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UNICOM – Universidades e Comunidades no Cerrado

Assentamento Americana eGrupo Agroextrativista do Cerrado Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Brasília-DF/Grão Mogol-MG2012

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Carvalho, Igor Simoni Homem.Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado: uma experiência agroecológica no Norte de Minas. Brasília/DF - Grão Mogol/MG. Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)/Grupo Agroextrativista do Cerrado. Brasil, 2012.

132 p.

ISBN: 978-85-63288-10-3

1.Meio ambiente; 2.Cerrado; 3.Minas Gerais; 4.Assentamento; 5.Agroecologia; 6.Agroextrativismo; 7.Agrobiodiversidade; 8.Biodiversidade.

Realização: Grupo Agroextrativista do Cerrado (Grão Mogol-MG)Programa Unicom – Universidades e Comunidades no Cerrado Projeto Florelos – Elos Ecossociais entre as Florestas Brasileiras (ISPN/ União Europeia)ISPN - Instituto Sociedade, População e Natureza

Organização, pesquisa, texto, fotos, figuras e ilustrações: Igor Simoni Homem de Carvalho

Revisão: Aparecido Alves de Souza e Carlos Alberto Dayrell

Diagramação: Fábio Carvalho

Agradecimentos: Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM); Cooperativa Grande Sertão; Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP); Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em especial aos Professores Sonia Bergamasco e Mateus Batistella; Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes); Emater-MG; IEF-MG; Incra; famílias do Assentamento Americana; e toda a população do município de Grão Mogol.

Contatos: [email protected], [email protected]

Este documento é resultado do Projeto “FLORELOS: Elos Ecossociais entre as Florestas Brasileiras: Modos de vida sustentáveis em paisagens produtivas”, desenvolvido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN e possui o apoio financeiro da União Europeia. Este documento é de responsabilidade do autor não podendo, em caso algum, considerar-se que reflete a posição de seus doadores.

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Sumário

Siglas 7

Apresentação 9

Introdução Cerrado: gente e ambiente 15

Breve histórico da região Norte de Minas 18Histórico da área do Assentamento Americana 21

O Assentamento AmericanaA concepção do Assentamento 29

Aspectos ambientais 32Água no Assentamento 36

Estrutura do Assentamento 38Quem são as famílias do Assentamento? 40

O Grupo Agroextrativista do Cerrado 42

Práticas agropecuárias e agrobiodiversidade no Assentamento Americana

Agrobiodiversidade: o que é? 49A agrobiodiversidade do Assentamento 50

Sistemas agroflorestais e plantios consorciados 55Madeiras e lenha 59Hortas e quintais 60

Adubos e defensivos 62Práticas agrícolas gerais 63

Fotos e figuras 64Criação de gado 81

Outras criações de animais 87

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Espécies nativas 89Frutas nativas 90

Plantas medicinais 97Animais silvestres 98

Considerações finais 102

Referências bibliográficas 108

Anexos 1. Pesquisas no Assentamento Americana 113

2. Tabela da agrobiodiversidade 116 3. Lista de espécies arbóreas 118 4. Lista de plantas medicinais 122

5. Espécies de animais vertebrados 1246. Lista de aves 125

7. Regimento Interno do Assentamento Americana 130

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�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Siglas

CAA-NM Centro de Agricultura Alternativa do Norte de MinasAEFA – CAA-NM Área de Experimentação e Formação em Agroecologia do CAA-NMAMDA Associação Mineira de Defesa do AmbienteAME Área de Manejo ExtrativistaAPP Área de Preservação PermanenteATER Assistência Técnica e Extensão RuralCDS-UnB Centro de Desenvolvimento SustentávelCEBs Comunidades Eclesiais de BaseConab Companhia Nacional de AbastecimentoCPT Comissão Pastoral da TerraEmater Empresa de Assistência Técnica e Extensão RuralEmbrapa Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaFapesp Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São PauloFetaemg Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas GeraisGAC OSCIP Grupo Agroextrativista do Cerrado ICA - UFMG Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas GeraisIDENE Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas GeraisIEF Instituto Estadual de FlorestasIncra Instituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaNepam Núcleo de Estudos e Pesquisas AmbientaisOSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse PúblicoP1MC Programa Um Milhão de CisternasP1+2 Programa Uma Terra Duas Águas PAA Programa de Aquisição de Alimentos - ConabPDA Plano de Desenvolvimento do AssentamentoPEGM Parque Estadual de Grão MogolPNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar - ConabRL Reserva LegalSENAR Serviço Nacional de Aprendizagem RuralSTR Sindicato de Trabalhadores RuraisUC Unidade de ConservaçãoUFMG Universidade Federal de Minas GeraisUnB Universidade de BrasíliaUnicamp Universidade Estadual de CampinasUnimontes Universidade Estadual de Montes Claros

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�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Apresentação

A humanidade está passando por um momento no qual devemos superar a destruição do meio ambiente e as injustiças sociais para estabelecer formas mais harmônicas de relação entre os seres humanos e destes com a natureza. Em todo o mundo, se discute sobre formas de produção de alimentos e outros bens que contribuam, ao mesmo tempo, para uma boa qualidade de vida e para a preservação ambiental.

Esta publicação tem como objetivo mostrar e sistematizar o trabalho desenvolvido no Assentamento Americana, localizado no município de Grão Mogol-MG. Este Assentamento surgiu como uma proposta de ocupação sustentável no Cerrado, visando a produção em consonância com a preservação ambiental. O leitor encontrará aqui informações sobre: o contexto e o histórico de implantação do Assentamento; a experiência das famílias que passaram a viver no Assentamento, a partir de 2001; e sobre as ideias e concepções por detrás dessa proposta, que se baseia na agroecologia, no agroextrativismo e no modo de vida tradicional dos Geraizeiros.

São apresentadas informações sobre as variedades agrícolas cultivadas no assentamento, e sobre como são estes cultivos: os consórcios, sistemas agroflorestais, ocupação dos diferentes ambientes. São apresentadas ainda informações sobre o uso e manejo de espécies nativas do Cerrado – pequi, rufão, coquinho-azedo, plantas medicinais – e sobre aspectos relevantes à conservação da biodiversidade no Assentamento e na região.

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10 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Grande parte das informações aqui apresentadas foram recolhidas do Plano de Desenvolvimento do Assentamento Americana (PDA), que foi coordenado, em 2002, pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM) e pelo antigo Núcleo de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), hoje Instituto de Ciências Agrárias (ICA). O PDA resultou do trabalho de agricultores e agricultoras do Assentamento, de técnicos, estudantes e professores do CAA-NM, da UFMG e de entidades parceiras (STR de Grão Mogol, CPT, Unimontes, Incra). O PDA é a base desta publicação. Informações de outras pesquisas, algumas concluídas e outras em andamento, são também apresentadas neste trabalho.

Após trabalhar, por dois anos, como técnico do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) em Brasília-DF, conheci o Assentamento Americana em visitas de campo do mestrado (Carvalho, 2007). Por mais dois anos, mantive relações de trabalho e pesquisa com o Grupo Agroextrativista do Cerrado, com o CAA-NM e com a Cooperativa Grande Sertão. Em 2009, ingressei no doutorado1, elegendo o Assentamento Americana como foco central de minha pesquisa.

A maior parte das informações aqui apresentadas foi levantada ao longo de sete anos de pesquisa e trabalho no Assentamento Americana. Foram muitas visitas, entrevistas e participação em reuniões e outras atividades. Seria impossível listar todas as pessoas que contribuíram respondendo a questionários, fornecendo informações, indicando caminhos.

1Doutorado Interdisciplinar em Ambiente e Sociedade, Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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11Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Deixo aqui meu profundo agradecimento a todas elas. É importante destacar também o apoio do ISPN, pelo programa Unicom (Universidades e Comunidades no Cerrado) e pelo projeto Florelos (Elos Ecossociais entre as Florestas Brasileiras). Sem este apoio, não teria sido possível a realização deste trabalho.

Este trabalho é voltado a todos os públicos, mas, em especial, para aqueles que se interessam pela natureza e pela produção no Cerrado. Esperamos que sua leitura estimule reflexões e práticas que contribuam à conservação dos ecossistemas do Cerrado e a formas de produção e manejo que beneficiem toda a sociedade. Boa leitura!

Igor S.H. de Carvalho

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Introdução

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15Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Cerrado: gente e ambiente

O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul: sua área original corresponde aproximadamente a dois milhões de hectares no Brasil, e pequenos territórios na Bolívia e Paraguai. Por detrás de sua vegetação incomum – árvores tortas, troncos de casca grossa e folhas espessas – está uma riqueza inestimável. Estudos apontam para a existência, no Cerrado, de um total de 1.268 espécies de vertebrados terrestres (mamíferos, aves, répteis e anfíbios), sendo 117 endêmicas, ou seja, espécies que não ocorrem em nenhum outro lugar do mundo; e cerca de 10 mil espécies de plantas vasculares, sendo 4.400 endêmicas. Isso sem contar as

PARA SABER MAIS: Existem muitos estudos e textos que falam sobre o Cerrado – suas riquezas (biodiversidade, água, comunida-des e culturas) e a degradação que vem sofrendo. Listamos aqui duas publicações que contêm diversos artigos escritos por alguns dos principais pesquisadores do Cer-rado, e que fornecem uma visão ampla sobre o bioma:

SANO, Sueli. M.; ALMEIDA, Semíramis P (orgs). Cerrado: ambiente e fl ora. Planaltina-DF: Embrapa Cerrados, 1998.

SCARIOT, Aldicir; SOUSA-SILVA, José C.; FELFILI, Jea-nine M (orgs). Cerrado: ecologia, biodiversidade e conservação. Brasília: Ministério do Meio Am-biente, 2005.

milhares de espécies de insetos, peixes, fungos, vegetais não-vasculares e microorganismos... (Alho, 2005). Não à toa, o Cerrado é considerado a savana mais biodiversa do planeta.

O Cerrado é chamado também de o “berço das águas”, pois é nele que nasce grande parte dos rios das principais bacias da América do Sul: do São Francisco, do Prata (incluindo toda água do Pantanal) e grande parte da amazônica (Tocantins, Araguaia, Xingu, Tapajós). Além disso, a vegetação do bioma

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cumpre importante papel na absorção e retenção de CO2. A maior parte do carbono se acumula sob o solo, especialmente nas raízes das árvores do Cerrado, que muitas vezes possuem biomassa duas vezes superior que a da parte aérea (tronco, galhos, folhas e frutos). Por isso, muitas vezes o Cerrado é conhecido como uma “floresta de cabeça pra baixo”.

Mas as riquezas do Cerrado não se resumem aos importantes serviços ambientais que ele promove: água, biodiversidade e carbono. O Cerrado também abriga grande riqueza cultural: das diversas etnias indígenas que habitam o bioma há milênios, como os Xavante, os Timbira e os Xacriabá; e das populações tradicionais seculares – Quilombolas, Caipiras, Vazanteiros, Geraizeiros. Estes povos, devido ao relativo isolamento e à necessidade de sobrevivência a partir dos recursos locais, aprenderam a conviver com os ecossistemas do Cerrado, praticando uma agricultura de pequena escala, complementada pela criação de animais e pelo extrativismo2.

São muitos os produtos do extrativismo no Cerrado. Dentre os frutos, temos, por exemplo, o pequi (Caryocar brasiliense), o buriti (Mauritia flexuosa), o baru (Dypterix alata) e o babaçu (Orbignya phalerata). Temos ainda inúmeras plantas medicinais, como a sucupira, o barbatimão, o pacari e a arnica. Outras plantas são usadas para a confecção de artesanato e utilitários, como o capim-dourado e outras plantas da família das sempre-vivas. Além disso, temos o extrativismo de madeiras, usadas, por exemplo, na

2 Extrativismo é a coleta de produtos diretamente da natureza, produtos estes que não foram cultivados por nenhum ser humano. O extrativismo pode ser predatório, quando a coleta é superior à capacidade de recuperação natural; ou sustentável, quando a quantidade coletada é inferior à capacidade de regeneração do recurso explorado.

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construção de casas e cercas; e de lenha, produto indispensável na zona rural. Até mesmo os capins nativos, comidos pelo gado que é criado solto em áreas de Cerrado, podem ser considerados produtos do extrativismo vegetal no bioma.

Apesar dessa grande riqueza, nas últimas décadas o Cerrado vem sendo devastado em um ritmo talvez nunca antes visto em outros biomas do planeta. A partir da década de 1970, a vegetação de árvores tortas passa a ser substituída por grandes monoculturas de soja, milho, eucalipto, cana, algodão, capim. A expansão urbana e de obras de infra-estrutura, como estradas e barragens, também contribuem significativamente para a degradação do Cerrado. E as populações camponesas e indígenas passam a ser expropriadas de suas terras, agravando a pobreza e aumentando o êxodo rural. As consequências deste processo são drásticas: secamento de córregos e nascentes, assoreamento de rios, degradação dos solos, perda de biodiversidade, perda do conhecimento associado aos ecossistemas, aumento das desigualdades sociais e econômicas (Mazzetto-Silva, 2009).

Tal modelo de produção responde às demandas do mercado global e à agenda política do crescimento econômico a qualquer custo. No entanto, é cada vez mais evidente sua insustentabilidade. Então, qual seria a alternativa a este modelo? É possível produzir e preservar ao mesmo tempo? É possível gerar benefícios sociais e econômicos para as populações do Cerrado e para a sociedade em geral, enquanto sua biodiversidade e seus recursos naturais sejam conservados? Este material visa contribuir para responder essa questão, apresentando a experiência do Assentamento Americana e do Grupo Agroextrativista do Cerrado, em curso no município de Grão Mogol-MG, meso-região Norte de Minas.

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18 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Breve histórico da região Norte de Minas

As populações camponesas do Norte de Minas têm origem na mistura dos indígenas, que já habitavam a região há milênios, com negros e brancos que começaram a chegar na região a partir do século XVII, inseridos no processo de colonização estimulado pela busca por metais preciosos – bandeirantes que vinham de São Paulo – e pela ocupação das extensas pastagens nativas por criadores de gado vindos do nordeste do Brasil. Ao longo de três séculos, estas populações ocuparam os diversos ecossistemas da região, desenvolvendo modos de vida marcados pelo uso comum dos recursos naturais, pelo aproveitamento da biodiversidade nativa, pela criação de gado “na solta” e pelo cultivo em sistema de pousio (rotativo), que permitia a recuperação dos solos por até 10 anos. Às populações que ocupam as áreas de Cerrado, ou seja, os “Gerais”, dá-se o nome de Geraizeiras, ou também Geralistas.

Estas populações não viviam totalmente isoladas: comercializavam excedentes nas feiras das cidades e povoados mais próximos, e dependiam de alguns recursos que não podiam produzir, como o sal. Por outro lado, aprenderam a produzir e extrair da natureza a maior parte daquilo que necessitavam, utilizando tecnologias simples e conhecimentos sobre o ambiente que habitavam, muitos deles herdados dos indígenas. Valiam-se também de relações de solidariedade e reciprocidade, estabelecidas nos laços de parentesco e compadrio e nas trocas de alimentos, sementes e dias de trabalho.

A partir da década de 1960, porém, a realidade do Norte de Minas começa a mudar. Grandes empresas, incentivadas por políticas governamentais, passam a ocupar terras para implantação de grandes projetos econômicos. Muitas destas terras, apesar de já serem ocupadas e utilizadas pelos camponeses locais, não eram tituladas, e foram expropriadas de seus verdadeiros donos a favor das empresas, em nome do “progresso”. As

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1�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

áreas de Cerrado, as extensas chapadas dos Gerais, passaram a ser ocupadas, principalmente, por grandes monoculturas de eucalipto, destinadas à produção de carvão para a atividade siderúrgica de Minas Gerais. As consequências mais visíveis deste processo são a perda da biodiversidade e o secamento de córregos e nascentes, com impactos diretos na reprodução sócio-econômica das populações rurais da região, aprofundando as desigualdades sociais e o êxodo rural (Mazzetto-Silva, 1999; Luz & Dayrell, 2000; Nogueira, 2009).

Com o fi m da ditadura militar, retoma-se na região a organização política do campesinato, liderada por organizações progressistas da igreja católica – Pastorais e Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) – culminando na fundação de associações comunitárias, Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) e do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM). Desde meados da década de 1980, o CAA-NM atua em prol dos camponeses norte-mineiros, incluindo: assessoria técnica e formação em agroecologia; valorização de suas culturas tradicionais; estímulo à sua participação política; e apoio à luta pela (re)conquista do acesso à terra, água e biodiversidade.

PARA SABER MAIS: O termo “agroecologia” vem da união das palavras agricultura + ecologia, mas hoje signifi ca mais do que simplesmente uma agricultura ecológica, podendo signifi car também uma ciência e um movimento social, abrangendo questões políticas, sociais e econômicas, e uma crítica severa ao modelo de desenvolvimento capitalista. Alguns autores que escrevem sobre a Agroecologia são Eduardo Sevilla-Guzmán, Miguel Altieri e Francisco Roberto Caporal. No Brasil, diversas organizações trabalham com práticas, movimentos e pesquisas agroecológicas, e se agrupam por meio da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Mais detalhes em www.agroecologia.org.br.

A partir do trabalho do CAA-NM, que também busca alter- nativas econômicas para os camponeses, foi fundada, em 2003, a Cooperativa dos Agricultores Familiares e Agroextrativistas Grande Sertão Ltda., ou, simplesmente, Cooperativa Grande Sertão, que envolve cerca de 200 comunidades do Norte de Minas, dentre elas, o Assentamento Americana, localizado no município de Grão Mogol (Figura 1, pag. 20).

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20 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

PARA SABER MAIS: O município de Grão Mogol pertence à meso-região Norte de Minas, mas faz parte da bacia hidrográfi ca do rio Jequitinhonha, abrigando um de seus principais afl uentes: o rio Itacambiruçu. O relevo é formado por um trecho da Cadeia do Espinhaço (conhecido localmente como Serra da Bocaina ou Serra Geral), margeado por extensos chapadões. Grão Mogol é conhecido como “o diamante do sertão norte-mineiro”, devido às suas riquezas históricas e naturais. O local começou a ser ocupado no século XVIII, por meio do garimpo de diamante, e hoje conta com cerca de 15 mil habitantes, sendo a maioria residente na zona rural. Destaca-se como um dos principais pólos turísticos do Norte de Minas, sendo seus principais atrativos: as belas construções de pedra (foto 1), suas cachoeiras (foto 2), e sua rica biodiversidade, que inclui a espécie de cacto endêmica Discocactus horstii. Mais informações sobre a história e a natureza de Grão Mogol podem ser encontradas, por exemplo, nas seguintes publicações:Parrela, Ivana D. O teatro das desordens: garimpo, contrabando e violência

no sertão diamantino - 1768-1800. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: Fapemig, 2009, 178p.

Pirani, J.R.; Mello-Silva, R.; Giulietti, A.M. Flora de Grão-Mogol, Minas Gerais, Brasil. Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo, v.21(1), 2003, p.1-24.

E também no vídeo-documentário:

“De Grão em Grão”. Vídeo-documentário, Brasil, Grão Mogol-MG, 2011. Digital, 60 min. Direção e roteiro: Frederico Borges; Produção: Deleni Arruda, Kátia Oliveira e Terezinha Paulino; Edição: Daniel Roscoe; Trilha sonora: Luciano Paco. (pedidos pelo e-mail: [email protected])

Figura 1. Localização da meso-região Norte de Minas e do município de Grão Mogol em relação ao Brasil e América do Sul.

