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UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL (OLINDA, SÉCULO XVII) ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS NATAL, 2017

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UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL

(OLINDA, SÉCULO XVII)

ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS

NATAL, 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-

GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: NATUREZA, RELAÇÕES ECONÔMICO-SOCIAIS E

PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS

UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL

(OLINDA, SÉCULO XVII)

ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS

NATAL, 2017

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ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS

UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL

(OLINDA, SÉCULO XVII)

Dissertação apresentada como requisito parcial para

obtenção de título de mestre no Curso de Pós-Graduação

em História, Área de Concentração em História e Espaços,

Linha de Pesquisa Natureza, relações econômico-sociais e

produção dos espaços, da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, sob a orientação da Profa. Dra. Carmen

Margarida Oliveira Alveal e sob co-orientação do Prof. Dr.

George Félix Cabral de Souza.

NATAL, 2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -

CCHLA

Dantas, Aledson Manoel Silva.

Uma vila e seu povo: relações hierárquicas e poder local

(Olinda, século XVII) / Aledson Manoel Silva Dantas. - 2018. 118f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de

Pós-Graduação em História. Natal, RN, 2018.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carmen Margarida Oliveira Alveal.

Coorientador: Prof. Dr. George Félix Cabral de Souza.

1. Brasil - História - Período colonial, 1500-1822. 2. Olinda

(Pernambuco) - Século XVII. 3. Hierarquias espaciais. 4. Câmara municipal - Olinda (Pernambuco). 5. Estado Antigo. I. Alveal,

Carmen Margarida Oliveira. II. Souza, George Félix Cabral de.

III. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94(81).017(813.4)

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-CRB-15/748

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ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS

UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL (OLINDA,

SÉCULO XVII)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos professores:

Profa. Dra. Carmen Margarida Oliveira Alveal Orientadora

Prof. Dr. George Félix Cabral de Souza Co-orientador

Prof. Dr. Rômulo Luiz Xavier de Nascimento Avaliador externo

Raimundo Pereira Alencar Arrais Avaliador interno

Natal, de de

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A quem sempre me achou à frente do computador em muitos amanheceres estes anos e

seguiu, nunca vacilante, sua dura rotina de trabalho.

Minha mãe, Maria de Lourdes.

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AGRADECIMENTOS

O momento mais injusto da dissertação é lembrar todos que tiveram o mínimo de

participação na construção deste texto. Mesmo para o historiador a tarefa não é fácil. A

empreitada cheia de percalços que é escrever uma dissertação contém muito mais “não-ditos”

do que aquilo que está escrito. Muitos destes, ficarão guardados na sala mais profunda do porão

daqueles que se aventuram no mestrado e doutorado e que rivalizam em grandeza de

aprendizado com os autores, discussões e diferentes textos consumidos no processo de

confecção de um trabalho acadêmico.

A maior realizadora deste projeto, talvez, nunca entenda uma linha do que está escrito

aqui, ou não entenda a importância de uma pós-graduação. Maria de Lourdes, minha mãe,

solteira, que nunca hesitou ou teve medo de cuidar sozinha de seus filhos e de trazer as melhores

condições possíveis para que eu pudesse seguir com meus estudos até chegar nesse ponto. Às

minhas irmãs, Aliane e Alana, que por hora estão mais distantes fisicamente, pelo apoio ao

seu “irmão nerd”. Por fim, a todos os meus parentes. Sei que muitos se preocupavam com as

minhas “internações” no quarto, buscando me animar com todo o carinho: vó Graça, vô

Vicente, tia “preta”, tia Kézia, meus priminhos.

Agradeço à professora Carmen Alveal que, desde fins de 2010, vem me orientando e

me ensinando a pesquisar com muito cuidado e dedicação. De fato, minha graduação não foi

feita nas salas de aula, mas nos laboratórios de pesquisa da Plataforma SILB e depois do

LEHS. Desde o que entendo por fazer história até o conhecimento “da vida acadêmica”, tudo

foi passado pela professora.

Agradeço ao professor George Félix Cabral de Souza por ter aceitado a orientação. As

colocações feitas sobre meu trabalho foram de grande ajuda para a busca de um sentido nessa

dissertação.

Agradeço ao LEHS. Um ambiente de estudo composto por amigos: Marcos, Leo, Bruno,

Elenize, Gustavo, Patrícia, Lunara, Alyne, Angélica. Perdão caso tenha esquecido algum nome.

Todos foram importantes. Em especial a Lívia, companheira em todos os momentos e quem

mais conhece sobre a trajetória desse trabalho. É importante relembrar os colegas de

mestrado, como Júlio César, companheiro nas aulas.

Agradeço também aos colegas de graduação da turma de 2010 e aos professores do

departamento de História: Raimundo Arrais, Juliana Souza, que participaram da minha banca

de qualificação e Raimundo Nonato, pelas indicações no período das disciplinas.

Por fim, agradeço à CAPES pelo financiamento desta pesquisa, muito importante para

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a viabilidade da dissertação.

A todos, minha gratidão.

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RESUMO

Busca-se, neste trabalho, analisar as hierarquias espaciais no contexto de retomada do

domínio sobre a capitania de Pernambuco pelos portugueses, assim como o período da

presença propriamente dita de autoridades régias detentores de ofícios e do status que Olinda

possuía, em paralelo com a posição social de seus moradores mais ilustres, e sua relação com as

disputas pelo controle político e administrativo da capitania de Pernambuco, na segunda

metade do século XVII. Um ponto importante para a elite de Olinda, principalmente para as

pessoas que estavam na câmara, foi a reestruturação da economia e do espaço físico da

capitania. Dessa maneira, emerge uma retórica de recuperação do “antigo estado”, em alusão à

condição de centro político e administrativo de Olinda. Apesar das dificuldades enfrentadas, esse

grupo permaneceu politicamente dominante durante boa parte do período compreendido entre

1654 e 1711. As divergências entre autoridades coloniais e locais representaram entraves para

a reestruturação e reocupação da vila após 1654. A Coroa portuguesa, representada pelo

Conselho Ultramarino e pelos governadores da capitania, tinha interesses que divergiam da

câmara de Olinda, provocando tensões no equilíbrio das relações desta vila com o centro de

poder. Nesse sentido, o local de assistência dos governadores é um tema de debate durante o

período estudado, assim como a condição de “capital” de Olinda, tendo em vista a sua

estrutura física. A câmara buscou, então, realizar melhoramentos que eram considerados

condizentes com sua posição, com argumentos que ressaltavam sua “qualidade” e

“capacidade”.

Palavras-chave: Hierarquias espaciais, Olinda, câmara municipal, vila, cidade, século XVII,

antigo estado.

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ABSTRACT

In this dissertation, we analyze the captaincy of Pernambuco’s spatial hierarchies in the late

17th century, as well as the presence of royal officials and the parallel between Olinda’s status

and noble people which served in the current municipal council. Therefore, the conflict for

controlling municipal budget included both regional elites as colonial governors and others

royal authorities. An important point for the local elite was the restructuring of the economy

and the town space, a wishful desire to revive the previous situation, before socially and

politically Netherland’s domination. Thus, a rhetoric of recovery of the “ancient state” emerges, by the

previous conditions of political and administrative center of Olinda, now ruined. Despite the difficulties

faced by the locals, the regional elite remained dominant for much of the period between 1654

and 1711. Disagreements between Portuguese colonial control and local authorities

represented obstacles for the restructuring and reoccupation of the village after 1654.

Portuguese Crown, represented by the Overseas Council, and the governors of the captaincy,

had interests that diverged from the Olinda’s municipal council, provoking tensions in the

balance of the center of power. Thus, the place of assistance of the governors is a topic of

debate during the studied period, as well as the condition of "capital" of Olinda, due to its

physical structure. The municipal council, then, sought to make improvements that were

considered consistent with its position, with arguments that emphasized its "quality" and

"capacity".

Keywords: Spatial hierarchies, Olinda, Municipal Council, Town, 17th century, ancient state.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 01 – Quantidade de pagantes por região e valor arrecadado. Donativo para acerto

diplomático com Inglaterra e Países Baixos.............................................................................40

QUADRO 02 – Números de fogos de freguesias de Pernambuco (1693-1701)......................44

QUADRO 03 – Terras vendidas aos beneditinos.....................................................................48

QUADRO 04 – Valores arrecadados de contratos administrados pela câmara de Olinda.......98

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LISTA DE IMAGENS

IMAGEM 01 – Palácio das Torres.........................................................................................86

IMAGEM 02 – Localização do Palácio das Torres................................................................86

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LISTA DE MAPAS

Mapa 01 – Configuração espacial da vila de Olinda com base no foral de Duarte Coelho

(1537)........................................................................................................................................35

Mapa 02 – Olinda (Século XVII)..............................................................................................37

Mapa 03 – Doações de Terras no termo de Olinda...................................................................51

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15

Capítulo I – A “mui nobre e sempre leal vila de Olinda”: caracterização espacial e povo

(século XVII). .......................................................................................................................... 30

1.1 Caracterização espacial....................................................................................................... 33

1.2.Gente da terra...................................................................................................................... 53

Capítulo II – Aos ventos e conventos: hierarquias espaciais em Olinda (1654-1709). ..... 60

2.1 Uma Olinda por restaurar ................................................................................................... 64

2.2 Reconstruindo a vila. .......................................................................................................... 68

Capítulo III - Onde está a corte: O Palácio das Torres e discussão sobre a capitalidade

na capitania de Pernambuco (1654-1689). ........................................................................... 83

3.1 O palácio do Conde Maurício de Nassau ........................................................................... 85

3.2 Dá-me um palácio para morar ............................................................................................ 92

3.3 Definições sobre o local de “assistência”. .......................................................................... 96

3.4 De Mendonça Furtado a Aires de Sousa e Castro .............................................................. 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 103

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS ............................................................................... 106

ANEXOS ............................................................................................................................... 115

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INTRODUÇÃO

Durante a segunda metade do século XVII, mais especificamente entre 1654 e 1711, a

capitania de Pernambuco teve em sua dinâmica política momentos de grande turbulência, com

a deposição de governadores, conjurações entre famílias e disputas violentas entre grupos

rivais. Paralelamente a esta instabilidade política, mas com estreita ligação, houve uma

alteração, mesmo que relutante e não completa, na centralidade política da capitania e que

resultou em uma alteração geográfica. Tomando cuidado para não assumir uma posição

teleológica, sabendo-se da consequente criação de uma vila no Recife, pode-se afirmar que,

paulatinamente, muito pela perda da atuação de importantes funcionários da burocracia régia

em seu núcleo populacional, a vila de Olinda foi contestada em sua condição de cabeça da

capitania, de sua condição como detentora da capitalidade. Essa discussão atravessa todo o

trabalho, principalmente na apreciação e debate acerca das qualidades julgadas necessárias

para sediar uma capitania.

O espaço da vila de Olinda, em sua evolução1 ao longo da segunda metade do século

XVII, também foi objeto de análise, pela qual se buscou o delineamento do corpo político que

dominou a ocupação dos cargos camarários desta vila, apontando as características que podem

ser percebidas com base no perfil de suas composições anuais. De outra forma, pode-se

afirmar que este trabalho é uma tentativa de fazer uma história do grupo político dominante,

ao menos no que se refere à ocupação dos cargos da câmara, e de como este administrou o

espaço da vila de Olinda. Ao longo do estudo, três conceitos nortearam a linha de pensamento

da análise, mesmo de forma não explícita, embora não sejam os únicos: território,

capitalidade e tradição.

Ao se referir a território, o entendimento presente aqui é muito próximo da ideia de

termo de uma vila, ou território municipal, que para o caso de Olinda estava indicado no seu

foral concedido por Duarte Coelho em 15372. O termo de uma vila, ou “território municipal”

era definido a partir da ereção de um local para o pelourinho, localizado à frente da câmara.

Cláudia Fonseca afirma que

ao criar-se uma nova municipalidade, a ereção do pelourinho era um dos

1 Evolução não necessariamente em um sentido de melhora, mas da sucessão de processos e modificações na

cidade, em termos físicos, jurisdicionais ou hierárquicos. 2 Vanildo Bezerra Cavalcanti contesta essa data afirmando que não existia propriamente uma carta foral em

1537, mas somente datas de terra doadas em sesmaria registradas no livro de Tombos e de Matrículas, em 1550.

CAVALCANTI, Vanildo Bezerra. Olinda do Salvador do Mundo. Olinda: ASA Pernambuco, 1986.

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rituais obrigatórios. Postada geralmente diante da casa de câmara, esta

coluna era um dos principais emblemas das vilas: ela materializava a justiça

administrada pelos oficiais da municipalidade, e ali eram açoitados os

escravos que recebiam tal condenação. Simples pilar de madeira, ou peça

esmeradamente esculpida na pedra, o pelourinho era geralmente designado

como o centro geométrico do rossio – terreno que a câmara podia dividir em

“chãos” para aforar aos moradores –, mas referia-se também a um território

bem mais amplo: o termo3.

Após 1654, e pelos problemas provocados pela guerra contra os holandeses e pelo tempo de

domínio desses, permaneceu uma tarefa difícil a redefinição das propriedades fundiárias da

capitania e, como será visto, o patrimônio da própria câmara de Olinda foi afetado.

Completando esse raciocínio e atendendo ao sentido buscado, pode-se alinhar essa

concepção de território pensada mais na compreensão do exercício de poder e de mando por

parte das autoridades locais. Dessa forma, o nosso recorte geográfico era um território mais

consolidado e, relativamente, já afastado das regiões fronteiriças, no qual o domínio da Coroa

Portuguesa era percebido com maior intensidade, e com materialidade, e pelas atividades dos

agentes régios e outros poderes.

Outro conceito importante neste trabalho é o de tradição, relacionado com o que se

pode chamar de uma “presença do passado”, conforme define Edward Shils. A tradição seria

uma crença com estrutura social específica, legitimada por um consenso que se estabelece em

um tempo longo. Nesse sentido, percebeu-se que a chamada nobreza da terra, vinculada à

Olinda, valia-se da retórica da tradição como instrumento político para a manutenção de seu

domínio político. Isto se pode observar tanto na concepção de merecimento das benesses e

privilégios reais, na expressão “à custa de nosso sangue, vidas e fazendas”, quanto em

questões relacionadas ao espaço físico da vila de Olinda propriamente dita, como “voltar a

antiga opulência”. Uma ideia de tradição que mesmo autoridades reinóis, que não possuíam

vínculos anteriores com a vila de Olinda, compreendiam, chegando a justificar a necessidade

de reconstrução de Olinda por meio de argumentos como: “para que volte ao estado em que se

achava”4.

Por fim, capitalidade pode ser entendida como uma qualidade que confere a um

determinado local o status de “cabeça”, ou capital. A historiadora Catarina Madeira dos

3 FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas

Setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. V. 20. N. 1. Jan.-jun. 2012. p. 81. 4 Para o conceito de tradição, ligeiramente adaptado para o contexto desta análise, cf. SHILS, Edward. Tradição.

In: SHILS, E.. Centro e Periferia. Lisboa: DIFEL, 1992. Sobre os argumentos utilizados pela nobreza da terra

para manter seu status político, cf. MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra

mascates, Pernambuco (1666-1715). São Paulo, Companhia das Letras, 1995. E MELLO, Evaldo Cabral de.

Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 2ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.

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Santos, em Goa é a chave de toda a Índia, apresenta uma conceituação que não se fecha em

uma única dimensão, seja população, configuração urbana, quantidade de igrejas, etc.

Segundo Santos,

só podemos falar de capitalidade na condição de este centro chegar a

repercutir a sua influência num determinado espaço, ou seja, sobre um

Estado, independentemente da configuração que este assuma. Há, portanto, a

considerar uma vertente dinâmica, expressa na capacidade que o centro tem

de estruturar e estabelecer hierarquias no interior de um território e com ele

sustentar ligações. Trata-se, afinal, de analisar a rede sobre a qual se realiza a

articulação entre o centro e as suas periferias5.

Atenta-se, nesse trabalho, para a existência de hierarquias urbanas, embora a

diferenciação entre vilas e cidades seja um tanto difusa e de difícil exatidão. Pois, apesar de,

por vezes, embasar-se em aspectos concretos, a concessão de títulos de cidade, honrarias e

privilégios aos vassalos de uma localidade obedecia a uma lógica muito mais política e

estratégica do que o simples “mérito” de “enobrecimento” de um povo e, consequentemente,

de sua cidade, vila, etc. Para uma localidade que ostentasse o título de vila, era necessário,

contudo, a correspondência entre o status político do povo e da urbe. Cláudia Fonseca, por

sua vez, defende a existência de um “paralelismo” entre “as hierarquias urbanas e a estrutura

social do Antigo Regime”6. Segundo a autora, os

termos vila e cidade, que classificam e hierarquizam as povoações no mundo

português, fazem parte de um sistema de concessão de títulos, privilégios e

funções (administrativas, religiosas, militares) que ‘ilustram’ e ‘enobrecem’

as localidades que os recebem; assim, as aglomerações urbanas são de certa

forma personificadas, e podem ser assimiladas à nobreza de que elas por

vezes acolhem7.

Tendo como base o caso da região das Minas Gerais no século XVIII e meados do século

XIX, Fonseca ainda afirma que “a conquista de uma promoção urbana”, a elevação de uma

vila à categoria de cidade, ou a concessão de funções como a de um bispado, “estava, em

grande medida, condicionada pelo caráter mais ou menos ‘nobre’ dos moradores da

5 SANTOS, Catarina Madeira. Goa é a chave de toda a Índia. Perfil político da capital do Estado da Índia.

Lisboa: CNCDO, 1999. Apud BICALHO, Maria Fernanda B.. O Rio de Janeiro no século XVIII: A transferência

da capital e a construção do território centro-sul da América portuguesa. Urbana. v. 1, n. 1. Campinas, 2006. p.

2-3 6 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e

cidade na Capitania de Minas Gerais. Varia História, nº 29, Janeiro, 2003. p. 43; FONSECA, Cláudia

Damasceno. Arraiais e vilas d’El Rei: Espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora da

UFMG, 2011 7Idem.

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povoação”8.

Recorrendo-se a um autor contemporâneo, a hierarquização estava presente na

classificação dos diferentes espaços do império português. Nos verbetes “cidade” e “vila” no

dicionário elaborado pelo padre Raphael Bluteau, elaborado no contexto português, em 1728,

uma cidade é definida como “a cabeça do reino”, “aquilo que não é fronteira” e “uma

multidão de casas, distribuídas em ruas, e praças, cercadas de muros, e habitadas de homens,

que vivem com sociedade, e subordinação”9. Já uma vila seria uma “povoação aberta, ou

cercada, que nem chega a cidade, nem é tão pequena”, como uma “aldeia”. Tem “juiz, e

Senado da câmara, e seu pelourinho”, e, por isso, se “diferencia do julgado”, uma região que

possuía uma unidade com jurisdição de justiça, mas que não gozava de autonomia em outras

esferas10.

Cláudia Fonseca afirma que os arraiais solicitavam o título de vila a partir de

argumentos que destacavam a “qualidade” dos seus moradores e a “nobreza de seus templos”.

Estes momentos seriam importantes para o entendimento das definições de “urbano” e

“cidade” presentes na “hierarquia urbana” de Portugal e de suas conquistas11. É possível

afirmar, assim, que se estabeleceu com o urbano uma íntima relação com os ideais

civilizadores presentes na cultura europeia, ao menos nas camadas sociais privilegiadas e que

exerciam o governo. Semelhante à busca por engrandecimento pessoal, por aumento de

qualidade12, as elites políticas e dirigentes13 possuíam a prática de “melhorar” as localidades

às quais estavam vinculadas, sob o imperativo de realizar um serviço ao monarca que pudesse

ser considerado bom. Soma-se a esta ideia o conceito de carisma presente da obra de Edward

8 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e

cidade na Capitania de Minas Gerais. Varia Historia, nº 29, Janeiro, 2003. p. 44. 9 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico .... Coimbra:

Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. Disponível em: Acesso em: 14 de agosto de 2012. Ver

verbete “cidade”. 10 BLUTEAU, Raphael. op. cit.. Ver verbete “vila”. 11 FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas

Setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. V. 20. N. 1. Jan.-jun. 2012. P. 82. 12 Um elemento importante para a sociedade estudada era a remuneração de serviços feitos ao Rei, que seriam

recompensados por meio da concessão de privilégios e de mercês reais, que conferiam qualidade ao indivíduo.

As mercês, dádivas reais criariam, segundo Bicalho, um ciclo de “obrigações recíprocas entre rei e súditos. Para

mais, Cf. BICALHO, Maria F. B. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a

cultura política do Antigo Regime. Almanack brasiliense, São Paulo, nº 2, 2000; OLIVAL, Fernanda. As

Ordens militares e o Estado Moderno. Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar

Editora, 2001. 13 Nos trabalhos que são referência para este estudo de caso, e para entender o que poderia ser considerado como

elite em Recife e Olinda no século XVII, dois grupos se destacam: em Recife, principalmente os grandes

comerciantes e, em Olinda, senhores de engenho, lavradores de cana e importantes funcionários régios, conforme

vem sendo colocado neste artigo. Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: sobres contra

mascates, Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; SOUZA, George Félix Cabral de.

Tratos e Mofatras: o grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654-c. 1759). Recife: Editora Universitária UFPE,

2012.

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Shils, entendido como “a qualidade que é imputada às pessoas, ações, funções, instituições,

símbolos e objetos materiais devido à sua ligação suposta com os padrões ‘últimos’,

‘fundamentais’, ‘vitais’ e determinantes da ordem”14. Nesse sentido, crê-se que as localidades,

assim como as pessoas, podem ser dotadas desse carisma e ter a sua qualidade aumentada.

Uma vila, ou cidade, ornada com casas e edifícios “nobres” e que gozasse da presença

de instituições que denotavam certo poder político e econômico e importância social poderia

ser considerada mais digna de ser nomeada como sede de uma comarca, bispado, ou receber

um acréscimo em seu status com o título de vila, ou cidade. Em complemento a isto, Cláudia

Fonseca afirma que

em torno do título “cidade” encontram-se reunidos diversos atributos e

qualidades que podem conferir prestígio a uma povoação. Os fatos gloriosos

do seu passado, a “nobreza” dos seus habitantes, a salubridade do seu sítio, a

regularidade das suas ruas, a beleza das suas igrejas, a riqueza do seu

território, todos esses elementos constitutivos das representações urbanas

eram utilizados pelos contemporâneos como parâmetros de classificação e de

hierarquização das aglomerações15.

Esse tipo de relação entre as localidades e a necessidade de intervenção sobre o espaço

é perceptível nas fontes estudadas. Nota-se também a existência de uma ligação entre esse

tipo de ação e o que se pode considerar como um bom governo. A historiadora estadunidense

Roberta Delson reitera esta relação ao afirmar a generalização, no século XVIII, de um padrão

de cidade que “emerge como uma representação simbólica do bom governo, sinal de que a

sociedade está funcionando dentro de limites predeterminados e ordenados”16. Esse padrão,

entretanto, afirma Amilcar Torrão Filho17, é perceptível em períodos anteriores,

principalmente, levando-se em conta os aspectos simbólicos representados pela presença do

pelourinho18, por exemplo.

Prosseguindo este raciocínio, Maria Fernanda Bicalho, embasada nos trabalhos de

Ilmar Rohloff de Mattos, afirma que uma vila ou cidade seria um núcleo político, o canal de

“representação e negociação dos vários interesses em jogo no processo de colonização”. Não

14 SHILS, Edward. Centro e periferia. Lisboa: DIFEL, 1992, p. 217-218. 15 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e

cidade na Capitania de Minas Gerais. Varia História, nº 29, Janeiro, 2003. P. 46. 16 DELSON, Roberta M. New towns for Colonial Brazil, Spacial and Social-Planning of the Eighteenth

Century. Ann Arbor, Syracuse University, University Microfilms International, 1979, p. 12-13. Apud TORRÃO

FILHO, Amilcar. Imagens de pitoresca confusão: a cidade colonial na América portuguesa. São Paulo, Revista

USP, n. 57, p. 50-67, mar/maio 2003. 17 TORRÃO FILHO, op. cit. p. 56. 18 FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas

Setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. V. 20. N. 1. Jan.-jun. 2012. p. 81.

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era, portanto, apenas um “porto exportador ou centro administrativo, lócus privilegiado do

exercício do monopólio do colonizador”. A cidade era, “sobretudo por intermédio das

câmaras, cenário e veículo de interlocução com a metrópole na tessitura da política

imperial”19. A câmara de Olinda pouco hesitou em buscar a intervenção régia para a

manutenção da vila como a principal da capitania, o que parece ter sido representada pela não

concessão de autonomia à povoação do Recife. Por outro lado, os seus ditos moradores

buscavam a correspondência entre o lugar social que acreditavam possuir e o lugar político

que julgavam merecer.

A vila de Olinda perdeu a dinâmica populacional que possuía no período antebellum,

situação que foi muito influenciada pela crescente instalação de instituições políticas,

fazendárias e religiosas na povoação do Recife. Ainda que esta não tenha sido uma realidade

de fato, havia uma ideia de reconstrução sendo pautada e, no início do século XVIII,

apresentava-se Olinda como uma localidade que viveu certa decadência no decorrer da

segunda metade do século XVII, levando-se em consideração a sua posição no século XVI até

a invasão holandesa.

Os assuntos tratados neste estudo remetem ao entendimento de como eram pensadas e

organizadas as cidades portuguesas. A urbanização portuguesa e a formação de vilas e cidades

foi um dos temas do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em

1936. Nele, o autor ressalta a ausência de uma legislação que estabelecesse regras para a

fundação de cidades e o caráter espontâneo da ocupação, em uma relação de comparação com

a colonização da América espanhola, na qual prevalecia o traçado geométrico definido na

organização das cidades20.

Paulo Santos, em Formação de cidades no Brasil colonial, de 1968, relativiza os

argumentos de Holanda, afirmando que, na ausência de uma “ideia diretriz”, havia uma

“coerência orgânica uma correlação formal e uma unidade de espírito que lhe dão

genuidade”21. De uma forma parecida, Roberta Delson, argumenta no seu livro, Novas vilas

para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e social no século XVIII, de 1979, que as

análises contidas em Raízes do Brasil contribuíram para a perpetuação do “mito da cidade

brasileira não planejada”22. A cidade portuguesa era uma cidade “informal”. Os trabalhos de

19 BICALHO, Maria Fernanda B. Cidades e elites coloniais: redes de poder e negociação. Varia História, n. 29,

janeiro 2003, p. 23. 20 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 21SANTOS, Paulo. Formação de cidades no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. p. 18. 22DELSON, Roberta Marx. Novas Vilas para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e social no século XVIII.

Brasília: ALVA-CIORD, 1997.

SANTOS, Paulo. Formação de cidades no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.

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Paulo Santos, assim como os de Nestor Goulart Reis Filho23, segundo a historiadora Cláudia

Fonseca, foram resultado de um “processo de valorização e de ‘patrimonialização’ das

paisagens urbanas coloniais brasileiras inaugurado nas décadas de 1920-1930”24.

Essas concepções sobre a formação das cidades portuguesas, conforme afirma

Fonseca, estão presentes em trabalhos de autores portugueses como Luís da Silveira e Mário

Chicó25, que buscavam o entendimento da “urbanística portuguesa”. Silveira afirma que a

cidade portuguesa se aproximava de uma “cidade perfeita”, uma cidade “orgânica”, na qual

cada elemento teria sua “função natural”. Em consonância com os autores citados, Sylvio de

Vasconcellos, além de perceber os traçados não retilíneos da ocupação portuguesa de uma

forma positiva, contribuiu para o entendimento do papel social das confrarias no crescimento

dos povoados e na hierarquia urbana de Minas Gerais26.

A cidade colonial, ou a vila, era objeto de ação por parte dos grandes senhores,

principalmente daqueles vinculados à câmara municipal. O urbano era o local das principais

festas religiosas, das nomeações mais importantes, do grande fluxo de mercadorias e onde se

instalavam as câmaras municipais. O controle de uma câmara era uma das formas de obter a

direção de uma cidade ou vila, no período colonial, além de contribuir para o acúmulo de

prestígio individual. Tinha, assim, o direito de definir questões ligadas ao “urbanismo”, este

entendido, para o período colonial do século XVII, como o “conjunto de medidas técnicas,

jurídicas e econômicas” que “permitem uma intervenção ou um desenvolvimento autônomo

das cidades”27.

Charles R. Boxer, ao analisar as principais câmaras do ultramar de Portugal,

demonstra a grande margem de autonomia que estes conselhos municipais poderiam ter em

relação à Coroa portuguesa, permitindo aos seus integrantes um relativo poder de decisão nos

23 REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução urbana do Brasil. São Paulo: Edusp, 1968. apud FONSECA,

Cláudia Damasceno, op. cit. 24 FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A Formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas

setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. v. 20. n.1. jan.- jun. 2012.p. 79. 25 CHICÓ, Mário. A “cidade ideal” do Renascimento e as cidades portuguesas da India. Separata de: Garcia de

Horta: Revista da Junta das Missões Geográficas e de Investigação do Ultramar, Lisboa, n. esp., p. 319-328,

1956 & SILVEIRA, Luís. Ensaio de iconografia das cidades portuguesas do ultramar. Lisboa: Ministério do

Ultramar. 4 v, apud, FONSECA, Cláudia Damasceno, op. cit., p. 79 26 VASCONCELLOS, Sylvio de. Vila Rica: formação e desenvolvimento. Residências. Rio de Janeiro: MEC;

INL, 1956 apud, FONSECA, Cláudia Damasceno, op. cit., p. 80. 27 LEPETIT, Bernard. Pouvoir municipal et urbanisme (1650-1750): sources et problématique. In: LIVET, G.;

VOGLER, B. Pouvoir, ville et société en Europe 1650-1750. Actes du Colloque International du CNRS.

Paris: CNRS, 1981. p. 35-49.p. 35, apud FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A Formação dos

espaços e territórios urbanos nas Minas setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. v. 20. n.1. jan.- jun.

2012, p. 90.

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assuntos de interesse local28. Além disso, ainda segundo Boxer, a câmara municipal era um

dos pilares que sustentavam o império marítimo português, conferindo unidade administrativa

e legislativa em territórios e realidades distintos29. A câmara de Olinda inseria-se nesse

mundo atlântico, na segunda metade do século XVII, por meio da ideia da formação de um

pacto político, produzido após a guerra contra os holandeses, tendo em vista que foram

sobretudo os “restauradores” que reclamaram para si o merecimento das mercês régias e os

cargos da governança da terra30.

Nas últimas duas décadas, a historiografia sobre as câmaras municipais do Império

Português e da burocracia estatal recrudesceu, ao trazer novos questionamentos e

contribuições para o entendimento da história administrativa e política31. Nesse contexto

historiográfico, os trabalhos de Maria Fernanda Bicalho são de grande importância para o

entendimento da administração das municipalidades. De acordo com Bicalho, os “homens

bons” assumiam a gestão e o recolhimento de impostos fixos e extraordinários, criavam taxas,

arrendavam contratos e arrecadavam doações voluntárias32. Os camarários poderiam, também,

direcionar essa riqueza para a instalação de melhorias na cidade que os favorecessem: a

construção de um cais; de uma ponte em um local estratégico; ou mesmo de um convento

para determinada ordem religiosa que os servisse. Isso constituía uma forma de entendimento

da administração municipal como um reflexo das relações e das hierarquias sociais. Uma

sociedade baseada na remuneração de serviços ao Rei e, portanto, na concessão de privilégios

e de mercês reais33.

Embora no contexto do ultramar, as fontes de recursos das câmaras municipais

variassem de acordo com a realidade local, há um padrão mais geral sobre essa situação. As

28 BOXER, Charles R.. The Portuguese society in the tropics: the municipal councils of Goa, Macao, Bahia

and Luanda, 1510-1800. Madison-Milwaukee, University of Wisconsin Press, 1965. 29 BOXER, Charles R.. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo, Companhia das Letras: 2002

[1969]. 30 BICALHO, Maria F. B. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a cultura

política do Antigo Regime. Almanack brasiliense, São Paulo, nº 2, 2000. MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro

Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São Paulo: Alameda, 2008. 31 Destaca-se a coletânea de artigos de autores brasileiros e portugueses O antigo Regime nos trópicos, uma obra

de grande vulto para a historiografia brasileira para o período colonial uma retomada dos estudos sobre a

administração portuguesa das colônias. Cf. FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria

de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio

de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. 32 BICALHO, Maria F. B. As Câmaras Ultramarinas e o Governo do Império. In: FRAGOSO, João, BICALHO,

Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial

portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. 33 OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno. Honra, mercê e venalidade em Portugal

(1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001. XAVIER, Ângela B. e HESPANHA, António Manuel. “As Redes

Clientelares” In: MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4. Lisboa:

Editorial Estampa, 1993 pp. 381-393

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câmaras municipais tinham na liberdade de gerir suas receitas, além das criações

extraordinárias de impostos, um dos principais traços de sua autonomia34; situação verificada

por diferentes estudos de grande valor interpretativo e empírico em contextos geográficos

distintos. Avanete Sousa afirma que as rendas das câmaras municipais poderiam ser divididas

em dois grandes grupos: as receitas diretas e as indiretas. Enquanto o primeiro grupo referia-

se àquilo que poderia ser recolhido diretamente pelos oficiais da câmara, como multas,

aferições de medidas e condenações, o segundo grupo referia-se ao que a câmara arrendava

por arrematações de contratos, e que eram arrecadados por meio de taxas e imposições35.

