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Presidente Prudente, 1 Semestre de 2005
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RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA
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UNESP
Universidade Estadual Paulista Faculdade de Cincias e Tecnologias FCT
Campus de Presidente Prudente
Tese elaborada junto ao Programa de Ps-graduao em Geografia - rea de Concentrao: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental, para obteno do Ttulo de Doutor em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Manano Fernandes
Presidente Prudente 1/Semestre/2005
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RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 2
Ficha catalogrfica elaborada pelo Servio Tcnico de Biblioteca e Documentao UNESP FCT Campus de Presidente Prudente
S583R
Silva , Silvio Simione da.
Resistncia camponesa e desenvolvimento agrrio na Amaznia-acreana / Silvio Simione da Silva. - Presidente Prudente : [s.n.], 2004
500 f. : il. Tese (doutorado). - Universidade Estadual Paulista, Faculdade
de Cincias e Tecnologia. Orientador: Bernardo Manano Fernandes
1. 1.Campesinato. 2. Desenvolvimento. 3. Espao/territrio. 4.Luta/resistncia. 5.Agrrio/Amaznia.I.Ttulo. CDD (18.ed.) 910.135
Reviso Ortogrfica e Gramatical: Prof. M.S. Paulo Bungart Neto.
Traduo do Resumo para o Ingls: Prof. Brbara Stocker.
Figuras da Capa: Logotipo de CASAVAJ, RECA e CAPEB; fotografias: SAFs no RECA
(Arquivo da CPT/AC, colheita de Ara-boi no RECA (RECA, 2003); castanha-do-brasil,
guaran e produtos regionais embalados (ANAC, S.d), viveiro de planta (Arquivo da CPT)
Silvio Simione da Silva
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RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 3
RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA
Tese para a obteno do grau de Doutor
COMISSO JULGADORA
..................................................................................................................
Presidente e Orientador: Prof. Dr. Bernardo Manano Fernandes
..................................................................................................................
Titular: Prof. Dr. Eda Maria Goes (FCT/UNESP)
Suplente: Prof. Dr. Eliseu Saverio Spsito (FCT/UNESP)
..................................................................................................................
Titular: Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP)
Suplente: Prof. Dr. Carlos Walter Porto Gonalves (UFF)
..................................................................................................................
Titular: Prof. Dr. Manoel Calaa (UFG)
Suplente: Rosemeire Aparecida de Almeida (UFMS)
..................................................................................................................
Titular: Prof. Dr. Miriam Cludia Loureno Simonetti (UNESP/Marlia)
Suplente: Prof. Dr. Gerson Rodrigues de Albuquerque (UFAC)
Meno: ..................................................................................
Presidente Prudente, 17 de janeiro de 2005
Quero dedicar a:
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Alguns grandes e desconhecidos mestres que tive na escola e na vida: Meu
pai Onofre Pinto da Silva e minha me Josefina Simioni da Silva, que me deram
a vida e ensinaram-me os primeiros passos; Honorina, Silvio Jnior e Cadmo
Cair, esposa e filhos, que em cada dia de convvio nos seus gestos simples me
ensinam o sentido de viver; aos dois professores do ensino primrio, Prof Vera
Parreira Loureno e Antnio Baptista (in memoriam); professora Dulce (in
memoriam), no ensino ginasial ainda em Mato Grosso do Sul. No ensino
supletivo secundrio, Professora Antnia Vasconcelos Damasceno, em
Brasilia, no Acre. Na Graduao, Prof Maria das Dores Silva. Aos Padres
Joo Martins (in memoriam), Luis Ceppi, Dom Moacir Grecchi e as Irms
Silvana e Rosalia, entre outros, que me ensinaram a ver na luta deste povo de
Deus um sentido para viver tambm a minha vida de Gegrafo.
Ao Professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Um dia solicitei-lhe que me
orientasse no trabalho de Mestrado e, mesmo sem me conhecer, prontamente,
soube dizer sim. Hoje entendo que, por trs deste gesto, estava uma capacidade
de doao impossvel de ser medida, que s se faz presente em homens de
corao puro e naqueles que no deixam a chama da esperana se apagar.
Obrigado Professor!
Aos homens e mulheres que trabalham no campo, na cidade e na floresta,
por esta Amaznia afora: pessoas que tm me mostrado que quando
acreditamos, o impossvel torna-se uma dimenso mais prxima de se alcanar,
e que sempre haver uma nova possibilidade no horizonte. Da acreditarmos que
ainda possvel uma sociedade mais justa e fraterna a partir da luta e da
organizao social. Ento, acreditar preciso.
Agradecimentos
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A construo deste trabalho foi produto de um esforo que, de forma direta
e indireta, envolveu a colaborao de outrem. Aqui manifestamos nossa imensa gratido
queles que contriburam, e a conscincia de que seria impossvel fazer nominalmete o
agradecimento a todos. Porm, no poderamos deixar de agradecer a algumas pessoas e
instituies em especial:
A Honorina, Silvio Junior e Cadmo Cair, esposa e filhos que estiveram
juntos comigo nesta caminhada.
Aos meus irmos Aparecida, Vernica, Maurcio, Benedito, Onofre, Ana
Paula e seus familiares; e tambm, aos familiares daqueles irmos que j no esto mais no
plano terreno. sobrinha e comadre Gueime, que, em alguns telefonemas, sempre expressou
sua doura e meiguice. Devo admitir que de uma forma ou de outra todos vocs me ajudaram
a caminhar tranqilamente nesta empreitada.
Senhora Joanice Gonalves de Farias, ao Senhor Orlando Jos de Farias,
sogro e sogra, e s minhas cunhadas Francisca Antnia e Francisca da Chagas, pelo incentivo
e crditos sempre depositados em nosso esforo de estudar e tambm pela hospitalidade todas
as vezes em que estive no Acre.
Aos orientadores, Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que esteve
conosco at a Qualificao, e ao Prof. Dr. Bernardo Manano Fernandes, que assumiu a
orientao aps a Qualificao, permitindo-nos a continuidade do trabalho com a mesma
autonomia que sempre tivemos em nossa trajetria desde o Mestrado. Estou certo que para
mim foram anos de estudo e muito crescimento intelectual, em que certamente vocs tiveram
participaes especiais.
Prof. Dra. Rosemeire Aparecida de Almeida, da UFMS, que fez uma
leitura detalhada deste trabalho, permitindo-nos a reviso de vrias questes. Tambm ao
Prof. Dr. Marcelo Mendona, da UFG/Catalo, companheiro na ps-graduao, que leu
algumas partes deste, apresentando crticas muitas proveitosas.
Aos professores do programa: Dr. Eda Maria Ges, Dr. Eliseu Spsito, Dr.
Nivaldo Antnio Hespanhol; aos coordenadores de disciplina e seminrios oferecidos por
convidados, Dr. Antnio Csar Leal e Dra. Maria da Encarnao Beltro Spsito; aos
professores convidados: Dr. Jsio H. Bomfim Guterre (UNESP/Editora), Dr. Hlion Povoa
Neto (UERJ), Dra. Bernadete Castro Oliveira (UNESP/Rio Claro), Dr. Jos Mateo Rodriguez
(Universidad de La Habana, Cuba), Dr. Guilhermo Castro (Universidad de La Fronteira,
Chile). Hoje sei que durante este convvio, vocs, direta ou indiretamente, participaram
tambm de nosso crescimento e da construo deste trabalho.
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Ao Prof. Dr. Antnio Thomaz Jnior, que, mesmo eu no tendo cursado sua
disciplina, teve participao decisiva no Colquio e na Qualificao para a apresentao do
trabalho da forma como est.
A FCT/UNESP, Instituio que nos recebeu como uma me que acolhe
um filho que h muito tempo tinha se ausentado. Certamente, na condio de um retirante,
mesmo longe da minha agradvel guas da Prata, escondida no alto da Mantiqueira, a
FCT/UNESP e Presidente Pudente me fizeram sentir novamente como parte deste torro
paulista. Hoje me sinto tranqilo para dizer que aqui tambm minha casa.
A UFAC, Instituio que represento e que assumo como parte de minha
vivncia profissional e pessoal. Se tiver que apontar trs referncias que me fazem sentir um
amaznida, certamente a UFAC uma delas. Sem o apoio que tive nessa Instituio no
estaramos hoje terminando este Curso.
Ao Departamento de Geografia da UFAC, que me liberou para esta
pesquisa, apesar das limitaes de seu quadro docente. De modo geral, agradeo a todos os
professores.
Aos colegas do Departamento de Geografia da UFAC, entre os quais no
posso deixar de mencionar o companheirismo das Professoras Maria de Jesus Morais, que
assumiu parte de minhas atividades para que tal liberao fosse possvel, e Miriam Aparecida,
que, atravs de telefonemas, sempre reforou nossa amizade e ajudou a afastar um pouco a
solido; ao Prof. Jones Dari Goettert, tambm companheiro na Ps-Graduao, mais recm-
chegado ao Departamento, pelas poucas mas proveitosas discusses que travamos; ao Prof.
Domingos Jos de Almeida Neto, que assumiu parte de minhas atividades durante meu
afastamento; e s professoras Maria Socorro de Oliveira Maia e Karla Rocha, tambm
parceiras nos trabalhos iniciados no Departamento.
CPT/AC, que atravs da Conceio, da Darlene e do Clio, sempre esteve
acessvel a nossas pesquisas. Em especial, in-memorian de Jean-Pierre Minghan, ex-
coordenador da CPT/AC um eterno lutador pelos trabalhadores da terra na Amaznia, e que
nos deixou recentemente.
