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Unidade 2
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
Resolução alternativa de conflitos: técnicas e aplicação
Maria Florencia Aviles
Mediação como importante estratégia de resolução de conflitos
A mediação é estabelecida como caminho intermediário entre os métodos informais de
resolução de conflitos e os métodos formais. Geralmente, os métodos informais
acontecem entre grupos de familiares, de amigos e de trabalho, onde não há regras
estabelecidas nem terceiros envolvidos para ajudar em sua solução. Entre os métodos
formais temos o julgamento.
Essa definição, portanto, guarda relação com a ideia da mediação como alternativa ao
processo judicial. Em um sentido mais amplo, podemos citar a definição que Lascoux
(2006) propõe sobre a mediação como a arte da comunicação: “a mediação baseia-se
na arte da linguagem para permitir a criação ou recriação da relação. Implica a
intervenção de um terceiro interveniente neutro, imparcial e independente, o
mediador que desempenha uma função de intermediário nas relações. Operacionaliza a
qualidade da relação e da comunicação”1.
Existem, contudo, concepções e aplicações muito diversas ao termo. Entre as mais
difundidas podemos colocar:
“A mediação é um processo no qual um terceiro, que é neutro, busca facilitar a solução
de um conflito sem estabelecer a solução”... “Processo informal que tem como objetivo
ajudar as partes a atingir um acordo benéfico para as duas”. Sharon Press2
“A mediação é um processo que se constrói continuamente, sendo seu objeto a disputa.
Defino a disputa como um momento do conflito, mas não um momento estático porque
ela também é um processo (...) onde a relação encontra-se rígida (...) o que impede
visualizar novas opções de solução à situação”. Marinés Suárez (2005, p. 265-266)
1 Definição oferecida no site http://www.forum-mediacao.net/module2display.asp?id=39&page=2 2 Em material oferecido na formação básica de mediadores. Colégio de Abogados de Córdoba, Argentina.
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“Proporcionar um processo no qual as partes podem se educar com relação ao conflito,
indagando sobre as diferentes alternativas que têm para resolvê-lo”. A. Floyer Acland3
Para Rubén Calcaterra, a mediação é definida como uma metáfora que ainda se encontra
em fase de construção “la mediación, es todavia, uma metáfora utilizada para indicar
um médio de resolución de disputas (...) cuyo contenido y práctica constituyen
contextos a construir”. Para este autor, este é um processo estratégico-político que
introduz a idéia que “la acción escapa a la voluntad del actor político para entrar en el
juego de las interacciones del conjunto de la sociedad”. (2006, p. 31).
Como veremos na seção Modelos de Mediação, todas estas conceitualizações são
produto desses modelos, mas compartilham a idéia de que a mediação é um processo
que envolve um terceiro, o qual, mediante diversas estratégias e técnicas, tenta
contribuir na solução de uma situação conflituosa.
Desta maneira, estes componentes, junto com a comunicação, irão compor a base
teórica desse campo de estudo, os quais serão brevemente descritos mais adiante.
Existe um conhecido exemplo que ilustra o objeto da mediação: o exemplo da laranja.
Duas pessoas brigam por uma laranja. Uma delas quer obtê-la para tomar seu suco. A
outra quer a casca para fazer doce. Se recorressem à justiça, além de aguardar um bom
tempo até a sentença ser pronunciada, provavelmente o juiz entregaria a laranja a quem
considerasse com mais direito ou necessidade. Assim, essa pessoa obteria “100%” da
laranja, mas utilizaria somente 50%. Porém, se as duas pessoas recorressem à mediação,
elas mesma,s com a ajuda do mediador, chegariam à própria solução: uma fica com a
casca e a outra fica com o resto. Assim, as duas pessoas obteriam 100% daquilo que
estavam necessitando. Nessa decisão, todos saem ganhando.
