uma reflexÃo histÓrica, filosÓfica e polÍtica das … · mérito e nem mesmo nos problemas ......
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UMA REFLEXÃO HISTÓRICA, FILOSÓFICA E POLÍTICA DAS
NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE
PEDAGOGIA
Armindo Quillici Neto1 UNITRI
Sônia Ap. Siquelli Monaco2 UNIFEOB
1- INTRODUÇÃO
O presente texto trata da análise das Diretrizes Curriculares do Curso de
Pedagogia, homologadas pelo Ministério da Educação em 04 de abril de 2006.
Queremos apontar as contradições existentes entre as atuais Diretrizes e a realidade da
formação de professores no Brasil.
Inicialmente faremos alguns apontamentos históricos sobre a Educação
brasileira, desde a passagem do período jesuítico para o pombalino, até a publicação da
nova Lei de Diretrizes de Educação Nacional, de nº. 9.394/1996. Refletimos sobre as
primeiras preocupações com os cursos de formação de professores, desde o Curso
Normal até as últimas indicações sobre a Pedagogia.
No intróito histórico, mostramos a evolução dos números sobre os cursos de
Pedagogia, desde a década de 60 até a publicação do último Censo da Educação
Superior, em 2004. Nos últimos dez anos o ensino superior representa a parte da
Educação que mais cresceu, contando com a colaboração dos cursos de formação de
professores.
Por fim, uma reflexão das Diretrizes Curriculares que busca analisar questões
no campo da história, da filosofia e da política. Com a implantação das novas Diretrizes,
queremos saber se as instituições estão ou não preparadas para enfrentar esse novo
desafio.
1 Doutor em Educação pela UNICAMP e docente do curso de Mestrado em Educação do Centro Universitário do Triângulo - UNITRI - Uberlândia/MG. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação pela PUC-Campinas e docente do curso de Pedagogia do Centro Universitário da Fundação Octávio Bastos – UNIFEOB - São João da Boa Vista/SP.E-mail: [email protected]
2
A publicação das Diretrizes cria alguns problemas para os que pensam e
executam as políticas educacionais para a formação de professores. O país conta com o
curso de Pedagogia e o Normal Superior que preparam professores para Educação
Infantil e Educação Fundamental. É possível aliar as duas formas, sendo que o fim é o
mesmo?
Educar as novas gerações não é tarefa fácil, exigirá políticas educativas fortes e
comprometimento dos governantes para uma Educação que tenha significado social.
2- REFERÊNCIAS HISTÓRICAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
NO BRASIL
Antes de tratar das Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, faz-se
necessário retomar as origens da Educação e as primeiras preocupações com a formação
de professores no Brasil. Uma trajetória que se inicia recentemente, no final do século
XIX, praticamente às vésperas da Proclamação da República. Portanto, uma experiência
sobre formação de professores com pouco mais de um século. Não entraremos no
mérito e nem mesmo nos problemas da Educação das épocas, faremos apenas
apontamentos sobre a Educação da Ratio Studiorum e a expulsão dos Jesuítas pela
Reforma Pombalina. Indicaremos a Educação no Império, na República e a implantação
dos cursos que preparavam professores no nível Médio e Superior.
A Reforma Pombalina de Portugal, que culminou na expulsão dos jesuítas em
1759, produziu reflexos imediatos na Colônia do Brasil, provocando o desmoronamento
do aparelho de Educação montado pelos padres da Companhia de Jesus. Pombal
ordenou que fechassem 24 colégios, 25 residências, 36 missões e 17 colégios e
seminários maiores, além de um número não determinado de seminários menores e
escolas de ler e escrever (Azevedo, 1971, p 547).
Com a expulsão dos Jesuítas, foram criadas as aulas régias3, aulas de disciplinas
isoladas. Azevedo mostra que
3 Aulas Régias, consideradas aulas avulsas: o Ensino Secundário, oferecido pelos Jesuítas, era organizado em forma de cursos, que na verdade eram as Humanidades. Na Reforma, passa-se às aulas avulsas de latim, grego, de retórica, etc.
3
A Educação que era dada quase que exclusivamente em escolas
confessionais, nos colégios de padres, passou a ser ministrada nas aulas e
escolas régias por mestres nomeados, de acordo com os Bispos, e pelos
padres – mestres e capelães de engenho (Azevedo, 1971, p. 551)
O momento que compreende a passagem da Educação jesuítica para a
Pombalina não se encontra uma Educação Superior destinada diretamente à população,
mas atendia à formação de sacerdotes ou somente à elite brasileira. No entanto, ao
comentar a expulsão dos jesuítas, Azevedo diz que: o que sofreu o Brasil não foi uma
reforma de ensino, mas a destruição pura e simples de todo o sistema colonial de
ensino Jesuítico (Azevedo, 1971, p. 547).
A crítica que se faz a partir da instituição das aulas régias, é que acarretou uma
fragmentação em relação ao conteúdo trabalhado pelos padres Jesuítas;
essa fragmentação não foi apenas formal, mas essencial: essencial (escreve
ele) por terem nessa época influído poderosamente as tendências do
enciclopedismo francês, cuja orientação foi seguida por Pombal que a quis
imprimir ao colégio dos Nobres (...) (Azevedo, 1971, p. 551).
Entretanto, com a Reforma, houve a influência de uma nova mentalidade na
realidade brasileira. Ela abriu as portas para que novas concepções influenciassem a
Educação brasileira.
Com a vinda da Família Real, em 1808, ocorreram mudanças significativas,
tanto no plano social, político e econômico, como também, e, principalmente, no da
Educação. Durante a segunda metade do século XIX, com o impulso da criação dos
Cursos Superiores que preparavam a elite intelectual de jovens para o poder, já surgiam
correntes de pensamento que proclamavam o fim da Escolástica e cultuavam a abertura
em relação ao pensamento moderno.