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21Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Histórico da área do Assentamento Americana

Inserida no contexto de formação social, econômica e cul-tural do Norte de Minas, a área hoje ocupada pelo Assentamento Americana abrigou a formação de diversas comunidades rurais, como o Sossego, o Miguel e a Boa Vista. Até hoje, a maioria das localidades recebe seus antigos nomes. As famílias que aí viviam plantavam roça, criavam gado, e aproveitavam as frutas nativas. Existiam também grandes fazendas, mas grande parte da terra era de uso comum, sem um controle rígido por parte de seus proprietários. Daí se usa a expressão “criar gado na solta”, ou “na larga”, que significa que o gado pastava livremente pelos campos e cerrados naturais, sendo depois “campeado” por seus donos e por vaqueiros. Nessa área, existiam também inúmeras lagoas, e a vegetação era mais vigorosa do que é hoje.

Em meados da década de 1970, a empresa Florestas Rio Doce, extinta subsidiária da antiga empresa estatal Vale do Rio Doce, passou a comprar terras em toda a região, com o objetivo de produzir carvão para as siderúrgicas de Minas Gerais. Em muitas fazendas adquiridas pela empresa, iniciou-se o plantio em larga escala do eucalipto e do Pinus. Em poucos anos, tais monoculturas dominaram extensas áreas do município (Figura 7, pág. 68), excluindo os pequenos proprietários e desestruturando as estratégias produtivas camponesas.

Na elaboração do PDA do Assentamento Americana, foram recolhidos depoimentos de moradores antigos da região, que relatam os prejuízos da restrição do acesso às terras de

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22 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

chapada para a criação do gado na solta, para o extrativismo e para a caça:

O prejuízo maior nosso foi na pecuária. Quando pai comprou o terreno, em 1964, só em 1972 é que pai veio morar. Nós saía de lá e ia até o Pulo, via mais de 200 criação na chapada. Hoje não vê nada.

Quando tinha o pequizeiro, tinha o Jadir que fazia a vida dele no piqui. Acabou tudo.

A madeira, quando a chapada era dos do lugar, podia pegar à vontade. Hoje num pode tirar mais. E onde é das firma, num pode porque elas mudou de plantação. E onde num mudou, num pode tirar.

Com o desmatamento ficou tudo muito difícil, até para os bichinhos do mato. (...) Tinha várias caças, mas hoje, com este desmatamento, com este eucalipto, já ficou mais difícil, já fracassou muitos bichos (...) O que arrasou mesmo foi o desmatamento.

Na Fazenda Americana, não houve um plantio massivo de eucalipto, mas foi realizada a extração de madeira nativa para a produção de carvão, com machados e motosserras, e o plantio de capim em algumas áreas. Um dos assentados conta que, em 1982, 26 operadores de motosserra atuavam simultaneamente na Fazenda. A exploração chegou a ter regime de manejo aprovado pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), em 1986. Entretanto, a fiscalização era precária, e somente entre 20 e 30% das árvores foram poupadas do corte.

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23Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

A partir do início da exploração madeireira na região, começou um intenso processo de diminuição da disponibilidade de água no local: muitas lagoas secaram, e as chuvas diminuíram. A Sra. Maria Gonçalves Pereira dos Santos, nascida em 1932 e antiga moradora da comunidade Canivete, relata um pouco do processo:

De 1975 pra cá, que deu uma crise horrorosa, mudou muitas coisas... (...) Tinha (mais chuva). (...) Essas cabeceiras aqui era tudo pindaíba, tudo era lagoa. (...) agora (está) tudo seca. Era tudo de peixe! Mas o povo botou fogo, botou fogo... (...) Elas (as árvores) eram mais verdes. Mais conservada. Porque a natureza não era cultivada desse jeito que está agora não... Tudo era beleza, tudo guardava umidade. As coisas dava mais. Dava mais milho, mais feijão, dava mandioca, dava cana, bastante.

Foi o fogo! O que acabou com a água foi o fogo! Punha o fogo lá, o fogo descia. (...) deixa tudo no pó! Ali onde era umas roça, ali ficou trinta dias queimando o chão, que se a gente pisasse atolava a perna e queimava ainda. Uma menina lá de perto de casa queimou, enfiou a perna e queimou o pé dela tudo.

O fogo é apontado, por diversos moradores e trabalhadores antigos da região, como fator crucial na diminuição das águas e na destruição ambiental. Um morador antigo do lugar, hoje assentado, também dá o seu relato:

O maior estrago (na área do Assentamento) quem fez foi a Vale do Rio Doce – desmate e fogo. Onde firma mexe, acontece tudo de ruim. Antes o fogo não subia como hoje. Aqui era escuro

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24 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

(devido à vegetação alta). Gado era só na solta. Capim era verde sequiságua (na época da seca e na época das chuvas). Não precisava de adubo, chovia muito.

O corte de árvores na Fazenda Americana durou até meados de 1989. A partir do início da década de 1990, a Fazenda Americana foi praticamente abandonada: os fornos foram desativados e os equipamentos foram desmontados. Informalmente, a Fazenda passou a ser utilizada como pasto para o gado de vizinhos.

A partir de 1997, com a privatização da Vale do Rio Doce, a empresa passa a leiloar várias de suas fazendas na região – só no município de Grão Mogol eram 17, dentre elas, a Fazenda Americana. Assim que a notícia foi divulgada, em 1998, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Grão Mogol solicita a orientação da Fetaemg (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais) sobre como reivindicar a criação de um assentamento no local. Após a realização de uma assembléia com quase 400 participantes e a produção de um extenso abaixo-assinado, o STR de Grão Mogol encaminha a solicitação ao Incra. Houve também, neste momento, uma articulação da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA), junto ao IEF (Instituto Estadual de Florestas), para incorporar a área da Fazenda no recém-criado Parque Estadual de Grão Mogol, porém sem sucesso.

O primeiro laudo do Incra foi desfavorável à criação do Assentamento, alegando baixa qualidade do solo. Além disso, a Prefeitura de Grão Mogol emitiu ao Incra, nesse momento, uma declaração alegando não existirem “sem-terras” na região. O STR acionou então o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e

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25Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM). A CPT e o CAA-NM já estavam envolvidos, desde a década de 1980, na luta camponesa pela terra, e no reconhecimento e valorização dos povos tradicionais do Norte de Minas. Merece destaque a luta “geraizeira e agroextrativista” pela implantação, no município vizinho de Riacho dos Machados, do Assentamento Tapera, importante fonte de conhecimento e inspiração para o Assentamento Americana.

O CAA-NM e o Incra fizeram então nova vistoria no local, procurando identificar os modos de produção dos moradores antigos e atuais do local. Foi emitido um novo laudo, desta vez recomendando a implantação do assentamento, referenciado no modo de vida Geraizeiro e nos princípios do agroextrativismo e da agroecologia. Em 2001, estava criado o Assentamento Americana, e no início de 2002 foram legitimadas as primeiras famílias em seus lotes. No dia 21 de abril de 2002, foi fundada a Associação dos Assentados da Fazenda Americana, que é a instituição que representa as famílias assentadas perante os órgãos públicos e a sociedade civil.

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O Assentamento Americana

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2�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

A concepção do Assentamento Americana

O Assentamento Americana abriga uma proposta diferenciada de assentamento rural, na qual a viabilidade econômica e ambiental passa pelo agroextrativismo, ou seja, pela complementaridade entre atividades agro-pastoris e o uso da biodiversidade nativa. Dessa forma, de seus 18.922 hectares, 24% é destinado à Reserva Legal, 34% aos lotes e os outros 42% correspondem à Área de Manejo Extrativista (AME), de uso coletivo (Figura 2). São 76 lotes, com tamanhos que variam entre 47 e 164 hectares, sendo a média de 78 hectares. O Assentamento engloba localidades conhecidas por diferentes nomes, usados há muitas décadas pelos moradores da região: Sapé, Miguel, Barreiro, Garça, Boa Vista, Branca, Sossego, Largo.

Figura 2: Planta básica do Assentamento Americana, mostrando as áreas destinadas aos lotes, manejo extrativista e Reserva Legal. São mostrados também os nomes das diferentes localidades do Assentamento.

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A proposta do Assentamento Americana está detalhada no Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), que foi elaborado em 2002 pelo CAA-NM junto ao Núcleo de Ciências Agrárias da UFMG, e contou com a participação direta de assentados que já ocupavam a área nessa época e com o apoio de diferentes organizações: CPT, STR de Grão Mogol, Incra, Unimontes. Tal propos- ta tomou como base o mo- do de vida Geraizeiro, in-vestigando o uso da terra historicamente praticado na área do Assentamento e suas redondezas, e identifi cando as diferentes potencialidades de cada ambiente, dos tipos de solo e da biodiversidade nativa.

A normatização das recomendações do PDA está no Regimento Interno do Assentamento Americana (Anexo 7, pág. 130), aprovado em assembleias da Associação realizadas em outubro de 2002 e junho de 2003. O Regimento regula a “gestão, uso e ocupação dos lotes familiares, das áreas coletivas de manejo extrativista e Reserva Legal”, instituindo normas para o trabalho nos lotes, tais quais: obedecer critérios de conservação dos solos e curvas de nível; não usar o fogo (exceto em queimadas controladas quando necessárias); não utilizar adubos químicos nem agrotóxicos; não realizar gradagens ou arações em áreas como

PARA SABER MAIS: O Plano deDesenvolvimento do Assentamen- to (PDA) “reúne os elementos essenciais para o desenvolvimento dos Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária, em estrita observância à diversidade de casos compreendida pelos diferentes biomas existentes, com destaque para os seus aspectos fi siográfi cos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo instrumento básico à formulação de projetos técnicos e todas as atividades a serem planejadas e executadas nas áreas de assentamento” (Resolução Conama Nº 387, de 27 de Dezembro de 2006).

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brejos ou nascentes; produzir carvão somente no aproveitamento da lenha oriunda das roças e pastos. A Reserva Legal coletiva do Assentamento foi estabelecida em áreas de nascentes e com boa representatividade da flora local. Somente em 2012 sua averbação foi concluída junto ao IEF. O Regimento recomenda deixar ainda faixas de vegetação nativa em todos os lotes, equivalendo a cerca de 30% da área de cada um, permitindo assim o deslocamento de espécies da fauna pelos lotes. Para as Áreas de Manejo Extrativista, o Regimento Interno estabelece a proibição da produção de carvão e da caça, apontando que elas se destinam a: criação de gado, obedecendo a capacidade de suporte; coleta de frutos, plantas medicinais e lenha seca, e captura de abelhas para criação; e extração seletiva de madeira, sob a supervisão da diretoria da Associação, e somente para uso interno. O Regimento Interno visa contribuir para uma exploração mais racional e adequada dos lotes e das Áreas de Manejo Extra-tivista, visando a maior sustentabilidade econômica e ambiental do Assentamento. A implantação destas normas deve ser feita com apoio do órgão de Assistência Técnica e Extensão Rural3 (ATER), mas depende também da compreensão e do comprometimento de cada família. Espera-se que, com o desenvolvimento da produção no Assentamento, seja revelada a utilidade destas normas, e sua adoção seja consolidada em todos os lotes.

3 Até março de 2012, a ATER oficialmente do Assentamento Americana era responsa-bilidade da Emater, sendo assumida então pelo CAA-NM.

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Aspectos ambientais

A área do Assentamento Americana fica ao norte do município de Grão Mogol, próximo ao município de Riacho dos Machados (Figura 3), inserido em um extenso chapadão que margeia a Serra da Bocaina pelo seu lado oeste. Grande parte do espigão desta Serra está inserida, desde 1998, no Parque Estadual de Grão Mogol (PEGM), de 28,4 mil hectares.

Figura 3. Localização do município de Grão Mogol em relação à meso-região Norte de Minas, com destaque para as áreas do Assentamento Americana e do Parque Estadual de Grão Mogol (PEGM).

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A maior parte do Assentamento está coberta por vegetação nativa, sendo 85% de vegetação de Cerrado: cerrado sensu strictu (predominante), campo sujo, campo limpo, cerradão e algumas áreas de mata ciliar, brejos e várzeas (Foto 4, pág. 67, e Figura 8, pág. 69). Há ainda algumas áreas de transição para a Caatinga, com presença de carrascos, e cerca de 8% de mata seca (floresta caducifólia), presente exclusivamente em áreas do Largo e do Sossego. Nas áreas mais antropizadas, tem-se a presença de pastos plantados com capins exóticos e ainda 7ha de plantação de Pinus sp. (CAA-NM & UFMG, 2002; Maciel & Carvalho, 2009).

Cada lote do Assentamento possui diferentes ambientes, de forma a contemplar todos os usos previstos em sua concepção. As três unidades ambientais básicas são: baixada, tabuleiro e chapada (Figura 4).

A chapada é utilizada mais para solta de gado e extrativismo. É no tabuleiro e na baixada que se plantam os cultivos – alguns deles estão melhor adaptados a um ou ao outro ambiente, mas muitos podem ser cultivados nos dois.

Baixada: cana, milho, mandioca, banana, araçá, SAFs

Chapada: extrativismo, gado

Tabuleiro: casa, quintal, pomar, pequenas criações, horta, SAFs, abacaxi

Figura 4: Visualização, em perfil, dos três principais ambientes presentes em cada lote do Assentamento Americana. Esta figura é meramente ilustrativa, e não obedece às proporções reais.

A baixada, chamada também de baixa ou vazante, possui solo mais fértil (organossolo mésico e gleissolo melânico), que

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viabiliza a produção de culturas mais exigentes, como milho, cana e capins de corte (capineiras). Aí também se planta mandioca, feijão, banana e abacaxi. Em alguns lotes, onde as áreas de baixada são mais úmidas ou encharcadas, algumas famílias cultivam arroz, mas vêm tendo dificuldades por causa do ataque de passarinhos e capivaras, e pela degradação causada aos brejos. Mesmo assim, pode ser viável a produção de variedades de arroz de sequeiro em alguns lotes.

Nas baixadas se encontra espécies nativas como o araçá, o maracujá-nativo, a pindaíba e a aroeirinha. Brejos, várzeas, córregos e matas de galeria são também encontradas nas áreas de baixada de alguns lotes. Utiliza-se também a denominação de vereda para estas áreas. O manejo agrícola nas baixadas deve ser especialmente cuidadoso, evitando-se o uso de máquinas pesadas e mesmo a solta do gado. Além das APPs (faixas de 30m de vegetação nas margens de nascentes, brejos, córregos e lagoas), o Regimento Interno recomenda deixar faixas de 30 a 50m de largura entre a baixada e o tabuleiro.

O tabuleiro é a “encosta” que liga a baixada à chapada, com Relevo Suave Ondulado (declividade geralmente menor que 10%). É onde se instalam a casa, o quintal, o pomar, a horta, as criações de pequenos animais (galinha, porco, cabras) e o curral. Os solos do tabuleiro (latossolos vermelho-amarelo distrófico de textura média) são apropriados para muitos cultivos: abacaxi, andu, urucum, mandioca, feijão etc. Espécies nativas comumente encontradas aí são angico, pequi, sucupira e embiruçu.

A chapada corresponde à maior parte de cada lote. É a parte alta do terreno, sendo em geral plana ou com declive muito suave.

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35Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Os solos da chapada, apesar de também serem classificados como latossolos vermelho-amarelo, são diferenciados dos tabuleiros no uso agrícola. Os Geraizeiros, tradicionalmente, usam a chapada para o extrativismo de frutas, plantas medicinais, lenha e madeira e para a solta do gado, que aí aproveita sua forragem nativa. Os solos são considerados fracos, e pouco aptos para o plantio da maioria dos cultivos, mas adequados ao plantio de capins como braquiária. Em alguns lotes, há áreas de declive acentuado com presença marcante de cascalho, onde também sobrevivem diversas espécies do Cerrado, inclusive capins.

A chapada é considerada também a “caixa d’água” do Cerrado, pois é nela que infiltra a maior parte da água das chuvas, contribuindo para a manutenção e recuperação do lençol freático, de nascentes, rios, córregos e lagoas. As áreas de chapada correspondem à maior parte do Assentamento Americana, sendo cobertas principalmente por cerrado sensu stricto, campo sujo e cerradão. Nela se encontram diversas espécies nativas: barbatimão, cagaita, jatobá, pau-santo, pequi, rufão, tingui, vinhático.

O Regimento Interno recomenda deixar, nas áreas de chapada dos lotes, faixas de vegetação nativa de 10m de largura em curvas de nível nas áreas de chapada, a cada 70 ou 100m, além de faixas de 50m na divisa de um lote com o outro (estas englobam também trechos de tabuleiro e baixada). Estas faixas formam corredores ecológicos, permitindo o fluxo genético de espécies nativas e contribuindo à conservação da biodiversidade e ao equilíbrio dos ecossistemas.

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36 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Água no Assentamento Americana

A área do Assentamento Americana é marcada pela presença de lagoas e brejos, que são afloramentos do lençol freático e se configuram em nascentes, que: vertem para o norte, abastecendo o rio Vacaria, que deságua no rio Jequitinhonha; e que vertem para o sul, formando o córrego Extrema, que deságua no rio Itacambiruçu, outro tributário do Jequitinhonha.

Até os anos 1970, estas lagoas – do Miguel, das Pedras, Americana, Mutuca, Marruaz, Branca, Boa Vista, dos Porcos, Garça e Nova (foto 3) – eram perenes, e atraiam moradores de toda a região para a pesca, segundo diversos relatos. Progressivamente, muitas dessas lagoas e brejos foram secando, ou se tornando intermitentes. Em alguns casos, foram construídas barragens para segurar a água por mais tempo. Atualmente, há pouca disponibilidade de água superficial no Assentamento, e todo cuidado deve ser tomado para evitar o secamento das nascentes, lagoas e córregos remanescentes.

Felizmente, o Assentamento conta com boa quantidade de água subterrânea. Foram implantados quatro poços artesianos (poços tubulares profundos), com vazão suficiente para uso doméstico das famílias. A água destes poços é lançada para caixas d’água e distribuída às casas por encanamento. Contudo, o valor do litro d’água cobrado é considerado muito alto pelas famílias assentadas, impedindo a utilização desta água na irrigação de cultivos. Além disso, é importante que o uso da água subterrânea seja menor que a capacidade de recarga do lençol freático, para que

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3�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

seja sustentável. Alguns assentados mantêm ainda, em seus lotes, cisternas perfuradas nas áreas de baixada, para uso complementar.

A alternativa mais sustentável para complementação da disponibilidade hídrica tem sido a captação e armazenamento da água da chuva, por meio de cisternas de placas de cimento e estrutura de ferro, construídas por meio dos programas P1MC e P1+2 – Programas “1 milhão de cisternas” e “uma terra e duas águas”4. As “cisternas caseiras”, de 16 mil litros, captam água do telhado para ser usada na cozinha (Foto 18, pág. 76). Já as “cisternas calçadão” (Foto 19, pág. 76) armazenam até 52 mil litros de água, que é usada para irrigação de hortas e dessedentação de animais. O “calçadão” é uma área cimentada de 200m², por onde é captada a água. É possível encher uma cisterna dessas com apenas 350mm de chuvas. Como na região do Assentamento Americana incidem de 800 a 1000mm de chuvas anuais, as cisternas calçadão podem promover uma disponibilidade de mais de cem mil litros de água por família/ano. Além disso, os calçadões podem ser usados para secagem de produtos agrícolas no período da seca.

