da equação 7.3 é chamada métrica de Minkowski, e é aplicável a um

universo tridimensional isotrópico no contexto da relatividade especial – isto é,

onde as interações gravitacionais são desprezíveis.

3 O PRINCÍPIO COSMOLÓGICO

Na seção 3.4 da aula 5, abordamos o princípio de Copérnico, que dizia que a

Terra não ocupa uma posição privilegiada no Universo. Quando interpretado da

forma mais ingênua, o princípio de Copérnico nos fala de posição: a Terra não se

situa no centro do Universo. Porém, o princípio de Copérnico pode ser interpretado

de uma forma mais profunda e gerando importantes implicações cosmológicas.

Quando observamos o Universo ao nosso redor, vemos que ele é fortemente

não-isotrópico. Do nosso ponto de vista, a cada direção em que observamos o

universo, ele aparenta possuir propriedades bastante distintas: acima do horizonte,

vemos uma atmosfera em rápida transformação, nuvens de vapor d’água se

condensando, um astro extremamente brilhante (o Sol) e, em sua ausência, uma

miríade de estrelas espalhadas por uma abóbada negra; abaixo do horizonte,

vemos uma densa e contínua distribuição de matéria, constituída de rochas e

coberta em partes por porções líquidas. Mas isso é percebido, por nós, somente em

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escalas relativamente pequenas – a distância até as estrelas mais próximas de nós.

Se pudermos observar o universo em grande escala (a distâncias muito maiores do

que as que nos separam das estrelas mais próximas), como o universo se parece?

Podemos ter uma ideia a esse respeito utilizando telescópios, fazendo varreduras

dos corpos celestes que podem ser encontrados em regiões distintas do céu e

comparando os resultados. Na aula 29, vamos ver com mais detalhes os resultados

dessas observações, que nos dizem como a matéria se distribui em grande escala

no universo. Por ora, vamos apenas dizer que, nas maiores escalas de distância já

observadas, o universo é isotrópico, com muito boa aproximação: observamos

características muito semelhantes, não importa a direção em que o observemos.

O que essas observações nos mostram, em conjunto com o princípio de

Copérnico? Se o Universo só se mostrasse isotrópico do nosso ponto de vista,

quando situados na Terra, então a Terra estaria, sim, situada em uma posição

privilegiada e única no Universo. Para ser compatível com o princípio de Copérnico,

a aparente isotropia do Universo deve ser resultado do fato de que o Universo tem

aproximadamente as mesmas propriedades em cada ponto: assim, qualquer

observador, situado em qualquer ponto do Universo, irá percebê-lo como isotrópico,

da mesma forma como o observamos a partir da Terra. A isotropia aparente do

Universo, em conjunção com o princípio de Copérnico, implica, portanto, que o

Universo é homogêneo em grande escala. A ideia de que o universo é homogêneo é

uma generalização do princípio de Copérnico, e recebe o nome de princípio

cosmológico. A cosmologia moderna é fundamentada no princípio cosmológico.

4 A MÉTRICA DE ROBERTSON-WALKER

Se admitimos que o Universo é homogêneo em grande escala, então

podemos ser mais específicos em relação à sua métrica do que fomos quando

definimos a métrica de Minkowski, que vale para um universo isotrópico:

('� = "(#� + (%� + ()�& − ��(.�

Aplicando essa métrica na equação fundamental da relatividade geral, 6.1,

iremos obter o comportamento do espaço-tempo do universo como um todo.

Porém, a métrica de Minkowski vale para um universo isotrópico, mas não

necessariamente homogêneo. Se o universo é homogêneo, pode-se demonstrar

que sua métrica é dada pela expressão:

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('� = ��(.� − /�".& 01 (�1 − 2� + �"(3� + sen�3 (6�&07 7.4

Essa é a métrica de Robertson-Walker. Quando aplicada para descrever o

comportamento global do espaço-tempo, nos fornece a evolução da forma do

espaço-tempo devido à presença de massa, e o movimento da massa devido à

deformação do espaço-tempo. Os elementos que aparecem na sua métrica são:

O tempo cósmico, 8: considere que, em algum instante no passado,

um conjunto de observadores sincronizou seus relógios. O tempo cósmico

será o tempo como medido por cada um desses observadores conforme se

desloca no espaço-tempo.

As coordenadas co-móveis 9, : e ;: especificam uma posição (em

coordenadas esféricas) no espaço em relação a uma origem qualquer,

normalizada pelas deformações na geometria do espaço que possam

acontecer ao longo do tempo cósmico. Se, por exemplo, o universo estiver

se expandindo ou contraindo devido à distribuição de matéria que contém,

as coordenadas co-móveis de um ponto não serão sensíveis a essa

expansão/contração. Já se duas partículas estiverem em movimento uma

em relação a outra, suas coordenadas co-móveis irão variar.

O fator de escala, <"8&: é uma função que informa como a distância

relativa entre quaisquer dois pontos varia com o tempo universal .. Esse

fator aparece na métrica porque, como já vimos, a presença de matéria no

universo deforma o espaço-tempo, o que significa que a própria escala de

tamanho do universo pode ser afetada pela matéria e, portanto, se alterar

com o tempo.

A curvatura, =: é uma constante que fornece o tipo de geometria

global do espaço-tempo do Universo. A constante 2 só pode assumir 3

valores possíveis: +1, 0 ou -1. Se 2 = +1, o universo é dito esférico ou

fechado; se 2 = −1, o universo é aberto ou hiperbólico; finalmente, se 2 = 0,

o universo é plano ou euclidiano.