No entanto, Antonio PAIM apresenta um importante pensador que aderiu à
corrente do ecletismo esclarecido, Silvestre Pinheiro Ferreira (1769 – 1846), que se
incumbiria de preparar os espíritos na busca de conteúdo para aquela doutrina que o
Visconde de Uruguai denominaria de ecletismo esclarecido (...) (Paim, 1974, p. 180).
A Segunda metade do século XIX é considerada como o momento da ascensão
do espírito crítico no desenvolvimento do pensamento brasileiro. Surgiram então dois
4
movimentos extremamente complexos: a escola de Recife e o Positivismo. Encarada
como corrente filosófica, a Escola de Recife desenvolveu-se em quatro fases
perfeitamente distintas, admitindo-se a existência de um primeiro ciclo no qual seus
fundadores são simples participantes do denominado surto de idéias novas.
Antonio Paim diz que:
carece de maior significação batizar a escola de Recife de corrente
evolucionista ou contentar-se com a classificação de positivismo-ortodoxo e
positivismo dissidente, elaborada em conformidade com o modelo francês
(Paim, 1974, p.258).
Vários autores atribuem a Tobias Barreto o mérito de haver aberto novos
caminhos para se discutir a filosofia brasileira. Assim,
a Escola de Recife constitui aquele processo de diferenciação no seio do
chamado surto de idéias novas que consiste conduzir às últimas
conseqüências o rompimento com o Positivismo, trazendo à luz um grupo de
problemas capazes de facultar o prosseguimento do diálogo filosófico, no
qual os brasileiros, como vimos, haviam ingressado. Impulsiona-o Tobias
Barreto (Paim, 1974, P. 260) 4.
Dessa forma, no Século XIX, os teóricos brasileiros estavam por constituir uma
concepção filosófica e, por sua vez, uma concepção educacional. Se alguns teóricos
buscavam apoio no Positivismo, isso representava a vontade de uma pequena parcela da
população. Ainda não é possível dizer que tínhamos uma identidade filosófica definida,
fato que poderá acontecer um pouco mais tarde, ou seja, na última década do século. É
possível dizer que o país vivia uma crise, tanto no aspecto do pensamento filosófico
como na Educação.
O que justifica a propagação das novas idéias que entram no Brasil após a
Reforma de Marquês de Pombal e posteriormente, com a vinda da família Real, é o fato
4 Note-se o comentário de Antonio Paim sobre o surto de idéias novas no Brasil: “Ao que tudo indica, Silvio Romero teria sido o pensador brasileiro que mais chamou a atenção para a circunstância de que a década de 70 do século passado caracteriza-se sobretudo pelo fato de que um bando de idéias novas esvoaçou sobre nós de todos os pontos do horizonte” (Paim, 1974, p. 255).
5
de se pretender a integração da economia de Portugal no novo modelo de capitalismo
que se desenvolvia na Europa. A idéia de progresso e de integração econômica se fazia
muito forte e eram metas a serem atingidas pelos dirigentes da época. Sendo assim, o
pensamento educacional é influenciado pelo Darwinismo e pelo Positivismo, porém,
convivendo de forma conflituosa com as idéias da Igreja que era a detentora das
convicções da Educação, que se sustentava numa visão tradicional.
A República, proclamada em 1889, trazia, por um lado, o espírito dos ideais de
mudança e de rompimento com o antigo regime e com a Igreja, por outro, a implantação
de um sistema que atendia aos interesses da camada média e dos senhores do café, que
viam a possibilidade de novos lucros.
O ideal do Liberalismo político era compatível com a propriedade rural. Faoro
comenta que essa
ideologia articula-se aos padrões universais, irradiados da Inglaterra, França e
Estados Unidos, confortando a consciência dos ocidentalizadores,
modernizadores da sociedade e da política brasileiras, muitas vezes,
enganados com a devoção, sem exames aos modelos (Faoro, 1976, p. 501).
O Positivismo, filosofia que marcou profundamente os ideais da política
brasileira desta época, influenciou de forma também marcante a reforma de ensino de
Benjamim Constant, nomeado primeiro Ministro da Instrução, Correios e Telégrafos (de
1890 a 1892).
A reforma de Benjamin Constant atingiu diretamente a Faculdade de Direito e
de Medicina, a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Escola de Minas, de Ouro Preto,
e a Escola Militar; a Academia de Belas Artes, que tomou o nome de Escola Nacional
de Belas Artes, o Conservatório de Música, que passou a chamar-se Instituto Nacional
de Música, o Imperial Instituto de Meninos Cegos, denominado então Benjamin
Constant, e o Instituto de Surdos – Mudos.
Fernando de Azevedo traz algumas informações sobre a situação do ensino após
a constituição de 1891 e que marca fortemente a nova tendência da Educação, a de
superar a visão religiosa de escola:
Além de instituir a forma federativa, transfere a instrução primária aos
Estados, a instrução secundária e superior também foi reservada aos Estados,
6
mas não privativamente, foi posta diretamente sob a jurisdição do governo
central (Azevedo, 1976, p. 619).
O dado importante, ocorrido na constituição republicana de 1891, foi a
separação da Igreja em relação ao Estado, ou seja, a laicização do ensino dos
estabelecimentos públicos (art. 72, nº 6, da constituição de 91). Percebe-se novamente
que toda luta pela Educação pública tinha como fundamento o rompimento com a
escola jesuítica, que posteriormente foi chamada, pelos estudiosos da Educação, de
escola tradicional.
