un e p faculdade de ciÊncias e tecnologia … · a honorina, silvio junior e cadmo cairê, ......

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA FCT/UNESP R R E E S S I I S S T T Ê Ê N N C C I I A A C C A A M M P P O O N N E E S S A A E E D D E E S S E E N N V V O O L L V V I I M M E E N N T T O O A A G G R R Á Á R R I I O O N N A A A A M M A A Z Z Ô Ô N N I I A A - - A A C C R R E E A A N N A A S S I I L L V V I I O O S S I I M M I I O O N N E E D D A A S S I I L L V V A A Presidente Prudente, 1° Semestre de 2005

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  • UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE EESSTTAADDUUAALL PPAAUULLIISSTTAA FFAACCUULLDDAADDEE DDEE CCIINNCCIIAASS EE TTEECCNNOOLLOOGGIIAA FFCCTT//UUNNEESSPP

    RREESSIISSTTNNCCIIAA CCAAMMPPOONNEESSAA EE DDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOO AAGGRRRRIIOO NNAA

    AAMMAAZZNNIIAA--AACCRREEAANNAA

    SSIILLVVIIOO SSIIMMIIOONNEE DDAA SSIILLVVAA

    Presidente Prudente, 1 Semestre de 2005

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

  • UNESP

    Universidade Estadual Paulista Faculdade de Cincias e Tecnologias FCT

    Campus de Presidente Prudente

    Tese elaborada junto ao Programa de Ps-graduao em Geografia - rea de Concentrao: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental, para obteno do Ttulo de Doutor em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Manano Fernandes

    Presidente Prudente 1/Semestre/2005

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 2

    Ficha catalogrfica elaborada pelo Servio Tcnico de Biblioteca e Documentao UNESP FCT Campus de Presidente Prudente

    S583R

    Silva , Silvio Simione da.

    Resistncia camponesa e desenvolvimento agrrio na Amaznia-acreana / Silvio Simione da Silva. - Presidente Prudente : [s.n.], 2004

    500 f. : il. Tese (doutorado). - Universidade Estadual Paulista, Faculdade

    de Cincias e Tecnologia. Orientador: Bernardo Manano Fernandes

    1. 1.Campesinato. 2. Desenvolvimento. 3. Espao/territrio. 4.Luta/resistncia. 5.Agrrio/Amaznia.I.Ttulo. CDD (18.ed.) 910.135

    Reviso Ortogrfica e Gramatical: Prof. M.S. Paulo Bungart Neto.

    Traduo do Resumo para o Ingls: Prof. Brbara Stocker.

    Figuras da Capa: Logotipo de CASAVAJ, RECA e CAPEB; fotografias: SAFs no RECA

    (Arquivo da CPT/AC, colheita de Ara-boi no RECA (RECA, 2003); castanha-do-brasil,

    guaran e produtos regionais embalados (ANAC, S.d), viveiro de planta (Arquivo da CPT)

    Silvio Simione da Silva

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 3

    RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    Tese para a obteno do grau de Doutor

    COMISSO JULGADORA

    ..................................................................................................................

    Presidente e Orientador: Prof. Dr. Bernardo Manano Fernandes

    ..................................................................................................................

    Titular: Prof. Dr. Eda Maria Goes (FCT/UNESP)

    Suplente: Prof. Dr. Eliseu Saverio Spsito (FCT/UNESP)

    ..................................................................................................................

    Titular: Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP)

    Suplente: Prof. Dr. Carlos Walter Porto Gonalves (UFF)

    ..................................................................................................................

    Titular: Prof. Dr. Manoel Calaa (UFG)

    Suplente: Rosemeire Aparecida de Almeida (UFMS)

    ..................................................................................................................

    Titular: Prof. Dr. Miriam Cludia Loureno Simonetti (UNESP/Marlia)

    Suplente: Prof. Dr. Gerson Rodrigues de Albuquerque (UFAC)

    Meno: ..................................................................................

    Presidente Prudente, 17 de janeiro de 2005

    Quero dedicar a:

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 4

    Alguns grandes e desconhecidos mestres que tive na escola e na vida: Meu

    pai Onofre Pinto da Silva e minha me Josefina Simioni da Silva, que me deram

    a vida e ensinaram-me os primeiros passos; Honorina, Silvio Jnior e Cadmo

    Cair, esposa e filhos, que em cada dia de convvio nos seus gestos simples me

    ensinam o sentido de viver; aos dois professores do ensino primrio, Prof Vera

    Parreira Loureno e Antnio Baptista (in memoriam); professora Dulce (in

    memoriam), no ensino ginasial ainda em Mato Grosso do Sul. No ensino

    supletivo secundrio, Professora Antnia Vasconcelos Damasceno, em

    Brasilia, no Acre. Na Graduao, Prof Maria das Dores Silva. Aos Padres

    Joo Martins (in memoriam), Luis Ceppi, Dom Moacir Grecchi e as Irms

    Silvana e Rosalia, entre outros, que me ensinaram a ver na luta deste povo de

    Deus um sentido para viver tambm a minha vida de Gegrafo.

    Ao Professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Um dia solicitei-lhe que me

    orientasse no trabalho de Mestrado e, mesmo sem me conhecer, prontamente,

    soube dizer sim. Hoje entendo que, por trs deste gesto, estava uma capacidade

    de doao impossvel de ser medida, que s se faz presente em homens de

    corao puro e naqueles que no deixam a chama da esperana se apagar.

    Obrigado Professor!

    Aos homens e mulheres que trabalham no campo, na cidade e na floresta,

    por esta Amaznia afora: pessoas que tm me mostrado que quando

    acreditamos, o impossvel torna-se uma dimenso mais prxima de se alcanar,

    e que sempre haver uma nova possibilidade no horizonte. Da acreditarmos que

    ainda possvel uma sociedade mais justa e fraterna a partir da luta e da

    organizao social. Ento, acreditar preciso.

    Agradecimentos

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 5

    A construo deste trabalho foi produto de um esforo que, de forma direta

    e indireta, envolveu a colaborao de outrem. Aqui manifestamos nossa imensa gratido

    queles que contriburam, e a conscincia de que seria impossvel fazer nominalmete o

    agradecimento a todos. Porm, no poderamos deixar de agradecer a algumas pessoas e

    instituies em especial:

    A Honorina, Silvio Junior e Cadmo Cair, esposa e filhos que estiveram

    juntos comigo nesta caminhada.

    Aos meus irmos Aparecida, Vernica, Maurcio, Benedito, Onofre, Ana

    Paula e seus familiares; e tambm, aos familiares daqueles irmos que j no esto mais no

    plano terreno. sobrinha e comadre Gueime, que, em alguns telefonemas, sempre expressou

    sua doura e meiguice. Devo admitir que de uma forma ou de outra todos vocs me ajudaram

    a caminhar tranqilamente nesta empreitada.

    Senhora Joanice Gonalves de Farias, ao Senhor Orlando Jos de Farias,

    sogro e sogra, e s minhas cunhadas Francisca Antnia e Francisca da Chagas, pelo incentivo

    e crditos sempre depositados em nosso esforo de estudar e tambm pela hospitalidade todas

    as vezes em que estive no Acre.

    Aos orientadores, Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que esteve

    conosco at a Qualificao, e ao Prof. Dr. Bernardo Manano Fernandes, que assumiu a

    orientao aps a Qualificao, permitindo-nos a continuidade do trabalho com a mesma

    autonomia que sempre tivemos em nossa trajetria desde o Mestrado. Estou certo que para

    mim foram anos de estudo e muito crescimento intelectual, em que certamente vocs tiveram

    participaes especiais.

    Prof. Dra. Rosemeire Aparecida de Almeida, da UFMS, que fez uma

    leitura detalhada deste trabalho, permitindo-nos a reviso de vrias questes. Tambm ao

    Prof. Dr. Marcelo Mendona, da UFG/Catalo, companheiro na ps-graduao, que leu

    algumas partes deste, apresentando crticas muitas proveitosas.

    Aos professores do programa: Dr. Eda Maria Ges, Dr. Eliseu Spsito, Dr.

    Nivaldo Antnio Hespanhol; aos coordenadores de disciplina e seminrios oferecidos por

    convidados, Dr. Antnio Csar Leal e Dra. Maria da Encarnao Beltro Spsito; aos

    professores convidados: Dr. Jsio H. Bomfim Guterre (UNESP/Editora), Dr. Hlion Povoa

    Neto (UERJ), Dra. Bernadete Castro Oliveira (UNESP/Rio Claro), Dr. Jos Mateo Rodriguez

    (Universidad de La Habana, Cuba), Dr. Guilhermo Castro (Universidad de La Fronteira,

    Chile). Hoje sei que durante este convvio, vocs, direta ou indiretamente, participaram

    tambm de nosso crescimento e da construo deste trabalho.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 6

    Ao Prof. Dr. Antnio Thomaz Jnior, que, mesmo eu no tendo cursado sua

    disciplina, teve participao decisiva no Colquio e na Qualificao para a apresentao do

    trabalho da forma como est.

    A FCT/UNESP, Instituio que nos recebeu como uma me que acolhe

    um filho que h muito tempo tinha se ausentado. Certamente, na condio de um retirante,

    mesmo longe da minha agradvel guas da Prata, escondida no alto da Mantiqueira, a

    FCT/UNESP e Presidente Pudente me fizeram sentir novamente como parte deste torro

    paulista. Hoje me sinto tranqilo para dizer que aqui tambm minha casa.

    A UFAC, Instituio que represento e que assumo como parte de minha

    vivncia profissional e pessoal. Se tiver que apontar trs referncias que me fazem sentir um

    amaznida, certamente a UFAC uma delas. Sem o apoio que tive nessa Instituio no

    estaramos hoje terminando este Curso.

    Ao Departamento de Geografia da UFAC, que me liberou para esta

    pesquisa, apesar das limitaes de seu quadro docente. De modo geral, agradeo a todos os

    professores.