Não é fácil visualizar o significado de um universo tridimensional “fechado”,

“aberto” ou plano. A melhor maneira de ilustrarmos o significado da curvatura 2 é

considerarmos um universo bidimensional. Se vivêssemos em um universo

bidimensional, estaríamos limitados a movimentos em duas dimensões. Se, além

de bidimensional, nosso universo fosse plano, ou seja, se 2 = 0, então ele seria um

universo euclidiano. Num universo euclidiano, a geometria euclidiana é válida.

Assim, um triângulo traçado em nosso universo bidimensional hipotético seria um

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triângulo “euclidiano”, no qual a soma dos ângulos internos resulta em 180∘, como

pode ser visto na figura 7.1:

Se, por outro lado, nosso universo hipotético for fechado, ou seja, se 2 = +1,

então esse universo será encurvado sobre si mesmo, formando uma esfera – daí

chamarmos um universo desse tipo de universo esférico. Um universo

bidimensional desse tipo está mostrado na figura 7.2. Nesse universo não-

euclidiano, os ângulos internos de um triângulo não somam 180∘.

Se o raio de curvatura desse universo for grande (ou seja, se a esfera

formada pelo universo bidimensional tiver um raio grande), um habitante desse

universo não perceberá uma diferença evidente entre seu universo e um universo

Figura 7.1: Ilustração de um triângulo em um universo bidimensional euclidiano. A soma dos ângulos internos desse triângulo é igual a 180º.

Figura 7.2: Ilustração de um triângulo em um universo bidimensional fechado (2 = +1). A soma dos ângulos internos desse triângulo é maior do que 180º.

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plano (com 2 = 0), já que, localmente, terá a impressão de que vive num universo

plano. Compare dois triângulos traçados por moradores de um universo com 2 = +1

com diferentes raios de curvatura, como mostrado na figura 7.3. No universo com

maior raio de curvatura, embora a soma dos ângulos internos do triângulo ainda

seja superior a 180º, essa soma é mais próxima de 180º do que em um universo

com pequeno raio de curvatura, e essa diferença é tanto menor quanto maior for o

raio de curvatura do universo em questão.

Note que um habitante desse universo pode, em teoria, partir de um ponto

qualquer, andar em “linha reta” (do seu ponto de vista) e acabar retornando ao

ponto de partida. Isso acontece justamente porque seu universo é “fechado”, sem

limites físicos nas suas duas dimensões.

Já se esse universo bidimensional tiver 2 = −1, ele será curvado

contrariamente a um universo esférico. Esse universo formará uma hipérbole

bidimensional, como mostra a figura 7.4. Nesse universo, também não-euclidiano,

os ângulos internos de um triângulo não somam 180∘.

Figura 7.3: Ilustração de um mesmo triângulo em dois universos bidimensionais fechados (2 = +1), mas com raios de curvatura distintos (o universo com menor raio de curvatura é mostrado acima, à esquerda). A soma dos ângulos internos desse triângulo em ambos universos é maior do que 180º, mas a diferença é menor no universo de maior raio de curvatura.

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Também nesse caso, se o raio de curvatura do universo for grande, um

habitante desse universo não irá distinguir, localmente, se está num universo com

2 = 0 ou 2 = −1, como mostra a figura 7.5.

Figura 7.4: Ilustração de um triângulo em um universo bidimensional aberto (2 = −1). A soma dos ângulos internos desse triângulo é menor do que 180º.

Figura 7.5: Ilustração de um mesmo triângulo em dois universos bidimensionais abertos (2 = −1), mas com raios de curvatura distintos (o universo com menor raio de curvatura é mostrado acima, à esquerda). A soma dos ângulos internos desse triângulo em ambos universos é menor do que 180º, mas a diferença é menor no universo de maior raio de curvatura.

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Com base nesses exemplos, podemos entender a curvatura 2 como um

parâmetro que indica se as três dimensões espaciais formam uma esfera

quadridimensional (uma hiperesfera), um plano tridimensional ou uma hipérbole

quadridimensional.

Finalmente, uma propriedade importante do parâmetro 2 é que ele não varia

com o tempo. Se nosso o universo “nasceu” fechado, ele irá permanecer fechado.

Se nosso universo for plano, permanecerá plano, e assim por diante.

5 MODELOS DE UNIVERSOS DE FRIEDMANN

De posse da métrica de Robertson-Walker, podemos determinar as

propriedades geométricas do espaço-tempo e, portanto, conhecemos a geometria

do universo exceto pelos valores de 2 e /".&. A partir dessa métrica, podemos

determinar, via equação 7.2, o tensor métrico, e, com isso, o lado esquerdo das

equações de Einstein da relatividade geral, aplicadas para o universo como um

todo, fica determinado (equação 6.2):

��� − 12 ���� = − 8��

�� ���

Usando as equações de Einstein com uma constante cosmológica (equação

6.3), o lado esquerdo fica definido a menos do valor �:

��� − 12 ���� + ���� = − 8��

�� ���

O lado direito da equação contém toda a informação de como a matéria está

distribuída no universo. O termo ��� é o tensor momentum-energia. Podemos

determinar esse tensor se conhecemos como a massa e a energia se distribuem.

