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UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA NA LITERATURA DE VIAGEM DE JEAN DE MANDEVILLE (Século XIV) Claudia Marilia Marques Espanha 1 O estudo descreve as Viagens Medievais ocorridas no período circunscrito do século XIV, através das viagens feitas (ou não) por Jean de Mandeville, relatadas em seu livro Viagens de Jean de Mandeville. O estudo focou o imaginário medieval descrito em suas narrativas e nas reconstruções dos principais itinerários de sua viagem. As rotas foram restauradas e mapeadas, as cidades, os portos, os povos, as principais terras e reinos encontrados foram localizados e demarcados. Foram examinadas as diversas formas em que a Ásia foi representada pelo autor e a descrição do maravilhoso, do diferente, do “outro”, além do que foi observado em diversas terras, ilhas e reinos, e como essa alteridade relacionada à Ásia foi construída nas narrativas de sua viagem, apresentando-nos a Ásia no seu plano simbólico, mostrando como ela é essencialmente o lugar “do outro”, descrevendo-o como é criado, como é visto e compreendido pelo Ocidente Latino. Temos que ter em mente que a ideia sobre “o outro” que esta alteridade se constrói conjuntamente com a composição de sua própria identidade, que é a do homem ocidental medieval. A forma em que Mandeville examina e comenta as características do “outro”, como define “as gentes” dos diversos lugares por ele visitado, são, fortemente os termos que o definem por si só. Viajar em si promove normalmente o encontro em terras distantes e desconhecidas, além do encontro, alimenta a curiosidade, o espanto, o estranhamento e o maravilhamento de coisas jamais vistas, do diferente que é natural, que é criação Divina, portanto o maravilhoso. 1 UFF - Universidade Federal Fluminense, e-mail: [email protected] Orientadora: doutora Vânia Leite Fróes, UFF - Universidade Federal Fluminense

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UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA NA LITERATURA DE VIAGEM

DE JEAN DE MANDEVILLE (Século XIV)

Claudia Marilia Marques Espanha1

O estudo descreve as Viagens Medievais ocorridas no período circunscrito do século

XIV, através das viagens feitas (ou não) por Jean de Mandeville, relatadas em seu livro Viagens

de Jean de Mandeville.

O estudo focou o imaginário medieval descrito em suas narrativas e nas reconstruções

dos principais itinerários de sua viagem. As rotas foram restauradas e mapeadas, as cidades, os

portos, os povos, as principais terras e reinos encontrados foram localizados e demarcados.

Foram examinadas as diversas formas em que a Ásia foi representada pelo autor e a

descrição do maravilhoso, do diferente, do “outro”, além do que foi observado em diversas

terras, ilhas e reinos, e como essa alteridade relacionada à Ásia foi construída nas narrativas de

sua viagem, apresentando-nos a Ásia no seu plano simbólico, mostrando como ela é

essencialmente o lugar “do outro”, descrevendo-o como é criado, como é visto e compreendido

pelo Ocidente Latino.

Temos que ter em mente que a ideia sobre “o outro” que esta alteridade se constrói

conjuntamente com a composição de sua própria identidade, que é a do homem ocidental

medieval. A forma em que Mandeville examina e comenta as características do “outro”, como

define “as gentes” dos diversos lugares por ele visitado, são, fortemente os termos que o

definem por si só.

Viajar em si promove normalmente o encontro em terras distantes e desconhecidas, além

do encontro, alimenta a curiosidade, o espanto, o estranhamento e o maravilhamento de coisas

jamais vistas, do diferente que é natural, que é criação Divina, portanto o maravilhoso.

1

UFF - Universidade Federal Fluminense, e-mail: [email protected]

Orientadora: doutora Vânia Leite Fróes, UFF - Universidade Federal Fluminense

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Ressaltamos a importância das narrativas de viagem nos últimos séculos da Idade

Média, que de certo modo tornam presentes muitos dos ideais e construções utópicas do

medievo, ao mesmo tempo em que pelo imaginário ou pelo vivido constroem conhecimentos

que antecipam as grandes navegações no mar-oceano, ou seja, as viagens no Atlântico.

Cristóvão Colombo, em sua viagem de conquista para os Reis Católicos Fernando de

Aragão e Isabel de Castela, supôs ter chegado ao Oriente, pois imaginou conquistar para os seus

soberanos uma faixa de terra fronteiriça ao império do Grande Cã. Certamente leu e releu os

Livros de Viagens de Marco Polo e Jean de Mandeville. O exemplar de Marco Polo que

Colombo possuía com suas anotações pessoais sobreviveu até os dias de hoje e o que sabemos

de suas familiaridades com os relatos de viagem de Jean de Madeville estão descritas no livro

Memorias del Reinado de los Reyes Católicos de Andrés Bernáldez. O filho de Colombo,

Fernando, escreveu que entre as razões que levaram seu pai a empreender sua viagem, estavam

as palavras descritas em livro de Marco Polo, um veneziano, e de John Mandeville, um lorde

inglês.2

A principal hipótese da pesquisa é a descrição da Ásia e de como ela é entendida, quase

como um território a parte, território do estranho, do diferente, do maravilhoso, integrado pelo

autor. Procuramos, portanto, analisar como Mandeville a constrói. Estudar o imaginário de uma

sociedade é ir ao fundo de sua consciência e da sua evolução histórica. É ir à origem e à natureza

profunda do homem, criado a imagem de Deus (...).3

O MUNDO DE JEAN DE MANDEVILLE

Os relatos de viagens mais famosos, que se tornaram sucesso em sua época, são as

viagens de Marco Polo e Jean de Mandeville, onde nossos autores e desbravadores contam suas

2 GREENBLATT, Stephen. Possessões Maravilhosas. São Paulo, 1996, p. 45.

3 LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Portugal: Editorial Estampa, 1994.p. 17.

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aventuras e descobertas, e o que encontraram de extraordinário e maravilhoso em seus trajetos

de viagens.

Marco Polo narrou em seu Livro das Maravilhas a Ásia mongólica, que circula por toda

a Latinidade e muito cedo é traduzida para as línguas vernáculas, copiado como um best seller,

incendiando as mentes daqueles que querem agora conhecer este mundo dos sonhos. A literatura

de viagem tão ao gosto dos mercadores e das gentes de marinharia tomam as cortes, as praças

e mercados. Pouco tempo depois, os livros passaram a produzir imagens figurativas das suas

viagens.