Portanto, a mediação é um processo direcionado para que as partes procurem a solução
mais satisfatória, a partir da facilitação de um terceiro. Elas são as verdadeiras
protagonistas e as que têm o poder de decisão, ficando assim o mediador
impossibilitado de obrigá-las a cumprirem algo segundo o seu desejo. Nesse sentido,
isso diferencia a mediação da arbitragem. Para uma melhor compreensão do seu
3 Em material oferecido na formação básica de mediadores. Colégio de Abogados de Córdoba, Argentina.
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funcionamento, torna-se necessário entender os elementos ou requisitos que a
constituem: a voluntariedade, a confidencialidade, a imparcialidade e a flexibilidade.
A voluntariedade é baseada na livre escolha das partes em começar, continuar e
finalizar o processo. Em caso de se chegar num acordo, este será produto das “livres”
negociações das partes. Este componente é fundamental para a eficácia da mediação.
Em alguns países, como os Estados Unidos, as partes estão obrigadas a “tentar um
acordo de mediação”, mas se esse intento não prosperar, elas podem desistir.
A confidencialidade se refere ao caráter privado do processo, significando que nem as
partes nem os mediadores podem divulgar publicamente tudo o que se realiza na
mediação. No caso em que o assunto continue pela via judiciária, o mediador não pode
ser chamado como testemunha.
A imparcialidade, ou neutralidade, é uma caraterística do terceiro, o mediador. Este
não pode influenciar as partes a adotar uma solução, mesmo que esta lhe pareça a mais
razoável ou mais equitativa.
A flexibilidade significa que as etapas que definem o processo não saõ estáticas e que
cada mediação é diferente da outra, dependendo do mediador e das partes.
Por conseguinte, a mediação pode ser caraterizada como:
Um processo de condução de conflitos mais formal que alguns processos
informais, porém mais informal que alguns processos formais;
Geralmente, são os mediadores que definem o processo juntamente com as
partes. Existem leis que estabelecem alguns requisitos formais, como à
voluntariedade, a confidencialidade, a imparcialidade, a flexibilidade, a
seleção dos mediadores, os prazos, e outros, porém o processo pode ser definido
de diferentes formas, segundo cada mediador;
Em alguns países, ou estados, é estabelecida a mediação judicial como
instância prévia ao julgamento, mesmo assim, não é obrigatório se chegar ao
final do processo;
Mais econômico que um julgamento, mas mais oneroso que uma
negociação, já que o mediador recebe honorários;
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O primeiro objetivo no processo de mediação consiste em que as partes superem suas
emoções negativas e sejam capazes de definir seus interesses e necessidades. Assim, o
processo pode ser abordado mediante as seguintes etapas (Suárez; 2005):
1. Criação de espaços de definição dos requisitos do processo
2. Definição dos problemas
3. Criação de opções e alternativas
4. Negociação e tomada de decisões
5. Elaboração de um plano de acordo
6. Revisão legal do mesmo (esta etapa geralmente depende da presença dos advogados
das partes. No caso da mediação extrajudicial ou comunitária, por explo, as partes
geralmente chegam sem representantes legais)
7. Aplicação do acordo
Importante esclarecer que este é um processo dialógico e não linear. As etapas
apresentadas não seguem uma sequência, já que a confiança deve ser mantida ao longo
de todo o processo e este não necessariamente finaliza na aplicação do acordo. Muitas
vezes as partes regressam à mediação para reelaborar o acordo.
Um pouco de história: o surgimento da mediação
A mediação, como alternativa para resolução de controvérsias, na qual uma ou várias
pessoas ajudam outras a tomar suas próprias decisões, não é uma criação atual. É uma
adaptação moderna das antigas culturas, sociológica e historicamente diferentes umas
das outras (Suárez, 2005, p. 45-50).
Confúcio falava sobre a harmonia natural nas relações humanas que não devia ser
interrompida: a melhor solução para um conflito devia ser lograda mediante a persuasão
moral e em um acordo não baseado na coação.
