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Uma mídia tucana

JOSÉ EDUARDO Cardozo, o mi-nistro da Justiça da presidenta Dil-ma sempre tão cordato e concilia-dor, passou a ser o principal alvo da mídia golpista nos últimos dias. Isto porque ele enviou à Polícia Fe-deral os documentos sobre o envol-vimento de alguns chefões do PS-DB paulista no esquema milionário do propinoduto tucano. Jornalões e “calunistas” da tevê afi rmam que ele partidarizou a denúncia e estre-bucham histericamente. Eles pre-feriam que o ministro fi casse, mais uma vez, acuado e passivo – o que até poderia caracterizar prevarica-ção e omissão de provas.

A violenta cruzada contra o mi-nistro confi rma o enorme poder de manipulação da mídia privada. Ela transforma vilões em mocinhos e vice-versa. Isto já havia ocorrido no caso recente da máfi a dos fi scais de São Paulo. O prefeito Fernan-do Haddad, que revelou a trama, passou a ser tratado como cúmpli-ce da corrupção. Já um dos princi-pais suspeitos de ligação com o es-quema milionário, Mauro Ricardo – homem de confi ança do ex-pre-feito José Serra, que o indicou pa-ra continuar na prefeitura na ges-tão de Gilberto Kassab –, simples-mente sumiu das páginas dos jor-nais e da telinha da TV.

A mídia tucana faz de tudo, até o impensável, para proteger os seus apaniguados no governo paulista. O escândalo do propinoduto tuca-no, que envolve poderosas multi-nacionais do setor de transporte e vários caciques do PSDB, fi cou en-gavetado por 15 anos nas gavetas do Ministério Público e da Justiça de São Paulo. Até os pedidos de in-

vestigação de autoridades do para-íso fi scal suíço foram desprezados. A própria iniciativa da empresa ale-mã Siemens, que decidiu abrir o jo-go da corrupção para salvar a pe-le, foi abafada. O tal “jornalismo in-vestigativo” mostrou-se novamente bem seletivo.

Mas não há mentira que dure pa-ra sempre. Aos poucos, a sujeira do propinoduto foi sendo revelada e as investigações tiveram início. O PS-DB, que tenta se travestir de pala-dino da ética, fi cou na berlinda com a revelação do envolvimento de três

governadores – Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin –, de vá-rios secretários estaduais, de par-lamentares da sigla, do DEM e do PPS e de operadores fi nanceiros do tucanato. O ministro José Eduardo Cardozo não fez mais do que a sua obrigação ao encaminhar os docu-mentos com os indícios da ação cri-minosa.

Mas a mídia não o perdoa. A Fo-lha dá manchetes insinuando que o ministro agiu com o objetivo de prejudicar o PSDB. O Estadão, que revelou com exclusivamente os do-cumentos de um ex-executivo da Siemens acusando quatro secretá-rios do governo Alckmin de monta-rem o esquema de caixa-2 do PSDB com as propinas da multinacional, agora também condena a atitude de José Eduardo Cardozo.

Teleguiados pela mídia, líderes do PSDB, DEM e PPS estufam o peito e garantem que convocarão o ministro para dar “explicações” no Congresso Nacional. O senador Aé-cio Neves, o cambaleante presiden-ciável tucano, esbraveja: “O minis-tro precisa esclarecer qual foi sua participação nesse processo. Isso é extremamente grave. Estamos as-sistindo no Brasil o uso das insti-tuições do Estado para fi ns políti-cos”. Haja cinismo! A operação di-versionista, comandada pela mí-dia golpista, pode até dar resultado, inibindo as investigações do propi-noduto tucano. Seria um absurdo!

Altamiro Borges é jornalista, presidente do Centro de Estudos da

Mídia Alternativa Barão de Itararé, militante do PCdoB e autor do livro

A ditadura da mídia.