Como a métrica de Robertson-Walker implica em um universo homogêneo e

isotrópico, então ��� deve corresponder ao tensor momentum-energia de uma

distribuição de massa e energia homogênea e isotrópica. Podemos modelar um

universo desse tipo como preenchido por um pó homogêneo, com uma densidade

?@ e uma pressão A. Para uma distribuição de massa e energia dessa forma, o

tensor momentum-energia fica:

��� = B ��C��D E ? � + AF #G C#G D

C,D− A��� 7.5

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Como conhecemos os dois lados da equação, podemos resolver as equações

de Einstein para o fator de escala /".& em termos da curvatura 2 do universo. A

solução das equações de Einstein, para um universo homogêneo e isotrópico, e

utilizando a métrica de Robertson-Walker, conduz às equações de Friedmann:

/H ".& = − 4��3 /".& E? + 3A

�� F + 13 �/".& 7.6

/G �".& = 8��?3 /�".& − 2�� + 1

3 �/�".& 7.7

Essas equações nos fornecem a evolução temporal do fator de escala do

Universo, ou seja, nos dizem como a escala física do espaço muda com o passar do

tempo. A equação 7.6, por exemplo, pode ser interpretada da seguinte forma. A

segunda derivada temporal do fator de escala (ou a “aceleração” sofrida pelo

tamanho físico do universo) corresponde à soma de dois termos.

O primeiro termo à direita da equação 7.6 é um termo negativo e contém os

efeitos da matéria sobre a geometria do universo (tanto pela densidade ? como

pela pressão a que ela está submetida, A). Já que esse termo é negativo, a matéria

produz sempre uma aceleração negativa no fator de escala, ou seja, trabalha no

sentido de diminuir o fator de escala do universo. Assim, a presença de matéria no

universo sempre trabalha no sentido de colapsar o universo.

O segundo termo do lado direito da equação 7.6 é um termo que depende

exclusivamente da constante cosmológica �. Se � > 0, então o efeito desse termo é

de acelerar a expansão do universo, comportando-se de forma contrária à matéria.

A constante cosmológica é interpretada como uma espécie de “energia de vácuo”,

ou energia escura, que não está associada à matéria.

6 PARÂMETROS COSMOLÓGICOS

A partir das equações 7.6 e 7.7, podemos definir um conjunto de

parâmetros associados à geometria do espaço-tempo que facilitam a interpretação

dessas soluções e que podem ser medidas diretamente a partir de observações

astronômicas.

A constante de Hubble, K".&, é definida como:

K".& = /G ".&/".&

7.8

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Essa constante pode ser definida para cada instante de tempo e mede a taxa

com que o universo está mudando seu fator de escala para um dado tempo

cósmico . (portanto, na verdade, a “constante” de Hubble não é uma constante).

Se realizarmos uma medição da constante de Hubble no presente (.@), estaremos

medindo o valor no presente da constante de Hubble, K@. A constante de Hubble

reduzida, ℎ, é uma normalização da constante K@:

ℎ = K@100 7.9

A constante de Hubble desempenha um papel extremamente importante na

cosmologia, como veremos na seção 8.

A densidade crítica, ?M, é definida como:

?M = 3K�8��

7.9

Como a densidade crítica depende somente da constante de Hubble K, e a

constante de Hubble depende do tempo, a densidade crítica também é uma função

do tempo. Num universo cujo fator de escala pode variar no tempo, é natural

pensarmos que a densidade desse universo também possa fazê-lo. Se formos

capazes de medir a densidade do Universo no presente (tanto a densidade de

matéria como de energia), podemos nos referir a essa densidade em termos da

densidade crítica, definindo o parâmetro de densidade, Ω@:

Ω@ = ?@?M = 8��?@3K@�

7.10

Associada à constante cosmológica e à energia de vácuo, podemos definir

um parâmetro que mede a densidade de energia associada ao vácuo, ?O:

?O = �8��

7.11

Assim como definimos um parâmetro de densidade em termos da densidade

crítica, podemos definir o parâmetro de densidade do vácuo, ΩP:

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ΩP = ?O?M = 8��?O3K@�

7.12

Com essas definições, podemos re-escrever as equações 7.5 e 7.6 como

segue:

/H ".& = − Ω@K@�2/�".& + ΩPK@�/".& 7.13

/G �".& = Ω@K@�/".& − 2�� + ΩPK@�/�".& 7.14

Se realizamos uma medida no instante presente .@, podemos definir /".@& =1. Como K@ = /G".@&//".@&, então /G".@& = K@ e, com isso, obtemos da equação 7.14:

K@� = Ω@K@� − 2�� + ΩPK@� 7.15

2 = Q"Ω@ + ΩP& − 1R K@��� 7.16

Da equação 7.16, podemos notar que um universo plano (2 = 0) só ocorre se

Ω@ + ΩP = 1; se Ω@ + ΩP > 1, o universo é fechado, e se Ω@ + ΩP < 1, ele é aberto. Com

isso, se for possível medir diretamente os parâmetros K@, ΩP e Ω@, podemos inferir

qual o tipo de geometria do nosso universo.

7 INFERÊNCIAS COSMOLÓGICAS A PARTIR DE OBSERVAÇÕES

ASTRONÔMICAS

As propriedades geométricas do espaço-tempo deixam assinaturas na

aparência do universo, quando vistas por um observador qualquer. Essas

assinaturas, quando convertidas nos parâmetros cosmológicos mostrados na seção

6, nos permitem identificar as propriedades geométricas do universo. Vejamos

algumas dessas assinaturas.

7.1 Redshifts cosmológicos

Na seção 5 da aula 6, abordamos o fenômeno do redshift gravitacional. Ele

ocorre, como vimos, devido à propagação de raios luminosos numa região onde

existe um campo gravitacional não homogêneo: o comprimento de onda da luz

captada é diferente do comprimento de onda com que essa luz é emitida.

