uma visÃo brasileira sobre o terrorismo

Upload: humberto-leal

Post on 30-May-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/14/2019 UMA VISO BRASILEIRA SOBRE O TERRORISMO

    1/5

    UMA VISO BRASILEIRA SOBRE O TERRORISMO1

    Humberto Leal2

    1.INTRODUO

    Sabe-se, hoje em dia, que, aps os atentados do 11 de setembro de 2001 nos EUA, o

    terrorismo ocupa posio prioritria na agenda de segurana da potncia hegemnica, com

    reflexos imediatos na formulao das polticas pblicas de defesa dos demais pases,

    particularmente os perifricos e, principalmente, os que se encontram na rbita norte-

    americana. A justificativa para a guerra desenvolvida no Afeganisto o combate ao terror e

    ao movimento Al Qaeda. Ora, diante disso, o Brasil tem se mostrado sensvel spreocupaes da comunidade internacional quanto ao terrorismo, desenvolvendo uma srie

    de medidas preventivas de cooperao e securitizao, numa atitude responsvel de Estado

    contra a nova ameaa no cenrio internacional. Alis, a rejeio brasileira ao terrorismo est

    bem explcita na Constituio Federal e na Poltica de Defesa Nacional.

    A presente resenha visa a apresentar os principais aspectos do artigo de Cardoso,

    originalmente uma conferncia proferida no Seminrio Internacional Terrorismo e Violncia,

    Direitos e Liberdades Individuais, do Centro de Estudos Judicirios, em 2002, em Braslia,DF; e dos textos apresentados no II Encontro de Estudos do Terrorismo do Gabinete de

    Segurana Institucional da Presidncia da Repblica, em 2004.

    2.TERRORISMO, SEGURANA E ESTADO DE DIREITO

    O General Cardoso, reconhecendo os efeitos da ameaa terrorista sobre a segurana

    do Estado e as liberdades individuais, prope-se a analisar a tenso entre terrorismo e

    1 CARDOSO, Alberto Mendes. Terrorismo e Segurana em um Estado Social Democrtico de Direito. R. CEJ,Braslia, n.18,p.47-53,jul./set.2002; e II Encontro de Estudos: Terrorismo. Braslia: Gabinete de SeguranaInstitucional; Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais, 2004. Estes so os dois textos utilizadospara compor a presente resenha. A razo para us-los foi trazer as experincias do ex-chefe do Gabinete deSegurana Institucional da Presidncia da Repblica no Governo Fernando Henrique Cardoso, General AlbertoMendes Cardoso, e os resultados do II Encontro de Estudos sobre o Terrorismo promovido pelo GSI daPresidncia da Repblica no primeiro Governo Lus Incio Lula da Silva. Tem-se, desta forma, uma visobrasileira institucionalizada sobre a questo do terrorismo ps-11 de setembro de 2001.

    2 Mestrando do Programa de Ps-Graduao de Estudos Estratgicos da Defesa e da Segurana da

    Universidade Federal Fluminense. O discente apresenta este trabalho como parte dos requisitos necessrios aprovao na disciplina Teoria e Anlise das Relaes Internacionais da Defesa e da Segurana I.

  • 8/14/2019 UMA VISO BRASILEIRA SOBRE O TERRORISMO

    2/5

    2

    segurana em um Estado social e democrtico de Direito. O problema est em determinar a

    quantidade de medidas antiterroristas e seu grau de intensidade, na democracia, uma vez que

    haver sempre o risco de afetar os direitos e as liberdades individuais. Entretanto, como o

    terrorismo se reveste de grande atualidade, o Estado no pode se esquivar de seu dever como

    provedor da segurana.

    Afirma Cardoso que, no Brasil, o enfrentamento do terrorismo da competncia

    primria do Ministrio da Justia e do Gabinete de Segurana Institucional (GSI) da

    Presidncia da Repblica. Recorda-nos que o Decreto n. 3.203/99 criou a Cmara de

    Relaes Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN), do Conselho de Governo, cuja

    Secretaria-Executiva atribuda ao titular da Pasta. Cabe CREDEN formular poltica,

    estabelecer diretrizes, aprovar e acompanhar programas, inclusive os referentes ao

    narcotrfico e a outros delitos de configurao internacional. Alm disso, a Agncia

    Brasileira de Inteligncia (ABIN) tambm se encontra no organograma do GSI, cabendo-lhe

    avaliar as ameaas internas e externas ordem constitucional.