Ao grupo de ex-alunos que hoje j est iniciando sua ps-graduao na
FCT/UNESP, Cleide Prudncio, Lucilene Almeida e Floripes Rebouas, pela disposio e
coragem de encarar o desafio; e a Matuzalm, que j se encaminha nesse sentido. Tambm
no posso esquecer do companheiro de luta e ex-aluno Sib Machado, pela vontade de ver a
Geografia do Acre com uma cara nova.
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CAPES, que financiou uma bolsa PICDT, viabilizando nossa
permanncia em Presidente Prudente pelo perodo de realizao deste Curso. E ao trabalho
atencioso da Prof. Moena Pinheiro de Souza, Coordenadora de Apoio a Ps-Graduao da
UFAC, durante a maior parte da realizao do curso.
Aos companheiros de Curso, colegas desde o Mestrado, Mrcia Ayala e
Oscar Sobarzo (inclusive, no auxlio em tradues para o espanhol). Tambm aos que
conhecemos apenas nesta ltima temporada (do doutorado), com os quais trocamos algumas
idias e certamente obtivemos ajudas mtuas, dentre eles no poderia deixar de citar Silvia
Mery, Fernando Santos, Anglica Cavicchioly, Lisanyl Conceio, Adriano, Adriana, Liz
Sobarzo, Jorge Gmez, Fernanda Ikuta, Tlio, Z Roberto, Tnia, Priscilla Bagli, Eduardo
Girardi, Eraldo, Lima, Maria, Marcelino e Flavia Ikuta dentre outros.
A todos os companheiros do NERA, mas especial ao Anderson, que nos
ajudou na preparao da verso eletrnica deste trabalho.
A todos os amigos e amigas de fora do ambiente acadmico da
FCT/UNESP, que ajudaram a tornar nossa estadia em Prudente mais agradvel.
A todos os entrevistados nesta pesquisa, dirigentes das organizaes
coletivas e comunitrias e dos movimentos sociais na Amaznia-acreana que, indistintamente,
contriburam para esta apreenso da realidade agrria regional que aqui expomos.
Aos alunos dos cursos de Geografia do interior do Estado, que contriburam
em nossa pesquisa de campo, sobretudo nos municpios de Xapuri, Sena Madureira e
Tarauac.
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Que os gegrafos aprendam
Os desertos mais amplos,
mais sem-fim,
sem osis,
sem sombra
embora no sem silncio
e sem mistrio
so criados em ns pelo desamor
(Dom Hlder Cmara, 1979, p.23).
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S U M R I O
Lista de Mapas, Figuras, quadros, tabelas e grficos........................................... 12 Lista de Abreviaturas e Siglas................................................................................. 14 Resumo / Palavras-chave......................................................................................... 17 Abstract / Key Words............................................................................................... 18 Introduo................................................................................................................. 19 Captulo 1 Sobre a fronteira................................................................................. 37 1.1 Sob o signo da fronteira................................................................................ 37 1.2 Um conceito em questo............................................................................... 39 1.3 Concreticidade do contedo significado....................................................... 42 Captulo 2 Amaznia-acreana: a territorialidade regional............................. 45 2.1 A Amaznia-acreana: bases atuais para um recorte territorial..................... 45 2.2 A construo histrica da regio................................................................... 49 Captulo 3 Feies do espao agrrio na Amaznia-acreana............................ 54 3.1 Apreenso do espao produzido................................................................... 54 3.2 Especificaes no tratamento do agrrio produzido..................................... 58 3.3 A totalidade do espao agrrio produzido.................................................... 62 3.4 Para alm da dicotomia/tricotomia do espao produzido............................. 68 3.5 Revendo conceitos no universo de representao do agrrio.................... 73 3.6 No campo representacional........................................................................... 77 3.6.1 Condio de ser e de ter alteridade............................................................... 80 3.6.2 A condio de pertencimento....................................................................... 85 3.6.3 A expresso da agrarialidade........................................................................ 88 3.7 Na vivncia camponesa: o espao e o territrio na vida cotidiana............... 93 Captulo 4 O campesinato amaznico-acreano................................................... 99 4.1 Instigando a reflexo..................................................................................... 99 4.2 O campons na realidade amaznica-acreana.............................................. 104 4.3 Classe camponesa: complexidade de um conceito....................................... 109 Captulo 5 Identidade e resistncia ..................................................................... 113 5.1 Um breve resgate da reconstruo social camponesa................................... 113 5.2 Razes da resistncia camponesa na floresta................................................. 115 5.3 Bases para as prticas sociais camponesas na floresta................................. 120 5.4 As marcas da agricultura............................................................................... 124 5.5 Viso Sinptica do campesinato amaznico-acreano................................... 127 5.6 Movimentos sociais e a luta ......................................................................... 131 5.7 Transformaes e perspectiva no espao agrrio produzido........................ 134 5.7.1 Os projetos de assentamentos....................................................................... 136 5.7.2 Os PAEs e as RESEXs.................................................................................. 138 5.8 Da luta pela terra luta na terra.................................................................. 141 5.9 No Convvio e no confronto: uma reflexo.................................................. 143 Captulo 6 O territrio no contexto da realidade camponesa........................... 145 6.1 A significao da terra para o campons...................................................... 145 6.2 A conquista e garantia do territrio.............................................................. 148 6.2.1 O seringal e a colocao............................................................................... 149 6.3 Permanncias e mudanas............................................................................ 158 6.3.1 No alcance da floresta................................................................................... 161 6.3.2 No alcance do campo.................................................................................... 165 6.4 Possibilidades do agrrio regional................................................................ 169
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6.5 Sob a perspectiva camponesa....................................................................... 171 Captulo 7 O sentido socioambiental dos movimentos de resistncia............... 173 7.1 Do local ao global: contextualizando os movimentos.................................. 173 7.2 A luta pelo modo de vida versus o mito da luta ecolgica........................ 175 7.2.1 Vozes que vem da floresta............................................................................ 176 7.2.2 Sentidos e significados socioambientais....................................................... 183 7.3 Organizar para resistir................................................................................... 186 7.4 O sentido da luta na terra.............................................................................. 188 Captulo 8 Mudanas no uso do territrio.......................................................... 196 8.1 O sentido das mudanas................................................................................ 196 8.2 Perspectivas socioambientais ....................................................................... 197 8.3 A externalizao da produo camponesa.................................................... 198 8.4 Conservao e potencializao da natureza ao mercado.............................. 205 8.5 A autonomia na interseo com o mercado: as organizaes coletivas....... 210 8.6 Da construo da autonomia gerao da auto-sustentabilidade................ 213 Captulo 9 A questo do desenvolvimento.......................................................... 217 9.1 Contextualizando a questo.......................................................................... 217 9.2 Desenvolvimento: uma palavra, muitas definies...................................... 218 9.3 A questo do desenvolvimento e da sustentabilidade................................... 225 9.4 O carter autnomo da noo de viver bem.................................................. 230 9.5 Polticas oficiais de desenvolvimento no Acre............................................. 239 9.6 O desenvolvimento na Amaznia-acreana: realidade e perspectivas........... 248 Captulo 10 O mercado e circulao de mercadorias......................................... 252 10.1 Para pensar no mercado................................................................................ 252 10.2 Viso sumria da formao do mercado na Amaznia-acreana................... 252 10.3 A busca do mercado no contexto da luta...................................................... 257 10.4 Quando o mercado e a mercadoria mudam de cor ................................... 259 10.5 Enfrentado o mercado: possibilidades e dificuldades................................... 264 Captulo 11 Expresses das organizaes camponesas na regio..................... 274 11.1 Caracterizao do associativismo e cooperativismo..................................... 274 11.2 Unio e cumplicidade como princpio de formao..................................... 278 11.3 Expresso territorial das organizaes coletivas.......................................... 284 11.4 Expressividade econmica: o produtor e a comercializao........................ 287 11.5 Dimenso territorial das aes das organizaes coletivas.......................... 293 11.6 Caracterizao estatutria............................................................................. 296 11.6.1 Das associaes de produtores ..................................................................... 296 11.6.2 Das Centrais de Associaes de produtores ................................................ 300 11.6.3 Das Cooperativas ......................................................................................... 303
11.7 O sentido da expresso coletiva da luta na terra.......................................... 309 Captulo 12 As organizaes coletivas................................................................. 312 12.1 Consideraes introdutrias ......................................................................... 312 12.2 CAEX............................................................................................................ 312 12.3 Projeto RECA............................................................................................... 318 12.4 ASPERTA..................................................................................................... 329 12.5 A CAPEB/COMPAEB................................................................................. 332 12.6 A CAEAP..................................................................................................... 338 12.7 A Central Bom Jesus do Abun ................................................................... 344 12.8 A COOPEC .................................................................................................. 346 12.9 A Cooperativa Chico Mendes...................................................................... 349 12.10 A COAF....................................................................................................... 355
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12.11 A COOPERIACO........................................................................................ 360 12.12 A CASAVAJ................................................................................................ 365 Captulo 13 O sentido da apropriao de signos da luta................................... 372 13.1 A presena emblemtica nas significaes cotidianas atuais no Acre.......... 372 13.2 Um olhar sobre a linguagem e seu poder...................................................... 373 13.3 Do Extrativismo ao Neoextrativismo ....................................................... 379 13.4 O signo social da floresta: ser ou no ser seringueiro................................... 382 13.5 A (des) personificao dos ideais de luta...................................................... 385 13.6 Do signo da floresta ao de florestania........................................................... 387 13.7 O cooperativismo e associativismo como meta poltica............................. 389 13.8 O que ainda nos resta falar............................................................................ 391 Captulo 14 No mbito de polticas governamentais e da sociedade................. 396 14.1 Aes de polticas pblicas na produo social do agrrio ...................... 396 14.2 Estrutura de apoio s organizaes e comercializao.............................. 399 14.3 Para ir ao mercado........................................................................................ 405 14.4 Os sistemas produtivos agrrios locais perante o mercado........................... 408 14.4.1 Produes tradicionais versus o esverdeamento da mercadoria................ 411 14.4.2 A lavoura branca e a agropecuria................................................................ 414 14.4.3 A agrossilvicultura........................................................................................ 416 14.4.4 O extrativismo atual...................................................................................... 418
14.5 Impresses no processo produtivo................................................................ 426 14.6 O destino da mercadoria............................................................................... 430 14.7 A vises da sociedade sobre as organizaes: base de anlise..................... 433 14.8 Aes de fomentos: os programas e seu alcance.......................................... 442 14.9 As marcas no territrio regional................................................................... 452 Consideraes Finais................................................................................................ 455 Referencial bibliogrfico e outras fontes................................................................ 469 Glossrio.................................................................................................................... 492
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LISTA DE FIGURAS, MAPAS, QUADROS, GRFICOS E TABELAS
FIGURAS 1: Representao do territrio vivencial campons florestal (colocao).................. 89 2: Representao de um territrio vivencial campesino no campo (colnia) ........... 91 3: Sobreposio organizacional do territrio de um PAD. ao de um seringal.......... 137 4: Produtos regionais em embalagens desenvolvidas pela ANAC, 2002.................. 403 5: Aspectos das embalagens da Farinha-de-mandioca da CASAVAJ, 2002............. 406 6: Aspecto de um SAF no Projeto RECA.................................................................. 417
MAPAS 1: Acre Diviso em regies geogrficas................................................................ 48 2: Amaznia - reas de ocorrncia de seringueiras.................................................... 49 3: Amaznia-acreana, 2003....................................................................................... 53 4: Cidades sedes das organizaes estudadas, 2003................................................ 295
QUADROS 1: Caracterizao do espao social produzido, visto do agrrio ........................... 63 2: Caracterizao espao produzido a partir interao rural urbano...................... 65 3: Sntese de dimenses fundamentais da realidade produzida ............................... 67 4: Razes da formao e estrutura de classe na Amaznia-acreana........................... 107 5: Sinopse da diversidade do campesinato da Amaznia-acreana............................. 128 6: Sinopse da diversidade do campesinato da Amaznia acreana............................. 129 7: Organizaes coletivas, modalidades e reas de abrangncias.............................. 282 8: Situao geral das organizaes 2002/2003....................................................... 283 9: Expressividade do associativismo/cooperativismo, no universo da populao rural, com base em dados dos anos 2000...................................................................
285
10: Participao de associados nas organizaes em 2002/2003.............................. 286 11: Aes da Agencia de Negcios do Acre ANAC, para 2001-2002................... 402 12: Acre - demonstrativo da produo dos principais produtos extrativistas............ 418 13: Lei Chico Mendes................................................................................................ 420 14: Produo acreana de borracha natural bruta por municpios, 1999-2002............ 421 15: Espectros da impresso das organizaes na cidade sede.................................. 435 16: Principais produtos adquiridos das cooperativas no comrcio local................... 436 17: Resposta a pergunta, quando vai fazer compra prefere adquirir:......................... 436 18: Impresses socioeconmicas das organizaes coletivas.................................... 438 19: Fale o que vocs pensam destes trabalhadores e suas organizaes.................... 440
GRAFICOS 1: Campesinato amaznico-acreano divises e luta de classe............................... 111 2: Perspectiva e diferentes racionalidades perante o mercado................................... 288 3: Dinmica luta na terra ante a organizao social e a circulao de mercadoria. ................................................................................................................
291
4: Estrutura e ao administrativa no RECA............................................................ 322 5: Plano de ao inicial da CAPEB............................................................................ 334 6: Estrutura projetiva da luta na CAPEB................................................................... 335
TABELAS 1: Sntese da produo de pupunha e Aa no RECA................................................ 324 2: Sntese da produo cupuau no RECA................................................................ 325 3: Movimentos na venda de produtos na COOPERIACO (em Reais, R$), em 2001............................................................................................................................
363
4: Movimentos de compras na COOPERIACO (em Reais, R$) em 2001................ 363 5: FNO - Operaes efetuadas por porte do beneficirio, Regio Norte 2002 (R$
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RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 13
mil.)....................................................................................................................................... 444 6: FNO: operaes efetuadas por porte de beneficirios nov./1989 a dez/2002 (R$ mil.) ....................................................................................................................
445
7: Operaes contratadas: estados e setor econmico, regio Norte - 1998 (R$ mil.)............................................................................................................................
446
8: Operaes contratadas por estados e setor econmico, Regio Norte - 2000 (R$mil.)......................................................................................................................
447
9: Operaes contratadas por estados e setor econmicos em 2002 (milhes/R$)... 448 10: Relao da aplicao de recursos por habitantes e extenso territorial em 2002............................................................................................................................
450
11: Operaes por programas setor rural de nov./89 a dez./2002........................ 451
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Sigla Significado
AC Acre (Estado) ACI Aliana Cooperativa Internacional ACREBOR Acre Borracha Ltda. AM Amazonas (Estado) AMOPREX Associao dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista
Chico Mendes de Xapuri AMOPREB Associao dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista
Chico Mendes de Brasilia AMOPREAB Associao dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista
Chico Mendes de Assis Brasil ANAC Agncia de Negcios do Acre ASPERTA Associao dos Pequenos Produtores Rurais de Tarauac ASSERs Associaes de Seringueiros BASA Banco da Amaznia CAPEB Central de Associaes de Pequenos Produtores Rurais de
Epitaciolndia e Brasilia CAEAP Central de Associaes de Agricultores e Extrativistas do Acre e
Purus CAEX Cooperativa Agroextrativista de Xapuri CAGEACRE Companhia de Armazns Gerais do Acre CASAVAJ Cooperativa das Associaes dos Seringueiros e Agricultores do
Vale do Juru CEBEMO Organizao catlica holandesa de cooperao, atual BILANCE CEBs Comunidade Eclesial de Bases CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe CERIS Centro de Estudos Religioso e Investigao Social CETAC Confederao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Acre Cf. Confira CMMAD Comisso Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento CNPT Centro Nacional Desenvolvimento Sustentado CNS Conselho Nacional dos Seringueiros COAF Cooperativa Agroextrativista de Feij COMPAEB Cooperativa Mista de Produo Agropecuria e Extrativista de
Epitaciolndia e Brasilia COOPERICO Cooperativa Agroextrativista dos Produtores Rurais do Vale do Rio
Iaco COOPEC Cooperativa das Centrais de Associaes do Estado do Acre CPT/AC Comisso Pastoral da Terra CTA Centro de Trabalhadores da Amaznia CUT Central nica dos Trabalhadores D-M-D Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro EUA Estados Unidos da Amrica EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria FATES Fundo de Assistncia Tcnica, Educacional e Social FHC Governo de Fernando Henrique Cardoso FETACRE Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Acre
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RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 15
FLONA Floresta Nacional FNO Fundo Constitucional de Financiamentos do Norte FNO-EXPORTAO
Programa de Apoio Exportao
FPA Frente Popular do Acre FSC Forest Stewardship Council FUNTAC Fundao Tecnologia do Acre GtZ Deutsche Gesellschaft fr technische Zusammenarbeit (rgos da
Cooperao Alem) IBAMA Instituto Brasileiro IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Id Ibid Do mesmo autor, na mesma obra IMAC Instituto do Meio Ambiente do Acre INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INPA Instituto de Pesquisas da Amaznia IPAT ndice de Pessoas Associadas em Organizaes Coletivas por
Unidade Territorial IUCN International union for conservation of nature end natural resources
(atual The World Conservation Union) Km Quilmetros KfW Kreditanstalt fr Wiederaufbau (Banco Alemo) M-D-M Mercadoria-dinheiro-mercadoria MIRAD Ministrio de Reforma e desenvolvimento Agrrio MMA Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia
Legal NARIs Ncleos de Apoio Rural Integrado ONG Organizao No-Governamental ONU Organizao das Naes Unidas p.e., por exemplo, PAs. Projetos de Assentamentos PADs. Projetos de Assentamentos Dirigidos PAEs. Projetos de Assentamentos Extrativistas PC do B Partido Comunista do Brasil PDS Projeto de Desenvolvimento Sustentvel PCs Projetos de Colonizao PICs Projetos Integrados de Colonizao PIFLOR (Projeto) Plo de Indstrias Florestais PNRA Plano Nacional de Reforma Agrria PPG7 Programa Piloto para a Conservao das Florestas Tropicais no
Brasil PGAI Projetos de Gesto Ambiental Integrada PROAGRIN Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Agroindstria. PROCERA Programa de Crdito Especial para a Reforma Agrria PRODESIN Programa de Desenvolvimento Industrial PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo Regional PRODEX Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo PROENERG Programa de Eficincia Energtica PROFLORESTA Programa de Apoio ao Desenvolvimento Florestal PROINFRA Programa de Apoio Infra-estrutura Econmica
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PROMICRO Programa de apoio s micro-empresas PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRORURAL Programa de Apoio Pequena Produo Familiar Rural Organizada PROSUMAM Programa de Apoio a Conservao e Sustentao do Meio Ambiente PT Partido dos Trabalhadores RECA (Projeto) Reflorestamento Econmico Consorciado e Adensado RESEXs Reservas Extrativistas RO Rondnia SAFs. Sistemas Agloflorestais SCA/MMA Secretaria de Coordenao da Amaznia (SCA) do Ministrio de
Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia Legal s.d sem data de publicao SEATER/GP Secretaria Executiva de Assistncia Tcnica e Garantia da Produo SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micros e Pequenas Empresas. SEFE Secretaria Executiva de Floresta e Extrativismo do Acre SEFE/DEX Secretaria Executiva de Floresta e Extrativismo do
Acre/Departamento de Extrativismo SEICT Secretaria Estadual de Indstria, Comrcio e Turismo do Acre SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial s.l sem local de publicao s.n.t sem notas tipogrficas SNUC Sistema Nacional de Conservao da Natureza SEPROF Secretaria Estadual de Produo Familiar do Acre SPRN Subprograma de Poltica de Recursos Naturais do PPG7 STRs Sindicato dos Trabalhadores Rurais SUDHVEA Superintendncia de Desenvolvimento da Hvea SUFRAMA Superintendncia da Zona Franca de Manaus UCs. Unidades de Conservao UFAC Universidade Federal do Acre UNEP United Nations Conservation Union Vol. Volume WWF World Wildlife Fund ZEE/AC ou ZEE Zoneamento Ecolgico-Econmico do Acre
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RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA
RESUMO: Considerando as aes dos movimentos sociais de resistncia no espao agrrio amaznico-
acreano, temos como objetivo apresentar uma anlise sobre a realidade vivida pelo
campesinato, no mbito de sua luta para permanecer na terra a luta na terra , e sobre a
externalizao dessa luta para a sociedade atravs de novas direes no desenvolvimento
agrrio regional. Inicialmente, tratamos do sentido da fronteira hoje, como parte de questes
do desenvolvimento agrrio; estabelecemos os alcances territoriais da pesquisa sob o recorte
regional da Amaznia-acreana, para depois refletirmos sobre as especificidades do espao
produzido no alcance dos conceitos de rural e urbano, cidade e campo, propondo a
compreenso tambm da floresta como instncia fundamental no contexto amaznico; com
isso, tomando como base os aspectos sociais agrrios, apontamos as especificidades do
campesinato regional. Em seguida, aprofundamos a questo da luta e da resistncia
camponesa, contextualizando a construo de sua identidade e de seu territrio de vivncia,
para depois tratarmos do sentido socioambiental dos movimentos de resistncia, inclusive na
adoo de mudanas no uso do territrio. Ento, quanto externalizao dos movimentos
camponeses, mostramos que, durante a luta, houve uma busca de alternativas de
desenvolvimento para a regio, o que facilitou os encontros e os confrontos com a adoo do
projeto de desenvolvimento sustentvel, colocado pelo atual Governo do Estado do Acre;
quanto a isso, tecemos consideraes sobre a imposio de um projeto mundializado atravs
da adoo de novos padres de produo e da comercializao dos produtos locais, em
especial, do alcance das organizaes cooperativas e associativas camponesas. Analisando
tais organizaes na atualidade, demonstramos que, apesar das imposies, estas tm um
papel fundamental para pensarmos na viabilidade da produo camponesa na regio. Em
seguida, tratamos do controle social imposto, no apenas aos movimentos de lutas
camponesas, mas sociedade em geral, na cooptao de smbolos da luta pelo Poder Pblico
Estadual e no significado desta estratgia na gerao de autonomia ou de formas de coero
social; ento, passamos compreenso, por modalidades produtivas, das perspectivas de
desenvolvimento do Acre, perante a produo de produtos que vinculam os potenciais social e
natural da regio, sob forte cunho de apelos comerciais ecolgicos em relao s mercadorias
postas venda, inclusive estas sendo aceitas e praticadas pelas organizaes coletivas
camponesas. Finalizando, conclumos que h uma relao entre os movimentos de lutas
camponesas e a busca de alternativas de desenvolvimento agrrio, mas tambm h influncias
externas no processo. Da, na questo agrria regional, o problema do desenvolvimento estar
colocado centralmente no processo de produo socioespacial, mesmo considerando que na
Amaznia-acreana atual h muito mais imposies de propostas externas do que a construo
de alternativas prprias.
PALAVRAS CHAVES: 1.Campesinato. 2. Desenvolvimento. 3. Espao/territrio. 4.Luta/resistncia.
5.Agrrio/Amaznia. I.Ttulo.
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PEASANTRY RESISTANCE AND AGRARIAN DEVELOPMENT IN ACREAN AMAZONIA
ABSTRACT:
Considering the actions of the social movements of resistance in the Acrean-Amazonia
agrarian space, our aim is to present an analysis on the peasantry reality in the scope of its
struggle to remain in the land the struggle in the land -, and on the externalization of such
struggle to society through new directions in the local agrarian development. First, we discuss
the meaning of the border today as part of the agrarian development issues and establish the
territorial bounds of the research under the regional delimitation of the Acrean Amazonia, so
that we can then reflect on the specificities of the space produced considering the concepts of
rural and urban, city and country, also trying to understand the forest as a central instance in
the Amazonian context. Based on this and on the agrarian social aspects, we point out the
specificities of the local peasantry. Next, we carefully examine the question of the peasant
struggle and resistance by contextualizing the making of its identity and its territory, so that
we can address the socio-environmental meaning of the resistance movements, including the
changes in the use of the territory. As for the externalization of the peasant movements, we
show that, during the struggle, there has been a search for alternatives to develop the region,
and the adoption of the sustainable development project of the current Acre State
government made the debates easier. In relation to this, we address the imposition of a
worldwide project - by adopting new standards of production and trading, especially of local
products at the reach of the peasants associative and cooperative organizations. By
analyzing these organizations today, we show that, despite the impositions, they play an
essential role if we consider making the peasant production in the region feasible. Next, we
discuss the social control imposed by the States Public Power - not only to the peasantry
struggles movements, but also to society in general - in the cooption of the symbols of the
struggle, and in the meaning of such strategy in the generation of autonomy or forms of social
coercion. Then, we go on to understand through productive modalities the development
perspectives of Acre, in view of the production of goods which link the regions social and
natural potential, marked by ecological commercial appeals to the merchandise for sale which
are accepted and practiced by the peasants collective organizations. Finally, we conclude
that there is a relation between the peasant struggle movements and the search for agrarian
development alternatives, although there are external influences to the process. Therefore, in
the local agrarian issue, the problem of the development is centralized in the process of socio-
spatial production, even though we consider that there is much more imposition of external
projects than the development of local alternatives in the current Acrean Amazonia.
KEYWORDS:
1. Peasantry. 2. Development. 3. Space/territory. 4. Struggle/resistance.
5. Agrarian/Amazonia. I.Title.
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I N T R O D U O
Fazer esta introduo para ns uma tarefa difcil. Aqui temos a apresentar
mais do que o resultado de quatro anos de estudo, mas de um perodo vivido por embates
extasiantes e angustiantes1. extasiante por ser o final de um esforo intelectual e de um
autodesafio que se traduzir na concluso do trabalho e na titulao almejada. angustiante,
pois, apesar de todos esforos, temos conscincia do quo pequeno o produto que aqui
oferecemos diante de uma realidade to ampla e desafiante como a Amaznia. Porm, em
ambas as situaes, o que nos tranqiliza saber que temos a vida toda para compreender esta
realidade, oferecendo determinadas respostas s possibilidades cognoscveis que se mostram
nestes alegres trpicos midos aqui abordados. Ento, a realidade amaznica se nos
apresenta como um universo desafiante de conhecimento, oferecendo a possibilidade de
refletirmos e at de filosofarmos, mesmo que seja debaixo da sombra de uma rvore, a fim de
nos protegermos do sol escaldante de mais de trinta graus dirios.
Falar da Amaznia tratarmos da Geografia de uma regio que forma quase
a metade do territrio brasileiro. Pensamos ento que nada mais propcio de que convidar os
leitores a viajarmos no tempo e no espao, embrenhando-nos no apenas na selva
amaznica, mas tambm na realidade social vivida e na complexidade das reflexes na
captao do cognoscvel. Ento, nessa empreitada no campo da reflexo cientfica, nossa via
de caminhar a Geografia, porm transitando por estradas vicinais transcendentes ao
carter disciplinar, pois transcendente o conhecimento, inclusive o geogrfico. A inquirio
da realidade o mapa que nos permite desvendar o espao agrrio produzido, em que
buscamos respostas nas dinmicas e contradies que emergem da luta e da resistncia do
campesinato amaznico-acreano.
Por outro lado, temos de admitir que os anos de convivncia nos
propiciaram imagens construdas a partir de nosso confronto com esta realidade amaznica,
desde nossa chegada como migrante campons na dcada de 1980, at nossa condio atual
de pesquisador. Ento, consideramos que as reflexes aqui provm de uma experincia
1 - Para fins de tornar mais esclarecedora a leitura, embora possa ser evidente, queremos registrar o sentido do uso das palavras entre aspas e das palavras em itlico. Usamos as aspas para chamar a ateno quanto s palavras ou frases que podem ter sentido figurado ou at que expressem certa dubiedade (exceto quando se refere a citaes bibliogrficas, o que se trata de uma norma da organizao do trabalho cientfico); j nas
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vivenciada que nos permite uma viso, no apenas como estudioso interessado pela
Amaznia, mas de um intelectual amaznida que ousa falar de uma realidade em que parte
dela. No mais se trata de uma relao do sujeito que se embrenha na realidade do objeto a ser
pesquisado, mas sim de uma inter-relao intrometida do sujeito e objeto no constante
processo em que buscamos conhecer a realidade, promovendo condies de ao mesmo tempo
nos conhecermos socioespacialmente.