Jean de Mandeville declarou em seu livro que saiu em viagem no dia de São Miguel,

provavelmente 19 de setembro do ano de 1322, retornando 34 anos depois, isto é, no ano de

1356, em data posterior à grande peste que havia dizimado boa parte da população europeia.

Suas narrativas de viagens são finalizadas em torno de 1356-57, com forte influência do livro

de Marco Polo, inclusive no título, tornando-se, um dos livros mais populares na Europa no

final do século XIV, dos séculos XV e XVI, com o título de Viagens de Jean de Mandeville ou

Livro das Maravilhas do Mundo.

No século XV, seu livro poderia ser encontrado em uma extraordinária variedade de

línguas europeias, não só Latim, Francês, Alemão, Inglês e Italiano, mas também checo,

dinamarquês e irlandês. Seu enorme sucesso é atestado pelos duzentos e cinquenta manuscritos

medievais existentes, três vezes mais que o livro de Marco Polo que conta com 80 manuscritos

encontrados. Certamente os dois livros foram referência para os viajantes e navegadores,

mesmo nos quinhentos, período das grandes descobertas atlânticas.

Em seu livro, Mandeville fornece aos seus leitores informações inéditas, interessantes,

diferentes e exóticas sobre vários povoados e lugares, sobre as práticas sociais e religiosas

desses povos, tais como os tártaros, os sarracenos, os brâmanes, entre outros.

Descreve em suas narrativas, desde a partida da Inglaterra até o Mar Mediterrâneo,

itinerários, onde sugere rotas alternativas, partindo de vários portos, tais como Gênova, Veneza,

Pisa ou Brindisi, com descrição de várias rotas até Constantinopla, em direção

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ao extremo oriente, seu pretenso destino final.

Falaremos um pouco sobre o nosso autor, Jean de Mandeville: cavaleiro inglês, nascido

na cidade de Saint Albans, situada à 35 km ao norte de Londres, Inglaterra. Estudos recentes

apresentam Mandeville, além da condição de cavaleiro, também com a qualificação de

“barbado”, que indica a sua atuação como médico. Há também referências à sua profunda

religiosidade. Falecido na cidade de Liège, Bélgica no ano de 1372.

Uma pergunta importante que poderá nortear nosso trabalho é a que devemos o imenso

sucesso de seu livro, a esse interesse que foi despertado por suas narrativas de viagens? A

resposta estaria no fascínio do imaginário, as viagens poderiam ser vividas e imaginadas pelo

leitor, a partir da descrição do que era diferente, exótico, de crenças e lendas distintas do

ocidente, onde se buscava saber sobre os outros e sobre outras terras desconhecidas,

principalmente as terras longínquas do oriente.

Um outro questionamento dos pesquisadores sobre seu livro, seria se o autor, Jean de

Mandeville, realmente viajou para todos os lugares descritos em seu livro ou somente escreveu

sobre vários relatos de viagens que leu, existentes em sua época, que circulavam na Europa no

século XIV. Devemos perceber que todo esse debate se Mandeville viajou ou não, se escreveu

apenas os relatos de viagens que leu ou escutou, ou simplesmente acerca da existência ou não

de Mandeville não altera o quadro de seu livro ser um sucesso de público para a época em que

foi escrito e como seu discurso convenceu os seus contemporâneos de forma inquestionável.

O ITINERÁRIO DE VIAGEM DE MANDEVILLE

Como um legítimo cavaleiro inglês, sua partida não poderia de deixar de ser da

Inglaterra. Mas o autor sugere outros lugares de partida, como Irlanda, Gales, Escócia ou

Noruega, traçando um itinerário até a cidade de Constantinopla - antigo nome da cidade de

Istambul, na Turquia. Sugere que a partida pode ser feita pelos portos do Mar Mediterrâneo,

indicando os portos de Gênova, Veneza, Pisa ou Brindisi.

Seu destino após Constantinopla é a cidade de Jerusalém, a Terra Santa, partindo do

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Porto de Constantinopla, navegando por várias ilhas da Grécia, no Mar Egeu, tais como Patmos,

Silo, Kos, Rodes, Creta e Chipre, entre outras, até a Terra Santa. Além de indicar o caminho a

ser percorrido, Mandeville quer revelar aos seus leitores, os costumes, os hábitos e as

diversidades de cada terra, reino e ilha em que passou: “Embora essas coisas não digam respeito

ao caminho a ensinar, ainda assim elas tratam do que prometi declarar acerca dos costumes, dos

hábitos e das diversidades de cada pais.” (FRANÇA, 2007, p. 51 e p.37)

ITINERÁRIO DA INGLATERRA À CONSTANTINOPLA

Mandeville ensina e estimula a todos que se interessarem a fazer uma viagem ao

ultramar, pois podem tomar caminhos diversos, tanto por mar como por terra, pois todos

caminhos darão a um mesmo fim. Mas mesmo assim não descreve todas as cidades e vilas por

onde poderão passar, pois demandaria um longo relato. O autor compromete-se a falar dos

lugares principais por “onde se deve passar para tomar o caminho certo”.

“Primeiramente, aquele que parte de lugares do Ocidente, como Inglaterra, Irlanda,

Gales, Escócia ou Noruega, pode, se assim quiser, ir pela Alemanha e o reino da Hungria...”

(FRANÇA, 2007, p. 37)

Partindo da cidade de Londres, percorrendo de barco o rio Tâmisa, Mandeville

provavelmente atravessou o canal da Mancha à barco até os Países Baixos, na cidade costeira

de Roterdã e percorreu, em caravana, por vias fluviais, o rio Mosa, adentrando no reino da

Alemanha, navegando através do rio Reno e seus afluentes, até chegar ao rio Danúbio, passando

a navega-lo. Foi até o Reino da Hungria, onde visitou várias cidades, tais como a cidade de

Sopron (hoje a cidade de Cypon) na Hungria Ocidental, a cidade de Manleville (hoje a cidade

de Semlin - em alemão ou Zemun – em sérvio) e a cidade de Belgrado (hoje na Sérvia). Nesse

ponto o rio Danúbio encontra-se com o rio Marrok (antigo nome do rio Morava) e

provavelmente, Mandeville percorre esse rio até chegar em Constantinopla, passando antes pela

Terra dos Pincenarez, que era um povo das estepes da Ásia Central de língua turca que se

estabeleceu no norte do rio Danúbio. Deixaram de existir como um povo distinto e foram

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assimilados pelos povos vizinhos, como os búlgaros, os magiares e os gagauz; pela cidade de

Nye (antigo nome da cidade de Nis, localizada na Sérvia, as margens do rio Nissava), a cidade

de Finepape (antigo nome da cidade búlgara de Plovdiv) e a cidade de Andrinopla (trata-se de

Edirne, cidade da Trácia, na Turquia europeia).