    Aos colegas do Departamento de Geografia da UFAC, entre os quais no

    posso deixar de mencionar o companheirismo das Professoras Maria de Jesus Morais, que

    assumiu parte de minhas atividades para que tal liberao fosse possvel, e Miriam Aparecida,

    que, atravs de telefonemas, sempre reforou nossa amizade e ajudou a afastar um pouco a

    solido; ao Prof. Jones Dari Goettert, tambm companheiro na Ps-Graduao, mais recm-

    chegado ao Departamento, pelas poucas mas proveitosas discusses que travamos; ao Prof.

    Domingos Jos de Almeida Neto, que assumiu parte de minhas atividades durante meu

    afastamento; e s professoras Maria Socorro de Oliveira Maia e Karla Rocha, tambm

    parceiras nos trabalhos iniciados no Departamento.

    CPT/AC, que atravs da Conceio, da Darlene e do Clio, sempre esteve

    acessvel a nossas pesquisas. Em especial, in-memorian de Jean-Pierre Minghan, ex-

    coordenador da CPT/AC um eterno lutador pelos trabalhadores da terra na Amaznia, e que

    nos deixou recentemente.

    Ao grupo de ex-alunos que hoje j est iniciando sua ps-graduao na

    FCT/UNESP, Cleide Prudncio, Lucilene Almeida e Floripes Rebouas, pela disposio e

    coragem de encarar o desafio; e a Matuzalm, que j se encaminha nesse sentido. Tambm

    no posso esquecer do companheiro de luta e ex-aluno Sib Machado, pela vontade de ver a

    Geografia do Acre com uma cara nova.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 7

    CAPES, que financiou uma bolsa PICDT, viabilizando nossa

    permanncia em Presidente Prudente pelo perodo de realizao deste Curso. E ao trabalho

    atencioso da Prof. Moena Pinheiro de Souza, Coordenadora de Apoio a Ps-Graduao da

    UFAC, durante a maior parte da realizao do curso.

    Aos companheiros de Curso, colegas desde o Mestrado, Mrcia Ayala e

    Oscar Sobarzo (inclusive, no auxlio em tradues para o espanhol). Tambm aos que

    conhecemos apenas nesta ltima temporada (do doutorado), com os quais trocamos algumas

    idias e certamente obtivemos ajudas mtuas, dentre eles no poderia deixar de citar Silvia

    Mery, Fernando Santos, Anglica Cavicchioly, Lisanyl Conceio, Adriano, Adriana, Liz

    Sobarzo, Jorge Gmez, Fernanda Ikuta, Tlio, Z Roberto, Tnia, Priscilla Bagli, Eduardo

    Girardi, Eraldo, Lima, Maria, Marcelino e Flavia Ikuta dentre outros.

    A todos os companheiros do NERA, mas especial ao Anderson, que nos

    ajudou na preparao da verso eletrnica deste trabalho.

    A todos os amigos e amigas de fora do ambiente acadmico da

    FCT/UNESP, que ajudaram a tornar nossa estadia em Prudente mais agradvel.

    A todos os entrevistados nesta pesquisa, dirigentes das organizaes

    coletivas e comunitrias e dos movimentos sociais na Amaznia-acreana que, indistintamente,

    contriburam para esta apreenso da realidade agrria regional que aqui expomos.

    Aos alunos dos cursos de Geografia do interior do Estado, que contriburam

    em nossa pesquisa de campo, sobretudo nos municpios de Xapuri, Sena Madureira e

    Tarauac.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 8

    Que os gegrafos aprendam

    Os desertos mais amplos,

    mais sem-fim,

    sem osis,

    sem sombra

    embora no sem silncio

    e sem mistrio

    so criados em ns pelo desamor

    (Dom Hlder Cmara, 1979, p.23).

  • S U M R I O

    Lista de Mapas, Figuras, quadros, tabelas e grficos........................................... 12 Lista de Abreviaturas e Siglas................................................................................. 14 Resumo / Palavras-chave......................................................................................... 17 Abstract / Key Words............................................................................................... 18 Introduo................................................................................................................. 19 Captulo 1 Sobre a fronteira................................................................................. 37 1.1 Sob o signo da fronteira................................................................................ 37 1.2 Um conceito em questo............................................................................... 39 1.3 Concreticidade do contedo significado....................................................... 42 Captulo 2 Amaznia-acreana: a territorialidade regional............................. 45 2.1 A Amaznia-acreana: bases atuais para um recorte territorial..................... 45 2.2 A construo histrica da regio................................................................... 49 Captulo 3 Feies do espao agrrio na Amaznia-acreana............................ 54 3.1 Apreenso do espao produzido................................................................... 54 3.2 Especificaes no tratamento do agrrio produzido..................................... 58 3.3 A totalidade do espao agrrio produzido.................................................... 62 3.4 Para alm da dicotomia/tricotomia do espao produzido............................. 68 3.5 Revendo conceitos no universo de representao do agrrio.................... 73 3.6 No campo representacional........................................................................... 77 3.6.1 Condio de ser e de ter alteridade............................................................... 80 3.6.2 A condio de pertencimento....................................................................... 85 3.6.3 A expresso da agrarialidade........................................................................ 88 3.7 Na vivncia camponesa: o espao e o territrio na vida cotidiana............... 93 Captulo 4 O campesinato amaznico-acreano................................................... 99 4.1 Instigando a reflexo..................................................................................... 99 4.2 O campons na realidade amaznica-acreana.............................................. 104 4.3 Classe camponesa: complexidade de um conceito....................................... 109 Captulo 5 Identidade e resistncia ..................................................................... 113 5.1 Um breve resgate da reconstruo social camponesa................................... 113 5.2 Razes da resistncia camponesa na floresta................................................. 115 5.3 Bases para as prticas sociais camponesas na floresta................................. 120 5.4 As marcas da agricultura............................................................................... 124 5.5 Viso Sinptica do campesinato amaznico-acreano................................... 127 5.6 Movimentos sociais e a luta ......................................................................... 131 5.7 Transformaes e perspectiva no espao agrrio produzido........................ 134 5.7.1 Os projetos de assentamentos....................................................................... 136 5.7.2 Os PAEs e as RESEXs.................................................................................. 138 5.8 Da luta pela terra luta na terra.................................................................. 141 5.9 No Convvio e no confronto: uma reflexo.................................................. 143 Captulo 6 O territrio no contexto da realidade camponesa........................... 145 6.1 A significao da terra para o campons...................................................... 145 6.2 A conquista e garantia do territrio.............................................................. 148 6.2.1 O seringal e a colocao............................................................................... 149 6.3 Permanncias e mudanas............................................................................ 158 6.3.1 No alcance da floresta................................................................................... 161 6.3.2 No alcance do campo.................................................................................... 165 6.4 Possibilidades do agrrio regional................................................................ 169

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 10

    6.5 Sob a perspectiva camponesa....................................................................... 171 Captulo 7 O sentido socioambiental dos movimentos de resistncia............... 173 7.1 Do local ao global: contextualizando os movimentos.................................. 173 7.2 A luta pelo modo de vida versus o mito da luta ecolgica........................ 175 7.2.1 Vozes que vem da floresta............................................................................ 176 7.2.2 Sentidos e significados socioambientais....................................................... 183 7.3 Organizar para resistir................................................................................... 186 7.4 O sentido da luta na terra.............................................................................. 188 Captulo 8 Mudanas no uso do territrio.......................................................... 196 8.1 O sentido das mudanas................................................................................ 196 8.2 Perspectivas socioambientais ....................................................................... 197 8.3 A externalizao da produo camponesa.................................................... 198 8.4 Conservao e potencializao da natureza ao mercado.............................. 205 8.5 A autonomia na interseo com o mercado: as organizaes coletivas....... 210 8.6 Da construo da autonomia gerao da auto-sustentabilidade................ 213 Captulo 9 A questo do desenvolvimento.......................................................... 217 9.1 Contextualizando a questo.......................................................................... 217 9.2 Desenvolvimento: uma palavra, muitas definies...................................... 218 9.3 A questo do desenvolvimento e da sustentabilidade................................... 225 9.4 O carter autnomo da noo de viver bem.................................................. 230 9.5 Polticas oficiais de desenvolvimento no Acre............................................. 239 9.6 O desenvolvimento na Amaznia-acreana: realidade e perspectivas........... 248 Captulo 10 O mercado e circulao de mercadorias......................................... 252 10.1 Para pensar no mercado................................................................................ 252 10.2 Viso sumria da formao do mercado na Amaznia-acreana................... 252 10.3 A busca do mercado no contexto da luta...................................................... 257 10.4 Quando o mercado e a mercadoria mudam de cor ................................... 259 10.5 Enfrentado o mercado: possibilidades e dificuldades................................... 264 Captulo 11 Expresses das organizaes camponesas na regio..................... 274 11.1 Caracterizao do associativismo e cooperativismo..................................... 274 11.2 Unio e cumplicidade como princpio de formao..................................... 278 11.3 Expresso territorial das organizaes coletivas.......................................... 284 11.4 Expressividade econmica: o produtor e a comercializao........................ 287 11.5 Dimenso territorial das aes das organizaes coletivas.......................... 293 11.6 Caracterizao estatutria............................................................................. 296 11.6.1 Das associaes de produtores ..................................................................... 296 11.6.2 Das Centrais de Associaes de produtores ................................................ 300 11.6.3 Das Cooperativas ......................................................................................... 303

    11.7 O sentido da expresso coletiva da luta na terra.......................................... 309 Captulo 12 As organizaes coletivas................................................................. 312 12.1 Consideraes introdutrias ......................................................................... 312 12.2 CAEX............................................................................................................ 312 12.3 Projeto RECA............................................................................................... 318 12.4 ASPERTA..................................................................................................... 329 12.5 A CAPEB/COMPAEB................................................................................. 332 12.6 A CAEAP..................................................................................................... 338 12.7 A Central Bom Jesus do Abun ................................................................... 344 12.8 A COOPEC .................................................................................................. 346 12.9 A Cooperativa Chico Mendes...................................................................... 349 12.10 A COAF....................................................................................................... 355

