unesco, políticas culturais para o desenvolvimento

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Uma Base de Dados para a Cultura. UNESCO, 2003.l. Cultura e Desenvolvimento–Brasil 2. Cultura–PolíticasPúblicas–Brasil 3. Cultura–Cooperação Técnica Internacional4. Cultura–Base de Dados–Brasil 5. Cultura–Sistema de Informação–Brasil 6. Patrimônio Cultural–Preservação–Brasil 7. Artesanato–Brasil8. Cultura–Estatística–Brasil I. UNESCO

TRANSCRIPT

  • UMA BASE DE DADOS PARA A CULTURA

    NESTOR CANCLINI

    HELENA SAMPAIO

    CHRISTIANO LIMA BRAGA

    ANA MARA OCHOA

    JAUME PAGS FITA

    ALFONS MARTINELL

    PEDRO TADDEI NETO

    PATRICIA RODRGUEZ ALOM

    SYLVIE ESCANDE

    EDGAR MONTIEL

    GEORGE YDICE

    SYLVIE DURN

    LUS ANTNIO PINTO OLIVEIRA

    GUSTAVO MAIA GOMES

    TEIXEIRA COELHO

    Braslia, setembro de 2003

    Miolo POLITICAS OK 10/7/03 11:04 AM Page 1

  • UNESCO 2003 Edio publicada pelo Escritrio da UNESCO no Brasil

    Culture SectorDivision of Cultural Policies and Intercultural DialogueCulture and Development Section / UNESCO-Paris

    Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelasopinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao.As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao dequalquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio,cidade, regio ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitao de suas fronteiras ou limites.

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  • UMA BASE DE DADOS PARA A CULTURA

    NESTOR CANCLINI

    HELENA SAMPAIO

    CHRISTIANO LIMA BRAGA

    ANA MARA OCHOA

    JAUME PAGS FITA

    ALFONS MARTINELL

    PEDRO TADDEI NETO

    PATRICIA RODRGUEZ ALOM

    SYLVIE ESCANDE

    EDGAR MONTIEL

    GEORGE YDICE

    SYLVIE DURN

    LUS ANTNIO PINTO OLIVEIRA

    GUSTAVO MAIA GOMES

    TEIXEIRA COELHO

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  • Edies UNESCO BRASIL

    Conselho Editorial da UNESCO no Brasil

    Jorge WertheinCecilia BraslavskyJuan Carlos TedescoAdama OuaneClio da Cunha

    Comit para a rea de Cultura

    Jurema de Souza MachadoSlvio TendlerMargarida Ramos

    Traduo: Elga Prez LabordeEdio de Textos: Caroline SoudantReviso: Ins UlhoaAssistente Editorial: Larissa Vieira LeiteApoio Tcnico: Ana Luiza PiattiProjeto Grfico: Edson FogaaDiagramao: Paulo Selveira

    UNESCO, 2003

    Polticas culturais para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Braslia : UNESCO Brasil, 2003.236 p.

    l. Cultura e DesenvolvimentoBrasil 2. CulturaPolticas PblicasBrasil 3. CulturaCooperao Tcnica Internacional4. CulturaBase de DadosBrasil 5. CulturaSistema de InformaoBrasil 6. Patrimnio CulturalPreservaoBrasil 7. ArtesanatoBrasil8. CulturaEstatsticaBrasil I. UNESCO

    CDD 350.85

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaRepresentao no BrasilSAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar.70070-914 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 322-4261E-mail: [email protected]

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  • Sumrio

    Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .07

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .09

    Abstract . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

    Introduo Jorge Werthein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13

    PARTE I Reconstruir polticas de incluso na Amrica Latina

    1. Reconstruir polticas de incluso na Amrica Latina Nstor Garca Canclini . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

    PARTE II Cultura, desenvolvimento e indicadores sociais

    2. A experincia do artesanato solidrio Helena Sampaio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43

    3. A cultura nas polticas e programas do Sebrae Christiano Braga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51

    4. Indicadores culturais para tempos de desencanto Ana Mara Ochoa Gautier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61

    PARTE III Cidade e polticas culturais

    5. O Frum Universal das Culturas: Barcelona 2004 Jaume Pags Fita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83

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  • 6. Cultura e cidade: uma aliana para o desenvolvimento.A experincia da EspanhaAlfons Martinell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93

    7. Preservao sustentada de stios histricos:A experincia do Programa Monumenta Pedro Taddei Neto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .105

    8. O Centro Histrico de Havana um modelo de gesto pblicaPatricia Rodrguez Alom . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .117

    PARTE IV Base de dados para a cultura

    9. Entre mito e realidade, quarenta anos de produo de indicadoresculturais na FranaSylvie Escande . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .143

    10. A comunicao no fomento de projetos culturais para o desenvolvimento Edgar Montiel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .159

    11. Para um banco de dados que sirva George Ydice e Sylvie Durn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .173

    12. As bases de dados do IBGE Potencialidades para a culturaLus Antnio Pinto Oliveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .189

    13. Primeiras aes para um programa de informaes culturais no BrasilGustavo Maia Gomes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .207

    PARTE V Banco de dados: do inerte cultural cultura da vida

    14. Banco de dados: do inerte cultural cultura da vidaTeixeira Coelho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .217

    Nota sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .233

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  • 7Agradecimentos

    A UNESCO e o IPEA realizaram, em agosto de 2002, o SeminrioInternacional sobre Polticas Culturais para o Desenvolvimento Uma base dedados para a Cultura que teve por objetivo, no s renovar o interesse pela relaoentre cultura e desenvolvimento, mas estimular o surgimento de uma agendacomum para a criao de bases de dados sobre a cultura.

    A UNESCO apresenta nesta publicao o registro das contribuies dosespecialistas e agradece aos nossos parceiros e colaboradores: Instituto dePesquisa Econmica Aplicada (IPEA), Instituto Brasileiro de Geografia eEstatstica (IBGE), Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas(Sebrae), Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), Fundao JoaquimNabuco (Fundaj) e a Seo de Cultura e Desenvolvimento da Diviso dePolticas Culturais e Dilogo Intercultural da UNESCO.

    Agradecimentos especiais ao professor Teixeira Coelho Neto pelo apoio naconcepo do seminrio e elaborao do relatrio final.

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  • 9Apresentao

    A relao entre cultura e desenvolvimento vem assumindo, crescente eaceleradamente, um lugar de destaque na agenda contempornea. Est claroque, nessa perspectiva, falamos de cultura no seu conceito mais pleno. Cultura,portanto, como a dimenso simblica da existncia social de cada povo, arga-massa indispensvel a qualquer projeto de nao. Cultura como eixo construtordas identidades, como espao privilegiado de realizao da cidadania e deincluso social e, tambm, como fato econmico gerador de riquezas.

    Todavia, dar conta dessa dimenso conceitual da cultura e das potenciali-dades de desenvolvimento social a inscritas no tarefa fcil. Exige, primeira-mente, um concentrado esforo de convencimento poltico que garanta onecessrio deslocamento da cultura, nas agendas governamentais, da posiosubalterna a que costuma estar relegada condio de questo estratgica.

    Mas tal deslocamento e sua materializao em polticas pblicas de culturacada vez mais transversais, sintonizadas e sincronizadas com o conjunto dasoutras polticas sociais no depende to somente do trabalho de convencimento.Requer, tambm, que os gestores culturais disponham de informaes, dados eanlises capazes de alimentar o processo de formulao, acompanhamento eavaliao de polticas.

    Aqui o desafio , essencialmente, produzir conhecimento terico e prticodas vrias dinmicas culturais, mapear as cadeias produtivas da economia dacultura, identificar os atores sociais envolvidos, criar e disponibilizar bancos dedados e sistemas de informaes.

    No Brasil, nesse campo, muito ainda h por ser feito. E muito pretendefazer o Ministrio da Cultura do Governo Luiz Incio Lula da Silva que,reconhecendo como fundamental e estratgica a relao entre cultura e desen-volvimento, elegeu entre suas prioridades o enfrentamento da tarefa e dodesafio aqui enunciados.

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  • 10

    Assim que saudamos as mltiplas e importantes reflexes apresentadasno Seminrio Internacional sobre Polticas Culturais para o Desenvolvimento Uma Base de Dados para a Cultura, promovido pela UNESCO e pelo IPEA,realizado em Recife, em agosto de 2002, e que agora vm a pblico com aedio deste livro, pelo que representam como contribuio relevante para ocumprimento da tarefa e a superao do desafio que se muito tm de difcilmais ainda tm de inadivel.

    Gilberto GilMinistro de Estado da Cultura

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  • 11

    Abstract

    UNESCO presents a record of the participant experts' contribution to the Seminar onCultural Policies for Development - A Database for Culture. This event was jointly organisedwith IPEA in August 2002 with support from Banco do Brasils Cultural Centre, Sebrae, theJoaquim Nabuco Foundation and IBGE.

    Focusing on best practices selected in Brazil and abroad, the Seminar aimed not only torevive interest in the connection between culture and development but also to foster the emergenceof a common agenda for the creation of a Brazilian information system on culture.

    Issues examined include the reconstruction of policies for social inclusion in LatinAmerica, urban development and local cultural policies, the relationship between violence andculture, and concern with culture in development programmes. In addition, specific studiesrelating to the conception of databases and cultural statistics in Brazil were presented and elementsidentified for the design of a useful database. The final chapter provides critical comments and asystematic organisation of the aforementioned contributions, adding further conclusions.

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  • 13

    No a primeira vez que se discute polticas culturais no Brasil, nem mesmoas relaes entre cultura e desenvolvimento. Essas ltimas so pauta da UNESCO,desde pelo menos os anos 1980. Tambm no a primeira vez que se discute aimportncia das informaes sobre a cultura, e no so inditas as tentativasde levant-las. No entanto, tenho a ousadia ou o otimismo de acreditar queamadurecemos bastante e, sobretudo, que a nossa demanda por um sistema deinformaes sobre a cultura hoje de uma tal evidncia que teremos a capacidadede concepo e as adeses necessrias para constru-lo.