Leandro Calbente verificou que a principal fonte de renda da câmara de São Paulo era

proveniente das “arrecadações indiretas”: arrematações de estancos como os do açougue, das

entradas de aguardente e das “casinhas”, uma espécie de mercado urbano. O montante total

chegava a um total de 90% de todo o volume de dinheiro arrecadado pela câmara36. Para o

caso da câmara de Salvador, Avanete Sousa afirma que a principal fonte de renda era

proveniente de condenações, da administração e regulação do espaço da cidade. A câmara de

Olinda possuía uma grande autonomia sobre as contas municipais, o que somente mudou a

partir de 1727, quando uma série de prerrogativas que possuía foram suprimidas e transferidas

para outros órgãos administrativos, como parte de uma política da Coroa portuguesa pela

busca de uma centralização maior na administração das Conquistas Ultramarinas. Os

contratos e arrematações, conforme afirma Breno Vaz Lisboa, tinham um grande peso sobre o

orçamento da câmara de Olinda, dos quais boa parte servia para a promoção de obras públicas

na vila37.

O contexto estudado nessa dissertação é marcado por dois eventos importantes e

conhecidos da historiografia pernambucana: em 1654, a chamada Restauração, resultante da

guerra contra os holandeses e que devolveu o domínio da capitania de Pernambuco para o

monarca português, e a Guerra dos Mascates, um conflito que envolveu as populações de

Recife e Olinda, colocadas em lados opostos e por interesses discordantes. Um ponto de

bastante relevância foi a criação da vila do Recife, em 1710, gatilho de um período

conturbado de guerra entre a população da capitania.

34 Bicalho, Maria Fernanda B. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro:

Civilização brasileira, 2003, p. 313-314. 35 SOUSA, Avanete P. A Bahia no século XVIII: poder político local e atividades econômicas. São Paulo:

Alameda, 2012, p. 131-132. 36 CALBENTE, Leandro. Administração colonial e poder: a governança da cidade de São Paulo (1765-1802).

Dissertação (Mestrado em História Econômica). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. p. 83. 37 LISBOA, Breno Vaz. Cuidando do patrimônio da coroa: as contas da câmara municipal de Olinda na segunda

metade do século XVII e na primeira metade do século XVIII. João Pessoa. SAECULUM – Revista de

História. Jul/dez 2013.

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A Guerra dos Mascates inspirou romances, como o homônimo escrito por José de

Alencar, ou O matuto de Franklin Távora, que chegou a ser sócio do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, sendo um dos temas de maior interesse em Pernambuco. Escritores,

ainda nos séculos XIX e XX, acabaram por adotar um tom nativista aos acontecimentos,

observando nas ações por parte dos chamados mazombos, os naturais da terra, uma

contestação do poder real, criando-se uma ideia de rebeldia “natural” dos “pernambucanos”38.

O trabalho de Evaldo Cabral de Mello, A Fronda dos Mazombos, foi um dos primeiros

a se preocupar em entender a Guerra dos Mascates como um processo, iniciado em 1654, no

qual o acúmulo de insatisfações e de desentendimentos entre poder local e autoridades régias,

como o governador da capitania, acabou por deflagrar uma “guerra civil”, somados, mas de

igual peso, a fatores econômicos, sobretudo à dependência financeira que a autointitulada

“nobreza da terra”, de famílias antigas de troncos que remontavam ao século XVI na

capitania, possuía em relação aos comerciantes, em sua maioria reinol, de origem nas

camadas sociais menos privilegiadas e que exerciam atividades consideradas inferiores39.

Trabalhos acadêmicos recentes contribuíram para a compreensão do período estudado.

Em O Miserável Soldo, Kalina Vanderlei Silva analisa a reconfiguração das companhias

militares na capitania de Pernambuco, após a expulsão dos holandeses, e a política da Coroa

de manutenção das tropas, para além da necessidade de reestruturar a capitania de

Pernambuco40. Já em Nas solidões vastas e assustadoras, a autora inicia uma análise da

história urbana do Recife e de Olinda articulada com os fatores políticos resultantes das

disputas entre os moradores dessas duas localidades41. Neste trabalho, Silva focou em fazer

uma história social dos “pobres do açúcar” e do povoamento do interior da capitania de

Pernambuco.

Em Tratos e mofatras, George Félix Cabral de Souza afirma que, na segunda metade

do século XVII, teria ocorrido uma imigração considerável de portugueses para a capitania de

Pernambuco, principalmente para o Recife, fazendo com que este vivesse um surto

demográfico. Estes “estrangeiros”, ou “reinóis”, eram, em sua maioria, pessoas pobres que

paulatinamente foram adquirindo riqueza com o comércio. Muitos passaram a ser credores

38 MELLO, Mário. A Guerra dos Mascates como afirmação nacionalista. Recife: CEPE editora, 2012.

FERRER, Vicente. Guerra dos Mascates (Olinda e Recife). São Paulo: Editora Clássica, 1915. 39 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995. 40 SILVA, Kalina Vanderlei. O Miserável Soldo e a Boa Ordem da Sociedade Colonial - Militarização e

Marginalidade na Capitania de Pernambuco nos Séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura Cidade do

Recife, 2001. 41 SILVA, Kalina Vanderlei. Nas Solidões Vastas e Assustadoras: A conquista do sertão de Pernambuco pelas

vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Recife: CEPE - Comp. Editora de Pernambuco, 2010.

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dos senhores de engenho, financiando a produção de cana42. Ricos, mas sem prestígio social,

estes comerciantes buscavam meios para assumirem cargos políticos dos mais honrosos, o que

lhes era negado pela Coroa portuguesa. Como estratégia, alguns comerciantes mantinham

uma prática de melhoramento constante da estrutura urbana do Recife.

As municipalidades também poderiam ser dotadas de privilégios, manifestados por

meio de seus cidadãos. Cláudia Damasceno, em seu livro Arraiais e vilas d’El Rei, analisou o

processo de transformações dos arraiais, que eram pequenos embriões urbanos nascidos da

atividade mineradora, em vilas e cidades. Neste processo, havia intensos conflitos entre essas

localidades por privilégios, pela instalação de uma comarca judicial, ou mesmo para a

elevação das que ainda eram vilas em cidades43. Questões essas que eram objeto de

negociação política. Em A Fronda dos Mazombos, Evaldo Cabral de Mello demonstra que a

administração dos aspectos urbanos da capitania de Pernambuco e, também, a definição do

lugar de moradia do governador, se no Recife ou em Olinda, ou a simples execução de

pequenos melhoramentos, construção de conventos, eram motivo de conflito entre os grupos

dessas duas localidades, de maneira semelhante à situação no contexto das Minas Gerais. O

objetivo desses grupos era não contribuir para o “desenvolvimento” de uma e outra

localidade44.

Na sociedade portuguesa, apesar de não haver um código descritivo sobre a formação

das vilas e cidades e a definição de uma hierarquia oficializada formalmente, existia uma

“cultura espacial” específica e com lógica própria. Esta concepção seria não somente um

desdobramento da forma de se conceber a sociedade, mas um componente importante da

própria organização social. Não bastava para uma localidade ter o título de vila, ou cidade, se

materialmente e simbolicamente não houvesse elementos que a identificassem como tal. Na

capitania de Pernambuco, no Recife e em Olinda, enquanto que esta possuía o status de vila e

toda uma tradição de hegemonia política proveniente do período anterior ao domínio

holandês, aquele paulatinamente recebeu atenção de diferentes agentes na segunda metade do

século XVII, passando a ser o local de vinculação de um grupo que se constituiu

politicamente em oposição a Olinda e aos senhores de engenho.

Bernard Lepetit, em A Cidade Moderna na França: ensaio de História Imediata,

afirma que a cidade pode ser entendida como um “sistema cujos elementos adquirem sentido

42 SOUZA, George F. C. de. Tratos e mofatras: o grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654 - c. 1759). 1. ed.

Recife: Editora Universitária UFPE, 2012. 43 FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d’El Rei: Espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo

Horizonte: Editora da UFMG, 2011. 44 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995. p. 151

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uns em relação aos outros”, constituído tanto pela população quanto pelos aspectos urbanos.

O autor defende que as “instituições e as formas de agrupamento” social possuem o sentido

“de que são dotadas pelas práticas sociais dos atores”45. Pensando a partir das ideias deste

autor, pode-se dizer que os moradores de Olinda e Recife buscaram, assim, agir sobre o

espaço dessas localidades com o intuito de lhes conferir “nobreza” e “qualidade”, que podiam

ser apreendidas na estrutura física da cidade ou vila, pensando-se no período colonial, na

América portuguesa. Este esforço contribuiu para a formação de solidariedades e alianças que

criaram os grupos presentes nos conflitos políticos na segunda metade do século XVII em

Pernambuco: a autointitulada “nobreza da terra” e os grandes comerciantes do Recife. Estes

dois grupos possuíam a necessidade de aumentar as “qualidades” do espaço do qual se

declaravam moradores para galgar privilégios e mercês para a cidade ou vila e que redundaria

em um “enobrecimento” da própria população. Estes espaços eram, assim, “personificados”

por suas características, existindo uma reciprocidade entre as hierarquias sociais e urbanas46.

O conceito de “sociedade corporativa” do jurista e historiador português António

Manuel Hespanha é importante para a compreensão das relações entre vassalos e rei. De

acordo com Hespanha, a sociedade do “Antigo Regime” entendia-se como pertencente a uma

ordem natural, dividida em estamentos. O rei era visto como a “cabeça” do grande “corpo

social” e como mantenedor máximo da justiça. Cada indivíduo, assim como cada parte de um

organismo, tinha um papel estabelecido e percebido como indispensável para a manutenção

da harmonia do “corpo”. Este autor ainda afirma que existia uma “ideia de indispensabilidade

de todos os órgãos da sociedade e, logo da impossibilidade de um poder político simples,

puro” e não partilhado. Isto significava que o monarca deveria conceder tudo que era

“próprio” de cada grupo social, pois dessa forma estaria mantendo a justiça.

Os súditos orientavam-se por uma lógica de serviço e remuneração, recebendo mercês

e privilégios, as quais o rei teria a obrigação moral de distribuir47. Evaldo Cabral de Mello

aponta a existência desse tipo de relação de troca para o contexto da capitania de Pernambuco

somado a um sentimento de exclusividade de acesso aos cargos de governo por parte dos

senhores de engenho vinculados à Câmara de Olinda, motivados pela experiência do

povoamento da capitania de Pernambuco e pela expulsão dos holandeses feita “à custa” do

45 LEPETIT, Bernard. Por uma nova história urbana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001,

p. 56-59. (Seleção de textos – Heliana Angotti Salgueiro). 46 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e

cidade na Capitania de Minas Gerais. VARIA HISTORIA, nº 29, Janeiro, 2003. 47 XAVIER, Ângela B. e HESPANHA, António Manuel. A Representação da sociedade e do Poder. In:

MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4. Lisboa: Editorial

Estampa, 1993.

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“sangue e fazendas” desses senhores48. Estes viam, portanto, Olinda como o único local digno

de possuir uma câmara, ou título de vila ou cidade. Com a ascensão do Recife, essa situação

foi “contestada” pela crescente rivalidade existente entre comerciantes e aqueles senhores.

Nesse contexto é importante entender a diferença entre “açucarocracia” e “nobreza da

terra”, dois conceitos que são utilizados, muitas vezes, para definirem um mesmo grupo. De

fato, podem estar referindo-se ao mesmo conjunto de indivíduos, a uma mesma rede de

relações e trocas. Como o próprio Evaldo Cabral de Mello afirma, no entanto, há um processo

de transformação desta “açucarocracia” em “nobreza da terra”, algo que ocorre na segunda

metade do século XVII como fruto da experiência de guerra contra os holandeses49. Segundo

Mello, no capítulo chamado Os alecrins no canavial, a formação da primeira açucarocracia

em Pernambuco ocorreu por meio da união de famílias de primeiros povoadores, os

“duartinos”50, com indivíduos que teriam chegado ao Estado do Brasil da década de 1570.

Além da posse da terra, em grande parte herdada das famílias duartinas, e da capacidade de

instalar um engenho, essa primeira açucarocracia destacava-se no exercício do “funcionalismo

da Coroa” além do exercício dos “cargos municipais”, no caso, a câmara de Olinda

principalmente51. Dessa forma, segundo seus argumentos, a posse de engenhos somada ao

exercício de funções públicas garantia a esses homens a diferenciação suficiente para se

colocarem como um extrato privilegiado da sociedade que faziam parte52.

O conceito de “nobreza da terra” informa não somente sobre uma posição hierárquica

autoproclamada, mas também a formação de um grupo, composto por parte da açucarocracia,

mas que se movimentava politicamente de forma relativamente orientada. Um outro fator não

menos importante é que, dificilmente, na segunda metade do século XVII, algum indivíduo

com origem em atividades mercantis chegaria a participar desse grupo, como parece ter

ocorrido no século XVI.

Por representar mais o contexto e o grupo estudado, optar-se-á pela utilização de

“nobreza da terra” para identificar o conjunto de pessoas vinculado à vila de Olinda, que

também se caracterizam por ocuparem cargos de ordenança, por possuírem engenhos, mas

que se diferenciam pelo que a guerra contra os holandeses proporcionou de argumentos para a

48 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São Paulo:

Alameda, 2008. 49 MELLO, Evaldo Cabral de. op cit. 50 Termo cunhado por J. F. de Almeida Prado para designar os primeiros povoadores da capitania, notadamente

aqueles que estavam no círculo de relações com o primeiro donatário, Duarte Coelho. Logo, é uma visão sobre

uma elite formada na capitania. 51 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São Paulo:

Alameda, 2008, p. 132-133. 52 MELLO, Evaldo Cabral de. op cit., p. 133.

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concessão de privilégios e honrarias. Segundo Mello, na segunda metade do século XVII, os

“netos dos restauradores”, os “descendentes dos que haviam feito a guerra holandesa

passaram a reivindicar o estatuto de nobreza da terra”53. A “metamorfose da açucarocaria em

nobreza da terra”, afirma Mello, “pode ser descrita em termo de três manifestações”: o uso

generalizado da expressão, um discurso e uma prática genealógica, o que demonstra a

importância da açucarocracia do século XVI, e a ideia de uma colonização de caráter

aristocrático54.

No capítulo primeiro, buscou-se elaborar um delineamento das características físicas

do espaço da vila de Olinda, assim como das elites que ocupavam os cargos da câmara. Na

segunda metade do século XVII, um imperativo presente em muitas falas é o da necessidade

de se reconstruir Olinda e que se liga com a ideia de tradição exposta anteriormente. As ações

que buscaram exercer um controle sobre as rendas da capitania para que fossem utilizadas na

reconstrução da vila de Olinda, assim como as discussões em torno desta questão, serão

objeto de análise do segundo capítulo dessa dissertação.

Essas noções de antiguidade estarão presentes nas análises contidas neste trabalho, na

medida em que a ideia de “antigo estado” é recorrente na documentação. Não somente pensava-

se em uma colonização de pessoas de caráter nobiliárquico, mas, também, em uma localidade

enobrecida por essas pessoas. As construções existentes em cada uma das localidades

influenciaram no processo que culminou na criação da vila do Recife, em 1709. Igualmente

importante, e que tinham peso sobre a dinâmica fiscal, administrativa e política da capitania, e

que, portanto, poderia até provocar um esvaziamento populacional em longo prazo, era a

presença de determinadas autoridades. Este segundo capítulo está conectado diretamente ao

que é discutido na parte seguinte.

No terceiro e último capítulo, analisa-se como o estabelecimento dos governadores em

Recife, principalmente, contribuiu para a perda da condição de centro da vila de Olinda.

Dessa forma, buscou-se entender como a assistência de determinadas autoridades coloniais

era avaliada e considerada necessária para a dinâmica governativa da vila, tendo em vista o

controle e fiscalização do comércio e de outras atividades praticadas. Nesse sentido, o palácio

construído ainda no período holandês atuou como um catalisador da atenção dos

governadores de Pernambuco em permanecerem na povoação do Recife, em função de suas

responsabilidades e interesses, mas também do aspecto simbólico de residir em um local

considerado nobre e, muito possivelmente, mais dinâmico que a vila de Olinda.

53 MELLO, Evaldo Cabral de. op cit., p. 127. 54 MELLO, Evaldo Cabral de. op cit, p. 157.

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Este trabalho, portanto, intenta contribuir para a análise da perda do status de Olinda

em relação a Recife como centro e capital de Pernambuco, bem como das relações com as

elites locais e seu espaço de ação política. Dessa maneira, aparelhos urbanos, títulos e

honrarias possuíam um significado de reflexão do poder social, político e econômico dos

grupos dominantes.

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Capítulo I – A “mui nobre e sempre leal vila de Olinda”: caracterização espacial e

povo (século XVII).

Este capítulo tem como objetivo analisar a evolução espacial da vila de Olinda, em

especial a ocupação da sua área habitada, assim como as formas que os moradores se

apropriavam destes terrenos. Dessa forma, elaborou-se uma caracterização espacial da vila de

Olinda e uma análise social de seu grupo social dominante, mais especificamente, da elite

política que preenchia os cargos da câmara municipal, na segunda metade do século XVII. Na

primeira seção do capítulo, aborda-se aspectos relacionados à divisão territorial da vila, tendo

em perspectiva desde a Carta Foral de 1537 até as consequentes alterações resultantes do

período de dominação holandesa e a forma que a câmara de Olinda gerenciava as concessões

de terra na vila. Na segunda seção, a atenção direciona-se para as pessoas consideradas como

as mais importantes politicamente da área de influência da vila. Não há, entretanto, neste

capítulo, um apanhado cronológico completo de todas as modificações que ocorreram na vila.

Foi preciso determinar um foco mais restrito, em razão dos elementos surgidos no andamento

da pesquisa e do foco de estudo.

As noções de território e elites nortearão toda a análise do capítulo que se segue.

Entende-se território como um determinado espaço delimitado, do qual se possui controle e

domínio. Dessa forma, a capitania de Pernambuco era considerada como um território do

império português, haja vista as relações de troca e vassalagem entre os habitantes locais e a

Coroa portuguesa. Por outro lado, a câmara de Olinda, em uma escala menor, possuía

jurisdição sobre toda uma região que englobava algumas paróquias rurais que, somado ao

entorno da vila em si, representava o termo da vila. Neste capítulo, a área habitada da vila será

a preocupação maior da análise.

Sobre o conceito de elites, em especial para o contexto da capitania de Pernambuco, a

ideia principal é a de uma açucarocracia que se transformou em nobreza da terra explica

muito sobre a situação dos grupos políticos dominantes da vila de Olinda na segunda metade

do século XVII55. O termo “elite” em si, todavia, possui uma determinação vaga e abrangente e, a

caracterização desse conceito no contexto colonial tem obtido certo destaque na discussão que se

segue.

A preocupação em elaborar um conceito de elite é uma inquietação maior na área das

Ciências Sociais. De acordo com Milton Cordeiro Farias Filho, o termo “elite” nasceu dos

trabalhos de Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca. Para Mosca, toda sociedade possuía duas

55 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São

Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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classes, uma dirigente e uma que é comandada, a classe política e as massas respectivamente.

O que diferenciaria esses grupos é a capacidade do primeiro em se organizar e manter-se

como detentor do poder de decisão. Já Pareto define que o poder de dirigir é o que destaca os

governantes das massas. Essas elites, segundo Pareto, não seriam eternamente hegemônicas,

pois periodicamente poderia haver um processo de renovação ou “circulação de elites”56.

Em razão dessa dificuldade de conceituação, esta lacuna ainda não foi preenchida de

maneira satisfatória, o que não impede a compreensão do que significava ser elite nas

colônias, que vai depender dos contextos diversos presentes nas diferentes capitanias. No

contexto do Antigo Regime, elite sempre esteve muito próximo da ideia de nobreza57.

Transpondo-se esse pensamento para a sociedade da América portuguesa, é possível substituir

essa noção por qualidade. Logo, indivíduos de maior qualidade estariam em uma posição

superior e estariam aptos a exercerem os cargos de governança. Segundo Ronald Raminelli,

a sociedade de ordens permanecia um arcabouço estatutário e jurídico que

viabilizava legalmente as hierarquias, privilégios e liberdade. Exceto os títulos

providos pela monarquia, particularmente os hábitos das ordens militares e os

“cargos honrosos da República”, os demais súditos não contavam com

respaldo jurídico para a inclusão na nobreza, lá estavam devido à dimensão

informal própria do Novo Mundo58.

No caso do Recife, é possível verificar toda uma trajetória de ascensão econômica e

social por partes dos comerciantes daquela região. De acordo com George Félix Cabral de

Souza, ocorreu, na segunda metade do século XVII, uma imigração considerável de

portugueses para a capitania de Pernambuco, principalmente para o Recife, ocasionando certo

surto demográfico. Estes “estrangeiros”, ou “reinóis”, eram, em sua maioria, pessoas pobres

que paulatinamente foram adquirindo riqueza com o comércio. Muitos passaram a serem

credores dos senhores de engenho, financiando a produção de cana59. Com riquezas, mas sem

56 FARIAS FILHO, Milton Cordeiro. Elites políticas regionais: contornos teórico-metodológicos para

identificação de grupos políticos. São Paulo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 77, n. 77, outubro 2011.

Cf. GRYNSZPAN, Mario. Ciência, política e trajetórias sociais: uma sociologia histórica da teoria das elites.

Rio de Janeiro: ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. 57 Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O “ethos” nobiliarquico no final do Antigo Regime: poder simbólico,

império e imaginário social. São Paulo. Almanack braziliense, n. 2, novembro 2005. 58 RAMINELLI, Ronald. Nobreza e riqueza no Antigo Regime ibérico setecentista. São Paulo. Revista de

Históra, n. 169, julho/dezembro, 2013, p. 86; FRAGOSO, João. A nobreza vive em bandos: a economia política

das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII. Tempo, v. 8. Niterói, n. 15, 2003. COSTA, Ana

Paula Pereira. Potentados locais e seu braço armado: as vantagens e dificuldades advindas do armamento de

escravos na conquista das Minas. Topoi (Rio de Janeiro), v. 14, p. 18-32, 2013. 59 SOUZA, George F. C. de. Tratos e mofatras: o grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654 - c. 1759). 1. ed.

Recife: Editora Universitária UFPE, 2012. SOUZA, George Félix Cabral de. Elite y ejercício de poder en el

Brasil Colonial: La Cámara Municpal de Recife (1710-1722). Salamanca: Tesis Doctoral. Programa de Doctorado

Fundamentos de la Investigación Histórica de la Universidad de Salamanca, 2007.

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prestígio social, estes comerciantes buscavam meios para assumirem cargos políticos, o que

lhes era negado pela Coroa portuguesa. Como estratégia, alguns comerciantes mantinham uma

prática de melhoramento constante da estrutura urbana do Recife, conforme pode ser

observado em estudo feito por Antônio Gonsalves de Mello60.

Sobre a “primeira elite senhorial” do Rio de Janeiro, percebe-se trajetórias com uma

linha de pensamento ainda mais aristocrática, voltada para o investimento em terras, títulos e

bons casamentos. No seu estudo sobre a instalação da economia de plantation no Rio de

Janeiro, João Fragoso analisou os mecanismos de acumulação de riquezas por parte das

famílias de conquistadores, que mantiveram uma “continuidade temporal via descendência,

entre diferentes domicílios” e que “se transformaram nas melhores famílias da terra”, por meio

do estabelecimento de engenhos61. Parte da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro formou-

se, portanto, na “Conquista”, durante as lutas travadas contra os franceses e tamoios nas

expedições comandadas por Mem de Sá62.

Em seu trabalho sobre a distribuição de mercês na Bahia e em Pernambuco, no período

posterior ao domínio holandês, Thiago Krause constrói uma classificação tipológica e funcional

de “elite colonial” ao defini-la como

todos os membros da açucarocracia (senhores de engenho, lavradores e seus

parentes próximos), irmãos da maior condição da misericórdia, os principais

oficiais camarários (juízes ordinários, vereadores e procuradores) e os

detentores dos mais altos postos burocráticos e militares: provedores da

fazenda, desembargadores, sargento-mores, mestres de campo, coronéis de

ordenança – que na maioria dos casos também se enquadram na

açucarocracia63

A classificação sobre uma elite colonial sempre esbarra nos contextos locais, em razão

pela variedade de serviços possíveis, aquilo que estava ao alcance dos indivíduos em

contextos geográficos diferentes, para além das conjunturas sociais e históricas. Logo, a

dificuldade em conceituar está muito atrelada à própria necessidade de questionamento sobre

os caracteres essenciais de uma elite em Pernambuco, na Bahia, e demais capitanias.

A partir dessa breve discussão e apresentação de algumas concepções de elite, chega-

60 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Antônio Fernandes de Matos (1671-1701). Recife: Ed. Dos amigos da

DPHAN, 1957. Para um entendimento mais completo das estratégias de ascensão social dos comerciantes ver:

SOUZA, George Félix Cabral de. Tratos e Mofatras: o grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654-c. 1759).

Recife: Editora Universitária UFPE, 2012. 61 FRAGOSO, João. A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro

(séculos XVI e XVII). Topoi, Rio de Janeiro, n. 1, p. 51. 62 FRAGOSO, João. op. cit., p. 62. 63 KRAUSE, Thiago N. Em busca da honra: a remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das

ordens militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo: Annablume, 2012.

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se à concepção de elite que será utilizada neste capítulo, que possui um caráter distintivo.

Fazem parte da elite aqueles grupos que estão em uma posição social diferenciada e superior

aos demais, definida pelo volume global de capital, cultural e econômico, que possuem e que,

por essas condições, tem legitimidade para exercer por um tempo posições de mando64.

Entretanto, um grupo somente pode ser considerado elite quando o domínio econômico e

político é efetivo em determinado espaço. A noção estamental e hierárquica da sociedade

colonial, típica do Antigo Regime, reforça a diferença entre homens ao definir a posição de

cada um dentro de uma ordem considerada natural. Isto tem reflexo nas ações e nas

preferências, no habitus65, dos grupos e na forma como é definido o que é próprio a cada um.

1.1 Caracterização espacial

O foral de Olinda definia aquilo que constituía o termo da vila de Olinda, ao

determinar as terras comuns, o rossio, as terras que poderiam ser arrendadas pela câmara,

assim como algumas diretrizes sobre os tipos de árvores que poderiam ser exploradas e outras

questões. Antes de adentrar no conteúdo do foral propriamente dito, convém entender o que

representou a chamada “Carta Foral”. Este documento foi produto da compilação e

reconstrução a partir de diferentes cópias espalhadas pelos mais diversos fundos documentais,

desde o século XVII até o XIX feita pelo historiador José Antônio Gonsalves de Mello66. O

documento constituía-se de uma concessão de bens e do título de vila feita pelo donatário e

não apresenta, propriamente, direcionamentos jurídicos ou fiscais, nem os limites do terreno.

O mapa abaixo apresenta, de forma aproximada, como foi feita a separação de terras feitas por

64 BOURDIEU, Pierre. O campo econômico: a dimensão simbólica da dominação. Campinas: Papirus, 2000. p.

41. 65 Pierre Bourdieu, em O campo econômico, define habitus como a mediação entre uma “posição no espaço social

e as práticas, as preferências”, como “uma disposição geral diante do mundo”. Em Razões práticas sobre a

teoria da ação, Bourdieu afirma que os “habitus são os princípios geradores de práticas distintas e distintivas” e

“estabelecem as diferenças entre o que é bom e mau” para determinado grupo. Para este atrabalho, pensa-se este

conceito dentro do universo mental de grupos que se declaravam como da “governança” e, portanto, aptos para

exercerem cargos de mando, distinguindo-se dos demais pela maneira de viver e pela tradição familiar,

genealógica. BOURDIEU, Pierre. O campo econômico: a dimensão simbólica da dominação. Campinas: Papirus,

2000. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas sobre a teoria da ação. 11ed. Campinas: Papirus, 2011. 66 Segundo Juliana Coelho Loureiro, a "Prefeitura Municipal de Olinda, com o intuito de reaver a cobrança do

foro das áreas pertencentes ao município, iniciou uma investigação histórica para determinar o território de

Olinda a partir de sua demarcação mais antiga. Baseou-se então no legado de Duarte Coelho, a Carta Foral de

Olinda, que marcou o nascimento da vila, bem como as áreas que ela abrangia. A equipe, dirigida pela arquiteta

Valéria Agra, fez as transcrições paleográficas do livro de Tombo nº 01-B de 1783-1806. Este livro tem, entre

outros dados importantes, a cópia do Foral de 1783, sua confirmação e Ação Demarcatória feita pelo juiz do

Tombo, José Ignácio Arouche, em 1710. Para esse empreendimento, também foi importante a reconstituição

textual do Foral - O chamado Foral de Olinda de 1537 - feita por Antônio Gonsalves Mello”. LOUREIRO,

Juliana Coelho. Quintais de Olinda: uma leitura indiciária sobre sua gênese. Anais do Museu Paulista. V. 20. N.

1. Jan.-jun. 2012.

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Duarte Coelho em 1537. Este, assim como os outros mapas elaborados para a vila de Olinda,

foi elaborado a partir de um mapa encontrado no atlas de Gaspar Barléus, de 1647, chamado

“Civitas Olinda”67.

Já existem publicações que realizaram um trabalho competente de representação do

termo da vila de Olinda, assim como da jurisdição espacial cedida para a ereção da vila do

Recife em 1709. Valeria Agra Oliveira realizou o mapeamento do patrimônio pertencente à

câmara de Olinda tendo como base a “Carta Foral” de 1537 e sucessivos tombamentos e

registros realizados desde o século XVII até o século XX. Este trabalho contém mapas

detalhados nos quais foram identificadas as estruturas geográficas e urbanas elencadas no

foral, assim como áreas de plantação, roças e arruamentos. Os mapas elaborados aqui tiveram

embasamento em alguns pontos e áreas demarcadas no estudo referido68.

67 CIVITAS OLINDA. IN ATLAS DE BARLÉUS – KASPAR VAN BAERLE – p. 70. Livro. RERVM

OCVTENIVM IN BRASILIA ET ALIBI NUPER GESTAVUM... Amstelodami, ex. Typographico – Joannis

Blaev, 1647. 68 OLIVEIRA, Valéria Maria Agra. O Foral de Olinda de 1537 e o livro de tombo dos bens e aforamentos da

câmara municipal de Olinda (1782-1906). Recife: CHEM, 2011.

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35

MAPA 01 – Configuração espacial da vila de Olinda com base no foral de Duarte

Coelho (1537).

Obs.: As áreas tracejadas em azul são áreas de uso comum e as tracejadas em rosa, foram, provavelmente, terras

doadas a particulares pelo donatário. O ícone em formato de losango seria a localização da câmara municipal.

Fonte: CIVITAS OLINDA. IN ATLAS DE BARLÉUS – KASPAR VAN BAERLE – p. 70. Livro. RERVM

OCVTENIVM IN BRASILIA ET ALIBI NUPER GESTAVUM... Amstelodami, ex. Typographico – Joannis

Blaev, 1647. Elaborado por Aledson M. S. Dantas no programa de SIG (Sistema de Informações Geográficas)

Mapinfo 12.

