uma teoria do direito administrativo - binenboj - resumido

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UMA TEORIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO: AUTOR: Gustavo Binenbojm: NOTA À 2ª EDIÇÃO: 1. SOBRE INOCLASTAS 1 E SEU DESTINO: Roberto Mangabeira Unger se utiliza de uma parábola para perscrutar a relação dos juristas com o direito, em resumo, a aliança de Deus com a Abraão era no sentido de romper com toda forma de idolatria, e a busca de um mundo de justiça e redenção. Assim, sob diferentes contextos e circunstâncias, a obediência cega aos códigos (ex: a bíblia) pode representar, ela própria, uma forma de idolatria. Adorar as normas como se elas fossem atemporais, pode significar o descumprimento da aliança em sua essência: um compromisso ético e contínuo de superação das injustiças nunca integralmente realizado. Conclui-se que o direito não deve ser contemplado pelos juristas como uma revelação dos sábios do passado, pois o direito deve evoluir, assim como a sociedade evolui, sendo dilapidado com o passar do tempo. Gustavo contesta o valor afirmado pela geração anterior de administrativistas, do princípio da sumpremacia do interesse público sobre o privado. Para Carlos Ari Sundfeld, que concorda com Gustavo, não adianta dizer que o interesse público deve ser preferido, se o problema é justamente saber qual interesse é o público. Tal princípio, além de não ajudar a responder tal questionamento, é muito perigoso, pois pode ser usado para fundamentar a presunção autoritária de que a vontade do Estado é sinônimo de interesse público. A doutrina encontra-se dividida entre aqueles que entendem pela destruição do princípio da supremacia do interesse público e aqueles outros que advogam a necessidade de sua reconstrução. Em ambos os casos, todavia, os autores concordam em que, nos Estados constitucionais e democráticos, não há mais espaço para a defesa da prevalência presumida e descontextualizada dos interesses de caráter difuso ou coletivo sobre os direitos individuais. 1 Iconoclastas = aquele que destrói símbolos.

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UMA TEORIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO:AUTOR: Gustavo Binenbojm:NOTA 2 EDIO: SOBRE INOCLASTAS[footnoteRef:1] E SEU DESTINO: [1: Iconoclastas = aquele que destri smbolos.]

Roberto Mangabeira Unger se utiliza de uma parbola para perscrutar a relao dos juristas com o direito, em resumo, a aliana de Deus com a Abrao era no sentido de romper com toda forma de idolatria, e a busca de um mundo de justia e redeno.Assim, sob diferentes contextos e circunstncias, a obedincia cega aos cdigos (ex: a bblia) pode representar, ela prpria, uma forma de idolatria. Adorar as normas como se elas fossem atemporais, pode significar o descumprimento da aliana em sua essncia: um compromisso tico e contnuo de superao das injustias nunca integralmente realizado.Conclui-se que o direito no deve ser contemplado pelos juristas como uma revelao dos sbios do passado, pois o direito deve evoluir, assim como a sociedade evolui, sendo dilapidado com o passar do tempo.Gustavo contesta o valor afirmado pela gerao anterior de administrativistas, do princpio da sumpremacia do interesse pblico sobre o privado.Para Carlos Ari Sundfeld, que concorda com Gustavo, no adianta dizer que o interesse pblico deve ser preferido, se o problema justamente saber qual interesse o pblico. Tal princpio, alm de no ajudar a responder tal questionamento, muito perigoso, pois pode ser usado para fundamentar a presuno autoritria de que a vontade do Estado sinnimo de interesse pblico.A doutrina encontra-se dividida entre aqueles que entendem pela destruio do princpio da supremacia do interesse pblico e aqueles outros que advogam a necessidade de sua reconstruo. Em ambos os casos, todavia, os autores concordam em que, nos Estados constitucionais e democrticos, no h mais espao para a defesa da prevalncia presumida e descontextualizada dos interesses de carter difuso ou coletivo sobre os direitos individuais.

PREFCIOA CAMINHO DE UM DIREITO ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONAL:1. SOBRE O AUTOR E SEU ORIENTADOR:Gustavo foi aluno, discpulo, e estagirio e orientado em seus trabalhos por Paulo Roberto Barroso.2. SOBRE A TESE:De acordo com o Barroso:Reunido em uma pea nica, o conjunto do trabalho pareceu-me totalmente singular, repleto de vises prprias e totalmente inspiradas. A sensao foi semelhante a que senti na primeira vez que minha filha mais emitiu uma opinio que no aprendera em casa, que no correspondia as nossas conversas e ao nosso patrimnio comum.Esta a glria do magistrio: deixar de ser protagonista e torna-se um expectador engajado. s vezes um mero torcedor na arquibancada.O livro explora muito bem a incidncia do Neoconstitucionalismo e da constitucionalizao do direito sobre o direito administrativo.O Neoconstitucionalismo identifica uma srie de transformaes ocorridas no Estado e no direito constitucional, nas ltimas dcadas, que tm os seguintes marcos:a) Filosficos: o ps-positivismo;b) Histrico: formao do Estado constitucional do direito aps a 2 guerra mundial, e no caso do Brasil, a redemocratizao institucionalizada pela Constituio de 88.c) Terico: conjunto de novas percepes e de novas prticas, que incluem o reconhecimento de fora normativa Constituio, a expanso de jurisdio constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmtica de interpretao constitucional, envolvendo novas categorias, como os princpios, as colises de direitos fundamentais, a ponderao e a argumentao. A constitucionalizao do direito, por sua vez, est associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo contedo material e axiolgico reflete, com fora normativa, por todo o sistema jurdico. Os valores, fins pblicos e os comportamentos contemplados nos princpios e regras da constituio passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Nesse ambiente, a Constituio passa a ser no apenas um sistema em si com sua ordem, unidade e harmonia, mas tambm um modo de olhar e interpretar todos os ramos dos direitos, ou seja, passar a ser um ponto de referncia a ser seguido.A constitucionalizao do direito tem como sua principal marca a reinterpretao dos institutos do direito infraconstitucional sob uma tica constitucional.Assim, a partir da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, alterou-se a qualidade das relaes entre a Administrao e administrado, com a superao ou reformulao de paradigmas tradicionais. Dentre eles, possvel destacar:a) A redefinio da ideia de supremacia do interesse pblico sobre o privado;b) A vinculao do administrador Constituio e no apenas lei ordinria;c) Possibilidade de controle judicial do mrito do ato administrativo.3. ENCERRAMENTO:De acordo com Barroso, o nico problema de um livro com este que ele deflagra o debate sobre temas relevantes e complexos, passando a impresso de que j no h mais nada a ser dito. O que certo, no entanto, que o direito administrativo jamais voltar a se pensado como era at aqui.

APRESENTAO:As ideias desenvolvidas neste livro no se pretenderam afastadas da corrente dominante do direito administrativo brasileiro simplesmente por s-lo. Muitas delas seque so realmente originais em sua concepo, mas foram utilizadas, com os devidos crditos, na tentativa de uma nova sistematizao, esta sim talvez possa ser novidade.A teoria do direito administrativo brasileiro sempre pareceu inconsistente do ponto de vista lgico-conceitual, autoritria do ponto de vista poltico-jurdico, e ineficiente, de um ponto de vista pragmtico (resultado concreto), vejamos:a) Inconsistente: como concordar com a verso do nascimento do direito administrativo como fruto da sujeio da burocracia[footnoteRef:2] (no sentido de Administrao Pblia) lei e do advento do princpio da separao dos poderes, quando se sabe que os principais institutos da disciplina foram forjados de maneira autnoma pelo Conselho de Estado francs (e no por deciso heternoma, que vem de outra fonte, do legislador), rgo administrativo que congregava atribuies legislativas e judicantes, sob o controle do Poder Executivo? Essa no seria contrria a prpria ideia de separao de poderes? Como enquadrar um princpio de supremacia do interesse pblico sobre os interesses particulares em um ambiente reconstitucionalizado, no qual se proclama a centralidade, no do Estado ou da sociedade, mas do sistema de direitos fundamentais? Diante de tais questionamentos, s se pode concluir que a teoria do direito administrativo brasileiro , no mnimo, incoerente, inconsistente, carecendo de fundamentos. [2: Burocracia: Estrutura formada pelos rgos pblicos e seus funcionrios que administram a coisa pblica segundo uma rgida hierarquia e diviso de tarefas. tambm aobservncia formalista ao extremo de regulamentos e trmites administrativos; os trmites assim conduzidos]

b) Autoritria: Apesar de ser declarada como de origem garantstica, ligada ao acontecimento liberal do Estado de direito, atualmente reconhecida a raiz monrquica de boa parte dos institutos e categorias do direito administrativo. Trata-se de uma teoria elaborada tendo em vista a preservao de uma lgica da autoridade (para legitimar atos impositivos da autoridade administrativa), e no a construo de uma lgica cidad. A discricionariedade administrativa e o poder de polcia so exemplos destes tipos de institutos, assim como o prprio conceito de servio pblico, que foi construdo a partir de critrios que tinham em vista o interesse do Estado, personificador da sociedade, e no os interesses constitucionalizados dos cidados.c) Ineficiente: Os esquemas tradicionais por meio dos quais se move o aparelho burocrtico so ineficientes, em parte, devido ao baixo grau de racionalidade do regime jurdico administrativo. A ideia de um regime de prerrogativas e restries (regime jurdico administrativo), acabou por tornar um critrio por si mesmo, e no um meio para realizao de determinadas finalidades. Seriam os custos com procedimentos rgidos, demorados e ineficientes (licitaes, por exemplo) nas mais de 5.700 administraes pblicas existentes no Brasil justificveis por razes de legitimidade? Seria esta a melhor maneira de conciliar legitimidade e eficincia? Por que a estrutura da Administrao deve ser unitria e diretamente responsiva s escolhas polticas do chefe do executivo, quando outros interesses sociais podem recomendar outros centros de poderes, sob certas condies? Seriam os modelos administrativos ingls e norte-americano, que sempre reservaram um espao decisrio autnomo para autoridades independentes em determinados setores da Administrao, essencialmente anti-democrticos?O presente trabalho pretende demonstra, dentre outros, a crise da ideia do regime jurdico administrativo, preconizando-se a passagem do paradigma da supremacia do interesse pblico ao paradigma do dever de proporcionalidade.PRIMEIRA PARTEOBJETO DA INVESTIGAO

CAPTULO IA CRISE DOS PARADIGMAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO:1. A OUTRA HISTRIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO: DO PECADO AUTORITRIO ORIGINAL CONSTITUIO DE UMA DOGMTICA A SERVIO DOS DONOS DO PODER:De acordo com a histria oficial, o direito nasceu da subordinao do poder lei e da correlativa definio de uma pauta de direitos individuais que passavam a vincular a Administrao Pblica.A cada ano, repete-se aos alunos a mesma de que a mesma lei que organiza a estrutura da Administrao Pblica e define suas funes operaria como instrumento de conteno de seu poder, agora subordinado a vontade heternoma do poder legislativo.Dentro da lgica da separao dos poderes, Administrao restaria uma funo meramente executiva, de cumprimento mecnico da vontade j manifestada pelo legislador. Surge, ento, a ideia da legalidade como vinculao positiva lei: se aos particulares, em prestgio e valorizao de sua autonomia pblica e privada, permitido fazer tudo aquilo que no lhes for vedado pela lei, Administrao cabe agir to somente de acordo com o que a lei prescreve ou faculta.Tal histria seria esclarecedora no fosse falsa. Analisando os detalhes, veremos que a histria da origem e do desenvolvimento do direito administrativo outra.A associao da criao do direito administrativo ao advento do Estado de direito e do princpio da separao dos poderes na Frana ps-revolucionria caracteriza erro histrico e reproduo acrtica de um discurso de embotamento da realidade repetido por sucessivas geraes, constituindo aquilo que Paulo Otero denominou de iluso garantstica da gnese.Na verdade, o surgimento do direito administrativo, e de suas categorias jurdicas peculiares (supremacia do interesse pblico, prerrogativas da Administrao, discricionariedade, insindicabilidade do mrito administrativo, dentre outras), representou antes uma forma de reproduo ou sobrevivncia das prticas administrativas do Antigo Regime que a sua superao. A juridicizao[footnoteRef:3] embrionria da Administrao Pblica no logrou subordina-la ao direito, pelo contrrio, serviu-lhes apenas de revestimento e aparato retrico para a sua perpetuao fora da esfera de controle dos cidados. [3: Juridicizao: previso de certo evento (fato jurdico) no mundo jurdico.]