    A evoluo do pensamento da UNESCO sobre a cultura tem sido umabela construo no campo das idias que, ao longo do tempo, veio agregando com-plexidade ao entendimento do processo cultural e ampliando progressivamenteas nossas responsabilidades. Se voltarmos aos anos 1980, mais precisamente Conferncia Mundial do Mxico de 1982, vamos nos deparar com os conceitos decultura e de desenvolvimento sendo expressos com uma tal intimidade entre ambos,que um leitor menos atento poderia facilmente permutar um pelo outro, semprejuzo dos seus contedos. A Recomendao da Dcada Mundial do Desen-volvimento Cultural, que resultou da Conferncia do Mxico, conceitua:

    cultura como o conjunto de caractersticas espirituais e materiais, inte-lectuais e emocionais que definem um grupo social. (...) engloba modos de vida,os direitos fundamentais da pessoa, sistemas de valores, tradies e crenas; e

    desenvolvimento como um processo complexo, holstico e multidimensional,que vai alm do crescimento econmico e integra todas as energias da comunidade

    IntroduoJorge Werthein

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    (...) deve estar fundado no desejo de cada sociedade de expressar sua profundaidentidade...

    Energia criadora e desejo de expressar identidade... no seria esta uma bela definiopara cultura? Ou para desenvolvimento? Ou para os dois?

    Depois do Mxico, veio, em 1986, a Conferncia de Bruntland, que em seudocumento final, Nosso futuro comum, introduziu os conceitos de sustentabilidadee de biodiversidade, ambos transportados, trazendo avanos importantes, para ocampo da cultura. No h hoje programa ou projeto de reabilitao de stioshistricos que no adote a preservao sustentada como um princpio norteador,ainda que com variados graus de eficincia e conceitos de sustentabilidadefreqentemente parciais. Da mesma forma, a defesa da diversidade culturalpassa a ser tratada pela UNESCO como uma poltica imperativa frente s tendn-cias de homogeneizao trazidas pela globalizao.

    A dcada seguinte marcada pela criao da Comisso Mundial de Culturae pelo relatrio Javier Perez de Cuellar, Nossa diversidade criadora, publicado em1995. O relatrio acrescenta que o desenvolvimento no tem de ser apenassustentvel, mas cultural. Por ltimo, em 1998, a Conferncia de Estocolmo sobrePolticas Culturais para o Desenvolvimento fixa objetivos, como a adoo dapoltica cultural como chave da estratgia de desenvolvimento, a promoo dacriatividade, da participao na vida cultural e da diversidade cultural e lingstica.

    A UNESCO prossegue publicando bienalmente informes mundiais sobre acultura, em que se ressaltam novas tendncias, apontam-se eventos que afetama cultura, divulgam-se boas prticas em polticas culturais e publicam-se uma sriede indicadores quantitativos. Toda essa seqncia se d num crescendum que vaiimbricando cada vez mais, tornando cada vez mais indissocivel e, por fim,postulando at mesmo como determinante, o significado da cultura no processode desenvolvimento.

    Relembro esses conceitos porque eles nos colocam diante do primeirogrande desafio para a construo de um sistema de informaes sobre a cultura.Esse desafio resulta exatamente da riqueza do objeto com que pretendemos trabalhar:trata-se da definio do campo de trabalho, ou seja, desse que acabo de defendercomo sendo o vastssimo campo da cultura.

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  • 15

    Introduo

    Insisto, no entanto, que a busca dessa definio deve ser assumida comouma instigao permanente, mas, ao mesmo tempo, mobilizadora, e no como umadvida paralisante. Os pases e instituies que avanaram na construo dos seusbancos de dados sobre a cultura certamente conviveram e convivem com essainquietao, que deve implicar a busca da flexibilidade na formatao das infor-maes e da amplitude das correlaes que se possa estabelecer entre elas. Nada,no entanto, que nos impea de comear pelo que j sabemos, pelo que os maisexperientes tm para nos dizer e, principalmente, pela construo de critriosque sejam pactuados como referncias, para que no se perca tempo em polemizarsobre resultados, sem considerar as premissas das quais se originaram as anlises.

    Vencido esse obstculo inicial, qualquer que seja a dimenso do universoadotado, uma primeira chave de um sistema de informaes aquela que seja capazde demonstrar que a cultura tem significado econmico. E, por conseqncia,que esse significado deve ser medido.

    Mais uma vez, os mais cticos diro das dificuldades de se dimensionar aparticipao da atividade informal ou de atividades que, indiretamente, participamdo processo de produo de bens culturais.

    Insisto em comearmos por aquilo que as estruturas existentes de coleta dedados j so capazes de captar e que no pouco! No conhecemos, e porisso no aproveitamos, os resultados que podem vir de tudo que j est disponvelem matria de informao bruta, no sistematizada. Esses dados no tm sidotrabalhados ou tornados pblicos com regularidade a ponto, por exemplo, denos oferecer instrumentos para defender, de forma mais convincente, uma melhorparticipao da cultura no oramento pblico.

    A cultura hoje um dos setores de mais rpido crescimento nas economiasps-industriais. Conhecer o seu funcionamento, alm de ampliar o seu desem-penho como um fator de ingresso para a economia, nos permitir associar amelhoria de condies de vida como parte da mesma estratgia, favorecendoa criao endgena, melhor organizao do processo de produo e acesso aosbens culturais.

    Outro resultado importante que decorre de todo tipo de mensuraoconfivel e produzida com regularidade o de favorecer comparaes que

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    acabam por estimular uma competio saudvel entre setores, administraes outerritrios. A mdia repercute hoje uma infinidade de ndices, muitos deles aguar-dados ansiosamente a cada ano, e muitos j incorporados ao vocabulrio de grandeparcela da populao. Quando publicados, surgem inevitavelmente as comparaes:uns so chamados s falas por no estarem cumprindo o seu papel, outros saemenvaidecidos e premiados pela sua evoluo ou pelo seu bom desempenho.

    A vertente econmica, ainda que pouco trabalhada entre ns, me parece ser,como disse, a mais imediata. A segunda chave de um sistema de informaes sobrea cultura, mais complexa e no dedutvel da mensurao direta, mas de correlaesque iro desafiar nossos especialistas, surge, no entanto, como essencial para queno se perca de vista o real sentido da cultura.

    Falo do tratamento da cultura como capital social. Se esse um setor quetem como matrias-primas a inovao e a criatividade, ele tambm pea-chave daeconomia do conhecimento e pode significar um estmulo permanente para outrossetores. Alm disso, mobilizador por estimular o sentimento de pertencimento aum projeto coletivo, a participao, a promoo de atitudes que favoream a paz eo desenvolvimento sustentado, o respeito a direitos, enfim, a capacidade da pessoahumana e das comunidades de regerem o seu destino.

    A terceira chave insumo e fundamento para a compreenso das anteriores: preciso conhecer mais profundamente o processo de produo de bens culturais. preciso compreender as prticas culturais, identific-las, compreender a suarelao com os lugares, com a cidade, com o ambiente. preciso conhecer os atoresdo processo cultural, seja na condio de produtores, de consumidores ou degestores. importante compreender as regras que regem suas relaes, entresi e com a produo de cultura, sejam a legislao, as condies de formaoprofissional, suas organizaes, suas interdependncias.

    Tudo isso parece pretensioso? Grande demais? Pode ser se pretendermos quea produo dessas informaes seja atribuda a um nico agente, capaz de vasculharcada canto onde se produz cultura neste pas. No entanto, a soluo no vir dacriao de um grande organismo produtor de estatsticas culturais. Tambm novir de um novo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatsticas (IBGE) ou de umnovo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), agora dedicados cultura.Menos ainda de um novo Ministrio da Cultura, novas secretarias de cultura, ou

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    mesmo de uma nova UNESCO, que se transformariam em grandes rgos deestatsticas.

    Ao contrrio, o entendimento da UNESCO de que necessitamos, antes detudo, conceber e desenhar um sistema, compreendido como algo orgnico e arti-culado. Algo que, partindo de um cerne de conceitos comuns, de um quadro deprioridades e de uma estratgia convincente de adeso, passe, a partir da, a dissemi-nar tarefas de execuo descentralizada, mas convergentes para um todo comum.

    Alm daqueles cuja misso j a produo e o tratamento da informao,como o caso do IPEA e do IBGE, os demais atores desse sistema so o setor pblicoque gera recursos e formula e implementa polticas culturais; o setor privado, seja oempresarial, sejam as organizaes no-governamentais; a universidade; os produtoresde cultura. fundamental que quem produz cultura seja tambm seduzido pelacultura da informao. Essa deve estar disseminada entre todos, em cada instituio,em cada local de trabalho, em cada produtora, por pequena que seja. Naturalmenteque, ao sistematizar tudo isso, uns tero atribuies maiores, outros menores, masno h como pensar em conhecer o universo da cultura, com a abrangncia quepretendemos que ele tenha, se essa no for uma prtica difundida por todo o setor.

    E mais: h hoje uma grande subutilizao do acervo de informaes do IBGE,assim como so subutilizados os acervos recolhidos e em permanenteproduo por todo o sistema de cultura;

    h uma indiscutvel capacidade na universidade brasileira;

    h onde buscar inspirao e experincia, seja naquilo que j produzimos,seja nos exemplos dos pases que j avanaram neste tema;

    h o IPEA, cada vez mais envolvido em compreender e avaliar o processo social.

    Nesse contexto, a UNESCO se oferece com o melhor da sua vocao: criarsinergias, buscar convergncias, aportar cooperao em torno de boas idias e debons projetos e de grandes empreitadas como ser a disseminao da cultura dainformao entre os produtores de cultura e a criao de um sistema brasileiro deinformaes culturais.

    Introduo

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    Gostaria de propor alguns pontos de partida para repensarmos a atualcrise da Amrica Latina. Parece-me que essa valiosa iniciativa de elaborar modelosrenovados para construir indicadores culturais no pode ser estabelecida com osmesmos instrumentos conceituais que tnhamos at alguns anos atrs paravincular a cultura com o desenvolvimento social. A decadncia das utopias deintegrao latino-americana e os projetos de liberalizao do comrcio colocamnovas condies para o desenvolvimento sociocultural. De forma que se quisermosser eficazes para reunir estatsticas culturais e situ-las nas polticas de desen-volvimento nacional e continental teremos que considerar as novas articulaesentre economia e cultura.

    Ante a pergunta de como desenvolver e integrar a Amrica Latina, cada anoh mais respostas negativas: governantes que vendem o patrimnio, empresriosque retiram seus investimentos, e em muitos pases mais de 10% da populaocontesta a pergunta emigrando. Em lugar da retrica poltica que celebra ahistria comum, os estudos antropolgicos e de economia da cultura, os documentosliterrios e artsticos oferecem uma viso ambivalente sobre a viabilidade da AmricaLatina. Parece que grande parte dessa viabilidade se manifesta globalmente detrs modos: como produtores culturais, como migrantes e como devedores.