Todos os membros do Grupo Agroextrativista já contam com suas cisternas de placas. Boa parte dos outros assentados também já tem as suas, sendo que alguns dispõem de cisternas de plástico. Alguns assentados trabalham ainda como pedreiros e mobilizadores dos programas P1MC e P1+2.

O cuidado com os recursos hídricos do Assentamento Americana é um grande desafio, exigindo o esforço de todos, principalmente através da preservação e recuperação da

4Mais detalhes na página da ASA – Articulação do Semi-Árido: www.asabrasil.org.br

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38 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Estrutura do Assentamento Americana

O Assentamento Americana é cortado pela BR 251, rodovia de intenso movimento de carretas, e umas das principais ligações entre o Sudeste e o Nordeste do Brasil. A rodovia MG-120, principal acesso a Riacho dos Machados, atravessa um pequeno trecho do Assentamento. Passam pelo Assentamento também três estradas com revestimento primário que ligam à sede do município de Grão Mogol. Uma rede interna de estradas sem revestimento dá acesso a todos os lotes. A maior parte delas está em bom estado de conservação, principalmente pelo fato do relevo predominante ser plano, e por não serem estradas de movimento muito intenso. Nos trechos com declividades acentuadas, há risco ou incidência de erosões, sendo importante a implantação de “barraginhas”

cobertura vegetal. Caso sejam seguidas as recomendações do PDA e do Regimento Interno, no sentido de manter a vegetação nativa das chapadas e deixar faixas de vegetação nos lotes e nas margens de corpos d’água, espera-se um aumento da disponibilidade de água superficial e de umidade nos solos do Assentamento. Alguns assentados são confiantes quanto a essa possibilidade, e um deles diz:

Você sabe que é possível voltar a água. Não passa mais a roçadeira naquela manga na área da sede, não deixa o fogo pegar mais – faz um trabalho desse, deixando faixas, deixando o que tem e introduzindo mais.

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nas laterais da estrada. Estes tanques de retenção de água, além de evitarem enxurradas, contribuem para a recarga do lençol freático e para a recuperação de córregos e nascentes.

Entretanto, uma das principais carências do Assentamento é relativa ao transporte. As linhas de ônibus municipais operam poucos dias por semana, e passam longe de muitos lotes, assim como os ônibus escolares. O deslocamento interno no Assentamento é penoso: alguns assentados chegam a ter que pedalar por duas horas para chegar à sede do Assentamento e participar das reuniões da Associação. Uma melhoria nos transportes é uma das principais reivindicações dos assentados para melhorar a estrutura do Assentamento.

Outra reivindicação é por escolas dentro do Assentamento: as crianças, jovens e adultos têm que freqüentar escolas de outras comunidades, da sede de Grão Mogol ou de municípios vizinhos. É importante também que as escolas ofereçam ensino de qualidade, com materiais e metodologias adequadas à realidade da região, como a Escola Geraizeira5, proposta que já operou no Assentamento Tapera.

O crédito habitação, que deveria ser liberado pelo Incra no primeiro ano do Assentamento, para construção de casas para as famílias assentadas, só foi liberado em 2011 e 2012. Até então, muitas famílias viviam em construções precárias. Por outro lado,

5Detalhes sobre a Escola Geraizeira estão no documento: Associação dos Assentados Nossa Senhora das Oliveiras do Assentamento Tapera; Prefeitura Municipal de Ria-cho dos Machados. Escola Rural Geraizeira: histórico e projeto político-pedagógico. Riacho dos Machados-MG, Julho de 2008.

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os assentados consideram falho o projeto padrão de casa de alvenaria, exigido pelo Incra. Reivindicam, assim, a possibilidade de uso de materiais alternativos – por exemplo, tijolos de adobe – e que o projeto contemple construções adicionais, especialmente fogão de lenha na cozinha e áreas externas cobertas (como varanda e área de serviço). Felizmente, todos os lotes com moradores já contam com energia elétrica.

Quem são as famílias do Assentamento Americana?

Os assentados são oriundos da própria região, alguns do próprio município de Grão Mogol, e outros de municípios vizinhos: Porteirinha, Riacho dos Machados, Montes Claros. Alguns deles são “nascidos e criados” no Gerais, e se auto-identificam como Geraizeiros. Outros vêm de localidades cujo ambiente predominante é de Caatinga ou Mata Seca, mas também compartilham conhecimentos sobre a agrobiodiversidade da região.

O Assentamento Americana abriga, atualmente, cerca de 250 moradores, sendo metade adultos e a outra metade, jovens e crianças. Com a ocupação permanente dos 76 lotes, prevê-se uma população futura de aproximadamente 400 pessoas no Assentamento. A baixa densidade populacional no Americana associa-se à baixa disponibilidade de solos férteis (“terra de cultura”) e à grande extensão de solos ácidos (chapadas),

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impróprios para cultivos anuais básicos, como feijão, milho e cana, mas apropriados para usos menos intensivos dos recursos (extrativismo, solta de gado).

A maior parte das famílias do Assentamento Americana tem, como atividade principal, o trabalho em seus lotes: cultivos, criações e serviços domésticos. Geralmente, o objetivo central desse trabalho é a auto-suficiência, ou seja, evitar pagar por aquilo que se pode produzir e fazer. De 37 famílias entrevistadas, a produção no lote é a principal atividade de sustento familiar para 16, e está entre as três mais importantes para 28 famílias.

Todas as famílias buscam, também, formas de obter renda. A prestação de serviços remunerados é a fonte de renda mais importante para 13 famílias, e está entre as três mais significativas para, ao menos, outras 20. São mais freqüentes os serviços prestados no próprio Assentamento e seu entorno, em obras civis ou em trabalhos “de roça”. Em menor proporção estão os assentados que trabalham em “firmas” de eucalipto e outros que recebem ajuda de custo em trabalhos institucionais. Benefícios do governo, como Bolsa Família e aposentadorias, estão entre as três fontes de renda mais importantes para, pelo menos, 20 famílias.

Ao menos 18 famílias têm, na comercialização de produtos agropecuários, uma das atividades econômicas principais. A venda é feita, na maioria das vezes, de maneira informal, em feiras livres ou diretamente ao consumidor. Muitas famílias têm ainda o costume de trocar dias de serviço, e em situações específicas, trabalhar em mutirão. Estas relações de trabalho reforçam os laços de solidariedade entre as famílias, e impactam de maneira positiva na produção e nas economias domésticas.

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6 Identificado informalmente como “Oscip” ou “Grupo” pelos seus próprios membros, pas-sou a ser identificado como “Grupo da Boa Vista” por pessoas de fora, relacionando-o à localidade conhecida por este nome. Assim, o Grupo incorporou o nome “Boa Vista” em sua logomarca. Contudo, nem todos os membros do Grupo vivem na Boa Vista, e nem todos moradores da Boa Vista fazem parte do Grupo.

Para 11 famílias, a produção e venda de carvão é uma das três principais fontes de renda. Alguns assentados relatam que esta atividade não tem sido vantajosa, pois o preço do carvão tem caído muito. Além disso, o trabalho nos fornos é fatigante e insalubre. Dessa forma, é importante que as roças e criações, o extrativismo e a comercialização de produtos agropecuários sejam reconhecidos como atividades economicamente mais vantajosas do que a produção de carvão.

A diversidade de situações vivenciada por cada família, nas diferentes localidades dentro do Assentamento, muitas vezes dificulta a convergência de interesses e ações. Contudo, existe um progressivo amadurecimento da organização dos Assentados, tanto em torno da Associação quanto no nível das relações de vizinhança nas diferentes localidades. Somente por meio das relações de diálogo e de cooperação é que as famílias assentadas conquistarão avanços sociais, econômicos e políticos.

O Grupo Agroextrativista do Cerrado

Buscando uma maior autonomia para atuar em torno da agroecologia, um grupo de famílias do Assentamento Americana decidiu fundar, em julho de 2006, uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) chamada Grupo Agroextrativista do Cerrado6. O Grupo é composto, em sua

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maioria, por famílias que já atuavam junto ao CAA-NM desde antes de existir o Assentamento, e que já estavam vinculadas à agroecologia, ao agroextrativismo e aos movimentos sociais, por meio dos STR locais, e por meio também das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

Algumas famílias do Grupo, por terem nascido e passado toda sua vida em ambiente de Gerais, detém um profundo conhecimento sobre a agricultura geraizeira e o manejo dos ecossistemas do Cerrado. O conhecimento destas famílias contribuiu (e vem contribuindo) para o desenvolvimento do próprio trabalho do CAA-NM e da Cooperativa Grande Sertão.

O Grupo está composto hoje por famílias moradoras de onze7 lotes do Assentamento. O trabalho agroecológico e agroextrativista desenvolvido por estas famílias vem se tornando uma referência nacional e até mesmo internacional, recebendo visitas de profissionais, pesquisadores e ativistas de diferentes partes do Brasil e do mundo. O trabalho dos Geraizeiros do Grupo já chamou a atenção até de veículos da grande mídia, resultando, por exemplo, em reportagens do Globo Rural8. Os membros do Grupo estão passando pela análise das certificadoras Insitituto Biodinâmico (para produtores orgânicos) e da FLO-CERT (para produtores do Comércio Justo), por meio do processo de certificação da Cooperativa Grande Sertão, da qual são cooperados.

7 O número de famílias associadas ao Grupo Agroextrativista do Cerrado pode variar ao longo do tempo, pois famílias associadas podem se desligar, enquanto outras de fora podem se associar. O Grupo também está aberto para a associação de famílias que vivem no entorno do Assentamento.8 Globo Rural, reportagens “Mudas de araticum” (08/04/2007), “Frutas do cerrado” (30/04/2006) e “Geraizeiros de Córregos” (ano 2000).

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44 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

O Grupo já recebeu apoio de diversas organizações: Fundação Banco do Brasil (FBB), Promotoria de Justiça de Defesa do Rio São Francisco, Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-Ecos – ISPN/GEF/PNUD/Comissão Européia), Fundação Luterana de Diaconia (FLD) e Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE). Estes apoios são oferecidos através de projetos e editais, resultando em doações para diferentes atividades ligadas ao manejo e produção agroecológica e extrativista, beneficiamento e comercialização. A maior parte dos recursos doados nos anos recentes destinou-se à construção da Unidade Multiuso de Processamento de Frutos do Cerrado.

A Unidade Multiuso (Foto 27, pág. 79) é uma pequena agroindústria com vistas a incrementar e profissionalizar o beneficiamento e a comercialização de produtos, onde se pretende produzir fitoterápicos, óleos, doces, além de farinha, rapadura e açúcar mascavo. Ela atende às normas da vigilância sanitária e demais exigências legais, e possibilitará a comercialização de produtos de excelente qualidade, para os mercados mais exigentes. Com certificação do IBD e da FLO-CERT, tais produtos terão ainda maior valor agregado, e poderão ser comercializados em diferentes partes do Brasil e do mundo. Espera-se, assim, que aumente a geração de renda às famílias do Assentamento, bem como as oportunidades de trabalho, especialmente aos jovens. E, ao mesmo tempo, uma maior valorização da biodiversidade e da agrobiodiversidade local. Este é um projeto do Grupo Agroextrativista do Cerrado que visa trazer benefícios para famílias de todo o Assentamento e entorno.

O Grupo já recebeu cursos e treinamentos, por exemplo, do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), que ofereceu cursos de plantas medicinais e beneficiamento de laticínios.

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45Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Muitas das informações apresentadas aqui têm como base o trabalho desenvolvido pelo Grupo Agroextrativista. Famílias do Assentamento Americana que não fazem parte do Grupo também compartilham precioso conhecimento sobre agricultura e manejo do Cerrado, e muitas informações sobre suas práticas estão agregadas nesta publicação.

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Práticas agropecuárias e agrobiodiversidade no

Assentamento Americana

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4�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Agrobiodiversidade: o que é?

A agrobiodiversidade é entendida como a diversidade de cultivos em um determinado lugar, ou utilizada por uma determinada comunidade ou família. Ela inclui as diferentes espécies cultivadas, e também as diferentes variedades de cada espécie. Dizemos que a agrobiodiversidade faz parte do agroecossistema, que é um sistema ecológico que inclui espécies vegetais e animais domesticados, ou seja, é um ecossistema manejado por agricultores(as). Inclui também os elementos da biodiversidade local (plantas nativas, insetos, microorganismos etc.), fatores abióticos (minerais, chuva etc.) e até mesmo fatores sociais, econômicos e culturais (Altieri, 1999).

O plantio de somente uma espécie em uma grande área é chamado de monocultura. Para que este tipo de produção funcione, são necessários insumos externos (fertilizantes e defensivos, geralmente químicos). As grandes monoculturas causam a exaustão dos recursos naturais locais (água e fertilidade do solo, por exemplo), gerando degradação ambiental e impedindo a recuperação natural dos sistemas ecológicos – daí afirmamos que elas são insustentáveis. Em geral, este modo de produção é especializado em um só tipo de produto, produzido em larga escala e totalmente voltado para o mercado.

Já um sistema produtivo com alta agrobiodiversidade é aquele onde existe uma grande diversidade de espécies (vegetais e animais) e diferentes variedades de cada espécie. As variedades são, em geral, bem adaptadas ao tipo de clima e ao tipo de solo, e muitas vezes elas foram selecionadas pelos próprios agricultores, ao longo de gerações – estas variedades são chamadas de crioulas.

Nesse agroecossistema, procura-se respeitar os ciclos naturais (dos nutrientes, do solo, da água), de forma que haja

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uma reposição dos recursos utilizados. Os insumos utilizados – adubos, defensivos – são, muitas vezes, produzidos a partir de recursos de dentro do próprio agroecossistema. Uma maior agrobiodiversidade contribui para uma melhor conservação da biodiversidade, pois gera uma diversidade de habitats e alimentos para as espécies nativas, e sustentam um maior equilíbrio ambiental, tornando mais difícil a proliferação de pragas, evitando que se contamine o ambiente com agrotóxicos, retendo nutrientes no solo e protegendo os cultivos de eventos climáticos extremos, como enxurradas, insolação e ventanias.

A cultura local e a solidariedade são também fatores de grande importância nestes sistemas agrobiodiversos, pois es-tão vinculados à produção e ao intercâmbio de conhecimentos sobre manejo dos recursos e variedades adaptadas, que se revelam em eventos como trocas de sementes e trabalhos em mutirão. Nestes agroecossistemas, a prioridade é a soberania alimentar e a auto-suficiência (energética, medicinal, hídrica), sendo comercializado o excedente da produção, que varia de acordo com a época do ano.

A agrobiodiversidade do Assentamento Americana

As fotos das páginas 71 a 73 mostram um pouco da agrobiodiversidade do Assentamento Americana. Dentre os principais cultivos, alguns merecem destaque:

• Mandioca (Manihot esculenta): um dos alimentos mais tradicionais de todo o Brasil, tem também grande tradição no

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Norte de Minas. Suas raízes são usadas na alimentação humana, na forma de farinha, goma (para produzir biscoitos) e cozida ou frita in natura. Suas raízes e parte aérea podem ser usadas também na alimentação animal. Existem, no Assentamento Americana, ao menos 20 variedades de mandioca. Algumas famílias têm produzido farinha na meia, onde, em mutirão, se utiliza mandioca plantada por diferentes agricultores, dividindo o produto final;

• Cana (Saccharum spp.): também um item de grande tradição no Norte de Minas e em grande parte do Brasil. Usada na produção de rapadura, açúcar, garapa e doces. Usada também na alimentação animal. É considerada difícil de consorciar com outras espécies, devido a sua grande exigência de sol e nutrientes: “a palha muita da cana não deixa nascer nada!”, diz um agricultor. Mesmo assim, um dos assentados declarou consorciá-la, quando está nova, com o feijão. Assim como a farinha, a produção de rapadura em geral se dá na meia, estreitando laços de trabalho e solidariedade entre as famílias do assentamento;

• Milho (Zea may): a fertilidade dos solos e a quantidade de chuvas no Assentamento Americana têm sido pequenas para sustentar uma boa produção de milho. Mesmo assim, é uma das principais espécies usadas na alimentação animal, aproveitada também na alimentação humana de diversas formas. Existem no Assentamento cerca de 10 variedades, porém a maioria dos assentados dispõe somente de uma, em geral o milho híbrido cujas sementes necessitam sempre ser compradas. Alguns assentados têm conseguido bons resultados na produção de soja (Glycine max), que se mostra mais resistente à seca e é uma excelente fonte de proteínas para os animais, podendo ser uma alternativa ao milho;

• Andu (Cajanus cajan): conhecido também como feijão-guandu, tem grande importância na alimentação humana (ingrediente do famoso “feijão tropeiro”) e animal. É considerado um

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investimento seguro, pois é resistente à seca e ajuda na adubação do solo. É bastante plantado no Assentamento Americana, onde existem cerca de 15 variedades;

• Abacaxi (Ananas cosmosus): tem sido o principal cultivo de valor comercial no Assentamento, por ser resistente à seca e aos solos ácidos e por ter boa saída nos mercados da região – tem conquistado fama por ser extremamente saboroso e adocicado. Calcula-se que já foram plantados cerca de 100 mil mudas por ao menos 26 assentados;

• Feijão (Phaseolus vulgaris e Vigna unguiculata): item indispensável na mesa da maioria dos brasileiros, no Assentamento Americana tem também grande importância, sendo encontrado cerca de 50 variedades;

• Abóbora (Cucurbita sp.): de grande importância na alimentação humana e animal (principalmente porcos), são encontradas no Assentamento Americana cerca de 15 variedades de abóbora.

Figura 5. Número de variedades (de mandioca, milho, cana, feijão, abacaxi e abóbora) por família no Assentamento Americana. Levantamento realizado com 31 famílias.

Foram levantadas, junto a 31 agricultores, as variedades de nove cultivos: mandioca, cana, milho, abacaxi e abóbora, e ainda quatro tipos de feijão: de arranque, cata-tador, andu e fava (cha- mada também de “fei-joa”). O número de varie-dades varia de acordo com a família e o lote, conforme pode ser visua-lizado no gráfico ao lado (Figura 5).

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É grande a diferença no nível de agrobiodiversidade entre as famílias. Enquanto 12 assentados (39%) somaram até 15 variedades, sete (22%) passaram das 40, sendo que alguns chegaram a um número próximo a 70 variedades desses cultivos. Dentre as sete famílias “mais agrobiodiversas”, cinco pertencem ao Grupo Agroextrativista; dentre as 12 “menos agrobiodiversas”, somente uma pertence ao Grupo. É importante salientar que pode haver uma imprecisão nestes números, pois alguns agricultores diferenciam variedades que outros não diferenciam. De todo modo, é nítido o potencial de incremento da agrobiodiversidade da maioria das famílias.

Sabemos que há hoje, em todo o mundo, um processo de homogeneização das variedades agrícolas, e muitas variedades crioulas se perderam nas últimas décadas. Contudo, alguns camponeses, de todo o mundo, resistem e armazenam uma parte das sementes, a cada safra. No Assentamento Americana, algumas famílias costumam armazenar sementes em garrafas PET ou em sacos plásticos, visando garantir o próximo plantio. A maior parte das famílias é auto-suficiente em sementes de muitos cultivos, como abóbora, feijão de arranque e andu. Alguns agricultores e agricultoras afirmam: “Se faltar feijão, a gente compra pra comer, mas guarda a semente do feijão que a gente plantou”. As manivas de mandioca e as mudas de cana e abacaxi, normalmente, são aproveitadas da safra anterior ou arranjadas com os vizinhos. Já as sementes de milho e de cultivos de horta, em geral, são compradas a cada safra. Poucos agricultores do Assentamento mantêm variedades crioulas de milho, e guardam sementes de hortaliças e legumes.