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 11

    12.11 A COOPERIACO........................................................................................ 360 12.12 A CASAVAJ................................................................................................ 365 Captulo 13 O sentido da apropriao de signos da luta................................... 372 13.1 A presena emblemtica nas significaes cotidianas atuais no Acre.......... 372 13.2 Um olhar sobre a linguagem e seu poder...................................................... 373 13.3 Do Extrativismo ao Neoextrativismo ....................................................... 379 13.4 O signo social da floresta: ser ou no ser seringueiro................................... 382 13.5 A (des) personificao dos ideais de luta...................................................... 385 13.6 Do signo da floresta ao de florestania........................................................... 387 13.7 O cooperativismo e associativismo como meta poltica............................. 389 13.8 O que ainda nos resta falar............................................................................ 391 Captulo 14 No mbito de polticas governamentais e da sociedade................. 396 14.1 Aes de polticas pblicas na produo social do agrrio ...................... 396 14.2 Estrutura de apoio s organizaes e comercializao.............................. 399 14.3 Para ir ao mercado........................................................................................ 405 14.4 Os sistemas produtivos agrrios locais perante o mercado........................... 408 14.4.1 Produes tradicionais versus o esverdeamento da mercadoria................ 411 14.4.2 A lavoura branca e a agropecuria................................................................ 414 14.4.3 A agrossilvicultura........................................................................................ 416 14.4.4 O extrativismo atual...................................................................................... 418

    14.5 Impresses no processo produtivo................................................................ 426 14.6 O destino da mercadoria............................................................................... 430 14.7 A vises da sociedade sobre as organizaes: base de anlise..................... 433 14.8 Aes de fomentos: os programas e seu alcance.......................................... 442 14.9 As marcas no territrio regional................................................................... 452 Consideraes Finais................................................................................................ 455 Referencial bibliogrfico e outras fontes................................................................ 469 Glossrio.................................................................................................................... 492

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 12

    LISTA DE FIGURAS, MAPAS, QUADROS, GRFICOS E TABELAS

    FIGURAS 1: Representao do territrio vivencial campons florestal (colocao).................. 89 2: Representao de um territrio vivencial campesino no campo (colnia) ........... 91 3: Sobreposio organizacional do territrio de um PAD. ao de um seringal.......... 137 4: Produtos regionais em embalagens desenvolvidas pela ANAC, 2002.................. 403 5: Aspectos das embalagens da Farinha-de-mandioca da CASAVAJ, 2002............. 406 6: Aspecto de um SAF no Projeto RECA.................................................................. 417

    MAPAS 1: Acre Diviso em regies geogrficas................................................................ 48 2: Amaznia - reas de ocorrncia de seringueiras.................................................... 49 3: Amaznia-acreana, 2003....................................................................................... 53 4: Cidades sedes das organizaes estudadas, 2003................................................ 295

    QUADROS 1: Caracterizao do espao social produzido, visto do agrrio ........................... 63 2: Caracterizao espao produzido a partir interao rural urbano...................... 65 3: Sntese de dimenses fundamentais da realidade produzida ............................... 67 4: Razes da formao e estrutura de classe na Amaznia-acreana........................... 107 5: Sinopse da diversidade do campesinato da Amaznia-acreana............................. 128 6: Sinopse da diversidade do campesinato da Amaznia acreana............................. 129 7: Organizaes coletivas, modalidades e reas de abrangncias.............................. 282 8: Situao geral das organizaes 2002/2003....................................................... 283 9: Expressividade do associativismo/cooperativismo, no universo da populao rural, com base em dados dos anos 2000...................................................................

    285

    10: Participao de associados nas organizaes em 2002/2003.............................. 286 11: Aes da Agencia de Negcios do Acre ANAC, para 2001-2002................... 402 12: Acre - demonstrativo da produo dos principais produtos extrativistas............ 418 13: Lei Chico Mendes................................................................................................ 420 14: Produo acreana de borracha natural bruta por municpios, 1999-2002............ 421 15: Espectros da impresso das organizaes na cidade sede.................................. 435 16: Principais produtos adquiridos das cooperativas no comrcio local................... 436 17: Resposta a pergunta, quando vai fazer compra prefere adquirir:......................... 436 18: Impresses socioeconmicas das organizaes coletivas.................................... 438 19: Fale o que vocs pensam destes trabalhadores e suas organizaes.................... 440

    GRAFICOS 1: Campesinato amaznico-acreano divises e luta de classe............................... 111 2: Perspectiva e diferentes racionalidades perante o mercado................................... 288 3: Dinmica luta na terra ante a organizao social e a circulao de mercadoria. ................................................................................................................

    291

    4: Estrutura e ao administrativa no RECA............................................................ 322 5: Plano de ao inicial da CAPEB............................................................................ 334 6: Estrutura projetiva da luta na CAPEB................................................................... 335

    TABELAS 1: Sntese da produo de pupunha e Aa no RECA................................................ 324 2: Sntese da produo cupuau no RECA................................................................ 325 3: Movimentos na venda de produtos na COOPERIACO (em Reais, R$), em 2001............................................................................................................................

    363

    4: Movimentos de compras na COOPERIACO (em Reais, R$) em 2001................ 363 5: FNO - Operaes efetuadas por porte do beneficirio, Regio Norte 2002 (R$

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 13

    mil.)....................................................................................................................................... 444 6: FNO: operaes efetuadas por porte de beneficirios nov./1989 a dez/2002 (R$ mil.) ....................................................................................................................

    445

    7: Operaes contratadas: estados e setor econmico, regio Norte - 1998 (R$ mil.)............................................................................................................................

    446

    8: Operaes contratadas por estados e setor econmico, Regio Norte - 2000 (R$mil.)......................................................................................................................

    447

    9: Operaes contratadas por estados e setor econmicos em 2002 (milhes/R$)... 448 10: Relao da aplicao de recursos por habitantes e extenso territorial em 2002............................................................................................................................

    450

    11: Operaes por programas setor rural de nov./89 a dez./2002........................ 451

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    Sigla Significado

    AC Acre (Estado) ACI Aliana Cooperativa Internacional ACREBOR Acre Borracha Ltda. AM Amazonas (Estado) AMOPREX Associao dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista

    Chico Mendes de Xapuri AMOPREB Associao dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista

    Chico Mendes de Brasilia AMOPREAB Associao dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista

    Chico Mendes de Assis Brasil ANAC Agncia de Negcios do Acre ASPERTA Associao dos Pequenos Produtores Rurais de Tarauac ASSERs Associaes de Seringueiros BASA Banco da Amaznia CAPEB Central de Associaes de Pequenos Produtores Rurais de

    Epitaciolndia e Brasilia CAEAP Central de Associaes de Agricultores e Extrativistas do Acre e

    Purus CAEX Cooperativa Agroextrativista de Xapuri CAGEACRE Companhia de Armazns Gerais do Acre CASAVAJ Cooperativa das Associaes dos Seringueiros e Agricultores do

    Vale do Juru CEBEMO Organizao catlica holandesa de cooperao, atual BILANCE CEBs Comunidade Eclesial de Bases CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe CERIS Centro de Estudos Religioso e Investigao Social CETAC Confederao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Acre Cf. Confira CMMAD Comisso Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento CNPT Centro Nacional Desenvolvimento Sustentado CNS Conselho Nacional dos Seringueiros COAF Cooperativa Agroextrativista de Feij COMPAEB Cooperativa Mista de Produo Agropecuria e Extrativista de

    Epitaciolndia e Brasilia COOPERICO Cooperativa Agroextrativista dos Produtores Rurais do Vale do Rio

    Iaco COOPEC Cooperativa das Centrais de Associaes do Estado do Acre CPT/AC Comisso Pastoral da Terra CTA Centro de Trabalhadores da Amaznia CUT Central nica dos Trabalhadores D-M-D Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro EUA Estados Unidos da Amrica EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria FATES Fundo de Assistncia Tcnica, Educacional e Social FHC Governo de Fernando Henrique Cardoso FETACRE Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Acre

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 15

    FLONA Floresta Nacional FNO Fundo Constitucional de Financiamentos do Norte FNO-EXPORTAO

    Programa de Apoio Exportao

    FPA Frente Popular do Acre FSC Forest Stewardship Council FUNTAC Fundao Tecnologia do Acre GtZ Deutsche Gesellschaft fr technische Zusammenarbeit (rgos da

    Cooperao Alem) IBAMA Instituto Brasileiro IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Id Ibid Do mesmo autor, na mesma obra IMAC Instituto do Meio Ambiente do Acre INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INPA Instituto de Pesquisas da Amaznia IPAT ndice de Pessoas Associadas em Organizaes Coletivas por

    Unidade Territorial IUCN International union for conservation of nature end natural resources

    (atual The World Conservation Union) Km Quilmetros KfW Kreditanstalt fr Wiederaufbau (Banco Alemo) M-D-M Mercadoria-dinheiro-mercadoria MIRAD Ministrio de Reforma e desenvolvimento Agrrio MMA Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia

    Legal NARIs Ncleos de Apoio Rural Integrado ONG Organizao No-Governamental ONU Organizao das Naes Unidas p.e., por exemplo, PAs. Projetos de Assentamentos PADs. Projetos de Assentamentos Dirigidos PAEs. Projetos de Assentamentos Extrativistas PC do B Partido Comunista do Brasil PDS Projeto de Desenvolvimento Sustentvel PCs Projetos de Colonizao PICs Projetos Integrados de Colonizao PIFLOR (Projeto) Plo de Indstrias Florestais PNRA Plano Nacional de Reforma Agrria PPG7 Programa Piloto para a Conservao das Florestas Tropicais no