    As condies atuais exigem um novo diagnstico: trata-se de repensar ocontinente no horizonte da rea de Livre Comrcio das Amricas (ALCA)proposto pelos Estados Unidos para 2005 e da crescente presena europia,sobretudo da espanhola, na regio. Devemos pesquisar o que podem fazer ainda

    1. Reconstruir polticasde incluso na Amrica Latina

    Nstor Garca Canclini

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    LeoTexto digitadoAula 2 - cultura e patrimnio

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    os cidados e os organismos nacionais e internacionais para reconhecer a diver-sidade cultural e somar recursos, convertendo-as em uma economia de escala erecolocar o foco nas tarefas socioculturais.

    Falemos das dvidas

    Um relatrio do Sistema Econmico Latino-Americano (SELA) anunciou,em julho de 2001, que cada habitante latino-americano deve US$ 1.550 ao nascer(BOYE, 2001). Em tais declaraes parece que j no se trata se queremos ouno ser latino-americanos, trata-se de um trgico destino pr-natal. Mas tambmsabemos que essa cifra mdia da dvida significa para alguns habitantes o quepodero ganhar em uma semana ou em algumas horas, e para a maioria de indgenase camponeses seu salrio de cinco ou dez anos.

    Uma conseqncia dessas desigualdades que para alguns resulta emuma dramtica dvida inicial e para outros j est quitada desde que entram noberrio. No o mesmo enfrent-la em pases com recursos estratgicos abun-dantes, ou com planos de desenvolvimento sustentveis durante dcadas(Brasil, Chile, Mxico, talvez os trs melhores situados na globalizao), emque a instabilidade, governos errticos e corruptos alienaram quase tudo, comona Argentina. Como as dvidas nos perseguem de diversas formas, so distintasas possibilidades de evadi-las ou modific-las. Essas diferenas prevalecemsobre os padecimentos comuns. Por isso, estamos unificados, no unidos pelasdvidas.

    Mas, ao mesmo tempo, nessa condio de subordinao extrema devidoao endividamento, as polticas neoliberais impulsionadas desde Washington ealguns organismos transnacionais propem integrarmos a ALCA no ano de 2005.Jamais uma poltica de reestruturao econmica, nem a populista nem a desen-volvimentista, tinha conseguido impor-se de forma simultnea e com tal homo-geneidade no conjunto dos pases latino-americanos. Devido a essa coincidnciaalguns grupos sustentam que existem as condies para acordos de livre comrcioregionais e para uma nova forma de integrao, no s dos pases latino-ameri-canos, mas com as metrpoles mais dinmicas, particularmente com os EstadosUnidos. Nunca, como hoje, tivemos a possibilidade de sintonizar as experinciasda latino-americanidade em uma mesma freqncia.

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    Reconstruir polticas de incluso na Amrica Latina

    Que efeito teve esse modelo de modernizao e integrao nos vinte anosem que se levou aplicando-o? H que se avaliar tanto seus impactos na economiae na poltica quanto para o desenvolvimento sociocultural. As cifras revelam que, diferena do liberalismo clssico, que postulava a modernizao para todos, a propostaneoliberal nos conduz a uma modernizao seletiva: passa da integrao das sociedades aosubmetimento da populao s elites empresariais latino-americanas, e dessas aos bancos, investi-dores e credores transnacionais. Amplos setores perdem seus empregos e previdnciassociais bsicas, diminui a capacidade de ao pblica e o sentido dos projetosnacionais. Para o neoliberalismo, a excluso um componente da modernizaoencarregada ao mercado.

    O controle da inflao mediante as polticas de ajuste e o dinheiro obtidopelas privatizaes (das linhas areas, petrleo e minas, bancos e empresas estataisde outros ramos) conseguiram dar novo impulso s economias de alguns paseslatino-americanos, ou estabilizar outras, em princpios dos anos 1990. Foi umarecuperao frgil, quase sem efeitos nos aumentos do emprego, da segurana e dasade. Tampouco corrigiu desigualdades. Os desequilbrios histricos e estruturaisentre pases, e dentro de cada nao, agravaram-se.

    Toda a recuperao temporal, limitada a setores de alguns pases, serprecria enquanto no se renegocie a dvida externa e interna de modo que permitaum crescimento em conjunto. O fato que mais desequilibrou e empobreceu os pasesda Amrica Latina nos ltimos trinta anos foi o aumento sufocante da dvidaexterna. Eles deviam US$ 16 bilhes em 1970; US$ 257 bilhes em 1980 eUS$ 750 bilhes em 2000. Essa ltima cifra, segundo clculos da Comisso paraAmrica Latina e o Caribe (Cepal) e do SELA, equivale a 39% do ProdutoGeogrfico Bruto e a 201% das exportaes da regio. No h possibilidade dereduzir os mais de 200 milhes de pobres, explica o secretrio permanente doSELA, se no reunirmos o poder disperso dos devedores (BOYE, 2001).

    Por que atrasa a nossa modernizao? H algo a mais que a repetio dosintercmbios desiguais entre naes e imprios. Passamos de situarmo-nos no mundocomo um conjunto de naes com governos instveis, freqentes golpes militares,porm como entidade sociopoltica, a ser um mercado: um repertrio de matrias-primas com preos em decadncia, histrias comercializveis que se convertemem msicas folclricas e telenovelas, e um enorme pacote de clientes para asmanufaturas e as tecnologias do norte, porm com pouca capacidade de compra,

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    que paga as dvidas vendendo seu petrleo, seus bancos e suas linhas areas. Aodesfazermos do patrimnio e dos recursos para administr-lo, expandi-lo e comu-nic-lo, nossa autonomia nacional e regional se atrofia.

    No faltam, nessa etapa, projetos de integrao ou, pelo menos, liberalizaocomercial. Em 1980, a Argentina, a Bolvia, o Brasil, a Colmbia, o Equador,o Mxico, o Paraguai, o Peru, o Uruguai e a Venezuela assinaram o Tratado deMontevidu, por intermdio do qual nasceu a Associao Latino-Americana deLivre Comrcio (ALALC), com semelhante abulia e incapacidade de converter asdeclaraes em programas realizveis. Algo diferente emerge, em 1991, quando aArgentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai comeam a desenhar um mercadocomum (Mercosul) e procuram harmonizar seus sistemas produtivos, fazemreunies de reitores universitrios e vrios programas de intercmbio cultural;porm, as iniciativas mais audazes, inspiradas na unificao europia, como atingiruma moeda comum e tarifas zero entre os quatro pases, naufragam nas penriasinternas de cada um e nas transgresses incessantes dos acordos.

    O esgotamento das utopias regionalistas talvez seja o legado decisivodeixado Amrica Latina pela dvida externa e a sua agravada dependncia,segundo afirmam Alfredo Guerra-Borges e Mnica Hirts. O listado dessavoragem de acordos de livre comrcio, somatria de projetos fragmentados,dizem esses autores, coloca as economias nacionais numa abertura sem rumo,com regras contraditrias, crises recorrentes e sem instrumentos para enfren-t-las. Menos ainda para construir posies de mnima fora nas negociaesinternacionais. Se algumas elites tecnocrticas e empresariais insistem emacumular convnios, acordos e tratados para aliviar os riscos da competnciaglobal em pequenos setores.

    Tambm nos globalizamos como emigrantes

    No ltimo ano do sculo XX tantas pessoas deixaram o Uruguai comotantas outras nasceram no pas. Nos Estados Unidos, na Europa, ou em outrasnaes latino-americanas moram 15% de equatorianos, aproximadamente umadcima parte dos argentinos, colombianos, cubanos, mexicanos e salvadorenhos. AAmrica Latina no est completa na Amrica Latina. Sua imagem lhe chega dosespelhos espalhados no arquiplago das migraes.

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    Em vrias naes da Amrica Latina e o Caribe as remessas de dinheiroenviadas pelos migrantes representam mais do que 10% do Produto Interno Bruto(PIB). O Mxico recebeu, em 2001, segundo um estudo do Banco Interamericanode Desenvolvimento (BID), US$ 9,273 milhes de seus residentes nos EstadosUnidos, ou seja, quase o mesmo que ingressa por turismo e o dobro de suas expor-taes agrcolas. Os trabalhadores salvadorenhos no exterior enviaram a seu pas nomesmo ano US$ 1,972 milho, os dominicanos US$ 1,807 milho e os equatorianosUS$ 1,400 milho. Em conjunto, a Amrica Latina recebeu, em 2001, uma veze meia o que pagou como juros pela sua dvida externa nos ltimos cinco anos, emuito mais do que chega em emprstimos e doaes para o desenvolvimento.

    Se esses nmeros interessam para apreciar o grau em que os habitantes daAmrica Latina dependem do que acontece fora da regio, muito do que ocorrenesses processos extraterritoriais no medvel em cifras. Assim como o incrementode investimentos externos revela apenas uma parte do estado da economia, aintensificao das migraes est modificando de muitas formas a localizao dolatino-americano no mundo. s novas aberturas de fronteiras somam-se novasformas de discriminao, as melhores condies de sobrevivncia local nospases centrais e nos perifricos devem ser vistas ao lado do exlio e a destruioou reorganizao do sentido histrico.

    Horizontes do latino-americano

    Tambm se redimensiona o horizonte do latino-americano pela exportaode nossas msicas e telenovelas e a migrao de nossos produtos culturais. O quesignifica que a condio de ser latino-americano no se encontra apenas obser-vando o que acontece dentro do territrio historicamente delimitado como aAmrica Latina. A resposta a questes como essa, sobre os modos de ser latino-americanos, vem tambm de fora da regio, como as remessas de dinheiro dosemigrantes.

    A msica tem se ocupado da multiplicidade dessa localizao dos lugaresdesde os quais se fala. E um processo longo, iniciado pelo menos desde que o rdioe o cinema fizeram com que Carlos Gardel fosse apropriado pela Colmbia,Mxico e Venezuela; Agustn Lara, pela Argentina, Chile e mais dez pases; os sonsvera-cruzanos e as salsas porto-riquenhas em todas as naes do Caribe e outras

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    mais alm. Os roqueiros e os msicos tecnos de diferentes pases compem discosjuntos e as empresas discogrficas transnacionais os fazem circular por todas aspartes.

    De onde so os cantores?, segue perguntando a cano cubana. Essadifuso que transcende o local da cultura, e o conseguinte desmantelamentodos territrios, acentua-se agora, no apenas devido s viagens, aos exlios e smigraes econmicas. Tambm pelo modo em que a reorganizao de mercadosmusicais, televisivos e cinematogrficos reestrutura os estilos de vida e desagregao imaginrio compartido.

    Msicos brasileiros gravaram discos em espanhol, ou misturam nas canes,portugus, espanhol e ingls. Argentinos convidam a seus espetculos e CDscantores brasileiros, mexicanos e colombianos. Roqueiros do Mxico concebemsuas melodias e letras para que tambm se sintam expressados os seus compatriotasresidentes nos Estados Unidos.

    No se misturam apenas os pases da Amrica Latina. O horizonte doslatino-americanos amplia-se a setores da Europa e dos Estados Unidos. As peri-pcias do mercado fazem com que romancistas argentinos, chilenos, peruanos,colombianos e mexicanos publiquem em editoras de Madri ou Barcelona.Porm, a maior parte dos discos de msica rancheira produzida em Los Angelesporque o desenvolvimento tecnolgico da Califrnia reduz custos e tambmporque nessa cidade estadunidense h quatro milhes de hispano falantes, emsua maioria mexicanos. Ao identificar a cidade onde geram-se mais discos,vdeos e programas televisivos que circulam em espanhol, um especialistaem transnacionalizao da cultura afirma que Miami a capital da AmricaLatina (YDICE, 1999).

    Quem administra hoje, no meio dessa variedade de cenas, as representaesdo latino-americano? Essa heterogeneidade de experincias do latino-americanomanifesta-se hoje na relocalizao dos relatos artsticos e intelectuais dentro doespectro das comunicaes dos meios. Esgotados os modelos de gesto nacionale autnoma, a globalizao tem trazido novos administradores das imagens dolatino-americano. Encontro quatro foras-chave na cultura que manifestam aredistribuio atual do poder acadmico e de comunicao, ou seja, a capacidadede interpretar e convencer:

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    a) os grupos editoriais espanhis, ultimamente subordinados s megaempre-sas europias (Berstelmann, Planeta) e a grupos da comunicao (Prisa,telefnica e televiso espanhola);

    b) algumas empresas de comunicaes estadunidenses (CNN. MTV, TimeWarner);

    c) os latinoamerican studies, concentrados nas universidades estadunidenses ecom pequenos encravamentos no Canad e na Europa;

    d) os estudos latino-americanos, entendidos no sentido amplo como o conjuntoheterogneo de especialistas em processos culturais, pertencentes a con-textos acadmicos, literrios e cientfico-sociais, que desenvolvem umintercmbio intenso, porm menos institucionalizado que o dos latino-americanistas estadunidenses.

    Poderia existir um quinto ator: os governos latino-americanos e suas polticassocioculturais. Porm, no fcil justificar seu lugar entre as foras predominantesdevido a sua pouca participao no que diz respeito s tendncias estratgicasdo desenvolvimento.

    Em relao produo intelectual e aos modelos de desenvolvimento ainda baixa a incidncia das empresas audiovisuais. Uma anlise mais extensa poderiaconsiderar como esto reconfigurando as imagens da Amrica Latina, o jornalismoda CNN, os entretenimentos distribudos pela Time Warner, pela Televisa, adifuso discogrfica das grandes empresas e outros atores da comunicao que cadavez mais articulam seus investimentos em meios escritos, audiovisuais e digitais.Aqui farei aluso, sobretudo, recomposio do poder acadmico e editorial.

    Os editores espanhis, que produzem sete livros no mesmo tempo em queMxico, Buenos Aires e o restante da Amrica Latina produzem trs, vm a estecontinente como criadores de literatura e como ampliadores das clientelas do seupas. Seu poder econmico e de distribuio tem dado transcendncia internacionalno apenas aos autores do boom (Cortzar, Fuentes, Garca Mrquez, VargasLlosa) e a outros menos canonizados (Arreola, Onetti, Piglia, Ribeyro); tambmpromove escritoras (Isabel Allende, Laura Esquivel, Marcela Serrano) e os autoresjovens que em poucos anos esto conseguindo ser difundidos em muitos pases

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    e impulsionados para sua traduo: Eliseo Alberto, Sylvia Iparraguirre, LuisSeplveda, Juan Villoro e Jorge Volpi, entre outros.

    O fortalecimento desse espao comum ibero-americano se realiza de formaassimtrica. Da produo editorial espanhola, 70% so exportados para a AmricaLatina, enquanto que apenas 3% do que se publica no territrio latino-americanochega Espanha. O desequilbrio maior no ocorre na narrativa, seno pelaquase ausente publicao de estudos culturais, sociolgicos ou antropolgicos delatino-americanos nas editoras espanholas hegemnicas. Quando o fazem, asfiliais dessas empresas na Argentina, Chile, Colmbia ou Mxico limitam acirculao dos livros ao pas de origem. Salvo poucas, as editoras com sede emBarcelona, Mxico e Buenos Aires, como o Fondo de Cultura Econmica, Paidse Gedisa, as demais constroem a imagem internacional da Amrica Latina comoprovedora de fices narrativas, no de pensamento social e cultural, ao qual s atribudo interesse domstico para o pas que o gera.

    Para uma anlise mais cuidadosa, a Amrica Latina tem poucos observatriosgeneralizados em nossas lnguas. Essas so algumas das condies institucionais, decomunicao e de mercado nas quais ao comear o sculo XXI se reconfigura olatino-americano: estamos entre as promessas do cosmopolitismo global e a perda dos projetosnacionais.

    Indstrias culturais: entre Estados Unidos e Europa

    a) A expanso econmica e da mdia propiciada pelas indstrias culturais no beneficiaeqitativamente a todos os pases, nem regies.

    No intercmbio mundial de bens culturais, a Amrica Latina fica apenascom 5% dos ganhos. interessante correlacionar a distribuio econmicados benefcios da comunicao com a distribuio geolingstica: o espanhol a terceira lngua mundial pelo nmero de falantes, em torno de 400 milhesse includos os 35 milhes de hispano falantes nos Estados Unidos .Nas ltimas dcadas aumentou o nvel educativo mdio e o consumo porintermdio dos meios macios e interativos de comunicao. Por que noconseguimos nos converter numa economia cultural de escala, com maiorcapacidade exportadora?

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    H que se destacar que a assimetria na globalizao das indstrias culturaisno gera s desigualdade na distribuio de benefcios econmicos. Tambmagrava os desequilbrios histricos nos intercmbios da comunicao, no acesso informao e aos entretenimentos e na participao da esfera pblica nacionale internacional. Pode-se dizer que a falta de emprego o principal estopimdas emigraes; a decadncia do desenvolvimento educativo e cultural tambmconstitui um fator de expulso.

    A difuso de alguns livros, msicas e telenovelas em circuitos macios dascidades grandes e medianas coexiste em todos os pases latino-americanos com ofechamento de livrarias e teatros, o desmantelamento de bibliotecas e odesmoronamento de salrios em todo o setor pblico. O fervor que s vezes geramos espetculos ao ar livre nas capitais, exposies s quais as tcnicas de mercadohabilitam pblicos momentneos no podem nos fazer esquecer da emergnciacultural e educativa em que mergulhou a maioria das instituies estatais devidoao ajuste financeiro neoliberal.

    A carncia de disposies de compreenso artstica e intelectual, cujaformao requer dcadas, assim como a perda de instrumentos conceituais peladesero escolar e a escassez de estmulos culturais complexos e duradouros, nose resolvem instalando computadores em algumas milhares de escolas e predi-cando efeitos mgicos de internet para o restante. Rajadas de globalizao nopodem compensar polticas tecnocraticamente elitistas e, por isso, finalmente,discriminatrias.

    b) O predomnio estadunidense nos mercados da comunicao reduziu o papel demetrpoles culturais que a Espanha e Portugal tiveram desde o sculo XVII e a Franadesde o XIX at princpios do sculo XX na Amrica Latina, embora o deslocamento doeixo econmico e cultural dos Estados Unidos no seja uniforme em todos os campos.Dito em forma direta: em tempos de globalizao no h apenas americanizao domundo.

    Questionemos um local comum de muitas anlises da globalizao: nose trata s de uma intensificao de dependncias recprocas (BECK) entretodos os pases e todas as regies do planeta. Por razes de afinidade geogrfica ehistrica, ou de acesso diferencial aos recursos econmicos e tecnolgicos, o quechamamos globalizao muitas vezes se concretiza como agrupamento regional

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    ou entre pases historicamente conectados: asiticos, latino-americanos comeuropeus ou estadunidenses, estadunidenses com aqueles grupos que em outrospases falam ingls e dividem seu estilo de vida. As afinidades e divergnciasculturais so importantes para que a globalizao abranja ou no todo o planeta,para que seja circular ou simplesmente tangencial.

    Tambm observamos que algumas reas das indstrias e do consumo somais propcias que outras para a globalizao. A indstria editorial acumula forase intercmbios por regies lingsticas, enquanto o cinema e a televiso, a msica ea informtica fazem circular seus produtos mundialmente com mais facilidade.As megalpoles e algumas cidades de mdio porte (Miami, Berlim, Barcelona),sedes de atividades altamente globalizadas e de movimentos migratrios e turs-ticos intensos, se associam melhor a redes mundiais, mas ainda existe nelasuma dualizao que deixa marginalizados amplos setores.

    Quanto chamada americanizao de todo o planeta, inegvel queum setor vasto da produo, distribuio e exibio audiovisual seja propriedadede corporaes dos Estados Unidos ou se dedica a difundir seus produtos:filmes de Hollywood e programas televisivos estadunidenses so distribudos porempresas desse pas em cadeia de cinemas e circuitos televisivos, em que o capitalpredominante norte-americano ou associado a empresas japonesas ou alems quefavorecem o cinema de lngua inglesa. H que se prestar ateno na energticainfluncia que exerce os Estados Unidos na Organizao das Naes Unidas(ONU), na Organizao dos Estados Americanos (OEA), no Banco Mundial,no Fundo Monetrio Internacional (FMI) e em organismos de comunicaotransnacional, o qual repercute s vezes em benefcios para as empresas estadu-nidenses. A cabala (lobbysmo) das empresas e do governo estadunidenses veminfluindo para que nos pases europeus e latino-americanos se paralisem iniciativaslegais e econmicas (leis de proteo ao cinema e ao audiovisual) destinadas aimpulsionar sua produo cultural endgena. No podemos esquecer o lugarprotagnico de Nova York nas artes plsticas, Miami na msica e Los Angelesno cinema. Mas seria simplista sustentar que a cultura do mundo se fabrica desdeos Estados Unidos, ou que este pas monopolize o poder de orientar e legitimartudo o que se faz em todos os continentes.

    A globalizao cultural no um ramo da engenharia gentica, cuja finalidadeseria reproduzir em todos os pases clones do american way of life.

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    Ainda no tempo aberto nesta ltima guerra, quando se subordina a polticamundial a estratgias blicas e essas operam com sentido imperial, a lgica dosmercados culturais continua mais diversificada. Ela desenvolve-se nas redes multicen-trais, que foi instaurando a globalizao da mdia. A diversidade cultural vastademais e com ciclos longos, arraiga-se nos hbitos cotidianos, inclusive de gentesem territrio, como para que a dissolvam em poucos anos com reaes xenofo-bistas e a prepotncia de muitos msseis.

    As crises vividas em 2001-2002 na Argentina, na Colmbia, no Peru e naVenezuela reduzem nos pases latino-americanos o peso da agenda nacionalestadunidense, imposta globalmente a partir de 11 de setembro. Hoje, ocupam ocentro dos debates a decomposio social produzida pela distribuio regressivados investimentos, o agravamento da dependncia externa pelas privatizaes, acorrupo e perda de credibilidade do sistema poltico, a necessidade de reformaro Estado e fortalecer a participao cidad. Essa agenda no conduz, em pases queacabaram de se livrar de ditaduras militares, a fantasias militaristas, mas a umatentativa de recomposio do tecido social e cultural. Os latino-americanos nopodem desconhecer que nos meses posteriores a 11 de setembro morreu mais gentena guerra colombiana, ou pela fome em vrios pases centro-americanos, que porantraz nos Estados Unidos.

    Outro processo que limita e situa a hegemonia estadunidense na AmricaLatina a apropriao por parte de empresas espanholas, francesas e italianasde redes de telecomunicaes, bancos, editoras e canais de televiso em nossospases. Os capitais europeus esto modificando os signos de nossa dependncia.No Brasil, os espanhis ocuparam, em 1999, o segundo lugar dos investimentosestrangeiros, com 28%; na Argentina, passaram ao primeiro posto, deslocandoos Estados Unidos, no mesmo ano. Esse avano europeu uma das razes pelasquais o governo estadunidense acelera as gestes para a Alca.

    Entretanto, o controle das corporaes estadunidenses sobre amplos setoresda comunicao macia no implica a obedincia automtica das audincias. Osestudos sobre consumo musical revelam que em quase todos os pases latino-americanos no predomina a msica em ingls, nem o que se chama msicainternacional, como unificao do anglo-americano e do europeu. S naVenezuela a msica internacional atinge 63% do pblico. No Peru prevalece achicha; na Colmbia, o vallenato; em Porto Rico, a salsa. No Brasil, 65%

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    LeoNotaMarked definida por Leo

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    do que se ouve provm do conjunto de msicas nacionais, enquanto na Argentina,Chile e Mxico a combinao de repertrios domsticos com espanhol supera ametade das preferncias. Segundo explica George Ydice, o sistema de comer-cializao e consumo no pode ser explicado em termos de homogeneizao,tampouco de localizao. A consolidao do sistema se consegue articulandoambos aspectos (YDICE, 1999, p. 233).

    Reconstruir um latino-americanismo crtico

    Duas tentaes. A mais publicizada a daqueles que admiram as facilidadescom que hoje nos comunicamos entre pases distantes, fazem negcios multina-cionais e desfrutam a ampliao da oferta de centros comerciais, supermercados eteleviso a cabo. Registram que as viagens ao estrangeiro j no so privilgiosde artistas e escritores da elite, pois alcanam empresrios, turistas, polticos e attrabalhadores comuns se o emprego escasso na sua terra ou querem melhorar seuslucros em outra. O cosmopolitismo que artistas plsticos e escritores identificavamh meio sculo como o ingresso dos latino-americanos contemporaneidade hoje dividido por quem se conecta internet ou compra na loja: a globalizaodomiciliar.

    O risco oposto o de quem sofre a perda de emprego ou a instabilidade domesmo pela competncia globalizada que exige reduzir custos em todas as partes,em primeiro lugar o custo do trabalho. Os que no podem consumir a diversidadeoferecida nas vitrines da mundializao protestam cortando estradas e paralisandofbricas, uns poucos se organizando em cada cume de gerentes e governantes paraatacar seus smbolos. Destroem McDonalds, ironizam as grandes marcas e,ainda usando recursos tecnolgicos interculturais, como telefones celulares e redesinformticas, rejeitam, sob a etiqueta da globalizao, a ordem injusta.

    Ambas posies costumam enunciar crticas globalizao como se setratasse de um ator social, capaz de produzir comunicaes ou pobreza genera-lizadas. A rigor, a globalizao no um sujeito, se no um processo no qual semobilizam atores que podem orient-lo em diferentes direes. Nem sequer oneoliberalismo, que imprime o sentido predominante reordenao do mundo, um ator. Podemos dar esse nome a uma ideologia econmica, inclusive a umtipo de organizao dos mercados, ainda que os atores responsveis tenham outras

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    denominaes: as de alguns governos metropolitanos e, sobretudo, um conjuntode marcas: Sony, America On Line, MTV, Nike, Benetton.

    Como a globalizao, a Amrica Latina tampouco um ator. um territrioocupado por nativos: emigrantes de todos os continentes; europeus que comearama vir h cinco sculos, e ainda chegam com indstrias culturais e investimentosespeculativos que conseguem os benefcios de nossas comunicaes com o mundo;estadunidenses que continuam sua apropriao centenria de riquezas de nossosubsolo, pedaos de territrio e, ultimamente, as radiofreqncias, estimadas poreles mesmos como a propriedade mais valiosa no sculo XXI (RIFKIN).

    Se essa composio histrica to heterognea faz to difcil entender o que a Amrica Latina e quem so os latino-americanos, torna-se mais complicadoainda identific-los, especialmente nos ltimos anos ao instalar-se na AmricaLatina empresas coreanas e japonesas, mfias russas e asiticas, quando nossoscamponeses e operrios, engenheiros e mdicos, formam comunidades latino-americanas em todos os continentes, at na Austrlia. Como delimitar o queentendemos por nossa cultura se grande parte da msica argentina, brasileira,colombiana, cubana e mexicana se edita em Los Angeles, Miami e Madri, e soouvidas nessas cidades quase tanto quanto nos pases onde surgiu?

    Entretanto, continua havendo governantes latino-americanos que se renemperiodicamente com a justificativa de que representam as naes existentes. Hmovimentos indgenas que se renem em federaes como latino-americanos, comocinegrafistas, que se agrupam com o mesmo rtulo, associaes de universidades eredes informticas que reivindicam esse nome. Para que serve tudo isso? Vejamosuma breve agenda de tarefas que poderiam contribuir para que a Amrica Latina sereconstitua como regio, fazendo-se mais criativa e competente nos intercmbiosglobais.

    a) Identificar as reas estratgicas de nosso desenvolvimento. impensvel fortalecero que ainda existe de cultura e sociedade nacionais, com perfis histricosdistintivos (no essncias ou identidades metafsicas), sem empreenderprojetos como regio que a permita crescer e relocalizar-se no mundo.Essa perspectiva significa colocar no centro as pessoas e as sociedades,no os investimentos, nem outros indicadores financeiros ou macro-econmicos, que articulam, de forma difusa, a Amrica Latina com o

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    mundo. A pergunta-chave no com que ajustes econmicos internos vamospagar melhor as dvidas, mas que produtos materiais e simblicos prprios(e importados) podem melhorar as condies de vida das populaes lati-no-americanas e potencializar nossa comunicao com os demais.

    Por certo, importa consolidar o patrimnio histrico tangvel (monumentos,stios arqueolgicos, bosques, artesanatos) e intangvel (lnguas, tradies econhecimentos socialmente benficos). O argumento de pginas anteriores sugeretambm quanto podemos esperar de nossas msicas, discos e vdeos, das telenovelase dos programas informativos para que se intensifique o conhecimento recprocoe nos situem em forma mais produtiva no mundo, o que podemos obter do usoturstico de nossas riquezas, administrando esses recursos democraticamenteem funo de necessidades locais. Uma tarefa-chave neste campo reavaliaras incompatibilidades clssicas entre patrimnio e comrcio, procurando umcaminho que transcenda a mera defesa do valor simblico dos bens culturais elimite a sua comercializao.

    medida que a produo de contedos ganha espao nas indstriasculturais advertimos que os nicos recursos para crescer no so os dos quecontrolam o hardware. As culturas latinas proporcionam novos repertrios eoutros estilos narrativos (melodramas, telenovelas, msicas tnicas e cinemaurbano) que esto diversificando as ofertas da cultura macia internacionalizada.A capacidade de alguns pases europeus para gerar cinema e televiso, potencializadapor programas de co-produo endgena e leis que a protegem, evidencia olugar que existe nos mercados globalizados para culturas no realizadas emingls e no habituadas a reduzir toda a simbolizao a megaespetculos.O crescente interesse demonstrado por Hollywood, MTV, Sony e outrasempresas por tudo quanto se tem realizado na histria e atualmente se produzna Amrica Latina leva a imaginar o que poderamos fazer com uma gestomais autnoma.

    Necessitamos de ministrios de cultura que promovam esse capital culturale saibam promov-lo entre as populaes hispano falantes dos Estados Unidos eda Europa, cada vez com maior capacidade de consumo. Em um estudo de 2001,o Conselho Nacional de Populao do Mxico adverte que de pouco mais de setemilhes de mexicanos maiores de quinze anos radicados nos Estados Unidos,255 mil contam com licenciatura e ps-graduao. Tanto as autoridades quanto o

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    jornalismo (La Jornada, 03 de setembro de 2001) interpretam esses dados, comrazo, como fuga de talentos, investimento educativo que perde o Estado mexi-cano. Tambm poderamos pensar nesses emigrantes como aliados polticose audincias qualificadas para a produo cultural em espanhol, segundo odemonstram 1.600 publicaes estadunidenses em nossa lngua que geramlucros de US$ 492 milhes por ano (IBEZ, 2001, p. 29).

    b) Desenvolver polticas socioculturais que promovam o avano tecnolgico e a expressomulticultural de nossas sociedades, centradas no crescimento da participao democrticados cidados. Necessitamos passar do perodo de acordos aparentementedestinados apenas ao livre comrcio (TLC, Mercosul), que de maneirasub-reptcia provocam modificaes em relaes trabalhistas, culturais eeducativas, sem que ningum as preveja nem regule, a uma etapa em que acooperao internacional trabalhe com o que possa homogeneizar-se, comas diferenas que persistiro e com os crescentes conflitos interculturais.Enquanto sigamos fazendo de conta que s importa baixar os custos alfan-degrios e dar facilidades s mercadorias e investimentos, s se coordenaro osjuros empresariais e financeiros. Logo, em alguns anos dessa integraoeconmica sem poltica, que empobrece e irrita as maiorias, sabemos que acoordenao que se segue a de dispositivos repressores, a integraotransnacional de polcias e militares.

    A contraparte decisiva dessas alianas de minorias mesquinhas e autoritrias a solidariedade dos cidados. Integrar a Amrica Latina ser uma utopia,assim, entre aspas irnicas ou cnicas, enquanto no se articulem os trabalhadoresindgenas, consumidores, cientistas, artistas e produtores culturais; enquanto noincluirmos na agenda formas de cidadania latino-americana que reconheamos direitos de todos os que produzem dignamente dentro ou alm de seus ter-ritrios de nascimento.

    Talvez, essa ltima questo seja a ausncia-chave na Alca. compreen-svel que ao governo e aos empresrios estadunidenses s lhes preocupedesafogar comercialmente sua economia recessiva, inibir a competncia dos inves-timentos europeus na Amrica Latina e facilitar intervenes militares em pasesonde colapsou o Estado (Colmbia), ou est cambaleante pela desintegrao doregime partidrio (Argentina, Peru, Venezuela), as rebelies urbanas e camponesasou a infiltrao do narcotrfico no tecido poltico, militar e judicial (quase todos

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    os demais). De passagem, entrar sem restries e comprar os servios providen-ciais, educativos e de sade. E tambm impor seus direitos de patentes farma-cuticas e tecnolgicas, como tem registrado analistas dos documentospreparatrios da ALCA (KATZ, 2001).

    Podemos entender que empresrios latino-americanos resignados a salvarseu negcio como gerentes de transnacionais aceitem essas condies. Torna-semais difcil crer nos polticos que fazem propaganda da ALCA como recursopara aperfeioar nossa competncia exportadora quando os Estados Unidosse negam a descer suas barreiras alfandegrias com relao ao Brasil, Mxico ea Unio Europia, quando sabota a nica integrao latino-americana que nose limita ao livre comrcio (Mercosul) e acentua a perseguio a migrantesestrangeiros.

    Uma integrao pensada desde os cidados deveria prever transferncias defundos com os quais os pases mais desenvolvidos poderiam ajudar a reconversode outros (como na Unio Europia). Colocaria em primeiro plano a proteo dostrabalhadores e no a competitividade das empresas, o melhoramento da qualidadede vida e no a mobilidade dos capitais. E, naturalmente, a gesto autnoma dopatrimnio cultural, social e material de cada sociedade. Em suma, procurariadesenvolver polticas de incluso generalizada, no de benefcios seletivos para elites.

    Falou-se que os anos 1980 foram uma dcada perdida da Amrica Latinapelo crescimento zero da regio. Como chamar a dcada de 1990? Foi, entreoutras coisas, a dcada da impunidade: do avano de empresas transnacionais, quese apoderaram do patrimnio latino-americano e de muitos governantes corruptosque privatizaram at o que dava lucros com o pretexto de que algumas empresasestatais no eram rentveis. Esvaziaram os suportes econmicos e destruram ascondies de trabalho local que fazem crvel a existncia das naes. Fujimori,Menem e Salinas encabeam uma vasta lista de nomes que forjaram a descrenacidad pela poltica. Para usar uma das palavras favoritas dos organismos inter-nacionais, deixaram sem sustentabilidade os projetos nacionais e os regionais,como o Mercosul e o Pacto Andino.

    No quero incorrer em prognsticos apressados sobre o que ser estaprimeira dcada do novo sculo. Desconhecemos aonde nos levaro os protestos eos conflitos, que j esto custando mortos demais como para adjudicar-lhes

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    Reconstruir polticas de incluso na Amrica Latina

    voluntariamente poderes de transformao, apenas eficazes se fossem acompanhadospor programas alternativos, econmicos, e sociopolticos, que no temos.

    Uma novidade que irrompe nestes primeiros meses do sculo XXI quese reabrem perguntas, por exemplo, sobre a viabilidade de um capitalismo queacreditou possvel seguir fazendo lucros rpidos aliando as operaes financeirascom o narcotrfico, a indstria de armas e a corrupo dos polticos. Voltam aaparecer na Amrica Latina, Europa e Estados Unidos perguntas sobre o lugar daprodutividade no crescimento econmico, do trabalho na produtividade nacional edos estados nacionais na globalizao da economia, as tecnologias e a cultura.Um dos acontecimentos culturais mais transcendentes neste momento que j novivemos na dcada da impunidade dos negcios sujos e do pensamento nico queos autorizava. Ainda que essa afirmao tenha algo de utopia, a aprovao recenteda Corte Penal Internacional, com o apoio de 66 pases, nos aproxima necessriaglobalizao da Justia.

    Se possvel reverter a decadncia econmica e social das naes latino-americanas, ser necessrio comear por transcender as formas predominantesde globalizar-nos como migrantes e devedores, e impulsionar um novo lugar nomundo como produtores culturais. No se trata de acreditar que vamos nos salvarpela cultura. Mas, talvez, nos ocupando de questes culturais, consigamos demonstrarque nem tudo depende das dvidas. Contra as Alianas Militares e Polticas quenesses tempos guerreiros se inflamam de maisculas, e tambm para diferenciarmosde tantas palavras que se gastaram na solenidade de pocas passadas, o nacional eo latino-americano podem crescer sempre que se nutrem de intercmbios solidriose abertos, renovados e renovveis. Intercalar este nome latino-americano nodilogo global, encontrando a medida com que possamos escrev-lo a condiopara que nossa identidade no seja lida entre aspas.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BECK, Beck. Qu es la globalizacin? Falacias del globalismo, respuestas a la globalizacin.Barcelona: Paids, 1998.

    BOYE, Otto. Los acuerdos regionales para la deuda externa en Amrica Latina y elCaribe, palestra do Secretrio Permanente do SELA, na Cpula sobre a DvidaSocial, organizada pelo Parlamento Latinoamericano e realizada em Caracas,Venezuela, entre 10 e 13 de julho de 2001. Disponvel em: http://lanic.utexas.edu/~sela/AA2K1/ESP/ponen/ponen20.htm

    GUERRA-BORGES, Alfredo. Integracin latinoamericana: das pocas, dos estilos.Una reflexin comparativa. In: Iberoamericana. Amrica Latina Espaa-Portugal, Nuevapoca, volumen I, 2001. p. 61-79.

    HIRST, Mnica. Condicionamiento y motivaciones del proceso de integracin yfragmentacin en Amrica Latina. In: Integracin Latinoamericana. Buenos Aires:Instituto para la Integracin de Amrica Latina, 1992. p.19-31.

    KATZ, Claudio. El abismo entre las ilusiones y los efectos del ALCA. In: NuevaSociedad, Venezuela, julio-agosto, 2001.

    UNESCO. World Culture Report, Cultural diversity, conflict and pluralism. Paris: 2000a.

    YDICE, George. La industria de la msica en la integracin Amrica Latina-Estados Unidos. In: CANCLINI, Nstor Garca y MONETA, Juan Carlos(coords.). Las industrias culturales en la integracin latinoamericana. Buenos Aires: Eudeba;Mexico, Grijalbo/ SELA/ UNESCO, 1999.

    As relaes EEUU-Amrica Latina ante a integrao Latinoamericana e o Ibero-americanismo, Conferncia preparada para o Seminrio Agendas Intelectuais eLocalidades do Saber: Um Dilogo Hemisfrico organizado pelo Social ScienceResearch Council (Estados Unidos) e Centro Cultural Casa Lamm, Mxico D.F.,5 e 6 de outubro de 2001.

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    2. A experincia do artesanato solidrio

    Helena Sampaio

    Todos sabemos da extrema complexidade do termo cultura e da dificuldadeem defini-lo. Cultura , antes de tudo, um processo: cultura de vegetais, criao,reproduo de animais e, por extenso, cultivo ativo da mente humana. Culturaremete, portanto, continuidade e tambm mudana, transformao.

    No final do sculo XVIII, vindo do alemo e do ingls, o termo cultura referia-se configurao ou generalizao do esprito, quilo que informava o modo devida de determinado grupo social. Ainda naquele sculo, pela primeira vez o termocultura fra usado no plural, como culturas. Isso viria a ser fundamental para odesenvolvimento, no sculo XIX, da antropologia comparativa, para a qual culturacontinuou designando o modo de vida global e caracterstico de um povo, o que nospermite, atualmente, reconhecer e defender cultura enquanto diversidade cultural.

    Essa breve introduo tem o intuito de registrar que cultura, nos ltimos trssculos, vem reunindo e acumulando formas e sentidos diversos. Para ilustrar,destacarei, de forma bastante esquemtica, trs sentidos.

    O primeiro corresponderia a uma posio idealista, aquele em que a nfaseda cultura est no esprito formador de um modo de vida, presente em todas asatividades sociais, mas evidenciado nas atividades especificamente culturais. So asexpresses artsticas, a linguagem, alguns tipos de trabalho intelectual.

    Um outro sentido, representando a posio materialista, aquele em que anfase recai na idia de cultura como ordem social global, no mbito da qual, uma

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    LeoTexto digitadoaula 2 - cultura e patrimnioleitura complementar

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    cultura especfica, seja ela material ou simblica, considerada seu produto diretoou indireto.

    Por fim, no sculo XIX, o termo cultura mostraria mais uma forma deconvergncia. Ao mesmo tempo em que apresentava alguns elementos comuns aoentendimento de cultura como produto de uma ordem social global, o termocultura distanciava-se desse entendimento, ao insistir que, tanto a prtica culturalcomo a produo cultural, seus componentes mais conhecidos, no procedemapenas de uma ordem social constituda, mas so igualmente elementos dessamesma constituio. Nessa acepo, cultura se aproximaria daquela posio idealistado sculo XVIII, da idia do esprito formador.

    No sculo XX, cultura passaria a ser tratada como sistema ou sistemas designificao, mediante o qual, ou os quais, uma dada ordem social comunicada,vivida, reproduzida, transformada e estudada.

    essa a concepo de cultura que est na base do que entendemos hoje,ou seja, aquilo que os homens criam, atribuem sentido, transformam e podemcompreender. Aquilo que, ao mesmo tempo, faz com que os homens se transformeme possam ser apresentados, conhecidos e compreendidos por outros homens. Da asua importncia estratgica no mundo contemporneo.

    Sabemos que essas diferentes nfases que permearam, pelo menos nosltimos trs sculos, a noo de cultura reaparecem quando reconhecemos o papeldestacado da cultura no fortalecimento da coeso social, na gerao de renda, noaumento do capital social e humano das naes, tudo isso contribuindo para ocrescimento pessoal, para a aquisio de habilidades e para a afirmao da imagemdos pases.

    Cultura feita de teias de significao que nos permitem a construo doentendimento. E esse entendimento, no sentido mais habermasiano, para a inclusosocial, para a superao da pobreza, para a defesa do meio ambiente e as condiespara a paz.

    Essas diferentes dimenses e funes da cultura, quando justapostas, tmpor objetivos estratgicos tanto reconhecer a complexidade do termo como o deressaltar a sua importncia funcional para o desenvolvimento social e pessoal.

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    A experincia do artesanato solidrio

    Como a cultura pode desempenhar tantos papis? No o caso de dis-correr sobre poltica cultural? Se o termo cultura j encerra tanta complexidade,o que dizer da combinao poltica cultural?

    Passo a descrever uma ao social muito especfica e embasada na valoriza-o da cultura e das identidades culturais. Trata-se do Programa ArtesanatoSolidrio, concebido no Conselho do Programa Comunidade Solidria e quecontou, no seu incio, com a parceria financeira da Superintendncia deDesenvolvimento do Nordeste (Sudene).

    Surgiu como um projeto com o objetivo de minorar os efeitos da seca emcomunidades pobres nas regies nordeste e norte de Minas Gerais, por meio dodesenvolvimento de projetos locais de incentivo gerao de renda. De 1998,quando foi implantado, at hoje, o projeto transformou-se em um programa eampliou sua esfera de atuao. No contexto especfico de uma poltica cultural, oPrograma Artesanato Solidrio atua na esfera do que a UNESCO, desde 1989,reconhece como cultura tradicional e popular. Apesar dessa terminologia j ter sidoaprimorada at pela prpria organizao desde a elaborao das Recomendaessobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, em 1989, at hoje ela man-tm-se adequada para circunscrever a atuao do Programa Artesanato Solidrio.

    Esse programa pode ser definido como um conjunto de criaes queemanam de uma determinada comunidade cultural, fundada na tradio e expressapor um grupo, ou por um indivduo, que reconhecidamente responde s expecta-tivas da comunidade enquanto expresso de sua identidade social e cultural. Seuspadres e valores so transmitidos oralmente por imitao ou por outros meios,suas formas compreendem, entre outras, a lngua, a literatura, a msica, a dana, osjogos, a mitologia, os ritos, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes.

    O Programa Artesanato Solidrio tem por objetivos revitalizar o artesanatotradicional como uma manifestao da cultura popular brasileira e, por meio destarevitalizao, gerar renda.

    O artesanato tradicional aquele que faz parte do modo de vida das pessoasque o realizam. Seguindo padres estticos prprios e transmitidos espontanea-mente de gerao para gerao, muitas vezes utilizando matria-prima disponvelnas regies onde ele feito.

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    O Programa se realiza pela implementao de um projeto em um determi-nado ncleo. O ncleo pode corresponder a um municpio de pequeno porte, a umdistrito rural ou mesmo a uma localidade especfica de municpios maiores, comoso os casos dos ncleos de Salvador e de Olinda.

    Neste segundo semestre de 2002, estamos atuando em 66 ncleos,em 13 estados brasileiros, com uma equipe de campo formada por dezgerentes regionais e vinte agentes locais. Esto envolvidos diretamente noPrograma 2.400 artesos, sem contar suas famlias, o que chegaria numa ordemde dez mil pessoas.

    Cada projeto desenvolvido em um ncleo compreende diferentes aes,seqencialmente previstas em um plano de trabalho. Para o desenvolvimento dessesplanos no campo e para a sua manuteno institucional, o Programa envolve umarede de parceiros.

    O Programa conta hoje com a parceria realizadora do Museu de FolcloreEdison Carneiro, ligado Fundao Nacional de Arte (Funarte), e com osseguintes parceiros financiadores: Servio Brasileiro de Apoio Pequena e MdiaEmpresa (Sebrae), Ministrio da Integrao Nacional, Agncia de Desenvolvimentodo Nordeste (Adene) e Caixa Econmica Federal. Entre os parceiros regionais,contamos com a Fundao Joaquim Nabuco/PE, o Museu Tho Brando/AL, oInstituto Xing, o Sebrae/Xing, Sebrae/PB, Sebrae/PE, Sebrae/PA, Sebrae/AL,entre outros Sebraes estaduais, alm tambm de algumas parcerias de profissionaisvoluntrios, como advogados, arquitetos, etc.

    Para atingir os objetivos de revitalizar o artesanato tradicional e gerar renda,o Programa adota trs estratgias:

    1. A primeira a promoo do dilogo entre os prprios artesos. Issosignifica incentivar a organizao do grupo, a formao de associaes ecooperativas, promover o trabalho coletivo, a realizao de oficinas commestres para o repasse do saber. Ao implementar essas aes, o Programacontribui para aumentar a auto-estima de homens e mulheres que se tornamprotagonistas do desenvolvimento local. uma oportunidade para inclusosocial no sentido amplo, por resgatar e fortalecer a cidadania nos ncleosonde o Programa atua.

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    A experincia do artesanato solidrio

    2. A segunda estratgia a troca e o dilogo entre os artesos e seus produtos.Nesse aspecto, somos atentos questo da medida da interveno. Comodiz Janete Costa, a idia interferir sem ferir. O que significa? O campo doartesanato tradicional no o espao para o designer. Por isso, a maneirade trabalhar do Programa reconhecer, de sada, o valor da identidadecultural do artesanato nas comunidades, buscar resgatar por meio depesquisas e da a importncia dos museus que nos apiam as formasmais tradicionais daquela tipologia de artesanato.

    Muitas vezes, essas formas mais autnticas acabam sendo transformadaspor designers incautos e atravessadores apressados em ver o lucro, ou, ainda, pelafacilidade de vendas para turistas. O artesanato de tradio tende, dessa forma,a ser substitudo por produtos menos elaborados, mais caricatos e acaba sendovendido a preos mais baixos do que um artesanato tradicional de boa qualidadepoderia alcanar. Essas intervenes tendem a seguir a lgica do imediato e pouco con-tribuem para a sustentabilidade dos saberes e fazeres tradicionais da cultura popular.

    Como manifestao da cultura, o artesanato se transforma, dinmico.Resgatar o artesanato tradicional no significa ausncia de mudana, mant-lointocado para o registro histrico. O objetivo do Programa gerar renda para osartesos e por isso o produto do artesanato tambm precisa ser, de alguma forma,ajustado ao mercado consumidor. dentro desse contexto que se insere a terceiraestratgia do programa, ou seja, a outra ponta do dilogo.

    3. A terceira estratgia o dilogo entre os artesos e o mercado consumidor,com suas demandas e exigncias. Trabalhando por meio de oficinas com osartesos, o Programa busca aprimorar os produtos artesanais para torn-losmais universais. Coloca-se o paradoxo: para serem universais os produtos nodevem perder o que os particulariza, pois a reside sua identidade. Portanto,a interferncia do especialista, dos que realizam as oficinas, deve ser quaseinvisvel. Qual seria o limite dessa interveno? O que pode ser feito paraalcanar essa universalidade?

    A interferncia opera em trs nveis: o primeiro, mais imediato, a melhoriada qualidade do produto. Isso feito por meio da melhoria da qualidade damatria-prima, especialmente no caso dos produtos que usam linhas, tecidos,produtos industriais, tingimento, sugerindo e ensinando o uso de corantes naturais.

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    No caso da matria-prima natural, como as fibras, so realizadas oficinas de manejosustentado. Outro tema o aumento da resistncia das cermicas, assim como aqualidade do acabamento do produto, sobretudo nas emendas, costuras e pinturas.

    O segundo nvel de interveno a padronizao ou atualizao dasmedidas, especialmente no caso de confeces. Um jogo americano, porexemplo, deve ter sempre o mesmo tamanho. H uma medida universal paraesse produto. Em razo de usos mais contemporneos de alguns produtos, sofeitas atualizaes: uma toalhinha de bandeja, por exemplo, que h quarentaanos podia ser minscula, hoje deve ser maior, j que ningum tem ou usabandejinhas to delicadas e pequenas.

    Por fim, o cuidado de interferir sem ferir, remetendo criao de produtossimilares aos existentes, utilizando-se a mesma tcnica e o mesmo estmulo paraa criao do produto tradicional. o que ocorreu em Pitimb (PE), onde asmulheres que tranavam fibras e que tradicionalmente apenas representavam asgalinhas resolveram, a partir de uma ao desenvolvida na oficina de criao doncleo de artesanato, acrescentar outros elementos presentes na paisagem local,como as frutas tropicais.

    Nas oficinas de criao, o Programa tambm desenvolve com os artesosestudos de cores e pesquisas de resgate de padres tradicionais mais adequadosaos nichos do mercado consumidor identificados por especialistas.

    O mercado de artesanato de tradio, atualmente, manifesta maior prefernciapor trabalhos de bordados mais limpos, geomtricos, em cores mais neutras. Essespequenos ajustes, que so resultantes do dilogo do arteso com alguns nichosdo mercado consumidor, podem ser realizados no contexto da tcnica e da estticatradicional desses artesos.

    Outra dimenso trabalhada, visando ao desenvolvimento social, o fomento formao dos recursos humanos envolvidos no Programa. O Programa contaatualmente com vinte agentes locais e dez gerentes regionais. Essas pessoas atuamdiretamente nos ncleos de artesanato, realizando atividades relacionadas com reasde cultura e com o tema identidade cultural. Percebeu-se que seria impossveldar continuidade e sustentabilidade a essas aes culturais e sociais sem investirna formao de recursos humanos.

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    A experincia do artesanato solidrio

    Com a parceria do Museu de Folclore Edison Carneiro, no Rio de Janeiro,estamos promovendo um curso para agentes locais, com os temas identidadecultural, cultura popular e preservao do patrimnio. A idia , sobretudo, sen-sibilizar os agentes locais, em geral jovens das comunidades onde o Programa atua,muitas vezes concluintes do 2 grau ou at mesmo universitrios, e introduzi-losnesses temas. Hoje, eles trabalham no Programa, amanh podero ser agentesculturais trabalhando nas prefeituras municipais, tcnicos dos Sebraes estaduais,ou de outras instituies e/ou projetos culturais.

    Ao propiciar esses cursos introdutrios, o Programa Artesanato Solidrioest contribuindo para a sustentabilidade das suas aes. O Programa aindapromove cursos na rea de gesto e planejamento de projetos, j que essa umarea muito carente de formao.