Ademais, mesmo considerando os aspectos transdisciplinares do
conhecimento, nossos apontamentos aqui esto mais voltados para os ramos cientficos cujos
objetivos direcionam-se s investigaes dos processos humanos e sociais em sua
materializao espacial e temporal. Mas o que especifica este conhecimento humano?
Conforme Demo2 (1985), considerando estes ramos humanos e sociais do conhecimento
cientfico, podemos caracteriz-los por seis momentos: a) seu objeto histrico, e isso
significa que caracterizado pela situao de estar (situao passageira) e no de ser
(condio permanente); b) um fenmeno particular da conscincia histrica, ou seja,
fazemos histria sim, mas em condies especficas que, em geral, so mais fortes que nossas
idias; c) a identidade entre o sujeito e o objeto estabelece uma relao em que, quando
estudamos a realidade social, estudamos a ns mesmos; d) as realidades sociais se
manifestam mais em formas qualitativas do que quantitativas; e) o carter ideolgico est
contido no objeto, isso quer dizer que a cientificidade resguardada quando estes traos
prevalecem sobre os ideolgicos, sendo que todas as tcnicas possveis de mensurao da
realidade no podem ter como objetivo primeiro a busca de superar suas pretenses
ideolgicas, mas salvaguardar as condies favorveis de manipulao mais objetiva; f) a
sombra da ideologia, a imbricao com a prtica, para alm da teoria, isto , a prxis do
estudioso.
Assim, ao abordarmos a realidade social pela busca da apreenso do objeto,
constitumos a nossa a metodologia, ou seja,
A cincia prope captar e manipular a realidade assim como ela . A metodologia
desenvolve a preocupao em torno de como chegar a isto. importante
percebermos que a idia que fazemos da realidade de certa maneira precede a idia
palavras e frases destacadas em itlicos enfatizamos termos e concluses importantes do ponto de vista conceitual aqui estudado. 2 - Aqui cabe um esclarecimento do ponto de vista tcnico de formatao do trabalho. Para fins de diferenciao entre as fontes bibliogrficas e as referncias que fazemos aos depoimentos de sujeitos sociais entrevistados,
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de como trat-la. Nisto fica claro sua posio instrumental por quanto est a servio
da captao da realidade (DEMO, 1985, p. 20).
Assim, na construo de uma pesquisa, muito mais do que privilegiar este
ou aquele mtodo ou metodologia, preciso estar ciente de que esses tambm so
processualmente construdos no decorrer da pesquisa3. Ento, nossa viso aqui a de que a
opo pelo mtodo envolve o domnio de tcnicas no tocante ao tratamento operacional da
pesquisa, porm, estas devem estar em sintonia com o constructo daquilo que o objeto
cognoscvel. Essas tcnicas sero adequadas quando nos ajudam a captar o cognoscvel nas
investigaes, guiando o raciocnio crtico e reflexivo que desenvolvemos sobre o pesquisado.
O mtodo apenas o caminho, ou ainda um meio e no o fim da pesquisa (o que consistir
no conhecimento do objeto, numa intrnseca relao com o sujeito). Por isso que se pode
afirmar que o mtodo diz respeito a fundamentos nos quais apoiamos nossas reflexes
(OLIVEIRA, 1998), ou seja, o mtodo uma via pela qual acessamos a cognoscibilidade do
objeto, mas nossa inteligncia, nossa reflexo que nos permite acesso aos fatos, fenmenos
ou processos que esto na realidade investigada e que ns buscamos apreender (CERVO e
BERVIAN, 1976).
Portanto, perante a realidade, a pesquisa , em si, o principal campo de
aprendizagem do prprio mtodo. Nela que o pesquisador se sobressair a partir de seu
engajamento, da sua experincia e capacidade de desenhar o caminho para melhor
apreender o objeto e restitu-lo na sua investigao como conhecimento produzido. preciso
que estejamos cientes de que, ao repensar o mtodo, este tambm produto daquilo que est
interpenetrado no carter, na personalidade, ou melhor, na alma do estudioso que, na busca
por conhecer, traz para sua prtica a condio de sujeito social, no seu envolvimento poltico e
no reconstruir do projeto social que almeja com sua prtica de investigador. Se pretendermos
compreender o objeto no livre e pleno exerccio de nossa atividade cientfica, devemos
recorrer a todas as idias, todos os mtodos e no apenas a reduzido nmero deles
optamos por citar os nomes de autores referidos no mbito das frases, sempre em negrito e dos entrevistados sem o negrito. 3 - Assim acreditamos que interessante entendermos a distino entre metodologia e mtodo. A metodologia refere-se aos procedimentos, demonstrao prtica das ferramentas que usamos para operacionalizar a pesquisa. O mtodo refere-se ao caminho para se alcanar o objeto cognoscvel. Reflete a maneira de reproduzir o pensar, o contedo apreendido do objeto, assim como da forma de retransmitir o conhecimento produzido. Nisso a operacionalizao da pesquisa perpassa pela definio metodolgica, dando contedo significativo aos procedimentos concretos e qualificando a coerncia da proposta de pesquisa. A metodologia o meio para chegar e abordar o objeto cognoscvel, ao mesmo tempo em que o mtodo o caminho por onde este meio deve trilhar. O mtodo segue o caminho das dvidas, em constante inquirio realidade (JIMNEZ e RAMOS, 1974), enquanto que a metodologia formada pelos passos definidos para abord-la.
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(FEYERABEND, 1989, p, 462). Assim, nesta pesquisa, buscamos entender a amaznica-
acreana na apreenso da dialtica que produz o espao a partir da realidade que se deslancha
no mbito da luta dos camponeses e das inter-relaes que da derivam no conjunto da
sociedade, na qual estamos inseridos. Da, no vemos nenhuma limitao ao optarmos por
uma construo do mtodo sob pressupostos mais heterodoxos, como poder ser notado no
decorrer da pesquisa.
Na construo do procedimento metodolgico visamos operacionalizar os
passos que demos no desenvolver da pesquisa, desde a anlise geral e a reviso, at o trabalho
de campo e a pesquisa documental. Durante todo o perodo (2001 a 2004), estivemos
envolvidos com leituras, consultas na Internet, busca de documentos em arquivos e redao,
isto , naquilo que chamamos de Trabalho de Gabinete. Por outro lado, na operacionalizao
da pesquisa, estivemos envolvidos em: visita com aplicao de entrevistas em comunidades
vinculadas s associaes e cooperativas em Brasilia, Epitaciolndia, Cruzeiro do Sul, Boca
do Acre (AM), Nova Califrnia (RO), Sena Madureira, Xapuri, Feij, Tarauac, Plcido de
Castro e Rio Branco; visitas e coletas de informaes s sedes das centrais de associaes e
cooperativas nas cidades; levantamento de dados complementares junto a UFAC, secretarias
estaduais e municipais de agricultura, INCRA, IMAC, SEPLAN/AC, CPT/AC, CTA, etc;
levantamento de informaes sobre o papel das Centrais de Associaes e cooperativas em
reas da cidade, campo e floresta. Cabe observar que tambm aproveitamos entrevistas feitas
no perodo de 1998/99, na ocasio em que estvamos elaborando a Dissertao de Mestrado.
Nesse processo, tivemos uma maior insero no mbito da realidade
pesquisada, de forma que o constante ir e vir no tempo e espao nos permitiram ver a
realidade em sua dinmica constante. Da se fez necessrio, em certas situaes, o retorno a
alguns raciocnios (o que no se trata de repetio) como forma de contextualizar melhor a
problemtica focalizada4.
Assim, no tocante inquirio sobre o contedo pesquisado, este emerge de
uma constatao que fizemos ainda na ocasio da elaborao da Dissertao de Mestrado
(1997-1999). Vimos que a partir da instituio da luta camponesa, houve grande interesse na
realidade agrria amaznica-acreana por questes que nos colocava perante outras
perspectivas de desenvolvimento regional. Estas tanto foram a geradas e projetadas, como
4 - Ressaltamos que outra informao a ajudar na leitura do trabalho ser a incluso de um Glossrio de termos regionais e de uma Lista de abreviatura e siglas; justifica-se, pois, embora tenhamos includo no decorrer do texto seus significados, nas situaes em que repetimos a palavra (termo regional, sigla ou abreviao), no repetimos o significado. Da esses recursos ajudarem a leitura quando for necessria a localizao imediata de tais significados.
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provindas por influncias externas. O importante que notvamos que o problema do
desenvolvimento estava colocado no mago da questo agrria regional. Ento, havia um
vasto campo de anlise das perspectivas de desenvolvimento regional e que podiam ser
entendidas a partir desta realidade agrria. A perspectiva para um projeto de desenvolvimento,
h muito tempo buscado no seio dos movimentos de camponeses, comea a se corporificar a
partir das organizaes associativistas e cooperativistas. J nos anos mais recentes, perante a
atuao do Poder Pblico Estadual, o significado deste desenvolvimento iria muito alm das
questes do ambiente agrrio e dos movimentos sociais organizados.
O panorama poltico do Estado do Acre, sob as mudanas polticas
ocorridas, acenavam para nova possibilidade de avano no conjunto dos movimentos sociais.