É importante que haja um trabalho de valorização das variedades crioulas, buscando a auto-suficiência em sementes, para que as famílias do assentamento não se tornem dependentes das empresas produtoras de sementes. Felizmente, está sendo

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construído, no Assentamento, um local para servir como banco de sementes, para possibilitar o armazenamento adequado de diferentes variedades.

De 31 famílias entrevistadas, sete declaram ter entre 10 e 20 variedades de mandioca, e duas cultivam mais de dez variedades de cana e andu. Por outro lado, a maior parte das famílias declara trabalhar com apenas uma ou duas variedades de mandioca, andu e cana. A Figura 6 abaixo mostra os números máximos de variedades de cada cultivo declarados por cada uma das famílias entrevistadas. A lista com os nomes das variedades mencionadas pelos agricultores e agricultoras está no Anexo 2 (pág. 116).

Figura 6. Gráfico mostrando os números máximos de variedades por assentado, baseado em entrevistas com 31 famílias do Assentamento.

As famílias que possuem um alto nível de agrobiodi- versidade, e trabalham continuamente pela seleção de novas variedades, podem atuar como guardiões da agrobiodiversidade, atuando junto às demais famílias do Assentamento e do entorno para multiplicar essas variedades. Estas famílias já atuam nesse sentido, conforme relatam vários assentados que “arranjaram” sementes com elas.

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Para aumentar a agrobiodiversidade no Assentamento Americana, é importante a participação dos assentados em eventos de troca de sementes, como o Encontro Norte Mineiro de Agrobiodiversidade, que acontece desde 2005. É importante também o contínuo esforço dos agricultores e agricultoras na seleção de variedades melhor adaptadas às condições específicas do Assentamento. Esse esforço já ocorre, dando seu primeiro resultado: o desenvolvimento da variedade de abacaxi que recebeu o nome de “Boa Vista”.

Sistemas agroflorestais e plantios consorciados

Os sistemas agroflorestais (SAFs) ou, simplesmente, agroflorestas, são cultivos nos quais se mistura diferentes espé-cies, incluindo espécies arbóreas. No Assentamento Americana, os SAFs estão presentes nos quintais e nos pomares, mas também em plantações maiores, tanto nas áreas de tabuleiro como de baixada. Em geral, o SAF é iniciado com a “faxina”, ou seja, a retirada da vegetação “fina” do meio do Cerrado e a introdução de cultivos entre as árvores maiores. Nos SAFs, são realizados consórcios entre diferentes espécies, mas alguns consórcios também ocorrem sem incluir espécies arbóreas. Os agricultores do Grupo Agroextrativista dão seus depoimentos sobre os SAFs:

É agricultura e floresta. Se você vai abrir uma área pra plantar, você não vai tirar toda a vegetação que tem, vai deixar um pouco da floresta que tem, vai plantar no meio. Além de plantarmos diversificado, preservamos parte da floresta.

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É uma forma de a gente poder trabalhar a agricultura e consorciar com a floresta. E, quando tem sombra no meio da roça, a gente cansa menos.

Não tem uma receita pronta, você constrói de acordo com o ambiente. Todo mundo pode ter uma agrofloresta.

Os agricultores e agricultoras do Grupo apontam algumas vantagens do trabalho nos SAFs: o agroecossistema fica mais equilibrado, com menor incidência de pragas; o solo fica mais fértil, e menos suscetível à erosão; o sombreamento “segura” a proliferação de plantas indesejadas, diminuindo a necessidade de capinas; o trabalho na roça – plantio, capina, colheita – é menos cansativo, pois há mais sombra e o ar é mais fresco; é possível produzir, em um mesmo espaço, diversas coisas – grãos, frutas, lenha, madeiras, plantas medicinais; e a presença de árvores permite uma melhor infiltração da água da chuva no solo, contribuindo para a recuperação dos recursos hídricos locais.

As “roças Geraizeiras” são, tradicionalmente, misturadas. Mesmo assim, com o apoio técnico do CAA-NM, alguns agricultores do Norte de Minas vêm tendo a oportunidade de aperfeiçoar seus sistemas de plantio consorciado. Vale mencionar aqui os eventos organizados pelo CAA-NM em sua área experimental (AEFA), como cursos de formação em agroecologia, oficinas e palestras, dos quais participam alguns assentados do Americana, desde os anos 1990. Um desses eventos contou com o produtor agroflorestal Ernst Götsch, que muito contribuiu para a melhoria dos SAFs. Um membro do Grupo Agroextrativista e participante desta oficina relata:

Aprendemos muita coisa com ele (Ernst Götsch). Pra ele tinha que derrubar tudo pro solo pra recompor o sistema. Hoje eu inicio as áreas pensando diferente. Vai escolhendo as plantas que ficam. Não faço mais poda drástica pra iniciar. Vamos recompondo com as plantas que já estão ali.

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Assim, vão surgindo consórcios experimentais. Um assentado, Geraizeiro e participante da oficina com Ernst, descreve um pouco do seu SAF:

(No meu quintal) tem: milho, feijão, abacaxi, banana, manga, laranja, urucum, acerola, siriguela, limão, maracujá (nativo e cultivado), xixá, pequi. O forte daqui é isso. E tem os nativos no meio: sucupira, pau-terra, unha-d’anta, jatobá. No mato eu observo: pequi com panã, jatobá com pau-terra, sucupira com panã. De acordo com a natureza, tem plantas que ajudam umas a outras: pau-ferro com siriguela e limão, três na mesma cova; xixá com pau-ferro e imburana; manga com caju e imburana; pequi com manga; isso aí eu to testando, de acordo com o desenvolvimento, um desenvolve mais que o outro. Daí eu faço a poda educativa: tira um lado de uma planta, um lado de outra. Até o momento, eu to vendo que dá certo.

Alguns assentados mantêm, em seus quintais, pequenos viveiros, onde produzem mudas de diferentes espécies, exóticas e nativas, que são vendidas ou inseridas nos SAFs. Em alguns casos, entretanto, é mais interessante o plantio de sementes direto no local onde se deseja.

Vale destacar a importância das plantas leguminosas (família Fabaceae) nos consórcios e SAFs. Através de uma simbiose com as bactérias do gênero Rhizobium, que se associam às suas raízes, estas plantas têm a capacidade de fixar nitrogênio no solo, disponibilizando-o às outras plantas. Em geral, as leguminosas se adaptam aos solos mais pobres, ajudando em sua fertilização. Por isso, são chamadas de “adubo verde”, e podem ser utilizadas na maioria dos consórcios. A leguminosa mais utilizada no Assentamento Americana é o andu, mas outras também são importantes ou têm bom potencial: feijão-de-porco (Canavalia ensiformis), crotalária (Crotalaria sp.), mucuna (Mucuna sp.), fava (Vicia faba), soja e diversos tipos de feijão.

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Na dinâmica de trabalho nos SAFs, há também o momento de abertura das áreas, por meio de podas, para diminuir o sombreamento e permitir a incidência do sol em cultivos mais exigentes em luz, como milho, mandioca e feijão. Mesmo assim, esses cultivos também são consorciados. “O que define é o espaçamento”, diz um membro do Grupo. Os principais consórcios que estão sendo utilizados pelos assentados são:

• Milho e feijão: este é o consórcio mais comum na região, e talvez em todo o Brasil. No Assentamento Americana, se usa muito a variedade de feijão chamada “tomba-milho”. O milho também é consorciado com a soja, a fava, o andu, a mandioca e com a braquiária nova. Já o feijão às vezes é plantado com cana nova, mandioca, abóbora e melancia;

• Abacaxi, andu e mandioca: o andu e a mandioca fazem um pouco de sombra no abacaxi, protegendo-o do sol intenso. O abacaxi capta água de chuvas fracas e do sereno, ajudando a umedecer o ambiente. As raízes ocupam diferentes extratos do solo, portanto a competição por nutrientes é reduzida. Em alguns casos, o abacaxi é consorciado só com a mandioca, ou só com o andu. Um assentado atesta para a sincronia na necessidade de luz entre o abacaxi e o andu: “quando um precisa de mais luz, o outro precisa de menos”. Alguns agricultores consorciam também a mandioca com o amendoim;

• Café, banana, urucum e andu: as bananeiras, os pés de urucum (conhecido também como “corante”) e o andu fazem sombra nos pés de café, protegendo-os da insolação. Alguns assentados atestam para a melhor produtividade do café sombreado em relação àquele que está a pleno sol: “Aqui na nossa região, café que não é sombreado não produz”, diz um deles. Outras árvores plantadas junto ao café são ingá, jamelão e manga.

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Diversas outras espécies são plantadas de forma misturada nos SAFs, pomares e roças:

• Árvores frutíferas: abacate, acerola, amêndoa, ameixa, amora, atemóia, cajá, caju, carambola, cidra, fruta-pão, goiaba, graviola, jabuticaba, jamelão, laranja, lima, limão, mamão, manga, mexerica, pinha, pitanga, romã, seriguela, tamarindo, umbu, xixá;

• Oleaginosas: algodão, amendoim, gergelim, girassol, mamona, pinhão-manso;

•E ainda madeiras, hortaliças, plantas medicinais e ornamentais.

Madeiras e lenha

Nos sistemas produtivos camponeses em geral, e no Assen- tamento Americana em particular, a produção de madeira e lenha é de grande importância para uma série de atividades: construções (cerca, curral, casas), uso no fogão de lenha etc. Os membros do Grupo vêm começando a estabelecer seus sistemas produtivos, baseados no plantio e manejo de espécies exóticas e nativas.

Dentre as madeiras, algumas são consideradas de excelente qualidade: aroeira, imbiruçu-paulista, jacarandá, jatobá, mussambé, pau-fede, pau-terra, pequi, sucupira, unha-d’anta, vinhático. Algumas dessas espécies possuem outros usos prioritários (alimentação, medicina), portanto sua madeira só será usada quando secar naturalmente, ou quando houver necessidade de corte por outro motivo. Algumas delas já estão sendo plantadas, como a aroeira. Outras são naturalmente abundantes no Assentamento, e já estão sendo manejadas, como

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sucupira e pau-terra. Pretende-se ainda introduzir espécies exóticas de crescimento mais rápido, como canafístula, cedro e eucalipto, sempre em sistemas consorciados e agrobiodiversos.

A disponibilidade de lenha no Assentamento é bastante alta. Mesmo assim, os membros do Grupo têm planejado o plantio e manejo de algumas espécies, de forma a garantir e facilitar o suprimento, especialmente para a produção de biscoito, rapadura e farinha, que consome muita lenha. Algumas árvores e arbustos possuem crescimento rápido e ciclo curto, e produzem lenha de boa qualidade: acácia, cura-olho, lombrigueiro, murici, santa-bárbara.

Vale destacar ainda o papel que algumas espécies nativas desempenham nos SAFs: o tingui, o pau-do-urubu e o imbiruçu, árvores comumente encontradas nas áreas de roça, possuem alta produção de biomassa, que pode ser aumentada por meio de sua poda constante. Assim, ajudam a incorporação de matéria orgânica ao solo, fertilizando-o e retendo umidade. Outras espécies com boa produção de biomassa são a leucena (Leucaena leucocephala) e a gliricídia (Gliricidia sepium), que têm sido utilizadas por poucos assentados, mas possuem grande potencial para adubação verde, produção de forragem e lenha.

Hortas e quintais

Quase todas as famílias entrevistadas fazem horta, e mantêm plantas em seus quintais para ornamentação, temperos e medicinais. Em geral, a horta é o único espaço de cultivo irrigado, portanto nela é plantada, algumas vezes, variedades de cultivos das quais se tem poucas sementes, para garantir que estas sementes não serão perdidas. A horta também é o único espaço de cultivo

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que deve necessariamente ser adubado, em geral com esterco curtido de gado, podendo ser usado também o esterco de galinha. Normalmente, a horta é feita no tempo da seca, e, no tempo das chuvas, os canteiros são ocupados pelo plantio de abóbora.

Algumas espécies comumente cultivadas nas hortas e quintais são:

• Verduras, legumes etc.: abobrinha, alface, alho, araruta, batata, batata-doce, batatinha, berinjela, beterraba, brócolis, cebola, cenoura, couve, couve-flor, espinafre, inhame, jiló, morango, mostarda, pimentão, quiabo, rabanete, repolho, rúcula, taioba, tomate;

• Ervas, temperos e medicinais: alecrim, arruda, babosa, boldo, calêndula, capim-santo, carqueja, cebolinha, coentro, confrei, erva-cidreira, erva-doce, hortelã, macelica, malva-rosa manjericão, pimentas, salsa;

• Trepadeiras: bucha, cabaça, chuchu, maracujá, melancia, maxixe, pepino, uva;

• Cactáceas: a palma (Opuntia cochenillifera) tem grande importância na alimentação humana e animal, por ser bastante resistente à seca. É encontrada com freqüência nos quintais do Assentamento. Foi iniciado em 2012 um plantio também de pitaia, cuja fruta tem grande potencial alimentar e econômico;

• Ornamentais: várias espécies ornamentais são cultivadas ao redor das casas, geralmente sob o cuidado das mulheres. Destaque para uma assentada que mantêm um viveiro de orquídeas e outras plantas ornamentais, demonstrando que este trabalho tem grande potencial em gerar renda e embelezar o Assentamento.

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As hortas têm sido incrementadas a partir de políticas públicas como o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e o PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável).

Adubos e defensivos

Dos assentados do Americana, quase todos utilizam o esterco curtido de gado (e, às vezes, de galinha ou de porco) nas hortas e no plantio de abóbora, sendo que alguns usam em outros cultivos: frutíferas, cana, feijão. O calcário, utilizado para corrigir a acidez do solo, foi aplicado por doze assentados entrevistados, enquanto a maioria dos outros pretende aplicar. Os resultados positivos do calcário foram verificados na horta e nas culturas do abacaxi, cana, milho e mandioca. O maior limitante é o valor do frete, muito alto para a maioria dos orçamentos familiares do Assentamento. Muitos assentados usam também a munha de carvão e outros fertilizantes naturais: fosfato de rocha, farinha de osso, torta de mamona. Somente dois declararam usar adubo químico, ambos para o cultivo do milho.

Doze assentados declararam não usar nenhum tipo de defensivo em seus cultivos: “não precisa, não dá inseto!”, afirma um deles. Outros, no entanto, têm feito experiências com alguns defensivos naturais: o mais utilizado é a urina de vaca, seguido pela homeopatia; são usados ainda fumo, boldo, supermagro, mastruz, folha de mamona, pimenta, querobão e neem. Nenhum dos assentados entrevistados declarou utilizar defensivos químicos (agrotóxicos).

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Práticas agrícolas gerais

Cerca de um terço dos assentados entrevistados mantém uma área plantada de até 1ha; outro terço, entre 1,5 e 2ha; enquanto o terço restante possui entre 3 e 4,5ha de área plantada. A maior parte dos assentados pretende expandir suas roças, atingindo entre 3 e 4ha – somente três declararam querer ter mais de 4ha de área plantada.

A maior parte dos assentados usou a grade pelo menos uma vez, para plantio de roça e/ou capim. Alguns afirmam ser necessário gradear somente na primeira preparação para o plantio, enquanto outros o fazem uma vez por ano. O Regimento Interno proíbe gradagens em áreas de brejo ou nascentes; algumas famílias que gradearam áreas de brejo para plantio de arroz observaram a degradação causada. Mesmo nas áreas secas da baixada ou nas de tabuleiro, é importante ser cuidadoso no uso da grade, para evitar erosões. Uma alternativa é o arado puxado por tração animal (parelha de bois), usado por pelo menos nove dos entrevistados. Segundo um dos assentados, “demora mais, porém é mais bem feito e mais barato”. A parelha de bois é usada também para transportar lenha e outras cargas.

Outra prática importante dos assentados é deixar o cisco sobre o solo. O cisco é a matéria orgânica seca (folhas, restos de capina e de podas), chamado também de cobertura morta ou serapilheira. Ele é importante para fertilizar e proteger o solo. A maior parte dos assentados declaram que não queimam o cisco, deixando-o incorporar ao solo ou formando leiras (montes seguindo as curvas de nível); “a terra já é fraca, se colocar fogo, piora”, afirma um deles.

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Alguns assentados procuram deixar árvores nativas no meio do pasto e das roças. Infelizmente, os tratoristas que realizam desmates tendem a derrubarem todas as árvores, sem critérios, mesmo quando orientados a fazer um desmate seletivo. Torna-se importante realizar treinamentos com tratoristas, de preferência do próprio assentamento, para que mais árvores sejam poupadas, convertendo-se em benefícios à produção e ao meio ambiente.

Várias são as vantagens de se deixar árvores no meio do pasto e das roças, como, por exemplo: nas roças, as árvores aumentam a fertilidade e a umidade do solo e aliviam eventos climáticos extremos; no pasto, as árvores fornecem sombra aos animais, que, assim, perdem menos energia e produzem mais; se constituem em fonte permanente lenha, madeira, fitoterápicos e frutas. Alguns assentados relatam que as árvores nativas, quando estão “limpas” em volta, encontram menos competidores por luz e nutrientes e produzem mais; quanto maior a quantidade e diversidade de plantas, maior o potencial de produção de mel.

Outra vantagem de se deixar muitas árvores no meio das roças e pastos é que, dessa forma, não fica caracterizado um desmatamento, não sendo necessário o pedido de licença ambiental. Muitos assentados têm tido dificuldades na obtenção dessas licenças, pelo custo e burocracia envolvidos. O IEF liberou, até o momento, licenças de 5ha para 10 assentados, em 2009, e licenças de 10ha para cerca de 25 assentados em 2012. De todo modo, é importante passar por uma avaliação do IEF antes de se realizar qualquer tipo de desmate, mesmo que seletivo.

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Fotos e figuras

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Foto 1. Perspectiva da cidade histórica de Grão Mogol-MG, com suas típicas construções de pedra como a Igreja Matriz de Santo Antonio. Ao fundo, a Serra da Bocaina, que faz parte da Cadeia do Espinhaço.

Foto 2. Cachoeira véu-das-noivas, uma das dezenas de belezas naturais do município de Grão Mogol-MG.

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Foto 3. Pôr do sol na Lagoa Nova, uma das belezas naturais do Assentamento Americana, que se encontra dentro da maior área de Reserva Legal do Assentamento.

Foto 4. Paisagem típica do Assentamento Americana: baixada com área de brejo, mata e cerrado sensu strictu. Ao fundo, Serra da Bocaina, hoje legalmente protegida pelo Parque Estadual de Grão Mogol.

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�0 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Foto 6. Pasto com plantio de capim exótico (Brachiaria decumbens) em lote do Assentamento, onde se observa diferentes árvores nativas, inclusive o coquinho-azedo (Butia capitata).

Foto 7. Gado pastando em meio ao Cerrado de lote do Assentamento, na época da seca.

Foto 5. Vegetação típica de Cerrado (campo sujo) em área de chapada do Assentamento. Predominância do capim-lanzudo.