    A garantia de sustentabilidade de qualquer projeto cultural ou ao socialdepende, em grande parte, da formao das pessoas envolvidas; detentoras de umaviso geral do que gerir ou planejar as aes de um projeto. Acreditamos que aatuao mais expressiva do Programa Artesanato Solidrio no desenvolvimentolocal seja a de formao de recursos humanos.

    Finalmente, o programa atua sobre a criao ou sensibilizao do pblicoconsumidor, em conseqncia, a ampliao de canais de acesso do arteso aomercado consumidor.

    O Programa Artesanato Solidrio est empenhado na criao da CentralArteSol, uma organizao da sociedade civil de interesse pblico (OSCIP), semfinalidade lucrativa, cujo objetivo complementar as aes do Programa, abrindonovas frentes de comercializao, no pas e no exterior, para os produtos de arte-sanato tradicional dos 66 ncleos ligados ao Programa.

    O trabalho com o artesanato de tradio, objeto do Programa ArtesanatoSolidrio, demonstra que possvel associar os termos poltica por meio de umprojeto cultural e social especfico, desde que se tenha em mente atuar em vriasfrentes e ter como alvo a educao continuada, capaz de propiciar a incluso dossetores direta ou indiretamente ento envolvidos na ao.

    Nessas trs dimenses em que o Programa atua a promoo do dilogo, a

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    formao de recursos humanos e a ampliao do acesso ao mercado, mediante asensibilizao do pblico consumidor de artesanato de tradio a misso contribuir para transformar os artesos em protagonistas do desenvolvimento social.

    Por sua vez, a noo de cultura nas trs dimenses consideradas vai aparecercomo elemento de desenvolvimento social e de crescimento pessoal, tanto nasoficinas dos artesos, na capacitao dos recursos humanos do Programa, bemcomo na formao do pblico consumidor de artesanato.

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    O Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) atuaem vrios segmentos, por meio de um vasto conjunto de programas e projetos, nosquais a cultura comparece no exatamente como um programa em si, mas comouma estratgia que permeia todas as aes da organizao.

    Inegavelmente, discutir estratgias de desenvolvimento em qualquer pas domundo requer considerar a dimenso cultural. No se pode propor uma estratgiadesenvolvimentista sem ter em mente as complexas inter-relaes entre a economiae a cultura e sem considerar os anseios daqueles a quem se destina, seja a comunidade,sejam os indivduos em particular.

    Considerando a enorme diversidade cultural que se constitui no elementocentral da nossa identidade, o Brasil tem um papel fundamental nessa discusso.

    Apesar dessa constatao, os estudos e at mesmo as estratgias de ao paraa rea da cultura no Brasil carecem ainda de maior articulao. Apresentam-se deforma descontnua e, no caso dos estudos, contemplam um vis ainda muitofiscalista, importando o aspecto mais imediato: a medio de receita gerada pelosetor. Faz-se necessrio, no entanto, refletir sobre algumas questes:

    Qual o impacto da cultura no desenvolvimento econmico e social do Brasil?

    Quais os fatores que condicionam as relaes entre a cultura e o modelo dedesenvolvimento brasileiro?

    3. A cultura nas polticase programas do Sebrae

    Christiano Braga

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    Como tratar o chamado processo de hibridao, em que elementos dacultura popular tradicional so influenciados e influenciam o processo demodernizao?

    Como criar as condies favorveis ao desenvolvimento e, ao mesmo tempo,preservar a nossa rica diversidade cultural?

    Sem a pretenso de querer responder a todas essas questes, importantesituar o Sebrae nesse contexto. O Sebrae uma organizao civil sem fins lucrativos,que tem como objetivo fomentar o desenvolvimento das micro e pequenas empresasno Brasil, acreditando que o desenvolvimento econmico e social do pas dependede polticas e estratgias que fomentem o desenvolvimento dos pequenos negcios.

    O Sebrae no , em si, um formulador de polticas culturais, no um patrocinadorde projetos culturais, no o mecenas das artes, mas procura, nos seus projetos defomento ao desenvolvimento, atuar levando em conta a dimenso cultural.

    O interesse da instituio pelo tema da cultura vem sendo constantementerenovado. Destaca-se a evoluo pela qual o Sistema tem passado nos ltimosquatro anos, particularmente, a transformao a qual costumamos denominar,Sebrae reinventado. A organizao deixou de atender empresa individualmentee passou a considerar todo o seu ambiente. Ou seja, entendemos que no adiantaapenas dotarmos o pequeno empresrio do acesso ao crdito, tecnologia, informao, ao conhecimento, se no considerarmos a ambincia em que essespequenos negcios esto imersos.

    Trabalhar o desenvolvimento dos pequenos negcios significa criar oambiente favorvel para que esses se desenvolvam. E dessa dimenso do ambienteque participa fortemente a questo cultural.

    Um outro aspecto refere-se s nossas estratgias setoriais de atuao.Hoje, temos a cultura permeando as aes do Programa Sebrae de Artesanato,por meio de uma grande parceria com o Comunidade Solidria e com uma sriede outros organismos, inclusive internacionais, atingindo cerca de 500 municpiosbrasileiros. Podemos citar tambm outras aes no mbito do artesanato, como apromoo de uma mostra do artesanato brasileiro na Feira Internacional de Milo,em 2002. Com o Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro, estamos fazendo um

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    A cultura nas polticas e programas do Sebrae

    mapeamento da cultura popular no Brasil. Est previsto, ainda, iniciar um CensoNacional do Artesanato.

    Se considerarmos o movimento da atividade cultural no pas, sem nosatermos discusso dos dados setoriais, segundo os ltimos estudos feitos pelarevista Marketing Cultural, a cultura movimentou em torno de R$ 7 bilhes por ano.

    Interessa ao Sebrae saber como se articula esse segmento, como se articulamsuas cadeias produtivas e, principalmente, qual o espao da pequena empresano mbito da atividade cultural. Algumas instituies e especialistas da rea tmmanifestado a dificuldade de responder a essa questo, pelo fato dos temas darelao entre cultura e mercado, cultura e economia serem ainda bastanteincipientes no Brasil. Para ns, no entanto, mesmo que incipientes, esses so temascom os quais estamos profundamente envolvidos.

    Se entendermos que importante a preservao da cultura, a valorizao daidentidade local, no se pode deixar de lado a perspectiva da sustentabilidade.Assim, quando discutimos cultura estamos necessariamente considerando avertente da gerao de emprego, renda e negcios.

    Para isso, alguns dados so interessantes:

    No Brasil, conforme citado, a cultura movimenta em torno de R$ 7 bilhespor ano. Em estados como a Bahia, por exemplo, h estimativas indicandoque o PIB cultural gira em torno de 4,4%. Alm disso, grandes eventos, comoParintins1 e Oktoberfest2, movimentam milhes de reais em cidades de pequenoe mdio porte, sem contar o impacto do carnaval carioca e de Pernambuco.

    O setor cresce em ritmo acelerado, na esteira das mudanas provocadaspelas inovaes tecnolgicas e pela globalizao da economia;

    O comrcio eletrnico, por exemplo, vem impulsionando fortemente essemercado, pela venda de livros, CDs, artesanato e pinturas pela internet,

    1 Festival realizado anualmente, no ms de junho, na cidade de Parintins, Amazonas, com o objetivo de preservar a tradio do Boi Bumb.

    2 Festa alem, em Blumenau, no ms de outubro, durante duas semanas e meia e recebe milhares de pessoas.

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    podendo incorporar muitos outros produtos e servios de naturezacultural;

    Estudo realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econmicoe Social (BNDES), publicado no Jornal do Brasil, de 15/10/1998, aponta omercado cultural como o sexto maior gerador de postos de trabalho dopas, diretos e indiretos, sendo equivalente ao do setor comercial;

    O mercado dos patrocnios culturais, assumido pelas grandes empresas privadas,apresenta vasta oportunidade de crescimento: hoje, cerca de 1.200 empresas jexercem o mecenato, mas outras cem mil so patrocinadoras em potencial.

    Alm disso, a cultura, nas suas interfaces com o turismo, o terceiro setor e aeducao, encontra reas de grande potencial para o pas, que ainda so poucoexploradas do ponto de vista da gerao de ocupao e renda.

    Para comprovar a potncia econmica dessas interfaces, basta citar algunsnmeros:

    Pesquisa realizada pela Embratur e publicada no jornal Gazeta Mercantil, de26/11/1998, indica que o turismo cultural e o turismo religioso ocupam,respectivamente, o primeiro e o segundo lugar na preferncia dos nossosturistas internos, que movimentam 70% da receita no setor. O Brasil,descrito por Domenico De Masi3 como o pas da felicidade e por FritjofKapra4 como o pas da vida tem tudo para se organizar no universo do turis-mo cultural com diferenciais competitivos, atraindo um nmero cada vez maiorde visitantes estrangeiros e, conseqentemente, mais divisas internacionais;

    A grande maioria das empresas brasileiras tomou conscincia de que opoder pblico, sozinho, no pode mais responder pela soluo de todos osproblemas nacionais e est investindo intensamente em projetos sociais.Conforme pesquisa do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA),somente na Regio Sudeste 440 mil empresas apiam projetos sociais. A rea

    3 Domenico De Masi, socilogo italiano da Universidade La Sapienza, de Roma. Autor do livro cio criativo. 4 Fritjof Kapra, fsico. Autor do livro O Tao da Fsica. A fsica moderna e o misticismo oriental.

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    A cultura nas polticas e programas do Sebrae

    cultural, medida que possibilita o uso de incentivos fiscais, poder propi-ciar a realizao de projetos socioculturais voltados para a auto-organizaoe a auto-sustentabilidade das comunidades beneficiadas;

    A educao a rea que recebe maior investimento das empresas privadas(40,3% dos projetos). Interface natural da cultura, a rea educacionalpoder receber aporte ainda maior de recursos, tambm por causa dosincentivos fiscais e pela recente descoberta dos profissionais de marketingda importncia de criar e fixar imagem positiva dos produtos dentro dosestabelecimentos de ensino.

    O fenmeno da globalizao, apesar de massificante, enaltece os valoressocioculturais regionais, que podem ser difundidos e consolidados como produtostpicos e geradores de receita.

    O Sebrae, como instituio de fomento, preocupado em melhorar ascondies do ambiente em que atuam as micro e pequenas empresas (MPE), nopode, portanto, deixar de participar dessa discusso e, de maneira pragmtica,incluir em seus programas a dimenso cultural, bem como mobilizar e catalisarenergias na construo de iniciativas concretas voltadas para o desenvolvimentodesse i