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Um outro tipo de redshift, produzido por um efeito totalmente diferente, é o

redshift cosmológico. Considere que uma fonte A, em um dado instante cósmico .$, emitiu um feixe de luz visível de comprimento de onda T em direção a um detector

B. As equações de Friedmann nos mostram que a presença de matéria e de energia

escura no universo produzem alterações no fator de escala do universo, /".&. Se, durante o tempo em que o feixe está se deslocando entre a fonte e o

detector, tiver ocorrido um aumento no fator de escala, quais serão as

características do feixe luminoso quando atingir o detector B? Ora, se o fator de

escala aumentou, então o comprimento de onda do feixe (uma medida de

comprimento, assim como o fator de escala) terá aumentado pelo mesmo fator.

Como o comprimento de onda captado, T′, será maior do que o emitido, o detector

B receberá um feixe de luz deslocado em direção aos maiores comprimentos de

onda, ou seja, uma luz mais avermelhada, deslocada para o vermelho. Esse

fenômeno é chamado redshift cosmológico porque sua ocorrência é um efeito

puramente cosmológico devido à variação no fator de escala do universo. Podemos

definir um parâmetro que fornece a intensidade desse desvio para o vermelho, o

redshift ):

) = TV − TT

7.17

Como TV > T, então ) > 0. Já se o fator de escala está diminuindo com o

tempo, o detector B

irá captar um feixe

luminoso com

comprimento de

onda menor do que

o emitido. Assim,

teremos um desvio

do comprimento de

onda da luz emitida

em direção ao azul,

e não ao vermelho –

fenômeno que

chamamos de

blueshift, ou “desvio

para o azul”. Nesse

caso, a equação 7.17

Efeito Doppler: sempre que uma fonte que emite uma onda

qualquer (luminosa, mecânica etc.) estiver em movimento

relativamente a um detector, o comprimento de onda captado

pelo detector será diferente do emitido pela fonte. Podemos

perceber esse efeito quando um veículo sonoro (dotado de uma

sirene, com caixas de som etc.) passa por nós: nossos ouvidos

notam a mudança de comprimento de onda da onda sonora

emitida. Um exemplo notável do efeito Doppler é o sistema de

voo dos morcegos: para se localizarem no espaço enquanto

voam, os morcegos emitem ondas sonoras de alta frequência e

captam novamente essa onda após sofrer reflexão contra

eventuais obstáculos. O morcego consegue avaliar a velocidade

com que o obstáculo se move a partir das variações percebidas

no comprimento da onda sonora que seus ouvidos captam devido

ao efeito Doppler. Você vai conhecer mais sobre esse efeito na

disciplina Física II.

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fornece ) < 0.

Assim, podemos diferenciar facilmente um universo que esteja em expansão

de um universo que esteja contraindo: se for observado o fenômeno do redshift

cosmológico, então o fator de escala está aumentando e, com isso, o universo está

em expansão; do contrário, se for observado um blueshift cosmológico, então o

fator de escala está diminuindo e o universo está se contraindo.

Um outro fenômeno, de origem não-cosmológica, é o do redshift devido ao

efeito Doppler. Se uma fonte de luz está se afastando de um detector, então o

detector irá captar uma luz cujo comprimento de onda está deslocado para o

vermelho. Esse fenômeno acontece devido apenas ao movimento relativo entre

fonte e detector e nada tem a ver com cosmologia. Se observamos um redshift da

luz de um corpo celeste, precisamos determinar qual a natureza desse redshift

antes de associá-lo a um efeito cosmológico.

7.2 A lei de Hubble

Nas primeiras décadas do século XX, o astrônomo Edwin Hubble dedicava-se

a realizar levantamentos da distância que separa as galáxias, enormes enxames de

estrelas ligadas entre si pelo efeito gravitacional mútuo, da Terra. Além disso,

Hubble realizou estimativas da velocidade relativa dessas galáxias. No ano de 1929,

Hubble demonstrou a existência de uma relação aproximadamente linear entre a

distância estimada de uma galáxia em relação à Terra e sua velocidade aparente.

Em linhas

gerais, Hubble

percebeu que as

galáxias parecem

sistematicamente se

afastar da Terra e

que, quanto mais

distante uma galáxia

se encontra, maior

sua velocidade

aparente de

afastamento, ou de

recessão. Se W representa a distância estimada da galáxia e � sua velocidade de

recessão estimada, a relação encontrada por Hubble, chamada lei de Hubble, pode

ser escrita na forma � = XW, onde X é uma constante de proporcionalidade. O fato é

que essa constante de proporcionalidade é exatamente igual à constante K@

Figura 7.1: Edwin Powell Hubble. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Edwin_Hubble.jpg

Edwin Hubble: astrônomo estadunidense,

viveu entre 1889 e 1953. É um dos pais da

cosmologia observacional, tendo

demonstrado não apenas a existência das

galáxias como objetos independentes

(como veremos nas aulas 26 a 28) mas

também que o universo está em expansão.

O primeiro e mais famoso telescópio em

órbita da Terra foi batizado com seu nome.