Chegando na cidade de Constantinopla, que anteriormente era chamada cidade de Bizâncio,

o autor, que é um homem de grande fé e um cristão fervoroso, descreve a igreja de Santa Sofia

como a mais bela e a mais nobre igreja do mundo. Descreve Constantinopla como uma cidade

muito bela, muito nobre, bem amuralhada e triangular.

Figura 1 – Itinerário de viagem partindo de Londres - Inglaterra

e chegando à Constantinopla - Turquia

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ITINERÁRIO A PARTIR DOS PORTOS DE GÊNOVA E VENEZA

O itinerário de viagem partindo da França ou Borgonha ou Lombardia, Mandeville afirma

que não é necessário mencionar os nomes de cidades ou vilas pois a rota já é comum e conhecida

por muitas nações.

Chegando no Porto de Gênova ou no Porto de Pisa, ganham o mar através do Mar

Tirreno (é uma parte do Mar Mediterrâneo que se estende ao longo da costa oeste italiana), ou

saindo do Porto de Veneza, ganham o mar através do Mar Adriático (é uma parte do Mar

Mediterrâneo ao norte e ao leste da Itália e ao oeste dos Balcãs), podendo visitar as cidades de

Nápoles ou Roma e desse ponto partem para a cidade de Brindisi (cidade costeira do mar

Adriático), onde podem retomar ao mar através de seu porto.

Continuando o itinerário, seguindo por mar, iremos em direção da Ilha de Gref

(atualmente Ilha de Corfu, uma ilha a oeste da Grécia e da Albânia), que pertencia aos genoveses

na Idade Média, a partir do qual chega-se a Grécia, aportando na cidade de Myrok (atualmente

Mavroro – Albânia) ou na cidade de Valona (atualmente Vlorë - Albânia) ou a cidade de Duras

(atualmente Durrês - Albânia) ou em outros diversos portos da costa. Mandeville não menciona,

a partir desse ponto, como fazer para chegar a Constantinopla, Deixa em aberto, somente diz

que a partir dessas cidades, vai-se a Constantinopla. Poderia ser por terra, por mar ou por

navegação fluvial.

Para chegarmos a cidade portuária de Damieta no Egito, partindo de Constantinopla,

podemos aportar em três ilhas distintas, intermediárias, como Creta, Rodes ou Chipre. Além de

possuir belas cidades e vilas, são pontos de comercio no Mar Mediterrâneo. A partir delas,

navega-se até a cidade portuária de Damieta onde partiremos, por terra, para Alexandria, onde

desemboca no mar o rio Nilo. Continuando o caminho, vai-se a Babilônia do Egito (atualmente

cidade do Cairo), situada às margens do rio Nilo, onde reside o sultão.

Para viajar com mais segurança, deve-se solicitar ao sultão licença e permissão para

prosseguir com mais segurança por suas terras e domínios. Seguindo caminho para o Monte

Sinai, atravessa-se o Mar Vermelho, que é chamado assim porque em alguns lugares sua areia

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é avermelhada, onde o povo de Israel, junto a Moisés, o atravessou sem se molharem, quando

foram perseguidos pelo faraó. Para cruza-lo são quatro jornadas de caminho.

É necessário passar pelos desertos da Arábia, os mesmos desertos que Moisés conduziu

o povo de Israel. Pelo deserto, chega-se ao Vale de Elim, um dos lugares onde os israelitas

montaram acampamento, e logo chega-se ao Monte Sinai, local onde Moisés viu a sarça que

ardia, falou com Deus e recebeu os dez mandamentos. No local existe um Monastério, que foi

fundado por Justiniano no século VI. Próximo ao Monastério situa-se a igreja de Santa Catarina,

onde encontramos muitos relicários e maravilhas que descreveremos à frente.

No deserto vivem os beduínos e os ascopates – que são os habitantes da Etiópia. Moram

em tendas que fazem com peles de animais. A razão pelas quais não constroem habitações é a

carência de água. De acordo com a estação, a água é encontrada em um lugar ou em outro. São

homens fortes, lutadores e numerosos. São homens de má índole: falsos, cruéis e de má

natureza.

Quando termina o deserto, em direção a cidade de Jerusalém, chega-se a cidade de

Besabéia (atualmente Berseba), cidade cristã. Viveu nessa cidade o patriarca Abraão. Segundo

Mandeville, ela foi fundada por Betsabéia, esposa do nobre Urias, e nela, o rei Davi gerou o

sábio Salomão, que depois de Davi foi rei de Israel.

A duas milhas de distância chega-se a Hebron, uma das cidades mais antigas, conhecida

anteriormente pelo nome de Vale Mambre, e também pelo nome de Vale de Lágrimas, pois

Adão chorou por cem anos a morte de seu filho Abel, morto por seu irmão Caim. Foi, em

outrora, cidade principal dos Filisteus, onde haviam gigantes. Cidade onde Josué e Calebe

conjecturaram com os seus para conquistarem a Terra Prometida. Estão sepultados em Hebron,

os patriarcas Adão, Abraão, Isaac e Jacó, e suas mulheres4.

4

A bíblia relata que foram enterrados em Hebron: Abraão, Sara, Isaac, Rebeca e Jacó, numa caverna chamada Cova de Macpela, adquirida por

Abraão (Gn 23, 19). Referencias datadas do período helênico (séc II d. C.) atestam que esse é o lugar autentico de sepultamento dos patriarcas.

Essa caverna foi explorada pelos canônicos agostinianos em 1119, onde foi declarada a descoberta dos ossos dos patriarcas. Segundo a tradição,

essa caverna localiza-se abaixo de Haram el-Khalil (recinto sagrado do amigo do Deus Único Misericordioso), e no local está uma mesquita

muçulmana.

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De Hebron vai-se a Belém em meio dia, pois dista a apenas cinco milhas e o caminho é

muito bonito, com agradáveis planícies e bosques. Antigamente seu nome era Éfrata. Bem

próximo, encontra-se o local onde desceu a estrela que havia guiado os três reis magos Gaspar,

Melquior e Baltazar. Os três reis trouxeram para Nosso Senhor ouro, incenso e mirra. A viagem

foi um verdadeiro milagre de Deus, pois estavam em uma cidade da Índia chamada Cassak, que

fica a cinquenta e três jornadas de Belém. Chegaram a Belém no decimo terceiro dia após terem

visto a estrela. Foi no quarto dia depois da visão que se encontravam em Cassak e para Belém

levaram nove dias, que foi um verdadeiro milagre.

MARAVILHAS E ESTRANHAMENTOS: IDENTIDADE E ALTERIDADE

No século XIII presenciamos o início da era das grandes viagens, que eram quase que

exclusivamente continentais. Os homens que se deslocavam anteriormente eram movidos por

um espírito de hostilidade. O século XII foi o século das Cruzadas, da Guerra Santa, um estado

de espirito que além da produção de hostilidade como motivo para viajar, somente as

peregrinações ao Santos Lugares marcavam presença para os deslocamentos de viagens. O

Oriente Próximo é o local de infiéis, que devem ser esmagados, conquistados ou convertidos.

O Extremo Oriente é um ambiente de lendas, ao qual o homem ocidental não teve mais

acesso depois de Alexandre, o Grande. Por isso é imaginado segundo as Histórias de Alexandre,

repletas de grandes fabulações. Aliás, o Extremo Oriente nutre a mesma ignorância em relação

ao Ocidente. O historiador medievalista Claude Kappler trata desse assunto em suas anotações

quando diz: No Extremo Oriente há tantas lendas sobre o Extremo Ocidente quantas neste há

sobre aquele. Os chineses ignoram todo o Ocidente, com exceção de algumas lendas muito

vagas. A Europa está quase sempre ausente de seus livros. Para eles o Ocidente também é um

mundo mítico e escatológico.5

5 KAPPLER, Claude. Monstros, demônios e encantamentos no fim da Idade Média. São Paulo. 1994.

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MARAVILHAS E ESTRANHAMENTOS NAS TERRAS ALÉM DE JERUSALÉM

Concentraremos, agora, na direção da diversidade, da diferença, da fantástica variedade

de criaturas e coisas maravilhosas, apresentadas por Mandeville.

DO REINO DA AMAZÔNIA ONDE VIVEM SOMENTE MULHERES

A primeira maravilha que descreveremos será o Reino da Amazônia, a terra de Feminia,

local no qual só vivem mulheres. A sua localização está entre o Reino da Caldéia e a cidade de

Tarmegite (A cidade situa-se a leste do Mar Cáspio).

“Houve um tempo em que um homem chamado Colopeus governou o reino e os

costumes de casamento eram normais como em outros lugares. Mas, em uma guerra contra o

Reino de Escítia, foi morto em batalha junto com vários guerreiros de boa linhagem do reino.

Quando a rainha e as demais nobres damas se deram conta de que estavam viúvas e de todo o

sangue nobre havia se perdido, armaram-se e levadas pelo desespero, mataram todos os homens

do país que tinham restado, pois queriam que todas as mulheres fossem viúvas como elas. A

partir de então, não permitem que qualquer homem permaneça no meio delas por mais de sete

dias e tampouco permitem que qualquer menino varão seja criado entre elas”.

(FRANÇA, 2007: p.153)

Figura 2 - Provável localização do Reino da Amazônia

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TIPOS DIFERENTE DE GENTE: PESSOAS COM UM PÉ SÓ

Descendo o reino da Caldéia, ao sul, encontra-se a Terra da Etiópia, que se estende até

o Egito. As pessoas têm a pele mais negras que em outras partes e são chamados de mouros.

Existem nessas terras muitos tipos diferentes de gente. Tem pessoas com somente um pé e

caminham tão rápido que é uma maravilha. O pé é de tal magnitude que dá sombra em todo

corpo quando a pessoa, deitada para descansar, volta-o para o sol.

SERES CHAMADOS CANOPHOLOS

Navegando pelo Mar Oceano, passando por diversas outras ilhas, chega-se a Nacumera,

ilha bela e rica, com o perímetro de mais de mil milhas. Seus habitantes, tanto homens como

mulheres, têm cabeça de cão e corpo de homem, são chamados de canopholos. São gentes

razoáveis e de bom entendimento. Adoram um boi como Deus. Carregam consigo um boi de

Figura 3 – Reino da Amazônia

Bibliothèque Nacionale de France

John Mandeville, Livro das Maravilhas. Paris,1410-1412.

Figura 5- Gente com um pé só.

John Mandeville, Livro das Maravilhas.

Paris, 1410-1412.

Figura 4 - Seres chamados Conophodos.

Marco Polo, O Livro das Maravilhas. Iluminação do Master of

Egerton. Paris 1410-1412. Manuscrito pergaminho, 299 páginas,

Departamento BnF de Manuscritos, Francês 2810, fol. 76v

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ouro ou prata na testa, como um sinal de que amam seu deus. São altos e bons guerreiros, andam

desnudos, apenas com um trapo que tampam os membros genitais. Quando lutam levam um

escudo que lhes cobre todo o corpo, e uma grande lança. Quando fazem prisioneiros em batalha,

os comem. Seu rei é muito devoto e religioso, conforme suas crenças. Diz devotamente

trezentas preces diariamente ante de comer. Carrega em seu pescoço um maravilhoso e nobre

rubi do oriente, que recebeu quando se tornou rei. A justiça impera na ilha, pois o rei é muito

justo e equilibrado em seus julgamentos. (Mandeville, pp. 179-180)

ORIGEM DE SERES MONSTRUOSOS

Nos tempos de Noé, costumavam vir do inferno, os demônios para se deitarem com as mulheres

da descendência de Cam, filho de Noé, e engendrar seres monstruosos e disformes, alguns sem

cabeça, outros com enormes orelhas, outros com um só olho, outros gigantes, outros com pés

de cavalo e outros com diversas formas desfiguradas. Da geração de Cam procede os pagãos e

diversas gentes que vivem nas ilhas do mar que rodeia toda Índia. (FRANÇA, 2007: p. 197)

FRUTO QUE DELE CRESCE UMA AVE

Figura 6 - Criaturas Monstruosas

John Mandeville, Livro das Maravilhas.Paris,1410-1412.

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Atravessa-se o Reino de Caldilhe, muito grande e belo. Nele cresce um tipo de fruto

parecido com as cabaças, que quando maduro e partido ao meio, encontra-se um pequeno

animal de carne, osso e sangue, parecido com um cordeiro sem lã. O animal e o fruto podem

ser comidos. É uma grande maravilha! Desse fruto magnifico eu comi, por isso sei que Deus é

maravilhoso em suas obras. No entanto, disse-lhes que não me surpreendia, pois em nosso país

havia uma maravilha de igual dimensão, a dos barnacles. Mandeville explica que em sua terra,

existiam árvores que davam frutos dos quais saiam aves voadoras, boas para comer. As que

caiam na água viviam e as que caiam em terra morriam imediatamente, e que eram muito boas

para se comer. Ao ouvirem, ficaram maravilhados, e alguns julgaram ser impossível algo assim.

(FRANÇA, 2007: p. 225).

Figura 7- que se encontra um pequeno animal de carne, osso

e sangue, parecido com um cordeiro sem lã.

Libro de las Maravillas de Marco Polo fº 210.

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ÁRVORES E SEUS FRUTOS DIFERENTES, SERES METADE HOMEM

E METADE CAVALO E GRIFFOUNES

Na Terra de Bacharie6 vive gentes muito más e muito cruéis. Existe, nessas terras,

árvores que dão lã como das ovelhas, com a qual fazem tecidos para se vestirem.

Há também muitos ypotaynes, que as vezes vivem na água, as vezes na terra, são metade

homem, metade cavalo, e comem os homens se os pegam.7

Nesse reino há também muitos Griffounes8 mais do que nenhum outro. Alguns dizem

que a parte superior de seu corpo é como águia e a parte inferior como do leão. O corpo do

griffo é maior e mais forte que oito leões desta parte de cá, e maior e mais forte do que cem

águias nossas. Um griffo pode levar voando a seu ninho, um grande cavalo, ou dois bois unidos,

tal como são levados no arado. As garras de suas patas são tão grandes e compridas como os

cornos dos bois e delas são feitas conca para bebida. Suas costelas e plumas de suas asas servem

para fazer arcos muito resistentes para caçada.

DO ESTADO REAL DE PRESTES JOÃO

6

Bactriana.

7 Mandeville provavelmente confunde hipopótamos e hipocentauros ou centauros, seres míticos, metade homem e metade cavalo.

8 O griffo é um animal fabuloso, com cabeça, bico e asas de águia e corpo de leão. Possui natureza divina e representa o espaço aéreo, próprio

da águia e o espaço terrestre, representado pelo leão.

Figura 8 - Combate de Centauros e Grifos

Bibliothèque Nacionale de France - John Mandeville, Viagem (Livro das Maravilhas). Paris, 1410-1412.

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Na Ilha de Pentoxena9, reina Prestes João. Seu domínio é muito extenso, e existem

muitas boas cidades, vilas e ilhas grandes e largas. Toda a Índia está dividida em ilhas em razão

dos grandes rios que nascem no Paraíso e dividem toda a terra em muitas partes. No mar, o

imperador possui muitas ilhas. Sob seu poder estão muitos reis, muitas ilhas e povos diferentes.

A terra é muito boa e rica, porém não mais como do Grande Cã.

Os mercadores não vão com grande frequência para a Ilha de Pentoxena, como vão para

as terras do Grande Cã, pois a viagem é muito longa, e em Catai encontra-se de tudo do que o

homem possa necessitar, tais mercadorias como sedas, especiarias, tecidos de couro e outros

produtos. Ainda que na ilha de Prestes João tenha todos esses produtos e sejam muito mais

baratos, os mercadores temem a longa viagem e os perigos do mar daquelas partes, pois em

muitos lugares do mar, existem rochas imantadas, cuja a própria natureza atrai o ferro, por isso

não se deve navegar por esses mares, barcos que tenham amarras ou cravos de ferro, pois seriam

atraídos para essas rochas e jamais poderiam sai dali. Mandeville testemunha que ele mesmo já

viu nesse mar, ao longe, algo que parecia uma grande ilha cheia de árvores e matagais com

grande quantidade de espinhos e sarças. Os marinheiros disseram para ele que eram barcos que

tinha sido atraído pelas rochas imantadas. A distância para à Ilha de Pentoxena é bem maior do

que a distância para ir ao Reino do Grande Cã, pois para ir até Catai necessita cerca de doze

meses ou mais, por terra e mar, partindo de Gênova ou Veneza.

O caminho que os mercadores fazem para chegar a Ilha de Pentoxena é maior e mais

complexo, com muitos perigos. O trajeto a ser feito, é simples, porém muito mais demorado.

Tem que passar pelo Reino da Pérsia, em direção da cidade de Hermes10, chamam-na assim,

pois foi o filósofo Hermes que a fundou, atravessando um braço de mar e chega-se a uma cidade

chamada Golbach11, onde também se acha todos os tipos de mercadorias. Nessa ilha há tantos

tipos de papagaios, como em minha terra há cotovias, comenta nosso autor.

9

Lugar não situado.

10 Cidade de Ormuz.

11 Cidade de Khambhat, antiga cidade da Índia.

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O Reino possui sobre a autoridade do imperador, setenta e duas provinciais, cada uma

com seu próprio rei, ao qual tem sob sua autoridade outros reis, e todos pagam tributos ao

imperador Prestes João. Seus domínios compreendem a largura de quatro meses de jornada e

de comprimento são imensuráveis, já que se estendem até as ilhas que supomos estar no extremo

oposto de onde estamos. Prestes João é cristão, como a maior parte dos seus súditos, acreditam

no Pai, no Filho e no Espirito Santo. São homens de boa fé e religião, leais uns aos outros, não

existindo entre eles fraude ou corrupção.