    Brasil PGAI Projetos de Gesto Ambiental Integrada PROAGRIN Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Agroindstria. PROCERA Programa de Crdito Especial para a Reforma Agrria PRODESIN Programa de Desenvolvimento Industrial PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo Regional PRODEX Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo PROENERG Programa de Eficincia Energtica PROFLORESTA Programa de Apoio ao Desenvolvimento Florestal PROINFRA Programa de Apoio Infra-estrutura Econmica

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA 16

    PROMICRO Programa de apoio s micro-empresas PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRORURAL Programa de Apoio Pequena Produo Familiar Rural Organizada PROSUMAM Programa de Apoio a Conservao e Sustentao do Meio Ambiente PT Partido dos Trabalhadores RECA (Projeto) Reflorestamento Econmico Consorciado e Adensado RESEXs Reservas Extrativistas RO Rondnia SAFs. Sistemas Agloflorestais SCA/MMA Secretaria de Coordenao da Amaznia (SCA) do Ministrio de

    Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia Legal s.d sem data de publicao SEATER/GP Secretaria Executiva de Assistncia Tcnica e Garantia da Produo SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micros e Pequenas Empresas. SEFE Secretaria Executiva de Floresta e Extrativismo do Acre SEFE/DEX Secretaria Executiva de Floresta e Extrativismo do

    Acre/Departamento de Extrativismo SEICT Secretaria Estadual de Indstria, Comrcio e Turismo do Acre SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial s.l sem local de publicao s.n.t sem notas tipogrficas SNUC Sistema Nacional de Conservao da Natureza SEPROF Secretaria Estadual de Produo Familiar do Acre SPRN Subprograma de Poltica de Recursos Naturais do PPG7 STRs Sindicato dos Trabalhadores Rurais SUDHVEA Superintendncia de Desenvolvimento da Hvea SUFRAMA Superintendncia da Zona Franca de Manaus UCs. Unidades de Conservao UFAC Universidade Federal do Acre UNEP United Nations Conservation Union Vol. Volume WWF World Wildlife Fund ZEE/AC ou ZEE Zoneamento Ecolgico-Econmico do Acre

  • RESISTNCIA CAMPONESA E O DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    17

    RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    RESUMO: Considerando as aes dos movimentos sociais de resistncia no espao agrrio amaznico-

    acreano, temos como objetivo apresentar uma anlise sobre a realidade vivida pelo

    campesinato, no mbito de sua luta para permanecer na terra a luta na terra , e sobre a

    externalizao dessa luta para a sociedade atravs de novas direes no desenvolvimento

    agrrio regional. Inicialmente, tratamos do sentido da fronteira hoje, como parte de questes

    do desenvolvimento agrrio; estabelecemos os alcances territoriais da pesquisa sob o recorte

    regional da Amaznia-acreana, para depois refletirmos sobre as especificidades do espao

    produzido no alcance dos conceitos de rural e urbano, cidade e campo, propondo a

    compreenso tambm da floresta como instncia fundamental no contexto amaznico; com

    isso, tomando como base os aspectos sociais agrrios, apontamos as especificidades do

    campesinato regional. Em seguida, aprofundamos a questo da luta e da resistncia

    camponesa, contextualizando a construo de sua identidade e de seu territrio de vivncia,

    para depois tratarmos do sentido socioambiental dos movimentos de resistncia, inclusive na

    adoo de mudanas no uso do territrio. Ento, quanto externalizao dos movimentos

    camponeses, mostramos que, durante a luta, houve uma busca de alternativas de

    desenvolvimento para a regio, o que facilitou os encontros e os confrontos com a adoo do

    projeto de desenvolvimento sustentvel, colocado pelo atual Governo do Estado do Acre;

    quanto a isso, tecemos consideraes sobre a imposio de um projeto mundializado atravs

    da adoo de novos padres de produo e da comercializao dos produtos locais, em

    especial, do alcance das organizaes cooperativas e associativas camponesas. Analisando

    tais organizaes na atualidade, demonstramos que, apesar das imposies, estas tm um

    papel fundamental para pensarmos na viabilidade da produo camponesa na regio. Em

    seguida, tratamos do controle social imposto, no apenas aos movimentos de lutas

    camponesas, mas sociedade em geral, na cooptao de smbolos da luta pelo Poder Pblico

    Estadual e no significado desta estratgia na gerao de autonomia ou de formas de coero

    social; ento, passamos compreenso, por modalidades produtivas, das perspectivas de

    desenvolvimento do Acre, perante a produo de produtos que vinculam os potenciais social e

    natural da regio, sob forte cunho de apelos comerciais ecolgicos em relao s mercadorias

    postas venda, inclusive estas sendo aceitas e praticadas pelas organizaes coletivas

    camponesas. Finalizando, conclumos que h uma relao entre os movimentos de lutas

    camponesas e a busca de alternativas de desenvolvimento agrrio, mas tambm h influncias

    externas no processo. Da, na questo agrria regional, o problema do desenvolvimento estar

    colocado centralmente no processo de produo socioespacial, mesmo considerando que na

    Amaznia-acreana atual h muito mais imposies de propostas externas do que a construo

    de alternativas prprias.

    PALAVRAS CHAVES: 1.Campesinato. 2. Desenvolvimento. 3. Espao/territrio. 4.Luta/resistncia.

    5.Agrrio/Amaznia. I.Ttulo.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E O DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    18

    PEASANTRY RESISTANCE AND AGRARIAN DEVELOPMENT IN ACREAN AMAZONIA

    ABSTRACT:

    Considering the actions of the social movements of resistance in the Acrean-Amazonia

    agrarian space, our aim is to present an analysis on the peasantry reality in the scope of its

    struggle to remain in the land the struggle in the land -, and on the externalization of such

    struggle to society through new directions in the local agrarian development. First, we discuss

    the meaning of the border today as part of the agrarian development issues and establish the

    territorial bounds of the research under the regional delimitation of the Acrean Amazonia, so

    that we can then reflect on the specificities of the space produced considering the concepts of

    rural and urban, city and country, also trying to understand the forest as a central instance in

    the Amazonian context. Based on this and on the agrarian social aspects, we point out the

    specificities of the local peasantry. Next, we carefully examine the question of the peasant

    struggle and resistance by contextualizing the making of its identity and its territory, so that

    we can address the socio-environmental meaning of the resistance movements, including the

    changes in the use of the territory. As for the externalization of the peasant movements, we

    show that, during the struggle, there has been a search for alternatives to develop the region,

    and the adoption of the sustainable development project of the current Acre State

    government made the debates easier. In relation to this, we address the imposition of a

    worldwide project - by adopting new standards of production and trading, especially of local

    products at the reach of the peasants associative and cooperative organizations. By

    analyzing these organizations today, we show that, despite the impositions, they play an

    essential role if we consider making the peasant production in the region feasible. Next, we

    discuss the social control imposed by the States Public Power - not only to the peasantry

    struggles movements, but also to society in general - in the cooption of the symbols of the

    struggle, and in the meaning of such strategy in the generation of autonomy or forms of social

    coercion. Then, we go on to understand through productive modalities the development

    perspectives of Acre, in view of the production of goods which link the regions social and

    natural potential, marked by ecological commercial appeals to the merchandise for sale which

    are accepted and practiced by the peasants collective organizations. Finally, we conclude

    that there is a relation between the peasant struggle movements and the search for agrarian

    development alternatives, although there are external influences to the process. Therefore, in

    the local agrarian issue, the problem of the development is centralized in the process of socio-

    spatial production, even though we consider that there is much more imposition of external

    projects than the development of local alternatives in the current Acrean Amazonia.

    KEYWORDS:

    1. Peasantry. 2. Development. 3. Space/territory. 4. Struggle/resistance.

    5. Agrarian/Amazonia. I.Title.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E O DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    I N T R O D U O

    Fazer esta introduo para ns uma tarefa difcil. Aqui temos a apresentar

    mais do que o resultado de quatro anos de estudo, mas de um perodo vivido por embates

    extasiantes e angustiantes1. extasiante por ser o final de um esforo intelectual e de um

    autodesafio que se traduzir na concluso do trabalho e na titulao almejada. angustiante,

    pois, apesar de todos esforos, temos conscincia do quo pequeno o produto que aqui

    oferecemos diante de uma realidade to ampla e desafiante como a Amaznia. Porm, em

    ambas as situaes, o que nos tranqiliza saber que temos a vida toda para compreender esta

    realidade, oferecendo determinadas respostas s possibilidades cognoscveis que se mostram

    nestes alegres trpicos midos aqui abordados. Ento, a realidade amaznica se nos

    apresenta como um universo desafiante de conhecimento, oferecendo a possibilidade de

    refletirmos e at de filosofarmos, mesmo que seja debaixo da sombra de uma rvore, a fim de

    nos protegermos do sol escaldante de mais de trinta graus dirios.

    Falar da Amaznia tratarmos da Geografia de uma regio que forma quase

    a metade do territrio brasileiro. Pensamos ento que nada mais propcio de que convidar os

    leitores a viajarmos no tempo e no espao, embrenhando-nos no apenas na selva

    amaznica, mas tambm na realidade social vivida e na complexidade das reflexes na

    captao do cognoscvel. Ento, nessa empreitada no campo da reflexo cientfica, nossa via

    de caminhar a Geografia, porm transitando por estradas vicinais transcendentes ao

    carter disciplinar, pois transcendente o conhecimento, inclusive o geogrfico. A inquirio

    da realidade o mapa que nos permite desvendar o espao agrrio produzido, em que

    buscamos respostas nas dinmicas e contradies que emergem da luta e da resistncia do

    campesinato amaznico-acreano.