Carlos Jamil Cury trata da relação entre ideologia Católica e ideologia Liberal,
escreve que:
a República rompe oficialmente com o Padroado e se proclama leiga. O
rompimento desta simbiose não significou um abalo muito profundo nas
relações entre ambos os poderes. O Padroado não permitia uma margem
muito grande de atuação por parte da Igreja. Já a separação oficial permite
que a Igreja Católica reestruture na área religiosa os quadros eclesiásticos,
seja na sua formação, seja na sua ampliação e mesmo moralização. Os laços
com a Sé romana começaram se tornar mais e mais fortes (Cury, 1978, p. 14).
No final do século XIX, com todo espírito de mudanças, a Igreja já não dispunha
de um clero com bastante influência nas consciências e força na sociedade capaz de
desencadear uma reação eficaz e de grande envergadura. Dentro do novo regime em que
o Estado instituiu o sistema de neutralidade escolar5 e influência da iniciativa privada
sob o impulso de diversas ordens religiosas, nenhuma ainda chegava a disputar a
primazia da Igreja. Foi nesse espírito de liberdade de pensamento e de crenças que
tivemos uma influência bastante significativa do protestantismo.
Durante a República, alguns passos foram importantes para se buscar o
amadurecimento sobre a formação de professores e se chegar ao curso de Pedagogia. O
primeiro passo importante, para a montagem do sistema paulista de instrução pública,
foi a Reforma da Escola Normal, encetada por Caetano de Campos por intermédio do
Decreto Estadual n.º 27, de 12 de março de 1890, o qual é anterior ao próprio Decreto
Federal que, sob a inspiração de Benjamin Constant, reformou a Escola Normal do
5 Na verdade, significava a tentativa de romper com a educação da Igreja Católica, ainda com raízes na visão jesuítica.
7
Distrito Federal (Decreto 407, de 17/05/1890)”6. Tais Decretos tinham como objetivo
preparar professores públicos primários, uma vez que a instrução bem dirigida é o mais
forte e eficaz elemento do progresso e que ao governo incumbe o rigoroso dever de
promover o seu desenvolvimento e que de todos os fatores da instrução popular o mais
vital, poderoso e indispensável é a instrução primária, largamente difundida e
convenientemente ensinada (Antunha, 1975, p.26)7.
Após a reforma da instrução pública do Estado de São Paulo, sob amparo da lei
estadual n.º 88, de 08 de setembro de 1892, que estabeleceu a criação do ensino
secundário, científico e literário, o governo criou três ginásios para alunos externos,
sendo que um desses estabelecimentos deveria localizar-se na capital do Estado (os
únicos mantidos pelo governo estadual durante a primeira República: na capital, em
Ribeirão Preto e em Campinas).
Todo o movimento de educadores e governantes em fundar um tipo de escola
superior que viesse preparar o professor das escolas de nível primário e secundário,
tendeu à criação, mais tarde, da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras8. Antunha
demonstra que o “Instituto de Educação” tem a seguinte formação:
embora nascido para viver transitoriamente, o Instituto de Educação, depois
de ter sido alçado ao nível de estabelecimento de ensino superior, não mais
desapareceu: transformou-se, reduziu-se a uma Secção incorporada à
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e acabou ressurgindo mais
recentemente, agora como Faculdade de Educação, embora totalmente
mudado e com novos objetivos e nova dimensão (Antunha, 1975, p. 37).
Em 25 de julho de 1938, “sob decreto estadual 9 268-A, extinguiu-se o Instituto
de Educação, criando ao mesmo tempo a quarta secção da Faculdade de Filosofia 6 “Em 1880, foi criada a primeira Escola Normal no Município da Corte “para professores e professoras” (Brzezinski, p. 19.1996) 7 Registra-se ainda que no início do século várias leis e decretos indicavam a criação de escolas de nível secundário e superior. A primeira lei Republicana a fundar escola superior em São Paulo foi a de n.º 19, de 24 de novembro de 1891, que criou uma Academia de Medicina, Cirurgia e Farmácia na Capital do Estado. No entanto, não obstante, tivesse sido a primeira a ser legalmente instituída, a escola de medicina teria que aguardar o ano de 1913 (Antunha, 1975, p.27). 8 Almeida Júnior prestou o seguinte depoimento, por ocasião da reforma de 1920: “a Faculdade de Educação, embora chegasse a ser criada por lei, não passou do papel. Mas a semente ficou. Dez anos mais tarde, sob o modesto nome de “Curso de Aperfeiçoamento”. “ (...) Em 1933, retocado e engrandecido, reaparece, em todo o esplendor o plano primitivo, com o nome que hoje tem de Instituto de Educação” (Antunha, 1975, p. 31).
8
Ciências e Letras9 da USP – a secção de Educação em que transformou o Instituto”
(Antunha, 1975, p. 40). Em 1962, “é transformado em Departamento de Educação da
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Em 1969, os reformadores da USP, ao
desmembrarem a F.F.C.L., criaram, entre outras unidades, a Faculdade de Educação”
(Antunha, 1975, p.41).
Em 1937, através da Lei nº. 452/1937, foi criada e Universidade do Brasil, em
seu Art. 4º estabelece a constituição da Universidade do Brasil em faculdades e escolas,
entre estas, a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras e a Faculdade Nacional
de Educação. Esta não se instalou. Ocorreu a organização da Faculdade Nacional de
Filosofia, que compreendia a Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, através do decreto
nº. 1.190/1939. O mesmo Decreto estabelecia a obrigatoriedade do Curso de
Licenciatura, para exercer a profissão de professor, a partir de 1943 (Brzezinski, 1996,
p. 40).