    Aps comentar sobre possveis tentativas de conceituar o fenmeno do terrorismo,

    exemplificando, inclusive, suas formas modernas, Cardoso afirma que a discusso acadmica

    se complementa com a soluo legislativa. Pressionados a tipificarem e penalizarem o delito

    do terrorismo, os Estados tm evitado as definies, optando por delimitar o terror pela

    enumerao de condutas consideradas terroristas, desde que praticadas com motivao

    poltica ou ideolgica ou, de qualquer maneira, busquem mudar o governo por meios no-

    constitucionais (CARDOSO, 2002, p.49). O Brasil, cuja Constituio Federativa propugna

    pela construo, no pas, de um Estado social e democrtico de Direito, repudia o terrorismo

    (Art. 4 CF, inc. VIII) e o lista entre os crimes de carter hediondo (Lei n.8.072/90, art.1).

    Nesse contexto que se verifica a discusso entre terrorismo e segurana, pois o combate ao

    terror no pode restringir os direitos e as liberdades fundamentais. Na democracia, contudo,

    alm da prudncia exigida do Estado, espera-se tambm que a sociedade, consciente de que o

    terrorismo ameaa a cidadania e a estabilidade das instituies, se disponha a enfrent-lo com

    todos os instrumentos disponveis.

    Para contrapor-se violncia poltica premeditada dos terroristas, suas aes

    insidiosas, inesperadas, e suas intenes de criar deliberadamente uma atmosfera de medo, o

    Estado democrtico deve se armar dos meios legais e de segurana necessrios, como

    legislao adequada, capacitao do Poder Judicirio, do Ministrio Pblico e dos corpos

    policiais, bem como dos servios de inteligncia e do apoio da populao. Alm disso, h um

  • 8/14/2019 UMA VISO BRASILEIRA SOBRE O TERRORISMO

    3/5

    3

    papel especial a ser desempenhado pelos meios de comunicao, que, na ausncia da censura,

    devem encontrar o ponto de equilbrio entre a divulgao de notcias e a no-aceitao de

    difundir a propaganda terrorista.

    Cardoso alerta para os riscos de satanizao de segmentos da populao, etniasestrangeiras, determinadas regies do pas (como a Trplice Fronteira, na Foz do Iguau).

    Como o Brasil tem fortes caractersticas multitnicas e multiculturais, o autor ressalta que,

    embora cooperando com a comunidade internacional na eliminao do terrorismo, o pas no

    pode se deixar levar por preconceitos ou sentimentos negativos em relao a outros povos, e

    muito menos ameaar a construo do Estado social e democrtico de Direito. E dessa

    forma cooperativa que o Brasil, diante da natureza transnacional do terrorismo, teria firmado

    14 convenes internacionais e interamericanas, dez das quais at ento recepcionadas pelo

    Direito ptrio e quatro em diferentes fases de anlise. Cardoso destaca os esforos

    antiterrorismo no mbito do Mercosul, decorrentes de vrios protocolos e acordos. Para ele, a

    democracia e a estabilidade econmica so duas das principais armas para combater o

    terrorismo. No caso brasileiro, Cardoso enfatiza que reduzir as assimetrias de bem-estar entre

    as diversas camadas da populao pode evitar o surgimento de antagonismos e

    ressentimentos, sempre presentes na origem do terrorismo.

    3.O BRASIL FRENTE AO TERRORISMO INTERNACIONAL

    3.1.POSSIBILIDADE DE ATENTADOS TERRORISTAS NO BRASIL3

    A priori, Diniz no exclui a possibilidade de o Brasil tornar-se palco, ou mesmo alvo,

    de aes terroristas, embora o pas ou organizaes brasileiras no venham protagonizando,

    direta ou indiretamente, qualquer papel em controvrsias internacionais em que se faa

    presente o componente do terrorismo. O Brasil, por exemplo, foi contra a invaso militar dosEUA ao Iraque em 2003. Apesar disso, o autor considera trs possibilidades de que isso possa

    ocorrer: 1) a natureza e o alcance do terrorismo no plano global; 2) as formas de articulao

    do terrorismo, com estruturas e atividades ilcitas domesticamente estabelecidas; e 3) as

    posturas e limitaes do Brasil em face do terror e da violncia da poltica internacional

    contempornea.

    3Trabalho apresentado por Eugenio Diniz, Professor do Departamento de Relaes Internacionais da PUC-MG,

    membro doInternational Institute for Strategic Studies,Londres, e do Grupo de Estudos Estratgicos da Coppe UFRJ. Contato: [email protected]