Na China e Japão, a mediação tem uma tradição desde a antiguidade. Em algumas
partes de África, continua-se convocando assembléias onde uma pessoa, respeitada pela
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comunidade, atua acercando as pessoas e ajudando-as, de maneira colaborativa, a
resolverem seus problemas.
Praticamente, em todos os grupos têm existido sistemas de resolução de conflitos. Por
exemplo, os ciganos os resolvem por meio dos membros mais velhos da comunidade.
A mediação, como hoje é definida, surgiu nos Estados Unidos por volta de meados dos
anos 1970, como resposta à demanda social de estabelecimentos de meios alternativos
para conciliação. O contexto da época era caraterizado por protestos estudantis, raciais,
lutas pelos direitos civis, o movimento de liberação da mulher, a guerra de Vietnam, e
outros. Nesse cenário, nasceu a mediação como uma nova instituição voltada para a
resolução alternativa de conflitos. Sua expansão foi muito rápida, incorporando-se ao
sistema legal. Em alguns estados, como o da Califórnia, é considerada como instância
obrigatória prévia ao julgamento (Suárez, 2005, p.45-50).
Na Europa, a Inglaterra é a pioneira na década de 1970, iniciando como uma atividade
de um pequeno grupo de advogados independentes.
Na América Latina, as praticas de mediação começaram na década de 1990. Na
Argentina, está regulamentada e, em 1995, estabeleceu-se sua obrigatoriedade em
determinados casos patrimoniais e familiares, iniciados pela instância judicial. Assim,
existe um sistema de mediação judicial e outro extrajudicial, ambos os processos estão
regulamentados, como também as práticas e a formação dos mediadores, existindo,
inclusive, associações para estes profissionais.
No Brasil, a introdução do termo mediação no ordenamento jurídico data de 1988, com
a Constituição, como a expressa Adolfo Braga Neto (2010),
“Em 1988, os parlamentares responsáveis pela elaboração da Carta
Magna brasileira deram os primeiros passos para criação de um
ambiente favorável a iniciativas legislativas específicas com vistas à
implementação de instrumentos mais pacificadores de conflitos para a
sociedade brasileira, ao estabelecerem, no preâmbulo da Constituição
Federal, que o Estado Brasileiro está fundamentado e comprometido
‘na ordem interna e internacional com a solução pacífica das
controvérsias’. Após o advento da Constituinte, observa-se esta
tendência na legislação nacional. Como exemplo disso, dentre outras,
podem ser citadas as leis 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis e
Criminais), 9.307/96 (Arbitragem), 9.870/99 (Mensalidades
Escolares), 10.101/00 (Participação nos Resultados das Empresas) e
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10.192/01 (Medidas Econômicas Complementares ao Plano Real)” (p.
23).
Você pode consultar o artigo de Humberto Dalla Bernardina de Pinho
sobre a evolução da mediação no direito brasileiro em A mediação no
direito brasileiro.pdf
No artigo de Pereira (2006), você pode tomar contato com a análise do anteprojeto de
lei No. 4827/98, proposto em 1998, sobre o debate legal, à época em relação ao tema da
mediação, em Análise sobre proposta de PL de mediação de 1998.pdf.
No link a seguir, você poderá complementar a leitura oferecida por Adolfo Braga Neto
com as mais recentes discussões do CNJ sobre a aplicação e difusão da mediação como
método alternativo de resolução de conflitos e fundamentalmente, a sua utilidade para
desafogar os tribunais, em http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-09-
16/cnj-estimula-mediacao-para-desafogar-justica.
O debate mais recente pode ser acompanhado pela reportagem sobre o projeto que está
sendo debatido no Senado, com entrada em 2013. Veja o link para acesso à reportagem.
http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/10/governo-quer-mediacao-obrigatoria-para-
acelerar-processos-no-judiciario.html
Acesse a proposta do projeto em discussão PL mediação no senado - set. 2013.pdf
Modelos de mediação
Existem, principalmente, três modelos de mediação utilizados pelos operadores de
conflitos: tradicional-linear, mais conhecido como o modelo de Harward, circular
narrativo e o dialógico/transformador. Como você poderá observar, no quadro
abaixo, esses modelos possuem concepções diferenciadas sobre o conflito, perseguindo
diferentes objetivos e reforçando algumas técnicas mais do que outras.