Altamiro Borges

Mídia ataca Cardozo para salvar tucanos

crônica Elaine Tavares

DE QUANTOS mandatos o PT pre-cisará para se convencer de que o país necessita de uma nova lei dos meios de comunicação? Será que acreditam que é possível fazer qual-quer reforma para fortalecer a de-mocracia sem atacar os oligopólios da comunicação? Por que, ao térmi-no do terceiro mandato, os governos petistas teimam em achar acertada a estratégia de mostrar-se dócil e ser-vil aos barões da mídia?

Apanham da mídia até quando cumprem a exigência mais corri-queira do cargo que ocupam, vide o ataque que sofre, nesses dias, o Mi-nistro da Justiça, José Eduardo Car-dozo. O crime que ele cometeu: re-cebeu documentos que indicam des-vio de dinheiro público e solicitou à Policia Federal (PF) investigar a ve-racidade dos fatos. Detalhe: des-sa vez estão nominados importantes dirigentes políticos tucanos como os cabeças desses crimes.

O senador tucano Aécio Neves, possível candidato à presidência da República em 2014, não hesitou em vociferar: “O ministro precisa escla-recer qual foi sua participação nesse processo. Isso é extremamente gra-ve. Estamos assistindo no Brasil o uso das instituições do Estado para fi ns políticos”. Cabe uma pergunta: se ele fosse presidente da República e recebesse as mesmas denúncias, o que ele faria com elas?

São denúncias documentadas, mas que exigem maiores investiga-ções, uma atribuição legal da PF. Em que país democrático do mundo não se adotaria providência que não fosse esta? Somente nos governos tucanos, estaduais e federal, o des-tino das denúncias seria o fundo de uma gaveta. Foi essa prática de go-verno que deu origem a fi guras bi-zarras como a do Engavetador Ge-ral da República ou daquele procu-rador que bloqueou, durante anos, as investigações de corrupção públi-ca no sistema de transporte paulis-ta, simplesmente porque arquivou todos os pedidos de ajuda feitos pela Justiça suíça numa “pasta errada”. De nada adiantaram os comunica-dos do Mistério da Justiça ao Procu-rador, solicitando providências. As investigações não puderam avançar, por longos anos, porque estavam ar-quivados numa pasta errada!

Essa prática de governo faz parte do mundo tucano – o fundo de uma gaveta – quando as denúncias en-volvem seus quadros políticos. Mas esse mundo tucano só existe porque sempre contou com a conivência da mídia. A roubalheira documentada no livro A privataria tucana foi pra-ticamente ignorada pelos noticiá-rios do país. O mesmo aconteceu ao outro sucesso editorial, o Príncipe da privataria. Ambos ignorados pe-la mídia. É como se as roubalheiras

e os crimes eleitorais não tivessem existido e as autoridades estivessem desobrigadas de adotar quaisquer providências.

No caso da roubalheira do metrô e trens de São Paulo, os mesmo con-luio – mídia e tucanos – agem com a mesma desenvoltura, certos das im-punidades dos seus crimes. Há far-tas denúncias, documentadas, de contratos superfaturados e paga-mentos de polpudas propinas que

enriqueceram políticos e funcioná-rios públicos do Estado. Estima-se que nos três últimos governos tuca-nos – de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin – essa roubalheira causou um prejuízo de 9 bilhões de reais aos cofres públicos.

Inúmeros pedidos de CPIs pa-ra apurar as denúncias foram arqui-vados. As autoridades mostram-se mudas, cegas e surdas frentes as evi-dências e denúncias feitas. A mídia, de olho numa fatia desse botim, fez sua parte ignorando e impondo si-lêncio frente aos crimes cometidos. Foi preciso a atuação da Justiça da Suíça, onde corre um processo en-volvendo as mesmas empresas cor-ruptoras – Alston e Simiens – para que o caso ganhassem repercussão em nosso país.