No mbito de um projeto reformista de desenvolvimento, os propsitos gerados no contexto
das lutas sociais encontram espaos para avanos, porm tambm encontram processos de
cooptao e de imposio por parte do Governo sociedade organizada. Ento h avanos e
recuos no alcance da luta e da resistncia camponesa, mas tambm da sociedade em geral.
Nessa conjuntura, estvamos certos de que havia pontos que nos permitiam
compreender a realidade amaznica-acreana no mbito da gerao de novos propsitos de
desenvolvimento agrrio regional. Da, ento, vemos uma realidade que est intrinsecamente
marcada pelo processo de luta pela terra e luta na terra que nos revelam, via organizaes
coletivas5, perspectivas de mudanas e de firmao no espao vivencial campons no
ambiente agrrio local. Da derivam as teses que desenvolvemos ao longo deste trabalho, tais
como:
As lutas e resistncias camponesas se inscrevem no mbito de um longo
processo de formao social da regio.
As condies reais do espao regional produzido so parte de uma
conotao de predomnio do agrrio como instituinte da realidade. Da
se forjam condies para apreender novas faces do espao agrrio
produzido, o que nos d a especificidade regional.
5 - Aqui estamos nos referindo s seguintes organizaes: CAPEB (Central de Associaes de Produtores Rurais de Epitaciolndia e Brasilia); Projeto RECA (Reflorestamento Econmico Consorciado Adensado) de Nova Califrnia, Rondnia; CAEAP (Central de Associaes pequenos produtores Extrativistas e Agricultores Ribeirinhos do Rio Purus) de Boca do Acre-AM.; Central Bom Jesus do Abun de Plcido de Castro; CAEX (Cooperativa Agroextrativista de Xapuri); COOPERIACO (Cooperativa de Pequenos Produtores do Rio Iaco) de Sena Madureira; CASAVAJ (Cooperativa das associaes de seringueiros e agricultores do Vale do Juru) de Cruzeiro do Sul; ASPERTA (Associao dos Pequenos Produtores Rurais de Tarauac); COAF (Cooperativa Agroextrativista de Feij); e COOPEC (Cooperativa das Centrais de Associaes do Estado do Acre) de Rio Branco.
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A propriedade familiar camponesa vivel na Amaznia. Porm, esta
viabilidade somente duradoura quando vir mediante uma organizao
da produo, do produtor e da comercializao por vias que valorizem a
coletividade e a autonomia da classe.
O desenvolvimento de SAFs pode ser uma alternativa para a produo
diante dos problemas ambientais e de culturas tradicionais e a busca de
mercado, na gerao de renda familiar.
Os alcances dos ganhos destas iniciativas no so limitados aos
associados, pois possibilitam tambm s comunidades acesso a produtos
alimentcios a preos mais acessveis e, ainda, criam empregos e
ocupaes na cidade e no campo.
Tais iniciativas, de imediato muito mais que um instrumento de
transformao social, na realidade capitalista so formas de readequao
ao mercado deste tipo de propriedade, de sua fora-de-trabalho, de sua
produo e de produtos regionais, promovendo maior poder de
capitalizao da fora de produo camponesa e maior mercadorizao
da natureza. Nisso, tambm podem residir formas de subordinao
impetradas pelo capital.
Os propsitos de desenvolvimento sustentvel propostos pelo
Governo do Estado tm reflexos sobre os movimentos sociais da luta na
terra; porm, sua atuao nem sempre se d por relao de
conformao, mas tambm por presso e apropriao de propsitos da
luta. Da h a gerao de parcerias, mas tambm tentativas de
imposies.
Com estes propsitos ento traamos uma anlise sobre a viabilidade da
produo familiar camponesa no espao agrrio, no processo relacional com as formas de
organizao coletivas e de desenvolvimento, no contexto das novas faces da reterritorilizao
do capital em nvel regional, nacional e global. Dessa forma, surgem pontos fundamentais a
partir da firmao e reviso destas teses como base para repensarmos as alternativas viveis
para o planejamento do desenvolvimento agrrio, sobretudo na regio da Amaznia-acreana.
Ento, com relao unidade de produo camponesa que definimos como espao objetivo de
nossa pesquisa e tambm objeto de investigao, podemos caracteriz-la por dois processos
fundamentais:
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O primeiro, refere-se expropriao, em que fica demonstrado que a
falta de uma poltica agrria justa expulsa o homem de sua terra de
trabalho e cria, na sociedade, a falsa idia de que sua sada do campo ou
da floresta para a cidade provm de seu prprio desinteresse para com a
terra. Ressaltamos, entretanto, que na regio acreana, estes processos so
menos intensos nas reas de PAEs e RESEXs.
O segundo, refere-se quilo que caracterizamos como movimento de
resistncia em permanecer na terra para vencer as barreiras geradas no
primeiro processo (de expropriao), isto , a luta na terra. A situam-se
a resistncia e o embate na busca da formao de organizaes
comunitrias e da unio destas como instrumentos de fora coletiva.
Buscando viabilizar a construo de um projeto campons autnomo e
condizente com as condies eco-ambiental, regional e de mercado, estas organizaes
procuram um projeto modelo alternativo de desenvolvimento agrrio local. Almejava-se
algo que fosse ao encontro de suprir suas necessidades comerciais, ainda que articulados s
tendncias do mercado capitalista atual, mas tambm que possibilitassem a firmao de sua
autonomia e auto-sustentao familiar e coletiva camponesa, sob base de produo no-
capitalista. Nesse processo ir ento encontrar respaldo externo, dentro de propsitos de
viabilizao de mercado e metas polticas reformistas:
Inicialmente, surge ento a opo por propsitos de desenvolvimento
que buscam revalorizar o potencial produtivo amaznico; mas ainda
numa viso muito prtica de garantir ganhos sociais aos associados.
Conciliar-se-ia, ento, a preservao ambiental com o anseio dos
camponeses por produtos de grande aceitao comercial e com a
necessidade do mercado mundial por produtos naturais, ecologicamente
produzidos sem agredir a natureza. A se abriu um campo frtil para a
expanso e prtica das teses e da ideologia do desenvolvimento
sustentvel, que foi depois abraada pelo atual Governo do Estado do
Acre e colocada tambm para os movimentos camponeses referidos.
Nesse processo de reproduo socioeconmica, h formas mais fortes de
subordinao do trabalho e da produo camponesa perante a
reproduo capitalista geral, e sua implicao na produo do espao
local. Assim, a mercantilizao do verde, gradativamente, torna-se o
marketing dos produtos (a marca ecolgica) destas organizaes e
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empresas privadas, criando-se uma fatia do mercado em que podero
adentr-lo. A o capital age subordinando a fora-de-trabalho e recursos
naturais semi-excludos, na organizao interna destas associaes ou
cooperativas, e externando a partir dos financiamentos e da
comercializao de suas mercadorias.
Cabe ressaltar aqui que quando entendemos o campons como classe social
e o tratamos como classe em si e para si (ALMEIDA, 2003). Em ambas as situaes, sua
condio a de um sujeito que traz sua existncia, de modo intrnseco, um qualificante
como ser complexo: uma classe que comporta em si a condio de deter os meios de
produo essenciais (condio de ser proprietrio ou posseiro) e a fora-de-trabalho (condio
de ser trabalhador), e ainda, da aplicao destas condies no processo produtivo (condio de
ser produtor), no mbito de sua insero na sociedade; isso quer seja por processos de auto-
recriao na luta pela terra, quer seja pela recriao pelo prprio capitalismo no mbito de
polticas de assentamentos e de colonizao6. Da, em certas circunstncias, na unidade na
diversidade que compe o campesinato como classe, seus projetos sociais encontram com os
projetos do proletariado (para um exemplo, basta considerarmos que nas manifestaes
camponesas em Rio Branco, sempre houve apoio deliberado dos sindicatos urbanos). Ento,
no vemos nenhuma contradio de tratar estes camponeses com o termo de trabalhador, at
porque esse termo referencial de sua identidade social, em que no negam, apesar de
reconhecerem suas condies diferenciais no mbito estrutural e conjuntural da sociedade7,
com relao ao trabalhador da cidade.