    Por outro lado, temos de admitir que os anos de convivncia nos

    propiciaram imagens construdas a partir de nosso confronto com esta realidade amaznica,

    desde nossa chegada como migrante campons na dcada de 1980, at nossa condio atual

    de pesquisador. Ento, consideramos que as reflexes aqui provm de uma experincia

    1 - Para fins de tornar mais esclarecedora a leitura, embora possa ser evidente, queremos registrar o sentido do uso das palavras entre aspas e das palavras em itlico. Usamos as aspas para chamar a ateno quanto s palavras ou frases que podem ter sentido figurado ou at que expressem certa dubiedade (exceto quando se refere a citaes bibliogrficas, o que se trata de uma norma da organizao do trabalho cientfico); j nas

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    20

    vivenciada que nos permite uma viso, no apenas como estudioso interessado pela

    Amaznia, mas de um intelectual amaznida que ousa falar de uma realidade em que parte

    dela. No mais se trata de uma relao do sujeito que se embrenha na realidade do objeto a ser

    pesquisado, mas sim de uma inter-relao intrometida do sujeito e objeto no constante

    processo em que buscamos conhecer a realidade, promovendo condies de ao mesmo tempo

    nos conhecermos socioespacialmente.

    Ademais, mesmo considerando os aspectos transdisciplinares do

    conhecimento, nossos apontamentos aqui esto mais voltados para os ramos cientficos cujos

    objetivos direcionam-se s investigaes dos processos humanos e sociais em sua

    materializao espacial e temporal. Mas o que especifica este conhecimento humano?

    Conforme Demo2 (1985), considerando estes ramos humanos e sociais do conhecimento

    cientfico, podemos caracteriz-los por seis momentos: a) seu objeto histrico, e isso

    significa que caracterizado pela situao de estar (situao passageira) e no de ser

    (condio permanente); b) um fenmeno particular da conscincia histrica, ou seja,

    fazemos histria sim, mas em condies especficas que, em geral, so mais fortes que nossas

    idias; c) a identidade entre o sujeito e o objeto estabelece uma relao em que, quando

    estudamos a realidade social, estudamos a ns mesmos; d) as realidades sociais se

    manifestam mais em formas qualitativas do que quantitativas; e) o carter ideolgico est

    contido no objeto, isso quer dizer que a cientificidade resguardada quando estes traos

    prevalecem sobre os ideolgicos, sendo que todas as tcnicas possveis de mensurao da

    realidade no podem ter como objetivo primeiro a busca de superar suas pretenses

    ideolgicas, mas salvaguardar as condies favorveis de manipulao mais objetiva; f) a

    sombra da ideologia, a imbricao com a prtica, para alm da teoria, isto , a prxis do

    estudioso.

    Assim, ao abordarmos a realidade social pela busca da apreenso do objeto,

    constitumos a nossa a metodologia, ou seja,

    A cincia prope captar e manipular a realidade assim como ela . A metodologia

    desenvolve a preocupao em torno de como chegar a isto. importante

    percebermos que a idia que fazemos da realidade de certa maneira precede a idia

    palavras e frases destacadas em itlicos enfatizamos termos e concluses importantes do ponto de vista conceitual aqui estudado. 2 - Aqui cabe um esclarecimento do ponto de vista tcnico de formatao do trabalho. Para fins de diferenciao entre as fontes bibliogrficas e as referncias que fazemos aos depoimentos de sujeitos sociais entrevistados,

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    21

    de como trat-la. Nisto fica claro sua posio instrumental por quanto est a servio

    da captao da realidade (DEMO, 1985, p. 20).

    Assim, na construo de uma pesquisa, muito mais do que privilegiar este

    ou aquele mtodo ou metodologia, preciso estar ciente de que esses tambm so

    processualmente construdos no decorrer da pesquisa3. Ento, nossa viso aqui a de que a

    opo pelo mtodo envolve o domnio de tcnicas no tocante ao tratamento operacional da

    pesquisa, porm, estas devem estar em sintonia com o constructo daquilo que o objeto

    cognoscvel. Essas tcnicas sero adequadas quando nos ajudam a captar o cognoscvel nas

    investigaes, guiando o raciocnio crtico e reflexivo que desenvolvemos sobre o pesquisado.

    O mtodo apenas o caminho, ou ainda um meio e no o fim da pesquisa (o que consistir

    no conhecimento do objeto, numa intrnseca relao com o sujeito). Por isso que se pode

    afirmar que o mtodo diz respeito a fundamentos nos quais apoiamos nossas reflexes

    (OLIVEIRA, 1998), ou seja, o mtodo uma via pela qual acessamos a cognoscibilidade do

    objeto, mas nossa inteligncia, nossa reflexo que nos permite acesso aos fatos, fenmenos

    ou processos que esto na realidade investigada e que ns buscamos apreender (CERVO e

    BERVIAN, 1976).

    Portanto, perante a realidade, a pesquisa , em si, o principal campo de

    aprendizagem do prprio mtodo. Nela que o pesquisador se sobressair a partir de seu

    engajamento, da sua experincia e capacidade de desenhar o caminho para melhor

    apreender o objeto e restitu-lo na sua investigao como conhecimento produzido. preciso

    que estejamos cientes de que, ao repensar o mtodo, este tambm produto daquilo que est

    interpenetrado no carter, na personalidade, ou melhor, na alma do estudioso que, na busca

    por conhecer, traz para sua prtica a condio de sujeito social, no seu envolvimento poltico e

    no reconstruir do projeto social que almeja com sua prtica de investigador. Se pretendermos

    compreender o objeto no livre e pleno exerccio de nossa atividade cientfica, devemos

    recorrer a todas as idias, todos os mtodos e no apenas a reduzido nmero deles

    optamos por citar os nomes de autores referidos no mbito das frases, sempre em negrito e dos entrevistados sem o negrito. 3 - Assim acreditamos que interessante entendermos a distino entre metodologia e mtodo. A metodologia refere-se aos procedimentos, demonstrao prtica das ferramentas que usamos para operacionalizar a pesquisa. O mtodo refere-se ao caminho para se alcanar o objeto cognoscvel. Reflete a maneira de reproduzir o pensar, o contedo apreendido do objeto, assim como da forma de retransmitir o conhecimento produzido. Nisso a operacionalizao da pesquisa perpassa pela definio metodolgica, dando contedo significativo aos procedimentos concretos e qualificando a coerncia da proposta de pesquisa. A metodologia o meio para chegar e abordar o objeto cognoscvel, ao mesmo tempo em que o mtodo o caminho por onde este meio deve trilhar. O mtodo segue o caminho das dvidas, em constante inquirio realidade (JIMNEZ e RAMOS, 1974), enquanto que a metodologia formada pelos passos definidos para abord-la.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    22

    (FEYERABEND, 1989, p, 462). Assim, nesta pesquisa, buscamos entender a amaznica-

    acreana na apreenso da dialtica que produz o espao a partir da realidade que se deslancha

    no mbito da luta dos camponeses e das inter-relaes que da derivam no conjunto da

    sociedade, na qual estamos inseridos. Da, no vemos nenhuma limitao ao optarmos por

    uma construo do mtodo sob pressupostos mais heterodoxos, como poder ser notado no

    decorrer da pesquisa.

    Na construo do procedimento metodolgico visamos operacionalizar os

    passos que demos no desenvolver da pesquisa, desde a anlise geral e a reviso, at o trabalho

    de campo e a pesquisa documental. Durante todo o perodo (2001 a 2004), estivemos

    envolvidos com leituras, consultas na Internet, busca de documentos em arquivos e redao,

    isto , naquilo que chamamos de Trabalho de Gabinete. Por outro lado, na operacionalizao

    da pesquisa, estivemos envolvidos em: visita com aplicao de entrevistas em comunidades

    vinculadas s associaes e cooperativas em Brasilia, Epitaciolndia, Cruzeiro do Sul, Boca

    do Acre (AM), Nova Califrnia (RO), Sena Madureira, Xapuri, Feij, Tarauac, Plcido de

    Castro e Rio Branco; visitas e coletas de informaes s sedes das centrais de associaes e

    cooperativas nas cidades; levantamento de dados complementares junto a UFAC, secretarias

    estaduais e municipais de agricultura, INCRA, IMAC, SEPLAN/AC, CPT/AC, CTA, etc;

    levantamento de informaes sobre o papel das Centrais de Associaes e cooperativas em

    reas da cidade, campo e floresta. Cabe observar que tambm aproveitamos entrevistas feitas

    no perodo de 1998/99, na ocasio em que estvamos elaborando a Dissertao de Mestrado.

    Nesse processo, tivemos uma maior insero no mbito da realidade

    pesquisada, de forma que o constante ir e vir no tempo e espao nos permitiram ver a

    realidade em sua dinmica constante. Da se fez necessrio, em certas situaes, o retorno a

    alguns raciocnios (o que no se trata de repetio) como forma de contextualizar melhor a

    problemtica focalizada4.

    Assim, no tocante inquirio sobre o contedo pesquisado, este emerge de

    uma constatao que fizemos ainda na ocasio da elaborao da Dissertao de Mestrado

    (1997-1999). Vimos que a partir da instituio da luta camponesa, houve grande interesse na

    realidade agrria amaznica-acreana por questes que nos colocava perante outras

    perspectivas de desenvolvimento regional. Estas tanto foram a geradas e projetadas, como

    4 - Ressaltamos que outra informao a ajudar na leitura do trabalho ser a incluso de um Glossrio de termos regionais e de uma Lista de abreviatura e siglas; justifica-se, pois, embora tenhamos includo no decorrer do texto seus significados, nas situaes em que repetimos a palavra (termo regional, sigla ou abreviao), no repetimos o significado. Da esses recursos ajudarem a leitura quando for necessria a localizao imediata de tais significados.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    23

    provindas por influncias externas. O importante que notvamos que o problema do

    desenvolvimento estava colocado no mago da questo agrria regional. Ento, havia um

    vasto campo de anlise das perspectivas de desenvolvimento regional e que podiam ser

    entendidas a partir desta realidade agrria. A perspectiva para um projeto de desenvolvimento,

    h muito tempo buscado no seio dos movimentos de camponeses, comea a se corporificar a

    partir das organizaes associativistas e cooperativistas. J nos anos mais recentes, perante a

    atuao do Poder Pblico Estadual, o significado deste desenvolvimento iria muito alm das

    questes do ambiente agrrio e dos movimentos sociais organizados.