SOBRE A ORIGEM DO NOME PRESTES JOÃO

Havia, a muito tempo atrás, no tempo em que a cristandade se estendia, no ultramar, por

toda a Turquia, Síria, Tartária, Jerusalém, Palestina, Arábia, Alepo e por todo Egito, um

Figura 10 - Imperador Prestes João.

Image of Prester John, enthroned, in a map of East Africa in Queen Mary's Atlas, Diogo Homem, 1558.

British Library, Add. 5415 A, folio 15 verso.

Figura 9 - Navegação por Mares do Reino de Prestes João. Os perigos das rochas imantadas.

Marco Polo, O Livro das Maravilhas. Iluminação do Master of Egerton. Copiados para Paris 1410-1412.

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imperador, que era um príncipe muito valente e tinha em sua companhia muitos cavaleiros

cristãos. O imperador tinha o desejo de ver como era o culto da igreja entre os cristãos. Assim

sucedeu que o imperador, junto com um cavaleiro cristão viajou até o Egito, onde foi assistir

uma missa em uma igreja cristã. Era um dia de sábado, após Pentecostes e o bispo ministrava

o sacramento da ordem sacerdotal. O imperador contemplava e seguia a liturgia. Perguntou

quem eram aqueles ordenados diante do prelado e o que lhes estava reservado. O cavaleiro

respondeu que logo se converteriam em prestes12. O imperador, imediatamente disse que não

queria mais ser chamado de nem de rei e nem de imperador e sim de Preste. E que queria ter o

nome do primeiro preste que saísse, que foi o de nome João. Assim, desde então tem sido

chamado de Preste João.

SOBRE O MAR ARENOSO

Nos domínios de Prestes João há muitas maravilhas, e entre elas, o Mar Arenoso,

formado de areia e gravela, sem uma gota de água. Flui e reflui formando grandes ondas, como

ocorre em outros mares, e jamais, em nenhuma estação fica parado ou tranquilo. Ninguém se

atreve a atravessa-lo, nem em barco nem usando qualquer outro meio, razão pela qual não se

sabe que territórios existem além desse mar. E ainda que esse mar não tenha água, em suas

margens há bons pescados de outra espécie, diferentes, não encontrados em outro mar. Tem

muito sabor e são deliciosos de comer.

A três jornadas de distância do Mar Arenoso, existem grandes montanhas, das quais flui

um grande rio que vem do Paraíso. Está cheio de pedras preciosas, mas sem água. Flui pelo

deserto até formar o Mar Arenoso, onde desemboca e morre.

Três vezes por semana flui arrastando enormes quantidades de pedras, que fazem muito

barulho. Deixam de ser vista quando adentram no Mar Arenoso, onde se perdem para sempre.

Nesses três dias ninguém se atreve a entrar no rio, mas nos outros dias pode-se adentrar

com facilidade. (FRANÇA, 2007: p. 230-231)

12

Significado de Prestes: ao alcance, disponível, presente, pronto, preparado, disposto para o convento.

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ARVORETAS MÁGICAS, HOMENS SELVAGENS CORNUDOS E PAPAGAIOS

PSITAKES FALANTES

Além do rio Arenoso, em direção aos desertos, existe uma grande planície arenosa entre

as montanhas. Todos os dias ao nascer do sol, nessa planície, começa a crescer umas arvoretas,

que continuam crescendo até o meio-dia, quando aparecerá seus frutos, coisa que parece feitiço,

pois depois do meio-dia, as arvoretas começam a decrescer e retomam para a terra, de forma

que, ao pôr-do-sol não aparecem mais. Isso acontece diariamente. E é uma grande maravilha.

Nesse deserto há muitos homens selvagens, cornudos, de horroroso aspecto e que não

falam, apenas grunhem como os cerdos. Há cães selvagens em grandes quantidades.

Essa planície tem grande variedades de papagaios, entretanto há papagaios

chamados Psitakes que falam com uma voz nítida e clara igual aos homens. Os que falam tem

cinco dedos em cada pata e uma língua larga. Os que tem 3 dedos em cada pata não falam nada

que seja compreensível, apenas gritam. (FRANÇA, 2007: p. 231)

VALE DO PERIGOSO – UMA DAS ENTRADAS DO INFERNO

Perto da ilha de Pentoxena e da ilha de Milstorak, à margem esquerda do rio

Frison,13existe um vale entre as montanhas com a longitude de aproximadamente de quatro

milhas. Ouve-se, no vale, frequentemente, tormentas, murmúrios e ruídos, tanto de dia como

de noite. Ouve-se grandes barulhos e ruídos, tais como soar de tambores, bombos e trombetas,

como uma grande festa. Este vale sempre esteve cheio de demônios. Diz-se que é uma das

entradas do inferno.

No vale há muito ouro e prata, motivo pelos quais muitos infiéis entrem nele em busca

dos tesouros que poderão encontrar. Poucos regressam, principalmente os infiéis e os cristãos

que têm a cobiça de possuir, são rapidamente estrangulados pelos demônios. No centro do Vale,

sob uma rocha, existe uma cabeça de demônio terrificante e horrível. Não houve ninguém no

mundo que fosse tão corajoso, cristão ou não, que ao olha-la não tivesse pavor e a nítida

13

Rio Ganges.

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impressão que iria morrer. Seu olhar é tão cortante, seus olhos são tão móbeis e faiscantes, que

mudam constantemente de forma e expressão ao ponto de ninguém se atrever a se aproximar.

Irradia fogo e fumaça e tanta pestilência, que dificilmente alguém poderia resistir.

Os bons cristãos, firmes em sua fé, põem entrar sem correr perigo, pois confessam-se e

benzem-se com o sinal da cruz, de modo que os demônios não têm poder sobre eles. Não deixam

de temer quando os demônios os rodeias, lançam ataques, ameaçam com golpes, trovões e

tempestades. Acham que Deus quer se vingar deles, por intermédio dos seus, pois agiram contra

Sua Divina vontade. Mandeville adentra nesse vale com seus companheiros e conta que hesitou

muito antes de entrar, mas tomou coragem frente a valentia de dois frades da Lombardia, que

se dispuseram a entrar se alguém entrasse. Foi feita uma missa antes da entrada no vale, onde

todos se confessaram e comungaram. Entramos 14 homens no total e saímos apenas 9 homens.