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definida pela equação 7.8, a constante de Hubble. Assim, a lei de Hubble pode ser

expressa como:

� = K@W 7.18

O que Hubble não sabia, na época, é que as velocidades que ele atribuía às

galáxias observadas não são velocidades de deslocamento intrínsecas a essas

galáxias, e sim uma velocidade aparente devido ao fato de que o fator de escala do

universo está aumentando. Assim, a lei de Hubble expressa o fato de que o

universo está em expansão. As galáxias da amostra de Hubble apresentavam

sistematicamente um redshift de origem cosmológica, uma assinatura da evolução

da geometria do espaço em função do tempo cósmico. O redshift cosmológico

dessas galáxias pode ser obtido a partir de sua velocidade de recessão por:

) = ��

7.19

A partir das definições de redshift cosmológico e da constante de Hubble,

podemos mostrar que o fator de escala do universo em um dado tempo cósmico . no qual uma galáxia distante emitiu radiação se relaciona com o redshift ) que

mediremos para essa mesma galáxia no presente (.@) pela expressão:

/".& = 11 + )

7.20

Sendo assim, quando observamos a luz emitida por uma galáxia a um

redshift cosmológico ), estamos captando a luz emitida por um objeto quando o

universo tinha um fator de escala /".&. Se observamos uma galáxia a ) = 0,1,

estamos observando a luz emitida por uma galáxia quando o universo tinha 91%

do seu fator de escala atual; se observamos uma galáxia a ) = 1,0, essa luz foi

emitida quando o universo tinha somente metade do seu raio de escala atual!

Atualmente, as melhores estimativas experimentais para a constante de

Hubble fornecem K@ = 72 km s[$Mpc[$. A unidade Mpc é uma unidade astronômica de

distância, como veremos na aula 13.

7.3 A radiação cósmica de fundo

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Em meados dos anos 60, dois cientistas, Arno Penzias (físico) e Robert

Wilson (astrônomo), trabalhavam na implementação de uma antena de rádio

(ondas eletromagnéticas com comprimentos de onda entre 1 cm e 10 m,

aproximadamente), para uso em radioastronomia e em comunicações com

satélites. Uma de suas tarefas era garantir o isolamento da antena de qualquer

fator de interferência, que pudesse gerar sinais espúrios captados na antena.

Basicamente, isso implica em garantir que, quando a antena não está apontada

para nenhum emissor de rádio, o sinal indicado pela antena seja, de fato, zero. Se

uma antena qualquer indica algum sinal mesmo na ausência de uma fonte

emissora, existe algum problema de isolamento da recepção.

O problema enfrentado por Penzias e Wilson era que, não importa o quanto

tentassem resolver problemas de recepção, a antena sempre indicava uma certa

leitura, muito pequena mas constante. Não importa a direção no céu para a qual

apontassem: mesmo apontando para o espaço vazio, sempre havia um fluxo

aparente de ondas de rádio atingindo a antena. Em 1964, finalmente Penzias e

Wilson reconheceram que esse sinal não era fruto de uma falha de isolamento, mas

que essas ondas de rádio realmente atingiam a antena. A partir da intensidade da

radiação recebia em diferentes comprimentos de onda de rádio, Penzias e Wilson

mostraram que essa radiação era compatível com a emissão de um corpo negro

com uma temperatura

de aproximadamente

2,7 Kelvin (-270,3ºC).

A radiação

detectada por Penzias

e Wilson não é

proveniente de

nenhum objeto em particular: ela preenche o universo inteiro, sendo proveniente

de todas as direções. Como veremos mais adiante, a natureza dessa radiação é

cosmológica, tendo surgido a partir das condições físicas do universo em um certo

momento de sua história, razão pela qual chamamos essa radiação de radiação

cósmica de fundo. As implicações da descoberta da radiação cósmica de fundo são

tão importantes, como veremos na seção a seguir, que Penzias e Wilson viriam a

receber o prêmio Nobel de Física pela sua descoberta.

8 O BIG BANG

Os modelos de universo de Friedmann e as observações realizadas por

Hubble foram, pela primeira vez, reunidas em um único corpo de conhecimento

Corpo negro: um corpo idealizado (inexistente na prática) capaz

de absorver completamente qualquer radiação recebida por ele.

Um corpo desse tipo emite radiação seguindo uma distribuição

característica, que depende da temperatura desse corpo. Alguns

corpos reais possuem um espectro de radiação bastante

semelhante com o de um corpo negro.

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cosmológico pelo matemático e padre Georges Lemaître. Foi Lemaître quem propôs

que os redshifts das galáxias observadas por Hubble eram de origem cosmológica,

e não desvios Doppler devido ao movimento desses objetos. Em 1927, Lemaître

publicou um artigo contendo suas ideias, que envolviam não apenas uma conexão

das observações de Hubble com a relatividade geral, mas também uma possível

conexão com o passado do universo.

Lemaître raciocinou da seguinte forma. O universo, no presente, se encontra

em expansão, como mostra a lei de Hubble. Com o passar do tempo, espera-se que

o fator de escala do universo aumente. Da mesma forma, se “voltarmos atrás” no

tempo, espera-se que o fator de escala do universo diminua: o universo, quanto

mais “jovem”, deve ser fisicamente menor. Se continuarmos realizando essa “volta

ao passado” mental, veremos o universo inteiro diminuindo seu raio de escala,

fazendo com que objetos distantes entre si no presente estejam cada vez mais

próximos uns dos outros no passado. O universo, assim, parece cada vez mais

denso, conforme voltamos no tempo. Podemos, hipoteticamente, até falar de um

começo para o universo: um instante no qual seu raio de escala era

infinitesimalmente pequeno e toda a massa estava concentrada em um único ponto

de densidade infinita. Neste instante, o universo iniciou um processo pelo qual

passou a expandir a partir desse ponto de densidade infinita. Esse processo foi

posteriormente chamado de Big Bang pelo astrônomo Fred Hoyle – em português,

“Grande Estouro”.