    O panorama poltico do Estado do Acre, sob as mudanas polticas

    ocorridas, acenavam para nova possibilidade de avano no conjunto dos movimentos sociais.

    No mbito de um projeto reformista de desenvolvimento, os propsitos gerados no contexto

    das lutas sociais encontram espaos para avanos, porm tambm encontram processos de

    cooptao e de imposio por parte do Governo sociedade organizada. Ento h avanos e

    recuos no alcance da luta e da resistncia camponesa, mas tambm da sociedade em geral.

    Nessa conjuntura, estvamos certos de que havia pontos que nos permitiam

    compreender a realidade amaznica-acreana no mbito da gerao de novos propsitos de

    desenvolvimento agrrio regional. Da, ento, vemos uma realidade que est intrinsecamente

    marcada pelo processo de luta pela terra e luta na terra que nos revelam, via organizaes

    coletivas5, perspectivas de mudanas e de firmao no espao vivencial campons no

    ambiente agrrio local. Da derivam as teses que desenvolvemos ao longo deste trabalho, tais

    como:

    As lutas e resistncias camponesas se inscrevem no mbito de um longo

    processo de formao social da regio.

    As condies reais do espao regional produzido so parte de uma

    conotao de predomnio do agrrio como instituinte da realidade. Da

    se forjam condies para apreender novas faces do espao agrrio

    produzido, o que nos d a especificidade regional.

    5 - Aqui estamos nos referindo s seguintes organizaes: CAPEB (Central de Associaes de Produtores Rurais de Epitaciolndia e Brasilia); Projeto RECA (Reflorestamento Econmico Consorciado Adensado) de Nova Califrnia, Rondnia; CAEAP (Central de Associaes pequenos produtores Extrativistas e Agricultores Ribeirinhos do Rio Purus) de Boca do Acre-AM.; Central Bom Jesus do Abun de Plcido de Castro; CAEX (Cooperativa Agroextrativista de Xapuri); COOPERIACO (Cooperativa de Pequenos Produtores do Rio Iaco) de Sena Madureira; CASAVAJ (Cooperativa das associaes de seringueiros e agricultores do Vale do Juru) de Cruzeiro do Sul; ASPERTA (Associao dos Pequenos Produtores Rurais de Tarauac); COAF (Cooperativa Agroextrativista de Feij); e COOPEC (Cooperativa das Centrais de Associaes do Estado do Acre) de Rio Branco.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    24

    A propriedade familiar camponesa vivel na Amaznia. Porm, esta

    viabilidade somente duradoura quando vir mediante uma organizao

    da produo, do produtor e da comercializao por vias que valorizem a

    coletividade e a autonomia da classe.

    O desenvolvimento de SAFs pode ser uma alternativa para a produo

    diante dos problemas ambientais e de culturas tradicionais e a busca de

    mercado, na gerao de renda familiar.

    Os alcances dos ganhos destas iniciativas no so limitados aos

    associados, pois possibilitam tambm s comunidades acesso a produtos

    alimentcios a preos mais acessveis e, ainda, criam empregos e

    ocupaes na cidade e no campo.

    Tais iniciativas, de imediato muito mais que um instrumento de

    transformao social, na realidade capitalista so formas de readequao

    ao mercado deste tipo de propriedade, de sua fora-de-trabalho, de sua

    produo e de produtos regionais, promovendo maior poder de

    capitalizao da fora de produo camponesa e maior mercadorizao

    da natureza. Nisso, tambm podem residir formas de subordinao

    impetradas pelo capital.

    Os propsitos de desenvolvimento sustentvel propostos pelo

    Governo do Estado tm reflexos sobre os movimentos sociais da luta na

    terra; porm, sua atuao nem sempre se d por relao de

    conformao, mas tambm por presso e apropriao de propsitos da

    luta. Da h a gerao de parcerias, mas tambm tentativas de

    imposies.

    Com estes propsitos ento traamos uma anlise sobre a viabilidade da

    produo familiar camponesa no espao agrrio, no processo relacional com as formas de

    organizao coletivas e de desenvolvimento, no contexto das novas faces da reterritorilizao

    do capital em nvel regional, nacional e global. Dessa forma, surgem pontos fundamentais a

    partir da firmao e reviso destas teses como base para repensarmos as alternativas viveis

    para o planejamento do desenvolvimento agrrio, sobretudo na regio da Amaznia-acreana.

    Ento, com relao unidade de produo camponesa que definimos como espao objetivo de

    nossa pesquisa e tambm objeto de investigao, podemos caracteriz-la por dois processos

    fundamentais:

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    25

    O primeiro, refere-se expropriao, em que fica demonstrado que a

    falta de uma poltica agrria justa expulsa o homem de sua terra de

    trabalho e cria, na sociedade, a falsa idia de que sua sada do campo ou

    da floresta para a cidade provm de seu prprio desinteresse para com a

    terra. Ressaltamos, entretanto, que na regio acreana, estes processos so

    menos intensos nas reas de PAEs e RESEXs.

    O segundo, refere-se quilo que caracterizamos como movimento de

    resistncia em permanecer na terra para vencer as barreiras geradas no

    primeiro processo (de expropriao), isto , a luta na terra. A situam-se

    a resistncia e o embate na busca da formao de organizaes

    comunitrias e da unio destas como instrumentos de fora coletiva.

    Buscando viabilizar a construo de um projeto campons autnomo e

    condizente com as condies eco-ambiental, regional e de mercado, estas organizaes

    procuram um projeto modelo alternativo de desenvolvimento agrrio local. Almejava-se

    algo que fosse ao encontro de suprir suas necessidades comerciais, ainda que articulados s

    tendncias do mercado capitalista atual, mas tambm que possibilitassem a firmao de sua

    autonomia e auto-sustentao familiar e coletiva camponesa, sob base de produo no-

    capitalista. Nesse processo ir ento encontrar respaldo externo, dentro de propsitos de

    viabilizao de mercado e metas polticas reformistas:

    Inicialmente, surge ento a opo por propsitos de desenvolvimento

    que buscam revalorizar o potencial produtivo amaznico; mas ainda

    numa viso muito prtica de garantir ganhos sociais aos associados.

    Conciliar-se-ia, ento, a preservao ambiental com o anseio dos

    camponeses por produtos de grande aceitao comercial e com a

    necessidade do mercado mundial por produtos naturais, ecologicamente

    produzidos sem agredir a natureza. A se abriu um campo frtil para a

    expanso e prtica das teses e da ideologia do desenvolvimento

    sustentvel, que foi depois abraada pelo atual Governo do Estado do

    Acre e colocada tambm para os movimentos camponeses referidos.

    Nesse processo de reproduo socioeconmica, h formas mais fortes de

    subordinao do trabalho e da produo camponesa perante a

    reproduo capitalista geral, e sua implicao na produo do espao

    local. Assim, a mercantilizao do verde, gradativamente, torna-se o

    marketing dos produtos (a marca ecolgica) destas organizaes e

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    26

    empresas privadas, criando-se uma fatia do mercado em que podero

    adentr-lo. A o capital age subordinando a fora-de-trabalho e recursos

    naturais semi-excludos, na organizao interna destas associaes ou

    cooperativas, e externando a partir dos financiamentos e da

    comercializao de suas mercadorias.

    Cabe ressaltar aqui que quando entendemos o campons como classe social

    e o tratamos como classe em si e para si (ALMEIDA, 2003). Em ambas as situaes, sua

    condio a de um sujeito que traz sua existncia, de modo intrnseco, um qualificante

    como ser complexo: uma classe que comporta em si a condio de deter os meios de

    produo essenciais (condio de ser proprietrio ou posseiro) e a fora-de-trabalho (condio

    de ser trabalhador), e ainda, da aplicao destas condies no processo produtivo (condio de

    ser produtor), no mbito de sua insero na sociedade; isso quer seja por processos de auto-

    recriao na luta pela terra, quer seja pela recriao pelo prprio capitalismo no mbito de

    polticas de assentamentos e de colonizao6. Da, em certas circunstncias, na unidade na

    diversidade que compe o campesinato como classe, seus projetos sociais encontram com os

    projetos do proletariado (para um exemplo, basta considerarmos que nas manifestaes

    camponesas em Rio Branco, sempre houve apoio deliberado dos sindicatos urbanos). Ento,

    no vemos nenhuma contradio de tratar estes camponeses com o termo de trabalhador, at

    porque esse termo referencial de sua identidade social, em que no negam, apesar de

    reconhecerem suas condies diferenciais no mbito estrutural e conjuntural da sociedade7,

    com relao ao trabalhador da cidade.