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Modelos Harward Circular-
narrativo
Dialógico/
Transformativo
Principais
autores
Fisher, Ury; Rafia
Antonio Vidal
Sara Cobb; Marinés
Suares; Cristian
Chambert
Folguer, Busch;
Léderach, Sergi Farré
Objetivos - Conseguir o acordo
- Lógica ganhar/ganhar
- Diminuir as diferenças
- Trabalhar a
comunicação,
modificando as
narrativas para
assim conseguir
mudança da
realidade.
- Trabalhar as
diferenças para
mudar o conflito e o
relacionamento entre
as pessoas. Pretende
não somente mudar
as situações, mas
também as pessoas.
Processo
de
Mediação
Envolve 7
componentes:
interesses, critérios,
alternativas, opções de
acordos,
comprometimento,
relacionamento e
comunicação.
Realizado em 4
etapas: reunião de
apresentação e
enquadramento do
processo; entrevista
sobre os diferentes
pontos de vista;
fomento da
criatividade para a
resolução da
situação; criação de
uma história
alternativa
(mudança no ponto
de vista do
conflito) que
possibilita o
acordo.
Realizado em 4
etapas: reuniões,
especialmente
conjuntas; introdução
da comunicação
relacional de
causalidade circular;
empoderamento das
partes e
reconhecimento da
porção de
responsabilidade de
cada uma das partes.
Noções Atemporal, acultural e Um processo Oportunidade de
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sobre o
conflito
apessoal; produto da
contraposição dos
interesses e posições;
sempre negativo e deve
ser combatido.
mental com
possibilidade de
mudança través de
outro processo
mental.
crescimento; inerente
à sociedade; não
desaparece, mas pode
ser transformado.
Fonte: Elaboração própria em base ao documento “Métodos Alternos de Solución de Conflictos: Justicia
Alternativa y Restaurativa para una Cultura de Paz”. José Benito Pérez Sauceda (2011) p. 65.
As noções de conflito, seu caráter relacional e as diferentes opções para sua
resolução. A comunicação e sua importância nos relacionamentos e a mediação
como resolução alternativa de conflitos.
O objetivo desta seção é colocar conceitos que nos permitam ir construindo o perfil do
mediador no âmbito da ENS. Nesta direção, faremos referências a algumas noções sobre
o conflito e a comunicação, enquanto bases teóricas que dão sustentatação ao processo
de mediação. O leitor poderá aprofundar a análise com a bibliografia sugerida, ao final.
Toda forma de conflito implica que uma, ou as duas partes, perecebam que seus
interesses, posições e necessidades são contrapostas, mesmo não sendo verdade.
Para o modelo de Harward, o conflito tem como única causa o desacordo sem
considerar que podem existir múltiplas causas que o originam. Nesse contexto, quando
as partes chegam à mediação, sua situação é caótica dada às diferenças existentes entre
elas. A função do mediador, portanto, é restablecer a ordem. (Marinés, 2005).
No modelo transformativo, a causalidade do conflito é circular e sempre existe o co-
protagonismo na criação de situações conflitivas. Por isso, somente modificando a
relação entre as partes, a situação pode ser modificada.
Por último, similar ao modelo trasnformativo, o modelo circular-narrativo defende a
tese de causalidades circulares. Diferentemente da linha de Harward, seus autores
entendem que as pessoas chegam à mediação numa situação de “ordem”, no sentido de
estático, que lhes impede pensar em altertativas para resolver o problema. Desta
maneira, a função do mediador é estabelecer “caos”, ressaltar as diferenças entre as
partes estimulando a criatividade na construção de uma história alternativa.