A ideia de um Big Bang inicialmente não foi seriamente considerada, mas

sua capacidade explicativa e seu conjunto de previsões foram posteriormente

reconhecidos. O Big Bang não é simplesmente a expansão de uma porção de

matéria no interior do universo: é a expansão do próprio universo a partir de uma

singularidade, uma condição de densidade infinita. Como o tempo em si é uma das

dimensões do universo segundo a relatividade geral, não existe um instante

“anterior” ao Big Bang: o tempo, o espaço, o universo inteiro têm início nesse

processo.

A hipótese do Big Bang explica a lei de Hubble, associando a expansão

presente do universo ao prolongamento da expansão primordial. Mas ela fornece

ainda mais informações. O universo está em expansão; a velocidade dessa

expansão pode ser inferida a partir da lei de Hubble,

� = K@W.

A partir da lei de Hubble, podemos inferir quanto tempo foi necessário para

que duas galáxias se separassem de uma distância W a partir do Big Bang, se a

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velocidade de expansão foi constante ao longo da história do universo. Pela

definição de velocidade, � = W/., e assim:

. = 1K@

7.20

Assim, a hipótese do Big Bang, em conjunto com a lei de Hubble, permite

estimar a idade do universo – o tempo transcorrido desde o Big Bang. Com a

melhor estimativa atual do valor de K@, obtemos . ∼ 14 × 10a anos, ou cerca de

quatorze bilhões de anos. Essa seria a idade aproximada do universo, estimativa

essa também condizente com as idades das estrelas mais velhas conhecidas.

Finalmente, a hipótese do Big Bang está de acordo com a radiação cósmica

de fundo. O universo primordial (imediatamente após o Big Bang) deveria ser, além

de extremamente denso, também extremamente quente. Conforme o universo

expandiu, a radiação que permeava o universo nos seus primórdios, propagando-se

pelo espaço, sofreu um efeito semelhante ao redshift cosmológico. Sendo assim,

um observador que detecte essa radiação no presente irá percebê-la como uma

radiação proveniente de todas as direções e associada a um corpo negro bastante

frio, embora sua emissão tenha ocorrido nos primórdios superaquecidos do

universo. A temperatura com a qual deveríamos observar essa radiação primordial

pode ser calculada a partir de um modelo cosmológico (como os de Friedmann), e

os cálculos conduzem exatamente aos 2,7 K de temperatura associada à radiação

cósmica de fundo descoberta por Penzias e Wilson.

9 COSMOLOGIA CONTEMPORÂNEA

As últimas décadas produziram um enorme fluxo de dados cosmológicos

provenientes de observações com equipamentos extremamente precisos e de

técnicas avançadas de análise. Esses dados conduziram à chamada cosmologia de

concordância: um conjunto de parâmetros que descrevem a estrutura do universo e

sua geometria que melhor se ajustam a todo o conjunto de observações disponível.

Os dados que estabeleceram a base para a cosmologia de concordância

atual são, entre outros:

Flutuações na radiação cósmica de fundo: a radiação cósmica de

fundo, como vimos, pode ser captada em todas as direções e é sempre

compatível com uma temperatura de 2,7 K. Porém, ela apresenta pequenas

flutuações: em algumas direções a temperatura medida é maior e em

outras, menor. As características dessas flutuações estão diretamente

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ligadas com as propriedades do universo quando do período em que a

radiação se “desacoplou” da matéria (antes disso, o universo era permeado

por partículas que absorviam totalmente a radiação). Como, hoje em dia, a

matéria no universo não está homogeneamente distribuída (formando os

corpos celestes), então a radiação, ao “desacoplar” da matéria, carregando

em si um pouco da informação sobre como essa matéria estava distribuída,

deve revelar as flutuações de densidade que mais tarde dariam origem aos

corpos celestes. Essas flutuações podem ser diretamente comparadas com

os modelos cosmológicos. A figura 7.6 mostra o mapa de flutuações da

radiação cósmica de fundo obtido pelo satélite WMAP (Wilkinson Microwave

Anisotropy Probe).

Nucleossíntese primordial: quando o universo era ainda muito

jovem (menos de 1 segundo após o Big Bang), a temperatura era tão alta

que prótons e nêutrons eram incapazes de se unir formando os núcleos

atômicos. Além disso, reações de decaimento constantemente convertiam

nêutrons e elétrons em prótons e vice-versa. Como conhecemos a eficiência

desses processos, podemos estimar a frequência relativa de prótons e

nêutrons produzidos nessa época. Mais ainda, conhecendo como os

diferentes núcleos atômicos se formam e como interagem uns com os outros

formando novos núcleos, podemos prever qual será a constituição química

do universo em qualquer instante posterior. Essa área de pesquisa

cosmológica, chamada nucleossíntese primordial, foi aberta por Ralph

Alpher, George Gamow e Hans Bethe, nos anos 40. As proporções relativas

dos diferentes núcleos atômicos observados no universo podem ser

Figura 7.6: Mapa de flutuações da radiação cósmica de fundo obtido pelo WMAP. Fonte: http://map.gsfc.nasa.gov/.

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comparados com as previsões da nucleossíntese primordial (cujos

parâmetros dependem da cosmologia do universo).