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�1Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Foto 8. Sistema agroflorestal (SAF) em volta da casa de família assentada. No primeiro plano, predomina o feijão-guandu, ou, simplesmente, andu (Cajanus cajan).

Foto 9. SAF no quintal de família assentada, com mamão, banana, plantas nativas e ornamentais.

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�2 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Foto 10. SAF com abacaxis em meio a árvores nativas.

Foto 11. SAF com café, urucum (corante) e árvores nativas.

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�3Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Foto 12. SAF em formação em quintal do Assentamento, com bananeira, milho, andu, abacaxi, mandioca, árvores frutíferas e espécies nativas.

Foto 13. Consórcio entre soja e milho, em roça do Assentamento.

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�4 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Foto 14. Colheita da cagaita (Eugenia dysenterica) em novembro de 2006.

Foto 15. Mudas de pequi produzidas por assentados.

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�5Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Foto 16. Sementes de rufão (Peritassa campestris) secando ao sol, para posterior produção de óleo medicinal.

Foto 17. Xaropes e chás da farmacinha fitoterápica do Grupo Agroextrativista do Cerrado.

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�6 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Foto 18. Cisterna de placas caseira, que armazena 16 mil litros de água da chuva captada pelo telhado da casa.

Foto 19. Cisterna calçadão, que armazena até 52 mil litros de água da chuva captada pelo calçadão de cimento de 200m².

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��Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Foto 20. Flor do maracujá-nativo (Passiflora cincinatta).

Foto 21. Flor do araçá (Psidium araca).

Foto 22. Flor do coquinho-azedo (Butia capitata).

Foto 23. Broto do gonçalo-alves (Astronium fraxinifolium).

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�8 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Foto 25. Jacu (Penelope superciliaris) flagrado em galinheiro no Assentamento Americana. Esta espécie é abundante na área, e alguns indivíduos se acostumam a comer junto às galinhas.

Foto 24. Canário-sapé ou saí-canário (Thlypopsis sordida) em um dos levantamentos de aves realizado no Assentamento Americana.

Foto 26. Porco-espinho ou ouriço-cacheiro (Coendou prehensilis) flagrado em estrada do Assentamento Americana. Foto tirada pelo assentado Aparecido Alves de Souza.

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��Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Foto 27. Obras da Unidade Multiuso em fase de acabamento.

Foto 28. Placa da Unidade Multiuso.

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80 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Foto 29. Crianças do A

ssentamento A

mericana brincam

no quintal.

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81Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Criação de gado

Em grande parte do mundo, o gado tem papel central na estratégia camponesa de produção: ele fornece leite para o consumo das famílias, in natura ou na forma de queijo, requeijão, doces etc. Gera renda por meio da venda de garrotes e novilhas, e se constitui em uma poupança para despesas imprevistas ou para investimentos necessários. Fornece ainda o esterco para adubação de hortas e outros cultivos, e ainda auxilia em trabalhos de carga e tração.

No processo de ocupação e formação social, econô- mica e cultural do Cerrado e do Norte de Minas, o gado desempenhou papel fundamental, como relata o historiador Ricardo Ribeiro (2002):

O gado bovino, seja acompanhando a penetração dos paulistas, seja vindo do Nordeste, subindo o Rio São Francisco, foi se espalhando pelo Brasil Central, transformando sua criação na mais importante e duradoura atividade econômica do Cerrado ao longo dos três últimos séculos. (Ribeiro, 2002, pg.258)

A importância histórica do gado para as populações tradicionais do Cerrado se deve à: demanda permanente do mercado consumidor de carne e couro; possibilidade de “auto-transporte” da produção, o que não ocorre com colheitas agrícolas e criação de animais pequenos; disponibilidade de terras; e pela presença, no Cerrado, de imensas pastagens nativas. Tal modo de ocupação do território permitiu que, até meados do século XX, grandes extensões do Cerrado norte-

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82 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

mineiro se mantivessem preservados. A maior parte das terras era de uso comum, e a densidade de cabeças por hectare era baixa, permitindo a manutenção dos serviços ecossistêmicos e dos ciclos hidrológicos praticamente inalterados. Vale mencionar que importantes Unidades de Conservação de Proteção Integral do Cerrado, como os Parques Nacionais Grande Sertão Veredas, Chapada dos Veadeiros e das Emas, antes de serem protegidos por lei, tinham a presença de gado em seu interior, o que não impediu que biólogos e outros técnicos considerassem as áreas em bom estado de conservação.

A proposta do Assentamento Americana tem, no gado, elemento central para a ocupação da paisagem e manejo do Cerrado. Excluindo-se as áreas de Reserva Legal (24,46% do Assentamento), baixadas e tabuleiros (cerca de 10%), Mata Seca (8%) e áreas de lagoas e afloramentos rochosos (3,3%), restam cerca de 54% de áreas de chapada, cobertas com vegetação campestre, em especial cerrado sensu strictu e cerrado ralo (Maciel & Carvalho, 2009). Cerca de 70% de cada lote, mais os 42% de Área de Manejo Extrativista, compõem esta grande área de campos naturais, que corresponde a quase dez mil hectares. A produção de cultivos agrícolas é inviável nestas áreas, devido à acidez dos solos. Por isso elas são destinadas ao extrativismo e à solta do gado, visando transformar o Cerrado nativo em fonte de renda e segurança alimentar (Fotos 5, 6 e 7, pág. 70).

Existem no bioma Cerrado 510 espécies de gramíneas, das quais se destacam os gêneros Paspalum (104 espécies), Panicum (67), Axonopus (25), Ichnanthus (23), Aristida (23) e Andropogon (18). As gramíneas ocorrem na maior parte das fitofisionomias do Cerrado: campos limpo, sujo e rupestre; cerrado ralo, denso e sensu stricto; cerradão; veredas (Sano et al., 2008). Só na região de Grão Mogol existem 41 espécies de gramíneas (Pirani et al.,

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83Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

9 Somente no Assentamento Americana, já foi detectado que o gado come vários frutos na-tivos: rufão, cagaita, coquinho-azedo, maracujá-nativo, fruta-do-lobo (lobeira) e outras.

2003), das quais muitas ocorrem no Assentamento Americana. Diversas ervas nativas são forrageiras, como as leguminosas do gênero Stylosanthes, conhecida localmente como malineira; frutos9, folhas, brotos e ramos de arbustos e árvores também são consumidos pelo gado. Algumas espécies podem ainda ser utilizadas na produção de ração, como, por exemplo, o coco da palmeira Attalea geraensis, conhecida como catolé ou pindoba.

A proposta do Assentamento Americana prevê a não-utilização do fogo, e a maioria das famílias assentadas declaram não utilizá-lo. O local onde tem havido maior problema com o fogo é justamente a Reserva Legal, onde é proibida a entrada do gado. Em diversos locais do Cerrado, incluindo Unidades de Conservação, tem sido observado que, quando o extrato herbáceo, especialmente capins, se acumula ao longo de dois ou mais anos, ele se transforma em uma grande quantidade de biomassa seca, altamente inflamável. Quando esse extrato pega fogo, produz incêndios difíceis de controlar, que chegam a matar árvores grandes e causar grande impacto nos ecossistemas.

Dessa forma, é importante que, a cada ano, a biomassa formada pelo capim seja controlada. Esse controle pode ser feito através de queimadas controladas, mas também pelo próprio gado. O uso das áreas de chapada (exceto a Reserva Legal) como pastagens visa, assim, promover a produtividade dos rebanhos (em especial na época da seca) e controlar os incêndios. Além disso, pode ser estratégico para garantir a vigilância destas áreas contra caça, extrativismo predatório e outros crimes ambientais.

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84 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Dos assentados entrevistados, 29 criam gado, sendo que 17 possuem até oito cabeças, dez possuem entre 10 e 20 cabeças e dois possuem cerca de 30. A maioria (21 entrevistados) manifesta a intenção de ter até 20 cabeças, enquanto seis querem ter até 30. Em geral, estas famílias têm, no gado, uma fonte permanente de leite e derivados para o próprio consumo, esterco para os cultivos e uma poupança. Somente quatro dos assentados entrevistados deseja ter 40 ou mais cabeças, fazendo do gado sua atividade econômica principal através da comercialização em maior escala.

A maior parte dos criadores do Assentamento prefere a raça Nelore ou o gado predominante na região, chamado de pé-duro ou curraleiro, que são variedades mestiças nas quais a presença genética do Nelore é significativa. Em geral, são animais de baixa produtividade, mas de grande resistência, adaptados às condições climáticas e ambientais do Assentamento.

Calcula-se que, atualmente, existem cerca de 350 cabeças de gado no Assentamento. Se cada família, em todos os 76 lotes, tiverem 20 cabeças, esse número chegará a 1520, o que corresponderia a uma densidade aproximada de uma cabeça para cada 6,5ha de pasto nativo, ou 0,15 cabeça por hectare. Acredita-se que os impactos ambientais de tal densidade sejam bastante reduzidos. Por outro lado, a criação de um número muito alto de cabeças por família pode comprometer a sustentabilidade do Assentamento e a estratégia produtiva prevista no PDA.

Oito famílias da Boa Vista têm mantido diálogo para a criação coletiva de gado em uma área de 535ha da Área de Manejo Extrativista, que se soma à aproximadamente 320ha de dentro dos lotes (40ha em cada). Neste grupo, cada família pretende ter

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85Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

20 cabeças, o que somaria 160 cabeças em 855ha, atingindo uma densidade de 0,18 cabeça/hectare, ou 5,34 hectares para cada animal. Pretende-se dividir a área coletiva em duas partes iguais (piquetes), para realizar a rotatividade do pastoreio e, assim, garantir o “descanso” e a recuperação de uma área enquanto a outra é utilizada. Pretende-se também proteger espécies nativas frutíferas, como o coquinho-azedo, evitando que o gado coma suas flores e frutos.

Segundo os membros do Grupo Agroextrativista, mais importante que a densidade de cabeças na área, é o seu manejo, que deve incluir: o pastoreio rotativo, que permita a recuperação da vegetação, deixando períodos sem a presença do gado, em especial na estação chuvosa; a proteção de espécies afetadas pelo gado, como o coquinho-azedo, apartando-se o gado no período das flores e frutos; o monitoramento e controle de espécies potencialmente invasoras; e a proteção aos córregos e nascentes por meio do cercamento das APPs e instalação de bebedouros nas partes altas do terreno.

Além das áreas de pastagem nativa, cada lote possui (ou possuirá) uma área plantada com capins exóticos. Estas áreas são chamadas de manga ou mangueiro: a manga é uma área de cerca de 20ha onde se semeia, em geral, os capins braquiária e andropogon, e serve para a engorda do gado no tempo das chuvas; já o mangueiro é menor (aproximadamente 5ha), onde se planta capins como o extrema e o meloso, e serve para manter vacas leiteiras, bezerros e animais de carga (eqüinos). Os assentados mantêm ainda plantios de capineiras, conhecidas também como capins de corte, que são capins de grande porte, plantados nas áreas mais férteis do terreno (baixada) e depois utilizados na alimentação de eqüinos, caprinos e também do gado, em especial

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na época da seca. As capineiras e os capins exóticos mais comuns no Assentamento Americana são:

Outros nomes de capins foram mencionados por assentados, sendo todos provavelmente nativos: capa-garrote, fura-saco, lanzudo, melosinho-da-chapada, navalha-de-macaco, roxo, sapé e sempre-verde. Os assentados ainda fornecem, ao gado, alimentos complementares a base de cana, soja, milho, mandioca, andu e outras espécies cultivadas ou nativas.

Atualmente, 20 dos assentados entrevistados têm até 5ha de pasto plantado; com as licenças de desmatamento concedidas pelo IEF em 2012 (10ha), espera-se que, já em 2013, teremos em torno de 300ha cobertos com capins exóticos, e esse número pode chegar a dois mil hectares nos próximos anos. Vinte e dois assentados disseram que pretendem totalizar até 25ha de pasto plantado, enquanto oito pretendem ter mais de 30ha. De todo modo, as áreas cobertas com braquiária e outros capins africanos

Nomes populares Nome científicoAndropogon Andropogon sp.Cameron, elefante, napier, anapiê Pennisetum purpureum Bengo Brachiaria mutica Braquiária Brachiaria decumbensColonião Panicum maximumGuatemala Tripsacum fasciculatumJaraguá, extrema, vermelho Hyparrhenia rufaMeloso, gordura Melinis minutifloraSorgo Sorghum bicolor

Tabela 1. Capins e capineiras do Assentamento Americana.

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devem ficar restritas aos lotes, onde deve ser preservada ainda boa parte da cobertura vegetal nativa.

É provável que ocorra a dispersão de sementes de capins exóticos nas áreas de Cerrado nativo, por meio das fezes dos bovinos e equinos. Assim, torna-se importante um monitoramento da colonização das áreas de Cerrado por capins exóticos, de forma a evitar que capins nativos sejam extintos localmente por competição. Umas das principais medidas para esse controle é exatamente manter a cobertura arbórea de tais áreas, pois, em geral, as gramíneas nativas do Cerrado são melhor adaptadas a ambientes sombreados (Pivello, 2011).

A manutenção de árvores e de faixas de vegetação nativa de dez metros de largura, a cada 70m ou 100m nos pastos (conforme previsto no Regimento Interno), tem o objetivo de evitar erosões, permitir a infiltração de água da chuva nos solos (recarregando, assim, a “caixa d’água”) e de funcionar como corredores ecológicos, e servem ainda como fonte natural de complemento alimentar, sal mineral e remédios para o gado. Cria-se, assim, no Assentamento Americana, uma paisagem com bom potencial para a manutenção de serviços ambientais e para a produção pecuária.

Outras criações de animais

No Assentamento Americana, são várias as criações de animais domésticos. De 36 famílias entrevistadas, todas criam galinhas, sendo que a maioria possui até 20 cabeças, e somente 4

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tem mais de 80. A maior parte das famílias tem o desejo de ampliar sua criação, sendo que 14 pretendem ter mais de 50 cabeças.

A criação de galinhas tem grande importância na segurança alimentar das famílias, e também gera renda através da venda de frangos, que acontece na própria comunidade ou em feiras livres. O principal limitante é a disponibilidade de milho. Uma vez que este cultivo tem produtividade relativamente baixa no Assentamento, é importante buscar alimentos alternativos para fornecer às galinhas, sendo uma das possibilidades, o coco-catolé (Attalea geraensis), tradicionalmente utilizado pelos Geraizeiros para este fim (Dayrell, 1998).

Vinte e uma famílias criam porcos, e desejam manter ao menos uma matriz e um reprodutor, garantindo leitões para venda e abate. Mais uma vez, o limitante está na despesa com a alimentação dos animais. A maior parte das famílias dispõe de um a quatro equinos – mulas, burros e cavalos, para puxar cargas ou como meio de transporte (os “cavalos de sela”). Três assentados mantêm um plantel maior, sendo que um deles manifestou a intenção de reproduzir cavalos para venda.

A Associação do Assentamento mantém uma criação coletiva de ovelhas, que foram doadas pelo IDENE. Apenas três assentados criam cabras, e dois deles pretendem parar, alegando dificuldades com a manutenção da cerca (que deve ser bastante reforçada para estes animais) e com o clima, que não seria propício. Somente 5 famílias criam patos. E uma assentada cria gansos, perus e pretende ainda ter um pavão.

Ao menos seis famílias mantêm ainda caixas de abelha “europa” (Apis mellifera), e produzem mel em pequena escala. A apicultura e a meliponicultura (criação de abelhas nativas sem ferrão) têm grande potencial para geração de renda no

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8�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Assentamento, devido à sua farta vegetação. Espécies melíferas, como o assa-peixe, podem ser incorporadas aos sistemas de plantio, aumentando a quantidade e a qualidade do mel.

Espécies nativas

As espécies de plantas nativas são fundamentais na estratégia produtiva do Assentamento Americana. Elas contribuem: à geração de renda pela comercialização de algumas espécies; à segurança alimentar das famílias, por meio do consumo direto de diversas frutas; à segurança medicinal, através de inúmeras espécies fitoterápicas; à segurança energética, por meio da lenha utilizada em todas as cozinhas do Assentamento; à alimentação dos animais, através de capins e outras forragens; ao equilíbrio dos agroecossistemas, por meio do controle de pragas, da fertilização do solo, da retenção de umidade e da amenização de condições climáticas adversas (geadas, insolação, temporais, ventanias).

As espécies nativas são aproveitadas na forma de alimentos, remédios, madeira e utilitários, como, por exemplo, o uso da palha do “coco-vassoura”. Outro exemplo interessante é o uso da entrecasca da mutamba (Guazuma ulmifolia) para a clarificação do caldo de cana na produção de rapadura.

Por isso, o Assentamento Americana é considerado uma proposta agroextrativista, ou seja, que busca conciliar a agropecuária com o extrativismo sustentável. O manejo das espécies nativas visa potencializar seus benefícios sociais e econômicos sem comprometer sua capacidade de reposição natural. Além disso, com a valorização destas espécies, as famílias

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�0 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

tendem a lutar pela sua conservação, por meio do manejo, do plantio e da fiscalização contra a degradação dos recursos.

As fotos das páginas 74 e 75 mostram um pouco das etapas dos processos extrativistas do Assentamento: colheita, beneficiamento, plantio de espécies nativas. Anexa se encontra uma lista de espécies nativas encontradas no Assentamento Americana (Anexo 3, pág. 118), das quais muitas têm ou podem vir a ter utilidade direta na vida das famílias assentadas.

Frutas nativas

Dos recursos da vegetação do Assentamento Americana, os que têm tido maior valor comercial são algumas frutas, listadas na tabela abaixo:

Nome popular

Nome científico Local de ocorrência

Produto co- mercializado

Araçá Psidium araca Raddi Baixada Doce, polpa congelada

Cagaita Eugenia dysenterica DC. Chapada, tabuleiro Polpa congelada

Coquinho-azedo

Butia capitata (Mart.) Beccari

Baixada, tabuleiro In natura, polpa congelada

Mangaba Hancornia speciosa Gomez Chapada, tabuleiro Polpa congelada

Maracujá nativo

Passiflora cincinnata Mart. Baixada, tabuleiro Polpa congelada

Panã (araticum)

Annona crassiflora Mart. Chapada, tabuleiro In natura, polpa congelada

Pequi Caryocar brasiliense Camb. Chapada, tabuleiro In natura, óleo

Rufão Tontelea micrantha (Mart. ex Schult.) A.C.Smith.

Chapada Óleo

Tabela 2. Espécies nativas utilizadas comercialmente pelas famílias do Assentamento Americana.

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A comercialização das polpas congeladas se dá via Cooperativa Grande Sertão; a venda de frutas in natura, óleos e doce ocorre diretamente aos consumidores, em feiras livres, na beira da estrada, na porta dos produtores ou sob encomenda. Calcula-se que, entre 2002 e 2010, a comercialização destas frutas gerou cerca de vinte mil reais para doze famílias do Assentamento. Este valor ainda está muito aquém do potencial de geração de renda pelo extrativismo, pois são enfrentadas dificuldades relacionadas, principalmente, ao transporte, e o esforço de coleta ainda atinge uma porcentagem muito pequena dos recursos disponíveis. Além disso, mais de mil mudas e sementes de espécies nativas já foram plantadas pelo Grupo Agroextrativista, nas roças e quintais, muitas vezes em consórcio com outras plantas. Espera-se, assim, que o aproveitamento de espécies nativas seja uma atividade cada vez mais importante às famílias do Assentamento.