Diante da problemtica colocada, podemos ento dizer que a questo a ser
discutida perpassa pela investigao de indagaes como: Quais so as reais condies que a
produo camponesa no espao agrrio regional pode ser viabilizada do ponto de vista de sua
6 - Para melhor entendimento quando tratamos destas caractersticas, optamos por fazer sob a tica do exerccio do domnio sobre a terra. Assim, bom distinguir a questo que referiremos como domnio legal e domnio legtimo da terra. A questo da propriedade juridicamente reconhecida d um domnio sobre a terra ao proprietrio, que se inscreve no direito adquirido ao comprar ou receb-la escriturada. Isto condio para o capitalista ou proprietrio de terra existir juridicamente. Ao campesinato no necessariamente, pois como posseiro ele detm uma legitimidade baseada no uso da terra, na relao sentimental travada com o ambiente local, nos costumes, nos embates com proprietrios legais ou grileiros, em enfim numa economia moral (THOMPSON, 2002) que se baseia nesta relao travada por longos anos, geraes de convvios inscritos no significado da vivncia do lugar, apreensvel, p.e, quando esses reconhecem que no tem documento da terra, mas tem ali geraes de familiares vividas o cemitrio o testemunho; e, os filhos, netos e at bisnetos com que divide seus espaos e territrios vivenciais a certeza da continuidade. 7 - Para pensarmos isso bom relembrarmos que estes camponeses sempre identificam seus sindicatos como sindicatos dos trabalhadores rurais, constando em seus estatutos esta condio como requisito para se associar, juntamente propriedade e posse familiar da terra. Por outro lado, em conversa com estes sujeitos sociais, eles sempre ressaltam que so diferentes de ns (da cidade), pois so donos de onde trabalham, produzem primeiro o
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consolidao na formao socioespacial da Amaznia-acreana? Qual a relao existente entre
o cooperativismo/associativismo e o desenvolvimento agrrio para a produo camponesa, e
desta com os novos anseios de mercado? Seria isso forma de integrar a mercantilizao da
natureza com o controle da mo-de-obra marginalizada numa regio economicamente
perifrica, mas mundialmente estratgica? O que isso pode representar de ganhos sociais
internos (para os associados/cooperados) e externos (para a sociedade em geral)? As
dimenses de solidariedade e sustentabilidade sociais que atingem as comunidades e grupos
sociais envolvidos tornam-se valores passveis de realizao numa sociedade sob a economia
de mercado? Tendo estas questes como guias, fizemos nossas consideraes ao longo do
trabalho organizando e apresentando-o em quatorze captulos, assim sistematizados:
Nos quatro captulos iniciais, estabelecemos os possveis recortes da
pesquisa quanto a sua dimenso de abrangncia espao-temporal, na seguinte seqncia:
No Captulo 1, tivemos como objetivo tecer consideraes sobre os
processos que promoveram as dinmicas atuais da fronteira acreana. Ento, consideramos que
na atualidade h uma sobreposio e interpenetrao das diversas fases de articulao
socioespacial do territrio acreano. Isso o coloca, ora como periferia do processo de
industrializao dos pases estrangeiros, cabendo-lhe o papel fundamental de fornecedor de
matria-prima; ora sendo incorporado rearticulao territorial do capitalismo no Brasil,
desempenhando a condio de espao para a especulao fundiria e, mais recentemente,
como espao que incorpora no seu processo produtivo condies objetivas para experimento
de novos paradigmas de desenvolvimento global, que localmente esto em curso. Na prtica,
isso se refere s rugosidades da frente pioneira extrativista, sobreposta pela expanso da
frente pioneira agropecuria que, no contexto atual, esto envolvidas no processo da adoo
do projeto de desenvolvimento sustentvel. Ento vemos uma nova dimenso da fronteira
na qual h uma revalorizao do sentido tcnico e ecolgico da produo agroextrativa que
agora se coloca como linhas divisoras no processo de produo do espao regional.
No Captulo 2, tratamos de firmar a base territorial para anlise dos
processos que promoveram as dinmicas atuais da fronteira acreana. De incio, podemos dizer
que possvel apreender a formao regional conforme o processo histrico vivido na
produo do espao acreano. Assim, propomos um recorte territorial em que a diversidade
regional amaznica no pode ser vista como um construto natural das redes hidrogrficas ou
da floresta em si, mas sim como criao humana/social processada na interao com o
que necessitam para o prprio consumo, estabelecem seus prprios ritmos de atividade, tem necessidades de consumos diferentes das nossas etc.
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ambiente natural. Partindo dessa compreenso, iniciamos o estabelecimento de consideraes
sob o ponto de vista espacial e temporal da pesquisa, sobre a territorializao regional que se
concretiza a partir do Acre, no mbito da Amaznia Sul-Ocidental. Com isso, fixamos pontos
bsicos que nos permitem a apreenso da ntida definio de uma formao regional nesta
parte da Amaznia: a Amaznia-acreana.
No Captulo 3, buscamos a compreenso do espao agrrio produzido na
Amaznia-acreana. Ento propomos superar a leitura feita simplesmente pela apreenso da
dicotomia campo-cidade ou rural-urbano. Assim, concebemos que o agrrio regional, no
contexto das relaes que o produziram, traz para os dias atuais feies espaciais que no
podem ser apreendidas simplesmente pela aplicao desses conceitos. A condio que a
produo global imps ao espao local resultou em certas especificidades, que nos fazem
questionar se tais categorias de anlise contemplam as dimenses de um espao que comeou
a ser produzido a partir da floresta. Mostramos ento que, aqui, a floresta no foi e no
sinnimo de espao no-produzido. Sob as bases da produo da empresa extrativa, os
seringueiros demarcaram os territrios produtivos das empresas e do trabalhador
(seringal/colocao), seus territrios vivenciais (colocao/colnia); abriram as estradas de
seringas, os varadouros, as clareiras onde construram suas moradas e as sedes dos barraces;
identificaram as rvores produtivas, aprenderam a colher da floresta muitos recursos nela
contidos para o seu viver cotidiano. Da, a floresta chegar aos dias de hoje como espao pelo
qual tambm se luta para mant-la como ambiente de vivncia social. Assim, a realidade
agrria a se manifesta se distinguindo entre campo e floresta, mas com marcantes influncias
destes sobre a cidade.
No Captulo 4, buscamos a apreenso da dimenso social dos sujeitos que
produzem a dinmica da realidade vivida que estamos estudando. Vimos que muito tem se
tratado das lutas e movimentos sociais rurais, na Amaznia-acreana, porm pouco se tem
atentado para identificar e localizar os sujeitos que produzem tais dinmicas nesta realidade
vivida, no mbito da sociedade que nos insere. Assim caracterizamos de forma mais ntida a
formao social de uma classe camponesa, que se institui a partir da produo florestal. Ao
longo dos diversos processos que norteiam as aes da empresa extrativistas, o campesinato
tanto recriado por fora dominante (como nas colnias agrcolas) como se auto-recriam (nos
momentos em que a estrutura dos seringais permite) como uma classe social que busca
construir sua autonomia e identidade. Ento, ao longo do sculo vinte diversificam-se como
categorias sociais, mas unificam-se no projeto de vida ligado ao acesso a terra de trabalho
(MARTINS, 1983, 1991). Da nossa reflexo para compreender como estes sujeitos sociais,
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portadores de uma identidade agrria (a agrarialidade) regionalmente formada, se colocam
no mbito das luta e da sociedade em geral8.
Na parte que vai do captulo quinto ao oitavo, aprofundamos a questo,
fazendo uma reflexo sobre a luta e resistncia deste campesinato. Ento a apreenso da sua
diversidade social e a busca de construir maior unicidade na luta so pontos fundamentais
para compreender as estratgias de resistncia que so travadas. Assim, abordamos esta
problemtica conforme a seguir explicamos:
No Captulo 5, continuamos as consideraes sobre a apreenso da classe
camponesa na Amaznia-acreana. Assim nas reflexes tratadas buscamos responder a certas
indagaes, como: do ponto de vista do processo de formao social e econmica, quem so
estes sujeitos que vemos como camponeses? Como e porque estes resistiram e ainda resistem
h mais de um sculo, passando por perodos de dominao e de submisso nos seringais?
Como se colocam na atualidade perante a reconstruo de identidade (s) camponesa (s) e
trabalhadora (s) na regio? Seria o significado de um campesinato que se principia da floresta,
mas se diversifica tambm no campo, o ponto fundamental para compreendermos a realidade
da luta pela terra e pela permanncia na terra hoje? Ento, respondendo a essas indagaes,
mostramos a condio efetiva de classe em si e para si que norteia a dinmica da realidade
agrria produzida a partir dos movimentos sociais de luta e resistncia camponesa.
No Captulo 6, desenvolvemos uma anlise sobre territrio no contexto da
realidade camponesa. Ento, voltando um pouco no tempo para entender isso, vimos que o
campons amaznico-acreano, na construo de sua territorialidade, forma-a sob fortes laos
opressores dos seringais; isso, com raras excees queles grupos que desde os primeiros anos
do sculo XX, iniciaram trabalhos em pequenas colnias agrcolas. Os conflitos gerados,
nesse contexto, no ameaavam, no plano territorial, a base fsica da vivncia camponesa
florestal, processando-se mais no plano da circulao de mercadorias, sendo que a autonomia
que gozava a colocao no sistema de aviamento, dava-lhes condies de conviver com os
agentes capitalistas remanescentes dos seringais. A profunda relao que criou entre
8 - Para uma aproximao inicial da questo da camponesa podemos considerar o processo de sua recriao na regio amaznica-acreana. Nisto vemos que primeiro houve uma recriao pelo capital que os trazem do Nordeste, colocando-os a seu servio como escravos por dvidas nos seringais (MARTINS, 1997), mas em momentos necessrios, de crises nas empresas extrativistas so tomadas medidas de criao de colnias agrcolas ou de incentivos para a diversificao produtiva. Foi ento perante o abandono das empresas extrativista e na luta pela sobrevivncia desses sujeitos trabalhadores na floresta que houve o comeo de auto-recriao camponesa aps a segunda dcada do sculo XX. Posteriormente, a partir da dcada de 1970, haveria uma ampliao maior no mbito dos conflitos pela terra e dos processos de auto-recriao; porm tambm com polticas de assentamentos, haveria uma maior ampliao de aes do prprio modo capitalistas de produo novos criando mecanismos de recriao camponesa nos diversos projetos de colonizao e assentamentos.