A conhecida origem pretoriana do direito administrativo como construo jurisprudencial (do Conselho de Estado Frances[footnoteRef:4]) derrogatria do direito comum, traz em si esta contradio: a criao de um direito especial da Administrao Pblica resultou no da vontade geral, expressa pelo legislativo, mas de deciso autovinculativa do prprio executivo. [4: Conselho de Estado era o rgo responsvel para o julgamento dos litgios envolvendo a Administrao. At ento o Conselho de Estado era em tudo semelhante ao Conselho do Rei (Antigo Regime), sendo responsvel pela elaborao de projetos de lei para o Poder Executivo e atuando na rea consultiva, desde sua criao. Inicia-se aqui a fase de diviso entre atividades judiciais e administrativas. Vale lembrar que o sistema de contencioso administrativo francs sempre reservou ao Poder Executivo a ltima palavra sobre a competncia do Conselho de Estado, criando-se, por via indireta, uma forma sui generis de o poder executivo se substituir ao Poder Legislativo na criao do direito especial da Administrao Pblica. O Brasil adotou o sistema ingls de jurisdio una.]

A ideia clssica de que a Revoluo Francesa comportou a instaurao do princpio da legalidade administrativa, tornando o Executivo subordinado vontade do Parlamento expressa atravs da lei, assenta num mito repetido por sucessivas geraes: a criao do direito Administrativo pelo Conselho de Estado, passando a Administrao a pautar-se por normas diferentes daquelas que regulavam a atividade jurdico-privada, no foi um produto da vontade da lei, antes se configura como uma interveno decisria autovinculativa do Executivo sob proposta do Conselho de Estado.Tal circunstncia histrica subverte, a um s golpe, os dois postulados bsicos do Estado de Direito em sua origem liberal: o princpio da legalidade e o princpio da separao de poderes. Pois nenhum cunho garantsticos de direitos individuais se pode esperar de uma Administrao Pblica que edita suas prprias normas jurdicas e julga soberanamente seus litgios com os administrados.Chega-se, assim, segunda contradio na criao do direito administrativo: a criao de jurisdio administrativa. Contrariando-se a noo intuitiva de que ningum bom juiz de si mesmo, a introduo do contencioso administrativo e a consequente subtrao dos litgios jurdico-administrativos da alada do Poder Judicirio -, embora alicerada formalmente na ideia de que julgar a Administrao ainda administrar, no teve qualquer contedo garantstico, mas antes se baseou na desconfiana dos revolucionrios franceses contra os tribunais judiciais, pretendendo impedir que o esprito de hostilidade existente nestes ltimos contra a Revoluo limitasse a ao das autoridades administrativas revolucionrias.A invocao do princpio da separao dos poderes foi um simples pretexto, mera figura retrica, visando atingir o objetivo de alargar a esfera de liberdade decisria da Administrao, tornando-a imune a qualquer controle judicial. Alis, o modelo de contencioso em que a Administrao julgaria a si prpria no representou qualquer inovao da Revoluo Francesa, sendo, pelo contrrio, uma continuidade daquele modelo vigorante no Antigo Regime.A institucionalizao de tal modelo, e sua surpreendente identidade com a estrutura de poder das monarquias absolutistas, revela o quanto o direito administrativo, em seu nascedouro, era alheio a qualquer propsito garantstico.O velho dogma absolutista da verticalidade das relaes entre o soberano e seus sditos serviria para justificar, sob o manto da supremacia do interesse pblico sobre o interesse dos particulares, a quebra de isonomia. E nem se diga que este estatuto especial da fazenda pblica se limitou historicamente aos primrdios do sc. XIX, pois ele chegou at o sc. XXI.Se algum sentido garantstico norteou e inspirou o surgimento e o desenvolvimento da dogmtica administrativista, este foi em favor da Administrao, e no dos cidados.Vale notar que a relutncia dos pases vinculados a common Law - seja na sua verso original inglesa, seja na sua verso hbrida norte-americana - em reconhecer autonomia didtico-cientfica ao direito administrativo e o repdio adoo da jurisdio administrativa deveram-se tradio existente, naquelas naes, de submisso das relaes entre Administrao e cidados s mesmas regras e aos mesmos juzes que decidiam os litgios entre particulares. Embora tambm l tenham existido e ainda existam normas que contemplavam imunidades ao poder poltico, o direito administrativo anglo-saxo no se formou como uma estrutura dogmtica munida de categorias a servio do poder.Cabe registrar este paradoxo (contradio) que a origem do direito administrativo nos dois grandes sistemas jurdicos do Ocidente: embora surgido num pas vinculado a tradio romano-germnica, sua elaborao deu-se por construo do juiz administrativo, processo tpico do common Law. Enquanto isso, nos pases anglo-saxinnicos, o reconhecimento da autonomia do direito administrativo, j em momento avanado do sc. XX, ligou-se sobretudo a legislao escrita (processo caracterstico do sistema romano germnico).Enquanto a tradio do direito pblico anglo-saxo exigia, como elemento constitutivo do prprio Estado de direito, que a jurisdio fosse nica para a Administrao e para os indivduos, vedando-se tratamento privilegiado para o Poder Pblico, na tradio romano-germnica o direito administrativo definido, em sua prpria natureza, como uma lei essencialmente desigual, que conferia Administrao, como condio para a satisfao do interesse geral, posio de supremacia sobre os direitos individuais.Enquanto no mundo europeu continental ps-revolucionrio, o Estado-Administrao torna-se o grande protagonista da produo normativa e da estruturao da vida econmica e social privadas, na Inglaterra e nos EUA, pelo contrrio, a Administrao permaneceu, at pelo menos o primeiro ps-guerra, desempenhando um papel meramente executivo, subordinado ao direito comum e sob a vigilncia do poder judicirio.No Brasil, o modelo de administrao implantado a reboque da colonizao de explorao, somado ao patrimonialismo da coroa portuguesa que se tornou nota caracterstica da cultura poltica brasileira, encontrou no figurino francs do direito administrativo material farto para se institucionalizar e legitimar. Como se pretende demonstrar ao longo do texto, as peculiaridades da Administrao Pblica Brasileira apenas aguaram as contradies intrnsecas que o modelo jusadministrativista europeu continental trazia j desde a sua criao. A EVOLUO CONTRADITRIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO: A DOGMTICA[footnoteRef:5] ADMINISTRATIVA NO DIV: [5: Dogma: conceito incontestvel. Dogmtico: conjunto de ensinamentos incontestveis, absolutos.]

Se no mais possvel compactuar com a viso romntica de um surgimento milagroso e pleno de boas intenes (voltados permanentemente proteo da cidadania e ao controle jurdico do poder), tampouco seria lcito advogar que uma razo slida e dotada de ms intenes esteve sempre por trs de todo o desenvolvimento do direito administrativo. Mais correto pensar a evoluo histrica da disciplina como uma sucesso de impulsos contraditrios, produto da tenso dialtica entre a lgica da autoridade e a lgica da liberdade.Apesar de o direito administrativo ter nascido parcial e desigual, com o passar do tempo tem sido incrementado uma vertente garantstica, caracterizada por meios e instrumentos de controle progressivo da atividade administrativa, pelos cidados.Entretanto, essa evoluo tem encontrado dificuldades ao longo da histria. A prpria variao frequente das constituies, em contraste com a continuidade da burocracia, contribuiu para que o direito administrativo se nutrisse de categorias, institutos, princpios e regras prprias, mantendo-se de certa forma alheio s sucessivas mutaes constitucionais.Um bom exemplo a variada noo de interesse pblico, em que a doutrina administrativista permanece oferecendo as mais diversas conceituaes, quase todas sem se basear no que prescreve a constituio.A mesma reflexo pode ser feita em relao discricionariedade administrativa. Durante muito tempo sem que isso provocasse maior polmica a discricionariedade era definida como uma margem de liberdade decisria dos gestores pblicos, sem qualquer remisso ou aluso aos princpios e regras constitucionais. Vale registrar que a primeira evoluo no sentido de controle judicial dos atos discricionrios com o surgimento de teorias com as do desvio de poder ou dos motivos determinantes partiu de elementos vinculados lei, mesmo existindo Estados europeus que j tinham sidos constitucionalizados.No contexto da teoria da legalidade, que pretendia, em essncia, a submisso integral da atividade administrativa vontade do legislador, a discricionariedade pode ser vista como uma insubmisso ou, pelo menos, uma no submisso.Outro impulso contraditrio do direito administrativo a chamada fuga para o direito privado. Constitudo por um conjunto de adaptaes e recriaes de institutos do direito civil, o regime jurdico administrativo passou a fazer um curioso caminho de volta, desde pelo menos o advento do Estado de bem-estar. Se o regime administrativo se caracteriza por uma combinao de prerrogativas e restries, a fuga para o direito privado permite que as administraes centrais (AD) conservem as prerrogativas, despindo-se das restries por meio das constituies de entidades administrativas com personalidade jurdica de direito privado.A ascenso do gerencialismo procura aplicar tcnicas de organizao e gesto empresariais privadas Administrao Pblica. A interveno direta do Estado na economia tem sido substituda por parcerias com a iniciativa privada, pelas quais empresas no-estatal passam a explorar servios pblicos e atividades econmicas antes sujeitas a monoplio estatal. O Estado prestador agora sucedido por um Estado eminentemente regulador.Essa hibridez de regimes jurdicos, caracterizada pela interpenetrao entre as esferas pblica e privada, representa um dos elementos da crise de identidade do direito administrativo.Por fim, de se destacar um grande problema dessas transformaes recentes no modelo de organizao administrativa. O surgimento e a proliferao das chamadas autoridades administrativas independentes subverteu a ideia de unidade da Administrao Pblica, substituindo-a pela noo de uma Administrao Policntrica.O sistema de Administrao centralizada (no chefe do executivo), adotado em diversos pases da Europa continental e no prprio Brasil, entra em crise com a importao dessa figura da agncia reguladora independente, criando a figura da autoridade administrativa independente, que chega ao Brasil nos anos 90, a reboque dos processos de privatizao e reforma do Estado.As autoridades ou agncias independentes quebraram o vnculo de unidade no interior da Administrao Pblica, eis que a sua atividade passou a situar-se em esfera jurdica externa da responsabilidade poltica do governo (no h subordinao hierrquica). Caracterizadas por um grau reforado da autonomia poltica de seus dirigentes em relao chefia da Administrao central, as autoridades independentes rompem o modelo tradicional de reconduo direta de todas as aes administrativas ao governo (decorrente do modelo de Administrao central). Evolui-se, assim, de um desenho piramidal para uma configurao policntrica.Tais contradies, construdas e reproduzidas em momentos histricos distintos pelo mundo afora, convergem agora para um momento de mudana terica que se poderia caracterizar como uma crise dos paradigmas do direito administrativo brasileiro.1. DELIMITANDO O OBJETO DA INVESTIGAO: A CRISE DOS PARADIGMAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO:A crise que atualmente atinge o direito administrativo pode ser atribuda tanto transformao que este vem sofrendo nos ltimos tempos, como tambm a alguns vcios de origem. Esta crise tem agravado o descompasso entre as velhas categorias e as reais necessidades e expectativas que recaem sobre a Administrao Pblica.Assim, possvel identificar 4 paradigmas clssicos do direito administrativo que fizeram carreira no Brasil e que so questionados na atualidade, diante de transformaes decorrentes da nova configurao do Estado democrtico de direito:1. O princpio da supremacia do interesse pblico sobre o privado;2. A legalidade administrativa como vinculao positiva lei. Tal paradigma significa a negao formal de qualquer vontade autnoma aos rgos administrativos, que s estariam autorizados a agir de acordo com o que a lei rigidamente prescrevesse;3. Intangibilidade do mrito administrativo, que resulta na falta de controle pelo judicirio, e pelos cidados, nas escolhas discricionrios da Administrao;4. Ideia de um Poder Executivo unitrio, que se funda em uma relao administrativa de subordinao hierrquica (formal ou poltica). No Brasil, esta forma de Administrao se sintetiza na competncia do chefe do executivo para exercer a chefia do poder executivo com auxlio dos ministros de Estado.A ideia de constitucionalizao do direito administrativo foi o maior ponto de referncia na superao deste sistema ultrapassado. O sistema de direitos fundamentais e o sistema democrtico passaram a pautar a atuao da Administrao Pblica. Tais sistemas resultam no princpio maior da dignidade da pessoa humana e, ao se situarem acima e para alm da lei, vincularem juridicamente o conceito de interesse pblico, estabelecerem limites para o exerccio legtimo da discricionariedade administrativa e admitirem um espao prprio para as autoridades administrativas independentes no esquema de separao de poderes e na lgica do regime democrtico, faz a dogmtica do velho direito administrativo perder espao.Assim, tem-se que:a) A constituio, e no mais a lei, passa a situar-se no cerne da vinculao administrativa juridicidade;b) A definio do que o interesse pblico, e de sua supremacia sobre os interesses particulares, deixa de estar ao inteiro arbtrio do administrador, passando a depender de juzos de ponderao proporcional entre os direitos fundamentais e outros valores e interesses metaindividuais constitucionalmente consagrados;c) A discricionariedade deixa de ser um espao livre de escolha do administrador para se transformar em um resduo de legitimidade, a ser preenchido por procedimentos tcnicos e jurdicos prescritos pela Constituio e pela lei com vistas otimizao do grau de legitimidade da deciso administrativa. Com a adoo pelo Brasil da incidncia direta dos princpios constitucionais sobre a atividade administrativa e a entrada no Brasil da teoria dos conceitos jurdicos indeterminados, abandona-se a tradicional dicotomia entre ato vinculado e discricionrio, passando-se a um sistema de graus de vinculao a juridicidade.d) A noo de um Poder Executivo unitrio cede espao a uma grande quantidade de autoridades administrativas independentes, denominadas entre ns, moda anglo-saxnica, agncias reguladoras independentes, que no se situam na linha hierrquica direta do Presidente e dos seus ministros. O mais importante da independncia dessas agncias reguladoras em relao ao governo a independncia poltica dos seus dirigentes, nomeados por indicao do chefe do Poder Executivo aps a aprovao do Poder Legislativo, e investido em seus cargos a termo fixo, com estabilidade durante o mandato. Isto acarreta a impossibilidade de sua exonerao ad nutum pelo Presidente tanto aquele responsvel pela nomeao, como seu eventual sucessor, eleito pelo povo. Essa autonomia reforada destas agncias tem em contrapartida um conjunto de controles jurdicos, polticos e sociais, de modo a reconduzi-las aos marcos constitucionais do Estado democrtico de direito.Nessa reconstruo dos paradigmas, a constituio deve ser usado como parmetro do agir administrativo, e funcionando como diretriz normativa legitimadora das novas categorias.3.1. A NOO DE PARADIGMA ADOTADA: UM ACORDO SEMNTICO:Paradigma significa um modelo a ser seguido.Thomas Kuhn, autor da obra A estrutura das Revolues cientficas, vai alm deste conceito, segundo ele os paradigmas definem os contornos de um modelo cientfico e delimitam a lgica que permitir o seu aprimoramento e a obteno de respostas a questes problemticas.Ocorre que, ao se estudar um paradigma, algumas perguntas no so satisfatoriamente respondidas. A incidncia repetitiva de questes no respondidas pode conduzir a uma crise do paradigma vigente, dando espao ao surgimento de teorias revolucionrias, que propem a substituio do objeto e da forma como as perguntas devem ser feitas, em outras palavras, propem a mudana destes prprios paradigmas. Se o paradigma desafiante solidifica-se, as perguntas e objetos antigos so abandonados, passando-se a uma nova concepo do que seja fazer cincia. Nestas circunstncias, ter havido uma mudana de paradigma.Apesar de Kuhn no deixar claro se considera tal estrutura evolutiva aplicvel s cincias sociais (pois era fsico), tal concepo de paradigma facilmente aplicvel a cincia do direito.O direito comporta anlise sob pelo menos dois enfoques distintos: o dogmtico, caracterizado por uma limitao terica, consistente na inegabilidade dos pontos de partida, e.g., o princpios, e o zettico, caracterizado pela questionabilidade das premissas ou pontos de partida.Durante a vigncia de um paradigma, enquanto as solues encontradas em consonncia com suas premissas e pontos de partida (princpios) permanecem dotadas de certo grau de plausibilidade e aceitao da comunidade jurdica, predomina o enfoque dogmtico do direito.Entretanto, quando h grande acmulo de questes que no encontram solues dentro das premissas e pontos de partida do paradigma, surgem teorias subversivas do prprio paradigma, que pe em cheque sua legitimidade e propem novas formas de conceber o objeto e a prpria metodologia de trabalho da cincia. O que era aceito como premissa, passa a ser questionado. Nestas circunstncias, predomina o enfoque zettico do direito, trata-se de um momento de crise de paradigmas.A investigao aqui desenvolvida pretende demonstrar que o direito administrativo brasileiro encontra-se em um momento de crise de paradigmas, que se caracteriza pelo descrdito de suas antigas premissas tericas e pela emergncia de novas.Torna-se necessrio analisar cada uma das 4 grandes premissas tericas, identificadas como antigos paradigmas do direito administrativo brasileiro, bem como das novas premissas que as desafiam na atualidade, compondo o mosaico dos novos paradigmas da disciplina no Brasil.3.2. DA SUPREMACIA DO INTERESSE PBLICO AO DEVER DE PROPORCIONALIDADE:Sintetizando o princpio da supremacia do interesse pblico sobre os particulares, conceituado por Celso Antnio Bandeira de Mello, adotada pela doutrina clssica, a superioridade do interesse pblico sobre o particular pressuposto necessrio de uma ordem social estvel, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardos.Como pode-se observar, trata-se de uma concepo unitria de interesse pblico, que abarcaria tanto uma dimenso individual como coletiva, numa aproximao com a prpria noo de bem comum.A funo central do princpio da supremacia no regime administrativo a de fundamentar as prerrogativas formais e materiais que tm a Administrao Pblica em relao aos administrados.A noo de um princpio jurdico que d prevalncia presumida a interesses da coletividade sobre os interesses individuais revela-se absolutamente incompatvel com a ideia de constituio como sistema aberto de princpios, articulados no por uma lgica hierrquica esttica, mas sim por uma lgica de ponderao proporcional e contextualizada.De acordo com Robert Alexy, princpios jurdicos encerram mandados de otimizao, no sentido de comandos normativos que apontam para uma finalidade ou estado de coisas a ser alcanado, mas que admitem concretizao em graus de acordo com as circunstncias fticas e jurdicas. Ao contrrio das regras, que so normas binrias, aplicadas segundo a lgica do tudo ou nada, os princpios tm uma dimenso de peso, sendo aplicados em maior ou menor grau, conforme juzos de ponderao formulados, tendo em conta outros princpios concorrentes e eventuais limitaes materiais a sua concretizao.O primeiro problema encontrado no princpio da supremacia do interesse pblico exatamente o conceito unitrio, adotado pela maioria da doutrina, do que seja interesse pblico.Assim, uma norma de prevalncia presumida (que no analisa o fato concreto) no esclarece a questo mais importante da dicotomia privado/pblico ou individual/coletivo: quando um deve ceder ao outro em um Estado democrtico de direito?A adoo da centralidade do sistema de direitos fundamentais institudo pela CF e a estrutura pluralista e malevel dos princpios constitucionais afasta qualquer presuno de supremacia absoluta do interesse pblico sobre o privado. A fluidez do conceito de interesse pblico impe Administrao Pblica o dever jurdico de ponderar os interesses em jogo, buscando sua otimizao at o grau mximo de otimizao.De modo anlogo as cortes constitucionais, a Administrao deve utilizar-se da ponderao, guiada pelo princpio da proporcionalidade, para superar as regras estticas de preferncia, atuando circunstancial e estrategicamente com vistas a formulao de um modelo de deciso.Mais do que uma mera tcnica de deciso, atualmente a ponderao tem natureza de um verdadeiro princpio formal do direito e legitimao dos princpios fundandes do Estado democrtico de direito. Assim, as relaes de prevalncia entre o interesse privado e o interesse pblico no aceitam determinao presumida e em carter abstrato, mas deve ser buscado no sistema constitucional, dentro do jogo de ponderaes proporcionais envolvendo direitos fundamentais e metas coletivas da sociedade.Essa constitucionalizao do conceito de interesse pblico ataca mortalmente a ideia de supremacia como princpio jurdico, pois qualquer juzo de prevalncia deve ser sempre reconduzido ao sistema constitucional, que passa a constituir o ncleo concreto e real da atividade administrativa.3.3. DA LEGALIDADE COMO VINCULAO POSITIVA LEI AO PRINCPIO DA JURIDICIDADE ADMINISTRATIVA:A concepo tradicional de vinculao positiva lei, trazida por Seabra Fagundes na seguinte expresso administrar aplicar a lei de oficio, foi tambm lembrada por Hely Lopez Meireles, que resumiu enquanto ao particular lcito fazer tudo que a lei no probe, ao administrador somente lcito fazer aquilo que a lei permite.Entretanto, a atividade administrativa no pode ser resumida em uma aplicao mecnica da lei. A prpria criao do direito administrativo pelo Conselho de Estado Francs (doutrina clssica) j negaria esta afirmao (tambm trazida pela doutrina clssica), tendo em vista o grande espao deixado discricionariedade do administrador. certo de que a Administrao Pblica no pode prescindir de uma autorizao legal para agir, mas no exerccio desta competncia j definida, tm os agentes pblicos um amplo campo de liberdade para desempenhar a funo formadora, que hoje universalmente reconhecida ao poder pblico.At porque fato notrio que a segunda metade do sc. XX assistiu um desprestgio crescente do legislador e das leis formais, tendo vista que foram utilizadas para legitimar barbries dos governadores.Portanto, cada vez mais a Administrao no se apresenta como uma simples instncia de execuo de normas heternomas, mas , ao invs, em maior ou menor medida, fonte de normas autnomas. A proliferao das agncias reguladoras nos EUA desde o New Deal, por exemplo, e sua espetacular produo normativa na regulao dos mais diversos campos econmicos e sociais, ensejam a afirmao de que vivemos em um Estado administrativo.Este fenmeno, que d autoridades administrativas certo poder normativo, traz riscos (normatizao burocrtica), criados pelo enfraquecimento da lei formal e pela multiplicao de ordenamentos administrativos setoriais. Estes riscos devem ser combatidos com a constitucionalizao do direito administrativo. Deve a Constituio (seus princpios e seu sistema de direitos fundamentais) ser o elo de unidade a costurar todo o sistema normativo que compe o regime jurdico administrativo. A superao do paradigma da legalidade administrativa s pode dar-se com a substituio da lei pela Constituio como cerne da vinculao administrativa juridicidade.Assim, o agir administrativo prescinde de lei, podendo ter seus atos fundamentados diretamente nas normas constitucionais, que passa a ter fora normativa.A Constituio deixa de ser mero programa poltico genrico espera de concretizao pelo legislador e passa a ser vista como norma diretamente habilitadora da competncia administrativa e como critrio imediato de fundamentao e legitimao da deciso administrativa.A Administrao passa a ser ligada diretamente aos princpios constitucionais.A ideia de juridicidade administrativa, elaborada a partir da interpretao dos princpios e regras constitucionais, passa a englobar o campo da legalidade administrativa, como um de seus princpios internos, mas no mais soberano como outrora. Isso significa que a atividade administrativa continua a realizar-se, via de regra, segundo a lei, quando esta for constitucional, mas pode encontrar fundamento direto na Constituio, independente ou para alm da lei, ou, eventualmente, legitimar-se perante o direito, ainda que contra a lei, porm com fulcro numa ponderao da legalidade com outros princpios constitucionais.Toda a sistematizao dos poderes e deveres da Administrao passa a ser traada a partir dos lineamentos constitucionais pertinentes, com especial nfase no sistema de direitos fundamentais e nas normas estruturantes do regime democrtico, a vista de sua posio axiolgica central.3.4. DA DICOTOMIA ATO VINCULADO VERSUS ATO DISCRICIONRIO TEORIA DOS GRAUS DE VINCULAO JURIDICIDADE:A dicotomia entre os atos discricionrios e atos vinculados foi historicamente caracterizado por Helly Lopez Meireles:Atos vinculados so aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condies de sua realizao, deixando os preceitos legais, nenhuma liberdade de deciso para o rgo. Enquanto os atos discricionrios so os que a Administrao pode praticar com liberdade de escolha do seu contedo, de seu destinatrio, de sua convenincia, de sua oportunidade e do modo de sua realizao.Entretanto, as transformaes recentes sofridas pelo direito administrativo tornam imperiosa uma reviso da noo da discricionariedade administrativa. Assim, pretende-se caracterizar a discricionariedade em um campo de fundamentao dos atos e polticas pblicas adotadas dentro dos parmetros jurdicos estabelecidos pela Constituio e pela lei, e no como escolhas puramente subjetivas.A crescente importncia da noo de juridicidade administrativa, com a vinculao direta da Administrao Constituio, no mais permite falar, tecnicamente, numa autntica dicotomia[footnoteRef:6] entre atos vinculados e atos discricionrios, mas sim em diferentes graus de vinculao dos atos administrativos juridicidade[footnoteRef:7]. Quanto maior ou menor o grau de vinculao do administrador juridicidade, maior ou menor ser o controle judicial de seus atos. [6: Dicotomia = classificao que apenas admite dois componentes;] [7: Juridicidade = qualidade ou carter do que jurdico. Conformidade ao direito, lei;]

Entretanto, a definio da graduao do controle no se restringe a anlise dos enunciados normativos incidentes ao caso, mas deve atentar tambm para os procedimentos adotados pela Administrao e para as competncias e responsabilidades dos rgos decisrios, compondo a pauta para um critrio que se poderia intitular jurdico-funcionalmente adequado.Assim, em vez de uma predefinio esttica a respeito do controle judicial dos atos administrativos (como em categorias binrias, do tipo ato vinculado x ato discricionrio), impe-se o estabelecimento de critrios de uma dinmica distributiva funcionalmente[footnoteRef:8] adequada de tarefas e responsabilidades entre Administrao e Judicirio, que leve em conta no apenas a programao normativa do ato a ser praticado (estrutura dos enunciados normativos constitucionais, legais ou regulamentares incidentes ao caso), como tambm a especfica idoneidade (de cada um dos poderes) em virtude da sua estrutura orgnica, legitimao democrtica, meios e procedimentos de atuao, preparao tcnica etc., para decidir sobre a propriedade e a intensidade da reviso jurisdicional de decises administrativas, sobretudo das mais complexas e tcnicas. [8: Funcional = prtico; til.]

Consequentemente, naquelas matrias em que, por sua alta complexidade tcnica e dinmica especfica, falecem parmetros objetivos para uma atuao segura do Poder Judicirio, a intensidade do controle dever ser tendencialmente menor. Nestes casos, a especializao dos rgos e entidades da Administrao em determinada matria podero ser decisivas na definio da espessura do controle. H ainda situaes que, pelas circunstncias especficas de sua configurao, a deciso final deve estar preferencialmente a cargo do Poder Executivo, seja por seu lastro de legitimao democrtica, seja em respeito legitimao alcanada aps um procedimento amplo e efetivo de participao dos administrados na deciso.Assim, a luta contra as arbitrariedades e imunidades do poder no se pode deixar converter em uma indesejvel judicializao administrativa, meramente substitutiva da Administrao, que no leva em conta a importante dimenso de especializao tcnico-funcional do princpio da separao dos poderes, nem tampouco os influxos do princpio democrtico sobre a atuao do Poder Executivo.Por outro lado, o controle judicial ser maior quo maior for (ou poder ser) o grau de restrio imposto pela atuao administrativa discricionria sobre os direitos fundamentais. Assim, se as escolhas feitas pelo Administrador (ou mesmo pelo legislador) na conjugao entre direitos coletivos e direitos fundamentais revelarem-se desproporcionais ou irrazoveis, caber ao Poder Judicirio proceder sua invalidao. Em tal caso, o papel primordial dos juzes no resguardo do sistema de direitos fundamentais autoriza um controle mais acentuado sobre a atuao administrativa, respeitado sempre o espao de conformao que houver sido deixado pela diretriz normativa.O estudo dessa nova configurao da discricionariedade percorrer o itinerrio histrico do instituto, desde suas origens no Antigo Regime, passando pela ascenso e decadncia da teoria dos elementos do ato administrativo, at chegar s ideias mais modernas de controle pelos princpios, conceitos jurdicos indeterminados, margem de livre apreciao e reduo da discricionariedade a zero. Em cotejo com consideraes ligadas separao dos poderes, democracia e aos direitos fundamentais, tais conceitos serviro como instrumental importante para a elaborao de uma teoria jurdico-funcionalmente adequada do controle dos atos administrativo pelo Poder Judicirio, em um Estado democrtico de Direito.3.5. DO EXECUTIVO UNITRIO ADMINISTRAO PBLICA POLICNTRICA:A Reforma do Estado, implementada no Brasil a partir de 1995, deixou como legado institucional novas autoridades administrativas, dotadas de elevado grau de autonomia em relao ao Poder Executivos, denominadas de Agncias Reguladoras Independentes (origem Anglo-saxnica). Com roupagem de autarquias, tais estruturas nasceram sobre um conjunto de mecanismos institucionais de garantia que lhes confere papel e posio inditos na histria da Administrao Pblica brasileira.Tais agncias so instrumentos essenciais para fugir das burocracias que circundam os Ministrios e tirar a regulao de setores estratgicos da economia do mbito de escolhas polticas do Presidente. De um ponto de vista pragmtico, essa pretensa despolitizao tinha por objetivo criar um ambiente regulatrio no diretamente ligado lgica poltico-eleitoral, mas pautado por uma gesto profissional, tcnica e imparcial.Como o modelo regulatrio brasileiro foi adotado em um amplo processo de privatizaes e desestatizaes, a atrao do setor privado, notadamente o capital internacional, para o investimento nas atividades econmicas de interesse coletivo e servios pblicos (privatizados ou desestatizados), estava condicionada a garantia de estabilidade e previsibilidade das regras do jogo nas relaes dos investidores com o Poder Pblico, pois em pases cuja histria recente foi marcada por movimentos nacionalistas autoritrios (de esquerda e de direita), o risco de expropriao e de ruptura dos contratos sempre um fantasma que assusta ou espanta os investidores estrangeiros. Da a ideia da blindagem institucional de um modelo que resistisse at uma vitria de esquerda em eleio futura.O principal ponto dessa independncia (autonomia reforada) das agncias reguladoras em relao ao governo a independncia poltica dos seus dirigentes, nomeados por indicao do chefe do poder executivo aps a aprovao do legislativo, e investidos em seus cargos a termo fixo, com estabilidade durante o mandato.As autoridades independentes quebram o vnculo de unidade no interior da Administrao Pblica, eis que a sua atividade passou a localizar-se em esfera jurdica externa responsabilidade poltica do governo. O seu grau reforado de autonomia em relao Administrao central, rompe com o modelo tradicional de reconduo direta de todas as aes administrativas ao governo (decorrente da unidade da Administrao). Passa-se, assim, de um desenho piramidal uma Administrao policntrica.As principais caractersticas dessa nova configurao o avano da tecnocracia sobre a dialtica poltica e a progressiva submisso do direito s exigncias econmicas.Para sanar diversos questionomentos relacionados com as Agncias Reguladoras, devem ser desenvolvidas novas formas de participao e controle social, alm da via eleitoral, de maneira a alcanar um maior grau de legitimidade as decises das agncias.Ao contrrio dos outros trs paradigmas, a ideia da Administrao policntrica no fruto direto da emergncia do Neoconstitucionalismo, mas produto das exigncias da Reforma do Estado, orientada pelo princpio da eficincia. Aqui, a elaborao terica servir para adequar o novo paradigma aos marcos constitucionais do Estado democrtico de Direito.

SEGUNDA PARTEPREMISSAS TERICASCAPTULO IIDIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA COMO FUNDAMENTOS ESTRUTURANTES DO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO. O NEOCONSTITUCIONALISMO E A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO ADMINISTRATIVO:

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA COMO FUNDAMENTOS DE LEGITIMIDADE E ELEMENTOS ESTRUTURANTES DO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO:As ideias de direitos fundamentais e Democracia representam duas maiores conquistas da moralidade poltica em todos os tempos. Representando a expresso jurdico-poltica de valores basilares da civilizao ocidental (e.g., liberdade, igualdade e segurana), os direitos fundamentais e a democracia apresentam-se como fundamentos de legitimidade e ao mesmo tempo elementos estruturantes do Estado democrtico de direito.A partir da Virada Kantiana (Neokantismo), ocorreu-se uma reaproximao entre a tica e o direito, com o ressurgimento da razo prtica, da fundamentao moral dos direitos fundamentais e do debate sobre a teoria da justia fundado no imperativo categrico[footnoteRef:9], que deixa de ser simplesmente tico para se apresentar tambm como um imperativo categrico jurdico. A ideia de dignidade da pessoa humana, traduzido por Kant no postulado de que cada homem um fim em si mesmo, elava-se a condio de princpio jurdico, e de origem e fundamento de todos os direitos fundamentais. A dignidade dos homens est no centro moral da teoria dos valores; assim como os direitos fundamentais esto no centro jurdico do sistema normativo, ou seja, os direitos fundamentais representam para o sistema normativo o mesmo que a dignidade dos homens representa para a teoria dos valores. [9: Categrico: no admite dvidas; leva em conta razo.]

Por sua vez, a democracia consiste em um projeto de autogoverno coletivo, que pressupe cidados que sejam no apenas os destinatrios, mas tambm os autores das normas gerais de conduta e das estruturas jurdico-polticas do Estado. Seu fundamento axiolgico (valor) o valor de igualdade, transubstanciado juridicamente no princpio da isonomia, do qual se origina o prprio princpio da maioria como tcnica de deliberao coletiva.Assim, pode-se dizer que h entre os direitos fundamentais e a Democracia uma relao de interdependncia ou reciprocidade. Da conjugao destes dois elementos que surge o Estado democrtico de direito, estruturado como conjunto de instituies jurdico-polticas erigidas sob o fundamento e para a finalidade de proteger e promover a dignidade da pessoa humana.A noo Kantiana do uso pblico da razo que pressupe uma comunidade de sujeitos livres e iguais utilizada para definir os elementos constitucionais essenciais. Tais elementos so de dois tipos:a) Princpios fundamentais que especificam a estrutura geral do Estado e do processo poltico: competncias do legislativo, do Executivo e do judicirio; o alcance da regra da maioria.b) Os direitos e liberdades fundamentais e iguais de cidadania que as maiorias legislativas devem respeitar, tais como o direito ao voto e participao na poltica, a liberdade de conscincia, a liberdade de pensamento e de associao, assim como as garantias do Estado de Direito.Os direitos e liberdade fundamentais tm um status especial em relao aos demais valores polticos. Tais liberdades devem ser ajustadas de modo a formar um sistema coerente. Na prtica, uma liberdade fundamental s pode ser limitada ou negada em favor de outras liberdades fundamentais, e nunca por motivo de bem estar geral ou valores perfeccionistas.Na melhor tradio liberal e Kantiniana, os direitos fundamentais so associados ao valor liberdade no sentido de autodeterminao do indivduo, imune de qualquer constrio estatal (liberdade negativa). Esta autodeterminao busca superar o ceticismo do positivismo jurdico sem que isto resulte em um retorno ao jusnaturalismo clssico, hoje indefensvel.O liberalismo inevitavelmente resulta no pluralismo, elemento salutar s sociedades contemporneas.As capacidades morais de cidados livres e iguais esto na base da ideia da razo pblica, que permite a formulao, por sobre todas as diferenas, de um consenso sobreposto acerca dos princpios bsicos de justia e dos direitos e liberdades fundamentais que sero constitucionalizados.A Constituio assume, como na pureza do liberalismo, a feio de uma Constituio-garantia, que especifica um procedimento poltico justo e incorpora as restries pelas quais os direitos e liberdades fundamentais sero protegidos e tero assegurada a sua prioridade.Segundo Ronald Dworkin, uma comunidade verdadeiramente democrtica no apenas admite como assegura a defesa de posies minoritrias, quando referente a direitos fundamentais.A noo de princpio de capital importncia para a compreenso do sistema jurdico de Dworkin, que importa em uma reviso da rgida separao entre o Direito e a Moral, imposta pelo positivismo jurdico. O fundamento que supera o positivismo encontrado no modelo de comunidade denominada comunidade de princpios, na qual seus membros aceitam que so governados por princpios comuns e no por regras forjadas em um compromisso poltico (como foi no positivismo).Tais princpios podem estar incorporados em normas jurdicas criadas mediante um processo legislativo autorizado pelo reconhecimento social, mas as transcendem, sendo at justificvel, sob determinadas circunstncias excepcionais, a desobedincia civil como forma de superar a injustia de normas contrrias a um princpio transcendente. Para Dworkin, os direitos fundamentais so precedentes s normas legais e precedentes judiciais, e no decorrentes delas.Assim, os direitos fundamentais so reconhecidos no seio de uma comunidade poltica (comunidade de princpios) cujos integrantes so tratados com igual respeito e considerao. A caracterstica fundamental do Estado de direito o ideal de igualdade que fundamenta a crena no valor intrnseco idntico de todos os seres humanos.Por tudo isso, a Constituio e seu sistema de direitos fundamentais incorporam princpios morais, com os quais a legislao infraconstitucional e as decises judiciais devem ser compatveis. Da advogar Dworkin uma leitura moral da Constituio, que coloque a moralidade poltica no corao do direito constitucional.Deste modo, uma democracia s pode ser verdadeiramente considerada o governo segundo a vontade do povo se os cidados so tratados como agentes morais autnomos, tratados com igual respeito e considerao. As condies democrticas so, assim, os direitos fundamentais reconhecidos pela comunidade poltica sob a forma de princpios, sem os quais no h cidadania em sentido pleno, nem verdadeiro processo poltico deliberativo. Os direitos fundamentais so, portanto, uma exigncia democrtica antes que uma limitao democracia. Em resumo, o ideal democrtico de autogoverno, governo pelo povo, satisfeito quando o princpio da maior respeitado. Entretanto, o princpio majoritrio no assegura o governo pelo povo seno quando todos os membros da comunidade so concebidos e igualmente respeitados como agentes morais independentes.Em sentido contrrio a Dworkin e aos jusnaturalistas, Habermas acredita que os direitos fundamentais do homem no so produtos de uma revelao transcendente (jusnaturalismo), nem de princpios morais racionalmente endossados pelos cidados (Kant e Dworkin), mas consequncia da deciso recproca de cidados livres e iguais de legitimamente regular as suas vidas por intermdio do direito positivo.A pretenso de Habernas , assim, substituir os fundamentos moral e transcendental dos direitos do homem, prprios da tradio liberal, por um fundamento procedimental, extrado de sua teoria democrtica. A razo tem seu maior expoente na comunicao plena, no dilogo, logo, para tal h que ter sujeitos iguais, que para isso daro as mos numa sociedade com direitos fundamentais.Nesse sentido que Habermas apresenta a democracia como ncleo de um sistema de direitos fundamentais.Habermas procura compatibilizar a soberania popular com os direitos humanos, pois estes so vistos como condies necessrias que apenas possibilitam o exerccio da autonomia poltica; como condies possibilitadoras, eles no podem estabelecer limites soberania do legislador, mesmo que estejam sua disposio. Condies possibilitadoras no impem limitaes quilo que constituem. Logo, os direitos fundamentais so condies necessrias ao exerccio da autonomia poltica e no apenas possibilitadoras.Deste modo, sendo condies necessrias do processo democrtico, os direitos fundamentais devem ficar imunes vontade da maioria legislativa; com efeito, a maioria democraticamente eleita no pode inviabilizar o prprio procedimento democrtico, do contrrio, violaria os direitos fundamentais, por via reflexa.Atualmente h um certo consenso sobre o papel central das noes de direitos fundamentais e democracia como fundamentos de legitimidade e elementos constitutivos do Estado democrtico de Direito, que irradiam sua influncia por todas as suas instituies polticas e jurdicas. Inclusive sobre a Administrao Pblica e sobre toda a configurao terica do direito administrativo.A Constituio o instrumento por meio do qual os sistemas democrticos e de direitos fundamentais se institucionalizam no mbito do Estado. O processo por meio do qual tais sistemas espraiam seus efeitos conformadores por toda a ordem jurdico-poltica, condicionando e influenciando os seus diversos institutos e estruturas, tem sido chamado de constitucionalizao do direito ou Neoconstitucionalismo2. A CONSTITUIO NO CENTRO DO SISTEMA JURDICO: NEOCONSTITUCIONALISMO E CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO:At pouco tempo atrs considerava-se que a Constituio no seria autntica norma jurdica, dotada de cogncia e imperatividade, mas sim uma proclamao retrica de valores e diretrizes polticas. Os preceitos constitucionais deveriam inspirar o legislador, mas mo poderiam ser diretamente aplicados pelos juzes na resoluo de controvrsias judiciais. Os magistrados e operadores do Direito em geral deveriam fundamentar suas decises exclusivamente nas leis em vigor, consideradas autnticas expresses da soberania popular. Nos pases adeptos ao sistema Romano-germnico, esta concepo correspondeu ao prerodo chamado de legicentrismo, que tinha como pressuposto uma viso da lei como vontade do povo e uma obedincia cega ao princpio da separao de poderes, pela qual o juiz nada mais seria do que a boca que pronuncia as palavras da lei. Nessa poca as leis eram escassas e ocupavam o centro do ordenamento jurdico, e no a constituio. O CC era considerado verdadeira constituio das relaes privadas.Com a crise do Estado liberal-burgus e o advento do Welfare State, assistiu-se a um processo de inflao legislativa. O estado, que antes se ausentava do cenrio das relaes econmicas e privadas, foi convocado a intervir nesta seara, e assim o fez, dentre outras formas, pela edio de normas jurdicas com frequncia cada vez maior. Uma das consequncias desta volpia legiferante foi exatamente a desvalorizao da lei.A multiplicao de normas jurdicas, que passavam a constituir novos microssistesmas, importaram em um processo de descodificao do direito. Paralelamente a este fenmeno, a jurisdio constitucional foi-se ampliando e fortalecendo em todo o mundo ao longo do s. XX, sobretudo aps a traumtica experincia do nazi-facismo.Este cenrio tornou necessrio que fosse dado a constituio fora normativa e aplicabilidade direta, o que refletiu em todos os ramos do direito.Neste panorama, tornou-se tambm necessrio a expanso das tarefas das Constiuies contemporneas. Antes as constituies limitavam-se a tratar apenas da estrutura bsica do Estado e da consagrao de direitos individuais e polticos. J no constitucionalismo contemporneo, que se edifica a partir do advento do Estado social, e que tem como marco iniciais as Constituies do Mxico, 1917, e de Weimar, 1919, as leis fundamentais passam a imiscuir-se em novas reas, no instituindo direitos de carter prestacional, que reclamam atuaes positivas dos poderes pblicos e no mais meras abstenes, como tambm disciplinando assuntos sobre os quais elas antes silenciavam, como ordem econmica, relaes familiares, cultura, etc.O novo papel das Constituies enfraquece a dicotomia Direito Pblico Vs Direito Privado, na medida em que implica na submisso de todos os campos da ordem jurdica aos ditames e valores do documento magno.Os princpios constitucionais, que no passado tinham negados sua eficcia normativa com o argumento de serem abstratos demais, tem o seu papel extremamente valorizado. A doutrina contempornea, rotulada como ps-positivista, tem enfatizado a fora vinculante da principiologia constitucional, que no depende da mediao do legislador infraconstitucional para produzir efeitos jurdicos.A partir desta perspectiva, pode se falar numa supremacia no apenas formal, mas tambm material da Constituio, relacionada ao fato de que os valores mais caros a uma comunidade poltica costumam ser exatamente aqueles acolhidos pela sua Lei Maior, e que, exatamente por isto, so postos ao abrigo da vontade das maiorias legislativas de ocasio. Estes valores, densificados atravs de princpios e regras constitucionais, devem, pela sua relevncia no apenas jurdica, como tambm moral, irradiar-se por todo o ordenamento, fecundando-o com sua axiologia transformadora.Conforme narra o professor Lus Roberto Barroso, os valores, os fins pblicos e os comportamentos contemplados nos princpios e regras da Constituio passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional.No Brasil todo este processo de constitucionalizao do direito intensifica-se a partir da promulgao da carta de 1988, pois as constituies anteriores no passavam de um retrica pomposa. Pode-se dizer que pela primeira vez na nossa histria a constituio est se incorporando ao nosso dia-a-dia dos tribunais, sendo invocada com grande frequncia pelas partes e aplicada diretamente pelos juzes de todas as instncias na resoluo de litgios pblicos ou privados.A interpretao conforme a constituio um dos princpios e mecanismos mais concretizadores da constitucionalizao do direito. Este princpio, que corolrio dos postulados da supremacia da Constituio e da unidade da ordem jurdica, proclama que, dentre vrias interpretaes possveis de determinado enunciado normativo, deve o intrprete, desde logo, excluir aquelas que o tornem incompatveis com o ditame da lei maior.A interpretao conforme a Constituio tambm deriva da presuno de constitucionalidade das leis, pois evita-se, sempre que possvel, expulsar do ordenamento jurdico uma norma posta pelo legislativo.Alm de princpio hermeneutico, a interpretao conforme a constituio tambm tcnica de deciso amplamente empregada pela jurisdio constitucional. Atravs deste tcnica, o STF pode, sem suprimir qualquer trecho do enunciado normativo analisado, eliminar, com eficcia erga omnes e efeito vinculante, determinada possibilidade de interpretao que o texto legal, pela sua ambiguidade, originariamente comportasse, em razo da incompatibilidade desta interpretao com a Constituio.As hipteses de interpretao constitucional direta e indireta so propiciadoras da constitucionalizao do direito, e.g., revogao de normas infraconstitucionais anteriores e posteriores constituio, quando com ela incompatveis; declarao de inconstitucionalidade por omisso, convocando o legislador a atuar; interpretao conforme a constituio, etc.A constitucionalizao do direito opera-se de forma peculiar em cada ramo do direito. Para os fins visados no presente estudo, interessa mais especificamente como tem se dado o fenmeno da constitucionalizao do direito administrativo.3. O PAPEL DECISIVO DOS MARCOS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DA DEMOCRACIA NO DELINEAMENTO DOS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO: A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO ADMINISTRATIVO.A passagem da Constituio para o centro do ordenamento jurdico o que move a mudana de paradigmas do direito administrativo na atualidade. A supremacia da instituio gera como consequncia a necessria releitura constitucional de todos os institutos jurdicos.Apesar de algumas omisses e falhas, a CRFB/88 trouxe alguns avanos, como a enunciao expressa de princpios setoriais do direito administrativo, que na sua redao original eram os da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, sendo depois includo o da eficincia, pela EC 19/98 (reforma administrativa). A propsito, a tenso entre a eficincia e a legitimidade democrtica uma das questes centrais do direito administrativo na atualidade.A constitucionalizao do direito administrativo transforma a legalidade em juridicidade administrativa. A lei deixa de ser o nico fundamento da atuao da Administrao Pblica para se tornar apenas um dos princpios do sistema de juridicidade institudo pela Constituio.Assim, a atuao da Administrao pode se fundamentar em normas e princpios constitucionais, sem necessidade de previso legal. Entretanto, em outros casos, a lei ser fundamento bsico do ato administrativo, mas outros princpios constitucionais, operando em juzos de ponderao com a legalidade, podero validar condutas para alm ou mesmo contra a disposio legal. Em consequncia, em campos normativos no sujeitos reserva de lei, a Administrao poder atuar autonomamente, sem prvia autorizao legislativa. Por outro lado, j inmeras situaes em que o princpio da moralidade, da proteo da confiana legtima e vedao do enriquecimento sem causa operaro, mediante juzos de ponderao proporcional, no sentido da relativizao do princpio da legalidade, validando atos originariamente ilegais ou pelo menos os seus efeitos pretritos.A normatividade decorrente dos princpios constitucionais produz uma redefinio da noo tradicional de discricionariedade administrativa, que deixa de ser um espao de liberdade decisria para ser entendida como um campo de ponderaes proporcionais e razoveis entre os diferentes bens e interesses jurdicos contemplados na Constituio. O mrito administrativo sofre, assim, um sensvel estreitamento, por decorrncia desta incidncia direta dos princpios constitucionais.Ainda, centralidade do sistema de direitos fundamentais e o princpio democrtico, tal como delineados na Constituio, pilares constitutivos e legitimadores da ordem constitucional, deve corresponder uma igual centralidade na organizao e funcionamento da Administrao Pblica.3.1. AS DIMENSES SUBJETIVA E OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A ADMINISTRAO PBLICA:No direito administrativo nunca foi dada importncia devida aos direitos fundamentais, como foi dado no direito constitucional. Em seu contraditrio percurso histrico, o direito administrativo deu maior importncia a institutos muito mais voltados lgica da autoridade do que deu lgica da liberdade. Em decorrncia disso que categorias administrativas bsicas, como interesse pblico, poder de polcia, servio pblico, tenham sido elaboradas ao abandono de qualquer considerao dos direitos fundamentais. S recentemente esse cenrio comeou a ser modificado, passando a se interpretar tais institutos sobre uma tica dos direitos fundamentais e da democracia, pilares constitutivos do Estado democrtico de direitos.A concepo clssica dos direitos fundamentais previa apenas uma no interveno estatal na situao subjetiva do individuo, at mesmo pelo momento histrico em que se vivia, que dava nfase a liberdade.Com a evoluo do direito, os direitos fundamentais passam a se apresentar como direitos a prestaes positivas, tanto de natureza material a concreta, como de natureza normativa. Assim, o direito de ir e vir pressupe um conjunto de atividades do Poder Pblico (polcia de segurana pblica, polcia administrativa de trnsito, servios pblicos de transportes coletivos) destinadas a preserv-lo. Incluem-se nesta categoria as prestaes decorrentes do mnimo existencial. Estes direitos fundamentais tm uma dimenso subjetiva.Alm dessa dimenso subjetiva, os direitos fundamentais possuem tambm uma dimenso objetiva. A elaborao terica de tal dimenso teve impulso decisivo somente aps a promulgao da Constituio de Bonn, em 1949 (Alemanha Ocidental).Costuma-se apontar o clebre caso Luth, julgado em 1958 pelo Tribunal Constitucional Alemo, no qual ficou consignado que os direitos fundamentais no se limitam a sua funo precpua de direitos subjetivos de defesa do indivduo contra o Poder Pblico, mas, alm disso, constituem decises valorativas de natureza jurdico-objetiva da Constituio, com uma eficcia irradiante em todo o ordenamento jurdico, e que fornecem diretrizes para os rgos legislativos, judicirios e administrativos.A dimenso objetiva representa uma mais-valia em relao s posies subjetivas, pois dela decorre o reconhecimento dos direitos fundamentais como bases estruturais da ordem jurdica, que disseminam sua influncia por todo o direito positivo. Assim, superando uma perspectiva exclusivamente individualista, os direitos fundamentais passam a ser tambm vistos como princpios concretizadores de valores em si, a serem protegidos e fomentados, pelo direito, pelo Estado e por toda sociedade.Importante consequncia desta dimenso objetiva o surgimento dos chamados deveres de proteo do Estado, de quem se passa a exigir no apenas uma absteno, mas tambm condutas positivas de proteo e promoo.A dimenso subjetiva tem uma postura apenas protetiva; j a dimenso objetiva, alm da postura protetiva, tem tambm uma postura promotora. Assim, entende-se por que a dimenso objetiva poder servir de fundamento at para a restrio a aspectos meramente individuais de um direito fundamental.Registre-se, ainda, a eficcia horizontal dos direitos fundamentais (oponibilidade entre particulares) consequente emergncia de tal dimenso objetiva.Finalmente, merece importncia uma eficcia interpretativa decorrente dessa dimenso objetiva dos direitos fundamentais. Assim, dada a sua centralidade, toda a atividade que vise a interpretao e aplicao do direito (seja do legislador, do administrador ou do juiz) deve ser realizada em conformidade e com vistas maior realizao possvel dos direitos fundamentais. Assim, diante de conceitos jurdicos indeterminados e de espaos de discricionariedade (isto , baixa vinculao direta lei ou de vinculao direta aos princpios constitucionais), deve o administrador fazer-se permevel ao sistema de direitos fundamentais e lev-lo devidamente em conta em seus respectivos juzos de apreciao ou de escolha.3.2. A DEMOCRACIA E A ADMINISTRAO PBLICA:Finalmente, cabe fazer uma referncia a influncia do princpio democrtico sobre a conformao tanto das estruturas como da prpria atividade administrativa. Como j foi dito, embora se reconhea preeminncia dos direitos fundamentais no elenco de objetivos da Administrao, h outras tarefas administrativas que no se limitam a fazer valer os direitos fundamentais.Assim, a lei democrtica, produzida em observncia com a Constituio, opera de forma complementar ao sistema de direitos fundamentais, concretizando, ampliando ou restringindo tais direitos, seja em prol de outros direitos fundamentais, seja em proveito de interesses difusos da comunidade.Deste modo, como corolrio da ideia de autogoverno coletivo, inerente ao projeto democrtico, devem as estruturas da Administrao e os objetivos de sua atuao corresponder vontade geral do povo, consubstanciada na lei. Logo, quanto mais dirigente e analtica for a Constituio, menor ser o espao de conformao do legislador, e vice-versa. Todavia, em qualquer caso, a juridicidade administrativa delineada pela conjugao normativa da Constituio e das leis, conforme interpretada e ponderada por administradores pblicos ou juzes.Por outro lado, assume papel cada vez mais importante no direito administrativo moderno a discusso sobre novas formas de legitimao da ao administrativa. Um das vertentes desenvolvidas nesta linha a da Constitucionalizao. Outra vertente baseada na democratizao do exerccio da atividade administrativa no diretamente vinculada lei. Tal democratizao marcada pela abertura e fomento participao dos administrados nos processos decisrios da Administrao, tanto em defesa de interesses individuais, como em nome de interesses gerais da coletividade.Esta maior participao dos administrados nos processos administrativos aplicada nos direitos administrativos de pases tanto de tradio romano-germnica como nos de tradio anglo-saxo.As crises da democracia representativa e da lei formal, a alocao cada vez maior de encargos decisrios na Administrao Pblica, por fora de normas legais abertas, bem como a proliferao de autoridades administrativas independentes, no diretamente correspondente vontade poltica de agentes eleitos, impulsionam hoje a tendncia quase universal, embora no imune a crticas (e.g., lentido excessiva do processo decisrio; riscos de prevalncia dos interesses mais poderosos e bem organizados, que dominam o processo de participao), ao fomento participao social nos processos de formulao das decises administrativas. Tal processo tem sido chamado de democratizao das democracias representativas.

TERCEIRA PARTEA MUDANA DE PARADIGMAS PROPOSTA:

CAPTULO IIIDO PRINCPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PBLICO AO DEVER DE PROPORCIONALIDADE:

1. A DICOTOMIA INTERESSE PBLICO VERSUS INTERESSES PRIVADO AO LONGO DA HISTRIA:As relaes entre o indivduo e a sociedade tm sido objeto de ancestral disputa no curso da histria do pensamento poltico.Segundo Daniel Sarmento, do ponto de vista da teoria moral, a prevalncia a priori (sem experincia prtica) dos interesses coletivos sobre os individuais poderia ser justificada a partir de duas perspectivas distintas, que, no entanto, exibem alguns traos comuns: o organicismo (holismo[footnoteRef:10]) e o utilitarismo. Em sentido oposto, a supremacia incondicionada dos interesses privados dos membros de uma comunidade poltica sobre aqueles da coletividade, considerada em seu conjunto, estaria fundada no individualismo, de feio marcadamente liberal. [10: Holismo: Conceito terico segundo o qual todos os seres interagem formando um todo, sem que se possa entend-los isoladamente.]

A seguir sero expostas, de forma resumida, as bases tericas do organizacionismo e do utilitarismo, em ordem a demonstrar a sua incompatibilidade com o sistema constitucional brasileiro e a consequente inconsistncia jurdica do princpio da supremacia do interesse pblico sobre os interesses particulares.O pensamento organicista funda-se na ideia de que o indivduo , essencialmente, uma parte do todo social e de que o bem de cada um s se realiza quando assegurado o bem comum. Por isso, o interesse coletivo sempre prevalecer sobre o individual.O organicismo heligiano (moderno) representou a matriz terica dos grandes sistemas polticos totalitrios que varreram o mundo no sc. XX: o nazi-facismo e o comunismo. A ideia de felicidade como um projeto essencialmente coletivo, elevou o Estado condio de finalidade ltima e suprema da vida dos cidados. fcil constatar por que a ideia de uma prioridade absoluta do coletivo sobre o individual (ou do pblico sobre o privado) incompatvel com o Estado democrtico de direito. Como instrumento da proteo e promoo dos direitos do homem, o Estado que deve ser sempre o instrumento de emancipao moral e material dos indivduos, condio de sua autonomia nas esferas pblica e privada.Outra teoria moral que poderia servir de amparo para a ideia de supremacia do interesse pblico seria o utilitarismo. De forma simplificada, pode-se afirmar que, segundo a viso utilitria, a melhor soluo para cada problema sociopoltico seria aquela que promovesse, na maior escala, os interesses dos membros da sociedade poltica, individualmente considerados. Aqui est a diferena fundamental do utilitarismo em relao ao organicismo: no se cogita de um organismo coletivo, detentor de interesses diversos e superiores aos indivduos; ao contrrio, o interesse pblico seria apenas a frmula que, em cada caso, maximizasse racionalmente o bem-estar, o prazer, a felicidade ou o ganho econmico do maior nmero de pessoas.Pode se perceber que o dito princpio de supremacia do interesse pblico sobre o privado que teria justificativa a partir das perspectivas do organicismo e do utilitarismo se revela incompatvel com a essncia do Estado democrtico de direito. CF/88 no deu abrigo a nenhuma dessas teorias morais (organicista e utilitarista), nem tampouco a teoria individualista. Assim, e.g., a dimenso subjetiva dos direitos fundamentais matizada por sua dimenso objetiva; a cada previso de direito costuma corresponder, no texto constitucional, a previso, explcita ou implcita, de relativizao do seu contedo pela lei ou pela Administrao, em prol de outros direitos ou interesses gerais de coletividade. Assim, no se pode falar em prevalncia presumida (em abstrato) de nenhuma das duas ordens (individual ou coletivo).Assim, com exceo onde o constituinte foi explcito ao estabelecer regras especficas de prevalncia, a identificao do interesse que dever prevalecer h de ser feita mediante uma ponderao proporcional dos interesses em conflito, conforme as circunstncias do caso concreto, a partir de parmetros oriundos da prpria Constituio. Da o Estado democrtico de direito ser tambm conhecido com Estado de ponderao.O que se chamar de interesse pblico o resultado final desse jogo de ponderaes que, conforme as circunstncias normativas e fticas, ora apontar para preponderncia relativa do interesse geral, ora determinar a prevalncia parcial de interesses individuais.Apesar de tudo que foi dito, 9 entre 10 manuais de direito administrativo ainda ensinam o princpio da supremacia do interesse pblico como pedra angular do regime jurdico-administrativo.2. PRINCPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PBLICO, SEGUNDO A DOUTRINA BRASILEIRA. USO HISTRICO DO PRINCPIO COMO INSTRUMENTO DE EXERCCIO ARBITRRIO DA DISCRICIONARIEDADE:O princpio da supremacia do interesse pblico ainda defendido, por ampla maioria da doutrina e jurisprudncia, como princpio constitucional implcito. Inclusive, a maioria deles sequer fazem referncia a qualquer questionamento a tal princpio.O conceito de interesse pblico, trazido por Celso Antonio Bandeira de Melo, apresentado como uma projeo de interesses individuais e privados em um plano coletivo, ou seja, um interesse comum a todos os indivduos, e que representa o ideal de bem estar e segurana almejado pelo grupo social. De acordo com ele a ideia de interesse pblico e interesse coletivo so sinnimos.Para Celso de Melo (e a maioria da doutrina), o princpio da supremacia do interesse pblico fundamenta diversas prerrogativas da Administrao Pblica.No mesmo sentido de Celso de Melo, Di Pietro prope-se a abordar a temtica em pauta, valendo-se da dicotomia pblico-privado. Di Pietro ressalta a funo especfica das normas de direito pblico, qual seja, atender os interesse pblicos, o bem-estar coletivo. Neste diapaso, menciona o interesse particular como mero interesse reflexo, quando em anlise no contexto de normas de direito pblico. Estas delimitariam o seu mbito de incidncia a um plano nico, no qual no se comportaria atender interesses de cunho individual.Entretanto, avaliando mais detidamente as ideias da autora, possvel perceber, se focalizadas por outro ngulo, que a noo por ela apresentada para interesse pblico, permeia-se, por vezes, de caractersticas peculiares a outros princpios, e.g., a moralidade e a impessoalidade.Esse um equvoco comum na doutrina ptria: aponta-se como exemplo de aplicao do princpio da supremacia do interesse pblico sobre o particular a invalidao de favorecimentos pessoais no uso da mquina administrativa. Entretanto, os interesses particulares que so discutidos, no so aqueles ilegtimos, assim considerados por fora de outras normas constitucionais. A questo da dicotomia pblico/privado s se coloca quando a Administrao Pblica se v diante de interesses legtimos, tanto o coletivo como o privado, que esto em confronto, momento em que dever socorrer-se de algum parmetro normativo para balancear os interesses em jogo na busca da soluo constitucional e legalmente otimizada.Hely Lopez Meireles, adepto a dicotomia direito pblico/privado, ensina que quando se referimos ao direito privado, as partes esto em situao de igualdade, mas como nos referimos a direito pblico, a relao se pauta no princpio da supremacia do interesse pblico, que fundamenta diversas prerrogativas da Administrao Pblica. Entretanto, em diversos trechos de sua obra, apesar de sempre prezar pela supremacia do interesse pblico, o ilustre administrativista parece se contradizer, ensinando que o aplicador do direito deve equilibrar os privilgios estatais e os direitos privados, sem perder de vista a supremacia do interesse pblico.Medina Osrio, aps destacar vrios textos constitucionais que deixa implcito a existncia do princpio da Supremacia do interesse Pblico, indica a influncia do referido princpio no ordenamento jurdico sobre trs aspectos:a) Como direo finalstica da Administrao Pblica;b) Como fundamento constitucional de normas que outorgam privilgios Administrao;c) Como fundamento para aes administrativas restritivas de direitos individuais;

De acordo com Osrio, quando se a utiliza a supremacia do interesse pblico como direo finalstica da Administrao Pblica, significa dizer que o administrador no se deve se distanciar da finalidade da Administrao Pblica, que garantir os interesses coletivos e no preteri-los a interesses exclusivamente privados. Significa dizer que o princpio da supremacia uma garantia aos particulares, no sentido de que o Estado no se desviar de sua precpua funo de realizar interesses coletivos.Gustavo faz crtica a concluso de Osrio, na mesma direo da crtica feita a Di Pietro, pois para apartar a possibilidade de ser dada prevalncia a interesses exclusivamente privados, em preterio interesses pblicos (coletivos), basta que seja utilizado o princpio da impessoalidade e da moralidade, no necessitando de invocar o princpio da supremacia do interesse pblico.Para Gustavo, a defesa do princpio da supremacia como fundamento de normas que outorgam privilgios Administrao Pblica, tambm insuficiente, pois o mesmo Osrio alega que a outorga de privilgios Administrao Pblica deve ser controlada, utilizando-se como parmetro o princpio da proporcionalidade e razoabilidade, ou seja, os privilgios outorgados no podem ser desproporcionais e irrazoveis, sob pena de se declarar inconstitucional as normas que outorgam tais privilgios. Para Gustavo, tal possibilidade faz desabar a assertiva de que as outorgas de privilgios estariam baseadas no princpio da supremacia do interesse pblico sobre o privado. Isso porque, se existente o referido princpio, no seria possvel considerar inconstitucional uma lei que privilegiasse os interesses coletivos e estatais (pblicos), em detrimento de interesse particular. Tal princpio legitimaria toda e qualquer outorga de vantagens Administrao, prescindindo de qualquer anlise a respeito de sua razoabilidade e proporcionalidade, pois estes princpios preconizam a cedncia recproca de interesses em conflito.Quanto ao ltimo fundamento (de restrio aos direitos individuais em prol de direitos coletivos), Gustavo entende que, se a Constituio que estabelece quando e em que medida direitos individuais podem ser restringidos, o fundamento da restrio a norma constitucional especfica, e no o dito princpio, e a medida da restrio, conforme permitida pela Constituio, dada por uma norma de proporo e preservao recproca dos interesses em conflitos, e no de prevalncia presumida do coletivo (estatal) sobre o privado.3. A DESCONSTRUO DO PRINCPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PBLICO:Segundo vila, o princpio da supremacia do interesse pblico no pode ser encarado nem como princpio, nem como norma, seja sob o ponto de vista intelectual ou normativo.Conceitualmente, o princpio da supremacia se afasta do conceito de princpio, pois ele determina que em qualquer circunstncia do caso concreto deva prevalecer sempre o interesse pblico sobre o privado, afastando com isso qualquer juzo de ponderao, inerente ao conceito abstrato de princpio.Partindo-se da sistemtica constitucional vigente, vila conclui pela ausncia de fundamento de validade do indigitado princpio. Isso porque a organizao da Constituio volta-se para a proteo dos interesses do individuo. Vale dizer, a Lei Maior orientada sob o influxo do princpio da dignidade da pessoa humana, do que gera a necessidade de estabelecer-se proteo aos interesses do indivduo quando ameaado frente aos interesses gerais da coletividade promovidos pelo Estado.Uma das dimenses do princpio da dignidade da pessoa humana significa que o ser humano um fim em si mesmo, e o Estado um instrumento para consecuo deste fim. Alm de ser a dignidade da pessoa humana um dos fundamentos da repblica (SOCIDIVAPLU).Aceitar o princpio da dignidade da pessoa humana como uma norma-princpio, significa ignorar o conjunto normativo sistemtico constitucional.Esse contedo constitucional afasta o pensamento de que os interesses particulares e privados esto necessariamente em conflitos, pois os elementos privados esto includos nos prprios fins do Estado (e.g., prembulo e direitos fundamentais), trata-se da indissociabilidade entre os interesses pblicos e privados. Verifica-se que a proteo, mesmo que parcial, de um interesse particular constitucionalmente consagrado pode representar, da mesma forma, a realizao de um interesse pblico.A descaracterizao da supremacia do interesse pblico como norma-princpio concluda com o argumento da sua incompatibilidade com os postulados normativos da proporcionalidade e concordncia prtica, que andam atrelados na busca de uma exata medida da realizao mxima de bens jurdicos contrapostos, ou seja, aplicao mxima dos bens jurdicos em jogo, sem que se exclua totalmente um em prol da subsistncia do outro. Este o dever de ponderao ao qual se liga a proporcionalidade e concordncia prtica.Assim, o princpio da supremacia do interesse pblico, ao negligenciar as especificidades de cada caso, impondo uma nica e invarivel relao de prevalncia do interesse pblico, termina por distanciar-se do princpio da proporcionalidade no que tange s suas acepes adequao (o meio escolhido deve ser apto a atingir o fim a que se destina), necessidade (dentre os meios hbeis, a opo deve incidir sobre o menos gravoso em relao aos bens envolvidos) e proporcionalidade em sentido estrito (a escolha deve trazer maiores benefcios do que a restrio proporcionada) -, nas quais ressalta a importncia da anlise casustica pelo aplicador e intrprete da norma.Assim, fica evidente o esvaziamento do referido princpio como fundamento de validade para qualquer interveno estatal em direitos particulares, tendo em vista que, em obedincia ao princpio da legalidade, qualquer interveno estatal necessita de previso normativa.Em concluso, em vez de uma regra de prevalncia, impe-se ao intrprete e aplicador do direito um percurso ponderativo que, considerando a pluralidade de interesses jurdicos em jogo, proporcione soluo capaz de realiz-los ao mximo. E essa ponderao para atribuir mxima realizao aos direitos envolvidos o critrio decisivo para a atuao administrativa.4. A POSIO INTERMEDIRIA DE LUZ ROBERTO BARROSO:O professor Lus Roberto Barroso apresenta uma viso intermediria do problema. Se, de um lado, no descarta inteiramente a utilidade da ideia de supremacia do interesse pblico, de outro lado, procede uma ampla reviso de seus pressupostos tericos, o que resulta numa verso fraca do princpio.Assim como Celso de Mello, Barroso divide o interesse pblico em:a) Primrio: a razo de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justia, segurana e bem estar social. Neste aspecto, tambm est includo o prprio interesse privado quando se tratar de um direito fundamental.b) Secundrio: interesse da pessoa jurdica de direito pblico que seja parte em uma determinada relao jurdica.Para Barroso, o interesse pblico secundrio jamais desfrutar de supremacia presumida e abstrata em face do interesse particular. Se houver coliso entre ambos, caber ao interprete proceder a ponderao adequada, analisando os elementos normativos e fticos relevantes ao caso concreto. J em relao ao interesse pblico primrio, este h de desfrutar de supremacia em um sistema constitucional e democrtico, pois no passvel de ponderao, ele o parmetro de ponderao. Assim, vista da situao concreta a ser apreciada, o interesse pblico primrio consiste na melhor realizao possvel da vontade constitucional, dos valores fundamentais que ao intrprete cabe preservar ou promover. Logo, em caso de conflitos de interesses (coletivos ou individuais), deve ser feito um juzo de ponderao entre eles para se achar qual o grau de aplicao de ambos mais satisfar o interesse pblico primrio.Veja-se que, como Barroso, Gustavo no nega a importncia de um conceito de interesse pblico (como resultado de juzos ponderativos, e no como um pressuposto abstrato e presumido), mas nega to somente a existncia de um princpio da supremacia de interesse pblico.Assim, o interesse pblico primrio sempre prevalecer, pois este resultado da mxima aplicao dos direitos individuais, coletivos e as metas do Estado, quando contrapostos e aps ter sido feito um juzo de ponderao.Esta discusso no tem importncia apenas terica, pois o uso arbitrrio do princpio da supremacia ocorreu ao longo do tempo exatamente pela fluidez do seu conceito. Assim, o voluntarismo dos governantes sobre os direitos individuais ocorria sempre se fundamentando no referido princpio.5. A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO ADMINISTRATIVO E O DEVER DE PONDERAO PROPORCIONAL COMO FATOR DE LEGITIMAO E PRINCPIO REITOR DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA. O ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO COMO ESTADO PONDERAO:A seguir ser demonstrado que com o constitucionalismo e a consequente constitucionalizao do direito administrativo, inconsistente se defender a existncia do princpio da supremacia do interesse pblico, que d lugar a um princpio da ponderao proporcional como fator de legitimao do Estado democrtico de direito e princpio reitor da atividade administrativa.O constitucionalismo moderno surge quando da superao dos regimes absolutistas, tendo em vista a necessidade de conteno dos poder do Estado, atravs da elevao de certos direitos e garantias a certo nvel hierrquico superior quando comparado a outros direitos. Apesar de ao longo da histria existir alguns documentos que j traziam em si certas previses de direitos e garantias com maior grau de relevncia (e.g. , magna carta de 1215), foi a partir do final do sc. XVIII e incio do sc. XIX que o constitucionalismo ganhou destaque.A partir, surgiram documentos constitucionais, com ideais humanistas, que colocaram o homem no centro das relaes jurdicas, tornando-o um fim em si mesmo. Tais direitos tm assento nas ideias de dignidade da pessoa humana e de Estado democrtico de direito, servindo, ao mesmo tempo, legitimao e limitao do poder.Apesar de os direitos fundamentais ganharem destaque nesse cenrio, torna-se necessrio reconhecer tambm a existncia de direitos transindividuais (coletivos), que em considerveis previses constitucionais limitam os direitos individuais em prol de tutela dos anseios difusos, e.g., direito ao meio ambiente e a funo social da propriedade.Partindo da premissa de que interesses privados e coletivos coexistem como objeto de tutela constitucional, conclui-se que a expresso interesse pblico consiste em uma referncia de natureza genrica, a qual abarca a ambos, interesses privados e coletivos, enquanto juridicamente qualificados como metas ou diretrizes da Administrao Publica.A fluidez conceitual inerente noo de interesse pblico, aliada natural dificuldade em sopesar quando o atendimento do interesse pblico reside na prpria preservao dos direitos fundamentais, e no na sua limitao em prol de algum interesse contraposto da coletividade, impem ao legislador e Administrao Pblica o dever jurdico de ponderar os interesses em jogo, buscando a sua concretizao at um grau mximo de otimizao.Assim como as cortes constitucionais, a Administrao Pblica deve buscar utilizar-se da ponderao, guiada pelo princpio da proporcionalidade, para superar regra de preferncia presumida, atuando circunstancial e estrategicamente com vistas formulao de Standards[footnoteRef:11] de deciso. Tais Standards permitem a flexibilizao das decises administrativas de acordo com as peculiaridades do caso concreto, mas evitam o mal reverso, que a acentuada incerteza jurdica provocada por juzos de ponderao produzidos sempre caso a caso. [11: Standards: modelo; exemplo; no sentido usado no texto, seria um modelo de decises a ser seguido, ou seja, um conjunto de pensamentos que servem com norte para decises a serem tomadas.]

Se levarmos em conta que, na lgica da separao dos poderes cabe a Administrao pblica implementar projetos legislativos e polticas pblicas, fazem parte da rotina do administrador situaes diversas que lhe demandam tomar decises investidas de larga margem de discricionariedade. Nesta situao, quando o administrador se deparar com conflitos entre interesses difusos e particulares, dever alcanar a soluo que mais aperfeioe e realize ao mximo cada um dos interesses pblicos em jogo, luz dos valores constitucionais concorrentes.A tcnica da ponderao encontra aplicao recente tanto no direito administrativo elaborado nos pases da common Law, como nos pases vinculados ao direito administrativo europeu (civil Law), como forma de controle da discricionariedade administrativa e de racionalizao[footnoteRef:12] dos processos de definio do interesse pblico prevalente. [12: Racionalizar: tornar efetivo; racional; lgico.]

Por s