A estrutura em grande escala do universo: assim como as

flutuações de densidade primordiais (reveladas pelas flutuações na radiação

cósmica de fundo) dependem dos parâmetros cosmológicos do universo,

também as flutuações de densidade observadas no universo dependem

desses parâmetros. Se formos capazes de mapear com precisão a forma

como a matéria se distribui em grande escala no universo, podemos

comparar essa distribuição com diferentes modelos cosmológicos. A figura

7.7 mostra uma projeção da distribuição de galáxias em uma fração do

universo obtida pelo levantamento de galáxias 2dF. A partir dessa

distribuição, podemos estimar o valor de parâmetros cosmológicos e,

conseqüentemente, informações sobre a geometria do universo.

Idades das estrelas: como veremos na unidade IV, hoje em dia já

se sabe o suficiente sobre o ciclo de vida das estrelas para que possamos

inferir não somente as idades de estrelas individuais, mas especialmente a

de conjuntos de estrelas ligadas gravitacionalmente. Podemos, portanto,

utilizar a idade das estrelas mais velhas observadas para estimar a idade do

universo.

Figura 7.7: Distribuição de uma fração de galáxias no universo obtida pelo levantamento 2dF. Fonte: http://www2.aao.gov.au/2dFGRS/.

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Supernovas Ia: algumas estrelas encerram sua vida em uma

explosão que libera enormes quantidades de matéria no espaço. Durante

essa explosão, chamada supernova, a luminosidade da estrela aumenta

milhares de vezes. Todas as supernovas Ia são extremamente semelhantes

entre si; elas atingem um pico de luminosidade muito semelhante, e todas

apresentam distribuições de luz semelhantes. Portanto, a medida da

luminosidade de pico de uma supernova é uma medida indireta de sua

distância. Assim, podemos construir um diagrama com a distância e o

redshift de um conjunto de supernovas observadas a diferentes distâncias.

Esse diagrama pode ser comparado diretamente com as previsões de

diferentes modelos cosmológicos. A figura 7.8 mostra um diagrama desse

tipo obtido pelo Supernova Cosmology Project.

A cosmologia de concordância, baseada nos dados acima e em outros,

conduz a um modelo de universo com uma geometria global plana, ou seja,

Ω@ + ΩP = 1 e 2 = 0. Sendo assim, o universo globalmente é semelhante a um

universo euclidiano. Além disso, o universo possui uma constante cosmológica

diferente de zero.

Figura 7.8: Diagrama de luminosidade aparente (magnitude +) em função do redshift ) para supernovas tipo Ia, do Supernova Cosmology Project. Fonte: http://supernova.lbl.gov/Union/.

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De fato, o valor mais aceito hoje em dia para o parâmetro de densidade

associado à constante cosmológica é ΩP = 0,73, ou seja, a constante cosmológica

responde por 73% da densidade crítica do universo. Fisicamente, atribui-se a

constante cosmológica a uma espécie de “energia escura” que tende a expandir o

universo. Na cosmologia de concordância, a energia escura produz uma aceleração

da taxa de expansão do universo, ou seja, devido à energia escura, o universo se

expande indefinidamente e cada vez mais depressa. A constante de Hubble é

estimada como 70,5 ± 1,3 km s[$Mpc[$, e a idade do universo é de 13,72 ± 0,12 × 10a anos.

ATIVIDADES

Revise o conteúdo da aula de hoje, que é bastante longo e repleto de

conceitos novos. A aula 8 requer o conhecimento de conceitos abordados na aula

de hoje.

RESUMO

Nesta aula, você viu:

� Os fundamentos dos modelos cosmológicos modernos.

� A lei de Hubble.

� O significado da radiação cósmica de fundo.

� O conceito de Big Bang.

REFERÊNCIAS

FERRIS, Timothy. Coming of age in the Milky Way. perennial ed. New York:

HarperCollins, 2003.

LIDDLE, Andrew. An introduction to modern cosmology. 2.ed. Wiley:

Chichester, 2003.

LONGAIR, Malcolm S. Galaxy Formation. 2.ed. Berlim: Springer-Verlag, 2008.

PAIS, Abraham. “Sutil é o Senhor...”: a ciência e a vida de Albert Einstein.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

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AULA 8 – VERIFICANDO A LEI DE HUBBLE

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:

� compreender o significado cosmológico da lei de Hubble;

� ser capaz de verificar o caráter linear da lei de Hubble para um conjunto de

observações astronômicas.

1 INTRODUÇÃO

Na aula 7, vimos que existe uma relação linear entre a distância que nos

separa de uma galáxia e a velocidade com que essa galáxia se afasta de nós,

relação essa chamada lei de Hubble e dada pela equação 7.18:

� = K@W

Nesta aula prática, iremos estimar a velocidade de recessão e a distância de

um pequeno conjunto de galáxias e demonstrar que essas grandezas são

aproximadamente proporcionais. Vamos, também, realizar uma estimativa do valor

da constante de Hubble, K@.

2 METODOLOGIA

As figuras 8.1 a 8.5 mostram imagens obtidas para 10 galáxias, todas com

morfologias semelhantes. Essas galáxias estão localizadas a diferentes distâncias

em relação à nossa galáxia. As imagens foram todas obtidas com a mesma escala

espacial, ou seja, compreendem a mesma seção do céu. Sobreposta à imagem de

cada galáxia, há uma grade quadrada, cuja função vamos discutir mais abaixo.

Como você pode perceber, as galáxias parecem ter tamanhos variados. Isso

pode ser devido a dois fatores: ou as galáxias possuem realmente tamanhos físicos

diferentes em qualquer distância, ou elas aparentam ser de tamanhos diversos

simplesmente porque se situam em diferentes distâncias, o que faz com que as

galáxias mais distantes pareçam menores e as mais próximas, menores. No nosso

experimento, vamos considerar que as galáxias, por terem morfologias

semelhantes, possuem tamanhos intrínsecos semelhantes e, assim, quaisquer

diferenças entre seus tamanhos aparentes é devida principalmente às diferentes

distâncias ocupadas por elas.