Segundo a Profª Brzezinski,
praticamente por mais de duas décadas, o Curso de Pedagogia permaneceu
com o esquema “3+1”, que acabou sendo reforçado por nova regulamentação
contida no Parecer 251/1962, decorrentes dos postulados da Lei nº.
4.024/1961(Brzezinski,1996, p.54).
Com a Lei da Reforma Universitária, de nº. 5.540/1968, a Faculdade de
Educação passou a formar técnicos denominados especialistas em Educação, fato que
gerou polêmica, pois os especialistas foram chamados assim de forma inadequada, pois
não tinham sequer uma especialização ao exercerem funções de supervisão, orientação,
administração, inspeção e planejamento. No entanto, julgavam-se superiores ao
professor, apesar de possuírem o mesmo nível de formação (Brzezinski,1996, p.67).
A implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de nº.
5.692/1971, que transformou o Curso Normal em uma habilitação para o Magistério e o
Curso de Pedagogia a formar especialistas, fica claro a presença da perspectiva
tecnicista de Educação e a escola passa a representar o modelo de produção da fábrica.
9 A F.F.C.L se transformaria, por um lado, em um instituto universitário que engloba o conjunto das ciências e as humanidades em um centro de pesquisa pura e de altos estudos (raízes na Universidade de Berlim de Humboldt) e, por outro, em um centro de treinamento profissional de educadores (raízes nas experiências universitárias americanas).
9
O movimento de construção de uma Pedagogia fundada nos princípios do
tecnicismo tem vínculos fortes com os ideais de se criar o mercado industrial no Brasil.
No entanto, esse movimento vem acompanhado de um autoritarismo político, tanto no
regime de Vargas, como no golpe de 1964.
A nova Lei da Educação Nacional, de nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
tentou reformular a proposta de formação de professores. Propõe a criação do Normal
Superior para a formação do professor da Educação Infantil e das primeiras séries do
Ensino Fundamental. Ao Curso de Pedagogia restava o papel de formar o Especialista
de Educação, menos o professor. Os Artigos 62, 63 e 64 da nova LDB apontam que:
A formação de docentes para atuar na Educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de Educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na Educação infantil e nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Os institutos superiores de Educação manterão:
I - cursos formadores de profissionais para a Educação básica, inclusive
o curso Normal Superior, destinado à formação de docentes para a Educação
infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;
II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de
Educação Superior que queiram se dedicar à Educação básica;
III - programas de Educação continuada para os profissionais de
Educação dos diversos níveis.
A formação de profissionais de Educação para administração,
planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a Educação
básica, será feita em cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-
graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a
base comum nacional (LDB. 9.394/1996).
Após a publicação da Lei de 1996, várias das instituições de Ensino Superior
transformaram seus Projetos Pedagógicos para a implantação do Curso Normal
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Superior. O Conselho Estadual de Educação de São Paulo CEE/SP, por exemplo,
normatizou os Artigos 62,63 e 64 da LDB, através da Deliberação 08/2000, obrigando
que todas as instituições jurisdicionadas a ele, transformassem os Cursos de Pedagogia
em Curso Normal Superior.
Com a publicação das novas Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia
em Dezembro de 2005, que garantem a continuidade da formação do professor da
Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino
Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio
escolar, fica claro que as instituições que instalaram o curso Normal Superior, deverão
rever seus projetos. A falta de seqüência nos projetos governamentais, deixa claro, no
debate sobre a formação de professores, o descrédito da Educação perante a sociedade.
3- A EVOLUÇÃO DOS NÚMEROS SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA:
Com as mudanças políticas e econômicas a partir da década de 1940, e, com o
entusiasmo pedagógico que influenciou os educadores e políticos da época, o que se
percebe é a expansão da Educação Superior, embora atendesse apenas uma pequena
parte da população,. Em 1960, o país atingia o número de 31 universidades, sendo que
oito delas eram particulares. As faculdades de Filosofia somavam 113. Na década de
1970 das 61 universidades, 57 eram Faculdades de Filosofia Ciências e Letras e
ofereciam 854 cursos, dos quais 138 eram de Pedagogia. Em 1980, o país contava com
206 cursos de Pedagogia. “Existiam dois Bacharelados em Educação e 204 licenciaturas
plenas, incluindo-se as habilitações em administração escolar, inspeção escolar,
orientação educacional, supervisão escolar e Educação especial. Dessas licenciaturas,
176 (96,3%) eram ofertadas por instituições isoladas” (Brzezinski, 1996, p. 50).
Sob a vigência da nova Lei de Educação, a 9.394/1996, que propunha algumas
mudanças no curso de Pedagogia, onde a formação do professor concentra-se no curso
Normal Superior, principalmente nas instituições isoladas, o que se percebe é uma
grande crise no interior das instituições para implantar as mudanças exigidas. Porém,
não podemos deixar de reconhecer que o país vive, após 1996, momentos de grandes
inquietações sobre a Educação, principalmente sobre a Educação Superior e a formação
de professores.
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Segundo dados do Censo da Educação Superior do MEC/INEP/Deaes, em 2003,
das 1.859 instituições de Educação Superior, o Brasil tinha um total de 16.453 cursos de
graduação presencial, sendo que 1.214 eram cursos de Pedagogia, 485 eram cursos de
Normal Superior. Em duas décadas a Educação Superior cresceu de forma volumosa,
embora ainda não atende as necessidades fundamentais da Educação da população
brasileira (MEC/INEP/Deaes 2003.http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior).
Em 2004, o INEP aponta para um novo crescimento em relação aos dados de
2003. O país conta com 2.013 instituições de Educação Superior, com 18.644 cursos de
Educação Superior presenciais, 1.437 cursos de Pedagogia e 701 cursos de Normal
Superior. (MEC/INEP/Deaes 2004.http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior).