  • 8/14/2019 UMA VISO BRASILEIRA SOBRE O TERRORISMO

    4/5

    4

    Quanto primeira, Diniz lembra-nos da seletividade dos alvos e da relativa

    aleatoriedade das vtimas potenciais do terrorismo e afirma que o Brasil suscetvel ameaa

    terrorista devido possibilidade de que seus ativos materiais e instalaes nacionais, ou suas

    empresas e seus cidados localizados em seu prprio territrio ou no exterior, convertam-se

    em alvos discriminados de atentados. Afinal, a atuao do terror transnacional, de alcance

    globalizado. Quanto segunda, Diniz recorda-nos que, numa sociedade democrtica como a

    brasileira, h todas as condies para o estabelecimento de conexes externas a servio de

    ilcitos transnacionais e do terrorismo, sendo o pas muito permevel articulao do

    terrorismo internacional. Aponta, como delicada, a Questo da Trplice Fronteira, onde h

    condies favorveis atuao do crime organizado, do trfico de armas e drogas, alm da

    presena significativa de contingente populacional islmico. Quanto terceira, aponta, como

    limitao ao combate ao terror, o trao cultural brasileiro, expresso no domnio das polticas pblicas, em reconhecer e tratar o terrorismo como elemento distintivo da poltica

    internacional contempornea, transpondo-o para as agendas e contextos domsticos. Em

    outros termos, a sociedade brasileira tende a relativizar o problema. Alm disso, o autor

    comenta sobre as dificuldades de operaes coordenadas e harmnicas entre os rgos de

    segurana e de inteligncia

    3.2.O ENFRENTAMENTO INSTITUCIONAL DA AMEAA TERRORISTA4

    O Brasil dispe de instrumentos adequados ao enfrentamento do terrorismo, nos

    planos constitucional e infraconstitucional. As leis brasileiras vm, inclusive, se adaptando

    em funo da cooperao internacional contra o terror. Apesar disso, o autor destaca que h

    uma tendncia inercial em nossa legislao de definir o terrorismo em termos que o

    aproximam da dissidncia poltica, da rebelio ou da subverso armada, concepes

    anacrnicas diante das caractersticas do terrorismo internacional contemporneo. Porm, o

    problema no se reside no arcabouo jurdico, mas sim na questo operacional propriamente

    dita, sendo necessrio redesenhar o atual modelo organizacional existente para a luta contra o

    terrorismo. H necessidade, segundo Cepik, de fortalecer a capacidade de inteligncia,

    especificamente nos seguintes aspectos: 1) aperfeioar as formas e os graus de coordenao

    entre as diversas instncias do aparelho de Estado com atuao na rea de inteligncia e no

    mbito do Sistema Brasileiro de Inteligncia; 2) melhor delimitao das competncias e da

    especializao dos rgos de inteligncia; 3) pronta regulamentao das atividades de

    4 Trabalho apresentado por Marco Cepik, Professor do Departamento de Cincia Poltica da UFRGS. Contato:[email protected]

  • 8/14/2019 UMA VISO BRASILEIRA SOBRE O TERRORISMO

    5/5

    5

    operao e contra-inteligncia; e 4) fortalecimento dos mecanismos parlamentares de controle

    da atividade de inteligncia.

    3.3.COOPERAO INTERNACIONAL E ADEQUAO DO ORDENAMENTO

    LEGAL5

    Costa Vaz destaca que o Brasil, luz dos acordos e das convenes internacionais,

    vem imprimindo qualidade sua participao na luta contra o terror. Nesse sentido, aponta

    trs dimenses da cooperao brasileira: 1) o intercmbio de informaes (monitoramento

    dos fluxos de pessoas, bens e recursos no interior dos pases e atravs das fronteiras); 2) a

    superviso e o monitoramento de fluxos financeiros transnacionais potencialmente

    relacionados ao terrorismo e a outros ilcitos; e 3) a cooperao em matria judicial. A

    atuao brasileira se torna mais pr-ativa no Cone Sul (MERCOSUL).

    O autor, contudo, destaca duas limitaes de ordem poltica e prtica: a postura

    refratria militarizao do enfrentamento ao terrorismo e s limitaes dos rgos e

    instrumentos de segurana do Estado (carncia de recursos humanos, financeiros, materiais,

    tecnolgicos, falta de capacidade operacional em matria de inteligncia, ausncia de

    coordenao e harmonia entre os rgos etc.).

    4.CONCLUSO

    Esta breve resenha, ao apresentar trabalhos que refletem tentativas e experincias de

    pessoas e rgos do Estado brasileiro, nos governos FHC e Lula da Silva, de compreender e

    enfrentar o terrorismo internacional contemporneo, demonstra que o Brasil se mostra

    consciente do papel que lhe cabe no cenrio do sculo XXI. A ameaa do terror uma

    realidade que vem sendo considerada pelo Estado brasileiro, no obstante as inmeras

    dificuldades e limitaes decorrentes de sua dinmica poltica, econmica, social e militar.

    5 Trabalho apresentado por Alcides Costa Vaz, Dr. em Cincias Sociais pela USP e Diretor do Instituto deRelaes Internacionais da Universidade de Braslia. Contato: [email protected]