Dois deles eram da Grécia e três da Espanha. Os companheiros que não quiseram ir, foram por

outro caminho e nos esperaram na saída do vale. Quando entraram no vale, encontraram grande

quantidade de ouro, prata e pedras preciosas, mas não sabem se tudo era verdade como parecia

ou ilusão, já que os demônios são astutos e fazem com que algo pareça o que não é, com o

propósito de enganar. Declara que não tocou em nada, pois não queria se desviar de sua

devoção, pois estava mais devoto do que jamais tinha sido em razão de tanto terror aos

demônios e a grande quantidade de corpos mortos que jaziam estendidos no caminho, por toda

a extensão do vale. Muitos dos defuntos estavam vestidos como cristãos e seus corpos não

estavam deteriorados. Confessa, nosso autor, que apesar de terem sentido muito medo e por

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muitas vezes tenham sido lançados em terra por ventos, raios e temporais, sentiram-se mais

crentes e protegidos pela graça de Deus.

ILHA DE GIGANTES

Além do vale, passamos defronte a uma grande ilha, cujos habitantes são grandes como

gigantes, medindo 28 a 30 pés de altura e não vestem roupas, apenas cobrem seus corpos com

peles de animais. Não comem pão, preferem ingerir carne crua e bebem leite, pois nessa terra

há ambulância de todo o tipo de animal. Não tem casas e preferem comer carne humana a

qualquer outra.

Ninguém se atreve entrar voluntariamente ou se aproximar, pois se suas gentes verem

um barco com pessoas dentro, entram logo ao mar para pega-los e os comem vivos.14 Contam,

que há uma outra ilha, no qual vivem gigantes maiores, por volta de quarenta e cinco pés de

altura, mas confesso que não os vi, pois não me aproximei, pois ninguém chega próximo dessas

ilhas sem serem devorados.

Nessas ilhas vivem ovelhas enormes como bois, que dão muita lã em estado bruto.

Mandeville fala que já viu muitas ovelhas como essas. Outras pessoas viram e lhes contaram

que gigantes dessas ilhas quando veem homens no mar, próximo à sua ilha, imediatamente se

14

Esses gigantes aparecem também nos Contos de Mil e Uma Noites, na terceira viagem de Simbá, o marujo.

Figura 11- Vale do Perigoso: Peregrinos em uma das entradas do inferno.

Jean de Mandeville, Livro das Maravilhas. Paris, XV século. Paris, BNF, Departamento de Manuscritos,

Francês 2810, fol. 215.

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lançam ao mar para pega-los, dois homens em cada mão, para leva-los a terra e devora-los crus.

(FRANÇA, 2007: p. 237).

PARAÍSO TERRESTRE

Mais além das terras, ilhas e do deserto dos domínios de Prestes João, em direção ao

oriente, não há nada mais do que grandes montanhas, enormes rochas e a Terra das Trevas, na

qual não se pode ver nem de dia nem de noite, segundo testemunham gentes que moram nas

terras daqui.

Esse deserto e esse lugar tenebroso se prolongam até o Paraíso Terrestre, lugar onde

viveram Adão e Eva. O Paraiso está a oriente, no mesmo ponto que começa a Terra. Deus fez a

Terra completamente redonda, situando-a no centro do firmamento. No princípio não havia

montanhas nem vales, apenas se formaram como consequência do dilúvio de Noé, que arrastou

a terra mole e macia, enquanto a terra dura e rochosa permaneceu, originando-se as montanhas.

Madeville comenta a respeito do Paraíso Terrestre, confessando aos seus leitores que nunca

esteve lá, pois o Paraiso não estava a seu alcance. Contudo, fala o que ouviu dos sábios do

ultramar:

“O Paraíso Terrestre, segundo eles, acha-se no ponto mais alto da Terra,

tão alto que quase roça o círculo da Lua e tão alto que o dilúvio de Noé não

pode chegar até ali, tendo coberto toda a terra do mundo, a parte de baixo e a

parte de cima, exceto o Paraíso. E esse Paraiso está completamente rodeado de

por uma muralha, que não se sabe do que é feita, porque as paredes estão

completamente cobertas de musgo; segundo parece, talvez seja feita de pedra

ou algum outro material do qual se fazem muralhas. Ela se estende de sul a norte

e só tem uma entrada, que é de fogo ardente, de modo que nenhum mortal pode

ultrapassa-la.” (FRANÇA,2007: p.249)

Nenhum mortal consegue aproximar-se do Paraíso, pois por terra é impossível ir, em

razão das feras selvagens que há no deserto, das altas montanhas e dos lugares tenebrosos que

existem antes do Paraiso. Tampouco se pode navegar por seus rios, pois correm muito

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impetuosamente, pois vem do alto, formando ondas enormes, a tal ponto que nenhum barco

consegue navegar contra seu curso.

Muitos grandes senhores tentaram navegar por seus rios com grande contingente de

homens, mas não alcançaram êxito. Muitos morreram esgotados de remar contra suas enormes

ondas, muitos se afogaram e morreram perdidos entre as ondas, outros ficaram cegos, outros

surdos em razão do barulho de suas águas. Nenhum mortal pode aproximar-se do Paraíso sem

ter a graça especial de Deus.

Mandeville declina de sua exposição acerca do Paraiso, pois não pode falar do lugar que

não viu e sequer conseguiu se aproximar.

NASCENTES DOS RIOS DO PARAÍSO

No lugar mais alto do Paraíso, justo no centro, há um manancial, em que são as nascentes

dos quatro rios, o primeiro chama-se Fison15 e significa lugar de encontro, porque nele vertem

suas águas vários outros rios. Atravessa a Índia ou Emlak. Em alguns trechos sua água é clara

e em outros turva. Em alguns trechos sua água é quente e em outros frias.

O segundo chama-se rio Nilo ou Geon, e atravessa a Etiópia e o Egito, suas águas estão

sempre turvas, por isso a origem do seu nome, pois em Etíope e Egípcio, geon significa turvo.