Araçá

O araçá, conhecido como uma “goiabinha do mato”, também é frequente nas áreas de baixada. Existem ao menos duas espécies de araçá no Assentamento Americana, e a flor de uma delas pode ser vista na Foto 21, pág. 77. Apesar de 21 assentados entrevistados consumirem esta fruta, alguns retiraram os araçazeiros de sua áreas de baixada para abrir espaço às roças; outros têm preservado e manejado os pés, vendendo seus frutos. De 2005 a 2010, os assentados do Grupo Agroextrativista forneceram cerca de 4 toneladas de araçá para a Cooperativa Grande Sertão, o que gerou uma renda de quase R$ 2,5 mil.

As mulheres do Grupo têm feito doces de araçá em barra, conquistando muitos apreciadores e gerando uma renda adicional

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de cerca de R$ 1.000,00 entre 2006 e 2010. Os assentados também consomem o araçá na forma de suco e fornecem a porcos e galinhas. Os periquitos também apreciam muito essas frutas, e algumas vezes chegam a causar prejuízo ao comer grande parte da safra.

Os membros do Grupo chegaram a plantar 220 mudas de araçá, mas logo perceberam que não é necessário, pois o araçazeiro se multiplica rapidamente pelas raízes. Atualmente, o manejo consiste na realização de podas, para potencializar a produção de frutos dos pés e para que possa haver espaço para culturas importantes como mandioca e cana.

Cagaita

A cagaita é uma fruta suculenta, da qual pode ser feito um delicioso suco. Ela é processada e vendida na forma de polpa congelada pela Cooperativa Grande Sertão. Entre 2002 e 2010, saíram do Assentamento Americana cerca de 1260kg da fruta, gerando pouco mais de R$ 500,00 aos assentados. Infelizmente, a safra da cagaita é irregular (pode passar dois ou três anos frutificando muito pouco), e ainda há preconceito quanto ao seu consumo, pela sua fama de disentérica. Nenhum assentado parece interessado em plantar a espécie ou produzir sua muda, já que há muitos pés em todo o Assentamento, e a fruta tem pouco valor comercial. Muitas vezes, os frutos de cagaita que caem no chão são comidos pelo gado. E as folhas da cagaiteira têm valor medicinal.

Coquinho-azedo

O coquinho-azedo (Butia capitata) é uma das frutas nativas mais apreciadas no Norte de Minas, principalmente na forma de

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suco. A palmeira e sua flor podem ser vistas na Foto 6, pág. 70, e na Foto 22, pág. 77, respectivamente. A árvore não atinge mais que 4 metros, possui grande potencial como espécie ornamental, e, segundo alguns assentados, também tem propriedades medicinais. No Assentamento Americana, a população de coquinho é relativamente pequena, e os pés estão esparsos. Ao menos 25 famílias do Assentamento costumam coletar e consumir a fruta. Entre 2002 e 2010, foram entregues à Cooperativa Grande Sertão cerca de 230kg. As mulheres do Grupo Agroextrativista inovaram misturando a polpa do coquinho ao iogurte produzido por elas, resultando em um “iogurte caseiro aromatizado” de excelente qualidade, e que já conquistou consumidores fiéis.

O coquinho foi, até 2010, a espécie nativa mais plantada pelo Grupo (cerca de 410 mudas) e com a melhor taxa de sobrevivência (mais de 70%). Embora cada pé demore começar a produzir (cerca de oito anos), espera-se um aumento significativo da produção de coquinho-azedo no Assentamento em um futuro próximo.

Mangaba

Das frutas fornecidas à Cooperativa Grande Sertão, a mangaba é a que ocorre em menor quantidade no Assentamento. Membros do Grupo Agroextrativista vêm buscando plantá-la, mas com pouco sucesso: de aproximadamente 140 mudas plantadas, menos de 10 sobreviveram. A mangaba é uma fruta saborosa, adequada à produção de suco, geleia, doce e sorvete. Ela possui látex, utilizado tradicionalmente como remédio e como borracha. Ao menos 20 famílias do Assentamento a utilizam. Espera-se que seu plantio e manejo seja aperfeiçoado nos próximos anos.

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Maracujá-nativo

O maracujá-nativo é uma trepadeira de flor belíssima (Foto 20, pág. 77), considerada típica da transição entre Cerrado e Caatinga. No Assentamento Americana, é comum vermos próximo às casas (áreas de tabuleiro) e nas baixadas. Dele pode ser feito um excelente suco, sendo uma das polpas da Cooperativa Grande Sertão, e consumido por pelo menos 20 famílias do assentamento. Foi mencionada ainda propriedades medicinais de sua raiz. O maracujá-nativo se multiplica rapidamente, em especial nas áreas de roça, portanto deve-se manejá-lo para que não abafem outras plantas, como araçá e mandioca. Mesmo assim, alguns assentados têm plantado mudas e sementes nos quintais.

Panã

O panã, conhecido também como araticum, é outra fruta nativa bastante apreciada pelo povo do Gerais. No Assentamento Americana, ao menos 25 famílias costumam aproveitá-lo. Cerca de 1.600 toneladas foram entregues à Cooperativa Grande Sertão entre 2002 e 2010, gerando cerca de R$ 660,00 às famílias extrativistas do Assentamento. A polpa do panã também tem sido utilizada na produção de iogurte caseiro aromatizado. Algumas famílias vendem ainda o panã in natura, na feira de Grão Mogol ou na BR 251.

Cerca de 120 mudas de panã foram plantadas por membros do Grupo, com uma taxa de sobrevivência de quase 60%. Alguns assentados chegaram a conclusão que, para multiplicar o panã, o melhor é plantar a semente diretamente no solo – “enquanto come, é só ir jogando as sementes ao redor da casa que vai nascendo”, diz um deles.

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Pequi

O pequi é chamado também de “o Rei do Cerrado”. Sua importância alimentar, econômica e cultural se espalha por praticamente todo o grande território do bioma. No Assentamento Americana, consiste em uma dos principais espécies com potencial econômico, já explorado por meio da produção de óleo, da venda in natura e do consumo direto. De 32 famílias entrevistadas, todas consomem pequi, e ao menos 15 têm o costume de vendê-lo.

Entre 2002 e 2010, a venda de óleo de pequi gerou cerca de R$ 3.500,00 aos membros do Grupo Agroextrativista. Duas famílias do Assentamento, que não fazem parte do Grupo, já arrecadaram, respectivamente, R$ 1.200,00 e R$ 2.000,00 em uma só safra, vendendo pequi in natura, principalmente na BR 251, mas também em feiras livres e a compradores que vêm ao Assentamento.

Há muitos pequizeiros produtivos espalhados por todo Assentamento (exceto nas áreas de baixada e de Mata Seca). Em quase todos os lotes, e por quase toda a AME, há pés de pequi jovens. Nos lotes do Grupo, mudas de pequi têm sido plantadas e cuidadas – até 2010, cerca de 270 foram plantadas, com sobrevivência de mais da metade. Portanto, o potencial de coleta do fruto, que é ainda sub-aproveitado, pode aumentar consideravelmente nos próximos anos.

As próprias mudas do pequi estão sendo comercializadas, a um valor entre R$ 5,00 e R$ 15,00 (dependendo da idade da muda). Um agricultor do Grupo já vendeu aproximadamente cem mudas, obtendo cerca de mil reais. A demanda por estas mudas tem sido cada vez maior, possibilitando assim uma

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renda adicional aos agricultores que as estão produzindo, e multiplicando benefícios ambientais para toda a região.

Rufão

O rufão é a espécie extrativista que mais gerou renda no Assentamento Americana até hoje. O fruto é saboroso, e é apreciado por humanos, pelo gado e por animais como o lobo-guará – é comum, no Assentamento, encontrarmos fezes desse animal com sementes do rufão. E é exatamente das sementes do fruto que se extrai um óleo de grande valor medicinal: é cicatrizante, ajuda na cura de reumatismos e de problemas do aparelho digestivo, além de várias outras propriedades – como disse certa vez um Geraizeiro, o óleo do rufão “serve pra tudo que se imaginar!”. Cada litro chega a ser vendido a R$ 250,00, e a procura tem sido grande; não à toa, é a espécie nativa que gerou mais renda até o momento: cerca de R$ 10 mil entre 2002 e 2010. Alguns membros do Grupo já estão tentando produzir mudas do rufão, para ter mais pés próximo às casas, pois a maioria se concentra nas chapadas. De 30 famílias entrevistadas, 29 afirmaram usar o rufão, seja para comer ou para tirar o óleo. Foi mencionado também o uso medicinal de sua raiz.

Outras frutas nativas

Diversas outras espécies frutíferas nativas são aproveitadas no Assentamento, ainda em pequena escala, mas com potencial para adquirirem valor comercial. É o caso da fruta-de-leite (Pouteria torta), jatobá (Hymenaea stignocarpa), murici (Byrsonima coccolobifolia), cajuzinho (Anacardium sp.) e coco-catolé (Attalea geraensis). A macaúba (Acrocomia aculeata) ocorre em poucos

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��Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

lugares do Assentamento, mas pode ser plantada, devido a seu grande valor utilitário e possibilidade de exploração comercial.

Alguns assentados têm plantado, com sucesso, o baru (Dipteryx alata), que é nativo do Cerrado, mas não ocorre naturalmente no Assentamento Americana. Outro assentado fez uma experiência de plantio da favela (Dimorphandra mollis), conhecida também como faveira ou fava d’anta, espécie de grande valor medicinal e comercial.

Plantas medicinais

No Assentamento Americana, são utilizadas diversas plantas medicinais nativas. Sabe-se que o Cerrado é uma verdadeira “farmácia viva”, e centenas de suas espécies vegetais têm propriedades fi toterápicas (Dias & Laureano, 2009). Dentre as plantas mencionadas pelos assentados, destaca-se: unha d’anta, barbatimão, arnica, pacari, salva-vida, rufão, quina-de-papagaio, pau-terra, amarelinha, canguçu, cervejinha, dom-Bernardo, pau-fede, sapé,

PARA SABER MAIS: cartilhas sobre manejo de frutas do Cerrado, como pequi e coquinho-azedo, estão disponíveis em http://www.ispn.org.br/categoria/editais-e-documentos/publicacoes/.

Lima, Victor V.F.; Silva, P.A.D.; Scariot, A. Boas práticas de manejo para o extrativismo sustentável do coquinho azedo. Brasília: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 2010, 60 p.

Oliveira, Washington L.; Scariot, A. Boas práticas de manejo para o extrativismo sustentável do pequi. Brasília: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 2010, 84 p.

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�8 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

tibórnia, violeiro. Algumas destas plantas são usadas também para o tratamento de animais domésticos. A lista de plantas medicinais usadas no Assentamento se encontra anexa (Anexo 4, pág. 122).

Todas as famílias entrevistadas utilizam plantas medicinais nativas, sendo que alguns assentados são raizeiros, e produzem garrafadas, xaropes, pomadas, tinturas e chás. Vários assentados já passaram também por cursos relacionados ao tema, como, por exemplo, oferecido pelo SENAR em 2011, dessa forma podendo aperfeiçoar o uso e manejo dessas plantas.

O Grupo Agroextrativista dispõe de uma “farmacinha comunitária”, que consiste em uma estrutura básica de produção e armazenamento de fitoterápicos, e onde se encontra cerca de 40 tipos de remédio. Diversas pessoas do Assentamento e da região já receberam o atendimento dos raizeiros do Grupo.

Animais silvestres no Assentamento Americana

Por ter grande parte da sua área coberta com vegetação nativa, o Assentamento Americana abriga muitas espécies de animais silvestres, inclusive algumas ameaçadas de extinção: o lobo-guará, o veado-campeiro e os pássaros capacetinho-do-oco-de-pau (Poospiza cinerea), azulinho (Porphyrospiza caerulescens) e o bico-virado-da-caatinga (Megaxenops parnaguae) (IUCN, 2012). Até agora, foram identificadas mais de 150 espécies de aves

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��Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

no Assentamento. Duas listas, uma contendo as espécies de vertebrados terrestres, e outra com espécies de aves, se encontram anexas (Anexo 5, pág. 124, e Anexo 6, pág. 125, respectivamente). A presença desses animais é um importante indicador do grau e do potencial de conservação da biodiversidade na área.

Foi realizado um levantamento, através de entrevistas a 37 famílias do Assentamento Americana, sobre a presença dos animais silvestres. Foi identificado que alguns animais presentes no Assentamento se alimentam das plantações, às vezes causando prejuízos às famílias. De 37 famílias entrevistadas: 18 alegaram que o veado-catingueiro se alimenta de seus cultivos, principalmente feijão; 15 afirmaram que os tatus comem mandioca e milho; 14 apontam que o guaxinim se alimenta de cana; e alguns assentados afirmam que coelho, cutia e capivara também se aproveitam de cultivos para se alimentarem. Na maioria dos casos, estes animais não chegam a causar prejuízo, e diferentes declarações de agricultores e agricultoras demonstram sua tolerância:

“a gente planta não é só pra gente; não ligo, eles não têm braço pra trabalhar; não trabalha, tem que comer mesmo; os bichinhos estão com fome; eles estão precisando; eles têm direito; eu divido o pão.”

Contudo, 27 entrevistados relataram que os periquitos e maritacas têm causado prejuízo às suas plantações, principalmente milho, mas também andu, arroz, araçá e outros. O estrago foi especialmente grande em 2012, quando choveu pouco no início do ano, restringindo a disponibilidade de alimento para estes animais. Ou seja, o ataque dessas aves diminuiu ainda mais a produção do ano, que já foi pequena. Alguns assentados afirmam

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que a melhor alternativa é plantar muito. Outro revela que dobrar para baixo as espigas de milho salva grande parte da produção.

Há ainda animais que atacam galinhas, frangos e pintinhos:

24 assentados relatam ataques por raposas, 20 por gatos-do-mato (como o gato-mourisco), 19 por gaviões e 18 por jibóias. Há ainda o tiú (ou teiú), que, segundo 11 assentados, se alimenta de ovos e pintinhos novos. Para evitar estes ataques, a principal solução apontada é criar as aves presas no galinheiro, de preferência com cercas reforçadas.

É comum a entrada de caçadores e pescadores no Assentamento, vindos de diversos locais da região. Como o Assentamento se localiza no entorno do Parque Estadual de Grão Mogol, a fiscalização dos guardas do IEF aumentou nos últimos anos, fazendo o problema da caça predatória diminuir, mas não acabar por completo. Outro problema é a frequência de atropelamento de animais na movimentada BR-251 – em 2011, uma suçuarana foi vista morta na pista, em área entre o Sapé e a Lagoa Nova, por pelo menos dois assentados.

É importante desenvolver ações conjuntas para tornar viável a presença desses animais, promovendo, às famílias assentadas, mais benefícios do que prejuízos. Nesse sentido, pode ser elaborado um plano de manejo orientado ao aproveitamento da fauna silvestre. Uma das possibilidades é usar a fauna nativa em atividades de turismo científico e recreativo, possibilitando uma geração de renda complementar no Assentamento e agregando mais um atrativo à região. Este plano de manejo poderia até mesmo contemplar pequenos criatórios de animais nativos, como veados, caititu, seriema, capivara e jacu (Foto 25, pág.78).

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Devido a sua extensa área, o Assentamento pode servir de corredor ecológico e de área de reprodução e alimentação para muitas espécies animais. Dos 18.922ha, espera-se que, em 14.506ha (76,66% do total), seja mantida a cobertura vegetal nativa, incluindo aí: 4.629ha de Reserva Legal; 7.985ha de Áreas de Manejo Extrativista; e 1.892ha nos lotes10. Esta área é maior do que grande parte dos Parques Estaduais do Cerrado mineiro (como, por exemplo, o Parque Estadual do Rio Preto, de 12.185ha, e o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, de 3.941ha). Além disso, a proximidade ao Parque Estadual de Grão Mogol, de 28.404ha, confirma ainda mais a importância do Assentamento Americana para uma estratégia regional de conservação da biodiversidade.

10 Caso sejam respeitadas as faixas de vegetação nativa nos lotes, recomendadas pelo PDA e Regimento Interno, que corresponderiam a 30% de cada lote.

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Considerações finais

As áreas de Cerrado do Norte de Minas vêm sofrendo grandes impactos nas últimas décadas: assoreamento de rios, secamento de nascentes, perda da biodiversidade, compactação dos solos, desertificação. O plantio de monoculturas de eucalipto, bem como outras intervenções de larga escala – barragens, mineração, grandes desmates para produção de carvão – são visivelmente insustentáveis, pois causam a degradação dos recursos naturais sem sua recomposição. Os principais prejudicados por tais impactos são as populações camponesas que habitam o Cerrado e dependem da integridade de seus ecossistemas para produzir e viver.

O Assentamento Americana é uma proposta de reforma agrária no Cerrado que se alicerça no contexto específico da região, tanto do ponto de vista ambiental quanto cultural, social e econômico. Baseia-se na agroecologia e no agroextrativismo, buscando conciliar a geração de benefícios sociais e econômicos com a sustentabilidade dos agroecossistemas e dos serviços ambientais. Após uma década de vida e trabalho nos lotes, é possível avaliar o que foi realizado e apontar caminhos para a melhoria da qualidade de vida das famílias assentadas e para a sustentabilidade da exploração agropecuária.

Estudos mostram que uma maior agrobiodiversidade contribui para uma melhor conservação da biodiversidade, devido a diversos fatores como: o não uso de agrotóxicos em sistemas agrobiodiversos, a manutenção dos ciclos naturais, o equilíbrio entre espécies competidoras e a criação de uma diversidade de habitats. Ou seja, quanto mais espécies e variedades agrícolas

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uma família ou comunidade cultiva, menor será o impacto da ação humana no ambiente. Assim, é importante valorizar e estimular as iniciativas das famílias “mais agrobiodiversas” do Assentamento, que mantêm variedades crioulas e distribuem sementes, mudas e manivas, assumindo o papel de guardiões e multiplicadores da agrobiodiversidade.

Os sistemas agroflorestais (SAFs) são cultivos com alto nível de agrobiodiversidade. A presença de espécies arbóreas, os consórcios, a adubação verde, a produção de biomassa e a proteção contra eventos climáticos extremos estão integrados nesses agroecossistemas. Dessa forma, a produção de alimentos, remédios e madeira contribui também para a manutenção e incremento dos serviços ambientais, como fertilização dos solos, preservação dos recursos hídricos e sequestro de carbono. Alguns assentados, em especial os membros do Grupo Agroextrativista, vêm fazendo experiências com SAFs e consórcios, chegando a resultados positivos que podem também ser multiplicados para outros assentados e outras famílias agricultoras do Cerrado.

A criação de gado é outra atividade econômica central na estratégia produtiva do Assentamento Americana, e que pode desempenhar papel positivo também à conservação da biodiversidade. O uso das extensas áreas de chapadas como pastos naturais concilia a manutenção da cobertura vegetal nativa com o fornecimento de forragem ao gado, contribuindo, dessa forma, à produção pecuária, à recarga do lençol freático, à fixação de carbono e à conservação da biodiversidade.