Percebe-se que a Educação Superior brasileira ganhou forças na última década, o
maior crescimento ficou por conta das instituições privadas, resultado da política
adotada pelo governo brasileiro a partir de meados da década de 1990.
A formação de professores é uma realidade em debate no mundo educacional,
porém, não há muita clareza, por parte dos educadores, por quais caminhos seguir. A
crise está instalada, cabe aos educadores preocupados com a questão, a busca das
possíveis saídas e solução sobre a formação de professores.
4- ANÁLISE DAS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE
PEDAGOGIA
Sob muitos enfoques, ao longo do tempo, a formação do professor foi discutida a
partir dos fatos históricos e das características de cada época. Como mostra a reflexão
anterior, se fizermos uma retrospectiva a partir dos anos de 1930, as determinações
oficiais enfatizam a necessidade de haver uma adequação entre o processo formativo do
professor e da legislação vigente, ou seja, a grande reivindicação dos educadores era de
que a Educação fosse de responsabilidade do Estado. O Escolanovismo foi o
movimento precursor desta luta. Todo debate que se seguiu após a publicação do
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, tinha como fundamento, a busca da
estatização da Educação.
Nos anos 1960 e 1970 esse mesmo ponto de vista continua, mas surge a
tendência de exigir do Estado uma forma de agir mais produtiva em face às
necessidades da problemática educacional, a escola é refém do modelo econômico e a
12
formação do indivíduo tem como objetivo a formação de mão de obra para o mercado
de trabalho, a escola técnica. O Estado é o responsável pela escolarização com ênfase ao
ideário da racionalização de recursos materiais e humanos, adotando, como
conseqüência, um caminho tecnicista.
Na década de 1980, o centro das discussões volta-se para os aspectos
políticos e sociais, do processo de formação do professor/educador. E,
concomitantemente surge uma outra preocupação: a Universidade percebe a
necessidade de estabelecer mecanismos integradores com as escolas dos níveis
Fundamental e Médio. Paralelo a esse debate há a presença da discussão em torno
do Neoliberalismo e da Pós-Modernidade, muitos dos educadores pregam a
necessidade da mudança de paradigma e o reconhecimento de que a Educação
vive o momento principal de sua crise. No Ensino Fundamental, as perspectivas
de mudanças metodológicas passam a ser as metas principais, reivindicando a
presença do Construtivismo como a forma mais próxima de entendimento da
relação professor e aluno.
O período que compreende os anos de 1990, continua o debate a respeito da
problemática social embutida na escola, sendo realçada a noção de indivíduo. O
conceito de obrigatoriedade do Estado não desaparece, mas passa a ser exigido um
maior envolvimento da sociedade civil em toda problemática educacional, sendo a
formação docente um dos pólos de interesse. A política educacional se sustenta na
publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e, em seguida, a Lei de Diretrizes
Nacionais da Educação, de nº. 9 394, de 20 de dezembro de 1996.
No que diz respeito à formação dos profissionais nas diferentes áreas de
atuação é, sem dúvida, crucial no momento atual refletir sobre essa formação,
sobre as opções pedagógicas tomadas pelos educadores frente às atitudes em
relação ao educando.
Pensar a formação do professor, no processo formativo, enfocando que este
profissional seja encorajado a refletir sobre sua própria prática, num processo
contínuo, onde seja possível rever, pensar e refletir a práxis. Docentes das várias
áreas e, principalmente da Educação, que seja um docente pesquisador, que domine
o conteúdo, deve saber (ser nativo), depois ele deve saber-fazer, o que implica
reflexões sobre seus conhecimentos metodológicos e, a seguir, o docente deve
saber ser (ser estrangeiro) para permitir-se navegar em outros saberes e,
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finalmente, deve saber-conviver10, ou seja, socializar o seu conhecimento com seu
educando e com a comunidade.
O processo de formação do professor/educador, além de ser resultante das
correntes teórico-filosóficas voltadas para a área educacional, sofre influências das
características institucionais da escola. Impõe-se, pois, pensar sobre a escola que
no momento enfrenta obstáculos intransponíveis, recebe funções além de sua
competência e oferece, em geral, um ensino de má qualidade.
Inicialmente, partimos da hipótese de que o educador na sua formação deve
atentar para a parte humanística do indivíduo, ou seja, que a visão do educador
sobre o educando deve estar preocupada com a formação do cidadão e, para isso,
faz-se necessário refletir acerca da postura ética do educador.
A preocupação com a formação do educador para a Educação Infantil e para
as séries iniciais do Ensino Fundamental, dentro dos componentes curriculares
parece ser um momento para refletir sobre: o que ensinar? Para quem? Por que
ensinar? Como ensinar?
Para refletir sobre as questões acima recorremos à análise e reflexão da
formação do educador. Entendemos que o educador deva ser um pesquisador de
sua prática, para poder subsidiar sua reflexão teórica:
Nestes tempos atuais em que temos nos defrontado com a implantação de
parâmetros curriculares nacionais, de programas de “treinamento” de
professores à distância, de intervenções por meio de avaliações e outros
controles propostos pela área governamental temos constatado em todas essas
ações a exclusão da participação dos professores que, no entanto, têm sido
sempre culpabilizados pela baixa qualidade da nossa Educação
(SCHNELTZLER in GERALDI, 1998, p.7).
A sociedade brasileira, ainda inexperiente, no seu processo de história da
Educação registrada e possuindo experiência educacional marcada por atitudes políticas
educacionais incertas e temporárias, devido a um histórico de regimes políticos
adversos: monarquia – república – ditadura – democracia, que delinearam e traçaram os
10 As expressões deve saber (ser nativo), deve saber-fazer, deve saber ser (ser estrangeiro) e deve saber-conviver foi usado pela Profa. Corinta Maria Grisolia Geraldi-UNICAMP, durante uma aula.