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Figura 8.1: Imagem das galáxias ESO 409 G 012 (acima) e IC 708 (abaixo). Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.

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Figura 8.2: Imagem das galáxias NGC 315 (acima) e NGC 1298 (abaixo). Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.

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Figura 8.3: Imagem das galáxias NGC 2768 (acima) e NGC 3379 (abaixo). Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.

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Figura 8.4: Imagem das galáxias NGC 4841B (acima) e NGC 6020 (abaixo). Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.

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Figura 8.5: Imagem das galáxias NGC 7194 (acima) e NGC 7436B (abaixo). Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.

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A partir das imagens das galáxias mostradas nas figuras 8.1 a 8.5, você vai

medir o tamanho aparente de cada uma delas e, a partir dessa medida, estimar a

distância em que cada galáxia se encontra. Para isso, siga os seguintes passos:

1) Com o auxílio da grade e usando o teorema de Pitágoras, faça

uma estimativa do diâmetro aparente de cada galáxia. Isso será

uma tarefa relativamente simples para as galáxias cujo formato

aparente é o de um disco. Algumas galáxias possuem formatos

aparentes semelhantes a elipses. Nesse caso, meça o eixo maior

da galáxia.

2) As medidas de diâmetro que você obteve no item acima estão em

unidades arbitrárias. Para transformar esse diâmetro aparente em

alguma escala física, use o fato de que cada quadrado da grade

compreende um ângulo de 7,12 × 10[f radianos no céu. Com isso,

você pode expressar as medidas de diâmetro aparente das

galáxias em um ângulo 3, expresso em radianos.

3) Os ângulos 3 compreendidos pelas galáxias e obtidos acima estão

relacionados à distância W em que a galáxia se encontra e com

seu diâmetro físico (. Com um pouco de trigonometria, é fácil

mostrar que:

W = (2 tan �32�

8.1

Assim, se conhecermos o tamanho físico ( de uma galáxia,

podemos calcular sua distância W. Porém, o valor de ( não é, em

princípio, conhecido para cada galáxia individual. Para calcular a

distância W de cada galáxia, você vai utilizar uma estimativa

independente do diâmetro físico da galáxia NGC 315, utilizando

ferramentas astrofísicas diversas, que é de 0,036 Mpc. Como já

explicado anteriormente, vamos considerar que todas as galáxias

da nossa amostra possuem tamanhos físicos semelhantes; assim,

vamos usar a estimativa de ( = 0,036 Mpc para todas as galáxias

da amostra.

Agora já possuímos estimativas da distância W de cada uma dessas galáxias,

na unidade Mpc. Para construirmos um diagrama de Hubble, precisamos, agora, de

uma estimativa de sua velocidade de recessão. Para isso, siga os seguintes passos:

1) Como vimos na aula 7, quando uma galáxia está se afastando de

nós, a radiação que captamos proveniente dessa galáxia sofre um

desvio para o vermelho, ou redshift. Devido a esse efeito, toda a

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luz emitida originalmente pela galáxia com um certo comprimento

de onda T é captada por nós com um comprimento de onda T′ maior do que T. A tabela 8.1 fornece a freqüência T′ com que um

determinado tipo de radiação eletromagnética, oriunda de uma

transição eletrônica conhecida de uma dada molécula e que

ocorre no comprimento de onda T = 517,5 nm nos laboratórios na

Terra, foi detectada para cada uma das galáxias da amostra. Com

os dados dessa tabela, calcule o redshift de cada uma das

galáxias da amostra, usando a equação 7.17:

) = TV − TT

2) De posse dos valores do redshift de cada galáxia, é simples

calcular sua velocidade de recessão, usando a equação 7.19:

) = ��

Use, na equação 7.19, � ∼ 3,0 × 10f km/s. Com isso, você vai obter

uma velocidade de recessão em quilômetros por segundo.

Galáxia i′ (para i = jkl, j mn)

ESO 409 G 012 531,3 nm

IC 708 533,9 nm

NGC 315 526,0 nm

NGC 1298 528,8 nm

NGC 2768 519,9 nm

NGC 3379 519,1 nm

NGC 4841B 528,4 nm

NGC 6020 524,9 nm

NGC 7194 531,4 nm

NGC 7436B 530,2 nm

Tabela 8.1: Comprimento de onda medido T′ para a radiação originalmente emitida no comprimento de

onda T = 517,5 nm para as 10 galáxias da amostra.

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3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

De posse dos valores de � e W obtidos na seção 2 para cada uma das

galáxias, você pode construir o diagrama de Hubble. Faça esse diagrama,

colocando W no eixo horizontal e � no eixo vertical, utilizando programas para

criação de gráficos, planilhas eletrônicas ou papel milimetrado.

Verifique, no diagrama construído, que as galáxias da amostra tendem a se

afastar de nós tanto mais rapidamente quanto mais distantes elas se encontram.

Analisando esse diagrama, faça uma estimativa da constante de proporcionalidade

entre � e W. Compare esse valor com a melhor estimativa moderna, K@ = 70,5 ±1,3 km s[$ Mpc[$.

RESUMO

Nesta aula, você viu:

� Uma aplicação prática de conceitos associados à cosmologia.

� A construção de um diagrama de Hubble a partir de estimativas

observacionais.

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