Contudo, é importante: cercar áreas de nascentes e outros corpos d’água, construindo bebedouros distantes das APPs; deixar faixas de vegetação nativa e árvores no meio dos pastos,

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como forma de impedir processos erosivos; observar os limites ecológicos e produtivos de densidade de cabeça por hectare; estabelecer a rotatividade das áreas de pastagem, permitindo assim sua recuperação; proteger as espécies nativas, em especial as que têm valor econômico; e impedir, por meio do manejo, a proliferação de capins exóticos que possam prejudicar espécies nativas. O Assentamento Americana pode ser um importante campo experimental para o desenvolvimento de técnicas de manejo da pecuária ecológica.

As populações extrativistas do mundo têm sido apontadas, em diversos estudos, como detentoras de um significativo conhecimento sobre os ecossistemas e como aliadas da preservação ambiental. Em alguns casos, o extrativismo pode Levar à escassez do produto explorado, causando diminuição na população de espécies nativas. Isso acontece, em geral, quando há uma demanda de larga escala pelo produto, geralmente vinculada à economia global. Por outro lado, extrativismo praticado na escala dos sistemas produtivos camponeses, propicia um vínculo estreito destes com o ambiente, resultando no acúmulo de conhecimentos sobre manejo e dinâmica dos ecossistemas, e na consequente sustentabilidade da exploração.

O extrativismo no Cerrado é tão antigo quanto a existência dos habitantes do Cerrado. A caça e o uso das plantas nativas foi, provavelmente, tão ou mais importante do que a agricultura para a ocupação humana antiga do bioma. Os primeiros “estrangeiros” do Cerrado – negros e brancos do século XVII e XVIII – certamente aprenderam logo as utilidades da biodiversidade nativa, em um tempo onde os recursos locais pesavam muito mais na vida da população. Os Geraizeiros não aprenderam a manejar o Cerrado porque estavam engajados em causas ambientais e, sim, porque tiveram que aprender a viver em meio aos seus ecossistemas,

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com um mínimo de recursos externos disponíveis. Hoje, esse aprendizado dá lições de conservação da biodiversidade e manutenção de serviços ambientais.

A presença de uma rica fauna silvestre no Assentamento Americana pode ser vista, por alguns, como preocupante do ponto de vista da conservação. De fato, espécies ameaçadas de extinção merecem atenção especial por parte do poder público e de toda a sociedade, que deve lutar pelo estabelecimento de áreas protegidas e de políticas de conscientização e educação ambiental. Estudos mostram, contudo, que somente a criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral não é suficiente para uma proteção efetiva da biodiversidade, sendo necessária a implementação de estratégias que incluam o uso sustentável dos ecossistemas e a conectividade da vegetação nativa em uma escala mais ampla. Dessa forma, o Assentamento pode ser alvo de políticas e estudos que visem a conservação da biodiversidade em áreas habitadas por comunidades rurais, dado seu grande potencial de manutenção de cobertura vegetal nativa e devido à sua proximidade com o Parque Estadual de Grão Mogol.

Uma questão preocupante hoje, em todo o mundo, é a redução da disponibilidade de água para consumo humano e atividades produtivas. O Norte de Minas é uma das regiões que mais sofrem com a falta d’água no Brasil, e grandes projetos econômicos têm contribuído bastante para uma piora neste quadro. Talvez o maior desafio das famílias do Assentamento Americana e das instituições envolvidas seja promover a recuperação dos recursos hídricos existentes na área até a década de 1970, preservando e recuperando a vegetação, captando e armazenando água da chuva, impedindo erosões e voçorocas. Tais iniciativas devem ser cada vez mais estimuladas, e o monitoramento de seus resultados pode servir de referência para trabalhos semelhantes em todo o planeta.

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As experiências do Grupo Agroextrativista e do Assenta-mento Americana vêm demonstrando possibilidades concretas de produção conciliada à conservação do Cerrado. O desenvolvimento dessas experiências, contudo, pode ter ainda maior incentivo pelo poder público e por organizações da sociedade civil. Políticas públicas como o PAA e o PNAE11 já demonstraram o potencial de sinergia entre produção agroecológica camponesa e consumo de alimentos saudáveis por toda a sociedade. Outra política, o Bolsa Verde12, também pode ser decisiva para os assentados optarem pelos sistemas produtivos agroecológicos. Espera-se ainda que o beneficiamento de produtos na Unidade Multiuso adquira significativa importância para a geração de ocupação e renda no Assentamento, dando visibilidade ainda maior para os benefícios da produção agroecológica e agroextrativista.

A experiência em curso no Assentamento Americana não seria possível sem o trabalho de formação e assessoria desenvolvido pelo CAA-NM. Tal trabalho tornou-se uma referência importante no diálogo com políticas públicas, órgãos de extensão rural, instituições de ensino e pesquisa, ONGs e comunidades rurais. A articulação com tais organizações tem especial relevância para melhorar a perspectiva dos jovens do Assentamento – vale destacar que alguns deles já passaram por cursos de formação em agroecologia e agroextrativismo, e podem, futuramente, desempenhar papel fundamental na continuidade desta experiência.

11 Programa de Aquisição de Alimentos e Programa Nacional de Alimentação Escolar, instituídos pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) desde 2003.

12 Concessão de incentivo financeiro a proprietários e posseiros rurais para identifica-ção, recuperação, preservação e conservação de vegetação nativa (Decreto 45.113/09, Lei 17.727/2008 do Governo de Minas Gerais) e Programa de Apoio à Conservação Ambiental (Decreto 7.572/2011, Medida Provisória 535/2011, Governo Federal).

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Os Geraizeiros de hoje são herdeiros de uma tradição secular, e até milenar, de relação com a flora, a fauna e a agricultura no Cerrado. Seus conhecimentos são de grande relevância na busca por formas sustentáveis de ocupação do bioma. Para garantir a continuidade e desenvolvimento de suas práticas, é importante a (re)conquista de seus territórios, que depende de mobilização e luta política.

No Norte de Minas, a luta pela terra abrange também comunidades Vazanteiras, Quilombolas, Catingueiras, Xacriabás, Veredeiras. Ao lado destas comunidades, estão organizações como o CAA-NM, a CPT, a Cooperativa Grande Sertão, STRs e tantos outros parceiros do nível local ao global. A estratégia de luta pela terra pode assumir a forma de Reserva Extrativista (Resex), Assentamento, Território Quilombola ou Indígena, Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) ou mesmo titulação de posses. De todo modo, é fundamental que se amplie a compreensão e o apoio de toda a sociedade à luta camponesa em suas diferentes formas, cujas vitórias beneficiam a todos. As famílias do Assentamento Americana e do Grupo Agroextrativista do Cerrado têm muito a contribuir nesta luta, trazendo lições e aprendizados sobre a ocupação do território, o manejo dos ecossistemas e sobre os sistemas produtivos agroecológicos e agroextrativistas.

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Referências bibliográficas

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10�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Luz, Claudia; Dayrell, Carlos (orgs). Cerrado e desenvolvimento: tradição e atualidade. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, 2000.

Maciel, Luz Marilda M.; Carvalho, A.P.F. 2009. Mapa de adequação de uso das terras como subsídio à elaboração de trabalhos de gestão ambiental em projetos de assentamento, estudo de caso PA Americana, município de Grão Mogol-MG. Espaço & Geografia, v.12, n. 2, 243:269.

Mazzetto-Silva, Carlos Eduardo. Camponeses e Cerrados no Norte de Minas: a sustentabilidade dos ecossistemas e das populações sertanejas em questão. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, 250p, 1999.

Mazzetto-Silva, Carlos Eduardo. Ordenamento territorial no Cerrado brasileiro: da fronteira monocultora a modelos baseados na sociobiodiversidade. Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente (Ed. UFPR), n.19, pp.89-109, jan./jun. 2009.

Nogueira, Mônica C.R. Gerais a dentro e a fora: identidade e territorialidade entre Geraizeiros do Norte de Minas Gerais. Tese de Doutorado, Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, 233p., 2009.

Pivello, Vânia R. Invasões biológicas no Cerrado brasileiro: efeitos da introdução de espécies exóticas sobre a biodiversidade. 2011. Disponível em http://www.ecologia.info/cerrado.htm.

Ribeiro, Ricardo F. O Eldorado do Brasil central: história ambiental e convivência sustentável com o Cerrado. In: Alimonda, H. (org). Ecología Política, naturaleza, sociedad y utopía. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), p.249-275, 2002.

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Anexos

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113Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Pesquisas no Assentamento Americana - Desde sua criação, alguns projetos de pesquisa estão sendo desenvolvidos no Assentamento Americana, tendo sido já publicados ou apresentados em eventos científicos.

a) Projetos de pesquisa

Título: Avaliação da sustentabilidade de sistemas agroflorestais de um assentamento agroextrativista no Norte de MinasInstituição: Instituto de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Minas Gerais Programa: Mestrado em Ciências Agrárias com ênfase em AgroecologiaPesquisadora: Anna Crystina AlvarengaOrientador: Prof. Luiz Arnaldo FernandesPeríodo: 2011 - 2013

Título: Estoque de carbono de sistemas agroflorestais no norte de Minas GeraisInstituição: Instituto de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Minas Gerais Programa: Mestrado em Ciências Agrárias com ênfase em AgroecologiaPesquisadora: Germana Platão RochaOrientador: Prof. Luiz Arnaldo FernandesPeríodo: 2011 - 2013

Título: Conservação da biodiversidade em uma paisagem agroextrativista do CerradoInstituição: Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Programa: Doutorado Interdisciplinar em Ambiente e SociedadePesquisador: Igor Simoni Homem de CarvalhoOrientadora: Profa. Sonia Maria P.P. BergamascoCo-orientador: Prof. Mateus BatistellaPeríodo: 2009-2013

Anexo 1

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114 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Nome: Manejo de Plantas do Cerrado: Subsídios Técnicos às Políticas Públicas de Uso Sustentável e Conservação da BiodiversidadePeríodo: 2012 - 2015Financiador: Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio)Integrantes: Pesquisadores e técnicos da Embrapa, Unimontes, CAA-NM, UnB.Coordenador: Aldicir O. Scariot

Nome: Mapa das experiências de produção, comercialização e conservação da agrobiodiversidade – Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica. Período: 2010Integrantes: Articulação Nacional de Agroecologia (ANA); Conab; Pnud.Coordenadora: Flavia Londres da CunhaURL:http://www.agroecologiaemrede.org.br/experiencias.php? experiencia=987; http://www.agroecologiaemrede.org.br/expreiencias.php? experiencia=988#

b) Publicações e trabalhos científicos realizados no Assenta-mento Americana

ALVARENGA, Anna C.; FERNANDES, Luiz A.; CAMPOS, Paula C.O. Avaliação de sistemas agroflorestais com base em indicadores de sustentabilidade de determinação rápida e fácil. VII Congresso Brasileiro de Agroecologia, Fortaleza-CE, 12 a 16 de dezembro de 2011.

CARVALHO, Igor S.H. Serviços ambientais e campesinato: o caso do Assentamento Americana. III Congreso sobre Manejo de Ecosistemas y Biodiversidad / VIII Convención Internacional sobre Medio Ambiente y Desarrollo, Havana, Cuba, 4-8 de julho de 2011.

CARVALHO, Igor S.H. Conservação da biodiversidade no Assentamento Agroextrativista Americana. IV Encontro da Rede de Estudos Rurais, Curitiba, 6-9 de julho de 2010.

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115Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

CARVALHO, Igor S.H. Extrativismo de frutos do Cerrado no Assentamento Americana. V Simpósio Regional de Etnobiologia e Etnoecologia da Região Sudeste / I Encontro Mineiro de Etnobiologia e Etnoecologia, Universidade Federal de Viçosa, 14-17 de abril de 2010.

FERNANDES, L.A.; LOPES, P.S.N.; D’ANGELO, S.; DAYRELL, C.A.; SAMPAIO, R.A. Relação entre o conhecimento local, atributos químicos e físicos do solo e uso das terras. Revista Brasileira de Ciências do Solo, n.32, pp.1355-65, 2008.

JESUS-SANTOS, Maria Vanusa. O agroextrativismo como alternativa de desenvolvimento socioeconômico e ambiental em assentamento: um estudo de caso do Assentamento Americana - Grão Mogol. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Geografia, Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), orientado pela Profa. Ana Ivânia Alves Fonseca, 2008.

LOPES, Paulo Sérgio N.; G.L.D. Leite; V.G. Mendes de Sá; A.C. da Silva; M.A. Soares. Controle fitossanitário alternativo em comunidades de pequenos produtores rurais no norte de Minas Gerais. Anais do 7º Encontro de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, 12 a 15 de setembro de 2004.

SILVA, Jonas E.A.; F.S. Silva; D.A. Oliveira; L.L. Mendonça; V.M. Meira. Avaliação da densidade de macrófitas aquáticas em relação à profundidade em uma lagoa do Assentamento Americana. Trabalho da disciplina Limnologia, Faculdades de Saúde Ibituruna, Montes Claros-MG, 2008.

TURAZI, Caroline M.V. Análise temporal das imagens-fração para detecção de mudanças no Projeto de Assentamento Americana, município de Grão Mogol-MG. Monografia de Especialização em Geoprocessamento, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília, 2009, 41p.

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116 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Espécie Variedade

Feijão de arranque e catador (Phaseolus vulgaris e Vigna

unguiculata)

Amarelinho ou miguelzinhoBaetão Bolinha BrancoCachinho Cara-sujaCarioca CarioquinhaCaturra Cinqüentão Cinquentinha Corujinha Curianguinho De cordaEngorda-mulherFranguinho Gorutuba Jalo Lavrinha MamoninhaMangalôManteiga MulatinhoPretoRosinha Roxinho Tomba-milhoVagem-roxaVermelho

Cana(Saccharum spp.)

120190220Bambu Branca CaianaCanafístula CaninhaCanivete de Açúcarde Burro

Tabela da agrobiodiversidade - Variedades dos principais cultivos encontradas no Assentamento Americana. Informações recolhidas dos assentados e complementadas pelos trabalhos de Dayrell (1998) e Alvarenga (2012).

Anexo 2

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11�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

FerroJava rosaJava BrancaJava giganteJava PretaMercaia RoxaTrês óleos

Mandioca (Manihot esculenta)

AbobrinhaBranca CacauCastelinhaCastelonaCongonha Encartuchada JatobáLagoinhaLandim Manteiga MuquemPãoPratinhaPratonaPeriquitinhaSete anos (arbórea)SubaraVara de canoa, vara-canoaVassorinha

Abacaxi(Ananas comosus)

Amarelão ‘Boa Vista’ (3 meses)PérolaVermelhoCompridoAnanás

Abóbora (Cucurbita sp.)

Brasil Cabocla docede porcoJacaré Jacarezinha JaponesaJerimum MeninaMoranga-de-fogoMoranga exposiçãoMoranga verdeMoranga vermelhaPampa Paulistinha Roxa

Cana(Saccharum spp.)

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118 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Lista de espécies arbóreas - Tabela de espécies de árvores nativas en-contradas no Assent. Americana (revisão: Guilherme Aguirre).

Anexo 3

Família Espécie Nome popular

Anacardiaceae

Anacardium humile Cajuzinho-do-cerradoAnacardium occidentale Caju Astronium fraxinifolium Gonçalo-Alves Astronium graveolens Pau-ferroMyracrodruon urundeuva Aroeira Schinopsis brasiliensis Pau-pretoTapirira guianensis Pau-pombo, pombeiro,

aroeira-do-brejoTapirira obtusaLithraea molleoides Aroeira-branca,

aroeirinha

Annonaceae

Annona coriaceaAnnona crassiflora Panã, araticum Duguetia fufuracea Marolo Xylopia aromatica Pimenta-de-macaco,

pindaíbaXylopia emarginata Pindaíba

Apocynaceae

Aspidosperma macrocarpon Peroba, Pereira-branco Aspidosperma pyrifoliumHancornia speciosa Mangaba Himatanthus obovatus Pau-de-leite

Araliaceae Schefflera macrocarpa Violeiro, mamona-d’anta, mandiocão

Arecaceae

Accrocomia aculeata Macaúba Allagoptera campestris Coco-de-espiga, coco-

de-raposaAttalea geraensis Coco-catoléButia capitata Coquinho-azedoSyagrus flexuosa Coco-babão, coco-

vassouraArecaceae Coco-de-perdiz

Asteraceae Vernonia polyanthes Assa-peixe

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11�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Bignoniaceae

Cybistax antisyphilitica Ipê-mirimTabebuia caraiba Caraíba Tabebuia aurea Ipê-amareloHandroanthus ochraceus Ipê-amarelo-do-cerradoTabebuia roseoalba Ipê-brancoHandroanthus serratifolius Ipê-roxo, pau d’arco

Zeyhera digitalisBolsa-de-pastor, chapéu-de-frade, mandioquinha-do-campo

Boraginaceae Cordia alliodora Pau-de-velha, louro-amarelo

Burseraceae Protium heptaphyllum Almécega, breu

Caryocaraceae Caryocar brasiliense Pequi

CecropiaceaeCecropia hololeuca EmbaúbaCecropia pachystachia Embaúba

Celastraceae Peritassa campestris BacupariMaytenus sp. Espinheira-santa

Clusiaceae Kielmeyera coriacea Pau-santo

CombretaceaeTerminalia argentea Capitão-do-matoBuchenavia tomentosa Tarumarana

Ebenenaceae Diospyros hispida Caqui-do-cerrado

Erytrhroxylaceae

Erythroxylum suberosum Mercúrio-do-campo, cabelo-de-negro

Erythroxylum tortuosum Mercúrio-do-campo

EuphorbiaceaeCroton urucurana Sangra-d’aguaSapium glandulatum Pau-de-leite

Fabaceae

Amburana cearensis ImburanaHymenaea stignocarpa Jatobá Hymenaea courbaril Jatobá-da-mataInga laurina Ingá-brancoPterodon emarginatus Sucupira-brancaAcosmium dasycarpum Unha-d’antaBauhinia longifolia Miroró, pata-de-vacaBauhinia microphila pata-de-vacaCopaifera langsdorffii Copaíba, pau-d’óleo

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120 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Sclerolobium aureum Sucupira, carvoeiroBowdichia virgilioides Sucupira-pretaDalbergia miscolobium CaviúnaMachaerium opacum Jacarandá-do-cerradoPlathymenia reticulata Amarelinho, candeiaAcacia bahiensis PeriquiteiraAnadenanthera colubrina Angico vermelhoAnadenanthera macrocarpa AngicoPiptadenia viridiflora SurucucuEnterolobium gummiferum Tamboril-brancoEnterolobium pimbouva Tamboril-da-chapadaErythrina sp. Mulungu Scleorolobium aureumStryphnodendron adstringens.