Apesar de cada modelo ter uma própria noção sobre o conflito e, por conseguinte, sobre
a função do mediador nesse contexto, existe consenso entre os autores sobre as causas
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que originam os conflitos. Antes de entrarmos nestas causas, é preciso ressaltar que o
conflito (em termos de processo) é construido pelas próprias partes, levando a mediação
sempre ocorrer no campo dos conflitos inter-relacionais.
Para Sara Horowitz, os conflitos são resultado das diferenças de valores e crenças,
competências e da escacez de recursos. (Marinés, 2005)
Uma das principais ferramentas que os mediadores “utilizam” no momento de
estabelecer as causas do conflito, e a etapa ou escalada em que o mesmo está, refere-se à
Teoría das Necessidades de Maslow.
A teoria de Maslow sugere que as necessidades tem uma hierarquia: as fisiológicas
(sobrevivência, água, alimento) constituem a base da pirâmide até chegar à
autorrealização, passando por segurança, necessidades sociais e necessidade de estima.
O conceito de hierarquia que propõe esta teoria é importante para os mediadores, porque
se uma pessoa está impossibilitada em satisfazer necessidades básicas e de segurança,
por exemplo, dificilmente poderá chegar aos estágios superiores. Quando as partes
chegam à mediação, tem uma sensação de perda das suas necessidades, seja no caso de
uma separação, ou de perda de emprego por exemplo, que ameaçam sua economia, sua
segurança, sua estima.
Necessidade de Autorrealização
Necessidade de Estima
Necessidade Sociais
Necessidade de Segurança
Necessidade Fisiológicas
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Identificadas as causas do conflito e as “ameaças” que isto significa para as partes na
perda das suas necessidades, o mediador precissa identificar o estágio, ou o momento
preciso, em que o conflito se encontra. Significa dizer que precissa determinar a
escalada do conflito.
Escalada do conflito
Apesar da complexidade e diferenças de cada conflito, sejam em questões matrimoniais,
comunitárias, laborais, e outras, geralmente todos atravessam por etapas ou escaladas
comuns. A seguir, reproduzimos o esquema elaborado por González-Capitel (2002).
Sugere-se complementar a leitura com a análise que esta autora propõe nas páginas 29-
31.
Ceticismo
Actitude
positiva/Crença
Raiva
Confiança/Esperança
Tristeza
Aceitação
Angústia
Torna-se importate que o mediador possa identificar a etapa na qual o conflito se
encontra. Por exemplo, na etapa da Raiva, é muito difícil intervir.
Outra maneira de identificar o estágio do conflito é apelar à espiral do conflito que
Folberg e Taylor (González-Capitel , 2001, p.28-29) propõem. Esta é dividida em cinco
estágios:
1. O conflito latente
2. O começo do conflito
3. A busca do equilíbrio de poder
4. O equilibrio de poder
5. A ruptura do equilíbrio
Para estes autores, no momento em que uma mudança ocorre, gera movimento na
espiral, provocando rupturas na estrutura da mesma ao gerar novos conflitos latentes ou
colocar em manifesto os conflitos já existentes.
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Resumindo, no âmbito da mediação, o conflito é entendido, segundo Marinés (2005, p.
78) como:
Um processo resultado de interações complexas, no sentido que é impossível
envolver todos os seus componentes;
Ocorre entre duas ou mais partes e por isso é um processo co-construído;
Predominam intenções, principalmente antagônicas;
As partes interatuam com sua totalidade de emoções, pensamentos, discursos e
ações;
Este processo pode ser conduzido pelas partes ou pelo mediador;
Tem estágios, ou escaladas, que o mediador precisa identificar para assim
proceder, a partir de diferentes estratégias.
A comunicação
Vimos que a mediação envolve um processo de diálogo. Entendendo assim, torna-se
necessário introduzir alguns dos conceitos produzidos por cada um dos modelos no
campo da comunicação.
Para o modelo tradicional, a comunicação é definida como uma relação linear. Duas
partes estabelecem a comunicação, uma delas emite a mensagem e a outra pode ou não
responder ao conteúdo da mensagem. Nesse cenário, a função do mediador é facilitar
essa transmissão de conteúdos, sendo a comunicação principalmente verbal.
No modelo proposto por Bush e Folberg, a comunicação é relacional e, além do
conteúdo, a relação entre as partes é relevante.
Da mesma forma, o modelo circular-narrativo entende a comunicação como processo
relacional, circular, e incorpora à comunicação verbal, o “conteúdo” da comunicação
não verbal. Desta maneira, entendendo-se que a comunicação envolve tudo, para esta
teoria é impossível que não exista comunicação entre as pessoas. Este é um dos axiomas
da comunicação desenvolvidos por Watzlawick (1973). Estes axiomas são os mais
citados na bibliografia sobre mediação.
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Axiomas Watzlawick
Estes axiomas permitem compreender o processo por meio do qual a comunicação é
realizada. Eles são aplicados no transcorrer das reuniões de mediação. Resumidamente,
estabelecem que:
É impossível não se comunicar: este axioma indica que até a “carência” de
comunicação, no sentido de ausência de comunicação verbal, se constitui numa
mensagem; os silêncios sempre comunicam e muitas vezes são utilizadas pelas
partes como ferramenta para atingir o outro;
Toda comunicação possui uma forma e um conteúdo: metacomunicação é
entendida como a relação entre o conteúdo e a forma. O mediador deve
permanecer atento à relação entre estes componentes, identificando o sentido
que é dado às palavras pelas partes, favorecendo assim a harmonia da sessão;
Quem comunica, quem responde, quando e como, possui substancial
importância para obter informações a respeito da distribuição de poder, dos
estados emocionais e outras características altamente significativas.
Os seres humanos comunicam-se verbal e gestualmente.
A comunicação pode ser simétrica, baseada na igualdade, ou complementar,
que ressalta as diferenças. A simetria proporciona comportamentos iguais entre
as partes. Por exemplo, duas pessoas gritam cada vez mais alto ou as duas param
de falar. Nesse contexto, o mediador deve restaurar o equilíbrio na comunicação,
garantindo o processo de diálogo. A relação complementar aparece na situação
de dependência, ele manda, ela obedece; ela grita, ele se cala. O mediador deve
trabalhar para estabelecer um nível de simetria. (Fiorelli, Fiorelli, Olivé
Machadas Júnior, 2008).
Principais recursos e técnicas que o mediador dispõe
O espírito da mediação é universal. Qualquer pessoa idônea, dotada de qualidades para
facilitar, mediar, negociar, compor, compartilhar, pode tornar-se um potencial
mediador.
Existem na literatura algumas posições sobre as habilidades que um mediador deve ter.
No entanto, atitudes como criatividade, flexibilidade, empatia, imparcialidade,
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honestidade, entre outras, são propostas como idôneas num mediador e prévias à sua
formação. Devem existir antecipadamente. Porém, todas elas podem ser de pouca valia
se não houver, também, a formação em técnicas e estratégias que esse profissional
precisa desenvolver. Por isso, o foco está colocado na formação que qualquer pessoa
deve realizar para se tornar um mediador de conflitos. Nessa formação, as estratégias e
técnicas a serem utilizadas são a principal ferramenta para facilitar o diálogo entre as
partes, atuando tanto na promoção quanto na solução de conflitos.
Estratégias e técnicas do Mediador
A função básica do mediador consiste em orientar as partes a respeito de como
substituir capital emocional negativo por capital emocional positivo. Para isso dispõe
de algumas das seguintes estratégias colocadas por José Osmir Fiorelli, Maria Rosa
Fiorelli e Marcos Julio Olivé Malhadas Junior no livro Mediação e a solução de
conflitos (2008, p. 7-8):
Destacar as semelhanças: contribui para pacificar e colocar em posisão de
igualdade as partes. Um exemplo desta estratégia pode ser quando o mediador
diz: “entendo que o cuidado dos filhos é uma prioridade para os dois, entendi
bem?”. As partes não tinham percebido quanto o cuidado era uma prioridade
para eles. Ao acentuar a semelhança, o mediador consegue que eles concentrem
mais energia nesse tema e reduzam a atenção para outros de menor importância.