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seringueiros e as terras florestais que viviam, nos sistemas produtivos remanescentes dos
seringais, fez com que esses, ao serem ameaados pela mudana da nova frente capitalista
ps-1970, reagissem de imediato. Assim, saem em defesa dos padres produtivos
extrativistas, mas no pautados no seringal e sim na colocao como unidade produtiva. Essa
j concebida enquanto espao fsico no qual sua territorialidade se materializava, ou seja,
territorializava como concretizao definitiva da espacialidade de sua reproduo familiar. As
reaes agora tornam aes conjuntas e coletivas contra as possibilidades de perderem as
condies que socialmente foram conquistadas, isto , de ser e de viver como um campesinato
(a realizao do habitus de classe camponesa) que ao longo das ltimas dcadas vividas
venceu processos opressivos e forjou um modo de vida a partir da floresta (no sentido de um
habitus florestano). Nesses momentos, podemos dizer que a luta ganha um carter territorial,
pois passam a lutar tendo como meta fundamental a conquista do reconhecimento de sua terra
de trabalho. A nosso ver, estas questes, vistas a partir da dimenso territorial, so condies
bsicas para compreendermos o sentido da formao de autonomia local, no conjunto da luta
nos movimentos dos trabalhadores organizados na Amaznia-acreana.
No Captulo 7, dedicamo-nos a discutir o sentido socioambiental dos
movimentos de resistncia. Assim, mostramos que no mbito da luta e resistncia o
seringueiro, como sujeito precursor da produo camponesa na regio, incrustado na sua
formao histrica e social, trouxe aos momentos de avano da fronteira agropecuria legados
de um sculo de convvio e aprendizado de vida e de trabalho na floresta. Nisso constituiu a
base geogrfica de modos de vida, formas de reproduo social e ambiental, prticas coletivas
e comunitrias em que a floresta est tanto na raiz da gerao de seus meios de subsistncia e
produo econmica, como permeando o imaginrio e o simblico social que se instituem no
seu cotidiano. Portanto, nessa situao, a floresta est para o seringueiro como est o roado,
a lavoura e as plantaes em reas desmatadas para o colono assentado. Politicamente a
floresta espao de vivncia vital para a existncia desses sujeitos, nem tanto pelos recursos
disponveis, mas pela significncia que ganhou ao longo da formao socioespacial, inclusive
como instituidora do imaginrio social que se forma. Ento, ao se localizarem, esses sujeitos
sociais recriam modos de vida estritamente vinculados ao ambiente da floresta que os insere.
Por outro lado, os migrantes camponeses que foram assentados nos projetos do INCRA,
surgem no contexto da reproduo deste espao agrrio, em igual condio estruturalmente,
mas muito diversos do ponto de vista sociocultural. Da, por alguns anos, estes grupos
camponeses no se vem como de uma nica classe social que compartilham destinos.
Vem-se sim como sujeitos sociais diferentes. Esse conflito diminuir somente no contexto de
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abrangncias mais generalizantes dos processos de expropriao da terra acessada, j por
volta do final da dcada de 1980 e incio da dcada de 1990. Ento, principia o
fortalecimento da participao desses camponeses migrantes nos sindicatos e movimentos
sociais rurais, sobretudo na organizao de associao e pequenas cooperativas em que, no
geral, estes traziam maiores experincias, ou seja, no mbito da luta na terra. com esses
pressupostos que apresentaremos uma caracterizao e problematizao da questo das lutas e
dos movimentos dos trabalhadores rurais amaznicos-acreanos. Assim buscamos ver a
realidade das lutas locais no seu encontro com as dimenses polticas da idia de
sustentabilidade, quer seja com suas organizaes coletivas, ou com a otimizao da
revalorizao dos recursos naturais regionais como mercadorias verdes (as
ecomercadorias). Assim, tais camponeses organizados montam estratgias que reforam sua
resistncia contra os processos de expropriao que os ameaam, mas se adequam cada vez
mais a este mercado. A questo que fica, a saber, se nisso est sendo gerada uma alternativa
da construo de autonomia, ou se so apenas novas formas de dominao engendradas
pela reproduo capitalista que submete o lugar? Ento tratamos das questes no campo das
possibilidades9.
No Captulo 8, ainda aprofundando as questes dos captulos anteriores,
focalizamos as mudanas no uso do territrio. Partimos ento da constatao de que no mbito
da luta camponesa, a resistncia tambm um processo de mudanas de conduta em que se
deixa a passividade e comea a tomar iniciativas de auto-organizao10. Este carter de peso
fundamental, visto que, sob tais iniciativas, as prticas sociais camponesas manifestam-se por
aes criativas para se colocarem coletivamente perante a realidade envolvente. Nisso se
apresenta por uma ambigidade (CHAU, 1985), pois ao mesmo tempo estes aspectos
tambm tornam o campons mais exposto a processos externos na sociedade geral, sobretudo
no mercado. Ento, conviver com a ambigidade uma condio da luta e da resistncia,
visto que o isolamento impossvel e inconcebvel. Com estas consideraes, levantamos
bases para uma reflexo sobre as mudanas recentes no tratamento de polticas voltadas para
9 - Sob esse ponto de vista, considerando que a realidade no pode ser resumida ao que existe materialmente, concordamos com Boaventura de S. Santos (2002, p.25) que a realidade um campo de possibilidades em que tm cabimento alternativas que foram marginalizadas ou que nem sequer foram tentadas. 10 - interessante aqui pensarmos no sentido do significado da resistncia e da luta, no contexto vivido. Enquanto a luta se faz presente como condio do embate cotidiano nos processos sociais envolventes, a resistncia camponesa sua condio permanente de embate na sociedade. Ento, busca de inovao e transformao (p.e., novos padres vida, de produo e consumo), mas tambm da manuteno de condies vivenciais existentes (p.e., modo de vida, condies de manuteno no domnio do tempo e espao estabelecido). Portanto, no mbito dos laos que prendem dialeticamente as classes sociais no contexto processual que reproduz o espao vivido, no h resistncia sem luta ou luta sem resistncia.
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o espao agrrio produzido na Amaznia-acreana. Ento, apresentamos as mudanas
paradigmticas no uso que implementam a terra florestal e as perspectivas locais, no mbito
de suas significaes. Da questionarmos: o que significa o sentido da firmao de uso
florestal do territrio como definidor de padres de mercadoria e do desenvolvimento
regional? Como ficam as pretenses campesinas quando esto envolvidas no mbito da
consolidao dos territrios das Unidades de Conservao? Vemos nestas perguntas situaes
que permitem traarmos uma anlise crtica do significado das mudanas que tm sido
implementadas no espao produzido regional, seja via as pretenses locais sobrepostas por
propsitos globais no mbito dos movimentos ambientalistas e na adoo de novos padres
produtivos, seja como polticas de regularizao fundiria em territrios florestais pelo poder
pblico Estadual e Federal.
Nos captulos nono e dcimo, discutimos a questo das mudanas na adoo
de polticas de desenvolvimento que principiam no mbito do confronto da luta, mas tambm
nos reflexos de seu significado no contexto mundial. Da h mudanas nos padres de
desenvolvimento regional que emergem dos movimentos em suas estratgias de resistncia,
ao passo que tambm h a cooptao de seus ideais de luta no mbito dos projetos
mundializados da opo pelo desenvolvimento sustentvel. Na prtica isso implicou em
mudanas nos padres produtivos no mbito agrrio, na maior imbricao das organizaes
camponesas com direes impostas pelo mercado etc. Vejamos:
No Captulo 9, discutimos a questo do desenvolvimento. Ento
demonstramos que desde o final dos anos 1950, no plano mundial, comeou de forma mais
deliberada um despertar para o perigo das destruies massivas da natureza e dos impactos j
sentidos com as mudanas globais. Em algumas camadas da sociedade, principiava a tomada
de conscincia de que o desenvolvimento seguido pela humanidade era incompatvel com o
equilbrio da vida no planeta. Assim, organizaes governamentais e no-governamentais do
mundo inteiro se mobilizaram para a questo e gradativamente ganharam espao em todos os
setores sociais, econmicos, polticos e acadmicos, sobretudo nos pases mais enriquecidos
do mundo. A Amaznia rapidamente transformada em rea de preocupao mundial.
nessas circunstncias que, j por volta da dcada de 1980, os movimentos de resistncia dos
camponeses locais iro encontrar a ressonncia mundial devida a suas lutas localizadas. O
apoio, ento, ocorreu tanto no campo logstico, em que projetaram lideranas amaznicas em
nvel mundial, como no plano financeiro, com o financiamento a projetos alternativos de
desenvolvimento de grupos organizados que buscaram produzir outras condies para sua
existncia, contrapondo-se aos propsitos desenvolvimentistas que os subjugaram nas trs
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ltimas dcadas do sculo XX. Assim, manifestaram dimenses na luta desses camponeses
que buscavam muito mais que conquistas para sobrevivncia da classe; seus anseios nos
movimentos sociais j apontam para a necessidade de uma alternativa ao desenvolvimento
regional. Essa abertura possibilita o encontro com os propsitos do desenvolvimento
sustentvel (criado nos pases mais ricos do planeta) que j se colocava no plano global,
sobretudo como indicao de direo polticas ideais para os pases e regies mais
empobrecidos do planeta. Assim, o termo desenvolvimento sustentvel torna-se um
paradoxo, pois dele todos falam. Mas, ento o que esse desenvolvimento? E a questo de ser
sustentvel ou de ter sustentabilidade, como fica? O que se pode dizer que no contexto
amaznico-acreano, seja como significados gerados no mbito da luta ou do sentido acatado
do discurso mundial, muitos novos conceitos e prticas hoje difundidas advm como parte
desta conjuntura do confronto ou encontro do local com o mundial. No mbito da produo
camponesa, no espao agrrio no vemos apenas possibilidade de submi