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rumos educacionais há quase quinhentos anos, sente a necessidade de uma análise na
base curricular para subsidiar o educador na sua prática educativa. Em um país onde a
população caiu no perigo de encarar como sendo comum crianças passarem fome
nas ruas; haver corrupção nas relações sociais; cultivar o hábito de uns levarem
vantagens sobre os outros; confiar seu voto em troca de gêneros de primeira
necessidade; políticos governarem com interesses próprios e a população não
reagir, algo deve ser repensado e modificado.
Uma estrutura social abalada com famílias desestruturadas, traçar objetivos
para uma Educação que atenda a exigências tão graves e tão urgentes,
provavelmente deve ter uma base ética fundamentada nos ideais
teórico/filosóficos. Torna-se, portanto, imprescindível buscar nas Diretrizes
curriculares do Curso de Pedagogia um apoio para que a Educação cumpra seu
papel na sociedade.
Abordar essas Diretrizes na formação dos educadores se constitui uma das
iniciativas primeiras para promover mudanças na sociedade, parece ser uma das
saídas para que, nos próximos anos, os educadores saibam mediar suas atitudes nas
relações sociais. Favorecerá os relacionamentos humanos dentro da escola e fora
dela, podendo contribuir para a diminuição da violência física, da alienação gerada
pelo consumismo desregrado, da ideologização de fundamentos Neoliberais
predominantes, da ausência de reflexão sobre a postura do sujeito frente aos
conflitos cotidianos; da falta de atitudes e soluções comprometedoras na Educação
por parte dos educadores.
Na tentativa de justificar a importância de uma reflexão sobre o documento
das Diretrizes da Pedagogia e promover aos docentes, a fim de que estes percebam
no educando a influência do meio sócio-cultural e sua relação com a sociedade que
o integra, é de responsabilidade da Educação conhecer e inserir a discussão sobre a
prática educativa com a prática social.
Estas Diretrizes na formação dos educadores, faz com que estes,
posteriormente, levem seus educandos a pensar e refletir suas atitudes desde
cedo, parece ser uma das alternativas que faltam para a Educação sair do tão
somente domínio de conteúdos. Promover uma formação de cidadãos
competentes no exercício do viver socialmente, o bastante, que aprendam não só
a respeitar a ordem social, mas que possam questioná-la o suficiente, justificando
15
seu lugar nessa vida, a ponto de despertar neles expectativas de desejos que a
vida os chama a desfrutar.
4.1- Política dos anos 90: um dos construtos que mobiliza a formação do
educador
A sociedade atual, eivada de valores de todo tipo, espirituais e materiais, tanto
no plano nacional ou mundial, não conseguirá sobreviver sem uma ética de
responsabilidade e de compromisso que dê conta de relacioná-los para adoção prática
segundo uma ordem de relevância humanitária. Concebemos ser a Educação
responsável para formar esses valores, competências e habilidades.
A formação do professor, em especial das séries iniciais e da Educação Infantil,
é um dos pontos mais críticos do sistema de ensino brasileiro. E essa é uma das razões
pelas quais, muitos dos pesquisadores estão procurando cada vez mais investigar como
se dá esta formação, revelando suas características, contradições e possíveis caminhos
para sua superação, a fim de contribuir com aqueles que estão envolvidos com a
formação de professores.
A construção de uma identidade profissional abarca inúmeros fatores que
participam dessa identidade, entendemos que o sistema educacional contribui para essa
identidade através da formação de valores11. Em países em desenvolvimento,
atualmente, a profissão de professor vem sofrendo profundas transformações sob o
efeito conjugado de uma série de fatores. Entre esses, temos de considerar, de um lado,
o crescimento do número de alunos e sua heterogeneidade sócio-cultural, a demanda
pela população de uma certa qualidade de escolarização, o impacto de novas formas
metodológicas de tratar os conhecimentos e o ensino, e, de outro, a ausência de
priorização político-econômico concreta da Educação primária e secundária e, as
estruturas hierárquicas, burocráticas, no mais das vezes, centralizadoras e inoperantes
em seus diferentes níveis. Nessa dinâmica, está o trabalho do professor, cada um na sua
realidade e na sua prática pedagógica em sala de aula, com a bagagem que sua
formação básica ou continuada lhe proporcionou, e com os saberes que sua experiência
construiu. Nesse aspecto cabe questionar se, em relação a esse professor, no seu
11 Morais, éticos, estéticos, religiosos, culturais, econômicos, políticos, sociais entre outros.
16
cotidiano, como foi sua formação? Será que existiu e existe nos cursos de formação de
docentes a preocupação em abordar a prática educativa com a prática social, enquanto
princípio para uma definição de postura, em relação aos valores sociais, econômicos e
políticos que envolvem o ser humano na sua vida diária?
Esses questionamentos surgem do trabalho que a sociedade, em geral, promove
no ato de garantir a transmissão e a continuidade da experiência humana pela
comunicação, manutenção ou criação e recriação de saberes selecionados numa dada
cultura e tradição.
A sociedade sofre mutações rápidas, podemos detectar, na construção e na forma
que toma o papel social dos professores, e também nas propostas para sua formação.
Qual identidade o educador deve construir na sua formação que dê conta dos novos
valores que essa sociedade cultural, em constante mudança, aponta?
Sabemos ser o professor muitas vezes ignorado nas pesquisas, como seres
concretos de uma realidade também concreta, que possuem seu próprio estilo de ver o
mundo, de ver as coisas, de interpretar informações, mas ignorados pela política de
intervenção que lida objetivamente de forma abstrata com esses profissionais.
Quanto a isso, Nóvoa afirma que:
A profissionalização do professorado acompanha-se de uma política de
normalização e de controle estatal. As escolas normais constituem o
lugar certo para disciplinar os professores, transformando-os em agentes
do projeto social e político da modernidade: os discursos aqui
produzidos e difundidos – bem como as práticas que lhes dão corpo –
edificam um novo modelo de professor, no qual as ‘antigas’ referências
religiosas se cruzam com o ‘novo’ papel de servidores do Estado e da
sua razão. Nóvoa (apud Serbino, 1998, P.23)
Esse profissional, em nosso modo de interpretar, é um ser em movimento,
construindo valores, estruturando crenças, tendo atitudes, agindo em razão de um tipo
de eixo pessoal que o distingue de outros: sua identidade ética. Juntamente estão as
motivações, os interesses, as expectativas, as atitudes, todos os elementos multi-
determinantes dos seus modos de ser um profissional.
17
A partir dessa idéia de identidade profissional, deve se levar em conta nos
processos de formação e profissionalização dos docentes, quem é esse professor
que a pesquisa busca, ao questionar a importância das Diretrizes, do currículo nos
cursos de sua formação. Quem é esse professor de quem se diz não ter “qualidade”
no trabalho? Que representações têm de si e dos outros (seus pares), como pessoas
e profissionais? Como essas representações interagem atuando na sua própria
formação e nas ações pedagógicas que desenvolve? Essas são questões importantes
que, ao longo da descrição das Diretrizes da Pedagogia - 2006, serão abordadas
para a compreensão do ser professor a fim de nortear o fazer-se professor.
4.2- Antecedentes, Finalidades e Princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais
do Curso de Pedagogia
Com a conclusão da Licenciatura há sempre uma inquietude teórica e
prática sobre a formação do educando, ou seja, pensar e refletir acerca dos
conteúdos, da postura profissional e das políticas que instituem essas existências.
Assim como aponta Silva Júnior:
Múltiplas reformas institucionais realizaram-se desde a década de 1950
até estes primeiros anos do século XXI. Tais reformas, em geral, com
origem no Estado, buscavam mudanças nos múltiplos processos de
construção da sociabilidade humana, procurando fazê-la adequada à
forma histórica assumida no país, para que concorria de forma profunda,
a Educação brasileira.( Silva Júnior. 2005. p.11)
Desde a década de 90 o Ministério da Educação e Desporto (MEC) do Brasil
está promovendo um debate em nível nacional, visando à formulação de novas
diretrizes para o curso de Pedagogia, uma proposta de conteúdos que referenciem e
orientem a estrutura curricular do sistema educacional do país.
Ao examinar as o relatório das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso
de Pedagogia, sobre o ponto “Breve Histórico do Curso de Pedagogia”, especificamente
18
sobre a dicotomia entre bacharelado e licenciatura, enquanto o primeiro formava o
técnico em Educação o segundo formava o professor, identifica diversos vieses que
sugerem essa expressão, mas que ainda deixa implícito uma moral laica, e que no
documento ainda permanece implícito.
As críticas recaem sobre o contexto histórico educacional vigente na
formação do professor no momento da elaboração dessas Diretrizes. Primeiro,
com bases na LDB 9394/96 foi criado nas IES vinculadas aos CEE o curso
Normal Superior, com bases numa formação para prática. Daí surge essas
Diretrizes, frente a pressa com que foi redigida a crítica por parte dos educadores
quanto ao Normal Superior, principalmente por se tratar de um abandono de
propostas de boa qualidade, elaboradas pelos estados desde 1982, ignorando
completamente o que já tinha sido feito antes na Educação.
A escola brasileira foi percebida pelo seu fracasso, como se tudo o que
antes havia sido feito não tivesse resultado em nada de bom, que pudesse
servir de ponto de apoio para melhorar a situação existente. (Cunha,
1996:61).
A partir destes dados, faz-se necessário, ao descrever o texto das Diretrizes, que
traz como finalidade “a formação oferecida que abrangerá , integralmente a docência,
a participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino em geral”
(Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia-Abril/2006). Ao conhecermos essa
finalidade surge o questionamento do porquê da criação do Normal Superior, hoje uma
realidade em muitas instituições, se a Pedagogia a partir destas Diretrizes formará o
mesmo profissional que o Normal Superior? O que aconteceu, anteriormente da
elaboração das Diretrizes? Que objetivos estão contidos nas intenções políticas das
Diretrizes em garantir uma formação com um currículo mais elaborado para Pedagogia,
enquanto o currículo do Normal Superior é mais ‘tecnicista’? A quem atenderá esse
novo curso de Pedagogia e o Normal Superior? Será que mais uma vez na história da
Educação brasileira estamos garantindo a segregação da sociedade? A dicotomia destas
duas formações na mesma profissão pressupõe que mais uma vez elaboramos
documentos para dar sustentação ao abismo existente das práticas educativas inseridas
na prática social onde há privilegio de uma pequena classe de ricos em prol da maioria
pobre.
19
Outra observação crítica apontada sobre as Diretrizes se faz sobre o seu
contexto elaborativo, diz respeito à posição da universidade, uma vez que esta fez
várias manifestações contra a criação do Normal Superior.