Já no caso da máfi a dos fi scais da prefeitura de São Paulo, que im-perou nos mandatos seguidos de Serra/Kassab, diante da impossibi-lidade de abafar o caso, a mídia usa do seu poder para manipular as in-formações e confundir a opinião pú-blica. Não poupa esforços na tenta-tiva de vincular o prefeito petista co-mo cúmplice da roubalheira. Igno-ra o fato de que foi o atual prefeito que tomou a iniciativa de desbaratar essa quadrilha. Já fi guras centrais do esquema criminoso, azeitado por anos de governos tucanos/demo, simplesmente desaparecem dos no-

ticiários. Algum dia virá à luz as ra-zões que fazem José Serra ser tão poderoso na mídia paulista, ao pon-to de torná-la sua refém.

Haverá também o dia, e pelo an-dar da carruagem será em breve, em que fi cará esclarecida a atuação da mídia sobre o Supremo Tribunal Fe-deral (STF), no julgamento da AP 470, conhecida como o mensalão do PT. Já não são poucas as manifesta-ções dizendo que o STF não julgou, apenas confi rmou um resultado já pré-estabelecido por quem segurou a faca no pescoço dos magistrados desde o início do processo. Tendo condenados e julgados (nessa ordem mesmo!) os petistas, a mídia ainda não se mostra saciada, não de justi-ça e sim de vingança. Basta ver o es-petáculo montado, com inúmeras ilegalidades cometidas, para efetuar as prisões. Que poder é esse que faz até o presidente do STF a se subme-ter ao seu script? E, mesmo já estan-do encarcerados, os réus continuam sendo perseguidos por esse jornalis-mo raivoso, parcial e conivente com muitas falcatruas, conduzido pelos barões da mídia. Até quando?

Tanto importante quanto apro-fundar as políticas públicas que promovam a diminuição da desi-gualdade social, é promover refor-ma políticas que, dentre elas, pro-movam a democratização da comu-nicação em nosso país.

de 28 de novembro a 4 de dezembro de 20132editorial

Hysysk/CC

Na defesa da vida plena

Tanto importante quanto aprofundar as políticas públicas que promovam a diminuição da desigualdade social, é promover reformas políticas que, dentre elas, promovam a democratização da comunicação em nosso país

Sumirão as estradas de chão, desaparecerão as correquinhas e das janelas dos condomínios de luxo, o mar será apenas uma paisagem especulada

O ministro José Eduardo Cardozo não fez mais do que a sua obrigação ao encaminhar os documentos com os indícios da ação criminosa

opinião

MEU BAIRRO É ASSIM como a vida. A gente vai andando pela rua calçada, bonitinha, mas, de repente, eis que aparecem os atalhos, chamando, misteriosos. Então, entra-se por essa profusão de cami-nhos que se embrenham nos matos, exalando cheiros de ervas e de infância. São as veredas vicinais, escondidas, românticas e cheias de segredos. É comum aos moradores locais essa prática de inven-tar caminhos, vivenciando a experiência de estar em comunidade, sem medo do inesperado.

É assim no Campeche, onde as ruas têm casas baixas, quase todas com jardins. Dentro delas podem-se ver cachorros, gatos e crian-ças, juntos. Algumas têm até vacas, porcos, galinhas, bodes, cava-los. Uma profusão de bichos, como numa comunidade ancestral. Pelas trilhas de areia as pessoas caminham como se estivessem no primeiro éden. E se cumprimentam como velhos conhecidos. Não importa que não saibam os nomes uns dos outros. Se pelas estra-nhas e misteriosas veredas andam é porque sabem da beleza, logo, são cúmplices.

Quando entardece e a gente segue na direção da brisa do mar pa-ra mais um olhar antes da noite cair, é hora de passar pelos surfi s-tas que vêm do último brincar com as ondas. Estão gelados e feli-zes, como nós, fruindo a delícia de cada estação. Não importa se é inverno, outono, primavera ou verão. Estão sempre ali, em cada en-tardecer. As gaivotas voejam na beira da praia no banquete do fi nal do dia. