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1 UMA REFLEXÃO HISTÓRICA, FILOSÓFICA E POLÍTICA DAS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE PEDAGOGIA Armindo Quillici Neto 1 UNITRI Sônia Ap. Siquelli Monaco 2 UNIFEOB 1- INTRODUÇÃO O presente texto trata da análise das Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, homologadas pelo Ministério da Educação em 04 de abril de 2006. Queremos apontar as contradições existentes entre as atuais Diretrizes e a realidade da formação de professores no Brasil. Inicialmente faremos alguns apontamentos históricos sobre a Educação brasileira, desde a passagem do período jesuítico para o pombalino, até a publicação da nova Lei de Diretrizes de Educação Nacional, de nº. 9.394/1996. Refletimos sobre as primeiras preocupações com os cursos de formação de professores, desde o Curso Normal até as últimas indicações sobre a Pedagogia. No intróito histórico, mostramos a evolução dos números sobre os cursos de Pedagogia, desde a década de 60 até a publicação do último Censo da Educação Superior, em 2004. Nos últimos dez anos o ensino superior representa a parte da Educação que mais cresceu, contando com a colaboração dos cursos de formação de professores. Por fim, uma reflexão das Diretrizes Curriculares que busca analisar questões no campo da história, da filosofia e da política. Com a implantação das novas Diretrizes, queremos saber se as instituições estão ou não preparadas para enfrentar esse novo desafio. 1 Doutor em Educação pela UNICAMP e docente do curso de Mestrado em Educação do Centro Universitário do Triângulo - UNITRI - Uberlândia/MG. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação pela PUC-Campinas e docente do curso de Pedagogia do Centro Universitário da Fundação Octávio Bastos – UNIFEOB - São João da Boa Vista/SP.E-mail: [email protected]

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1

UMA REFLEXÃO HISTÓRICA, FILOSÓFICA E POLÍTICA DAS

NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE

PEDAGOGIA

Armindo Quillici Neto1 UNITRI

Sônia Ap. Siquelli Monaco2 UNIFEOB

1- INTRODUÇÃO

O presente texto trata da análise das Diretrizes Curriculares do Curso de

Pedagogia, homologadas pelo Ministério da Educação em 04 de abril de 2006.

Queremos apontar as contradições existentes entre as atuais Diretrizes e a realidade da

formação de professores no Brasil.

Inicialmente faremos alguns apontamentos históricos sobre a Educação

brasileira, desde a passagem do período jesuítico para o pombalino, até a publicação da

nova Lei de Diretrizes de Educação Nacional, de nº. 9.394/1996. Refletimos sobre as

primeiras preocupações com os cursos de formação de professores, desde o Curso

Normal até as últimas indicações sobre a Pedagogia.

No intróito histórico, mostramos a evolução dos números sobre os cursos de

Pedagogia, desde a década de 60 até a publicação do último Censo da Educação

Superior, em 2004. Nos últimos dez anos o ensino superior representa a parte da

Educação que mais cresceu, contando com a colaboração dos cursos de formação de

professores.

Por fim, uma reflexão das Diretrizes Curriculares que busca analisar questões

no campo da história, da filosofia e da política. Com a implantação das novas Diretrizes,

queremos saber se as instituições estão ou não preparadas para enfrentar esse novo

desafio.

1 Doutor em Educação pela UNICAMP e docente do curso de Mestrado em Educação do Centro Universitário do Triângulo - UNITRI - Uberlândia/MG. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação pela PUC-Campinas e docente do curso de Pedagogia do Centro Universitário da Fundação Octávio Bastos – UNIFEOB - São João da Boa Vista/SP.E-mail: [email protected]

2

A publicação das Diretrizes cria alguns problemas para os que pensam e

executam as políticas educacionais para a formação de professores. O país conta com o

curso de Pedagogia e o Normal Superior que preparam professores para Educação

Infantil e Educação Fundamental. É possível aliar as duas formas, sendo que o fim é o

mesmo?

Educar as novas gerações não é tarefa fácil, exigirá políticas educativas fortes e

comprometimento dos governantes para uma Educação que tenha significado social.

2- REFERÊNCIAS HISTÓRICAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

NO BRASIL

Antes de tratar das Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, faz-se

necessário retomar as origens da Educação e as primeiras preocupações com a formação

de professores no Brasil. Uma trajetória que se inicia recentemente, no final do século

XIX, praticamente às vésperas da Proclamação da República. Portanto, uma experiência

sobre formação de professores com pouco mais de um século. Não entraremos no

mérito e nem mesmo nos problemas da Educação das épocas, faremos apenas

apontamentos sobre a Educação da Ratio Studiorum e a expulsão dos Jesuítas pela

Reforma Pombalina. Indicaremos a Educação no Império, na República e a implantação

dos cursos que preparavam professores no nível Médio e Superior.

A Reforma Pombalina de Portugal, que culminou na expulsão dos jesuítas em

1759, produziu reflexos imediatos na Colônia do Brasil, provocando o desmoronamento

do aparelho de Educação montado pelos padres da Companhia de Jesus. Pombal

ordenou que fechassem 24 colégios, 25 residências, 36 missões e 17 colégios e

seminários maiores, além de um número não determinado de seminários menores e

escolas de ler e escrever (Azevedo, 1971, p 547).

Com a expulsão dos Jesuítas, foram criadas as aulas régias3, aulas de disciplinas

isoladas. Azevedo mostra que

3 Aulas Régias, consideradas aulas avulsas: o Ensino Secundário, oferecido pelos Jesuítas, era organizado em forma de cursos, que na verdade eram as Humanidades. Na Reforma, passa-se às aulas avulsas de latim, grego, de retórica, etc.

3

A Educação que era dada quase que exclusivamente em escolas

confessionais, nos colégios de padres, passou a ser ministrada nas aulas e

escolas régias por mestres nomeados, de acordo com os Bispos, e pelos

padres – mestres e capelães de engenho (Azevedo, 1971, p. 551)

O momento que compreende a passagem da Educação jesuítica para a

Pombalina não se encontra uma Educação Superior destinada diretamente à população,

mas atendia à formação de sacerdotes ou somente à elite brasileira. No entanto, ao

comentar a expulsão dos jesuítas, Azevedo diz que: o que sofreu o Brasil não foi uma

reforma de ensino, mas a destruição pura e simples de todo o sistema colonial de

ensino Jesuítico (Azevedo, 1971, p. 547).

A crítica que se faz a partir da instituição das aulas régias, é que acarretou uma

fragmentação em relação ao conteúdo trabalhado pelos padres Jesuítas;

essa fragmentação não foi apenas formal, mas essencial: essencial (escreve

ele) por terem nessa época influído poderosamente as tendências do

enciclopedismo francês, cuja orientação foi seguida por Pombal que a quis

imprimir ao colégio dos Nobres (...) (Azevedo, 1971, p. 551).

Entretanto, com a Reforma, houve a influência de uma nova mentalidade na

realidade brasileira. Ela abriu as portas para que novas concepções influenciassem a

Educação brasileira.

Com a vinda da Família Real, em 1808, ocorreram mudanças significativas,

tanto no plano social, político e econômico, como também, e, principalmente, no da

Educação. Durante a segunda metade do século XIX, com o impulso da criação dos

Cursos Superiores que preparavam a elite intelectual de jovens para o poder, já surgiam

correntes de pensamento que proclamavam o fim da Escolástica e cultuavam a abertura

em relação ao pensamento moderno.

No entanto, Antonio PAIM apresenta um importante pensador que aderiu à

corrente do ecletismo esclarecido, Silvestre Pinheiro Ferreira (1769 – 1846), que se

incumbiria de preparar os espíritos na busca de conteúdo para aquela doutrina que o

Visconde de Uruguai denominaria de ecletismo esclarecido (...) (Paim, 1974, p. 180).

A Segunda metade do século XIX é considerada como o momento da ascensão

do espírito crítico no desenvolvimento do pensamento brasileiro. Surgiram então dois

4

movimentos extremamente complexos: a escola de Recife e o Positivismo. Encarada

como corrente filosófica, a Escola de Recife desenvolveu-se em quatro fases

perfeitamente distintas, admitindo-se a existência de um primeiro ciclo no qual seus

fundadores são simples participantes do denominado surto de idéias novas.

Antonio Paim diz que:

carece de maior significação batizar a escola de Recife de corrente

evolucionista ou contentar-se com a classificação de positivismo-ortodoxo e

positivismo dissidente, elaborada em conformidade com o modelo francês

(Paim, 1974, p.258).

Vários autores atribuem a Tobias Barreto o mérito de haver aberto novos

caminhos para se discutir a filosofia brasileira. Assim,

a Escola de Recife constitui aquele processo de diferenciação no seio do

chamado surto de idéias novas que consiste conduzir às últimas

conseqüências o rompimento com o Positivismo, trazendo à luz um grupo de

problemas capazes de facultar o prosseguimento do diálogo filosófico, no

qual os brasileiros, como vimos, haviam ingressado. Impulsiona-o Tobias

Barreto (Paim, 1974, P. 260) 4.

Dessa forma, no Século XIX, os teóricos brasileiros estavam por constituir uma

concepção filosófica e, por sua vez, uma concepção educacional. Se alguns teóricos

buscavam apoio no Positivismo, isso representava a vontade de uma pequena parcela da

população. Ainda não é possível dizer que tínhamos uma identidade filosófica definida,

fato que poderá acontecer um pouco mais tarde, ou seja, na última década do século. É

possível dizer que o país vivia uma crise, tanto no aspecto do pensamento filosófico

como na Educação.

O que justifica a propagação das novas idéias que entram no Brasil após a

Reforma de Marquês de Pombal e posteriormente, com a vinda da família Real, é o fato

4 Note-se o comentário de Antonio Paim sobre o surto de idéias novas no Brasil: “Ao que tudo indica, Silvio Romero teria sido o pensador brasileiro que mais chamou a atenção para a circunstância de que a década de 70 do século passado caracteriza-se sobretudo pelo fato de que um bando de idéias novas esvoaçou sobre nós de todos os pontos do horizonte” (Paim, 1974, p. 255).

5

de se pretender a integração da economia de Portugal no novo modelo de capitalismo

que se desenvolvia na Europa. A idéia de progresso e de integração econômica se fazia

muito forte e eram metas a serem atingidas pelos dirigentes da época. Sendo assim, o

pensamento educacional é influenciado pelo Darwinismo e pelo Positivismo, porém,

convivendo de forma conflituosa com as idéias da Igreja que era a detentora das

convicções da Educação, que se sustentava numa visão tradicional.

A República, proclamada em 1889, trazia, por um lado, o espírito dos ideais de

mudança e de rompimento com o antigo regime e com a Igreja, por outro, a implantação

de um sistema que atendia aos interesses da camada média e dos senhores do café, que

viam a possibilidade de novos lucros.

O ideal do Liberalismo político era compatível com a propriedade rural. Faoro

comenta que essa

ideologia articula-se aos padrões universais, irradiados da Inglaterra, França e

Estados Unidos, confortando a consciência dos ocidentalizadores,

modernizadores da sociedade e da política brasileiras, muitas vezes,

enganados com a devoção, sem exames aos modelos (Faoro, 1976, p. 501).

O Positivismo, filosofia que marcou profundamente os ideais da política

brasileira desta época, influenciou de forma também marcante a reforma de ensino de

Benjamim Constant, nomeado primeiro Ministro da Instrução, Correios e Telégrafos (de

1890 a 1892).

A reforma de Benjamin Constant atingiu diretamente a Faculdade de Direito e

de Medicina, a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Escola de Minas, de Ouro Preto,

e a Escola Militar; a Academia de Belas Artes, que tomou o nome de Escola Nacional

de Belas Artes, o Conservatório de Música, que passou a chamar-se Instituto Nacional

de Música, o Imperial Instituto de Meninos Cegos, denominado então Benjamin

Constant, e o Instituto de Surdos – Mudos.

Fernando de Azevedo traz algumas informações sobre a situação do ensino após

a constituição de 1891 e que marca fortemente a nova tendência da Educação, a de

superar a visão religiosa de escola:

Além de instituir a forma federativa, transfere a instrução primária aos

Estados, a instrução secundária e superior também foi reservada aos Estados,

6

mas não privativamente, foi posta diretamente sob a jurisdição do governo

central (Azevedo, 1976, p. 619).

O dado importante, ocorrido na constituição republicana de 1891, foi a

separação da Igreja em relação ao Estado, ou seja, a laicização do ensino dos

estabelecimentos públicos (art. 72, nº 6, da constituição de 91). Percebe-se novamente

que toda luta pela Educação pública tinha como fundamento o rompimento com a

escola jesuítica, que posteriormente foi chamada, pelos estudiosos da Educação, de

escola tradicional.

Carlos Jamil Cury trata da relação entre ideologia Católica e ideologia Liberal,

escreve que:

a República rompe oficialmente com o Padroado e se proclama leiga. O

rompimento desta simbiose não significou um abalo muito profundo nas

relações entre ambos os poderes. O Padroado não permitia uma margem

muito grande de atuação por parte da Igreja. Já a separação oficial permite

que a Igreja Católica reestruture na área religiosa os quadros eclesiásticos,

seja na sua formação, seja na sua ampliação e mesmo moralização. Os laços

com a Sé romana começaram se tornar mais e mais fortes (Cury, 1978, p. 14).

No final do século XIX, com todo espírito de mudanças, a Igreja já não dispunha

de um clero com bastante influência nas consciências e força na sociedade capaz de

desencadear uma reação eficaz e de grande envergadura. Dentro do novo regime em que

o Estado instituiu o sistema de neutralidade escolar5 e influência da iniciativa privada

sob o impulso de diversas ordens religiosas, nenhuma ainda chegava a disputar a

primazia da Igreja. Foi nesse espírito de liberdade de pensamento e de crenças que

tivemos uma influência bastante significativa do protestantismo.

Durante a República, alguns passos foram importantes para se buscar o

amadurecimento sobre a formação de professores e se chegar ao curso de Pedagogia. O

primeiro passo importante, para a montagem do sistema paulista de instrução pública,

foi a Reforma da Escola Normal, encetada por Caetano de Campos por intermédio do

Decreto Estadual n.º 27, de 12 de março de 1890, o qual é anterior ao próprio Decreto

Federal que, sob a inspiração de Benjamin Constant, reformou a Escola Normal do

5 Na verdade, significava a tentativa de romper com a educação da Igreja Católica, ainda com raízes na visão jesuítica.

7

Distrito Federal (Decreto 407, de 17/05/1890)”6. Tais Decretos tinham como objetivo

preparar professores públicos primários, uma vez que a instrução bem dirigida é o mais

forte e eficaz elemento do progresso e que ao governo incumbe o rigoroso dever de

promover o seu desenvolvimento e que de todos os fatores da instrução popular o mais

vital, poderoso e indispensável é a instrução primária, largamente difundida e

convenientemente ensinada (Antunha, 1975, p.26)7.

Após a reforma da instrução pública do Estado de São Paulo, sob amparo da lei

estadual n.º 88, de 08 de setembro de 1892, que estabeleceu a criação do ensino

secundário, científico e literário, o governo criou três ginásios para alunos externos,

sendo que um desses estabelecimentos deveria localizar-se na capital do Estado (os

únicos mantidos pelo governo estadual durante a primeira República: na capital, em

Ribeirão Preto e em Campinas).

Todo o movimento de educadores e governantes em fundar um tipo de escola

superior que viesse preparar o professor das escolas de nível primário e secundário,

tendeu à criação, mais tarde, da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras8. Antunha

demonstra que o “Instituto de Educação” tem a seguinte formação:

embora nascido para viver transitoriamente, o Instituto de Educação, depois

de ter sido alçado ao nível de estabelecimento de ensino superior, não mais

desapareceu: transformou-se, reduziu-se a uma Secção incorporada à

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e acabou ressurgindo mais

recentemente, agora como Faculdade de Educação, embora totalmente

mudado e com novos objetivos e nova dimensão (Antunha, 1975, p. 37).

Em 25 de julho de 1938, “sob decreto estadual 9 268-A, extinguiu-se o Instituto

de Educação, criando ao mesmo tempo a quarta secção da Faculdade de Filosofia 6 “Em 1880, foi criada a primeira Escola Normal no Município da Corte “para professores e professoras” (Brzezinski, p. 19.1996) 7 Registra-se ainda que no início do século várias leis e decretos indicavam a criação de escolas de nível secundário e superior. A primeira lei Republicana a fundar escola superior em São Paulo foi a de n.º 19, de 24 de novembro de 1891, que criou uma Academia de Medicina, Cirurgia e Farmácia na Capital do Estado. No entanto, não obstante, tivesse sido a primeira a ser legalmente instituída, a escola de medicina teria que aguardar o ano de 1913 (Antunha, 1975, p.27). 8 Almeida Júnior prestou o seguinte depoimento, por ocasião da reforma de 1920: “a Faculdade de Educação, embora chegasse a ser criada por lei, não passou do papel. Mas a semente ficou. Dez anos mais tarde, sob o modesto nome de “Curso de Aperfeiçoamento”. “ (...) Em 1933, retocado e engrandecido, reaparece, em todo o esplendor o plano primitivo, com o nome que hoje tem de Instituto de Educação” (Antunha, 1975, p. 31).

8

Ciências e Letras9 da USP – a secção de Educação em que transformou o Instituto”

(Antunha, 1975, p. 40). Em 1962, “é transformado em Departamento de Educação da

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Em 1969, os reformadores da USP, ao

desmembrarem a F.F.C.L., criaram, entre outras unidades, a Faculdade de Educação”

(Antunha, 1975, p.41).

Em 1937, através da Lei nº. 452/1937, foi criada e Universidade do Brasil, em

seu Art. 4º estabelece a constituição da Universidade do Brasil em faculdades e escolas,

entre estas, a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras e a Faculdade Nacional

de Educação. Esta não se instalou. Ocorreu a organização da Faculdade Nacional de

Filosofia, que compreendia a Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, através do decreto

nº. 1.190/1939. O mesmo Decreto estabelecia a obrigatoriedade do Curso de

Licenciatura, para exercer a profissão de professor, a partir de 1943 (Brzezinski, 1996,

p. 40).

Segundo a Profª Brzezinski,

praticamente por mais de duas décadas, o Curso de Pedagogia permaneceu

com o esquema “3+1”, que acabou sendo reforçado por nova regulamentação

contida no Parecer 251/1962, decorrentes dos postulados da Lei nº.

4.024/1961(Brzezinski,1996, p.54).

Com a Lei da Reforma Universitária, de nº. 5.540/1968, a Faculdade de

Educação passou a formar técnicos denominados especialistas em Educação, fato que

gerou polêmica, pois os especialistas foram chamados assim de forma inadequada, pois

não tinham sequer uma especialização ao exercerem funções de supervisão, orientação,

administração, inspeção e planejamento. No entanto, julgavam-se superiores ao

professor, apesar de possuírem o mesmo nível de formação (Brzezinski,1996, p.67).

A implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de nº.

5.692/1971, que transformou o Curso Normal em uma habilitação para o Magistério e o

Curso de Pedagogia a formar especialistas, fica claro a presença da perspectiva

tecnicista de Educação e a escola passa a representar o modelo de produção da fábrica.

9 A F.F.C.L se transformaria, por um lado, em um instituto universitário que engloba o conjunto das ciências e as humanidades em um centro de pesquisa pura e de altos estudos (raízes na Universidade de Berlim de Humboldt) e, por outro, em um centro de treinamento profissional de educadores (raízes nas experiências universitárias americanas).

9

O movimento de construção de uma Pedagogia fundada nos princípios do

tecnicismo tem vínculos fortes com os ideais de se criar o mercado industrial no Brasil.

No entanto, esse movimento vem acompanhado de um autoritarismo político, tanto no

regime de Vargas, como no golpe de 1964.

A nova Lei da Educação Nacional, de nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996,

tentou reformular a proposta de formação de professores. Propõe a criação do Normal

Superior para a formação do professor da Educação Infantil e das primeiras séries do

Ensino Fundamental. Ao Curso de Pedagogia restava o papel de formar o Especialista

de Educação, menos o professor. Os Artigos 62, 63 e 64 da nova LDB apontam que:

A formação de docentes para atuar na Educação básica far-se-á em nível

superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e

institutos superiores de Educação, admitida, como formação mínima para o

exercício do magistério na Educação infantil e nas quatro primeiras séries do

ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Os institutos superiores de Educação manterão:

I - cursos formadores de profissionais para a Educação básica, inclusive

o curso Normal Superior, destinado à formação de docentes para a Educação

infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;

II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de

Educação Superior que queiram se dedicar à Educação básica;

III - programas de Educação continuada para os profissionais de

Educação dos diversos níveis.

A formação de profissionais de Educação para administração,

planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a Educação

básica, será feita em cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-

graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a

base comum nacional (LDB. 9.394/1996).

Após a publicação da Lei de 1996, várias das instituições de Ensino Superior

transformaram seus Projetos Pedagógicos para a implantação do Curso Normal

10

Superior. O Conselho Estadual de Educação de São Paulo CEE/SP, por exemplo,

normatizou os Artigos 62,63 e 64 da LDB, através da Deliberação 08/2000, obrigando

que todas as instituições jurisdicionadas a ele, transformassem os Cursos de Pedagogia

em Curso Normal Superior.

Com a publicação das novas Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia

em Dezembro de 2005, que garantem a continuidade da formação do professor da

Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino

Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio

escolar, fica claro que as instituições que instalaram o curso Normal Superior, deverão

rever seus projetos. A falta de seqüência nos projetos governamentais, deixa claro, no

debate sobre a formação de professores, o descrédito da Educação perante a sociedade.

3- A EVOLUÇÃO DOS NÚMEROS SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA:

Com as mudanças políticas e econômicas a partir da década de 1940, e, com o

entusiasmo pedagógico que influenciou os educadores e políticos da época, o que se

percebe é a expansão da Educação Superior, embora atendesse apenas uma pequena

parte da população,. Em 1960, o país atingia o número de 31 universidades, sendo que

oito delas eram particulares. As faculdades de Filosofia somavam 113. Na década de

1970 das 61 universidades, 57 eram Faculdades de Filosofia Ciências e Letras e

ofereciam 854 cursos, dos quais 138 eram de Pedagogia. Em 1980, o país contava com

206 cursos de Pedagogia. “Existiam dois Bacharelados em Educação e 204 licenciaturas

plenas, incluindo-se as habilitações em administração escolar, inspeção escolar,

orientação educacional, supervisão escolar e Educação especial. Dessas licenciaturas,

176 (96,3%) eram ofertadas por instituições isoladas” (Brzezinski, 1996, p. 50).

Sob a vigência da nova Lei de Educação, a 9.394/1996, que propunha algumas

mudanças no curso de Pedagogia, onde a formação do professor concentra-se no curso

Normal Superior, principalmente nas instituições isoladas, o que se percebe é uma

grande crise no interior das instituições para implantar as mudanças exigidas. Porém,

não podemos deixar de reconhecer que o país vive, após 1996, momentos de grandes

inquietações sobre a Educação, principalmente sobre a Educação Superior e a formação

de professores.

11

Segundo dados do Censo da Educação Superior do MEC/INEP/Deaes, em 2003,

das 1.859 instituições de Educação Superior, o Brasil tinha um total de 16.453 cursos de

graduação presencial, sendo que 1.214 eram cursos de Pedagogia, 485 eram cursos de

Normal Superior. Em duas décadas a Educação Superior cresceu de forma volumosa,

embora ainda não atende as necessidades fundamentais da Educação da população

brasileira (MEC/INEP/Deaes 2003.http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior).

Em 2004, o INEP aponta para um novo crescimento em relação aos dados de

2003. O país conta com 2.013 instituições de Educação Superior, com 18.644 cursos de

Educação Superior presenciais, 1.437 cursos de Pedagogia e 701 cursos de Normal

Superior. (MEC/INEP/Deaes 2004.http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior).

Percebe-se que a Educação Superior brasileira ganhou forças na última década, o

maior crescimento ficou por conta das instituições privadas, resultado da política

adotada pelo governo brasileiro a partir de meados da década de 1990.

A formação de professores é uma realidade em debate no mundo educacional,

porém, não há muita clareza, por parte dos educadores, por quais caminhos seguir. A

crise está instalada, cabe aos educadores preocupados com a questão, a busca das

possíveis saídas e solução sobre a formação de professores.

4- ANÁLISE DAS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE

PEDAGOGIA

Sob muitos enfoques, ao longo do tempo, a formação do professor foi discutida a

partir dos fatos históricos e das características de cada época. Como mostra a reflexão

anterior, se fizermos uma retrospectiva a partir dos anos de 1930, as determinações

oficiais enfatizam a necessidade de haver uma adequação entre o processo formativo do

professor e da legislação vigente, ou seja, a grande reivindicação dos educadores era de

que a Educação fosse de responsabilidade do Estado. O Escolanovismo foi o

movimento precursor desta luta. Todo debate que se seguiu após a publicação do

Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, tinha como fundamento, a busca da

estatização da Educação.

Nos anos 1960 e 1970 esse mesmo ponto de vista continua, mas surge a

tendência de exigir do Estado uma forma de agir mais produtiva em face às

necessidades da problemática educacional, a escola é refém do modelo econômico e a

12

formação do indivíduo tem como objetivo a formação de mão de obra para o mercado

de trabalho, a escola técnica. O Estado é o responsável pela escolarização com ênfase ao

ideário da racionalização de recursos materiais e humanos, adotando, como

conseqüência, um caminho tecnicista.

Na década de 1980, o centro das discussões volta-se para os aspectos

políticos e sociais, do processo de formação do professor/educador. E,

concomitantemente surge uma outra preocupação: a Universidade percebe a

necessidade de estabelecer mecanismos integradores com as escolas dos níveis

Fundamental e Médio. Paralelo a esse debate há a presença da discussão em torno

do Neoliberalismo e da Pós-Modernidade, muitos dos educadores pregam a

necessidade da mudança de paradigma e o reconhecimento de que a Educação

vive o momento principal de sua crise. No Ensino Fundamental, as perspectivas

de mudanças metodológicas passam a ser as metas principais, reivindicando a

presença do Construtivismo como a forma mais próxima de entendimento da

relação professor e aluno.

O período que compreende os anos de 1990, continua o debate a respeito da

problemática social embutida na escola, sendo realçada a noção de indivíduo. O

conceito de obrigatoriedade do Estado não desaparece, mas passa a ser exigido um

maior envolvimento da sociedade civil em toda problemática educacional, sendo a

formação docente um dos pólos de interesse. A política educacional se sustenta na

publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e, em seguida, a Lei de Diretrizes

Nacionais da Educação, de nº. 9 394, de 20 de dezembro de 1996.

No que diz respeito à formação dos profissionais nas diferentes áreas de

atuação é, sem dúvida, crucial no momento atual refletir sobre essa formação,

sobre as opções pedagógicas tomadas pelos educadores frente às atitudes em

relação ao educando.

Pensar a formação do professor, no processo formativo, enfocando que este

profissional seja encorajado a refletir sobre sua própria prática, num processo

contínuo, onde seja possível rever, pensar e refletir a práxis. Docentes das várias

áreas e, principalmente da Educação, que seja um docente pesquisador, que domine

o conteúdo, deve saber (ser nativo), depois ele deve saber-fazer, o que implica

reflexões sobre seus conhecimentos metodológicos e, a seguir, o docente deve

saber ser (ser estrangeiro) para permitir-se navegar em outros saberes e,

13

finalmente, deve saber-conviver10, ou seja, socializar o seu conhecimento com seu

educando e com a comunidade.

O processo de formação do professor/educador, além de ser resultante das

correntes teórico-filosóficas voltadas para a área educacional, sofre influências das

características institucionais da escola. Impõe-se, pois, pensar sobre a escola que

no momento enfrenta obstáculos intransponíveis, recebe funções além de sua

competência e oferece, em geral, um ensino de má qualidade.

Inicialmente, partimos da hipótese de que o educador na sua formação deve

atentar para a parte humanística do indivíduo, ou seja, que a visão do educador

sobre o educando deve estar preocupada com a formação do cidadão e, para isso,

faz-se necessário refletir acerca da postura ética do educador.

A preocupação com a formação do educador para a Educação Infantil e para

as séries iniciais do Ensino Fundamental, dentro dos componentes curriculares

parece ser um momento para refletir sobre: o que ensinar? Para quem? Por que

ensinar? Como ensinar?

Para refletir sobre as questões acima recorremos à análise e reflexão da

formação do educador. Entendemos que o educador deva ser um pesquisador de

sua prática, para poder subsidiar sua reflexão teórica:

Nestes tempos atuais em que temos nos defrontado com a implantação de

parâmetros curriculares nacionais, de programas de “treinamento” de

professores à distância, de intervenções por meio de avaliações e outros

controles propostos pela área governamental temos constatado em todas essas

ações a exclusão da participação dos professores que, no entanto, têm sido

sempre culpabilizados pela baixa qualidade da nossa Educação

(SCHNELTZLER in GERALDI, 1998, p.7).

A sociedade brasileira, ainda inexperiente, no seu processo de história da

Educação registrada e possuindo experiência educacional marcada por atitudes políticas

educacionais incertas e temporárias, devido a um histórico de regimes políticos

adversos: monarquia – república – ditadura – democracia, que delinearam e traçaram os

10 As expressões deve saber (ser nativo), deve saber-fazer, deve saber ser (ser estrangeiro) e deve saber-conviver foi usado pela Profa. Corinta Maria Grisolia Geraldi-UNICAMP, durante uma aula.

14

rumos educacionais há quase quinhentos anos, sente a necessidade de uma análise na

base curricular para subsidiar o educador na sua prática educativa. Em um país onde a

população caiu no perigo de encarar como sendo comum crianças passarem fome

nas ruas; haver corrupção nas relações sociais; cultivar o hábito de uns levarem

vantagens sobre os outros; confiar seu voto em troca de gêneros de primeira

necessidade; políticos governarem com interesses próprios e a população não

reagir, algo deve ser repensado e modificado.

Uma estrutura social abalada com famílias desestruturadas, traçar objetivos

para uma Educação que atenda a exigências tão graves e tão urgentes,

provavelmente deve ter uma base ética fundamentada nos ideais

teórico/filosóficos. Torna-se, portanto, imprescindível buscar nas Diretrizes

curriculares do Curso de Pedagogia um apoio para que a Educação cumpra seu

papel na sociedade.

Abordar essas Diretrizes na formação dos educadores se constitui uma das

iniciativas primeiras para promover mudanças na sociedade, parece ser uma das

saídas para que, nos próximos anos, os educadores saibam mediar suas atitudes nas

relações sociais. Favorecerá os relacionamentos humanos dentro da escola e fora

dela, podendo contribuir para a diminuição da violência física, da alienação gerada

pelo consumismo desregrado, da ideologização de fundamentos Neoliberais

predominantes, da ausência de reflexão sobre a postura do sujeito frente aos

conflitos cotidianos; da falta de atitudes e soluções comprometedoras na Educação

por parte dos educadores.

Na tentativa de justificar a importância de uma reflexão sobre o documento

das Diretrizes da Pedagogia e promover aos docentes, a fim de que estes percebam

no educando a influência do meio sócio-cultural e sua relação com a sociedade que

o integra, é de responsabilidade da Educação conhecer e inserir a discussão sobre a

prática educativa com a prática social.

Estas Diretrizes na formação dos educadores, faz com que estes,

posteriormente, levem seus educandos a pensar e refletir suas atitudes desde

cedo, parece ser uma das alternativas que faltam para a Educação sair do tão

somente domínio de conteúdos. Promover uma formação de cidadãos

competentes no exercício do viver socialmente, o bastante, que aprendam não só

a respeitar a ordem social, mas que possam questioná-la o suficiente, justificando

15

seu lugar nessa vida, a ponto de despertar neles expectativas de desejos que a

vida os chama a desfrutar.

4.1- Política dos anos 90: um dos construtos que mobiliza a formação do

educador

A sociedade atual, eivada de valores de todo tipo, espirituais e materiais, tanto

no plano nacional ou mundial, não conseguirá sobreviver sem uma ética de

responsabilidade e de compromisso que dê conta de relacioná-los para adoção prática

segundo uma ordem de relevância humanitária. Concebemos ser a Educação

responsável para formar esses valores, competências e habilidades.

A formação do professor, em especial das séries iniciais e da Educação Infantil,

é um dos pontos mais críticos do sistema de ensino brasileiro. E essa é uma das razões

pelas quais, muitos dos pesquisadores estão procurando cada vez mais investigar como

se dá esta formação, revelando suas características, contradições e possíveis caminhos

para sua superação, a fim de contribuir com aqueles que estão envolvidos com a

formação de professores.

A construção de uma identidade profissional abarca inúmeros fatores que

participam dessa identidade, entendemos que o sistema educacional contribui para essa

identidade através da formação de valores11. Em países em desenvolvimento,

atualmente, a profissão de professor vem sofrendo profundas transformações sob o

efeito conjugado de uma série de fatores. Entre esses, temos de considerar, de um lado,

o crescimento do número de alunos e sua heterogeneidade sócio-cultural, a demanda

pela população de uma certa qualidade de escolarização, o impacto de novas formas

metodológicas de tratar os conhecimentos e o ensino, e, de outro, a ausência de

priorização político-econômico concreta da Educação primária e secundária e, as

estruturas hierárquicas, burocráticas, no mais das vezes, centralizadoras e inoperantes

em seus diferentes níveis. Nessa dinâmica, está o trabalho do professor, cada um na sua

realidade e na sua prática pedagógica em sala de aula, com a bagagem que sua

formação básica ou continuada lhe proporcionou, e com os saberes que sua experiência

construiu. Nesse aspecto cabe questionar se, em relação a esse professor, no seu

11 Morais, éticos, estéticos, religiosos, culturais, econômicos, políticos, sociais entre outros.

16

cotidiano, como foi sua formação? Será que existiu e existe nos cursos de formação de

docentes a preocupação em abordar a prática educativa com a prática social, enquanto

princípio para uma definição de postura, em relação aos valores sociais, econômicos e

políticos que envolvem o ser humano na sua vida diária?

Esses questionamentos surgem do trabalho que a sociedade, em geral, promove

no ato de garantir a transmissão e a continuidade da experiência humana pela

comunicação, manutenção ou criação e recriação de saberes selecionados numa dada

cultura e tradição.

A sociedade sofre mutações rápidas, podemos detectar, na construção e na forma

que toma o papel social dos professores, e também nas propostas para sua formação.

Qual identidade o educador deve construir na sua formação que dê conta dos novos

valores que essa sociedade cultural, em constante mudança, aponta?

Sabemos ser o professor muitas vezes ignorado nas pesquisas, como seres

concretos de uma realidade também concreta, que possuem seu próprio estilo de ver o

mundo, de ver as coisas, de interpretar informações, mas ignorados pela política de

intervenção que lida objetivamente de forma abstrata com esses profissionais.

Quanto a isso, Nóvoa afirma que:

A profissionalização do professorado acompanha-se de uma política de

normalização e de controle estatal. As escolas normais constituem o

lugar certo para disciplinar os professores, transformando-os em agentes

do projeto social e político da modernidade: os discursos aqui

produzidos e difundidos – bem como as práticas que lhes dão corpo –

edificam um novo modelo de professor, no qual as ‘antigas’ referências

religiosas se cruzam com o ‘novo’ papel de servidores do Estado e da

sua razão. Nóvoa (apud Serbino, 1998, P.23)

Esse profissional, em nosso modo de interpretar, é um ser em movimento,

construindo valores, estruturando crenças, tendo atitudes, agindo em razão de um tipo

de eixo pessoal que o distingue de outros: sua identidade ética. Juntamente estão as

motivações, os interesses, as expectativas, as atitudes, todos os elementos multi-

determinantes dos seus modos de ser um profissional.

17

A partir dessa idéia de identidade profissional, deve se levar em conta nos

processos de formação e profissionalização dos docentes, quem é esse professor

que a pesquisa busca, ao questionar a importância das Diretrizes, do currículo nos

cursos de sua formação. Quem é esse professor de quem se diz não ter “qualidade”

no trabalho? Que representações têm de si e dos outros (seus pares), como pessoas

e profissionais? Como essas representações interagem atuando na sua própria

formação e nas ações pedagógicas que desenvolve? Essas são questões importantes

que, ao longo da descrição das Diretrizes da Pedagogia - 2006, serão abordadas

para a compreensão do ser professor a fim de nortear o fazer-se professor.

4.2- Antecedentes, Finalidades e Princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais

do Curso de Pedagogia

Com a conclusão da Licenciatura há sempre uma inquietude teórica e

prática sobre a formação do educando, ou seja, pensar e refletir acerca dos

conteúdos, da postura profissional e das políticas que instituem essas existências.

Assim como aponta Silva Júnior:

Múltiplas reformas institucionais realizaram-se desde a década de 1950

até estes primeiros anos do século XXI. Tais reformas, em geral, com

origem no Estado, buscavam mudanças nos múltiplos processos de

construção da sociabilidade humana, procurando fazê-la adequada à

forma histórica assumida no país, para que concorria de forma profunda,

a Educação brasileira.( Silva Júnior. 2005. p.11)

Desde a década de 90 o Ministério da Educação e Desporto (MEC) do Brasil

está promovendo um debate em nível nacional, visando à formulação de novas

diretrizes para o curso de Pedagogia, uma proposta de conteúdos que referenciem e

orientem a estrutura curricular do sistema educacional do país.

Ao examinar as o relatório das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso

de Pedagogia, sobre o ponto “Breve Histórico do Curso de Pedagogia”, especificamente

18

sobre a dicotomia entre bacharelado e licenciatura, enquanto o primeiro formava o

técnico em Educação o segundo formava o professor, identifica diversos vieses que

sugerem essa expressão, mas que ainda deixa implícito uma moral laica, e que no

documento ainda permanece implícito.

As críticas recaem sobre o contexto histórico educacional vigente na

formação do professor no momento da elaboração dessas Diretrizes. Primeiro,

com bases na LDB 9394/96 foi criado nas IES vinculadas aos CEE o curso

Normal Superior, com bases numa formação para prática. Daí surge essas

Diretrizes, frente a pressa com que foi redigida a crítica por parte dos educadores

quanto ao Normal Superior, principalmente por se tratar de um abandono de

propostas de boa qualidade, elaboradas pelos estados desde 1982, ignorando

completamente o que já tinha sido feito antes na Educação.

A escola brasileira foi percebida pelo seu fracasso, como se tudo o que

antes havia sido feito não tivesse resultado em nada de bom, que pudesse

servir de ponto de apoio para melhorar a situação existente. (Cunha,

1996:61).

A partir destes dados, faz-se necessário, ao descrever o texto das Diretrizes, que

traz como finalidade “a formação oferecida que abrangerá , integralmente a docência,

a participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino em geral”

(Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia-Abril/2006). Ao conhecermos essa

finalidade surge o questionamento do porquê da criação do Normal Superior, hoje uma

realidade em muitas instituições, se a Pedagogia a partir destas Diretrizes formará o

mesmo profissional que o Normal Superior? O que aconteceu, anteriormente da

elaboração das Diretrizes? Que objetivos estão contidos nas intenções políticas das

Diretrizes em garantir uma formação com um currículo mais elaborado para Pedagogia,

enquanto o currículo do Normal Superior é mais ‘tecnicista’? A quem atenderá esse

novo curso de Pedagogia e o Normal Superior? Será que mais uma vez na história da

Educação brasileira estamos garantindo a segregação da sociedade? A dicotomia destas

duas formações na mesma profissão pressupõe que mais uma vez elaboramos

documentos para dar sustentação ao abismo existente das práticas educativas inseridas

na prática social onde há privilegio de uma pequena classe de ricos em prol da maioria

pobre.

19

Outra observação crítica apontada sobre as Diretrizes se faz sobre o seu

contexto elaborativo, diz respeito à posição da universidade, uma vez que esta fez

várias manifestações contra a criação do Normal Superior.

A análise sobre o currículo da Pedagogia, a partir das Diretrizes, é

pertinente nesse momento, pois a política educacional vem demonstrando os

resultados da aplicação de testes nos alunos da Educação básica, a publicação dos

rendimentos dos alunos e por escola, para efeito de orientação dos ‘consumidores’,

da mercadoria educacional, só possui uma explicação, a implantação do modelo

mercadológico. Isso iniciou em Minas Gerais, segundo os modelos de pedagogos

do Banco Mundial, se prolongou por todo território nacional pelo Sistema de

Avaliação da Educação Básica – SAEB, que atua por amostragem. Sua atuação

em todas as escolas é uma chance proporcionada pela proposta que, na falta de

uma melhor definição das políticas educacionais, é levada em conta para entendê-

la nos seus fragmentos.

4.2.1. Perfil dos Licenciados

O documento das Diretrizes, na tentativa de diferenciar a formação promovida

pela Pedagogia e pelo Normal Superior, conseguiu fazer distinção entre as duas

formações, segundo as Diretrizes, o curso de Pedagogia trata do campo teórico-

investigativo, que deverá contemplar a consistente formação teórica através dos

conteúdos da cultura, das maneiras de viver dos seres humanos, que para atender suas

necessidades criam formas de viver que, se diferenciadas em tempos e lugares diversos,

constroem respostas diferentes às necessidades inscritas na natureza, inventando novas

necessidades e criando novas respostas.

Nos costumes sobressaem os aspectos da existência humana: a criação de

valores, diversos grupos e sociedades criam formas específicas de viver e elaboram

princípios e regras que regulam o comportamento, que por sua vez, indicam direitos,

obrigações e deveres.

Assim sendo, que ética permeará esse profissional da Educação uma vez que as

Diretrizes afirmam que o egresso da Pedagogia deva “atuar com ética e compromisso

com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime, igualitária.” (Diretrizes

20

Curriculares para o Curso de Pedagogia-Abril/2006). Não será pretensiosa essa

colocação se referindo ao universo educacional como o salvador de todos os males da

sociedade? Que ideologia atende essa colocação?

Quando as Diretrizes afirmam que o egresso do curso de Pedagogia deverá

“promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e

a comunidade” (Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia-Abril/2006),

considerando que nos tempos atuais é conflituosa a relação destas instituições tão

diferentes como Família, Escola e Religião. Considerando que as famílias se ausentam

de suas responsabilidades em relação à Educação de seus filhos, mas que a escola, numa

atitude neoliberal, designa a Educação familiar responsabilidades que são suas.

Entendendo que a escola promove Educação pública e a família Educação privada.

Apesar das Diretrizes trazer um esforço em mostrar a mesma formação para os

egressos dos cursos de Pedagogia e Normal, a distinção entre ambos torna-se explícito

quando articula e mantém a prática no segundo e a reflexão teórica no primeiro.

Dialogando com essas Diretrizes, percebemos um avanço quanto a preocupação

gerada em torno do aprender, ênfase esquecida na prática educativa atual que preocupa-

se em ‘diagnosticar’ os problemas de aprendizagem e enviá-los aos especialistas da

Educação, aos psicólogos, aos médicos e outros e não assumem a aprendizagem dos

alunos, atribuindo o fracasso escolar às famílias destes alunos.

Quanto à carga horária do curso de Pedagogia, pensamos em como organizar

esse currículo nos cursos noturnos, na maioria privados, de formação de professores que

para atender a concorrência organiza seus cursos em 3 anos. A carga horária de no

mínimo 3.200 horas atenderá a realidade das universidades públicas, que forma o

docente, mas também o pesquisador. Quanto aos cursos que realmente formam os

professores para a prática da Educação Básica organizar essa quantidade de horas em

três anos, como exige o mercado de formação superior competitivo, é inviável.

Aumentar para 4 anos a formação de cursos noturnos corre-se o risco de não ter alunos,

pois há no mercado hoje formações rápidas de dois anos, e para quem tem que pagar

para estudar muitas vezes a formação mais rápida é que tem a maior procura.

21

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que na prática educativa do curso de Pedagogia, a partir destas

Diretrizes, muitas celeumas irão ser criadas dentro das instituições de ensino públicas e

privadas. A estrutura curricular de nossas escolas tem sua origem numa concepção

de mundo elitista, que não se preocupa com o trabalho manual e nem com a vida

cotidiana das pessoas e que limita o exercício intelectual a uma minoria de

cidadãos, conseqüentemente, torna-se visível o grande desenvolvimento intelectual

e tecnológico alcançado ser acessado por apenas uma pequena parcela da humanidade. No texto da referida Diretriz, que trata especificamente da implantação das

Diretrizes curriculares, são apresentadas três razões para que a escola se ocupe

delas. A primeira razão refere-se ao da escola ser parte integrante da sociedade,

por conseguinte, acaba padecendo dos mesmos males que ela. A segunda razão

considera o fato de que as propostas pedagógicas do curso Normal Superior,

poderão para turmas em andamento, respeitando o interesse do alunado , introduzir

alterações decorrentes das novas Diretrizes da Pedagogia e no novo Projeto

Político Pedagógico da Pedagogia. A terceira razão trata do fato de que a escola é

um espaço de transição entre o espaço privado (a família) e o espaço público (fora

da família), o que o texto chama de socialização.

Depois de reconhecermos que há problemas difíceis de se resolver na

formação do professor, nossa opinião reluta em aceitar a institucionalização de

dois cursos (Pedagogia e Normal Superior) para formar o mesmo profissional, que

atuará em realidades sociais diferentes. Há “um mal-estar ético perpassa a

sociedade brasileira” e, conseqüentemente a formação de professores para

Educação Básica.

Nesta articulação entre o eixo filosófico, histórico e político das Diretrizes

do curso de Pedagogia e a vivência em projetos da prática educativa, como

docentes, se condensa o desafio radical de promover um momento de crítica à

formação do nosso educador, num momento onde estamos vivendo processos

complexos de transformação ético-político e social.

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