Ressaltar atitudes não cooperativas: “elimina capital emocional negativo e
proporciona concentração nos aspectos positivos”. O mediador pode indicar:
“quem quer começar contando o que os trouxe à mediação? Recordem que é
importante que cada um possa falar sem ser interrompido”.
Transformar acusações em desejos: o mediador desarma as sentenças,
transformando acusações em cooperação. Assim, o mediador pode substituir a
seguinte acusação: “você não que pagar o plano de saúde das crianças” pela
seguinte frase: “Entendo que você quer dizer que gostaria que cooperasse com o
plano de saúde dos filhos, estou correto?”. Ao substituir uma acusação, o
mediador se antecipa a uma resposta defensiva da outra parte.
Identificar os interesses: as reuniões privadas com as partes são uma boa
estratégia para identificar quais são os interesses, sua complexidade e urgência.
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Atuar sempre sob o principio da imparcialidade: isto é fundamental para
garantir a continuidade e o equilíbrio do processo. Se alguma das partes percebe
que o mediador esta atuando em benefício da outra, deixará de negociar e o
processo acabará.
Entre as técnicas que o terceiro imparcial utiliza no desenvolvimento de suas estratégias
podemos colocar aquelas que Suárez (2005) define como microtécnicas, minitécnicas,
técnicas y macrotécnicas.
“Nem todas as técnicas tem o mesmo alcance. Algumas são
executadas com a intenção de modificar somente uma parte pequena,
outras parecem mais ambiciosas quanto o que pretendem modificar e
tem aquelas que buscam uma profunda mudança. A eleição de cada
uma delas dependerá do contexto e dos objetivos que o mediador
persiga” (p. 244).
As microtécnicas implicam relativamente pouco trabalho para o mediador, mas podem
gerar grandes resultados. Entre elas podemos colocar: perguntas informativas e
desestabilizadoras, a conotação positiva e empoderamento das partes, a reformulação e
a legitimação.
Reformulação: implica a construção de uma nova formulação sobre algo que já foi dito
ou feito. Os sinônimos e as metáforas são um bom exemplo. O êxito desta técnica
dependerá da capacidade do mediador de utilizar sinônimos e metáforas adequadas,
respeitando a linguagem das partes. É importante ressaltar que muitas vezes a
reformulação simplesmente ocorre quando o mediador, terceiro neutro e imparcial,
reproduz o que as partes falaram (p. 277-281).
Conotação positiva: ressalta as caraterísticas e qualidades positivas daquilo que foi dito
ou feito (p. 281-288).
Legitimação: refere-se à conotação positiva das posições das partes (p. 288).
Entre as minitécnicas, a autora menciona o fato de não poderem ser realizadas de uma
única vez, porque requerem a conjunção de várias microtécnicas. Assim, contribuem a
“produzir desestabilização da história que as partes trazem e ajudam na preparação do
terreno para a construção da história alternativa” (p. 288). Coloca a realização de
sínteses, a atuação de times de reflexão e o processo de externalização como as
principais minitécnicas.
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A construção de histórias alternativas, muito utilizada no modelo circular-narrativo, é
colocada entre as técnicas utilizadas pelo mediador. Esta pode ser uma das técnicas que
maior treinamento requeira, já que a história construída pode não ser necessariamente a
verdadeira. Desta maneira, a “melhor” história alternativa não é a mais real, mas aquela
que oferece maiores possibilidades para que as partes comecem a negociar” (p. 298).
Finalmente, para as seções de mediação, são as macrotécnicas que requerem um grande
esforço dos mediadores e das equipes técnicas para convidar e reunir as partes. Como
mencionamos anteriormente, existem procedimentos, mas não são estáticos, estes
dependem de cada mediador (p. 301-303).