    Diante da problemtica colocada, podemos ento dizer que a questo a ser

    discutida perpassa pela investigao de indagaes como: Quais so as reais condies que a

    produo camponesa no espao agrrio regional pode ser viabilizada do ponto de vista de sua

    6 - Para melhor entendimento quando tratamos destas caractersticas, optamos por fazer sob a tica do exerccio do domnio sobre a terra. Assim, bom distinguir a questo que referiremos como domnio legal e domnio legtimo da terra. A questo da propriedade juridicamente reconhecida d um domnio sobre a terra ao proprietrio, que se inscreve no direito adquirido ao comprar ou receb-la escriturada. Isto condio para o capitalista ou proprietrio de terra existir juridicamente. Ao campesinato no necessariamente, pois como posseiro ele detm uma legitimidade baseada no uso da terra, na relao sentimental travada com o ambiente local, nos costumes, nos embates com proprietrios legais ou grileiros, em enfim numa economia moral (THOMPSON, 2002) que se baseia nesta relao travada por longos anos, geraes de convvios inscritos no significado da vivncia do lugar, apreensvel, p.e, quando esses reconhecem que no tem documento da terra, mas tem ali geraes de familiares vividas o cemitrio o testemunho; e, os filhos, netos e at bisnetos com que divide seus espaos e territrios vivenciais a certeza da continuidade. 7 - Para pensarmos isso bom relembrarmos que estes camponeses sempre identificam seus sindicatos como sindicatos dos trabalhadores rurais, constando em seus estatutos esta condio como requisito para se associar, juntamente propriedade e posse familiar da terra. Por outro lado, em conversa com estes sujeitos sociais, eles sempre ressaltam que so diferentes de ns (da cidade), pois so donos de onde trabalham, produzem primeiro o

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    27

    consolidao na formao socioespacial da Amaznia-acreana? Qual a relao existente entre

    o cooperativismo/associativismo e o desenvolvimento agrrio para a produo camponesa, e

    desta com os novos anseios de mercado? Seria isso forma de integrar a mercantilizao da

    natureza com o controle da mo-de-obra marginalizada numa regio economicamente

    perifrica, mas mundialmente estratgica? O que isso pode representar de ganhos sociais

    internos (para os associados/cooperados) e externos (para a sociedade em geral)? As

    dimenses de solidariedade e sustentabilidade sociais que atingem as comunidades e grupos

    sociais envolvidos tornam-se valores passveis de realizao numa sociedade sob a economia

    de mercado? Tendo estas questes como guias, fizemos nossas consideraes ao longo do

    trabalho organizando e apresentando-o em quatorze captulos, assim sistematizados:

    Nos quatro captulos iniciais, estabelecemos os possveis recortes da

    pesquisa quanto a sua dimenso de abrangncia espao-temporal, na seguinte seqncia:

    No Captulo 1, tivemos como objetivo tecer consideraes sobre os

    processos que promoveram as dinmicas atuais da fronteira acreana. Ento, consideramos que

    na atualidade h uma sobreposio e interpenetrao das diversas fases de articulao

    socioespacial do territrio acreano. Isso o coloca, ora como periferia do processo de

    industrializao dos pases estrangeiros, cabendo-lhe o papel fundamental de fornecedor de

    matria-prima; ora sendo incorporado rearticulao territorial do capitalismo no Brasil,

    desempenhando a condio de espao para a especulao fundiria e, mais recentemente,

    como espao que incorpora no seu processo produtivo condies objetivas para experimento

    de novos paradigmas de desenvolvimento global, que localmente esto em curso. Na prtica,

    isso se refere s rugosidades da frente pioneira extrativista, sobreposta pela expanso da

    frente pioneira agropecuria que, no contexto atual, esto envolvidas no processo da adoo

    do projeto de desenvolvimento sustentvel. Ento vemos uma nova dimenso da fronteira

    na qual h uma revalorizao do sentido tcnico e ecolgico da produo agroextrativa que

    agora se coloca como linhas divisoras no processo de produo do espao regional.

    No Captulo 2, tratamos de firmar a base territorial para anlise dos

    processos que promoveram as dinmicas atuais da fronteira acreana. De incio, podemos dizer

    que possvel apreender a formao regional conforme o processo histrico vivido na

    produo do espao acreano. Assim, propomos um recorte territorial em que a diversidade

    regional amaznica no pode ser vista como um construto natural das redes hidrogrficas ou

    da floresta em si, mas sim como criao humana/social processada na interao com o

    que necessitam para o prprio consumo, estabelecem seus prprios ritmos de atividade, tem necessidades de consumos diferentes das nossas etc.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

    28

    ambiente natural. Partindo dessa compreenso, iniciamos o estabelecimento de consideraes

    sob o ponto de vista espacial e temporal da pesquisa, sobre a territorializao regional que se

    concretiza a partir do Acre, no mbito da Amaznia Sul-Ocidental. Com isso, fixamos pontos

    bsicos que nos permitem a apreenso da ntida definio de uma formao regional nesta

    parte da Amaznia: a Amaznia-acreana.

    No Captulo 3, buscamos a compreenso do espao agrrio produzido na

    Amaznia-acreana. Ento propomos superar a leitura feita simplesmente pela apreenso da

    dicotomia campo-cidade ou rural-urbano. Assim, concebemos que o agrrio regional, no

    contexto das relaes que o produziram, traz para os dias atuais feies espaciais que no

    podem ser apreendidas simplesmente pela aplicao desses conceitos. A condio que a

    produo global imps ao espao local resultou em certas especificidades, que nos fazem

    questionar se tais categorias de anlise contemplam as dimenses de um espao que comeou

    a ser produzido a partir da floresta. Mostramos ento que, aqui, a floresta no foi e no

    sinnimo de espao no-produzido. Sob as bases da produo da empresa extrativa, os

    seringueiros demarcaram os territrios produtivos das empresas e do trabalhador

    (seringal/colocao), seus territrios vivenciais (colocao/colnia); abriram as estradas de

    seringas, os varadouros, as clareiras onde construram suas moradas e as sedes dos barraces;

    identificaram as rvores produtivas, aprenderam a colher da floresta muitos recursos nela

    contidos para o seu viver cotidiano. Da, a floresta chegar aos dias de hoje como espao pelo

    qual tambm se luta para mant-la como ambiente de vivncia social. Assim, a realidade

    agrria a se manifesta se distinguindo entre campo e floresta, mas com marcantes influncias

    destes sobre a cidade.

    No Captulo 4, buscamos a apreenso da dimenso social dos sujeitos que

    produzem a dinmica da realidade vivida que estamos estudando. Vimos que muito tem se

    tratado das lutas e movimentos sociais rurais, na Amaznia-acreana, porm pouco se tem

    atentado para identificar e localizar os sujeitos que produzem tais dinmicas nesta realidade

    vivida, no mbito da sociedade que nos insere. Assim caracterizamos de forma mais ntida a

    formao social de uma classe camponesa, que se institui a partir da produo florestal. Ao

    longo dos diversos processos que norteiam as aes da empresa extrativistas, o campesinato

    tanto recriado por fora dominante (como nas colnias agrcolas) como se auto-recriam (nos

    momentos em que a estrutura dos seringais permite) como uma classe social que busca

    construir sua autonomia e identidade. Ento, ao longo do sculo vinte diversificam-se como

    categorias sociais, mas unificam-se no projeto de vida ligado ao acesso a terra de trabalho

    (MARTINS, 1983, 1991). Da nossa reflexo para compreender como estes sujeitos sociais,

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

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    portadores de uma identidade agrria (a agrarialidade) regionalmente formada, se colocam

    no mbito das luta e da sociedade em geral8.

    Na parte que vai do captulo quinto ao oitavo, aprofundamos a questo,

    fazendo uma reflexo sobre a luta e resistncia deste campesinato. Ento a apreenso da sua

    diversidade social e a busca de construir maior unicidade na luta so pontos fundamentais

    para compreender as estratgias de resistncia que so travadas. Assim, abordamos esta

    problemtica conforme a seguir explicamos:

    No Captulo 5, continuamos as consideraes sobre a apreenso da classe

    camponesa na Amaznia-acreana. Assim nas reflexes tratadas buscamos responder a certas

    indagaes, como: do ponto de vista do processo de formao social e econmica, quem so

    estes sujeitos que vemos como camponeses? Como e porque estes resistiram e ainda resistem

    h mais de um sculo, passando por perodos de dominao e de submisso nos seringais?

    Como se colocam na atualidade perante a reconstruo de identidade (s) camponesa (s) e

    trabalhadora (s) na regio? Seria o significado de um campesinato que se principia da floresta,

    mas se diversifica tambm no campo, o ponto fundamental para compreendermos a realidade

    da luta pela terra e pela permanncia na terra hoje? Ento, respondendo a essas indagaes,

    mostramos a condio efetiva de classe em si e para si que norteia a dinmica da realidade

    agrria produzida a partir dos movimentos sociais de luta e resistncia camponesa.

    No Captulo 6, desenvolvemos uma anlise sobre territrio no contexto da

    realidade camponesa. Ento, voltando um pouco no tempo para entender isso, vimos que o

    campons amaznico-acreano, na construo de sua territorialidade, forma-a sob fortes laos

    opressores dos seringais; isso, com raras excees queles grupos que desde os primeiros anos

    do sculo XX, iniciaram trabalhos em pequenas colnias agrcolas. Os conflitos gerados,

    nesse contexto, no ameaavam, no plano territorial, a base fsica da vivncia camponesa

    florestal, processando-se mais no plano da circulao de mercadorias, sendo que a autonomia

    que gozava a colocao no sistema de aviamento, dava-lhes condies de conviver com os

    agentes capitalistas remanescentes dos seringais. A profunda relao que criou entre

    8 - Para uma aproximao inicial da questo da camponesa podemos considerar o processo de sua recriao na regio amaznica-acreana. Nisto vemos que primeiro houve uma recriao pelo capital que os trazem do Nordeste, colocando-os a seu servio como escravos por dvidas nos seringais (MARTINS, 1997), mas em momentos necessrios, de crises nas empresas extrativistas so tomadas medidas de criao de colnias agrcolas ou de incentivos para a diversificao produtiva. Foi ento perante o abandono das empresas extrativista e na luta pela sobrevivncia desses sujeitos trabalhadores na floresta que houve o comeo de auto-recriao camponesa aps a segunda dcada do sculo XX. Posteriormente, a partir da dcada de 1970, haveria uma ampliao maior no mbito dos conflitos pela terra e dos processos de auto-recriao; porm tambm com polticas de assentamentos, haveria uma maior ampliao de aes do prprio modo capitalistas de produo novos criando mecanismos de recriao camponesa nos diversos projetos de colonizao e assentamentos.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

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    seringueiros e as terras florestais que viviam, nos sistemas produtivos remanescentes dos

    seringais, fez com que esses, ao serem ameaados pela mudana da nova frente capitalista

    ps-1970, reagissem de imediato. Assim, saem em defesa dos padres produtivos

    extrativistas, mas no pautados no seringal e sim na colocao como unidade produtiva. Essa

    j concebida enquanto espao fsico no qual sua territorialidade se materializava, ou seja,

    territorializava como concretizao definitiva da espacialidade de sua reproduo familiar. As

    reaes agora tornam aes conjuntas e coletivas contra as possibilidades de perderem as

    condies que socialmente foram conquistadas, isto , de ser e de viver como um campesinato

    (a realizao do habitus de classe camponesa) que ao longo das ltimas dcadas vividas

    venceu processos opressivos e forjou um modo de vida a partir da floresta (no sentido de um

    habitus florestano). Nesses momentos, podemos dizer que a luta ganha um carter territorial,

    pois passam a lutar tendo como meta fundamental a conquista do reconhecimento de sua terra

    de trabalho. A nosso ver, estas questes, vistas a partir da dimenso territorial, so condies

    bsicas para compreendermos o sentido da formao de autonomia local, no conjunto da luta

    nos movimentos dos trabalhadores organizados na Amaznia-acreana.