A análise sobre o currículo da Pedagogia, a partir das Diretrizes, é
pertinente nesse momento, pois a política educacional vem demonstrando os
resultados da aplicação de testes nos alunos da Educação básica, a publicação dos
rendimentos dos alunos e por escola, para efeito de orientação dos ‘consumidores’,
da mercadoria educacional, só possui uma explicação, a implantação do modelo
mercadológico. Isso iniciou em Minas Gerais, segundo os modelos de pedagogos
do Banco Mundial, se prolongou por todo território nacional pelo Sistema de
Avaliação da Educação Básica – SAEB, que atua por amostragem. Sua atuação
em todas as escolas é uma chance proporcionada pela proposta que, na falta de
uma melhor definição das políticas educacionais, é levada em conta para entendê-
la nos seus fragmentos.
4.2.1. Perfil dos Licenciados
O documento das Diretrizes, na tentativa de diferenciar a formação promovida
pela Pedagogia e pelo Normal Superior, conseguiu fazer distinção entre as duas
formações, segundo as Diretrizes, o curso de Pedagogia trata do campo teórico-
investigativo, que deverá contemplar a consistente formação teórica através dos
conteúdos da cultura, das maneiras de viver dos seres humanos, que para atender suas
necessidades criam formas de viver que, se diferenciadas em tempos e lugares diversos,
constroem respostas diferentes às necessidades inscritas na natureza, inventando novas
necessidades e criando novas respostas.
Nos costumes sobressaem os aspectos da existência humana: a criação de
valores, diversos grupos e sociedades criam formas específicas de viver e elaboram
princípios e regras que regulam o comportamento, que por sua vez, indicam direitos,
obrigações e deveres.
Assim sendo, que ética permeará esse profissional da Educação uma vez que as
Diretrizes afirmam que o egresso da Pedagogia deva “atuar com ética e compromisso
com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime, igualitária.” (Diretrizes
20
Curriculares para o Curso de Pedagogia-Abril/2006). Não será pretensiosa essa
colocação se referindo ao universo educacional como o salvador de todos os males da
sociedade? Que ideologia atende essa colocação?
Quando as Diretrizes afirmam que o egresso do curso de Pedagogia deverá
“promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e
a comunidade” (Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia-Abril/2006),
considerando que nos tempos atuais é conflituosa a relação destas instituições tão
diferentes como Família, Escola e Religião. Considerando que as famílias se ausentam
de suas responsabilidades em relação à Educação de seus filhos, mas que a escola, numa
atitude neoliberal, designa a Educação familiar responsabilidades que são suas.
Entendendo que a escola promove Educação pública e a família Educação privada.
Apesar das Diretrizes trazer um esforço em mostrar a mesma formação para os
egressos dos cursos de Pedagogia e Normal, a distinção entre ambos torna-se explícito
quando articula e mantém a prática no segundo e a reflexão teórica no primeiro.
Dialogando com essas Diretrizes, percebemos um avanço quanto a preocupação
gerada em torno do aprender, ênfase esquecida na prática educativa atual que preocupa-
se em ‘diagnosticar’ os problemas de aprendizagem e enviá-los aos especialistas da
Educação, aos psicólogos, aos médicos e outros e não assumem a aprendizagem dos
alunos, atribuindo o fracasso escolar às famílias destes alunos.
Quanto à carga horária do curso de Pedagogia, pensamos em como organizar
esse currículo nos cursos noturnos, na maioria privados, de formação de professores que
para atender a concorrência organiza seus cursos em 3 anos. A carga horária de no
mínimo 3.200 horas atenderá a realidade das universidades públicas, que forma o
docente, mas também o pesquisador. Quanto aos cursos que realmente formam os
professores para a prática da Educação Básica organizar essa quantidade de horas em
três anos, como exige o mercado de formação superior competitivo, é inviável.
Aumentar para 4 anos a formação de cursos noturnos corre-se o risco de não ter alunos,
pois há no mercado hoje formações rápidas de dois anos, e para quem tem que pagar
para estudar muitas vezes a formação mais rápida é que tem a maior procura.
21
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendemos que na prática educativa do curso de Pedagogia, a partir destas
Diretrizes, muitas celeumas irão ser criadas dentro das instituições de ensino públicas e
privadas. A estrutura curricular de nossas escolas tem sua origem numa concepção
de mundo elitista, que não se preocupa com o trabalho manual e nem com a vida
cotidiana das pessoas e que limita o exercício intelectual a uma minoria de
cidadãos, conseqüentemente, torna-se visível o grande desenvolvimento intelectual
e tecnológico alcançado ser acessado por apenas uma pequena parcela da humanidade. No texto da referida Diretriz, que trata especificamente da implantação das
Diretrizes curriculares, são apresentadas três razões para que a escola se ocupe
delas. A primeira razão refere-se ao da escola ser parte integrante da sociedade,
por conseguinte, acaba padecendo dos mesmos males que ela. A segunda razão
considera o fato de que as propostas pedagógicas do curso Normal Superior,
poderão para turmas em andamento, respeitando o interesse do alunado , introduzir
alterações decorrentes das novas Diretrizes da Pedagogia e no novo Projeto
Político Pedagógico da Pedagogia. A terceira razão trata do fato de que a escola é
um espaço de transição entre o espaço privado (a família) e o espaço público (fora
da família), o que o texto chama de socialização.
Depois de reconhecermos que há problemas difíceis de se resolver na
formação do professor, nossa opinião reluta em aceitar a institucionalização de
dois cursos (Pedagogia e Normal Superior) para formar o mesmo profissional, que
atuará em realidades sociais diferentes. Há “um mal-estar ético perpassa a
sociedade brasileira” e, conseqüentemente a formação de professores para
Educação Básica.
Nesta articulação entre o eixo filosófico, histórico e político das Diretrizes
do curso de Pedagogia e a vivência em projetos da prática educativa, como
docentes, se condensa o desafio radical de promover um momento de crítica à
formação do nosso educador, num momento onde estamos vivendo processos
complexos de transformação ético-político e social.
22
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