Segundo Rodrigo Almeida Bastos, a ereção de uma vila e a instalação de uma câmara

municipal concentraria três processos de povoamento. Primeiramente, ocorreria a “adequação

das estruturas construídas preexistentes”, com a “concessão de aforamentos sobre

propriedades já estabelecidas pelos moradores”; depois, o consequente “aumento” da

povoação, por meio da “abertura de novos arruamentos e logradouros, da concessão de novos

aforamentos para construção de novas casas, da implantação de novos edifícios públicos,

câmara e cadeia, pontes e chafarizes e da ereção de capelas e igrejas, consolidação de largos e

praças”; e, por fim, “conservação”, com reformas, reparos e correições, atividades

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36

características da atividade camarária69. Processo este, o qual Duarte Coelho iniciava por

meio de um ordenamento mínimo. Assim determinou o donatário:

No ano de 1537 deu e doou o senhor governador a esta sua Vila de Olinda,

para seu serviço e de todo o seu povo, moradores e povoadores, as cousas

seguintes: Os assentos deste monte e fraldas dele, para casaria e vivendas

dos ditos moradores e povoadores, os quais lhes dá livres, forros e isentos de

todo o direito para sempre, e às várzeas das vacas e a de Beberibe e as que

vão pelo caminho que vai para o passo do Governador e isto para os que não

têm onde pastem os seus gados e isto será nas campinas para passigo, e as

reboleiras de matos para roças a quem o concelho as arrendar, que estão das

campinas para o alagadiço e para os mangues, com que confinam as terras

dadas a Rodrigo Álvares e outras pessoas [...] O rossio que está de fronte da

vila para o sul até o Ribeiro, e do ribeiro até a lombada do monte que jaz

para os mangues do rio Beberibe onde se ora fez o varadouro em que se

carregou a galeota por que o da lombada para baixo o qual o dito senhor

governador alimpou para suas feitoria que é assento dela70.

O “núcleo urbano” é chamado por Duarte Coelho como os “assentos do monte e suas

fraldas”, logo após o entorno de uma pequena elevação, a qual ficou conhecida como “Monte

de Nossa Senhora do Monte”. Entre a área destinada para feitoria, próxima ao varadouro e as

áreas de uso comum, estava o rossio da vila de Olinda, terreno que a câmara poderia dividir e

arrendar. Antes mesmo de a câmara receber o que constituiu o seu patrimônio fundiário

primeiro, o donatário já havia concedido terras a particulares, as quais foram utilizadas para

delimitar, principalmente em direção aos terrenos férteis das margens dos rios Capibaribe e

Beberibe, onde se instalou uma quantidade considerável de engenhos.

O MAPA 02 apresenta, também aproximadamente, o que seria Olinda por volta do fim

da década de 1640, ainda sofrendo com as consequências da guerra, mas com muitas de suas

estruturas religiosas mantidas. Conforme pode ser visto, o rossio foi parcialmente ocupado

por particulares e instituições religiosas.

69 BASTOS, Rodrigo Almeida. O urbanismo conveniente luso-brasileiro na formação de povoações em Minas

Gerais no século XVIII. Anais do Museu Paulista. V. 20. N. 1. Jan.-jun. 2012. 70 Para este trabalho, utilizar-se-á a versão encontrada no Arquivo Históico Ultramarino, localizada em uma

consulta de 1677. AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 11, D. 1090.

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MAPA 02 – OLINDA (SÉCULO XVII)

Fonte: CIVITAS OLINDA. IN ATLAS DE BARLÉUS – KASPAR VAN BAERLE – p. 70. Livro. RERVM

CVTENIVM IN BRASILIA ET ALIBI NUPER GESTAVUM... Amstelodami, ex. Typographico – Joannis

Blaev, 1647. Elaborado por Aledson M. S. Dantas no programa de SIG (Sistema de Informações Geográficas)

Mapinfo 12.

Esta parte não constituía toda a área da qual a câmara de Olinda tinha jurisdição, mas a

vila e seu núcleo urbano. Na doação de Duarte estavam expostas as áreas de posse da vila e o

seu entorno, o seu termo em sentido mais estrito. O território de sua jurisdição construiu-se ao

longo dos séculos XVI e XVII e, para tentar reconstituí-lo, nesta parte, foram analisados dois

documentos do Arquivo Histórico Ultramarino71 nos quais são arrolados os indivíduos que

habitavam certos distritos. Em listas elaboradas em 1664 e 1665 e assinadas, respectivamente,

pelos governadores Francisco de Brito Freire a Jerônimo de Mendonça Furtado, consta a

quantia devida por cada indivíduo, destinada ao pagamento do dote do casamento de Catarina

de Bragança com o rei da Inglaterra e ao pagamento do donativo de “Paz de Holanda”, o

acordo diplomático de caráter indenizatório que Portugal submeteu-se em razão da

71 Arquivo Histórico Ultrmarino – Pernambuco (AHU-PE), Papéis Avulsos (PA), Caixa (Cx) 8, Documento (D.)

735. “CADERNO do orçamento que se fez nesta freguesia da vila de Olinda por ordem do senhor general Francisco

de Brito Freire de 668 mil e 620 réis para o dote da sereníssima senhora Rainha de Grã-Bretanha e paz de Holanda

em o primeiro de março de 1664”; AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 768. “CADERNO do orçamento que

se fez em Olinda por ordem do governador da capitania de Pernambuco, Jerônimo de Mendonça Furtado, por conta

do dote da Rainha da Grã-Bretanha e Paz de Holanda, contendo relação dos nomes dos contribuintes e suas

respectivas contribuições.

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reconquista da região norte do Estado do Brasil72.

Desde 1640, com a Restauração do trono português e o fim do período filipino (1580-

1640), no qual os Habsburgo controlavam tanto o trono espanhol quanto o português, Portugal

convivia com problemas diplomáticos em consequência da ruptura com o trono espanhol e a

ascensão de uma nova dinastia, a dos Bragança. Sobre D. João IV, que chegou ao trono

português depois de 1640, Luís Reis Torgal afirma que havia “um rei à procura de um Estado

e de um Estado à procura de si mesmo”, que, “através de uma ação de equilíbrio instável”,

procurava “divisar os seus ‘interesses’, as suas ‘conveniências’, a sua ‘razão’”73. Uma das

questões mais importantes era o reconhecimento internacional, por meio da diplomacia.

Portugal teve de reorientar suas alianças na Europa com as demais nações, e ainda com o

Vaticano, constantemente pressionado pelo monarca castelhano, Felipe IV74.

A busca por alianças com algumas das grandes potências marítimas ocorreu com mais

incidência sobre os rumos políticos, econômicos e sociais da capitania de Pernambuco e das

Capitanias do Norte. Descartado o acordo com os Países Baixos, como resultado da paz de

Münster, que consagrou a independência desta nação frente à Espanha, a diplomacia

portuguesa procurou o apoio dos ingleses75 para se inserir nas mesas de negociação e deixar

de ser considerado como um território “rebelde”, pois ainda estaria sob domínio espanhol76.

Posteriormente, Portugal conseguiu estabelecer negociações de paz com os Países Baixos a

partir de 1657, três anos após o fim da guerra luso-neerlandesa travada desde a Bahia até o

Rio grande, chamada de “Guerras da liberdade divina” (1645-1654)77.

Como fruto das negociações entre Portugal e os Países Baixos ficou estabelecida a

chamada “Paz de Holanda”, em 1661, com apoio da Inglaterra, e ratificado em 1669. Portugal

ficava obrigado a pagar à Holanda uma vultuosa indenização pela perda do território da

América de quatro milhões de cruzados em 16 anos em “numerário, cancelamento de impostos,

72 FERREIRA, Letícia dos Santos. O Donativo para o Casamento de Catarina de Bragança e para a Paz de

Holanda (BAHIA, 1661-1725). Niterói. Dissertação de Mestrado (PPGH-UFF, Defendida em 2010). FERREIRA,

Letícia dos Santos. É pedido, não tributo: O donativo para o casamento de Catarina de Bragança e a Paz de

Holanda (Portugal e brasil c. 1660-1725). Niterói. Tese de Doutorado (PPGH-UFF, Defendida em 2014). 73 TORGAL, Luís Reis. Restauração e “Razão de Estado”. Penélope. N.9/10. 1993. p. 167. 74 LOUREIRO, Marcello. “Em miserável estado”: Portugal, as guerras de restauração e o governo do Império

(1640-1654). In: POSSAMAI, Paulo. Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil: Estudos de história

militar na idade moderna. São Leopoldo, Oikos, 2012. p. 195-196. 75 MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669). Rio de

Janeiro, Topbooks, 1998. p. 14-15 76 MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669). Rio de

Janeiro, Topbooks, 1998. p. 14-15 77 Cf. Mello, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Editora

34, 2007 (1975).

Page 39: UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E ......3 ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL (OLINDA, SÉCULO XVII) Dissertação

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açúcar, fumo e sal, ao preço vigente, na ocasião do pagamento”78. Em 1669, o acordo foi revisto

e os portugueses tiveram que ceder aos ingleses Cochim e Cananor, na parte índica do império.

A indenização devida aos ingleses pelos portugueses passou a 2 milhões e meio de cruzados

“a serem pagos mediante a receita do imposto de exportação do sal de Setúbal”79.

Além disso, no casamento ocorrido entre as famílias reais de Catarina de Bragança,

irmã de Afonso VI, e Carlos II da Inglaterra, Portugal concedeu como dote: 2 milhões de

cruzados, Tânger e Bombaim, no Estado da Índia80. Esses acordos refletiram em mais uma

contribuição extraordinária que pesou sobre os rendimentos das capitanias conhecida como

“Donativo do dote de Inglaterra e Paz de Holanda”81. Contribuía, ainda, para um ambiente de

pesada carga fiscal a manutenção de um grande contingente militar, herança do período de

guerra contra os holandeses. Frente às ameaças de uma nova invasão em terras americanas, o

exército somente passou por uma reforma durante o governo de Francisco de Brito Freire (1661-

1664), na capitania de Pernambuco82.

Após essa rápida contextualização, segue-se o que se pode extrair dela e que possui

valor para o sentido deste capítulo. A jurisdição da vila de Olinda, entre 1664 e 1665, era

dividida em 14 distritos: Perative, Parative de Baixo e Forno de Cal, Pau Amarelo e Praia,

Passagem de Maria Farinha, Maranguape, Rio Doce, Vila e Santo Amaro, São Pedro, Beberibe,

Salinas, Casa Forte, São Pantaleão e Apipucos. Vera Lúcia Costa Acioli apresenta outras

informações acerca das freguesias sob jurisdição de Olinda. Eram elas: Ipojuca, Santo Antônio

do Cabo, Muribeca, Santo Amaro do Jaboatão, São Lourenço da Mata, Várzea e Santo Antão83.

No século XVIII, a “Informação Geral da capitania de Pernambuco”, mais especificamente de

1749, coloca como freguesias de Olinda as freguesias de São Lourenço da Mata, Nossa Senhora

da Luz, Santo Amaro de Jaboatão, Várzea e Santo Antão84.

78 MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669). Rio

de Janeiro, Topbooks, 1998. p. 225. 79 Ibid, p. 247 80 Ibid, p. 228 81 Cf. MELLO, José Antônio Gonsalves de. A finta para o casamento da rainha da Grã-Bretanha e Paz de Holanda.

Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, v. 54, 1981. 82 Cf. SILVA, Kalina Vanderlei. Nas solidões vastas e assustadoras: a conquista do sertão de Pernambuco pelas

vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Recife: CEPE, 2010. 83 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. Jurisdição e Conflito: aspectos da administração colonial. Pernambuco, século

XVII. Recife: EDUFPE/EDUFAL, 1997. 84 BIBLIOTECA Nacional do Rio de Janeiro. Informação Geral da Capitania de Pernambuco. Rio de

Janeiro: Oficinas de Artes Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1906. Anais da Biblioteca Nacional. vol. XXVIII.

Page 40: UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E ......3 ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL (OLINDA, SÉCULO XVII) Dissertação

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QUADRO 01 – Quantidade de pagantes por região e valor arrecadado. Donativo

para acerto diplomático com Inglaterra e Países Baixos.

Região Pagantes (fogos) Valor arrecadado

(réis)

Vila 150 117980

São Pedro 119 92280

Perative 42 90200

Fazenda de São

Pantaleão

29 79700

Engenho da Casa Forte 22 63500

Salinas 67 61120

Beberibe 25 36900

Fazenda de Apipucos 14 33400

Perative de baixo 42 25660

Pau Amarelo e praia 35 23080

Rio Doce 27 22240

Rio Tapado 7 16400

Maranguape 7 11040

Passagem de

Maria

Farinha

6 9040

Santo Amaro 4 1860

TOTAL 596 684400

Fonte: AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 735.

Para esta análise, considera-se que cada nome listado pela câmara de Olinda

representa um fogo. Portanto, na área que compreende o termo propriamente dito da vila, tem-

se uma quantidade de 150 pagantes do donativo, ou fogos (Quadro - 01), uma avaliação não

tão precisa, porém útil, na medida em que não há indícios sobre os parâmetros utilizados para

a determinação dos valores a serem pagos, bem como uma possível divisão das famílias.

Além disso, não se percebeu um padrão do valor designado, apesar de que, em muitos casos,

ofícios idênticos tendem a pagar uma quantia semelhante. O que se percebe sobre isto é a

colocação, por vezes, de membros da mesma família. Supõe-se que, caso o imposto fosse uma

quantia paga por indivíduo, estariam todos os indivíduos adultos discriminados na lista. Uma

outra explicação seria o fato de mesmo sendo parentes, certos indivíduos arrolados seriam

constituintes de um outro círculo familiar.

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As listas deixam transparecer que as zonas mais afastadas do litoral possuíam

indivíduos mais abastados. No termo de Olinda, isso é perceptível na medida em que regiões

como “engenho da casa forte” e “fazenda de Apipucos”, por exemplo, eram relativamente

menos povoadas, ou com menos pagantes, mas que renderiam uma quantia considerável. Nos

limites da vila moravam uma quantidade maior de indivíduos do que nos outros distritos,

mostrando-se a tendência de concentração da população no núcleo urbano. Os pagamentos

neste espaço, entretanto, não alcançaram os 10 mil réis. Um senhor de engenho, próprio das

áreas mais rurais, pagaria, no mínimo, o equivalente a 15 mil réis85. Das atividades praticadas

na vila, os ofícios mais comuns eram ofertados nos seus limites geográficos: pedreiros,

militares de baixa patente e mesmo alguns de patentes mais altas, oleiros, professores de

latim, carpinteiros, ferreiros, ourives, alfaiates, sapateiros, pequenos cultivadores de hortas,

marceneiros, curtidores, pescadores, carreiros e um que trabalhava “na bica”86.

Os pescadores, em especial, além de realizar um importante trabalho de abastecer a vila

de peixes, produziam uma quantia significativa em impostos. Os 57 pontos contados, entre

postos de pescaria, redes e passagens de rios, somavam aos cofres da fazenda real o equivalente

a 552 mil réis, cobrados pelas avenças, um imposto que era recolhido pelo donatário por direito.

Valor este muito próximo ao recolhido para o donativo em questão. Postos e passagens estavam

distribuídos por toda a capitania, desde as fronteiras com a capitania de Itamaracá até o sul.

Para o termo de Olinda, pode-se citar Pau Amarelo, Maria Farinha, Rio Doce e Rio Tapado87.

A vila de Olinda, logo, era um local de exercício de muitas atividades típicas do mundo

urbano, importantes socialmente e economicamente. Mesmo que os senhores de engenho

tenham permanecido reclusos em suas propriedades rurais88, ainda havia uma dinâmica nos

limites da vila, contrariando a ideia de decadência difundida na segunda metade do século XVII.

Dessa forma, percebe-se que este discurso poderia estar restrito à perspectiva das elites da

capitania de Pernambuco e da relação de antiguidade e tradição familiar produzida no período

posterior ao domínio holandês. Segundo Cláudia Fonseca e Renato Venâncio, a “avaliação do

nível de ‘urbanidade’ de prosperidade e de polarização de uma vila, cidade ou povoação”

deveria ter como parâmetros diferentes variáveis: demográficos, econômicos, políticos, sociais

e culturais. Quando

85 AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 735. 86 AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 735. 87 AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 6, Doc. 544. 88 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São

Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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se evoca o tema da “decadência urbana”, geralmente é a questão do número

de habitantes que se destaca. O aspecto demográfico será, pois, enfatizado

neste estudo: sua preponderância na definição atual dos conceitos de “cidade”

e de “urbano” impõe diversas questões e dificuldades aos estudos

retrospectivos. Com efeito, a demografia desempenha um papel importante na

percepção da ‘decadência’ urbana, tanto entre os que viveram no passado

como entre os historiadores que se debruçam sobre essa questão89.

A população das cidades, de uma maneira geral, tendia a ser menos significativa do que

a das áreas mais rurais na América portuguesa. Isto, inclusive, contradiz a percepção obtida a

partir das cobranças dos donativos citados anteriormente. O fenômeno “ruralização da

açucarocracia” explica em partes este ponto90. Os senhores de engenho que lutaram na guerra

contra os holandeses tiveram dificuldades econômicas em manter, simultaneamente, uma

propriedade na qual estava instalada um engenho e casas na área urbana da capitania, como era

Olinda. De fato, nas listas de cobrança consta apenas o nome de um grande proprietário de

terras no entorno da vila. Reforça-se, portanto, o caráter simbólico da recuperação da vila como

local de exercício do poder político das elites da capitania de Pernambuco.

Maria Luíza Marcílio, historiadora e professora da Universidade de São Paulo,

afirmou que a população de Salvador da Bahia, por exemplo, representava apenas 10% do

número total de habitantes de toda a conquista91. Para o caso de Olinda, percebe-se que a

demografia da cidade é composta por famílias mais pobres, enquanto que os mais ricos são

moradores nas regiões mais distantes do litoral. Esse é um detalhe importante para este

trabalho, pois demonstra que a vila poderia ter peso mais simbólico que de residência para

aquelas que frequentavam a câmara, por exemplo.

Gabriel Soares de Souza, em Tratado descritivo do Brasil (1587), afirmava que havia

em Olinda cerca de 700 vizinhos, não incluindo negros e índios. Souza destacava que esse

número era referente aos habitantes do “termo” da vila. Não se sabe até que ponto a vila possuía

a mesma divisão em distritos encontrada na listagem para pagamento do donativo. Havia, pois,

“muito mais no seu termo, por que cada um destes engenhos vive vinte e trinta vizinhos, fora

os que vivem nas roças afastadas deles, que é muita gente”92. No início do século XVII, o

89 FONSECA, Cláudia Damasceno. VENANCIO, Renato Pinto. Vila Rica e a noção de “Grande cidade na

transição do Antigo Regime para a época contemporânea. Juiz de Fora. Locus: revista de história, v. 20, n. 1, p.

157. 90 Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo:

Editora 34, 2007 (1975). 91 MARCÍLIO, Maria L. A população do Brasil Colonial. In: BETHELL, Leslie (org). América Latina Colonial.

São Paulo. Edusp: Distrito Federal. Fundação Alexandre de Gusmão, 1999. Volume II. p. 320. De acordo com a

autora, a população de Salvador compunha-se de 4 mil negros, 6 mil índios e 2 mil colonos brancos. 92 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil Apud. CARRARA, Ângelo. A população

do Brasil, 1579-1700: uma revisão historiográfica. Revista Tempo. v. 20, Rio de Janeiro, 2014.

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sargento-mor Diogo de Campos Moreno, designado para fazer, principalmente, uma

averiguação das fortalezas existentes nas capitanias do “Estado do Brasil”, afirmava que na

capitania de Pernambuco haveria 4 mil “moradores brancos”93. Para o historiador Ângelo

Carrara, este número corresponderia a um crescimento que quadruplicou a população de origem

portuguesa da capitania94. Essa quantia, contudo, deve ser relativizada, na medida em que não

contempla a quantidade de negros e índios, que juntos representavam a maior parcela da

população que vivia na América portuguesa.

Para a segunda metade do século XVII, caso se leve em consideração a contagem de

pagantes colocada acima como “fogos”, contando-se cinco pessoas por fogo, ter-se-ia um algo

próximo de 3 mil pessoas. Esse número, contudo, somente contabiliza o número de habitantes

livres, não havendo nenhuma outra classificação. Por outro lado, a tendência para esse

período, segundo Ângelo Carrara, é de estagnação. As guerras contra os holandeses devem ter

provocado “um despovoamento das capitanias do norte de colonos portugueses que se

dirigiram para a Bahia ou Rio de Janeiro95. Ainda segundo este autor,

um século de guerras (em 1624 a 1625, invasão e ocupação de Salvador pelos

holandeses; de 1653 e 1654, invasão e ocupação holandesa das capitanias do

norte; a partir de 1651, a guerra dos bárbaros; em 1680, a fundação da colônia

do Sacramento), da crise na economia açucareira e, para os fins do Seiscentos,

um surto de cólera atuaram como fatores fortemente limitadores do aumento

demográfico96.

Dessa forma, então, o número de habitantes deve ter permanecido igual, ou mesmo

diminuído para o termo da vila.

Para o caso de Olinda, em específico, tem-se os dados coletados pela Igreja Católica

para o final do século XVII. Essa descrição tinha como objetivo alcançar um maior

conhecimento sobre as regiões dos bispados. Mais especificamente para os anos 1693 e 1701,

assiste-se certa diminuição da população de Olinda frente a de Recife (Quadro- 02). A

amostra coletada por Ângelo Carrara sugere essa inversão de importância, manifestada em

termos demográficos. Em 1693, o Recife já contava com 2 mil fogos, enquanto que Olinda

teria, mesmo contando em conjunto com as freguesias de Maranguape e São Pedro Mártir

(ambas eram distritos no documento sobre donativo descrito acima), 980 fogos em 1701.

93 MORENO, Diogo Campos Moreno. Relação das praças Fortes do Brasil (1609) Apud CARRARA, Ângelo.

op. cit. 94 CARRARA, Angelo. A população do Brasil, 1579-1700: uma revisão historiográfica. Revista Tempo. v. 20,

Rio de Janeiro, 2014, p. 8. 95 Ibid, p. 12. 96 Ibid, p. 12.

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Contando-se somente a vila, 660 fogos para o mesmo ano. Um número muito próximo da

contagem feita por meio dos pagamentos de 596 fogos. Mesmo assim, percebe-se um leve

aumento que se aproxima dos 10%.

QUADRO 02 – Números de fogos de freguesias de Pernambuco (1693-1701).

Freguesia 1693 (fogos) 1701 (fogos)

Olinda - 660

Maranguape 70 100

São Pedro Mártir - 200

Recife 2000 2450

Fonte: Elaborado com base em CARRARA, Ângelo. A população do Brasil, 1579-1700: uma revisão

historiográfica. Tempo. v. 20, Rio de Janeiro, 2014. p. 18.

Assim, mesmo que as intepretações aqui colocadas não sejam conclusivas, buscou-se

trazer um quadro mínimo que pudesse caracterizar a vila de Olinda, seu termo e áreas as quais

estavam sobre sua jurisdição administrativa. Na próxima parte, busca-se compreender como

as elites da vila de Olinda interviam em seu espaço, principalmente, por intermédio da

câmara.

Uma das principais preocupações de um grupo que dominava o acesso aos cargos da

governança nas esferas locais, no período colonial da América portuguesa, era o controle sobre

o seu patrimônio municipal, englobando a defesa contra perdas e ações pelo aumento e

incremento deste. Paralela à defesa deste bem público, havia uma série de interesses pessoais

por parte dos homens integrantes de uma câmara e que acabava por se misturar ao

direcionamento das decisões institucionais. A determinação de impostos, vistorias, concessões

de terra, etc. eram atividades comuns e que poderiam beneficiar, mesmo que indiretamente,

indivíduos que estivessem com o controle dessas competências referentes à câmara.

Com a criação da vila do Recife (1710) e a consequente criação de seu termo, houve a

necessidade por parte da nova câmara em iniciar a construção de seu patrimônio, por meio da

conquista do controle sobre rendas provenientes de impostos, que ainda por volta da década de

1720, pertenciam à câmara de Olinda. George Souza, em sua tese de doutorado, dedicou-se a

analisar a estruturação desse patrimônio recifense, tendo em vista as perdas ocasionadas por

parte da antiga vila duartina. Segundo este autor, “la creación de la nueva villa de Recife

provocó una serie de cuestiones sobre el patrimônio”: primeiro a

separación de tres parroquias rurales del alfoz de Olinda y su incorporación al

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de Recife. Las parroquias eran las de Muribeca, Ipojuca y Cabo. Según las

normas del Antiguo Régimen, sacar territorios y jurisdicción de una villa o

ciudad era considerado una violación de privilegios garantizados por la

corona. Este tipo de acontecimiento solía provocar importantes disputas

judiciales. Los oficiales de la cámara que perdía territorio en el proceso de

creación de una nueva unidad administrativa protestaban incluso por

cuestiones prácticas de repercusión más inmediata. Estas eran: la reducción de

importancia del concelho; el incremento de las tasas pagadas por

encabezamiento, pues cada vecino tenía que soportar un valor más alto a

pagar; la misma situación se daba cuando se producía la convocatoria de

fintas97.

Ressalta-se o controle sobre os chãos de terra localizados na área habitada da vila de

Olinda. Das concessões de que se dispõe para esta análise, poucas apresentam explicitamente

uma ação por parte da câmara de Olinda, o que poderia nos proporcionar bases mais sólidas

para os argumentos colocados nesta parte da dissertação. A amostra de 22 concessões de terra

foi retirada de doações feitas ao Mosteiro de São Bento, no território da vila, e registradas em

seu livro de tombo. O número total de propriedades arroladas, contudo, é maior, devido ao

número de confrontantes citados. Ressalta-se que os Beneditinos era uma de muitas ordens

religiosas instaladas na capitania de Pernambuco, desde o século XVI. Por consequência disto

e da própria localização espacial do convento, as terras em questão abarcam apenas as áreas

próximas à região do Varadouro, às margens do rio Beberibe, até o início da ladeira de

Misericórdia, a parte sul da vila de Olinda98.

Algo que também deve ser destacado é o caráter estratégico que pode ser percebido na

natureza das terras registradas no livro de tombo e que pode revelar algumas zonas de potencial

econômico dentro da própria vila, como pequenas pedreiras, pontos de pescaria e olarias, além

de atividades urbanas como uma alfaiataria. Outras referências espaciais dessa região da vila

citadas nas concessões são: a rua da Alfândega, a rua da Serralheria, a rua de São Sebastião, a

rua da Biquinha, a rua do Cocho (ou de João Afonso), a rua do Bonfim, uma olaria, os “Quatro

Cantos” e a Fonte de Tabatinga, além de marcos religiosos, como a rua do próprio convento

entre outras ordens99.

A ação reguladora por parte da Câmara de Olinda ocorria por meio de vistorias e do

arruamento das casas que seriam construídas, além da própria preocupação com a segurança

dos habitantes. Já por volta de 1664, entre as exigências impostas à concessão de terras, havia

97 SOUZA, George Félix Cabral de. Elite y ejercício de poder en el Brasil Colonial: La Cámara Municpal de

Recife (1710-1722). Salamanca: Tesis Doctoral. Programa de Doctorado Fundamentos de la Investigación

Histórica de la Universidad de Salamanca, 2007, p. 273. Cf. capítulo “La cámara municipal de Recife: aspectos

generales de su fundación, composicón e funcionamento”. 98 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda. Separata do Instituto Arqueológico Histórico

e Geográfico Pernambucano. Nº XLI, 1946/1947. Recife: Imprenssa oficial, 1948. 99 Idem.

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a necessidade de reservar espaço para os exercícios dos soldados. Ressalta-se que o

contingente militar da capitania ainda era numeroso, resultado das ameaças externas e do

anterior período prolongado de guerra contra os holandeses100. O pagamento anual de foro e a

obrigatoriedade da construção de benfeitorias também apareceram como exigências feitas

pela câmara de Olinda. É possível perceber como os oficiais camarários atuavam na vila de

Olinda, apesar do número reduzido de registros nos quais é possível perceber ações da

câmara.

A pedreira localizada na vila de Olinda e confirmada, em 1602, pela câmara de Olinda

passou por uma vistoria 23 anos depois, em 1625. A preocupação dos oficiais da câmara era da

existência de problemas ocasionados da extração de rochas feitas no local. Como resultado, o

dormitório pertencente aos jesuítas estava sofrendo prejuízos em sua estrutura. Argumentava-

se que toda a estrutura poderia ruir em consequência das atividades da pedreira. Os responsáveis

pelo primeiro contato com a área problemática nessa vistoria foram o juiz ordinário da câmara

de Olinda, Baltazar de Oliveira, e o tabelião, Francisco de Amaral, os quais foram recebidos

pelo reitor do colégio jesuíta, o padre Manuel do Couto, e o padre João Gonçalves.

Posteriormente, juntaram-se para a vistoria o procurador da câmara Leandro de Oliveira e os

licenciados Tristão Soares Freire e Domingos da Silveira, além dos pedreiros Domingos

Lourenço, Manuel da Costa e Francisco Ribeiro101.

Diziam os padres que era necessário tomar alguma decisão que mitigasse os danos

havidos, tendo em vista o tanto “que tinha custado a este povo [a construção do colégio], e que

tão nobre edifício era honra desta terra e o antigo mosteiro dela”, para o “que tinham pedido

algumas pessoas nobres e do Governo da terra se achassem presentes para verem as ditas

ruínas”. Por esse discurso dos religiosos e pelas características dos envolvidos na vistoria,

percebe-se toda a capacidade e envolvimento na intervenção nos espaços públicos por parte das

pessoas consideradas nobres, mesmo quando não estavam servindo nos quadros oficiais da

administração régia. A solução encontrada foi a interdição da pedreira, além da necessidade

de entulhar os espaços onde a terra tinha erodido102.

Recentemente, muitos estudos tem voltado sua atenção para as ações cotidianas de

ordenamento do espaço público. Em relação aos períodos de festas públicas, por exemplo,

Diogo Borges Borsoi aponta, para o caso de Mariana, em Minas gerais, a necessidade que

havia de organizar as ruas, retirando empecilhos, pedras, além da limpeza e ornamento do 100 SILVA, Kalina Vanderlei. Francisco de Brito Freire e a reforma militar de Pernambuco no século XVII. In:

POSSAMAI, Paulo. Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil: Estudos de história militar na idade

moderna. São Leopoldo, Oikos, 2012. 101 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda, p. 68-71. 102 Idem.

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“ambiente urbano da festa”103. Um dos funcionários responsáveis pela observação destas e

outras atividades era o almotacé. Nas Ordenações Filipinas, os almotacés são colocados como

os responsáveis pela normatização das construções de edifícios, além de poder embargar

qualquer obra. Segundo Thiago Enes, o papel do almotacé era

assegurar o abastecimento e regular as atividades comerciais de vilas e

cidades, através da inspeção de feiras, vendas e lojas, cobranças dos devidos

impostos, aferição de pesos e medidas e inspeção das condições das

mercadorias levadas a público. Também eram os responsáveis pela limpeza e

ordenamento urbano, além de fiscalizarem as condições das construções e sua

melhor disposição em meio à urbe, submetendo os infratores das disposições

municipais a multas e, em alguns casos, encaminhando-os às casas de Cadeia

e Câmara para que pudessem prestar contas de seu descumprimento. Nota-se,

portanto, que suas funções eram basicamente fiscais, de larga abrangência,

atuando nas três esferas de competência supramencionadas104.

Em 1627, o almotacé de Olinda, Cosme de Castro Passos, foi convocado pelo abade de

São Bento, em nome do mosteiro, a fazer o arruamento de umas casas que seriam erguidas na

rua que seguia até a rua da Serralharia. Os padres requereram ao almotacé que “endireitasse e

arruasse as ditas casas”, além da licença para “abrir alicerces, meter esteios” e, assim realizar a

sua obra. Foram feitas medições com corda e estabelecidas balizas de madeira e, a partir

destas, deveriam ser construídos os alicerces das casas. Na descrição, há a preocupação por

parte do almotacé em seguir o padrão já executado nas outras casas, como “sobradadas de

Francisco Correa” e as térreas de “Francisco Rodrigues alfaiate”105.

Os tipos e qualidades das terras, chãos e aforamentos e casas podem ser percebidos nos

registros de terra do mosteiro de São Bento. As terras que possuem algum tipo de benfeitoria

são adquiridas por meio de compra por parte dos religiosos. Há doações voluntárias em vida ou

feitas por meio de testamento, de chãos de terra, aforamentos e sesmarias, desde casas de

sobrado, até casas pequenas úteis para ampliação de algum edifício da ordem. Algumas

compras foram feitas com dinheiro, mas em algumas situações, caixas de açúcar e escravos

foram utilizados como moeda. Além disso, serviços religiosos eram constantemente requeridos

103 BORSOI, Diogo Borges. O mundo urbano colonial: norma e conflito em Mariana /MG (1740 a 1808). Natal.

Revista Espacialidades. 2011, v. 4, n. 3. p. 7. 104 ENES, Thiago. De como administrar cidades e governar impérios: almotaçaria portuguesa, os mineiros e o

poder (1745-1808). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFF, 2010, p.19. Para entender mais sobre o trabalho

dos almotacés, além deste trabalho, pode-se citar: BARBOSA, Kleyson Bruno Chaves. Perfis camarários de uma

localidade periférica: Os Homens Bons na câmara da cidade do Natal (1720-1759). Anais do III Encontros

coloniais. Natal. 14 a 17 de junho de 2016; FERREIRA, Paulo da Costa. Do ofício de almotacé na cidade de Lisboa

(século XVIII). Lisboa. Cadernos do Arquivo Municipal. 2ª série, n. 1, 2014. REZENDE, Cláudia de Andrade

de. Os almotacés e o exercício da almoçataria na vila de São Paulo. Niterói. Revista Cantareira, ed. 25, jul-dez,

2016. 105 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda,128-129.

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por aqueles que dedicavam parte, ou a totalidade, de seu patrimônio fundiário à Ordem de São

Bento, desde missas até lições de canto e órgão. Fernão Vas Freire, por exemplo, vendeu os

chãos de terra que lhe pertenciam, nos quais havia casas de sobrado, localizados na rua de São

Sebastião por 700 mil réis, divididos desta maneira: 300 mil em dinheiro, 300 mil em açúcar e

100 mil pelo escravo da Guiné Diogo, pescador, e sua mulher Luzia106. Este foi o maior valor

pago de que se tem registro para a venda de chãos de terra na vila de Olinda.

QUADRO 03 – Terras vendidas aos beneditinos

Localização Tipo Tamanho Valor

(réis)

Junto ao varadouro Chão NA 250 mil

Varadouro Chão 11braças (br)-1palmo (p)

8 mil

Rua de S. Sebastião Chão NA 700 mil

NA Chão NA 50 mil

Rua de Manuel

Mendes

Chão 7,5br em quadra NA

Rua do Cocho Chão 10br-2,5p 15 mil

NA Chão NA 30 mil

Rua Direita Chão NA 50 mil

Rua Direita Chão NA 50 mil

Sitio do Beberibe Chão NA 170 mil

Fonte: LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda, p. 27-162.

A nomenclatura utilizada no QUADRO 03, assim como em toda esta parte, é a que

pode ser encontrada nos registros do livro de tombo do mosteiro de São Bento, além das

diferenciações que talvez não façam tanto sentido, como a entre aforamento e chãos de terra.

Em razão da capitania de Pernambuco ter sido donatária e seus respectivos capitães

serem ativos na concessão de terras, há, por vezes, um entrelaçamento de jurisdições e

competências. O que se percebe da documentação analisada é que os capitães donatários e

seus representantes, costumeiramente, faziam concessões de chãos de terra com isenção de

foro, ou de qualquer outra obrigação fiscal. Logo, as designadas “terras” registradas referem-se

às benfeitorias realizadas no terreno doado em nome do donatário ou pela câmara de Olinda.

Este também pode ter sido um fator que proporcionou a dificuldade de os senhores de engenho

106 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda,128-129.

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em reocupar a vila. Afinal, as casas foram sucessivamente sendo vendidas (a preços altos) e

repassadas a instituições religiosas, quando a doação “primária” foi feita a indivíduos cujas

famílias talvez nem estivessem instaladas na capitania após o domínio holandês. Recuperar

toda a história de doações e vendas constituía um desafio para as autoridades locais.

Provavelmente, prevaleceu o impasse em relação ao direito de posse dos terrenos em questão.

Conforme afirmado, a câmara de Olinda pouco aparece nos registros de doações e

vendas de terras do mosteiro. O fato de a maioria ter sido doada pelos donatários e seus

representantes explica em parte esta situação, o que não implica que a câmara não tinha gerência

sobre estas concessões, sobretudo, a partir da segunda metade do século XVII, na forma de

foro. No período da donataria, se a amostra de que se dispõe é minimamente representativa do

todo, havia o costume de conceder chãos de terra com isenção de foro, o que, provavelmente

não se estendia aos aforamentos, dos quais os oficiais da câmara possuíam maior controle.

Somente há duas menções à cobrança anual de foro, de valores completamente distintos107.

Manuel Fernandes, armeiro, aforava chãos de terra na rua da Alfândega, em 1628, que

mediam 8 braças de largura por doze braças e 9 palmos. Para usufruto dessas terras, Manuel

Fernandes tinha que arcar com o foro de 6 mil réis anuais. Além disso, a permanência da

posse estava condicionada à realização de benfeitorias equivalentes a 100 mil réis em até um

ano. Julgando-se pelos valores mais comuns das terras arroladas no QUADRO 03, pode-se

afirmar que era um valor relativamente alto. Aqui, há uma possível contradição com a

afirmação colocada anteriormente de que as pessoas mais abastadas da vila de Olinda não

teriam condições financeiras de se manterem na vila, tendo em vista os altos custos

demonstrados, ao mesmo tempo em que as pessoas mais pobres são a maioria na vila de

Olinda. O que diferencia os tipos de habitação é a qualidade das casas que poderiam atender

às necessidades de senhor de engenho, em contraposição a um pedreiro, ou pescador, na

medida que para aqueles havia toda uma série exigências sociais a serem atendidas de acordo

com o seu status social considerado elevado.

Já para Manuel da Silva Pinto, por uma extensa área de pescaria, foi instituído apenas

o valor de um tostão de foro anual, confirmado pela câmara e pelos governadores Francisco

de Brito Freire (1661-1664) e Jerônimo Mendonça Furtado (1664-1666). Um valor muito

inferior ao estipulado a Manuel Fernandes. Manuel Pinto gozava de uma posição privilegiada

na vila. Foi camarário em 1665 e procurador da viúva do importante João Fernandes Vieira,

dona Maria César, em 1684, o que demonstra não somente as relações que possuía, mas os

107 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda, p. 27-162.

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privilégios que se poderia obter com o exercício dos cargos da câmara, possibilitando contornar

os prováveis altos custos para manutenção de uma propriedade como esta. Tendo em vista os

valores arrecadados das avenças de pescaria, pode-se afirmar que Manuel Pinto tinha certo lucro

com a posse de tais terras. Talvez, essa seja a razão de tanto zelo em pedir repetidas vezes

confirmação delas para várias autoridades108.

Por volta da década de 1670, surgiu uma preocupação com a recuperação do patrimônio

da câmara de Olinda, aquele destinado à municipalidade por Duarte Coelho. Na consulta feita

ao Conselho Ultramarino, de 1677, os oficiais da câmara de Olinda daquele ano solicitaram

confirmação do foral e doação que o donatário fez 140 anos anteriormente. Afirmavam os

oficiais que a perda do patrimônio do senado devia-se ao “dilatado tempo das guerras passadas

e com alguma omissão ou inadvertência dos oficiais que serviram neste senado se destituiu

este conselho de muita parte de seus bens”109. Os problemas provenientes do processo de

tombamento das terras indicado nesse período ainda persistiam no início do século XVIII110.

Soma-se a isso as tensões entre Recife e Olinda, desde a guerra dos mascates e que ainda

estavam presentes no período posterior, pois com a criação da nova vila naquela região, Olinda

perdeu parte de seu termo. Os problemas jurisdicionais decorrentes da separação administrativa

entre Recife e Olinda produziram certa anomalia em termos práticos. Mesmo possuindo

autoridade administrativa sobre o seu termo recém-criado, a câmara de Olinda ainda era a

proprietária de fato. Algo que, no século XVIII, a câmara do Recife buscou reverter111.

A câmara conseguiu a confirmação da doação feita por Duarte Coelho, em 1678. Uma

observação, porém, deve ser feita. A municipalidade somente garantiria as terras que estavam

sob seu poder na data em que foi confirmada112. Alguns casos podem trazer indícios de como

se processou essa apropriação das terras pertencentes à câmara, o que os oficiais, em 1677,

teriam chamado de “omissão” e “inadvertência”. Manuel da Silva Pinto era possuidor de terras

na região do varadouro, prolongando-se pela região da praia até a “guarita de João de

Albuquerque”, área, segundo a Carta Foral, de uso comum da população (Ver MAPA 01). De

todas as suas confrontações, três eram de outros “ocupantes”, Manuel da Rocha Vilaça, Paulo

Coelho Lucas, Francisco Rodrigues, dos quais não se dispõe de nenhuma informação, e os

108 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda. 109 AHU-PE, PA, Cx. 11. D. 1090. 110 SOUZA, George Félix Cabral de. Elite y ejercício de poder en el Brasil Colonial: La Cámara Municpal de

Recife (1710-1722). Salamanca: Tesis Doctoral. Programa de Doctorado Fundamentos de la Investigación

Histórica de la Universidad de Salamanca, 2007. 111 Idem. 112 LISBOA, Breno Almeida Vaz. Uma elite em crise: a açucarocracia de Pernambuco e a Câmara municipal de

Olinda nas primeiras décadas do século XVIII. Dissertação de Metrado (UFPE). Defendida em 2011.

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Carmelitas113.

Manuel da Silva Pinto solicitou, por meio do Conselho Ultramarino, a confirmação de

suas terras em 1663, durante governo de Francisco de Brito Freire. Sua ocupação, segundo suas

justificativas, era anterior e remontava ao período anterior ao fim da guerra contra os

holandeses. Manuel Pinto afirmou que vivia de pescarias e que teria feito benfeitorias na

região por pelo menos oito anos. Francisco Barreto de Meneses, governador de Pernambuco a

partir de 1654, teria ratificado a sua posse, mesmo com ordens régias para que as terras da

capitania de Pernambuco fossem agregadas ao patrimônio régio. Se as aproximações feitas

nesse trabalho estiverem corretas, o MAPA 03, apresenta uma ideia da localização das terras

de Manuel da Silva Pinto e seus confinantes, representados pelas áreas preenchidas em linhas

vermelhas.

MAPA 03 – Doações de terras no termo de Olinda.

Fonte: CIVITAS OLINDA. IN ATLAS DE BARLÉUS – KASPAR VAN BAERLE – p. 70. Livro.

RERVMOCVTENIVM IN BRASILIA ET ALIBI NUPER GESTAVUM... Amstelodami, ex. Typographico – Joannis Blaev,

1647. Elaborado por Aledson M. S. Dantas no programa de SIG (Sistema de Informações Geográficas) Mapinfo 12. AHU-

PE, PA, cx. 8, doc. 796. Obs.: a linha tracejada em cinza seria uma linha de defesa fortificada.

113 AHU-PE, PA, Cx. 8, Doc. 796. O conteúdo dessa sesmaria pode ser acessado on-line no site da Plataforma

Sesmarias do Império Luso-Brasileiro, projeto coordenado pela profa. Dra. Carmen M. Oliveira Alveal, que

também é coordenadora do Laboratório de Experimentação em História Social (LEHS). O número de entrada da

sesmaria em questão é PE 0397.

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Um fato que demonstra não somente a relação que a câmara de Olinda possuía com o

seu patrimônio, mas também do próprio uso da instituição em seu favor, é de que as terras

teriam sido doadas pela própria câmara de Olinda. Além disso, o próprio Manuel da Silva

Pinto foi camarário em 1665, dois anos após a consulta do Conselho Ultramarino, e em 1677,

ano da consulta em que foi pedida a confirmação da Carta Foral. Logo, mesmo que o

resultado desta tenha sido uma perda para o patrimônio institucional da municipalidade, a

doação em questão coadunava-se com os interesses particulares dos próprios camarários. Não

foi, então, necessariamente algo que tenha causado um “prejuízo”.

Aparentemente, a administração do termo da vila de Olinda, assim como das terras que

poderiam ser doadas, os chamados “chãos de terra”, tendia a favorecer os próprios camarários

e seus companheiros mais próximos. Um outro exemplo, não tão “ilegal”, pois não estaria

situado em áreas de uso comum, como os de Manuel da Silva Pinto, é o de Antônio da Silva,

juiz ordinário da câmara de Olinda em 1658114. Antônio era capitão de cavalos e morador no

Recife, no qual possuía quatro casas, as quais haviam pertencido ao seu pai, e pedia que, “pelos

serviços que fez no tempo da guerra dos holandeses”, fossem confirmadas novamente as terras

que os oficiais da câmara lhe haviam passado, em 1654, e sob as mesmas condições, de 400

réis de foro anual115.

Apesar de os interesses entre instituição e indivíduos se misturarem, a câmara de

Olinda necessitava das rendas provenientes desses aforamentos de terra em seu termo. É o que

se pode inferir de uma consulta feita em 1703 ao Conselho Ultramarino. Nela, os oficiais

afirmaram que não havia “clareza” no foral quanto ao seu patrimônio, provavelmente em

razão da diferença de tempo, mas também pela doação em si. O problema que apontavam era

a falta de “rendas” com as quais poderiam suprir as “despesas” e que eram necessárias para os

consertos das “fontes” e “calçadas” e outras obras em Olinda. Segundo afirmavam, seria

necessário tão somente achar os limites do foral e tombar as terras realengas116. Isso demonstra

que a administração do patrimônio concedido por Duarte Coelho não foi efetivada pela

câmara, conflitando, por vezes, com interesses dos próprios indivíduos que geriam a

municipalidade, dos quais buscar-se-á fazer uma análise do seu perfil social, na próxima parte.

114 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos. Recife: FUNDARPE. Diretoria de Assuntos Culturais, 1983,

v. 1, p. 587. Daqui para a Frente, em função da quantidade de repetições, somente mencionaremos volume e

páginas. Dessa forma: COSTA, F. A. Pereira da. v. 1, p. 587. 115 AHU-PE, PA, cx. 8, doc. 727. 116 AHU-PE, PA, cx. 20, doc. 1919.

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1.2. Gente da terra

Ante a urgência de tentar analisar de maneira mais detida cada indivíduo, a solução

encontrada foi a busca em documentos esparsos e, como um quebra-cabeça, montando ano por

ano por meio da coleta em fontes dispersas. O grosso documental utilizado para essa parte é

formado, principalmente, por dois grupos de fontes: uma compilação nominal elaborada pela

historiadora pernambucana Vera Lúcia Costa Acioli, em um dos apêndices do livro Jurisdição

e Conflito, e documentos anexos em consultas do Conselho Ultramarino, da Coleção Resgate.

Informações foram cotejadas para preencher algumas lacunas nos Anais Pernambucanos de

Pereira da Costa., ou mesmo corrigir algumas intepretações equivocadas de assinaturas,

Foi possível cobrir uma quantidade razoável de anos e ainda estabelecer algumas

pequenas séries de 3 em 3 anos. Algumas lacunas temporais permaneceram entre 1654 e 1711.

Entretanto, nenhuma década ficou sem pelo menos o registro de uma inteira composição da

câmara de Olinda. O último ano do qual se dispõe de dados é do de 1702, sendo que não há o

registro das funções exercidas por cada indivíduo em todos os anos e, por vezes, o quadro não

está completamente fechado. Os anos dos quais não se possui nenhuma informação são: 1656,

1659, 1668, 1669, 1674, 1678-1680, 1682-1684, 1689, 1691, 1692, 1695, 1698, 1699, 1701,

1703-1711. Um total de 31 anos, uma quantidade um pouco maior que a metade dos anos

estudados. Destes, percebeu-se um padrão de quatro a seis oficiais por ano, sendo três

vereadores, dois juízes ordinários e um procurador. Outro elemento importante é a figura do

escrivão da câmara. O caminho que alguém passava para assumir tal cargo, entretanto, era

distinto dos camarários, já que passava por uma concessão direta de ofício, em serventia,

temporariamente, ou em propriedade, de maneira perpétua, e não por eleições periódicas. De

todo os anos dos quais se dispõe informações foram coletados um total de 94 nomes e mais 12

nomes, os quais não há uma data certa de sua atuação na câmara, relativos a 27 anos não

consecutivos.

Uma outra dificuldade é de entender qual era a dinâmica de rotação dos nomes, embora

o processo de eleição para as câmaras no Ultramar seja bastante conhecido. Comparando fontes,

percebeu-se a diferença de nomes e uma “inconsistência” na quantidade total de indivíduos que

estavam ocupando o senado em determinados anos. É o caso do ano de 1666. Pereira da Costa

apresenta como integrantes da Câmara de Olinda: Gaspar de Sousa Uchoa, João Gomes de

Melo, Pedro de Miranda, Cristóvão Pais de Mendonça, Domingos Gomes de Brito e João de

Sousa de Lira. Já em duas consultas constantes no Arquivo Histórico Ultramarino117, há os

117 AHU-PE, PA, Cx. 9, Doc. 811-813.

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seguintes nomes: André de Barros Rego, João Ribeiro, Francisco Cavalcante de Vasconcelos e

Domingos Dias Soeiro.

Os primeiros grupos de indivíduos que ocuparam os cargos da câmara, logo após 1654,

foram, em sua maioria, participantes da guerra contra os holandeses. De maneira mais

específica, muitos foram signatários de documentos relacionados ao início da insurreição contra

o domínio dos Países Baixos, em 1645. Essa geração de camarários mostrou-se longeva em sua

permanência no senado de Olinda. Até a década de 1670, é possível verificar nomes que

acumulavam serviços desde o período holandês. Em alguns casos, aproximando-se do século

XVIII, faziam-se presentes algumas famílias na figura de filhos e netos. Seria possível

afirmar, também, e como era comum no contexto estudado, que a hegemonia que se construiu

por parte desse grupo teria, também, criado toda uma teia de relações.

Esta era uma situação esperada nesse tipo de sociedade, na qual as trocas simbólicas e

os laços sociais possuíam grande valor. Paralelamente, a Coroa portuguesa, em seu imperativo

de remunerar os serviços prestados por seus vassalos, teria contribuído para essa hegemonia,

concedendo o domínio da estrutura burocrática e administrativa da capitania, honrarias e

títulos de distinção social como “espolio” da guerra contra os holandeses. Uma situação que

teria gerado uma ideia de exclusividade de acesso aos cargos e mercês por parte daqueles que

participaram da guerra contra os holandeses118.

Uma das principais linhas de ação da Coroa portuguesa no período postbellum foi pôr

em prática uma política de remuneração dos serviços prestados na guerra contra os holandeses,

ainda que já houvesse pessoas solicitando e recebendo mercês e honrarias por seus esforços e

sacrifícios por este conflito. Na análise do historiador Thiago Krause, no livro Em busca da

honra, fruto de sua dissertação de mestrado na UFF, constata-se, empiricamente, que a

“açucarocracia” foi a grande beneficiada proporcionalmente pelas benesses reais. Segundo

afirma, a intenção da Coroa, nessa segunda metade do século XVII era satisfazer os vassalos

promovendo uma distribuição de mercês que fosse equitativa e que preservasse os valores

culturais e sociais das honrarias119.

Para além da concessão de patentes e hábitos de ordem militares, como o de cavaleiro

da Ordem de Cristo, título bastante cobiçado, a “açucarocracia” esforçou-se em estabelecer

um controle sobre a capitania de Pernambuco, inclusive no acesso aos cargos de governador

118 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: sobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715.

São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 119 KRAUSE, Thiago N.. Em busca da honra: a remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das

ordens militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo: Annablume, 2012, p. 252.

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que, conforme desejavam, deveriam ser reservados para aqueles que teriam participado da

guerra120. Um dos sujeitos mais desejosos desse controle foi João Fernandes Vieira, tanto pelo

tamanho do seu patrimônio quanto pela importância política que amealhou com a

“Restauração”121. Uma hegemonia consciente e que buscou se estabelecer, dentro e fora dos

mecanismos institucionais da monarquia.

Antônio Vieira122, por exemplo, foi camarário na década de 1650. Dos dados que se

dispõe, sabe-se que ocupou esse tipo de cargo em 1655, em conjunto com Francisco Gomes

de Abreu, Manuel de Sepúlveda e João Batista Acioli123. Vieira era natural de Catanhede,

Portugal, e serviu na guerra contra os holandeses, requerendo como remuneração pelos seus

serviços o hábito da ordem da Avis124. Anos depois, seu filho, o capitão Nuno Camelo, pedia a

confirmação das tenças efetivas concedidas pelos serviços de seu pai. O ano era o de 1703 e

Nuno Camelo já havia ocupado, também, os cargos da câmara de Olinda pelo menos em 1670

e 1676. Década esta, a de 70, de que se dispõe da série mais completa analisada neste

trabalho. Camelo fez parte da geração de oficiais que teria se dedicado à promoção de Olinda

em cidade, por ocasião da instalação do bispado, em 1676, o que redundou em um esforço

direcionado para a realização de obras e reformas, com foco nas estruturas religiosas. Já a

década da qual menos se possui informação é a de 1700.

De 1650 até 1700 processa-se, para algumas famílias, essa hegemonia no controle dos

cargos camarários da vila, e depois cidade, de Olinda. Acima, destacou-se certa “longevidade”,

o que pode ser interpretada em determinados casos de maneira literal. Cristóvão de Holanda

Cavalcanti aparece como vereador da câmara de Olinda, em 1686, e juiz ordinário, em 1696.

Era senhor de engenho e teria possuído o Engenho da Torre ao fim do domínio holandês, em

1654. Conforme Pereira da Costa, a sua morte teria ocorrido somente em 1715125. Ainda

segundo Costa, Holanda possuía patente de sargento-mor e participou de uma conjuração

contra a autoridade do governador Félix José Machado, em 1712, apenas um ano após os

conflitos da Guerra dos Mascates126.

120 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São

Paulo: Alameda, 2008. 121 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Editora

342007 (1975). MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Vieira: Mestre de campo do terço de

infantaria de Pernambuco. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos portugueses,

2000. 122 Provavelmente, da tradicional família Vieira de Melo. 123 Havia mais um nome. Entretanto, a assinatura não foi totalmente reconhecida. Sabe-se apenas que era alguém

de sobrenome Abreu. 124 AHU-PE, PA, Cx. 7, D. 602. 125 COSTA, F. A. Pereira da. v. 2. 610-611. 126 COSTA, F. A. Pereira da. v. 5, p. 237.

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Um aspecto importante a ser destacado é a sequência de donos do Engenho da Torre,

localizado às margens do rio Capibaribe. Seu primeiro dono foi Marcos André, considerado

patriarca das famílias Borges Uchoa e Barbalho Uchoa. O segundo dono de que se tem registro

foi Antônio Borges Uchoa, camarário em 1671127 e assinante do termo de compromisso com a

insurreição contra os holandeses, em 1645128. O engenho em questão permaneceu nas mãos da

família até ser passado a Cristóvão de Holanda Cavalcanti, por volta da década de 1650,

conforme citado acima. Os Uchoa, contudo, não permaneceram sem a posse de uma fábrica

de açúcar. O Engenho Santo pertenceu a Antônio Borges Uchoa e a seu irmão Álvaro

Barbalho Uchoa entre 1657 e 1705. Engenho este adquirido por meio de uma compra feita à

viúva Ana de Lira Pessoa129.

O caminho para se traçar uma genealogia possui muitas armadilhas. Algo bem

recorrente é a existência de homônimos. Diante dessas dificuldades, optou-se por considerar a

repetição de nomes como a possível presença de um descendente linear da família, quando

não houver informação sobre datas de nascimento e óbito minimamente seguras. Algo que se

pode conjecturar, na falta de fontes que possam demonstrar o nascimento e morte dos

indivíduos analisados, é que boa parte da geração que atuou na guerra contra os holandeses

desde 1645 era relativamente jovem, já que muitos exerceram postos militares, atuaram na

câmara ou algum outro ofício administrativo até 1670, 1680, alguns até mais tarde.

Um outro caso que expressa essa “longevidade” é o de João Soares de Albuquerque,

senhor de engenho na região de Muribeca e que teria alcançado a patente de Mestre de Campo.

João Soares teria servido na guerra contra os holandeses, atuando no terço de Antônio Dias

Cardoso até, pelo menos, 1668. Atuou, também, nos postos de sargento de ordenança da

região do Recife, Santo Amaro e Várzea. Seus serviços, contudo, estenderam-se de 1646 até

1675130, falecendo em 1681131. Um nome que se pode fazer uma ligação, mesmo que possa

ser considerada relativamente fraca, é Antônio Borges Uchoa, que foi ajudante do terço de

João Soares de Albuquerque, em Recife, no ano de 1677132.

Há casos em que a ligação entre indivíduos pode ser percebida de maneira mais clara e

direta. Antônio Alvares Bezerra foi camarário em 1700 e herdeiro das terras do “mosteiro das

127 ACIOLI, Jurisdição e Conflito, p. 164, 176; AHU-PE, Pa, Cx. 10, Doc. 915. 128 COSTA, F. A. Pereira da. v. 3, p. 203-204. 129 COSTA, F. A. Pereira da. v. 2, p. 130, COSTA, F. A. Pereira da. v. 3, p. 203-204, COSTA, F. A. Pereira da.

v. 4, p. 118. 130 COSTA, F. A. Pereira da. v. 3, p. 203. COSTA, F. A. Pereira da. v. 2, p. 604, AHU-PE, PA, Cx. 9, D. 849. 131 AHU-PE, PA, Cx. 12. D. 1192 132 COSTA, F. A. Pereira da. v. 4, p. 118.

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cinco pontas”133. A propriedade que seria herdada por Antônio Alvares Bezerra foi doada aos

padres Beneditinos, lavrada no ano de 1704, da qual o próprio Antônio foi testemunha em

conjunto da sua família, além de Manuel da Silva Araújo e Antônio Costa134.

O pai de Antônio Bezerra era Francisco Alvares Camelo, falecido no momento de

doação, e sua mãe era a viúva dona Maria da Silveira. Camelo era descendente de Melchior

Alves Camelo e de dona Joana Bezerra, apresentados por Pereira da Costa como uma

importante linhagem genealógica135. Gaspar da Costa Casado foi igualmente testemunha de

uma doação anterior à citada acima, feita ao mosteiro de São Bento por Barnabé Lemos. Além

de Gaspar, foram testemunhas: o licenciado José Freire Gomes e Antônio Rodrigues da Silva;

o já citado Francisco Alvares Camelo e uma outra esposa sua, Francisca Berenguer, e o

capitão-mor Antônio Rodrigues Bezerra. Este emaranhado de nomes demonstra a possível

estreita relação que algumas famílias que ocupavam os cargos da câmara de Olinda possuíam

umas com as outras. Ao menos, permite-se afirmar a participação em rituais administrativos

nos quais se exigia certo comprometimento social, como ser testemunha em uma doação feita a

instituições religiosas136.

Até o fim da década de 1670, há quase que um predomínio de indivíduos que

participaram da guerra contra os holandeses. Mudanças mais perceptíveis nos quadros

ocorrem mais para a década de 1680. É expressiva a grande quantidade de indivíduos que

chegou até esta década, tendo assinado, sob a liderança de João Fernandes Vieira, termos de

compromisso de apoio à revolta contra os holandeses que se iniciou em 1645. Estar-se-ia diante

de indícios de falsificações de serviços, ou estes indivíduos teriam atuado tão cedo em suas

idades no conflito em questão137? As duas afirmações são prováveis, entretanto, não há fontes

que possam sustentá-las. Fica apenas a hipótese de que seriam homônimos, problema exposto

anteriormente.

Como não se tem uma série completa dos nomes que compuseram a câmara de Olinda,

é difícil argumentar peremptoriamente sobre uma hegemonização de algumas famílias. Há,

como esperado, a presença de senhores de terra e de engenhos. Pela análise do perfil esboçada

nas informações conectadas pode-se afirmar que se tem um grupo fechado de pessoas e com

trajetórias parecidas, com ligações de parentesco entre si, casamentos e hereditariedade com as

133 COSTA, F. A. Pereira da. v. 5, p. 29. 134 COSTA, F. A. Pereira da. v. 4, p. 118. 135 Idem. 136 Idem. 137Sugere-se a leitura dos “Anexos” para um melhor entendimento desta parte, nos quais se encontra a

configuração da câmara de Olinda nos anos 1654-1658, 1660-1664, 1665-1667, 1670-1673, 1675-1677, 1681,

1685, 1686, 1690, 1700.

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famílias de primeiros povoadores.

Pode-se perceber a repetição de algumas famílias como “Abreu”, “Mesquita” e

“Barbalho Feio”. O mais importante, contudo, é que a verificação da manutenção de uma

mesma ação política relacionada à vila de Olinda com a utilização dos mesmos argumentos, o

que se pode notar desde 1654, com João Fernandes Vieira. De hipótese, lança-se a

possibilidade de este ter constituído um grupo em torno de si, que permaneceu hegemônico

durante as décadas de 1650 e 1660. Isso ganha reforço na expressão “nós”, utilizada pela

câmara de Olinda em 1661, ao se referirem a supostas cartas expedidas ao rei nos anos de

1659 e 1660, como se houvesse uma continuidade na composição da câmara entre esses anos

e 1661138.

Tendo como base a composição dos quadros da câmara, observa-se que há a

permanência de algumas famílias e, até mesmo, uma leve indicação de um revezamento entre

estas. Durante esse período, pode-se afirmar que houve uma hegemonia política desses

indivíduos com certa margem de segurança, uma vez que a câmara era um locus

institucionalizado do poder local privilegiado da chamada “nobreza da terra”. Nas listas,

constam, com frequência, nomes como: Feio, Acioli, Vasconcelos, Lira, Albuquerque,

Cavalcanti, Marinho Falcão, Melo, entre outras. Sobre Brás Barbalho Feio, a historiadora Vera

Lúcia Costa Acioli afirma que este participou da câmara de Olinda, assim como “vários de seus

descendentes”139, algo que pode ser observado em outras famílias nessa amostragem.

A historiadora Vera Lúcia Costa Acioli apresenta um conjunto de nomes de indivíduos

que foram camarários em Olinda, mas que não consta o ano no qual preencheram os cargos da

câmara. Sabe-se, ao menos, que isto teria ocorrido entre a segunda metade do século XVII e

as primeiras décadas do século XVIII. São estes: Antônio Cavalcanti de Albuquerque, que foi

vereador da câmara de Olinda, capitão-mor da região de Muribeca, em 1685, chegando a

possuir três engenhos, o Novo, em Goiana, o Apodi e o Goitá na região de Tracunhaém140.

José de Sá e Albuquerque, que foi juiz ordinário de Olinda “repetidas vezes”, atuou em postos

militares em patentes de mando e, também, possuiu engenhos. Ainda era casado com a sua

sobrinha Catarina de Melo e Albuquerque, filha de Filipe Pais Barreto141. Este, por sua vez,

chegou a atuar como escabino durante o período holandês, em 1640. Da mesma família, pode-

se citar Estevão Pais Barreto e João Pais Barreto. O primeiro foi juiz ordinário de Olinda e

senhor de engenho em Sirinhaém. Já o segundo chegou a ser vereador da câmara citada e

138 AHU-PE, PA, Cx. 7 , D. 632. 139 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 185. 140 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 163. 141 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 165.

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provedor142 da Santa Casa de Misericórdia143. Destes, entretanto, não constam as datas.

Outros nomes citados por Acioli seguem um padrão social semelhante: participaram da

câmara de Olinda, tinham uma relação com as famílias que se estabeleceram no século XVI e,

principalmente, atuaram nas guerras contra os holandeses, ou os seus pais. Além da

correspondência existente em relação ao exercício de cargos militares e postos honoríficos,

como os da Misericórdia, e especialmente a câmara, mais relevante para esta análise: Lourenço

Cavalcanti de Albuquerque, Pedro Cavalcanti de Albuquerque, Antônio Carvalho de Andrade,

Francisco Monteiro Bezerra, João Marinho Falcão e Pedro Marinho Falcão144. Estes dois

últimos nomes corroboram para perceber o quão hegemônicas algumas famílias se mantinham

em cargos da governança, visto que, já havia a presença de pessoas da família Falcão na

câmara de Olinda, desde 1661.

Este seria o perfil social da nobreza da terra. De fato, era um grupo de pessoas restrito e

que tinha suas raízes na luta contra os holandeses. É um perfil conhecido e já bastante

trabalhado, sobretudo, na obra de Evaldo Cabral de Mello. A contribuição deste capítulo está

voltada não somente para o mapeamento ao longo do século XVII das pessoas que

efetivamente participaram da câmara, mas ainda de qual era a relação destes indivíduos com o

território da própria vila. Na luta pela confirmação da concessão feita por Duarte Coelho, por

exemplo, há indícios de que, para além da necessidade de reafirmação, tendo em vista

possíveis perdas territoriais e de impostos havia a intenção de confirmar o próprio patrimônio.

Por meio do exposto neste capítulo, pode-se perceber a atuação da câmara de Olinda em

manter o seu patrimônio na mesma medida em que mantinha os privilégios de seus membros,

beneficiando-os com condições especiais. Um grupo com uma expressiva homogeneidade tanto

social, quanto de experiência, principalmente na guerra contra os holandeses. A natureza

esparsa das fontes analisadas não comprometeu o delineamento de uma pequena parte das

dinâmicas sociais e econômicas que ocorriam na vila: as intervenções da câmara no cotidiano,

assim como sua evolução ao longo do século XVII, em termos físicos e populacionais. Porém,

a despeito da posição de “cabeça” da capitania, as elites de Olinda tiveram dificuldades,

primeiro na recuperação da vila a partir de 1654 e por último na fundação da vila do Recife

em 1710, em se manterem nesta posição hegemônica. As discussões acerca da condição de

“capital” que ocorreram na segunda metade do século XVII serão objeto de estudo que se

segue.

142 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 171,172. 143 Segundo o historiador norte-americano Charles R. Boxer, umas das instituições basilares do império português.

Cf. BOXER, Charles R.. O Império marítimo português (1415-1825). São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 144 ACIOLI, Vera Lucia Costa, op. cit., p. 163, 165, 167, 168, 171, 172, 176, 183, 184.

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Capítulo II – Aos ventos e conventos: hierarquias espaciais em Olinda (1654-1709).

O estudo sobre as elites coloniais e das estratégias que estas se utilizam para adquirir e

manter certo patrimônio tem sido um enfoque de análise bastante presente na historiografia

brasileira, conforme pode ser visto na discussão presente na introdução deste trabalho. Um

poderoso instrumento institucional que estas elites se utilizavam era a câmara. Por meio desta,

estes grupos buscavam garantir direitos e privilégios individuais, como hábitos de ordens

militares, e coletivos, como o título de cidadão de Porto e mais algumas regalias destinadas

aos habitantes de uma determinada região. A situação física de uma vila, arraial ou cidade

contribuía como argumento para o requerimento das prerrogativas citadas logo acima. Nas

consultas feitas ao Conselho Ultramarino, os moradores das elites locais recorriam a esse

expediente oficial para a solicitação de títulos mais honrosos para a sua localidade cujos

argumentos apontavam para a “suntuosidade” de seus templos, quantidade de conventos

religiosos, etc. A presença de tais estruturas representaria tanto a capacidade que os moradores

possuíam de empregar a sua fortuna no embelezamento de onde moram ou exercem suas

atividades políticas, uma demonstração direta de riqueza, quanto o paralelismo entre o status

social que essas elites acreditavam possuir e a qualidade equivalente ao que se esperava.

Analisa-se, neste capítulo, os esforços da câmara de Olinda em buscar reconstruir a

vila, parcialmente destruída e desorganizada em consequência do período de domínio

holandês (1630-1654). O estudo a seguir foca-se, em sua maior parte, nas consultas feitas ao

Conselho Ultramarino, principalmente nas quais há a argumentação em prol da realização de

obras de melhoramento, privilégios, direitos, entre outros tipos de assunto. A análise sobre os

pedidos por obras realizadas no território da vila, por constituírem um dos principais destinos

das rendas disponíveis da câmara, é de grande importância para esse trabalho. A partir destas,

podemos entender os a aplicação de conceitos como o de “cabeça” e centro de uma capitania.

José Antônio Gonsalves de Mello fez, na obra Antônio Fernandes de Matos (1671-

1701), um compilado cronológico das obras públicas que ficaram sobre a gerência deste

indivíduo e, por fim, o seu legado patrimonial. Matos foi considerado, por este autor, como

uma das figuras mais importantes para a emancipação do Recife, pois teria sido “de uma

generosidade invulgar entre os seus contemporâneos e fez do Recife a sua cidade, servindo-a

como poucos o tem feito até hoje”145. Dessa forma, segundo Mello, obras como as realizadas

145 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Antônio Fernandes de Matos (1671-1701). Recife: Ed. Dos amigos da

DPHAN, 1957.

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nas pontes do Recife, capelas, igrejas, conventos (as obras religiosas constituíam um grande

nicho a ser explorado pelos contratadores de obras) e estruturas de defesa, como fortes,

desempenharam um papel em dar contornos que até a primeira década do século XVIII o

Recife não possuía: de uma região oficialmente autônoma, dotada do título de vila, ou cidade.

Em Montebelo, os males e os mascates, Gilberto Osório de Andrade dialoga com

temas da história das doenças e da medicina. Este autor dissertou sobre as dificuldades em

resolver os problemas epidêmicos que assolavam a região portuária da capitania, nas décadas

de 1680 e 1690. Afirmava Andrade que “pelo que dependesse de Olinda, cuja animosidade

era tamanha que até funestas pragas se rogavam dali contra o Recife, a campanha planejada

por Montebelo nunca se teria posto em marcha”146. O autor refere-se ao plano elaborado pelo

Marquês de Montebelo, governador de Pernambuco (1690-1693), para mitigar o dano dos

possíveis vetores das doenças que oprimiam a população local.

A necessidade da realização de determinadas obras nem sempre estava conectada a

este tipo de resolução de um problema, como o apontado acima. Muitas tinham uma função

de trazer “embelezamento”, ou de representar um determinado status, como a existência de

uma Santa Casa de Misericórdia. Nas consultas e petições nas quais há a presença desse tipo

de assunto, ressalta-se a existência de uma retórica acerca da qualidade de centro de uma

determinada vila. Para o caso da vila de Olinda, o apelo para a condição de “cabeça da

capitania” apresenta-se de maneira recorrente durante a segunda metade do século XVII, na

medida em que a reconstrução da vila estava em pauta no período pós holandês, até pelo

menos o início do século. É este apelo que este capítulo pretende analisar.

A intenção inicial de construção deste capítulo era de mapear cronologicamente a

realização de obras na vila de Olinda e confrontar a condição “real” desta localidade com as

manifestações e petições por parte dos camarários da vila e a forma como estes apresentavam-

na ao Conselho Ultramarino e demais autoridades. Posteriormente, essa ideia transformou-se

em algo para além de uma “comparação” entre uma suposta “realidade” e um discurso.

Identificou-se as formas como Olinda, por meio da câmara e de seus habitantes, era

reconhecida enquanto “cabeça” da capitania de Pernambuco e como o próprio Conselho

Ultramarino entendia esta posição.

Os conceitos de tradição e capitalidade serão de grande importância para a análise que

se segue. Definida por Edward Shils147 como uma “presença do passado”, a ideia de tradição é

percebida na própria busca da reconstrução da vila de Olinda, pois tinha como objetivo a volta

146 ANDRADE, Gilberto Osório de. Montebello, os males e os mascates. Recife: UFPE, 1969. 147 SHILS, Edward. Centro e periferia. Lisboa: DIFEL, 1992.

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ao “antigo estado”, ou a uma condição de centro incontestável como detentora de poder e da

dinâmica social da capitania. Já capitalidade refere-se às qualidades que permitem a uma

localidade impor-se como tal. Isto, contudo, não completa todo o sentido deste conceito.

Dessa forma, há que se buscar quais seriam as características que poderiam conferir a uma

localidade o status de capital. Os elementos que compõem a capitalidade de uma região

variam com o tempo e o espaço, possuindo relação com a cultura arquitetônica de cada uma,

tanto em termos políticos, quanto estratégicos e estéticos.

Walter Rossa, em Ensaio sobre a itinerância da capitalidade em Portugal, afirma que

a capitalidade, na Europa, implicava “um programa urbanístico e arquitetônico específico,

cuja tônica era a da monumentalidade e magnificência”148, sobretudo a partir do século XVII.

De acordo com seus argumentos, a capitalidade em Portugal estava ligada à presença do rei e

de sua corte, os quais não tinham uma presença fixa em seu reino. A centralidade em Lisboa,

por exemplo, foi construída por meio do “zelo” e preferências que os monarcas tinham por

essa cidade para a promoção de projetos urbanísticos e arquitetônicos monumentais.

A situação da cidade de Goa, enquanto capital do Estado da Índia, segundo José

Miguel Moura Ferreira, era definida pela dualidade entre distância e centralidade. Enquanto

que se enfatizava a posição subalterna em relação a Lisboa, o papel da cidade como centro

representante do poder do domínio português, principalmente pela presença simultânea do

vice-rei e do arcebispo. O autor afirma que

longe de serem opostas, ambas as linhas de argumentação [A distância e a

centralidade] convergiam frequentemente nas mesmas narrativas,

contribuindo para forjar uma imagem de Goa [...], enaltecendo os

merecimentos dos seus moradores e participando numa arena política

concebida à escala das relações entre as conquistas e o reino149.

A câmara de Salvador, por sua vez, colocava-se como “cabeça” de todo o Estado do

Brasil. Apesar de não ter havido ações afirmativas constantes nesse sentido, esse status era

148 ROSSA, Walter. Ensaio sobre a itinerância da capitalidade em Portugal. In LIBBY, Douglas Cole (Org.).

Cortes, cidades, memórias: trânsitos e transformações na modernidade. Belo Horizonte Centro de Estudos

Mineiros, 2010. Ressalta-se as referências deste autor aos trabalhos do teórico italiano da arquitetura Giulio Carlo

Argan, como História da Arte como História da Cidade, e Lewis Mumford, em A Cidade na História. Estes autores

possuem uma perspectiva de uma Europa das capitais, em contraposição à Europa das Catedrais da época

medieval. A capital seria uma “forma urbna tipicamente barroca e a representação monumental da ideologia do

poder”. 149 FERREIRA, José Miguel Moura. A restauração de 1640 e o Estado da Índia: agentes, espaços e dinâmicas.

Lisboa. Dissertação de Mestrado (UNL – Defendida em set, 2011). SANTOS, Catarina Madeira. Goa é a Chave

de Toda a Índia: Perfil Político da Capital do Estado da Índia, 1505-1570. Lisboa: CNCDP, 1999.

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“invocado principalmente como argumento para justificar a demanda por privilégios”150. Para

o caso do Rio de Janeiro, Maria Fernanda Bicalho afirma que a “construção da capitalidade”

desta cidade como “chave” da América portuguesa ocorreu com base na sua posição como

“centro de articulações de fronteiras, territórios, redes de interesses e negócios do Atlântico

Sul” e seu papel de “defesa do território central e meridional da América”151. Em um contexto

temporal mais distante, a cidade de Buenos Aires ter-se-ia consolidado como capital, em

1880, por “representar o país e funcionar como espaço privilegiado de modificações que eram

almejadas” e pela confluência das funções de porto e de cidade capital “que lhe concedeu

papel de destaque e mesmo de ‘vitrine’ de todo o país’”152.

Muitas características das que foram colocadas acima podem ser percebidas no caso de

Olinda. Havia a pressão para que obras religiosas, como conventos, fossem realizadas em seu

território, representativo do que poderia ser considerado “suntuoso” para a realidade específica

da América portuguesa, ressaltando-se por vezes a qualidade de seus habitantes e a

“capacidade” em receber esse tipo de estrutura; de desejos pela concessão de privilégios,

prerrogativas diferenciadas e títulos; e da noção de que a capitania estava sob seu comando,

também por meio do uso de expressões como “cabeça”, ou “câmara de Pernambuco”. O caso

de Olinda, entretanto, ganha contornos distintos na medida em que ele se refere a um estado

que a vila tinha dificuldades em manter. A experiência holandesa marcou não somente pelo

longo período de conflito, mas também por ter produzido essa “anomalia”. Uma vila que

reclamava para si o status de cabeça, mas que acabou por enfrentar dificuldades em manter na

prática essa posição hierárquica na capitania de Pernambuco. Por exemplo, a preferência de

território de construção, principalmente de ordens religiosas, na segunda metade do século

XVII não foi o da vila de Olinda153.

A ideia de decadência esteve bastante presente na segunda metade do século XVII.

Pode-se, ainda, fazer um paralelo com situação de Vila Rica, em Minas Gerais. Segundo

Cláudia Fonseca e Renato Pinto Venancio, essa percepção não poderia ser admitida para o caso

mineiro em “relação ao conjunto da capitania”, do “declínio urbano das aglomerações nascidas

150 KRAUSE, Thiago Nascimento. A Formação de uma Nobreza Ultramarina: Coroa e elites locais na Bahia

Seiscentista. Rio de Janeiro. Tesde de Doutorado (Defendida em 2015 – UFRJ). 151 BICALHO, Maria Fernanda B.. O Rio de Janeiro no século XVIII: A transferência da capital e a construção do

território centro-sul da América portuguesa. Urbana. v. 1, n. 1. Campinas, 2006. p. 20. 152ALVES, Ana Carolina Oliveira. Política, cidade e urbanismo em Bueno Aires: reflexões teórico-

metodológicas de história urbana. Porto Alegre. IV Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Realizado entre 25 e 29 de julho de 2016. p. 9. 153 Ver a quantidade de empreendimentos contratados por Antônio Fernandes de Matos erguidos na região do

Recife. Cf. Mello, José Antônio Gonsalves de. op. cit..

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da atividade mineira”154. Estes autores ainda afirmam que o

exemplo de Vila Rica é constantemente evocado, sobretudo através de

citações de cronistas e viajantes estrangeiros do século XIX. Esses

testemunhos são, com efeito, repletos de imagens de decadência e abandono:

ao chegarem à célebre Vila Rica, esses viajantes ficavam surpresos de não

encontrarem um “Eldorado”, mas uma “vila pobre”155.

Este foi o tipo de situação que permaneceu como imagem da vila de Olinda no período

estudado. A presença de edifícios religiosos era o elemento mais presente na avaliação sobre a

“capacidade” da vila de Olinda. Por vezes, recorria-se a aspectos demográficos. As descrições

desse tipo, contudo, possuíam um caráter mais qualitativo, ficando em segundo plano o

contingente populacional real da vila. No caso mineiro, a demografia era um argumento mais

presente, para além da lembrança dos tempos considerados áureos da atividade mineradora. Os

autores citados acima, contudo, afirmam que, muito mais que uma decadência, em fins do

século XVIII, ocorreu um aumento da complexidade das atividades econômicas e a ocupação

de novos espaços territoriais em Vila Rica156. Neste capítulo não se busca, todavia, a

“verificação” sobre a validade das afirmações contidas nos testemunhos e relatos analisados ao

longo deste capítulo. Antes, procurou-se a relativização desse conceito, embora certos

aspectos possam ser considerados como próximos de uma possível realidade, tendo em vista

as ações políticas observadas por parte da elite local olindense.

2.1 Uma Olinda por restaurar

Em 1654, retomado o domínio de Portugal na capitania de Pernambuco, as autoridades

locais e de participação influente na guerra destinaram sua atenção para a reconstrução da

capitania, mais especificamente, da vila de Olinda, durante o século XVII e início do século

XVIII. Este objetivo, contudo, não era partilhado por todos os administradores da capitania.

De um lado, estava Francisco Barreto de Meneses, português, capitão general e recém-

empossado governador da capitania de Pernambuco. Do outro, João Fernandes Vieira, mestre

de campo, um dos principais líderes do movimento de insurreição contra a presença

holandesa, em conjunto com uma série de famílias de importância local, descendentes dos

154 FONSECA, Cláudia Damasceno. VENANCIO, Renato Pinto. Vila Rica e a noção de “Grande cidade na

transição do Antigo Regime para a época contemporânea. Juiz de Fora. Locus: revista de história, v. 20, n. 1, p.

153-181, 2014. 155 FONSECA, Cláudia Damasceno. VENANCIO, Renato Pinto. op. cit. p. 155. 156 Idem.

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habitantes da região no período imediatamente anterior, conhecido como antebellum.

A vila de Olinda teria sido incendiada pelos holandeses em 1631 e sua reconstrução teria

sido permitida por um dos mais conhecidos administradores holandeses que habitaram a

capitania de Pernambuco, Maurício de Nassau. A maior parte da população, entretanto, preferiu

instalar-se na região do Recife a reerguer a antiga vila duartina. Dessa forma, após 1654, teria

de se tomar uma decisão entre concentrar esforços para reconstruir Olinda, ou postergar esse

problema, à espera de uma melhora econômica significativa, principalmente na produção do

açúcar157.

A Coroa portuguesa, então, designou Francisco Barreto de Meneses, João Fernandes

Vieira e André Vidal de Negreiros, natural da capitania da Paraíba e, também, um importante

líder militar ligado às elites locais, para os governos de Pernambuco, Paraíba e Maranhão,

respectivamente. Percebe-se, nessa configuração, a referida remuneração aos serviços destes

indivíduos. Além disso, a esse arranjo de governo e pessoas, junta-se a região de Angola e o

Governo Geral da Bahia, cujos cargos e pessoas alternar-se-iam, pelo menos, até 1664,

intercambiando-se entre essas e outras capitanias. Durante o período mencionado, as relações

entre esses indivíduos tiveram papel fundamental nas discussões sobre a reconstrução da vila

de Olinda, que estão intimamente ligadas com o controle dos recursos econômicos da

capitania.

Esse debate teria sido iniciado por João Fernandes Vieira. Em consulta de 17 de outubro

de 1654, o Conselho Ultramarino, órgão responsável por cuidar de assuntos relativos às

conquistas de Portugal, discutiu uma carta enviada por Vieira, na qual rogava pela

necessidade de fortificar a vila de Olinda, “cabeça de todas elas”. Argumentou que era preciso

“considerar a importância” de se reforçar a defesa do território, tendo em vista que “estando

defensável, ficam seguras todas” as capitanias do Norte158 e, “na sua opinião, todo o Estado do

Brasil”159. Vieira continuou afirmando que não se deveria privilegiar a região do Recife, pois,

além de sua defesa estar condicionada à solidez de uma fortificação em Olinda, uma vez que

nele não haveria capacidade de “sitiar quatro conventos de religiosos que há na vila, nem

alfândega, nem a Santa Casa de misericórdia, nem duas matrizes”, perdendo-se “muitos

edifícios [e] igrejas”160.

Chama-se a atenção, para além do aspecto valorativo na relação entre as localidades,

157 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo:

Editora 342007 (1975). Em particular, o capítulo intitulado “A querela dos engenhos”. 158 Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande. 159 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 504. 160 Idem.

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sobre qual espaço seria o “melhor” e para a “capacidade” aludida por João Fernandes Vieira,

ao comparar as duas localidades: as potencialidades de cada uma destas poderiam ter de se

tornar uma vila ou cidade de grande “povoação”. Dos argumentos de João Fernandes Vieira

pode-se inferir a noção que se tinha sobre a organização do espaço no período, a da

hierarquização e classificação das localidades por meio de títulos como os de vila e cidade,

materializada também pelas diferenças entre aspectos físicos e equipamentos urbanos

presentes161.

Inicialmente, as ações de João Fernandes Vieira devem ter sido muito influenciadas pela

posição que alcançou, no contexto das capitanias do Norte. O ocupante do cargo recém-criado

“superintendente das fortificações da capitania de Pernambuco”, além de aumentar a sua

importância política, colocava-se na linha de frente na defesa do território da América

portuguesa. Isso o colocaria também no controle de uma série de tributos que teriam que ser

arrecadados para a construção de estruturas de defesa. Afirmava Vieira que, ao norte, o

“inimigo” teria a sua disposição sete portos. Um deles o da região de Pau Amarelo, a partir do

qual os holandeses iniciaram uma marcha por terra no sentido sul e em direção à vila de

Olinda162.

Descontados os “exageros” na retórica de João Fernandes Vieira, a sua consulta feita ao

conselho ultramarino, em 1654163, constitui um dos primeiros esforços para a retomada da

posição hegemônica de Olinda, na segunda metade do século XVII, para mantê-la como

“cabeça” da capitania. Nesse momento, também, se iniciava a instauração de uma

“espacialização” dos edifícios administrativos e seus respectivos espaços de ereção presentes

em cada uma das localidades, que se estabeleceu com André Vidal de Negreiros, governador da

capitania de Pernambuco, em 1657164. Evaldo Cabral de Mello afirma, que a partir da

administração deste, o governo reinstalou-se em Olinda, e o Recife reteve a função comercial

que pertencera antes à vila no período antebellum165.

Essa perda de instituições e da atuação de autoridades régias acabou por contribuir na

emancipação da região do Recife, a qual gerou grandes conflitos, sendo o mais importante e

conhecido a “Guerra dos Mascates”. Pode-se afirmar que, embora Olinda permanecesse como

centro político, não havia uma concentração necessária das atividades administrativas

tampouco correspondência entre a sua posição política e a expressão desse poder traduzida na

161 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 504. 162 Idem. 163 Idem. 164 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São

Paulo: Companhia das Letras, 1995. 165 Ibid. p. 145.

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cidade. O problema entre Recife e Olinda era, portanto, um problema, também, de

centralização de uma maneira estrita, relacionada com o ambiente de ofícios das diferentes

instâncias: fazenda, guerra, justiça e a própria fiscalização de responsabilidade dos poderes

locais, por intermédio da câmara municipal.

Para Evaldo Cabral de Mello, a questão da centralidade na capitania de Pernambuco

que, na virada do século XVII para o XVIII, se revestiu também de contornos de separação

jurisdicional, estaria imersa no contexto das rivalidades entre “credores urbanos” e “produtores

rurais”, uma relação conflituosa que se teria arrastado por grande parte da segunda metade do

século XVII e que culminou na chamada Guerra dos Mascates. Este conflito entre senhores de

terra e de engenhos e mercadores tendeu, portanto, a “subordinar a si todos os outros

antagonismos da sociedade colonial”166.

Estas questões, apesar de serem consideradas relevantes para o desenrolar dos conflitos

entre nobres e mascates, são apresentadas por este autor como uma “ingênua fachada

municipal”, ou como a “fachada municipalista do conflito”167. Neste estudo, entretanto,

acredita-se que o processo de separação jurisdicional e territorial foi construindo-se de forma

gradual, em um verdadeiro conflito entre espaços pela centralidade, e que não estava

subordinado, embora diretamente relacionado, às disputas econômicas entre mazombos e

reinóis, na capitania de Pernambuco na segunda metade do século XVII. Antes, constituiu-se,

no decorrer desse período, como um dos elementos a serem analisados.

Os planos de Francisco Barreto de Meneses para a capitania mostravam-se diferentes.

A este, que mesmo quando passou a governador geral continuava a opinar sobre o assunto, não

parecia em nada razoável que o Recife fosse abandonado para que a vila de Olinda pudesse

buscar o “seu primeiro estado e os moradores daquela capitania à antiga opulência que

tinham”, uma ideia que era já bem conhecida e discutida também pelo Conselho

Ultramarino168. Após apresentar um plano sobre quais localidades mereciam atenção da Coroa

portuguesa para eventuais novas invasões, Meneses enumerou uma série de contratos que

poderiam ser criados. A intenção era de que não houvesse um acréscimo de impostos sobre

produtos que já eram taxados, mas a incorporação de novos às listas do erário régio. Além disso,

alguns outros contratos seriam direcionados para as obras de fortificação169.

A primeira medida seria reverter os valores dos impostos arrecadados pelo juiz da

166 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São

Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 123. 167 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São

Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 123 e 160. 168 AHU-PE, PA, Cx. 8, Doc. 709. 169 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 534.

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balança e o direito dos pesos para a Fazenda Real; a aplicação do contrato do sal, do qual o

tributo seria de uma pataca170; um contrato para a cal; outro para drogas como o gengibre,

além da aguardente; e que o tabaco fosse vendido somente por quem arrematasse seu

contrato171.

Esses pontos levantados por Francisco Barreto desviam o foco para a questão da

própria gestão dos recursos da capitania. Havia uma hierarquização espacial, uma forma de

classificar as localidades. A questão, talvez crucial, porém, seria a administração desses

impostos, um canal para a instrumentalização dos interesses em jogo e que incluía a

ornamentação e melhoramento dos espaços.

2.2 Reconstruindo a vila.

Nessa parte, serão expostas algumas ações concretas para reerguer a vila, e depois

cidade, de Olinda. Será dada uma atenção maior à reconstrução da igreja matriz da localidade,

tendo em vista o seu significado simbólico, como centro religioso e local de socialização das

elites da vila. Com a análise das obras em si, faz-se importante entender como eram

mobilizados os recursos necessários e a população, de que forma esta se inseria na discussão

sobre o que beneficiaria o bem comum na vila.

Parte das rendas da câmara de Olinda era proveniente da administração de contratos,

como os subsídios do açúcar e dos vinhos. Rendas estas que a câmara possuiu controle até 1727,

quando a Coroa portuguesa lhe retirou a prerrogativa de arrecadar impostos, o que ficou sob

responsabilidade da provedoria172. Isto representou uma diminuição considerável de sua

autonomia173, principalmente no que se refere às obras públicas. Esta autonomia, contudo, não

tinha como resultado a alienação das relações de vassalagem entre rei e súditos. Pelo

contrário, a presença de estruturas físicas em uma região provocava a sensação de território e,

portanto, fazia-se presente o domínio da monarquia. Segundo Fernanda Bicalho,

a geografia do espaço urbano e colonial do Rio de Janeiro – assim como das

demais cidades marítimas ultramarinas – traduzia, em sua configuração, o

primado da cruz e da espada, da Fé e do Império. Ornada por mosteiros, igrejas

170 Infelizmente, Francisco Barreto não menciona o quanto de sal seria taxado por esse preço. 171 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 534. 172 SOUZA, George Félix Cabral de. Elite y ejercício de poder en el Brasil Colonial: La Cámara Municpal de

Recife (1710-1722). Salamanca: Tesis Doctoral. Programa de Doctorado Fundamentos de la Investigación

Histórica de la Universidad de Salamanca, 2007. 173 Bicalho, Maria Fernanda B. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização

brasileira, 2003, p. 314.

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e fortalezas situadas nos montes que circundavam o território urbano, sua

praça principal dividia-se entre a placidez de conventos, altares, e coro das

igrejas e capelas, e o exercício frenético das mostras e rondas militar. Ao seu

redor aliavam-se, imponentes, os edifícios da Coroa, símbolos arquitetônicos

da presença régia e do poder metropolitano na colônia174.

E, para além dessa relação de negociação e obediência à Coroa, em nível local essas estruturas

eram condizentes com o estado de riqueza e qualidade de suas elites. Em Olinda, essa

equiparação era algo a ser reconquistado.

Muitos governadores demonstraram atenção para a recuperação da vila de Olinda. Dois

deles, Francisco de Brito Freire (1661-1664) e Jerônimo de Mendonça Furtado (1664-1666),

demonstraram especial interesse na matriz de Olinda, mas também para os acessos a outras

regiões da capitania, como a reconstrução de pontes da região do Recife e Afogados175.

Mendonça Furtado, antes dos conflitos que passou a ter com a câmara de Olinda176,

demonstrava interesse na reconstrução da vila. O governador falava sobre o assunto, no intuito

de que esta pudesse “tornar-se aquele estado em que se achava”, anterior ao domínio

holandês, trabalhando para levantar novamente o pelourinho e no “aumento do ornato da

vila”177.

Por falta de recursos na capitania, ainda mais afetada por uma pesada carga fiscal

destinada para outros meios (“Paz de Holanda”, por exemplo), alguns governadores chegaram

a dispender de seus próprios recursos para contribuir para a reconstrução da vila de Olinda. O

rei, em 1656, atendendo às súplicas dos moradores da capitania para se recuperar a matriz de

Olinda178, resolveu ordenar a sua reconstrução. As obras, contudo, somente foram iniciadas em

1662, para as quais Francisco de Brito Freire, governador, contribuiu de sua própria fazenda e

com a ajuda voluntária de muitos moradores que faziam doações avulsas. A obra seguiu até

abril de 1665, quando o recolhimento de impostos para o dote de Inglaterra e para a Paz de

Holanda, segundo a câmara de Olinda, teriam dificultado a captação de uma quantidade maior

de cabedal, relegando a obra ao “esquecimento”179.

174 Bicalho, Maria Fernanda B. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização

brasileira, 2003, p. 236. 175 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 140v. AUC, CA, Disposições dos

governadores de Pernambuco, tomo 2. 176 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São

Paulo: Companhia das Letras, 1995. 177 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 122v. 178 A matriz de Olinda teria sido fundada em 1540, passando por uma série de melhoramentos, que adicionaram

estruturas ao prédio inicial, por volta de 1584, 1591, 1599, 1612-1614 e 1621, quando o engenheiro Cristóvão

Alvares teria participado da construção da torre. Para uma análise com uma ênfase voltada para a arquitetura, mas

com a devida historicização, ver MENEZES, José Luiz Mota. Sé de Olinda. Recife: FUNDARPE, 1985. 179 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 122v.

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O governador seguinte, Jerônimo de Mendonça Furtado, afirmou que os moradores,

“desejosos de seu seguimento e com grandes requerimentos instaram desta câmara que se lhes

restituísse a imposição antiga de mais dois mil réis em cada pipa de vinhos aplicadas para as

obras desta Igreja e para as mais deste conselho”180. Sabendo desta situação, e da aprovação

régia para o destino da quantia, o Conselho Ultramarino recomendou que o governador e a

câmara de Olinda apresentassem as contas do que estava sendo gasto nessas atividades. O

imposto que foi utilizado pela câmara foi o das imposições dos vinhos. Outras contribuições,

contudo, foram propostas anteriormente pelo governador Brito Freire, como a imposição

sobre aguardente. Esta, porém, foi preterida, pois conflitava com o comércio do vinho181.

Outros governadores atuaram na captação de recursos, ou mesmo na isenção de tributos,

para que fossem direcionados às obras públicas. Bernardo de Miranda Henriques, governador

entre 1667 e 1670, teria pedido o direcionamento de algum imposto para ser utilizado na

recuperação da vila de Olinda. Pediu também a isenção de qualquer finta, um imposto de caráter

extraordinário, por 10 anos para que houvesse dinheiro suficiente para as festas religiosas182. Já

o governador Fernão de Souza Coutinho, em 1671, afirmou que se deveria reconstruir a vila e

obrigar os moradores, “senhores de engenho e mais pessoas poderosas” que se tivessem chãos

na vila a ocupá-los, além de levantar as casas que ainda estavam “caídas”183.

Souza Coutinho, em 1671, afirmou que as obras da matriz teriam parado novamente por

falta de recursos. Aparentemente, os 2 mil cruzados não foram suficientes para cobrir todos os

reparos que a igreja necessitava para estar plena. O primeiro ano no qual conseguiram reservar

o dinheiro da imposição dos vinhos foi 1669. Neste ano, ainda excederam a quantia em 1 mil

e 100 cruzados, somando 3 mil e 100 cruzados gastos nas obras da igreja.

Em 1670, a situação piorou e a câmara não conseguiu aplicar mais que 246 mil réis na

continuidade das obras, algo em torno de 615 cruzados. No ano seguinte, a razão apresentada

para a interrupção da reconstrução da matriz foi a falta de recursos, provavelmente porque não

havia vinho sendo comercializado na capitania e que geraria os impostos necessários para as

obras. Infelizmente, não foi possível saber se houve algum tipo de desvio da aplicação destes

recursos, mas, levando-se em consideração a diferença entre valores arrecadados e aplicados,

os indícios são fortes184. Parte do dinheiro simplesmente “desapareceu”. Há, ainda,

180 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 2, fl. 5v, fl. 35v; AUC, CA,

Disposições dos governadores de Pernambuco, fl. 82. AHU-PE, PA, Cx. 8, Doc. 764. AHU-PE, Cx. 8, Doc. 790. 181 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 2, fl. 5v. 182 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 2, fl. 58. 183 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 251v. 184 AHU-PE, PA, Cx. 10, Doc. 933 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl.

69.

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divergência nestes valores. Luiz Menezes apresenta outros números para os gastos com as

obras da matriz de Olinda. Segundo este autor, a câmara de Olinda teria pago, em 1669 e em

1670, 4 mil cruzados ao mestre pedreiro Tomás Fernandes “para a conclusão de toda a obra

do seu ofício e para fazer a torre”185. Algo que seria repetido em 1674186.

A esta altura dos acontecimentos, a igreja já estava utilizável, mas ainda seriam

necessários 10 mil cruzados. O governador resolveu, então, interceder “pelos senhores de

engenho, fintando-se ele governador primeiro para que se pudesse tirar uma esmola larga com

que se continuasse” a obra, alcançando, ao menos, os 2 mil cruzados estipulados pelo rei. O

governador resolveu consignar o valor nas rendas da câmara. Isso foi motivo de crítica por

parte do Conselho Ultramarino, que declarou que Fernão de Souza Coutinho não tinha amparo

regimental para fazer esse tipo de vinculação de renda187. Nessa mesma época, a câmara de

Olinda teria lançado uma finta, um tipo de imposto colocado de forma extraordinária, para

reconstruir as pontes da capitania, pois algumas pessoas “poderosas” recusavam-se a fazer

contribuições voluntárias188.

Em 1670, o governador da capitania de Pernambuco Aires de Souza e Castro (1678-

1682) relata a posição adotada pela câmara de Olinda em dificultar a fundação de novos

conventos, pois já haveria muitos na cidade189. Fontes trazem indícios de que havia uma

movimentação das ordens religiosas para a região do Recife. Em finais da década de 1680, os

carmelitas, por exemplo, reclamavam da distância entre Olinda e Recife. Os religiosos

afirmavam que os governadores anteriores lhes concediam uma casa para estadia dos

religiosos, quando tinham que embarcar para a Bahia e Rio de Janeiro. O governador João da

Cunha Souto Maior determinou que poderiam ter um hospício na povoação de Santo Antônio,

“como se havia concedido a outras religiões”190.

Essa situação dos religiosos antecipa uma discussão feita no momento da criação da vila

do Recife em inícios do século XVIII: a da distância entre Recife e Olinda. Em determinados

contextos. Percebe-se que as ordens religiosas, indiretamente, pediam a construção de novas

unidades de suas instituições, utilizando argumentos que sugerem uma distância a ser

considerada entre as duas localidades. Em 1709, por outro lado, argumentava-se que, pela

proximidade dos núcleos populacionais, não se poderia erigir uma nova vila. As noções de

distância, portanto, alternam-se de acordo com os interesses colocados e as petições feitas à

185 MENEZES, José Luiz Mota. Sé de Olinda. Recife: FUNDARPE, 1985. 186 MENEZES, José Luiz Mota. op. cit.. 187 AHU-PE, PA, Cx. 10, Doc. 933. 188 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 2, fl. 287. 189 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 101v-102. 190 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 110v.

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Coroa e seus representantes na Colônia.

Para citar mais algumas situações que sugerem uma posição já conflituosa por parte da

câmara de Olinda, pode-se mencionar do caso das pontes. Outrora disposta a recolher recursos

para a reconstrução destas, conforme referido acima, em 1688, a câmara de Olinda tinha

intenção de desmanchar a ponte do varadouro do Recife. O governador João da Cunha Souto

Maior determinou que, caso os camarários quisessem levar a frente o seu intento, deveriam

fazer sem custo à Fazenda Real191.

Uma outra situação na qual se percebe a atuação da câmara em buscar trazer

elementos urbanos para a sua circunscrição territorial é a proposta de construção de um porto

em Olinda, cuja obra foi colocada em pauta em 1689 e em 1701. Diziam que, “para o

aumento da cidade”, era bom que as frotas desembarcassem em Olinda, o que foi considerado

impraticável. O rei teria afirmado que seria mais seguro construir um molhe192 no Recife, pois

somente nele é que esta obra seria viável193.

Para trazer mais clareza a este assunto, um episódio envolvendo o hospital da Santa

Casa de Misericórdia de Olinda é representativo. O governador da capitania de Pernambuco,

em 1703, determinava que os soldados do Recife não se curassem no hospital de Olinda e sim

no do Recife. “por não se achar nos irmãos da misericórdia aquela piedade de que necessitam

os enfermos”. Porém, que não se deveria mudar o hospital para o Recife, pois a cidade de

Olinda ficaria “despovoada”, diminuindo ainda mais a circulação de pessoas na vila.

Completou o governador, afirmando que estava “resoluto” que se sustentasse Olinda194.

O que se observa nestas ações e ordens é que, aparentemente, Olinda foi perdendo aos

poucos a centralidade que possuía no período antebellum e que sustentou na segunda metade

do século XVII. Já na década de 1650, algo que se manteve era o abandono da povoação do

Recife em prol da reconstrução de Olinda, algo que foi prontamente combatido e rechaçado

pelo governador da capitania na época, Francisco Barreto de Meneses. Não se pode afirmar

que, de fato, não havia uma dinâmica social intensa na vila de Olinda, muitas construções, ou

uma estrutura urbana condizente com uma localidade que ostentava o título de cidade, desde

1676.

Não se tem, infelizmente, muitos elementos suficientes para uma análise do processo de

concessão do título de cidade para Olinda. Sabe-se, contudo, que esta era uma pretensão da

191 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 449v. 192 Uma estrutura costeira que tinha como função manter uma barra navegável e cepaz de permitir o acostamento

de navios para carga e descarga. 193 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 168, 168v, 297v, 343, 343v. 194 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 168, 168v, 297v, 343, 343v.

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câmara de Olinda, ao menos já na década de 1670. Em uma consulta feita ao Conselho

Ultramarino, a câmara de Olinda solicitava os privilégios de cidadão do Porto, por

remuneração dos serviços prestados na guerra contra os holandeses, “sendo muitos ainda

próprios que pelejaram” e seus filhos, “herdeiros de seus merecimentos que chegando aos

lugares da governança ficam capazes dos ditos privilégios por serem todos aprovados na

qualidade”. Por fim, a câmara de Olinda complementava afirmando que

por os privilégios de cidadãos serem concernentes a cidade suplicavam a V.

A. fizessem mercê a dita vila do título de cidade atendendo ser cabeça de toda

a capitania que consta de oitenta léguas de distância que contém outras

capitanias e vilas notáveis e doze povoações, que merecem ser vilas e umas e

outras moradores fidalgos e ricos e quando recuperaram tudo para Vossa

Alteza e estão em sua Real proteção merecem todo o aumento que esperam

para sua conservação195.

Dessa forma, percebe-se que os oficiais da câmara de Olinda viam-se como residentes

em uma localidade que já merecia um título mais elevado, pelo menos desde 1654, como

merecimento pelas suas ações na retomada do território da capitania de Pernambuco.

Cristalizou-se, em contradição, a imagem de uma Olinda decadente e que necessitou de

intervenção régia para se manter como “cabeça” da capitania.

Para ilustrar essa situação, e já fazer uma relação com o próximo capítulo, anotações

encontradas ao lado da consulta feita ao Conselho Ultramarino, na qual há a petição da

realização de uma apresentação da situação da cidade de Olinda, demonstram bem essa inversão

de situações da vila, ou cidade de Olinda. Afirmava que, “conforme o direito os magistrados

devem assistir aos povos principais”, no caso em Olinda, “porém esta disposição pode dispensar

Sua majestade se assim o pedir a utilidade”. Ao conselheiro, pareciam “justificadas e

concludentes” as razões apresentadas por Castro Caldas

para se mudar a assistência dos magistrados para o Recife e somente se me oferece uma dúvida, [...] se com esta mudança se há de extinguir totalmente a cidade de Olinda por que se ela com a assistência deles se vai diminuindo tanto [...] a necessidade se acabará de todo sem eles196.

A questão da assistência do governador teve, também, grande repercussão na definição da

centralidade em Olinda. Por isso, entende-se a atuação de autoridades régias e ofícios

essenciais do ponto de vista administrativo, como os ouvidores e governadores. Esta pauta foi

195 AHU-PE, PA, Cx, 10, Doc. 1010. 196 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115.

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relevante e discutida durante a segunda metade do século XVII e será objeto de análise no

próximo capítulo.

Para o Conselho Ultramarino, o sentido de “antigo estado” estava diretamente ligado à

condição fiscal da capitania. Diante de reclamações das autoridades locais e instituições

religiosas para que fossem aliviadas das contribuições para o sustento dos soldados, o Conselho

ordenou que fossem mantidas as tropas e pediu “paciência” por parte dos súditos, pois uma

nova invasão mostrava-se iminente. Sugeria o Conselho que o rei deveria enviar novas ordens

para Francisco Barreto de Meneses com as “razões referidas” e que não se poderia “reduzir

tudo ao estado antigo”. Recomendava moderação para as contribuições, “representado aos

moradores a muita necessidade que há de guarnecer as praças e ter com que se opor a um

acometimento repentino do inimigo sem as deixar faltar”197.

Francisco Barreto de Meneses era um agente importante da Coroa portuguesa para o

controle das rendas da capitania e para a canalização dos impostos anteriormente

administrados pelo donatário. Um exemplo disso é o, já referido, imposto sobre passagens de

rios, postos de pescaria e pontos de redes, chamado de avenças. Interessante notar que, feito o

levantamento sobre as regiões pesqueiras e passagens, constatou-se que a câmara de Olinda os

estava administrando, concedendo datas de sesmaria, e não os procuradores do donatário.

Provavelmente, pode ter sido um direito que este tinha posteriormente transferido às

autoridades municipais198. Após essas ações ordenadas pela Coroa, em 1656, as câmaras de

Olinda e de Itamaracá solicitaram a isenção de pagamentos de “pensões, contribuições e

avenças cobradas pelo provedor da Fazenda Real dos sítios, redes, pescarias e passagens de

rios”199.

Em uma consulta, de 1655, feita por Francisco Barreto de Meneses, encontram-se

pistas sobre alguns rendimentos, os quais ele buscava reunir sobre a tutela da Fazenda Real

quando era governador da capitania. Somente a imposição dos vinhos, uma taxa extra utilizada

no sustento dos soldados, renderia 50 mil cruzados anuais, caso fossem enviadas 1000 pipas

de vinho para a comercialização na capitania. Esta era uma quantidade de recursos que era

drenada pelo governador e que dificultava a acumulação de rendas por parte das autoridades

locais. Segundo Meneses, metade desta quantia não teria sido suficiente para prover nem a

farinha destinada para a ração diária dos soldados200.

Havia, também, a busca por cerceamento dos poderes que o donatário possuía, para o

197 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 545. 198 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 544. 199 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 566. 200 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 545.

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qual Francisco Barreto de Meneses foi um agente importante. A preocupação com a

manutenção do território pode ter resultado na prisão de Cristóvão Alvares, por exemplo,

homem de confiança de João Fernandes Vieira e um dos proponentes da criação de estruturas

de defesa em Olinda, e na invalidação de muitas provisões de ofício feitas pelos donatários,

cujos beneficiários podem ter sido muitos senhores proeminentes da capitania. Um exemplo

dessa situação foi Gaspar Amorim, natural de Viana, e que teria chegado na capitania por

volta do início do século XVII, pois afirmava que seus serviços datavam de períodos anteriores

aos holandeses. Gaspar de Amorim argumentava servir como proprietário do ofício de

“escrivão da almoçataria e selador das pipas de vinho”. Amorim relatou que Meneses o havia

destituído do ofício em 1647201. Um ofício que, certamente, era estratégico para Francisco

Barreto de Meneses; primeiramente, para o sustento da guerra e, posteriormente, para o

controle das rendas da capitania de Pernambuco.

Isso, porém, pode ser considerado como um “discurso de ruína”. Percebe-se a

conveniência dessas ações, no momento em que se buscava reduzir o alcance dos poderes

locais sobre as rendas da capitania. Muitos dos súditos importantes e que se mostravam leais

ao trono português tiveram comportamento dúbio, e até realizaram negócios com os

holandeses, como João Fernandes Vieira, um dos líderes da guerra contra os holandeses e

senhor de extenso cabedal. Apesar de clamar pela necessidade de se fortificar, algo que

beneficiaria ao bem comum, é preciso notar que João Fernandes Vieira possuía terras na vila

de Olinda desde o período ante bellum202. De outro modo, mesmo que a tentativa do Conde

Maurício de Nassau, em 1646, de reconstruir a vila não tenha alcançado tanto êxito, pelo Mapa-

02 pode-se observar algumas estruturas que mostram uma linha de fortificação já existente

desde 1647, data da confecção do mapa de Barléus, base do feito para o capítulo anterior

(especialmente, as partes traçadas em vermelho).

Isso evidenciaria que, mesmo afirmando a necessidade dessa correlação entre a

importância social desses indivíduos e a localidade a qual estavam vinculados, fatores

econômicos e políticos são tão impactantes quanto esta questão cultural, criando uma

sobreposição de interesses que não podem ser tratados exclusivamente. Segundo afirma

Evaldo Cabral de Mello, em Olinda Restaurada, João Fernandes Vieira era possuidor de um

201 AHU-PE, PA, Cx. 7, Doc. 570. 202 MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Vieira: Mestre de campo do terço de infantaria de

Pernambuco. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos portugueses, 2000. MELLO,

José Antônio Gonsalves de. Cristóvão Alvares: engenheiro de Pernambuco (1608-1663). Revista do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional, v. 15, 1961.

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grande cabedal, no qual havia casas no termo da vila203.

Era preciso reaver terrenos e casas que haviam sido ocupadas durante o período

holandês. Logo, afirma-se um aspecto cultural importante na intervenção sobre as vilas e

cidades, no período colonial, no componente valorativo que a “capacidade” e a “opulência”

destas adicionam aos discursos, notadamente políticos, e que tem grande influência no destino

de recursos econômicos. Estes elementos foram de grande importância tanto para servir como

materialização de um status alcançado quanto para reforço na argumentação necessária. A

discussão sobre a capacidade da vila, e depois cidade de Olinda sediar a capitania de

Pernambuco somente voltou a ser debatida na iminência da criação de uma vila na área do

Recife, no governo de Sebastião de Castro Caldas.

Em 1709, o governador da capitania de Pernambuco, relatava ao rei português sobre o

que julgava ser a situação enfrentada por Olinda, em um contexto conturbado de criação da

nova vila no Recife e a consequente diminuição da área de jurisdição da vila de Olinda. Ainda

que este seja suspeito em seu discurso, em razão dos embates que teve com as elites locais, a sua fala

é importante para a análise que se segue. Para facilitar a fluidez do texto, far-se-á referência

desse relato como “Breve descrição da cidade de Olinda, e sua situação”, conforme expressão

utilizada no documento204.

A consulta originou-se de cartas enviadas por diferentes funcionários régios, ainda no

início do século XVIII. O ouvidor da capitania, Inácio de Morais Sarmento, e o juiz de fora,

João Guedes de Sá, teriam feito uma representação ao rei, na qual reclamavam dos

inconvenientes da obrigatoriedade da presença deles na, então, cidade de Olinda. Os oficiais

afirmaram que sua presença se fazia necessária, de fato, no Recife, onde haveria uma

quantidade maior de ocorrências, uma dinâmica populacional e social mais intensa, por assim

dizer, o que resultava, consequentemente, em uma quantidade maior de emolumentos e

propinas. A resposta régia consistiu em solicitar um parecer, em agosto de 1706, para que

pudesse tomar uma posição e, assim, arbitrar sobre essa questão. É nesse contexto que Sebastião

de Castro Caldas teria produzido a “Breve descrição...”205.

O governador Sebastião de Castro Caldas afirmava que, após a retomada do domínio

português sobre o território da capitania de Pernambuco, seguiu-se à “primeira ruína” de

Olinda. O governador afirmava que essa ruína, ironicamente, foi resultado da própria atuação

203 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Editora 34, 2007 (1975), p. 327. 204 AHU-PE, PA, Cx. 23, D. 2115. Sebastião de Castro e Caldas começa o seu relato assim: “Para poder informar

a Vossa Majestade com mais clareza sobre o conteúdo na ordem copiada a margem desta me é necessário fazer

primeiro uma breve descrição da Cidade de Olinda, e sua situação”. 205 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115.

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dos “empenhados” na reconstrução de Olinda. Segundo suas palavras, “restaurada que foi” essa

localidade, não somente “deixaram os moradores de reedificar as suas casas”, por carência de

recursos e por estarem habituados a viverem nas fazendas e engenhos, mas “impossibilitaram

a seus sucessores para o não poderem fazer em nenhum tempo”206.

Muito provavelmente, o relato do governador Castro Caldas atende a determinados

interesses que coadunavam com a iniciativa de criação de uma nova vila no Recife, mas

também remetiam a uma ideia sobre as dificuldades enfrentadas pelos moradores da capitania

de Pernambuco em reconstituir Olinda como centro político da região. Aparentemente,

cristalizou-se uma imagem de uma ruína deixada pela presença holandesa e que esta não teria

sido superada pelos participantes da guerra e mesmo pelos seus descendentes. A chamada

“falta de recursos” e a própria ausência desses senhores de terra aludidos pelo governador

Castro Caldas, entretanto, podem ser consideradas como situações verossímeis, na medida em

que existem estudos que mostram uma diminuição da participação dos senhores de engenho

no controle econômico da capitania, sobretudo nos contratos de dízimos e outros impostos207.

Por parte da Coroa portuguesa, o interesse em fundar uma nova vila mostrou-se

vacilante no decorrer da segunda metade do século XVII. Ainda em 1700, uma ordem régia

direcionada ao então governador da capitania de Pernambuco, Francisco Martins Mascarenhas

de Lencastro, determinava que “de nenhuma maneira” devia-se pôr em prática o “arbítrio” da

“divisão do Recife da cidade Olinda, pois por repetidas [vezes] tenho recomendado e ordenado

a sua conservação” para que a “assistência dos governadores e ministros seja em Olinda”208.

A ordem régia possuía um tom decisivo e mostrava a posição favorável do rei D. Pedro

II em manter a cidade de Olinda como centro da capitania de Pernambuco. Mudando-se de

reinado, no governo de D. João V, a situação se inverteu. Evaldo Cabral de Mello afirma que,

por pressão do “comércio recifense”, a Coroa portuguesa retirou as restrições de acesso às

“funções municipais” que existiam para aqueles que trabalhavam como negociantes209. Ainda

segundo este autor, as concessões estenderam-se até a iniciativa de fundação de uma vila no

Recife, para a qual Sebastião de Castro Caldas, em 1709, teria ficado responsável210.

Nesse ano, uma ordem régia determinava a criação da vila no Recife. Nela, o monarca

português afirmava que se deveriam evitar as “desuniões” que havia entre os moradores da

206 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115. 207 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São

Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 123. 208 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo I, fl. 282v. 28/01/1700. Sem título. 209 Cf. Mello, E. C. de. O nome e o sangue: uma parábola genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo:

Companhia das Letras, 2009, p. 40. 210 Cf. Mello, E. C. de. O nome e o sangue: uma parábola genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo:

Companhia das Letras, 2009, p. 41.

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cidade de Olinda com os do Recife. O rei ainda ordenava ao ouvidor geral que determinasse o

termo da nova vila211. O desenrolar dessa ação real, conforme se sabe, não foi a ausência de

conflitos, já que resultou na chamada “Guerra dos Mascates”, em 1711, entre Recife e Olinda.

As questões referentes à definição do termo da nova vila, assim como o que foi perdido pela

cidade de Olinda serão analisadas ainda nesse capítulo. Faz-se necessário, entretanto, realizar

uma pausa nessa parte, pois é importante entender o processo em que se desenrolou e

culminou na criação da vila do Recife.

Pelo relato de Sebastião de Castro Caldas em Breve descrição... pode-se perceber,

além da existência de um conhecimento sobre a trajetória enfrentada pelas duas localidades ou,

pelo menos, uma versão sobre o que teria ocorrido, uma noção de que houve uma tentativa de

“reedificação” da vila de Olinda. Dizia o governador que, impossibilitados de reconstruírem as

casas que tinham na vila, teriam optado por vender as pedras das casas “para as cercas e obras

dos conventos e para o Recife, para as casas que nela se fabricaram, e nesta forma foram

diminuindo de tal sorte a dita cidade, que em ruas inteiras nem alicerces lhe deixaram”,

dificultando até a identificação dos proprietários dos lotes de terra na vila. Mesmo no início do

século XVIII, segundo suas informações, quando solicitavam ao rei que mandasse repovoar a

vila, ainda estavam os moradores “demolindo as casas para as sacristias e tribunais para a

Ordem Terceira de São Francisco, e os mesmos oficiais da presente câmara comprando outras

para as calçadas das poucas ruas que tem”212.

Segue-se uma comparação com a região do Recife, que crescia para além da área das

ilhas e se estabelecia na porção continental, próxima à chamada ponte da Boa Vista. Afirmava

Castro Caldas que na região erguiam-se sempre de 30 a 40 casas, “entre grandes e pequenas,

pagando foro para cada palmo” e, para se ter uma ideia da valorização fundiária que estava

ocorrendo, afirmava que, “há seis anos”, algumas fazendas circunvizinhas que foram

compradas por 400 mil réis, eram avaliadas, em 1709, entre 3 mil e 4 mil cruzados, ou

1:200$000 e 1:600$000 réis, respectivamente213. Já em Olinda, segundo seu relato, somente

haveria “cabaneiras”, e que a cidade era de “suma pobreza”. Nas igrejas, “não se veria mais que

meia dúzia de homens” e “mui pouca gente, ou nenhuma” nas ruas. Ao ponto que se dizia que

em Olinda não haveria mais que “ventos e conventos”214.

A comparação que Castro Caldas fez é comparativa entre as duas regiões e deixa nela

211 AUC, CA, Ordens Régias aos governadores de Pernambuco, tomo I, fl. 396. 19/11/1709. 212 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115. 213 Tendo como base o valor de 400 réis para cada cruzado. SIMONSEN. Robert C. História Econômica do

Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1969. p. 70. 214 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115.

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transparecer uma hierarquização entre o Recife e Olinda, baseada nas estruturas presentes em

cada uma das localidades. A tentativa é de demonstrar, talvez, o porquê de o Recife merecer

se tornar uma vila. Sebastião de Castro Caldas continuava afirmando que, “pelo contrário”, o

Recife, no “concurso de gente, luzimento e trato dela, na assistência dos templos, ornato e

suntuosidade deles, no culto divino e casas nobres são estas praças a que merecem o nome de

cidade”215. O seu relato estende-se ainda por outras questões. A divisão jurisdicional

resultante da criação da vila do Recife impactaria não somente a área de influência política da

câmara de Olinda, como do acesso aos recursos provenientes da arrecadação de impostos.

A forma das questões trazidas pelo governador Castro Caldas pode ser observada em

outras regiões da América portuguesa. Cláudia Fonseca afirma que, para além de aspectos

demográficos e econômicos, outros atributos de caráter mais qualitativo eram enumerados para

definir a grandeza e prestígio das localidades. Assim, pode-se citar a antiguidade da fundação,

os fatos gloriosos do passado, a “capacidade da população”, a presença de elites urbanas, a

salubridade, a fertilidade e as comodidades do sítio, o número e a “nobreza” das casas e das

igrejas216. Alguns desses aspectos estão presentes tanto nas cartas e solicitações enviadas ao

Conselho Ultramarino desde 1654 para a reconstrução da vila de Olinda, como no relato

depreciativo da localidade feito por Castro Caldas. Para o caso da capitania das Minas Gerais,

Cláudia Fonseca afirma que, quando

as elites locais solicitavam a promoção de suas povoações à condição de

cidade, de vila, de cabeça de comarca, ou ainda a criação de um cargo de juiz

de fora, seus argumentos não se apoiavam apenas nas questões de natureza

jurídica e territorial analisadas anteriormente. Em suas cartas e requerimentos,

as ‘pessoas principais’, ou os ‘maiores’, das vilas e dos arraiais tentavam

destacar os diversos atributos das localidades e valorizar as populações que ali

viviam217.

Para a vila de Olinda, esse tipo de argumento foi bastante utilizado em defesa da

reconstrução da localidade, principalmente na recuperação de estruturas urbanas como igrejas,

conventos, pontes, etc. Dois dos pontos citados acima, “capacidade” e “elites urbanas”, eram

utilizados de maneira semelhante, mas com algumas diferenças para o caso das Minas Gerais.

Para esta capitania, a “capacidade”, segundo Fonseca, era utilizada para se referir à proporção

de população branca residente. E elites urbanas referia-se a autoridades régias, funcionários

da Coroa, pessoas de reconhecida nobreza, ou que viviam como tal, advogados e magistrados.

215 Idem. 216 FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d’El Rei: Espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo

Horizonte: Editora da UFMG, 2011, p. 398. 217 Ibid, p. 334.

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No caso de Olinda, não foi encontrada nenhuma referência à cor das pessoas, ao se utilizarem

do termo “capacidade”, mais relacionado com a qualidade do local e com o potencial de

suportar espacialmente e sustentar as estruturas citadas acima. A utilização deste tipo de

argumento nas consultas enviadas para apreciação do Conselho Ultramarino, em conjunto

com a cooptação dessas chamadas “elites urbanas” para que assistissem na vila, e depois

cidade, de Olinda foram parte das ações empreendidas para a sua manutenção como centro da

capitania.

Avançando mais uma vez para o início do século XVIII, mais especificamente para os

“capítulos primeiros que fizeram os levantados de Pernambuco”218, de 1710, alguns pontos

elencados estavam diretamente ligados às estruturas urbanas que Olinda e o Recife possuíam.

Os “levantados”, parte da nobreza da terra, exigiam: que no Recife não houvesse vila, por ser

termo da cidade e “pela pouca distância se reputar arrabalde” dela, que se tapasse a ponte do

varadouro, que se fizesse um molhe na barra da cidade para o recolhimento dos navios da frota,

trazendo para Olinda a atividade comercial, e a criação de um convento de freiras, como se

tinha constituído na Bahia e no Rio de Janeiro. Esse último, mais diretamente, demonstra a

necessidade de se adequar o status alcançado de cidade com as estruturas que deveriam estar

presentes na localidade. Esses capítulos demonstram que os membros da câmara de Olinda

tinham uma ideia de que não somente o status advindo do título de cidade era suficiente para

manter-se como centro da capitania, mas que era necessário, também, buscar essa relação entre

a posição e a estrutura presente na cidade.

Na “Relação do levante que houve em Pernambuco e do que nele sucedeu depois de

um tiro que deram ao governador Sebastião Castro Caldas”219, dentre suas diversas partes,

consta uma lista organizada com uma série de reivindicações feitas pelos moradores de

Olinda, nas quais estabelecem as suas condições para o futuro da administração da capitania

em relação ao governo político, espacialmente. No “capítulo primeiro que fizeram os

levantados de Pernambuco”, assim exigem os que haviam se rebelado contra o governador de

Pernambuco Castro e Caldas, em 1710: que no Recife não houvesse vila, por ser termo da

cidade e por ser seu “arrabalde”; que morador desta localidade não possuía direito de votar

nas eleições municipais nem ser eleito, “há mais de cem anos”, que o morador do Recife que

não fosse filho da terra não poderia ser capitão de ordenança; pediam a destituição do juiz de

fora e a recolocação do juiz ordinário como agente responsável pela justiça; “tapar” a ponte

do varadouro localizada no Recife; fazer o molhe, estrutura utilizada para proteção da força

218 Biblioteca da Universidade de Coimbra, Manuscrito 110, fls. 69-72. 219 Biblioteca da Universidade de Coimbra, Manuscrito 110, a partir do fólio 58 e seguintes.

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das águas do mar, na barra da cidade de Olinda para o recolhimento dos navios da frota; e a

criação de um convento de freiras, conforme havia na Bahia e Rio de Janeiro220.

Estes não são todos os pontos apresentados por aqueles que escreveram o “capítulo

primeiro”. Destacam-se esses, entretanto, por apresentarem uma preocupação sobre o espaço

em diferentes níveis, desde jurisdicionalmente falando, passando por questões fiscais, até

aspectos relacionados ao status das localidades que podem ser abstraídos das condições

colocadas. Isto denota a grande importância que estas questões possuíram no decorrer da

segunda metade do século XVII e que reverberam na chamada Guerra dos Mascates.

Tradicionalmente, a segunda metade do século XVII, em Pernambuco, não foi período

exaustivamente estudado, conforme afirma Evaldo Cabral de Mello. Segundo este autor, a

experiência de dominação holandesa naquela capitania, que terminou em 1654, e a Guerra dos

Mascates, que aconteceu por volta de 1711, “ofuscaram” o período de tempo entre esses dois

momentos da história de Pernambuco. O grande trabalho para o intervalo em questão é o do

próprio Evaldo Cabral de Mello. Em A Fronda dos Mazombos, de 1995, Mello faz uma

importante análise dos conflitos existentes entre senhores de engenho e comerciantes, assim

como das relações da câmara de Olinda com os governadores. Entre 1654 e 1711, tem-se o

acirramento de rivalidades existentes entre os “naturais da terra”, autointitulados de nobreza da

terra221, e os adventícios portugueses da segunda metade do século XVII, pejorativamente

chamados de mascates222.

Uma questão crucial deste conflito foi a emancipação da região do Recife, cujos grupos

que a tinham como um nicho de poder, ligado em geral ao comércio, que ansiavam por

conquistar. Teriam, com isso, a independência administrativa em relação à câmara da cidade

de Olinda, tradicional instituição de exercício de poder dos senhores de engenho, e a

consequente formação de uma nova câmara municipal. Estes aspectos são descritos por Evaldo

Cabral de Mello como o lado “municipalista” do conflito. De uma forma geral, a interpretação

deste autor caminha para a integração de todas as tensões políticas, sociais e econômicas em

torno dos entreveros entre a “nobreza da terra” e os “mascates”. De fato, no momento em que

se deflagra a Guerra dos Mascates, uma série de outros conflitos se aglutinou e acabou por se

220 Biblioteca da Universidade de Coimbra, Manuscrito 110, fl. 69v-72. 221 Termo que pode ser encontrado na documentação do período e que é utilizado por um grupo ligado à câmara

da cidade de Olinda que buscava manter a hegemonia política na capitania de Pernambuco, conforme pode ser

verificado em toda a obra de Evaldo Cabral de Mello, em especial a obra citada: MELLO, E. C. de. A Fronda dos

Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 222 Expressão utilizada na segunda metade do século XVII pela nobreza da terra de Olinda para desqualificar os

comerciantes ligados ao Recife. MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates

Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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partidarizar entre os lados dos conflitos223. Acredita-se, entretanto, que as questões relativas à

estruturação dos equipamentos urbanos na cidade merecem uma análise mais acurada, pela

sua importância.

Nesse sentido, acredita-se que uma história da construção desse conflito acompanhada

de uma análise sobre as questões jurisdicionais e espaciais, desde seus aspectos simbólicos até

os aspectos físicos, fornece um entendimento das formas como os indivíduos apropriavam-se

do espaço e da própria concepção deste e de sua relação com a política. Segundo Cláudia

Damasceno Fonseca, não se poderia dissociar a história política da história da cidade e do

urbanismo224, pois

a formação de redes urbanas, a hierarquização das localidades, os projetos e

intervenções urbanas em qualquer escala (incluindo a simples abertura de um

novo arruamento)” eram medidas e processos que estavam ligados às

necessidades e aspirações, bem como aos objetivos tanto “de instância do

poder local quanto as autoridades metropolitanas225.

Este assunto, de qual seria o melhor local para ser sede administrativa e ainda aquele

que proporcionaria melhores condições de defesa do território, segundo afirma Evaldo Cabral

de Mello, já havia sido discutido nas primeiras décadas do século XVII. O sargento-mor Diogo

de Campos Moreno, no Livro que dá Razão ao Estado do Brasil, afirmava que a defesa de

Olinda consistia em defender e fortificar o Recife, pois aquela não poderia ser fortificada

eficientemente226. Isto, contudo, torna-se um problema mais latente no governo de Francisco

Barreto de Meneses (1654-1657), e que ganha clareza como um viés mais político que

estratégico, em termos de defesa, no governo de André Vidal de Negreiros (1657-1661),

quando ocorreu efetivamente a retomada de Olinda como sede do governo227.

223 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995. Em especial o capítulo 4 “Loja versus Engenho”. 224 Convém, para efeitos de esclarecimento, ressaltar que, embora a ideia de urbano arraigada no senso comum

seja algo moderno e mais relacionado com a o contexto social dos séculos XIX e XX, pode-se discutir sobre o

urbano no período colonial, na América portuguesa. Junta-se a isso, além da crença de um mundo completamente

ruralizado na colônia, a concepção da suposta falta de planejamento das cidades portuguesas presente em trabalhos

como “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda. Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.

26ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Em especial, o capítulo “O semeador e o ladrilhador”. Sobre a

revisão dessas ideias, cf. DELSON, Roberta Marx. Novas Vilas para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e

social no século XVIII. Brasília: ALVA-CIORD, 1997; e FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A

Formação dos espaços 225 FONSECA, Cláudia Damasceno. op. cit. p. 81. 226 MORENO, Diogo de Campos Moreno. O Livro que dá Razão ao Estado do Brasil.... Apud. MELLO, Evaldo

Cabral de. op. cit., p. 146-147. 227 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995.

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Capítulo III - Onde está a corte: O Palácio das Torres e discussão sobre a capitalidade

na capitania de Pernambuco (1654-1689).

Este capítulo visa analisar a influência que a presença física do governador e de outras

autoridades coloniais possuía sobre a ideia de capitalidade, na capitania Pernambuco na

segunda metade do século XVII. Um aspecto relevante para a análise que se segue é o local

de moradia destas autoridades, objeto de discussão e conflitos entre os membros da câmara de

Olinda e demais poderes constituídos na capitania. Estas questões variavam de acordo com o

posicionamento que cada indivíduo adotava, além de seus interesses econômicos, políticos e

sociais. Ainda que a coação para que determinado oficial restringisse suas atividades na vila

de Olinda se configurasse como uma estratégia já praticada em 1654, preferiu-se analisá-la em

um capítulo em separado, tendo em vista, também, que essa foi uma questão premente durante

toda a segunda metade do século XVII. A análise será concentrada no período entre 1654 e

1664, para o qual existem mais fontes, e na figura dos governadores, apesar de que o chamado

“local de assistência” ter sido pautado, também, por outras autoridades régias, como os

ouvidores.

Em uma fala do Conselho Ultramarino, foi colocado que era “direito” dos magistrados

ter como local de seu trabalho, de sua “assistência”, aquele onde estivessem as pessoas mais

importantes, os “principais”228. Local este que, dificilmente, não ostentaria a qualidade de

centro, de capital. Retomando rapidamente o conceito de capitalidade, define-se esta como a

capacidade de ter o poder de exercer uma força centrífuga em uma região. Uma capacidade

reconhecida de ser centro. Para além das questões de moradia e assistência, foi analisado o

esforço na promoção de obras necessárias ao bem comum e à própria identificação de

“cabeça”, como igrejas bem ornadas, etc.

No capítulo anterior, foram analisadas algumas falas e ações que buscavam manter a

vila, e depois cidade, de Olinda como o centro da capitania, nas quais eram perceptíveis os

aspectos necessários para que uma localidade tivesse o status de “cabeça”, o que redundava na

captação de recursos políticos e econômicos. Isso dependeria de um esforço orientado, não

somente para a defesa, mas também para a elevação dos equipamentos urbanos em si. Uma

questão importante era, certamente, os prédios das ordens religiosas, conventos, igrejas e

colégios. Isso pode ser observado, principalmente, por parte do mestre de campo João

Fernandes Vieira. Este argumentava que o Recife não poderia exercer o papel central na

228 AHU-PE, PA, Cx. 23, D. 2115.

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capitania, pois em sua região não haveria espaço suficiente para a acomodação de igrejas e

conventos, por exemplo. Essa escolha significaria uma “perda”, pois Olinda seria muito mais

“capaz”229. A ideia de ser a “cabeça” de uma capitania será utilizada neste trabalho de forma

idêntica à trabalhada por Nauk Maria de Jesus. Esta autora afirma que

A cabeça de uma capitania era a vila onde se encontrava o governador e

capitão-general, juntamente com todo o aparelho administrativo referente à

justiça, à defesa e à finança. O governador era o representante do rei e, nos

locais distantes do Reino, era cabeça do corpo político. Ser capital era muito

mais do que o título de uma circunscrição administrativa, pois, por trás da

capitalidade, existiam possibilidades de melhores rendas, desenvolvimento

econômico, melhor organização urbana, comunicações políticas mais amplas

com o reino e a centralidade do poder230.

As vilas e cidades exerciam um papel importante no exercício do poder por parte da

Coroa portuguesa. Relembrando as definições do padre Raphael Bluteau trabalhadas em seu

dicionário, tem-se uma atenção especial aos termos “vassalos” e “sujeição”231 expostos nos

verbetes, nos quais há uma ênfase na necessidade da observância de uma ordem legal.

Pensando-se em um conceito de cidade, não necessariamente atrelado ao de Bluteau, mas que

se complementam, a historiadora Renata Malcher de Araújo afirma que “a cidade é o lugar da

ordem social e política, é o espaço da convivência social por excelência e é o lugar da

representação e do exercício do poder”232. A autora ainda argumenta que “a cidade é o polo

hierárquico de organização do território, é o centro a partir de onde se estabelece o controle das

áreas circundantes”233. Apesar de seu trabalho estar inserido no contexto de reformas urbanas

na Amazônia, impulsionado pelas intervenções do Marquês de Pombal, no século XVIII,

acredita-se que são válidos para este trabalho. Essa hierarquização, a força de atração e a

importância social de uma cidade, vila e povoação estão presentes na relação entre moradores

e a vila de Olinda e o Recife. Neste capítulo, analisa-se essa hierarquia tendo como pano de

fundo as discussões sobre a presença das autoridades na vila de Olinda, ou no Recife.

229 AHU-PE, PA, Cx. 5, D. 504. 230 JESUS, Nauk Maria de. O governo local na fronteira oeste: A rivalidade entre Cuiabá e Vila Bela no século

XVIII Dourados: Ed. UFGD, 2011. p. 16. 231 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico .... Coimbra:

Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. Disponível em: Acesso em: 14 de agosto de 2012. Ver

verbete “cidade”. 232 ARAÚJO, Renata Malcher de. “A Razão na selva: Pombal e a reforma urbana da Amazônia”. Camões. Revista

de Letras e Culturas Lusófonas, n° 15-16, janeiro-junho 2003, p. 151. 233 Idem.

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3.1 O palácio do Conde Maurício de Nassau

O Palácio das Torres foi construído sob ordens do Conde Maurício de Nassau, segundo

José Antônio Gonsalves de Mello, em 1641234, durante o período de domínio holandês na

região. O nome deve-se ao estilo da construção, a qual se destaca um conjunto de duas torres.

Em suas dimensões, “modesto” e “singelo nas linhas”, mas “três corpos” bem equilibrados, o

Palácio das Torres era um “bloco cúbico, flanqueado por dois pavilhões assobradados”235.

Segundo Joaquim de Sousa Leão Filho, o Palácio, que possuía um “ar de claustro

missionário”, fora construído com materiais que pouco resistiriam ao clima tropical, e que

pode ser confirmado pela documentação. Os aposentos principais do Palácio, de acordo com

Sousa Leão, provavelmente, eram distribuídos por duas alas,

quatro de cada lado; peças espaçosas, ao rez do chão, abrindo suas janelas para

as pimenteiras e laranjas olorosas. Os labirintos de parreiras e os canteiros de

flores, dispostos em quadriláteros simétricos, davam a nota formal ao típico

jardim holandês. Outros aposentos se encaixariam nas torres, como o faz crer

a repetição de janelas236.

Estes jardins foram citados pelo frei Manuel Calado, autor do Valeroso Lucideno, obra na qual

é perceptível o elogio à figura de Maurício de Nassau. Havia neles, segundo afirmava, “2 mil

coqueiros” que os moradores plantaram, além das diferentes espécies de animais e aves, fruto

também do consórcio com habitantes locais237. Na Figura 01, tem-se uma gravura feita pelo

pintor holandês Franz Post (1612-1680), na qual há uma representação do Palácio das torres

(D), com a vila de Olinda em perspectiva (M) e o forte Ernesto ao lado (G).

Na Figura 02 consta a sua localização, na época de sua construção, na qual há uma

representação da Ilha de Antônio Vaz. A área do Palácio está localizada onde está escrito

“Domus Comitis”.

234 Este autor apresenta dados diferentes sobre a fundação do Palácio das Torres, cuja construção poderia ter

terminado em 1641, 1642 ou 1643. Esta não é uma questão crucial para o andamento deste trabalho, porém, optou-

se por 1641 em razão de uma referência feita à obra de um comerciante de escravos inglês do século XVIII: “Bem

em frente à cidade, o rio se divide em dois braços que não correm diretamente para o oceano, mas em direção sul;

na ponta da ilha formada por essa divisão, ergue-se o palácio do governador, um belo edifício, obra do Príncipe

Maurício, com duas torres, tenho escrita uma única data:1641. As avenidas são sobremodo agradáveis, com suas

alamedas de altos coqueiros”. Cf. JOHNSON, Charles. History of the pirates. Londres, 1724. Apud GOUVÊA,

Fernando da Cruz. Maurício de Nassau e o Brasil holandês: correspondência com os Estados Gerais. 2ed. Recife:

Editora Universitária – UFPE, 2006. p. 194. Cf. MELLO, José Antônio Gonsalves de. Antônio Fernandes de

Matos (1671-1701). Recife: Ed. Dos amigos da DPHAN, 1957. p. 64. 235 LEÃO FILHO, Joaquim de Sousa. Palácio das Torres. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional, n. 10, Ri ode Janeiro, 1946, p. 138. 236 LEÃO FILHO, Joaquim de Sousa. op. cit. p. 142. 237 CALADO, Manuel, Valeroso Lucideno. Apud LEÃO FILHO, Joaquim de Sousa. op. cit.

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IMAGEM 01 – Palácio das Torres

Fonte: Recorte feito a partir da gravura “Boa Vista”, de Franz Post, em 1647. Local de Publicação:

Amsterdan - Typographeio Ioannis Blaev. Disponível em:

http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/02460043.

IMAGEM 02 – Localização do Palácio das Torres

Fonte: Elaborado a partir de um mapa da região do Recife elaborado por Georg Marggraf, de 1647. Local

de publicação: Amsterdan - Typographeio Ioannis Blaev. Disponível em:

http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/02460042

Apesar da aparente suntuosidade envolvida na construção, o Palácio não possuía uma

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estrutura que pudesse suportar bem o clima tropical. Um material que pode ter sido bastante

utilizado pelos holandeses foi a madeira, provavelmente importada da Holanda, além de ser

material padrão na construção de edifícios e, aparentemente, os holandeses ainda não terem

acesso aos materiais próprios dos trópicos e resistentes ao clima238. Ao se referirem às

edificações holandesas, os portugueses utilizavam-se do termo “tabuados”239, uma espécie de

uma construção de madeira. Como resultado, o Palácio passou por uma série de reparos e

manutenções que serão analisados.

De acordo com o próprio Maurício de Nassau, em sua prestação de conta à Companhia

das Índias Ocidentais (WIC), referente ao ano de 1643, o palácio passou a ser habitado por ele

e sua corte no ano de 1642. Segundo o alemão Johan Nieuhoff, autor da Memorável viagem

marítima e terrestre ao Brasil, o edifício era “de aspecto nobre” e teria custado 600 mil florins.

Oferecia “uma perspectiva admirável, tanto do mar como da terra e suas duas torres eram tão

altas que podiam ser vistas do mar a 5 ou 6 milhas de distância, servindo mesmo como baliza

aos marinheiros”240. Julgar se essa construção exerceu algum tipo de fascínio aos moradores de

Pernambuco é algo difícil de medir. Não é difícil imaginar, contudo, que a perspectiva de

exercer suas atividades e morar em uma residência considerada nobre fosse algo atrativo,

tendo em vista os valores dessa sociedade.

O palácio construído para ser a sede do governo pelo Conde Maurício de Nassau foi,

por vezes, objeto de desejo por parte dos governadores e habitantes da capitania de Pernambuco.

Esta obra teria servido posteriormente tanto como casa dos governadores de Pernambuco e,

também, como convento de religiosos241. A residência no Palácio significava uma

proximidade maior com o porto, tornando mais fácil o serviço de assistência e fiscalização das

frotas de navios que desembarcavam no porto do Recife, tarefa importante e de atribuição do

governo. Muito provavelmente, os governadores estiveram envolvidos em redes de comércio,

algo que é mencionado nos trabalhos de Evaldo Cabral de Mello242. Por outro lado, redundava

em desgaste político com os senhores de engenho, tenazes em seu desejo de manter Olinda

como cabeça da capitania. A decisão por uma localidade ou por outra dependeu das alianças

238 O povoamento holandês pouco ultrapassou os limites da região Recife. MELLO, José Antonio Gonsalves de.

Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ed. Rio de

Janeiro: Topbooks, 2007. 239 LEÃO FILHO, Joaquim de Sousa. Palácio das Torres. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional, n. 10, Ri ode Janeiro, 1946, p. 140. 240 Trecho retirado de FRANÇOZO, Mariana de Campos. De Olinda à Holanda: O gabinete de curiosidades de

Nassau. Campinas: Editora da Unicamp, 2014. 241 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Antônio Fernandes de Matos (1671-1701). Recife: Ed. Dos amigos da

DPHAN, 1957. 242 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995.

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formadas pelas autoridades régias que vinham governar a capitania e pelas próprias

preferências destes.

Antes de prosseguir com a análise, entretanto, faz-se necessário retomar minimamente

o contexto analisado. Por ser um período relativamente longo, mais de cinquenta anos, a

conjuntura política local e a central, referente à administração das conquistas ultramarinas em

seu nível mais elevado, sofreram alterações influenciadas pelos mais diferentes aspectos:

econômicos, sociais e diplomáticos. Para este trabalho, a metodologia de análise segue uma

lógica governo-por-governo. Significa que se entende que cada governador possui uma posição

em particular e que deve ser analisada enquanto tal, desde que se tenha preocupado sobre o

local de sua assistência e governo. Pode-se observar, entretanto, um entendimento sobre a

governabilidade da capitania e a definição de uma “capital”, uma forma de hierarquizar e

organizar as vilas, cidades e povoados. O contexto político mais geral, da mesma forma, não

será desconsiderado, pois é relevante para o entendimento das questões que serão expostas.

Em A Fronda dos Mazombos, do historiador Evaldo Cabral de Mello, de 1995, a fronda

“objetiva designar não somente os levantes de 1710-1”, a chamada Guerra dos Mascates, mas

“todo o processo de contestação à Coroa portuguesa que se esboçou a partir da deposição” de

Jerônimo de Mendonça Furtado, governador de Pernambuco entre 1664 e 1666, e “culminou

na sublevação” contra Sebastião de Castro Caldas, governador desta capitania entre 1707 e

1710243. Percebe-se que essa perspectiva liga dois momentos de sublevação ocorridos na

capitania de Pernambuco, no sentido em que um confere as bases do outro, na forma de uma

linha mestra de raciocínio, entre 1666 e 1707: das tensões em poder local e autoridades régias,

para além dos conflitos entre os produtores rurais e ligados ao açúcar e os comerciantes, em sua

maioria reinóis, da praça do Recife. Evaldo Cabral de Mello ainda aponta “três episódios”

decisivos nesse período. Além da já mencionada deposição de Jerônimo de Mendonça Furtado,

de 1666, o autor menciona a administração do Marquês de Montebelo (1690-1693) e os

conflitos ocorridos entre os religiosos da Congregação do Oratório244. Para o autor, esses

conflitos,

cada um à sua maneira, prefiguraram a guerra dos mascates, combinando em

diferentes formatos os ingredientes do conflito que desembocará na sedição

da nobreza contra o governador Castro e Caldas. A começar pelo principal

deles, o antagonismo entre o mercador reinol e o produtor brasileiro,

antagonismo digamos hegemônico, na medida em que tende a subordinar a si

243MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995. p. 13. 244 Respectivamente, referentes aos capítulos 1, 2 e 3 de A Fronda dos Mazombos.

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todos os outros antagonismos da sociedade colonial245.

Dessa forma, para Evaldo Cabral de Mello, a “luta pelo poder entre o credor urbano e o

devedor rural” acabava por reunir sobre si todas as tensões existentes na capitania, na segunda

metade do século XVII. Este capítulo, contudo, centrou-se, em sua maior parte, nas relações da

câmara de Olinda com os governadores. As formas de ação que os comerciantes, em

determinado momento, passaram a seguir, principalmente para manter o governador no Recife,

são também objeto de análise neste capítulo, embora essa relação possa ser observada com

menos frequência.

Existe algo que pode ser depreendido dessa situação e que possui um significado político

e cultural. A perda da capitalidade era, talvez, o maior temor daqueles que eram vinculados à

câmara de Olinda, o que implicava em uma derrota política e uma diminuição do status de

cidade com consequência na simbologia de valores de distinção social. Deve-se levar em

consideração os aspectos históricos ligados à ocupação da capitania e, também, à experiência

de dominação holandesa. Segundo Evaldo Cabral de Mello, estas duas questões eram

utilizadas como argumento para a manutenção de uma exclusividade no acesso aos cargos de

governo na capitania de Pernambuco246, que se processou de fato conforme observado no

capítulo primeiro. O Recife somente ganhou o status de vila depois de 1709, dois anos depois

que Sebastião de Castro Caldas assumiu o governo da capitania de Pernambuco. O rei D.

João V ter-lhe-ia encarregado da fundação de uma nova vila na localidade.

A partir desse ano, ocorreu o acirramento das tensões entre senhores de engenho e

comerciantes, iniciando-se a chamada Guerra dos Mascates247. Escrevia o rei que,

constantemente, “informado e persuadido” sobre as “questões de governabilidade”, havia

percebido a necessidade de se fundar uma nova vila no Recife, “para se evitar desuniões”248.

O reinado de D. João V, inclusive, é um momento de inflexão da política da Coroa em

relação a estas questões. D. Pedro II, seu antecessor, era inclinado à causa da nobreza da

terra249, enquanto que o seu sucessor passou a favorecer mais os comerciantes250. Olinda, por

245 MELLO, Evaldo Cabral de. op. cit., p. 123. 246 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São Paulo:

Alameda, 2008. 247 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995. 248 AUC, CA, Ordens reais para os Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 396. 249 Termo que pode ser encontrado na documentação do período e que é utilizado por um grupo ligado à câmara

da cidade de Olinda que buscava manter a hegemonia política na capitania de Pernambuco, conforme pode ser

verificado em toda a obra de Evaldo Cabral de Mello, em especial a obra citada: MELLO, E. C. de. A Fronda dos

Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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sua vez, já possuía o título de vila desde o século XVI, chegando a possuir a designação de

cidade por ocasião da instalação do bispado, em 1676.

A situação da capitania de Pernambuco, entretanto, após o fim do domínio holandês em

1654, não era de uma centralização da administração em suas diversas instâncias, as quais eram

divididas entre Olinda e Recife. Evaldo Cabral de Mello aponta a existência de uma

“especialização” de funções, da “unidade espacial da cidade alta”, local típico das instituições

políticas e sociais, como a câmara e a Santa Casa de Misericórdia, e a “cidade baixa”, região na

qual predominava a atividade comercial. Enquanto Olinda permanecia como sede política e

administrativa, o Recife destacava-se como praça comercial e local de ação dos agentes

fazendários251, apesar de esta localidade não possuir autonomia formal e pertencer ao termo da

vila de Olinda.

A elevação do Recife à condição de vila foi resultado de um longo processo, para o qual

concorreram diferentes questões, das quais a presença física do governador era apenas uma,

mas não menos importante. Desde o governo de Francisco Barreto de Meneses (1654-1657)

que este foi um tópico de discussão entre as autoridades locais e governadores. Não havia,

porém, uma discussão que envolvesse o Palácio das Torres, uma vez que foi centrada mais em

preocupações de segurança devido às ameaças que ainda pairavam sobre a soberania

portuguesa nos territórios das capitanias do Norte.

No período moderno, as câmaras municipais tinham um importante papel administrativo

e político em nível local para a manutenção do império português252. Essas municipalidades

representavam as posições hierárquicas presentes e refletiam o status social e o poder de seus

moradores por meio, também, de suas construções: casas, conventos, palácios, etc., conforme

analisado com mais atenção no capítulo I. A estrutura urbana, portanto, tinha um importante

papel na afirmação das câmaras municipais frente a outras municipalidades, governadores e ao

Rei253.

Em Pernambuco, isso pode ser percebido pelas dificuldades encontradas por alguns de

250 Cf. Mello, E. C. de. O nome e o sangue: uma parábola genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo:

Companhia das Letras, 2009. 251 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995. p. 145. 252 Exerciam um importante papel de canalização dos poderes locais em torno das vias institucionais do império

português. Os trabalhos que são referências e basilares para os estudos sobre a câmara municipal: BOXER, Charles

R.. The Portuguese society in the tropics: the municipal councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda, 1510-1800.

Madison-Milwaukee, University of Wisconsin Press, 1965. BICALHO, Maria F. B. . As Câmaras Ultramarinas e

o Governo do Império. In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.).

O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira, 2001. 253 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e

cidade na Capitania de Minas Gerais. VARIA HISTORIA, nº 29, Janeiro, 2003.

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seus governadores em reconstruir o Palácio das Torres. Por que alguns governadores buscavam

reerguer esse edifício? Talvez a resposta esteja muito mais relacionada a aspectos pessoais, que

administrativos e econômicos. Efetivamente, o que se pode conjecturar é que o controle sobre

as rendas da capitania era um aspecto a ser levado em consideração, pois possibilitava a

condução sobre o destino da aplicação dos impostos arrecadados na capitania. A recuperação

deste edifício representava a perda da sede administrativa por parte de Olinda e a valorização

do Recife como região em ascensão, “rival” daquela localidade, e centro mercantil da capitania.

Em razão disso, os representantes da câmara de Olinda não se esforçaram em reformar o Palácio

para evitar que os governadores exercessem suas obrigações lá e morassem nele. O objetivo

dessa falta de empenho era manter a sua hegemonia política na capitania, coagindo-os a morar

em Olinda.

A Coroa portuguesa interveio, por vezes, arbitrando pela permanência do governo na

vila de Olinda por meio de recomendações e ordens régias, talvez, pela ideia de que estes

deveriam permanecer no local. A primeira ordem que se tem notícia foi enviada ao governador

Bernardo de Miranda Henriques, de 10 de outubro de 1669. Nesta, contudo, há uma referência

a uma ordem de 23 de agosto de 1663, durante a administração de Francisco de Brito Freire.

Em ambas, o rei determinava que os “Ministros do Governo Político” deveriam permanecer

na vila de Olinda, o que o monarca estendia a outros postos e cargos como: provedor da

fazenda, ouvidor geral e oficiais de justiça de uma maneira geral254. Por esse motivo, utiliza-

se como marcos da primeira parte desse capítulo os anos de 1654 e 1664, fim do governo de

Francisco de Brito Freire. É o período no qual há uma quantidade maior de fontes sobre o

assunto, o que redunda em uma atenção maior a esta parte do capítulo.

A segunda parte do capítulo cobre um período mais longo, embora não haja tanta

discussão em torno da moradia dos governadores e que envolva o Palácio das Torres. Esta parte

começa com o governo de Jerônimo de Mendonça Furtado, ainda em 1664, e termina com uma

mudança de postura da Coroa portuguesa em relação às atividades dos governadores de

Pernambuco, em 1689. A ordem régia de 2 de março de 1689, direcionada ao governo de

Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, determinava que este deveria “assistir” no Recife

apenas no chamado período das frotas, no qual sua presença era requisitada para a expedição

dos navios. Na mesma ordem, o rei ordenava de igual modo os ouvidores. Esse mandado régio

254 BIBLIOTECA Nacional do Rio de Janeiro. Informação Geral da Capitania de Pernambuco. Rio de Janeiro:

Oficinas de Artes Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1906. Anais da Biblioteca Nacional. vol. XXVIII. p. 130.

“São mais obrigados a assistir na cidade de Olinda pelas ordens seguintes”. AUC, CA, Ordens reais para os

governadores de Pernambuco, tomo 1, p. 53v.

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teria sido resultado de atuação de um procurador da câmara na corte255.

3.2 Dá-me um palácio para morar

Os dois primeiros governadores da capitania de Pernambuco, logo após o período de

domínio holandês, mantiveram posturas distintas em relação à necessidade de reorganizar o

governo na capitania com a centralidade em Olinda. Francisco Barreto de Meneses, reinol,

general na guerra contra os holandeses, governador de Pernambuco (1654-1657) e

posteriormente governador geral (1657-1663), permaneceu firme na resolução de conservar a

povoação do Recife, definindo que a reconstrução de Olinda deveria ser feita sem a destruição

do que havia sido construído pelos holandeses. A questão principal discutida era a defesa, sob

temores da ocorrência de uma nova invasão256. Já o seu sucessor, André Vidal de Negreiros,

natural da Paraíba e que possuía mais ligações com os senhores de engenhos das capitanias do

Norte, logo que assumiu, resolveu mudar o governo da capitania para Olinda a pedido de seus

“moradores”, o que teria sido censurado por Meneses, depois que este passou para o governo

geral. Quem retomou a discussão foi o governador seguinte, Francisco de Brito Freire.

André Vidal Negreiros possuía laços estreitos com os produtores rurais da capitania da

Paraíba e da capitania de Pernambuco. Pelas ligações sociais que possuía, rapidamente

inclinou-se para que a antiga configuração de governo do período antebellum se

reestabelecesse, com Olinda como sede administrativa da capitania. Em carta de 7 de

setembro de 1657, André Vidal de Negreiros informava ao rei que haveria de fazer a

transferência do governo de Recife para Olinda por que era algo bem quisto pelos seus

moradores. Afirmava que, estando com os

oficiais da câmara da vila de Olinda, nobreza e mais povo, prelados dos conventos e clero dela, representando as razões por que convinha passar-se do Recife para a dita vila, com os ministros de guerra, justiça e fazenda, mandou chamar as pessoas de maior satisfação e autoridade que ali residem para resolverem matérias tão grande257.

André Vidal de Negreiros argumentava, ainda, sobre a conveniência que seria ao serviço de

255 BIBLIOTECA Nacional do Rio de Janeiro. Informação Geral da Capitania de Pernambuco. Rio de Janeiro:

Oficinas de Artes Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1906. Anais da Biblioteca Nacional. vol. XXVIII. p. 130.

“São mais obrigados a assistir na cidade de Olinda pelas ordens seguintes”.

256 AHU-PE, PA, Cx. 7, Doc. 604. 257 Idem.

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93

“Deus e de Vossa Majestade” e ao “bem comum ir ele governador com os tais ministros assistir

e viver na dita vila com mais”. A sua presença e de outras autoridades promoveria a

reconstrução da vila258. Logo, percebe-se a importância do governador e de outros agentes

régios para a própria existência de uma dinâmica política, social e fiscal de uma “capital” ou

vila, tanto pela posição que possuíam, qualitativamente, quanto pelo que sua presença

representava na concentração das atividades da capitania.

No parecer do conselheiro Salvador Correia de Sá e Benevides percebe-se que havia

esta percepção por parte da câmara de Olinda e de seus moradores. Este afirmou que havia

entendido que os oficiais da câmara da dita vila “pretendiam que o governador da capitania de

Pernambuco André Vidal e todos os tribunais da jurisdição daquela capitania” transferissem

suas atividades “da praça do Recife para a dita vila de Olinda para se poder reedificar e levantar

o tempo da matriz mais facilmente, assistindo todos nela”. Salvador Correia de Sá, contudo,

endossava as ordens de Francisco Barreto de Meneses, governador geral, que seria mais

conveniente a permanência das autoridades na praça do Recife, por ser “a mais importante”

para “a conservação” da capitania259.

Sobre essa matéria, o Conselho Ultramarino não se mostrou unânime. Apesar de terem

levado em consideração as razões de André Vidal de Negreiros, os conselheiros ressaltaram a

necessidade de uma consulta prévia e autorização régia. O conselheiro Feliciano Dourado,

que possuía laços familiares com os Quaresma Dourado, importante família da Paraíba que

controlou o cargo de provedor da fazenda como proprietários260, mostrou-se mais inclinado às

aspirações de André Vidal de Negreiros. Dourado afirmou que a mudança do governo para

Olinda traria benefícios para os moradores, tendo em vista que muitos possuíam casas na vila.

Apresentava, contudo, cautela em relação aos rumos das relações diplomáticas entre Portugal e

Holanda, pois, enquanto não fossem resolvidas as questões do tratado de paz, não se deveria

“inovar coisa alguma na mudança do governo, e mais tribunais para a dita vila de Olinda”261.

Francisco de Brito Freire parece ter “inovado”, agindo de forma contrária às colocações

do Conselho Ultramarino. Freire teve de enfrentar esse problema proveniente dos conflitos de

jurisdição que envolveram André Vidal de Negreiros e Francisco Barreto de Meneses. Parece,

porém, que teve êxito em sua empreitada em fazer com que a assistência do governo

permanecesse no Recife.

258 AHU-PE, PA, Cx. 7, Doc. 604. 259 Idem. 260 MENEZES, Mozart Vergetti de. Colonialismo em ação: fiscalismo, economia e sociedade na capitania da

Paraíba (1647-1755). São Paulo. Tese de Doutorado – USP. Defendida em 2005. 261 AHU-PE, PA, Cx. 7, Doc. 604.

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Olinda e Recife, na segunda metade do século XVII, viveram situações opostas, em

termos de desenvolvimento urbano262. Enquanto a primeira convivia com a necessidade de

reconstrução, fruto do incêndio provocado pelos holandeses, o segundo despontava como a

região economicamente mais dinâmica, por concentrar as atividades mercantis,

principalmente263. Logo após a expulsão da Companhia das Índias Ocidentais (WIC), a

capitania de Pernambuco passava por um período de reestruturação da administração nas mãos

da Coroa portuguesa. Fazia-se necessário, portanto, decidir se a sede da capitania permaneceria

no Recife, até o momento somente uma “povoação”, ou voltaria para a vila de Olinda. Muitos

fatores poderiam influenciar para a determinação da sede de uma capitania: o estabelecimento

de uma câmara municipal, o local de trabalho e moradia do Governador, entre outros fatores.

Para o caso de Pernambuco, percebe-se que existe por parte da câmara de Olinda uma

busca pela “totalidade” do poder por meio da concentração em um mesmo espaço das esferas

políticas, câmara municipal e governo, da esfera militar, da econômica e da judicial. De uma

forma genérica, as duas primeiras eram representadas pela figura do governador, assim como o

exercício da justiça, por ser aquele que personificava o Rei, em conjunto com os ouvidores. A

terceira esfera era objeto de ação das provedorias, alfândegas e também da câmara municipal,

nicho de poder geralmente ligado às elites locais. Além disso, tem-se o poder religioso

partilhado pelas ordens religiosas e pelo clero secular, atrelados à estrutura senhorial da

sociedade, seja por relações de parentesco ou pela formação de alianças com os senhores de

terra. Esse quadro geral é importante para a compreensão da relação existente entre espaço e

poder, no contexto estudado, de uma forma que a “presença física” dessas instituições

promovesse uma hierarquização dos espaços da capitania.

Depois que os holandeses conquistaram a capitania de Pernambuco, em 1630, a vila de

Olinda foi logo destruída por estes por ser considerada indefensável. Quatro anos depois de

restaurado o domínio português sobre a região, em 1658, o Governador geral Francisco Barreto

262 Ressalta-se novamente que essa expressão é utilizada sem nenhum juízo de valor, ou caráter evolutivo das vilas

e cidades. Antes, denota um grau maior ou menor de ocupação do espaço por parte do homem com estruturas

tipicamente urbanas: conventos, a casa da câmara, o pelourinho, etc. Urbanismo, conforme aponta Cláudia D.

Fonseca, é um termo recente historicamente. Este pode ser entendido, para o período colonial do século XVII,

como o “conjunto de medidas técnicas, jurídicas e econômicas que permitem uma intervenção ou um

desenvolvimento autônomo das cidades”. Cf. LEPETIT, Bernard. Pouvoir municipal et urbanisme (1650-1750):

sources et problématique. In: LIVET, G.; VOGLER, B. Pouvoir, ville et société en Europe 1650-1750. Actes du

Colloque Interna-tional du CNRS. Paris: CNRS, 1981. p. 35-49.p. 35, apud FONSECA FONSECA, Cláudia

Damasceno. Urbs e civitas: A Formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas setecentistas. São Paulo.

Anais do Museu Paulista. v. 20. n.1. jan.- jun. 2012, p. 90. 263 Conforme pode ser observado por meio da análise feita por Evaldo Cabral de Mello em A fronda dos Mazombos.

A câmara de Olinda mantinha uma posição de domínio político, mas que foi paulatinamente minada pelos esforços

de parte dos grandes comerciantes da praça do Recife, que buscavam a criação de uma nova vila nessa região. Para

mais Cf. MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São

Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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de Meneses, nomeado nesse cargo após ter sido governador de Pernambuco, endossava este

fato ao afirmar que havia dificuldades de se estabelecer uma fortificação eficaz em Olinda.

Meneses continuava argumentando que seria mais conveniente conservar-se o Recife, pois os

armazéns das munições estariam mais seguros, e a descarga dos navios era menos custosa. Os

argumentos de Francisco Barreto, talvez, levassem mais em consideração a conveniência de

aproveitar uma estrutura de defesa já estabelecida pelos holandeses, do que gastar grandes

quantias para proteger a vila de Olinda.

De outra forma, para o Governador, não valeria a pena “desbaratar o Recife” para

reedificar uma vila “perdida”, cujas “ruínas” estavam “diante dos olhos”, a qual o “inimigo”,

após conquistá-la, “desmantelou” por julgá-la “incapaz de defesa”264. Francisco Barreto estaria

questionando as razões que levaram o então Governador de Pernambuco no momento, André

Vidal de Negreiros, a mudar a administração da capitania do Recife para Olinda. Escrevia

Meneses que esta mudança serviria apenas a interesses particulares de alguns grupos que

desejavam devolver para Olinda “o seu antigo estado”, retornando os seus moradores à

“opulência que tinham”, como analisado no capítulo primeiro, para o reestabelecimento dos

“tribunais” e “governo265”. O argumento principal de Francisco Barreto era que não se

poderia reconstruir Olinda em detrimento do Recife. E que o fato de as principais atividades

estarem sendo exercidas no Recife, não impedia que Olinda fosse reconstruída. Isso, porém,

deveria ser feito de maneira gradual e respeitando as condições materiais do contexto. Dizia o

governador geral que

com a assistência do governo no Recife se não evita poderem, os que tiverem

cabedal reedificarem suas casas e mais templos na dita vila, a que será muito

devido todo o favor, que (sem se mudar) lhe puder dar o governo e tribunais,

nem tão pouco, se impedia que quando a vila tomar o seu primeiro estado, e

os moradores daquela capitania a opulência que tinham, no tempo a

perderam, se restituísse266.

Estes primeiros cinco anos (1654-1658), é possível afirmar, marcaram o início da perda da

hegemonia política de Olinda, apesar da mudança momentânea do governo efetuada por André

Vidal de Negreiros, e do soerguimento do Recife como um núcleo populacional que já esboçava

um certo desprendimento do termo de Olinda.

264 AHU-PE, PA, Cx 7, Doc. 604. 265 Idem. 266 Idem.

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3.3 Definições sobre o local de “assistência”.

A jurisdição alargada de Francisco Barreto de Meneses, como capitão general da

capitania de Pernambuco e suas anexas, foi posteriormente reduzida aos seus sucessores, o

que gerou problemas e conflitos em questões nessa área, desde provimentos militares até a

própria questão da sede da capitania, conforme analisado pela historiadora Vera Lúcia Costa

Acioli267. Ainda que o próprio Francisco Barreto de Meneses, em carta enviada a André Vidal

de Negreiros, tenha afirmado que as “preeminências acompanham os postos e não as pessoas

que os ocupam”268, parece que isso não foi aplicado em relação à sua atuação, tanto que

Francisco de Brito Freire chegou a pedir explicações sobre a jurisdição que lhe competia,

chegando a desistir de ter jurisdição sobre a capitania do Rio Grande, em 1662269.

Sobre a década de 1660, a historiadora Kalina Vanderlei Silva afirma que este foi um

período de reorganização da capitania de Pernambuco, que passava por uma mudança de status

jurídico: de capitania hereditária à capitania régia. Conforme foi visto, e que a autora indica,

essas reformas já foram ensaiadas e aplicadas durante o governo de Francisco Barreto pelo

menos no plano político e fiscal. O que se via, entretanto, era uma capitania que ainda possuía

um exército de guerra inchado e incompatível com a época de maior estabilidade que se

iniciava270. Com um exército grande, eram grandes as despesas que ainda eram mantidas para

sustentar os soldados, o que dificultava a aplicação de recursos em obras públicas.

Começando esta análise pelo ano final do seu governo, mais especificamente pelo

relatório de governo que Francisco de Brito Freire fez, a parte que mais interessa a este capítulo

diz respeito ao Palácio das Torres. Sobre esse edifício, o governador afirmava que este estava

“lastimosamente desmantelado e quase de todo caído”. A preocupação da autoridade

direcionava-se à administração dos recursos da capitania, em especial o controlado pela câmara

e aos benefícios que um reparo nas construções erguidas pelo Conde de Nassau traria.

Argumentava Freire que “eram muito inferiores os gastos ordinários e socorros da gente de

guerra” e, “aos efeitos reais com que para se acudir a necessidade precisa daqueles edifícios,

267 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. Jurisdição e Conflito: Aspectos da administração colonial: Recife: Ed.

Universitária da UFPE, 1997. 268 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit.. p. 82. 269 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. Jurisdição e Conflito: Aspectos da administração colonial: Recife: Ed.

Universitária da UFPE, 1997. MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco,

1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 270 SILVA, Kalina Vanderlei. Francisco de Brito Freire e a reforma militar de Pernambuco no século XVII. In:

POSSAMAI, Paulo. Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil: Estudos de história militar na idade

moderna. São Leopoldo, Oikos, 2012. p. 215.

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postos na total ruína a que estavam reduzidos como desabitados”271.

Desde 1662, Freire reclamava aos oficiais da câmara de Olinda que se gastava muito

com a moradia dos governadores, situação que pode ser rapidamente ligada ao governo de

André Vidal de Negreiros. É importante ressaltar que não havia um prédio oficial e que o

Palácio das Torres estava arruinado, como afirmava Francisco de Brito Freire. Este, inclusive,

apesar de ter assistido em todo o seu governo no Recife, somente morou “nas Torres” em 1664,

último ano de seu governo. Logo, independentemente de onde permanecesse o governo, a

câmara de Olinda direcionava recurso para a moradia dos governadores272.

Estas despesas não estariam compatíveis com a situação contábil tanto da Fazenda Real,

quando da própria câmara, que enfrentava dificuldades com o sustento das tropas e mesmo com

despesas ordinárias273. Para Brito Freire, o Palácio das Torres tinha condições de estabelecer o

governo e a sua reconstrução seria uma saída mais viável, apesar de estar “arruinado”. Havia,

todavia, um descaso por parte da câmara com este e outros edifícios “nobre”. Os camarários

gastavam, segundo argumentos do Governador, 150 mil réis anuais com o aluguel de sua

residência. Alegava Freire que possuía cabedal suficiente para se manter sem a ajuda da

câmara. Esta, porém, deveria aplicar a quantia paga com a “aposentadoria” do governador na

reforma do Palácio das Torres274. Assim, ordenava o governador, em 10 de novembro de

1662, que “os oficiais da câmara fação mandado para o contratador dos subsídios do açúcar

pagar ao capitão João de Mendonça os 150 mil réis para se me haverem de dar de minha

aposentadoria [e] apliquei para a reedificação das casas das torres”. Afirmava o governador

que 600 mil réis seriam suficientes para a reforma necessária para o Palácio275.

O governador, com essa atitude, assumiu os riscos políticos que este empreendimento

poderia resultar. Em suas próprias palavras, argumentava que a reconstrução do Palácio das

Torres era um “dever” da câmara e não um “favor”. Completava o governador afirmando que

gerir a capitania de Pernambuco era viver um dilema de agradar determinado grupo e fomentar

o ódio em outros, por consequência, pois se ficava “mal com Olinda por amor ao Recife”, ou

“mal com Recife por amor a Olinda”276. Aparentemente, Brito Freire teria optado por

contrariar os interesses dos indivíduos vinculados a Olinda. Em termos numéricos, do total de

90 documentos expedidos como “Disposições”, constantes no fundo conhecido como Coleção

271 Relatório da administração da capitania de Pernambuco, nos meados do século XVII por Francisco de Brito

Freire. Disponível em: http://purl.pt/22749. 272 Idem. 273 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 82v. 274 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 82v-83, 85v. 275 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 85v. 276 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 88-89.

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Conde dos Arcos, apenas um foi escrito e enviado a partir da vila de Olinda. Todos os outros

eram originários do Recife277. Isso traz indícios para uma maior atuação por parte dos

governadores nessa povoação.

Essa menção sugere a existência de uma luta pela administração dos recursos

provenientes de impostos. No caso, os contratos de subsídios278 que eram administrados pela

câmara: do açúcar, do tabaco, das carnes, das garapas e o dos vinhos. Os contratos que eram

designados para o sustento das tropas eram o do açúcar, das garapas e dos vinhos, sendo este o

que arrecadava um montante maior de recursos279. Dispõe-se, entretanto, de alguns dados

referentes aos anos de 1682, 1685 e 1686, embora não estejam completos e serem restritos aos

contratos dos vinhos e do açúcar.

QUADRO 04 – Valores arrecadados de contratos administrados pela câmara de Olinda.

1682

(Cruzados)

1685

(Cruzado

s)

1686

(Cruzados)

Contrato dos

vinhos

40 mil 52

mil

Contrato do

açúcar

56

mil

62 mil

FONTE: AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa. 14, Doc. 1466.

Essa sequência de valores, embora restrita a um período muito curto de tempo, pode

fornecer relativamente uma ideia dos recursos que a câmara de Olinda dispunha para serem

gastos. Estes valores devem ser somados com os outros contratos, dos quais, infelizmente, não

se dispõe de dados. Convertendo esses valores para réis, tem-se uma quantia, respectivamente,

de 16 contos, 20 contos e 800 mil réis, 22 contos e 400 mil réis e 24 contos e 800 mil réis.

Quantias que podem ser consideradas altas para uma obra orçada apenas em 600 mil réis. Quais

seriam, então, os problemas para se realizar as obras requeridas por Brito Freire? A divisão

hierárquica que existia entre o Recife e Olinda tinha influência, pois aquele era o local dos

277 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1. Ver toda a parte dedicada a Francisco de

Brito Freire. 278 Imposto que incidia sobre a comercialização de determinados produtos no entorno da vila, como uma

contribuição pela atividade fiscalizadora por parte da câmara. 279 De acordo com os dados constantes na Informação Geral da capitania de Pernambuco, de 1746-1749. Cf.

BIBLIOTECA Nacional do Rio de Janeiro. Informação Geral da Capitania de Pernambuco. Rio de Janeiro:

Oficinas de Artes Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1906. Anais da Biblioteca Nacional. vol. XXVIII. p. 285.

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mercadores e dos oficiais mecânicos, conforme se observará na próxima parte. Dessa forma, a

aplicação de determinada renda dependia das conveniências do grupo. Nesse caso, um grupo

que queria um espaço de atuação bem determinado e que não poderia ser violado por outras

autoridades régias. Esses valores referidos logo acima, farão mais sentido para a segunda parte

do trabalho, na qual há a análise de governadores que chegaram a fazer um levantamento do

que haveria de ser feito para a reforma do Palácio das Torres.

3.4 De Mendonça Furtado a Aires de Sousa e Castro

Este período, apesar de ser maior, apresenta menos informações que contribuam para a

discussão sobre a capitalidade. Pode-se observar, de governo para governo, uma possível

tentativa de buscar uma resolução para o Palácio das Torres. Em 4 de março de 1665, o

governador Jerônimo de Mendonça Furtado reclamava do tamanho das casas pagas pela câmara

de Olinda, insuficiente para a acomodação de seus criados e “pessoas da casa”. Seis meses

depois, apesar de não fazer nenhuma menção ao Palácio das Torres, o Governador afirmava

que era necessário para a sua residência permanente no Recife, pois “folgariam mais” os oficiais

da câmara com a sua “assistência no Recife” que em Olinda280. Furtado foi um dos

governadores que mais entrou em conflito com a câmara, o que provocou a sua prisão e

deposição281.

As razões apresentadas pela câmara de Olinda para a expulsão do governador,

apresentadas em 1666, são reveladoras da dimensão do local que o governador escolhia para se

estabelecer e, principalmente, realizar suas atividades. Afirmavam os camaristas que, “para se

continuar a povoação” que na vila havia antes dos holandeses, o referido “antigo estado”,

“animaram-se” os moradores a “reedificar grandes propriedades de casas que com a entrada

dos holandeses se tinham arrasado”. Segundo afirmaram, isso seria necessário para estabelecer

todos os “oficiais maiores de guerra e os ministros e oficiais de justiça” para a vila, edificando

casas nela. Os “oficiais mecânicos, mercadores e gente popular” deveriam seguir para a

“povoação” do Recife. Isto teria sido aceito e acordado com os moradores e ordens religiosas:

Companhia de Jesus, Ordem do Carmo, São Bento e São Francisco, todas com “grandes e

suntuosos conventos” na vila de Olinda282. Por fim, os oficiais da câmara afirmaram que

280 Arquivo da Universidade de Coimbra, Coleção Conde de Arcos, Disposições dos Governadores de

Pernambuco, tomo 1, fl. 140v. 281 Sobre isto, ver o capítulo primeiro de MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates

Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 282 ANAIS da Biblioteca Nacional, vol. LVII, 1935. Deposição de Jerônimo de Mendonça Furtado. p. 128.

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Os governadores antecessores por seus respeitos particulares faziam morada

na povoação do Recife, onde aos moradores de fora, que vinham a seus

negócios, e requerimentos se desacomodavam muito assistir, por não ser o

lugar capaz, não havia nele aqueles lugares públicos de casa de auditório,

vereação e praça de pelourinho; o que tudo fez aparelhar com a decência e

autoridade que convinha na vila283.

Francisco de Sousa Coutinho, governador em 1671, afirmava que o rei havia mandado

permanecer com o governo em Olinda e cuidar da reconstrução da vila, ordenando que os

“moradores, senhores de engenho e mais pessoas que poderosas” que possuíssem “chãos” nessa

localidade, ou que exercessem algum ofício vinculado a ela, fossem obrigados a “levantar as

casas” que ainda estavam “caídas”284, conforme visto no capítulo anterior. Aqui, contudo,

ressalta-se a necessidade de quem tivesse algum ofício que estivesse ligado a Olinda de exercê-

los nessa localidade, um indício de que haveria um esvaziamento destes indivíduos em seu

entorno.

Muitos governadores arriscaram-se a viver no Palácio das Torres entregue à ruína pelos

oficiais da câmara de Olinda. Aires de Souza e Castro, em 1678, teria feito um orçamento do

custo de reforma das Torres. Chegou à quantia de 54 mil e 900 réis, valor bem inferior aos 600

mil réis especulados por Francisco de Brito Freire. Em 1686, João da Cunha Souto Maior

retirou-se do Palácio temendo a queda da estrutura. Este teria ordenado ao Provedor da Fazenda

Real, João do Rego Barros, a realização de uma vistoria técnica e que cuidasse da reforma.

Souto Maior afirmava que as portas estavam estouradas e que a estrutura do Palácio era

insegura, por “ser obra flamenga”. Provavelmente, referia-se à adaptabilidade do material de

construção utilizado pelos holandeses, impróprio para a região dos trópicos e, por essa razão,

pouco duráveis neste contexto climático285.

Em 1686, o governador da capitania de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior, de

Olinda, escreveu à câmara desta localidade declarando que necessitava ver-se “livre de

sustos”. As queixas da autoridade direcionavam-se ao local destinado à sua morada que,

segundo suas palavras, eram da responsabilidade daquele senado. Aparentemente, após 1654,

o local mais recorrente de morada do governador de Pernambuco foi o Recife. Entre as

diferentes razões que cada governante argumentava, a facilidade para o “despedir” das frotas

e o trato dos negócios referentes à sua jurisdição na administração da capitania foram as mais

pronunciadas. Para o governador em questão, o posicionamento foi semelhante. O motivo

283 Idem. 284 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 251v. 285 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 430v, 431v-432v.

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para os sustos que Souto Maior sofria era a situação de degradação do Palácio das Torres,

moradia dos governadores de Pernambuco. Relatava o governador que “Bem presente é a

vossa mercê o estado em que se acham as torres do Recife que é com tal danificação que mais

se pode esperar uma ruína nelas do que experimentar o sossego que todos procuram para sua

quietação”286. Segundo seus argumentos, o governador anterior, dom João de Sousa, retirou-

se com medo de algum acidente do mesmo local, o que motivou Souto Maior a seguir o

exemplo de seu antecessor.

No relatório oferecido pelo provedor, dizia-se que o Palácio das Torres era feito de

tijolos, e por esse motivo seria pouco “durável”, provavelmente, de origem holandesa e pouco

adaptados ao clima tropical. Algo que comprometeu a estrutura da edificação foi o “sitio” de

caranguejos que circulavam pela fundação da obra, um problema de aterramento, já que a região

era de manguezais e necessitava de uma cobertura de areia eficiente para suportar a construção

de edifícios. O provedor João do Rego Barros afirmava que era preciso fazer “pilares novos” e

de emadeiramento também novo. Além dos custos com material, o trabalho do ferreiro e do

carpinteiro valia 500 mil réis e 600 mil réis, respectivamente.

Anos depois, o Palácio das Torres pareceu estar finalmente reconstruído. Em 1691, por

meio da intervenção econômica do comerciante Antônio Fernandes de Matos, e a pedido do

Marquês de Montebelo, o governador Antônio Félix Machado da Silva e Castro, a reforma do

Palácio teria ficado pronta, segundo afirma Evaldo Cabral de Mello287. Em 1699, teria sido

usado para a realização de uma reunião entre autoridades da capitania: o provedor da fazenda,

o procurador da Coroa, o governador da capitania de Pernambuco e o bispo.

A questão discutida era da definição de um foro, um imposto a ser pago pela extensão

das terras e por sua qualidade, definida pela proximidade do Recife288. No ano seguinte, o então

governador Fernão Martins Mascarenhas de Lencastro teria proposto ao rei a divisão do termo

de Olinda para a criação de uma nova vila no Recife, o que foi rechaçado pelo rei D. Pedro II,

que lembrou ao governador que repetidas vezes teria recomendado a conservação da então

cidade de Olinda como sede do governo da capitania289. Anos mais tarde, conforme colocado,

D. João V resolveu criar a vila do Recife, possivelmente convencido pelos argumentos dos

286 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 430v, 431v-432v. 287 Cf. MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995. 288 AHU-PE, PA, Cx. 18, D. 1777. Cf.ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira Alveal. Converting Land into

Property in the Portuguese Atlantic World, 16th-18th Century. Tese (Doutorado em História) – Johns Hopkins

University, 2007. p 169; ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. Transformações na legislação sesmarial,

processos de demarcação e manutenção de privilégios nas terras das Capitanias do Norte do Estado do

Brasil. Estudos Históricos Rio de Janeiro, vol. 28, n. 56, pp. 247-263, julho-dezembro, 2015.

289 AUC, CA, Ordenações para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl.282v.

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comerciantes, cuja ação pode ser percebida no sentido de dotar constantemente os espaços desta

localidade de construções “dignas” de uma vila ou cidade. Para que isso ocorresse, seria

necessário que indivíduos estivessem dispostos a colocarem seus cabedais a serviço de uma

“causa”. A promoção de uma localidade que se mostrava “rival” de outra visava também uma

promoção pessoal. Materializada nas obras e na opulência de suas construções, o Recife acabou

por alcançar o status de vila, ou, ao menos, criou-se essa ideia de comparação entre ele e Olinda.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto nos três capítulos desta dissertação, ainda restam muitas lacunas a

serem preenchidas. A natureza fragmentária e esparsa das discussões acerca da capitalidade

prejudicou o entendimento processual da perda da condição de Olinda como “cabeça” da

capitania. Uma perda, de fato, não ocorreu, tendo em vista que Olinda somente deixou de ser

“capital” de Pernambuco no século XIX. A importância no contexto estudado, contudo, não

aparenta ter sido a mesma, economicamente, com o desmembramento da região portuária e a

posterior concentração populacional na área do Recife e estabelecimento no termo da vila.

Desde 1654, a câmara de Olinda e indivíduos importantes da capitania enfrentaram

dificuldades em implementar uma recuperação da vila de Olinda. Inicialmente, o argumento da

segurança parecia ser o mais conveniente em razão das constantes ameaças de novas invasões

por parte da Holanda e de outras nações. Paralelamente às discussões relativas à segurança e

contornos de sistemas de defesa, muito se argumentou sobre a “capacidade” territorial da vila

de Olinda em abrigar edifícios “nobres” e de receber um número considerável de ordens

religiosas em seu entorno, em paralelo com o provável estado que se formava de uma constante

mudança do centro de domínio para a povoação do Recife, local em que os holandeses se

instalaram e desenvolveram uma urbe relativamente desenvolvida.

Neste momento, o apelo foi elaborado a partir da ideia de tradição, de como aqueles que

lutaram na guerra sentiam-se, não somente merecedores das benesses reais por todo o empenho

no conflito, mas também compelidos a reconstruir uma estrutura social vigente antes de 1630,

a qual passava, entre outras questões, pela redefinição da relação que tinham com a vila de

Olinda. Logo, percebe-se a superposição de questões relativas à família, ao incorporar uma

noção de antiguidade relacionada não somente entre parentes, mas entre esses grupos e a própria

vila.

Os “ventos” aludidos por Sebastião de Castro Caldas carregavam pessoas, instituições,

desde pedras de construção de casas até as do arruamento, diminuindo a expressividade da

dinâmica populacional da vila. Restou à câmara de Olinda os “conventos”, como representação

de uma tentativa de manter um dos grandes indicadores de riqueza de uma vila no período

colonial, uma vez que retiraram materiais essenciais dos seus lares para a manutenção dos

edifícios religiosos. No momento de formação da vila do Recife estava em jogo os interesses

econômicos e políticos de governadores e da Coroa portuguesa. Os elementos físicos

existentes nas duas localidades funcionavam como um argumento material e justificador da

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ereção da nova vila, pois, acreditava-se que estava, a então cidade de Olinda, em uma

condição distante daquela que se esperava, tendo em vista o seu título e o que este representava

simbolicamente e territorialmente.

Por outro lado, o discurso da ruína e da decadência, assim como a própria reafirmação

por parte da câmara de Olinda, emerge em momentos críticos e revelou os momentos em que a

pauta se fazia presente, tanto no trato com os governadores quanto com a Coroa portuguesa.

Seria possível afirmar que somente o sucesso da guerra contra os holandeses não teria sido

suficiente para manter a vila de Olinda como hegemônica? Mais de uma resposta poderia ser

colocada para tal questão.

De maneiras distintas, território e capitalidade estavam sendo discutidos nos

documentos analisados. Simbolicamente, o poderio da Coroa portuguesa, assim como a

riqueza e estabilidade política de suas colônias e a manutenção de seu território, tinha nas

estruturas físicas o seu reflexo. De maneira que o jogo político também se assentava,

propriamente, no embate entre distintas qualidades, algo presente nas hierarquias sociais e que

acabava por transbordar na identificação entre o local, o espaço em questão, e os indivíduos.

Isto significa que estas questões caminhavam para além da subordinação e dependência ao

econômico e ao político, pois estavam entrelaçadas como argumento e como materialização

de diferenciações presentes na cultura e na vida das pessoas, especialmente dos considerados

como principais da terra, a nobreza da terra, no caso.

Primeiramente, buscou-se analisar a constituição territorial da vila de Olinda e as

formas que as elites, principalmente por meio da câmara de Olinda, atuavam sobre o espaço da

vila, no controle regulador dos chãos de terra da área habitada da vila. A caracterização espacial

da vila de Olinda mostrou, sobretudo, como era ocupada a circunscrição territorial da vila.

Nesta parte, pode-se relativizar algumas colocações sobre a decadência da vila, tendo em vista

alguns indícios sobre as atividades econômicas exercidas no meio da vila. Mostrou, também,

como a própria relação que se tinha com os chãos de terra doados na vila e as casas construídas

na vila poderiam ter interferido na “ruralização da açucarocracia”.

Isto acabou por fortalecer a ideia de um vínculo entre pessoas e localidades no qual há

a identificação de Olinda como um local privilegiado de exercício de poder de certo grupo,

que deixou de ter no século XVII a “dupla moradia”, pela interferência tanto do “comércio de

terras” existente quanto pela dificuldade em identificar os verdadeiros donos de cada

propriedade, tendo em vista que a prática existente era da venda das benfeitorias. Em seguida

foi possível entender um perfil dos indivíduos que ocupavam a câmara de Olinda. Para além

disso, os quadros que formavam anualmente a câmara forneceram uma ideia do quanto a elite

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olindense era homogênea e hegemônica, no sentido que pouco se observou mudanças nos

nomes que frequentaram os cargos da governança da terra.

A defesa da posição de centro e “cabeça” por meio da argumentação em consultas feitas

ao Conselho Ultramarino e em manifestos foi objeto de estudo do segundo capítulo da

dissertação. Neste momento, percebe-se os elementos constitutivos da hierarquização da

sociedade colonial, que atravessava essa esfera e estendia-se para a classificação entre vilas,

povoados e cidades, avaliados segundo suas estruturas físicas e pela presença de elementos

“enobrecedores” como conventos, casas de sobrado e igrejas bem ornadas. Além disso,

demonstrou-se ações pontuais de aplicação das rendas do conselho em obras que pudessem

trazer esse melhoramento.

Ações que atingiram até autoridades metropolitanas, conforme visto no terceiro

capítulo. A presença física dos govenadores tinha o poder de indicar a centralidade da capitania.

Dessa forma, ao preferirem a permanência na cidade do Recife, por razões de conveniência para

melhor exercício de suas funções ou por posicionamento político frente aos camarários da vila

de Olinda, os governadores provocavam uma alteração geográfica na identificação de onde o

poder estaria localizado, e o onde ele deveria permanecer.

Apesar dos alegados “fracassos” em recuperar a estrutura física de Olinda, sobretudo na

iminência da criação da vila do Recife, não é possível apontar decisivamente a situação de uma

decadência. Os esforços em reestruturar algumas referências espaciais, como conventos, e a

própria instalação do bispado, em 1676, demonstra que, até pelo menos o início do último

cartel do século XVII, a vila de Olinda gozava de uma posição hierarquicamente elevada no

Norte da América portuguesa. Até o acirramento das tensões sociais entre a nobreza da terra e

os comerciantes, a vila de Olinda permaneceu em uma posição ambígua, de uma localidade

que cambaleava entre sua condição de centro, mas que foi perdendo a importância dentro das

dinâmicas fiscais, populacionais e econômicas da capitania para o Recife.

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115

ANEXOS

01290 – Composição da câmara de Olinda (1654-1658)

1654 1655 1657 1658

Bernardino de Carvalho (Vereador)

Francisco Gomes de

Abreu

Brás Barbalho Feio

(Vereador)

Antônio Bezerra291

Manuel Carneiro Mariz (Juiz

ordinário)

Manuel de

Sepúlveda292

Pedro de [Cunha] Pereira

[Antônio] Vieira Álvaro Teixeira de

Mesquita293

João Baptista

Acioli294 (Juiz

ordinário)

Manuel Gonçalves Freire

[.....]Abreu

FONTE: AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 6, Doc. 485; AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 7, Doc. 606; ACIOLI,

Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 162, 178, 185,189.

290 Os nomes nos quais não há chamada para nota de rodapé são os que ainda não se possui nenhuma informação

sobre ocupação ou atuação política. Ressalta-se que as características desse grupo até agora levantado são de

caráter preliminar. 291 Participou da guerra contra os holandeses como insurgente, após 1645, tendo assinado diversas cartas em

conjunto com João Fernandes Vieira, como morador de Pernambuco. Fonte: COSTA, F. A. Pereira da. Anais

Pernambucanos. Recife: FUNDARPE. Diretoria de Assuntos Culturais, 1983, v. 3, p. 204, 213. 292 Sem informação, porém sabe-se que a família Sepúlveda teria participado do grupo de insurgentes que declarou

guerra aos holandeses em 1645, ao lado de João Fernandes Vieira. COSTA, F. A. Pereira da. Anais

Pernambucanos. Recife: FUNDARPE. Diretoria de Assuntos Culturais, 1983, v. 3, p. 204. 293 Teria participado do grupo de insurgentes que declarou guerra aos holandeses em 1645, ao lado de João

Fernandes Vieira. COSTA, F. A. Pereira da. Op. cit. p. 204. 294 Senhor de engenho, que teria participado da guerra contra os holandeses. ACIOLI, Vera Lúcia Costa.

Jurisdição e conflitos: aspectos da administração colonial. Recife: Editora universitária de UFPE, 1997, p. 162.

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02 – Composição da câmara de Olinda (1660-1664)

1660 1661 1662 1663 1664

Álvaro Barbalho

Feo (Juiz)

Brás Barbalho

Feio302

João Batista

Acioli (Juiz

ordinário)

Francisco de

Oliveira Lemos

(Vereador)

André de Barros

Rego (juiz

ordinário)

Gaspar de Sousa

Uchoa (Juiz)303

Antônio Cavalcanti

de Albuquerque304

João Pessoa Bezerra

(Vereador)

Pedro da Cunha

Pereira (Vereador)

Paulo de Carvalho Mesquita

Luís Marreiros

(Vereador)

João Paes de Castro (Vereador)

Francisco de Souza

Falcão

Manuel Oliveira

de Abreu (Procurador)

Francisco Pereira

Vilar

André de Barros305

Rego

[Pedro ou

Francisco] Tavares de Lira

FONTE: AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 7, Doc. 617. AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 7, Doc. 632-633. ACIOLI,

Vera Lucia Costa, op. cit., p. 162, 185 e 187.

03 – Composição da câmara de Olinda (1665-1667)

1665 1666 1667

Cosmo de Abreu Pereira

André de Barros Rego João Batista Acioli (juiz ordinário)

[Francisco] Rocha Bezerra

João Ribeiro Manuel Gonçalves Freire

Jacinto Barboza Almeida

Francisco Cavalcante de Vasconcelos

Simão [Pereira] de Souza

João [Velho] Barreto Domingos Dias Soeiro Domingos de Luna de Sá

Manuel da Silva Pinto

Escrivão: Manuel Pereira de Azevedo

Escrivão: Manuel Pereira Azevedo

FONTE: AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 8, Doc. 764-775. AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 8, Doc. 795. AHU-

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117

04 – Composição da câmara de Olinda (1670-1673)

1670 1671 1672 1673

João Ribeiro João Cavalcanti de Albuquerque (vereador)

Estevão Paes Barreto

Miguel Ferreira Uchoa

Christóvão Berenguer de

Andrada

João Pessoa Bezerra (Juiz

ordinário)

[Francisco] de

Andrada Berenguer

João Soares de

Albuquerque

Antonio Duarte de Carvalho

João Teixeira da Silva João Teixeira da Silva

Manoel Dias de Andrade

Antonio de [Mendonça] Cabral

Baltazar Leitão de Vasconcelos

Antônio de Mendonça Cabral

Duarte de Siqueira

João Velho Barreto (vereador)

Braz Varela de Lira Manoel Bezerra Monteiro

João Cavalcanti de Albuquerque

Nuno Camelo Antônio [........] Uchoa Faustino Gomes Manuel Gonçalves Freire

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05 – Composição da câmara de Olinda (1675-1677, 1681)

1675 1676 1677 1681

Francisco Tavares de Lira

Gaspar de Sousa Uchoa

Zenóbio de Acioli Vasconcelos

Francisco Tavares de Lira

Cristóvão Berenguer de Andrade

Nuno Camelo Álvaro Barbalho de Lira

Baltazar Leitão de Vasconcelos

João Carneiro da Cunha

Luís Barbalho de Vasconcelos

Gaspar de Sousa Uchoa

Diogo de Miranda

Lourenço Cavalcanti de Vasconcelos

Mateus de Sá Manuel da Silva Pinto

[....] Camelo de Abreu

[......] Camelo de Abreu

João Cavalcanti de Albuquerque

Manuel Carneiro da Cunha

[João] da Cunha Pereira

[......] da Rocha [.......]

[Manoel] Leitão Arnoso

Gaspar da Costa Casado

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06 – Composição da câmara de Olinda (1685, 1686, 1690, 1700)

1685 1686 1690 1700

João Cavalcante de Albuquerque

Cristóvão de Holanda Cavalcanti (Vereador)

Bras de Araújo Pessoa

Gaspar de Sousa Uchoa

Manoel Dias de

Andrada

[.........] Cavalcanti de

Albuquerque

Bernardo de

Carvalho de Andrade

Pedro Cavalcanti de

Albuquerque

Antônio de Souza de Lira

Manoel Leitão Arnoso Pedro Ribeiro da Silva

Manuel de Albuquerque de Melo

João de Barros Rego

Álvaro Barbalho Feio Rodrigo da Silveira

Antônio Alvares Bezerra

Gonçalo Lobo Barreto

[Gaspar] de Almeida Barbosa

João Marinho Falcão

Matias Coelho Barbosa

Antônio Carvalho de Vasconcelos

[.........] [José] Gomes de Mello

Fontes: ACIOLI, Jurisdição e Conflito, p. 179. AHU-PE, PA, Cx. 14, Doc. 1380. AHU-PE, PA, Cx. 15, Doc.

1506, 1507 AHU-PE, PA, Cx. 18, Doc. 1833