Barbatimão

Flacourtiaceae Casearia sylvestris Cafezeiro-do-mato, guaçatonga

LamiaceaeHyptidendron canumVitex montevidensis Tarumã

Loganiaceae Strychnus pseudoquina Quina-do-cerrado

Lythraceae Lafoensia pacari Pacari, dedaleiro

MalpighiaceaeHeteropterys byrsonimifolia Murici-machoByrsonima coccolobifolia Murici

Malvaceae

Eriotheca pubescens Imbiruçu-paulistaPseudobombax longiflorum ImbiruçuPseudobombax tomentosum Imbiruçu-lanzudo Sterculia striata Chichá Ceiba glaziovii Paineira, barrigudaHelicteres sp. Malva-rosca

Luehea divaricada Açoita-cavalo

Melastomataceae Miconia albicans

Meliaceae Cabralea canjerana Canjerana

Fabaceae

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121Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Moraceae Brosimum gaudichaudii Salva-vida

Myrsinaceae Rapanea guianensis Pororoca

Myrtaceae

Campomanesia pubescens Gabiroba Eugenia dysenterica Cagaita Psidium cattleianum Araçá-rosaPsidium firmum Araçá-do-cerradoPsidium guajava Goiaba

Nyctaginaceae

Guapira noxia Maria-mole, capa-rosa

Neea theifera Pau-sapo, caparrosa-branca

Opiliaceae Agonandra brasiliensis Pau-marfim

Ochnaceae Ouratea castanaefolia

Passifloraceae Passiflora cincinnata Maracujá-nativo

ProteaceaeRoupala montana Carvalho-do-cerrado,

cajueiro-bravo

RubiaceaeGenipa americana Jenipapo Tocoyena brasiliensis Marmelada

Rutaceae Zanthoxylum riedelianum Mamuda

Sapotaceae Pouteria torta Fruta-de-leite

Sapindaceae

Dilodendron bipinnatum Cupania vernalis Camboatá

Magonia pubescens. Tingui

SolanaceaeSolanum lycocarpum LobeiraSolanum paniculatum Jurubeba

Vochysiaceae

Qualea dichotoma Pau-terra-da-folha-grande, jacaré

Qualea grandiflora Pau-terraQualea parviflora Pau-terrinhaVochysia thyrsoidea Pau-d’água

Zygophyllaceae Bulnesia sarmientoi Ibiocaí, pau-santo

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122 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Fedegoso Senna macranthera Fabaceae

Jarrinha Aristolochia sp. Cannabaceae

Lista de plantas medicinais - Espécies nativas do Assentamento Americana usadas com fins medicinais (obs.: algumas espécies ar-bóreas, listadas no Anexo 3, também são utilizadas no Assentamen-to Americana com fins medicinais, mas não foram listadas aqui para evitar repetições; revisão: Guilherme Aguirre e Marcos Guião).

Anexo 4

Nomes populares Nome científico FamíliaAlcassuz Periandra mediterranea Fabaceae

Alecrim-do-campo, alecrim-da-vargem

Baccharis dracunculifolia Asteraceae

Algodãozinho Cochlospermum regium BixaceaeArnica Lycnophora sp. AsteraceaeAzedinha Oxalis hirsutissima Oxalidaceae

Batata-de-purga Operculina alata Convolvulaceae

Boldo-assa-peixe, boldo-de-árvore Vernonia condensata Asteraceae

Braço-forte, nó-de-cachorro Heteropterys tomentosa Asteraceae

Calunga Jateorhiza palmata MenispermaceaeCamará Lantana camara VerbenaceaeCanguçu - PoaceaeCarapiá Dorstenia multiformis MoraceaeCaroba, Carobão Jacaranda sp. BignoniaceaeCarobinha Jacaranda caroba BignoniaceaeCarqueja Baccharis trimera AsteraceaeCervejinha Arrabidaea brachypoda BignoniaceaeChapéu-de-couro Echinodorus macrophyllus AlismataceaeDom-Bernardo, bate-caixa Palicourea rigida Rubiaceae

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123Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Rebenta-boi Solanum sisymbriifolium SolanaceaeRuibarbo do cerrado Eleutherine bulbosa IridaceaeRufão Tontelea micrantha CelastraceaeSaião Bryophyllum pinnatum CrassulaceaeSalsaparrilha Herreria salsaparilha AsparagaceaeSambaibinha Davilla eliptica DilleniaceaeSapé Imperata exaltata PoaceaeTerramicina Alternanthera sp. AmaranthaceaeTibórnia Himatanthus obovatus ApocynaceaeTiuzinho Casearia silvestris SalicaceaeVelame branco Mentha sp. LamiaceaeHortelã “vick” Mentha arvensis Lamiaceae

Quina-branca Coutarea hexandra Amaranthaceae

Quina-de-vara Remijia ferruginea Rubiaceae

Quitoco Pluchea quitoc Asteraceae

Joá, juazeiro Ziziphus joazeiro Jurubeba Solanum paniculatum RhamnaceaeMacelinha Achyrocline satureioides Solanaceae

Malineira Stylosanthes sp. FabaceaeMama-cadela, grão-de-galo Brosimum gaudichaudii AsteraceaeMarmelinho Tocoyena brasiliensis RubiaceaeMil-folhas, novalgina Achillea millefolium AsteraceaeMoleque-duro Cordia leucocephala BoraginaceaeMutamba Guazuma ulmifolia MalvaceaePapaconha, poaia Cephaelis ipecacuanha RubiaceaePau-fede Sclerolobium aureum FabaceaePé-de-perdiz, raiz-de-perdiz, curraleira Croton sp. EuphorbiaceaePicão Bidens pilosus AsteraceaePinha-de-raposa, sofre-do-rim-quem-quer Dugetia furfuracea AnnonaceaeQuebra-pedra Phyllanthus niruri Phyllanthaceae

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124 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Espécies de animais vertebrados - Tabela de espécies de alguns animais vertebrados (mamíferos e répteis) encontradas no As-sentamento Americana.

Anexo 5

Nome científico Nomes popularesPuma concolor Suçuarana, onça-pardaPuma yagouaroundi Gato-mourisco, jaguarundiLeopardus sp. Gato-do-matoChrysocyon brachyurus Lobo-guaráLicalopex vetulus Raposa Cerdocyon thous Cachorro-do-matoOzotocerus bezoarticus Veado campeiroMazama goazoupira cf. veado-catingueiroHydrochoerus hydrochaeris Capivara Pecari tajacu Caititu Tamandua tetradactyla Melete, tamanduá-mirimEuphractus sexcinctus Tatu-pebaCabassous unicinctus Tatu-de-rabo-de-solaDasypus novemcinctus Tatu-galinha, tatu-pretoDasypus septemcinctus Tatu-china, tatu-bolinha Procyon cancrivorus Guaxo, guaxinimConepatus semistriatus Jaratataca, gambáDidelphis albiventris SaruêSylvilagus brasiliensis Coelho Dasyprocta sp. CutiaCavia aperea Preá Coendou prehensilis Porco-espinho, ouriço-cacheiroCallithrix penicillata Soim, sagüi, mico-estrela Ordem Chiroptera Morcego Tupinambis sp. Teiú Tropidurus torquatus Calango Boa constrictor Jibóia Crotalus durissus Cascavel Bothrops sp. Jararaca Mastigodryas bifossatus Jararacuçu-d’águaSubordem Serpentes Cobra-verde, cipó, coral

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125Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Lista de aves - Tabela de espécies de aves encontradas no Assentamento Americana. Contribuíram para este levantamento de aves os pesquisadores Santos D’Angelo Neto, Daniel Costa de Paula e Rodrigo Pessoa.

Família Nome científico Nome popularCariamidae Cariama cristata seriema

Ardeidae

Egretta thula garça-branca-pequenaNycticorax nycticorax savacu, socó, garça-

cinzentaSyrigma sibilatrix maria-faceira

Falconidae (Accipitridae)

Caracara plancus carcaráMilvago chimachima gavião-carrapateiro,

pinhéRupornis magnirostris gavião-carijóHeterospizias meridionalis gavião-perdigueiro Herpetotheres cachinnans acauã

CathartidaeCoragyps atratus urubu-de-cabeça-pretaCathartes aura urubu-de-cabeça-

vermelha

Strigidae Athene cunicularia coruja-buraqueiraGlaucidium brasilianum caburé

Caprimulgidae

Chordeiles pusillus bacurauzinho, curiango

Hydropsalis sp. bacurau Nyctibius griseus mãe-da-lua

Cracidae Penelope superciliaris jacu, jacupembaOrtalis guttata aracuã

Charadriidae Vanellus chilensis quero-quero

Rallidae

Gallinula galeata frango-d’água-comumPorzana albicollis saracura-sanã,

franguinho-d’águaAramides cajanea saracura-três-potes,

galinha d’água

AnatidaeAmazonetta brasiliensis pé-vermelho, marreca,

paturiDendrocygna viduata irerê

Podicipedidae Podilymbus podiceps mergulhão-caçador

Anexo 6

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126 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Jacanidae Jacana jacana jaçanã

Tinamidae

Crypturellus parvirostris lambu, inhambu-chororóCrypturellus noctivagus zabelê Rhynchotus rufescens perdiz Crypturellus undulatus jaó Nothura boraquira codorna-do-nordeste

Columbidae

Patagioenas picazuro verdadeira, asa-brancaColumbina picui rolinha-picuiColumbina squammata rolinha-fogo-apagouColumbina talpacoti rolinha-marromLeptotila rufaxilla juriti

Ramphastidae Ramphastos toco tucano

Psittacidae

Amazona aestiva papagaio-verdadeiro, louro

Aratinga aurea periquito-reiAratinga cactorum periquito-da-caatingaBrotogeris chiriri periquito-de-encontro-

amareloPionus maximiliani maritaca-verdePrimolius sp. maracanã Forpus xanthopterygius tuim

Picidae

Colaptes campestris pica-pau-do-campoDryocopus lineatus pica-pau-de-banda-

brancaMelanerpes candidus pica-pau-brancoPiculus chrysochloros pica-pau-dourado-

escuroPicumnus pygmaeus pica-pau-anão-pintadoVeniliornis passerinus pica-pauzinho-anão

Dendrocolaptidae Lepidocolaptes angustirostris arapaçu-do-cerrado

Furnariidae

Furnarius rufus joão-de-barroFurnarius leucopus casaca-de-couro-

amareloMegaxenops parnaguae (cf.) bico-virado-da-

caatingaMimidae Mimus saturninus sabiá-do-campo

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12�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Turdidae Turdus amaurochalinus sabiá-pocaTurdus leucomelas sabiá-barrancoTurdus rufiventris sabiá-laranjeira

Corvidae Cyanocorax cyanopogon gralha, cancã, pêga

Icteridae

Gnorimopsar chopi assum-preto, graúna, chupim, melro

Chrysomus ruficapillus garibaldiIcterus jamacaii sofrê, corrupiãoMolothrus bonariensis vira-bosta, chupim,

melrinho

Cuculidae

Crotophaga ani anu-pretoGuira guira anu brancoPiaya cayana alma-de-gatoTapera naevia saci

Hirundinidae

Pygochelidon cyanoleuca andorinha-pequena-de-casa

Progne tapera andorinha-do-campoStelgidopteryx ruficollis andorinha-serradora

Apodidae Streptoprocne zonaris andorinhão-de-coleira

Trochilidae

Heliactin bilophus beija-flor-chifre-de-ouroAmazilia fimbriata beija-flor-de-garganta-

verdeColibri serrirostris beija-flor-de-orelha-

violetaEupetomena macroura beija-flor-tesoura

Tyrannidae

Pitangus sulphuratus bem-te-viMegarynchus pitangua bem-te-vi-gameleiroMyiozetetes similis bentevizinho-de-

penacho-vermelhoElaenia cristata guaracava-de-topete-

uniformeElaenia flavogaster guaracava-de-barriga-

amarelaElaenia obscura guaracava, maria-tola Cnemotriccus fuscatus guaracavuçu Suiriri suiriri suiriri-cinzentoTyrannus melancholicus suiriri Tyrannus savana tesourinha Gubernetes yetapa tesoura-do-brejo

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128 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Thamnophilidae

Sakesphorus cristatus choca-do-nordesteMelanopareia torquata tapaculo-de-colarinhoMyrmorchilus strigilatus piu-piuFormicivora rufa papa-formiga-

vermelhoTaraba major choro-boiThamnophilus doliatus choca-barradaThamnophilus pelzelni choca-do-planalto

Conopophagidae Conopophaga lineata chupa-dente

Rynchocyclidae

Hemitriccus margaritaceiventer

sebinho-de-olho-de-ouro

Poecilotriccus plumbeiceps tororó Tolmomyias flaviventris bico-chato-amarelo

Bucconidae Nystalus chacuru joão-boboNystalus maculatus rapazinho-dos-velhos

Cardinalidae Piranga flava sanhaçu-de-fogo

Thraupidae

Tangara sayaca sanhaçu-cinzentoTangara cayana sanhaçu-cabocloLanio pileatus tico-tico-rei-cinzaHemithraupis guira saíra-de-papo-pretoDacnis cayana saí-azulTersina viridis saí-andorinha Neothraupis fasciata cigarra-do-campoTachyphonus rufus pipira-preta

Contopus cinereus papa-moscas-cinzentoFluvicola nengeta lavadeira-mascaradaKnipolegus lophotes maria-preta-de-

penachoMyiarchus ferox maria-cavaleiraMyiarchus tyrannulus maria-cavaleira-de-

rabo-enferrujadoMyiarchus swainsoni irré Phyllomyias fasciatus piolhinho Myiophobus fasciatus filipe Euscarthmus meloryphus barulhento Xolmis velatus noivinha-brancaArundinicola leucocephala freirinha Colonia colonus viuvinha

Tyrannidae

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12�Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

Parulidae Basileuterus flaveolus canário-do-mato

Emberizidae

Emberizoides herbicola canário-do-campoSicalis citrina canário-rasteiroSicalis columbiana canário-do-amazonasSicalis flaveola canário-da-terra,

canário-chapinha Zonotrichia capensis tico-ticoAmmodramus humeralis tico-tico-do-campoPoospiza cinerea capacetinho-do-oco-

do-pauSporophila nigricollis baiano Sporophila plumbea patativa Sporophila leucoptera chorão Sporophila caerulescens coleirinho, papa-

capim Sporophila bouvreuil caboclinho Volatinia jacarina tiziu Porphyrospiza caerulescens campainha-azul

Troglodytidae

Troglodytes musculus garrincha, cambaxirra, corruíra

Cantorchilus longirostris garrinchão-de-bico-grande

VireonidaeHylophilus amaurocephalus vite-vite-de-olho-

cinzaCyclarhis gujanensis pitiguari

Cardinalidae Cyanoloxia brissonii azulão Fringillidae Euphonia chlorotica vivi Parulidae Geothlypis aequinoctialis pia-cobraCoerebidae Coereba flaveola cambacica

Trochilidae Phaethornis pretrei rabo-branco-acanelado

Polioptilidae Polioptila plumbea balança-rabo-de-chapéu-preto

Saltator similis trinca-ferroSaltatricula atricollis bico-de-pimentaSchistochlamys ruficapillus bico-de-veludoCompsothraupis loricata tié-caburéParoaria dominicana galo-campina, cardeal Thlypopsis sordida canário-sapé, saí-

canário

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130 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

Anexo 7

REGIMENTO INTERNO DA ASSOCIAÇÃO DOS ASSENTADOS DA FAZENDA AMERICANA DELIBERADO PELAS ASSEMBLEIAS GERAIS DA ASSOCIAÇÃO

Por este instrumento fica regulado a gestão da Associação dos Assentados da Fazenda Americana nos processos de gestão, uso e ocupação dos lotes familiares, das áreas coletivas de manejo extrativista e reserva legal conforme atas de assembléias gerais da associação e deliberações aprovadas no Plano de Desenvolvimento do Assentamento Americana, devidamente documentadas.

Ata de 24 e 25/10/2002

a) Produção e Gestão dos Lotes Familiares

1o) Trabalhar os lotes familiares com sistemas de produção agroecológicos, usando práticas de conservação dos solos, curvas de nível, não usar o fogo para limpar os lotes. Quando necessário, realizar queimadas controladas e promover práticas visando a recuperação dos lotes. Não utilizar adubos químicos nem agrotóxicos. Não realizar gradagens ou arações em áreas como brejos ou nascentes.

2o) Deixar uma faixa horizontal de vegetação nativa entre 30 a 50 metros de largura na unidade do terreno entre a vazante/brejo e o tabuleiro, conforme a situação do terreno. Esta faixa serve para proteger contra a erosão e como corredor da fauna silvestre.

3o) Deixar uma faixa vertical (lateral), de 50 metros de largura na divisa de um lote com o outro também com o objetivo de servir como corredor da fauna silvestre.

Ata de 23/06/2003

4o) Ao longo das margens de nascentes, córregos, rios e lagoas deixar uma faixa de 30 metros de largura como área de preservação permanente.

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131Uma experiência agroecológica no Norte de Minas

5o) A formação de pastagens deverá ser feita deixando faixas de vegetação nativa com curvas de nível com largura mínima de 10 metros entre faixas de vegetação nativa de 70 a 100 metros.

6o) A produção de carvão só será permitida visando o aproveitamento da lenha das áreas de lavouras ou das pastagens.

b) Uso e gestão das áreas coletivas – de manejo extrativista (ata de 17/08/2002)

1o) Estas áreas podem ser utilizadas para a criação de animais obedecendo a capacidade de suporte, coleta de frutos e de plantas medicinais, coleta de lenha seca e captura de abelhas para criação racional. Madeira para outros usos pode ser tirada com a supervisão da diretoria da associação. É proibido a produção de carvão e a caça.

2o) A área com plantio de pinus deve ser aproveitada com o controle e supervisão da diretoria da associação.

3o) A pesca nas lagoas é proibida para pessoas não assentadas (ata de 25/10/2002).

4o) No período da piracema fica proibida a pesca para os assentados. E de abril a outubro ela deve ser realizada de forma controlada (ata de 25/10/2002).

c) Parcelamento e ocupação dos lotes familiares

1o) A destinação dos lotes deve seguir critérios de prioridade.

2o) Os que moram ou trabalham no lote tem prioridade. Quem já mora ou trabalha no lote tem prioridade, seguindo o critério de maior tempo no lugar. O sorteio deve ser realizado para os que moram fora e não tem nenhuma atividade produtiva no assentamento.

Ata de 24/10/2002

3o) O prazo para que as famílias que foram legitimadas é de no máximo 90 dias após o parcelamento já estarem ocupando os lotes

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132 Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado

4o) Os lotes que não forem ocupados serão indicados para famílias interessadas. A associação vai avaliar e indicar as famílias que vão ocupar os lotes vazios.

5o) A associação deve seguir os seguintes critérios para indicar as famílias que vão ocupar os lotes vazios: que seja do município e se enquadre nos critérios do INCRA; que tenha boa vivência na roça, boa vivência com a comunidade de origem; que seja preferencialmente casado ou arrimo de família; que tenha maior número de filhos.

6o) Outro critério é que a família aceita a propostas do tipo de assentamento, das formas de uso e de produção, conforme o estatuto e o regimento interno.

7o) A diretoria20 da associação deve realizar reuniões e encontros com os candidatos que querem ocupar os lotes para apresentar as propostas do assentamento para as famílias chegantes.

d) Penalidades

O assentado que transgredir as normas do regimento interno, em caso de infração leve, será advertido pela diretoria da associação. Caso haja incidência, o infrator será notificado e encaminhado para as autoridades competentes, para a aplicação das penalidades cabíveis, ficando ainda o infrator incidente impedido de fazer parte da diretoria da associação. As penalidades serão aplicadas para toda a natureza de infração que venha transgredir o regimento interno da associação.

20A Diretoria da Associação é composta por oito membros: Presidente, Tesoureiro, Se-cretário Geral e Secretário de Meio Ambiente, e seus respectivos “vices”. Há ainda o Conselho Fiscal, composto por seis membros, sendo três efetivos e três suplentes. A cada dois anos, são realizadas eleições para a Diretoria e para o Conselho Fiscal.

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133Uma experiência agroecológica no Norte de Minas