    No Captulo 7, dedicamo-nos a discutir o sentido socioambiental dos

    movimentos de resistncia. Assim, mostramos que no mbito da luta e resistncia o

    seringueiro, como sujeito precursor da produo camponesa na regio, incrustado na sua

    formao histrica e social, trouxe aos momentos de avano da fronteira agropecuria legados

    de um sculo de convvio e aprendizado de vida e de trabalho na floresta. Nisso constituiu a

    base geogrfica de modos de vida, formas de reproduo social e ambiental, prticas coletivas

    e comunitrias em que a floresta est tanto na raiz da gerao de seus meios de subsistncia e

    produo econmica, como permeando o imaginrio e o simblico social que se instituem no

    seu cotidiano. Portanto, nessa situao, a floresta est para o seringueiro como est o roado,

    a lavoura e as plantaes em reas desmatadas para o colono assentado. Politicamente a

    floresta espao de vivncia vital para a existncia desses sujeitos, nem tanto pelos recursos

    disponveis, mas pela significncia que ganhou ao longo da formao socioespacial, inclusive

    como instituidora do imaginrio social que se forma. Ento, ao se localizarem, esses sujeitos

    sociais recriam modos de vida estritamente vinculados ao ambiente da floresta que os insere.

    Por outro lado, os migrantes camponeses que foram assentados nos projetos do INCRA,

    surgem no contexto da reproduo deste espao agrrio, em igual condio estruturalmente,

    mas muito diversos do ponto de vista sociocultural. Da, por alguns anos, estes grupos

    camponeses no se vem como de uma nica classe social que compartilham destinos.

    Vem-se sim como sujeitos sociais diferentes. Esse conflito diminuir somente no contexto de

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

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    abrangncias mais generalizantes dos processos de expropriao da terra acessada, j por

    volta do final da dcada de 1980 e incio da dcada de 1990. Ento, principia o

    fortalecimento da participao desses camponeses migrantes nos sindicatos e movimentos

    sociais rurais, sobretudo na organizao de associao e pequenas cooperativas em que, no

    geral, estes traziam maiores experincias, ou seja, no mbito da luta na terra. com esses

    pressupostos que apresentaremos uma caracterizao e problematizao da questo das lutas e

    dos movimentos dos trabalhadores rurais amaznicos-acreanos. Assim buscamos ver a

    realidade das lutas locais no seu encontro com as dimenses polticas da idia de

    sustentabilidade, quer seja com suas organizaes coletivas, ou com a otimizao da

    revalorizao dos recursos naturais regionais como mercadorias verdes (as

    ecomercadorias). Assim, tais camponeses organizados montam estratgias que reforam sua

    resistncia contra os processos de expropriao que os ameaam, mas se adequam cada vez

    mais a este mercado. A questo que fica, a saber, se nisso est sendo gerada uma alternativa

    da construo de autonomia, ou se so apenas novas formas de dominao engendradas

    pela reproduo capitalista que submete o lugar? Ento tratamos das questes no campo das

    possibilidades9.

    No Captulo 8, ainda aprofundando as questes dos captulos anteriores,

    focalizamos as mudanas no uso do territrio. Partimos ento da constatao de que no mbito

    da luta camponesa, a resistncia tambm um processo de mudanas de conduta em que se

    deixa a passividade e comea a tomar iniciativas de auto-organizao10. Este carter de peso

    fundamental, visto que, sob tais iniciativas, as prticas sociais camponesas manifestam-se por

    aes criativas para se colocarem coletivamente perante a realidade envolvente. Nisso se

    apresenta por uma ambigidade (CHAU, 1985), pois ao mesmo tempo estes aspectos

    tambm tornam o campons mais exposto a processos externos na sociedade geral, sobretudo

    no mercado. Ento, conviver com a ambigidade uma condio da luta e da resistncia,

    visto que o isolamento impossvel e inconcebvel. Com estas consideraes, levantamos

    bases para uma reflexo sobre as mudanas recentes no tratamento de polticas voltadas para

    9 - Sob esse ponto de vista, considerando que a realidade no pode ser resumida ao que existe materialmente, concordamos com Boaventura de S. Santos (2002, p.25) que a realidade um campo de possibilidades em que tm cabimento alternativas que foram marginalizadas ou que nem sequer foram tentadas. 10 - interessante aqui pensarmos no sentido do significado da resistncia e da luta, no contexto vivido. Enquanto a luta se faz presente como condio do embate cotidiano nos processos sociais envolventes, a resistncia camponesa sua condio permanente de embate na sociedade. Ento, busca de inovao e transformao (p.e., novos padres vida, de produo e consumo), mas tambm da manuteno de condies vivenciais existentes (p.e., modo de vida, condies de manuteno no domnio do tempo e espao estabelecido). Portanto, no mbito dos laos que prendem dialeticamente as classes sociais no contexto processual que reproduz o espao vivido, no h resistncia sem luta ou luta sem resistncia.

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

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    o espao agrrio produzido na Amaznia-acreana. Ento, apresentamos as mudanas

    paradigmticas no uso que implementam a terra florestal e as perspectivas locais, no mbito

    de suas significaes. Da questionarmos: o que significa o sentido da firmao de uso

    florestal do territrio como definidor de padres de mercadoria e do desenvolvimento

    regional? Como ficam as pretenses campesinas quando esto envolvidas no mbito da

    consolidao dos territrios das Unidades de Conservao? Vemos nestas perguntas situaes

    que permitem traarmos uma anlise crtica do significado das mudanas que tm sido

    implementadas no espao produzido regional, seja via as pretenses locais sobrepostas por

    propsitos globais no mbito dos movimentos ambientalistas e na adoo de novos padres

    produtivos, seja como polticas de regularizao fundiria em territrios florestais pelo poder

    pblico Estadual e Federal.

    Nos captulos nono e dcimo, discutimos a questo das mudanas na adoo

    de polticas de desenvolvimento que principiam no mbito do confronto da luta, mas tambm

    nos reflexos de seu significado no contexto mundial. Da h mudanas nos padres de

    desenvolvimento regional que emergem dos movimentos em suas estratgias de resistncia,

    ao passo que tambm h a cooptao de seus ideais de luta no mbito dos projetos

    mundializados da opo pelo desenvolvimento sustentvel. Na prtica isso implicou em

    mudanas nos padres produtivos no mbito agrrio, na maior imbricao das organizaes

    camponesas com direes impostas pelo mercado etc. Vejamos:

    No Captulo 9, discutimos a questo do desenvolvimento. Ento

    demonstramos que desde o final dos anos 1950, no plano mundial, comeou de forma mais

    deliberada um despertar para o perigo das destruies massivas da natureza e dos impactos j

    sentidos com as mudanas globais. Em algumas camadas da sociedade, principiava a tomada

    de conscincia de que o desenvolvimento seguido pela humanidade era incompatvel com o

    equilbrio da vida no planeta. Assim, organizaes governamentais e no-governamentais do

    mundo inteiro se mobilizaram para a questo e gradativamente ganharam espao em todos os

    setores sociais, econmicos, polticos e acadmicos, sobretudo nos pases mais enriquecidos

    do mundo. A Amaznia rapidamente transformada em rea de preocupao mundial.

    nessas circunstncias que, j por volta da dcada de 1980, os movimentos de resistncia dos

    camponeses locais iro encontrar a ressonncia mundial devida a suas lutas localizadas. O

    apoio, ento, ocorreu tanto no campo logstico, em que projetaram lideranas amaznicas em

    nvel mundial, como no plano financeiro, com o financiamento a projetos alternativos de

    desenvolvimento de grupos organizados que buscaram produzir outras condies para sua

    existncia, contrapondo-se aos propsitos desenvolvimentistas que os subjugaram nas trs

  • RESISTNCIA CAMPONESA E DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA AMAZNIA-ACREANA

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    ltimas dcadas do sculo XX. Assim, manifestaram dimenses na luta desses camponeses

    que buscavam muito mais que conquistas para sobrevivncia da classe; seus anseios nos

    movimentos sociais j apontam para a necessidade de uma alternativa ao desenvolvimento

    regional. Essa abertura possibilita o encontro com os propsitos do desenvolvimento

    sustentvel (criado nos pases mais ricos do planeta) que j se colocava no plano global,

    sobretudo como indicao de direo polticas ideais para os pases e regies mais

    empobrecidos do planeta. Assim, o termo desenvolvimento sustentvel torna-se um

    paradoxo, pois dele todos falam. Mas, ento o que esse desenvolvimento? E a questo de ser

    sustentvel ou de ter sustentabilidade, como fica? O que se pode dizer que no contexto

    amaznico-acreano, seja como significados gerados no mbito da luta ou do sentido acatado

    do discurso mundial, muitos novos conceitos e prticas hoje difundidas advm como parte

    desta conjuntura do confronto ou encontro do local com o mundial. No mbito da produo

    camponesa, no espao agrrio no vemos apenas possibilidade de submi