A ferramenta da escuta ativa
É necessário que o mediador trabalhe para que as partes se escutem e entendam o que
dizem. Quando nos referimos à comunicação, devemos contemplar não somente a
capacidade de falar, mas também a de escutar. Essa escuta implica em uma atividade
intelectual e emocional de concentração nas palavras e gestos.
Essa atividade do mediador pode consistir em:
a) Sintetizar as exposições das partes, parafraseando e neutralizando a percepção
seletiva que com frequência realizam;
b) Verificar se o emissor concorda com essa síntese. O mediador deveria esclarecer as
necessidades, interesses e objetivos que foram expostos;
c) Reiteração do falado pela outra parte. Isto contribui para o reconhecimento das
capacidades de captar a mensagem.
d) Empatia, ou intercâmbio de papéis, contribui ao esclarecimento das posições de cada
uma das partes.
A ferramenta da pergunta:
No início da mediação, geralmente são utilizadas perguntas abertas que permitem obter
informação sobre:
O problema:
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O que?, referente ao conteúdo;
Qual?, referente ao vínculo;
Quem?, para referir às partes;
Onde, quando?, para contextualizar;
Qual o assunto que os trouxe à mediação?
A relação, protagonismo e responsabilidades:
Você acredita que ele mencionou...?, para ampliar a visão;
Você está me dizendo que sou a única pessoa que sabe disto?, com o
objetivo de envolver a parte;
Que outros aspetos estavam contemplados no contrato?, para obter maior
informação sobre o conteúdo;
Pode pensar nas consequências?, para levar à reflexão;
Após as exposições das partes, podem ser utilizadas perguntas para conhecer os
interesses e necessidades das partes, como:
Me daria um exemplo?
Poderia aprofundar mais esse asunto?
Poderia me explicar?
Será que pode me ajudar a entender isto?
Poderia descrever o que aconteceu quando...?
O que é o mais importante para você? Poderia me ajudar a entender
porque é tão importante para você?
O que é preocupante para você nessa situação?
...afeta demasiado você, é assim?
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Durante o processo de criação da história alternativa e da possibilidade de acordo,
podem ser feitas perguntas como:
O que poderia ser ótimo para você?
O que contribuiria nesta situação?
Existem outros aspectos que ajudariam?
Porque acredita que isso poderia funcionar?
Que alternativas você tem caso não prospere um acordo hoje?
No momento de verificar se tudo considerado necessário foi incluído no acordo, podem
ser realizadas perguntas tais como:
Consideramos tudo?
Existe alguma questão que ainda este preocupando você?
Então, você estaria de acordo no seguinte: ....?
A mediação em diferentes espaços
Existem diferentes campos em que a mediação pode e é aplicada. Isto amplia a visão
sobre a ferramenta enquanto alternativa ao processo judicial, considerando-a como
estratégia comunicacional. Assim, podemos identificar:
Mediação Familiar: trabalha principalmente com o núcleo familiar, seja com conflitos
de casal, entre irmãos, avós, e outros.
Mediação comunitária: o propósito é que a sociedade possa obter estratégias para
trabalhar na prevenção e resolução de conflitos como por exemplo, conflito de
vizinhanças.
Mediação laboral: é apresentada como uma ferramenta para garantir a paz no ámbito do
trabalho já que envolve todas as relações que ocorrem nesse campo.
Mediação penal: principalmente contribúe nos esforços da resocializações das pessoas
em conflito com al lei.
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O vídeo a seguir, Mediação e Direitos Humanos, oferece um exemplo de experiências
de mediações em diferentes espaços.
https://www.youtube.com/watch?v=aO6PatGHN3A
Assista também o vídeo de uma entrevista com especialista com atuação na mediação
na área de segurança pública.
https://www.youtube.com/watch?v=K3ANjwuROGU
Bibliografía
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