O terceiro chama-se rio Tigre, que cruza a Assíria e a Grande Armênia. O significado de

seu nome é o veloz, pois flui muito mais rápido que nenhum outro rio, pois o animal tigre é

muito veloz.

E por último, o rio Eufrates, o significado de seu nome é o fértil, pois perto dele são

cultivados muitos alimentos, tais como cereais, frutas, entre outros. Atravessa a Média, Armênia

e Pérsia.

Conforme visualizarmos o mapeamento dos rios que nascem no Paraíso, observamos

que estão fisicamente bem distantes um do outro, portanto suas nascentes são bem diferentes e

distantes. Os rios que ficam mais próximos um do outro, são os rios Tigre e Eufrates, que tem

15

Ganges.

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suas nascentes mais próximas, portanto, a localização do Paraiso Terrestre poderia estar na

região da Mesopotâmia, ao norte.

A nascente do rio Nilo fica ao sul, na região onde é atualmente o Sudão e sua foz fica

no Mar Mediterrâneo. Quando ao rio Ganges, sua nascente é na região do Himalaia, na Ásia,

onde vários rios o formam. Corre em direção ao sul e sua foz fica na Baia de Bengala, na Índia.

RETORNO DE MANDEVILLE AO OCIDENTE

Mandeville retorna para o ocidente no ano da graça de 1356, trinta e quatro anos após

deixar sua terra. E segundo suas próprias palavras, muito a contragosto, por causa de uma artrite

gotosa. Passa a escrever suas memorias, pois é obrigado a repousar.

“Agora, regressei, muito a contragosto por causa de uma artrite gotosa. Sendo obrigado a

descansar, recordei o passado, compilei essas coisas e as coloquei por escrito, do modo que

pude me lembrar, no ano da graça de 1356, trinta e quatro anos depois de deixar nossas terras.”

(FRANÇA, 2007: p. 256).

Antes de retornar a sua cidade, Mandeville passa pela cidade de Roma e em audiência

com o Papa, abre seu coração ao Santo Padre e obtém sua absolvição de tudo que pesava em

sua consciência, que eram coisas referentes a diversas questões graves. Aconselha a todos que

viajarem a fazerem a mesma coisa no retorno, pois conviveram entre tantos povos diversos,

com seitas e religiões diferentes, precisam proceder como ele e obter o perdão para os pecados

cometidos.

Figura 12 - Rios que nascem no Paraíso Terrestre.

Livro das Maravilhas. Jean de Mandeville, O mestre de Boucicaut, iluminador, Paris, 1410-1412.

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Mostra para o Santo Padre, suas narrativas de viagem, contendo informações de

coisas que não havia visto, mas recolhida de outras pessoas, e com as próprias informações das

maravilhas e costumes que ele próprio havia visto. O Papa julgou necessário que seu livro fosse

examinado e corrigido de acordo com o parecer de seu sábio conselho privado. Mandeville

consegue o aval do conselho do Papa, e mostraram para ele um outro livro, que tinham

confrontado com o seu, que continha cem vezes mais coisas descritas, e que tinha servido de

referência para fazerem o Mappa Mundi. Assim seu livro foi ratificado e aprovado pelo Santo

Padre (Papa Inocêncio VI).

CONCLUSÃO

A forma em que Mandeville vê a Ásia, como um lugar diferente em todos os aspectos

da vida ocidental na Europa, constrói grandes formas de alteridade, principalmente quanto ao

corpo, como misturas do gênero animal com o gênero vegetal, como exemplificação temos o

relato da visita ao Reino de Caldilhe, onde cresce um tipo de fruto parecido com as cabaças,

que quando maduro e partido ao meio, encontra-se um pequeno animal de carne, osso e sangue,

parecido com um cordeiro sem lã; misturas do gênero animal com gênero humano, como o

autor relata em sua visita a ilha de Nacumera, os seres canopholos, com corpo de homem e

cabeça de cão. Tudo isso faz crer que Mandeville era um bom leitor dos Bestiários e que

naturalmente categorizou os seres estranhos a partir de suas leituras. Nada exclui a possibilidade

de serem efetuados acréscimos, já que, como diz o famoso ditado “quem conta um conto

aumenta um ponto” e uma outra estranheza seria sobre as línguas: alguns seres não falam, e

alguns deles tem a boca fechada e outros seres falam línguas extremamente estranhas, portanto

o estranhamento quanto a língua é caracterizado como uma diferença a ser alcançada e

superada.

Jaques Le Goff analisa a Ásia como uma espécie de Índica, como um grande território

onde estão todas as fantasias, como da fertilidade, de gentes estranhas, animais estranhos,

costumes estranhos, um território longínquo, fechado, onde se localiza o Paraiso.

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Outro tipo de estranhamento é o tipo de paisagem, identificada por exemplo o que é o

deleite de toda cristandade, como a descrição e a busca do Paraíso Terrestre, o vale do Perigoso,

com suas entradas para o inferno e seus seres infernais. entre outras terras e ilhas onde há fartura

e variedades de alimentos e de aromas, e de riquezas minerais.

Em resumo a Ásia de Mandeville com grandes maravilhas e fantasias não difere

muito de outras narrativas contemporâneas de sua época, tais como as de Marco Polo, Túndalo,

entre outras. Não podemos deixar de mencionar a repercussão de sua obra, como a quantidade

de leitores e de edições copiadas, inclusive para outras línguas. Seu livro foi um “best seller”

para época, e, portanto, onde há quem narre, há principalmente quem ouça, já que a leitura

medieval é sobretudo feita pelos ouvidos. Mandeville fala para leitores sedentos de ouvirem

sobre as fantasias e maravilhas, mas também sedentos de conhecer um novo mundo que estava

se abrindo para toda a Europa. A Ásia é portanto, como a Índica de Le Goff, lugar pleno de

maravilhas, fantasias e estranhamentos, longínqua, rude e perigosa, mas encantadora.

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Referências

Fontes

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http://quod.lib.umich.edu/c/cme?type=bib&q1=mandeville&rgn1=author&op2=and&q2=&rg

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2016.

Mandeville's travels : the Egerton version / from the edition by George F. Warner. Disponível

em:

http://quod.lib.umich.edu/c/cme/acd9576?rgn=works;view=toc;rgn1=author;q1=mandeville.

Acesso em 15 de março de 2016.

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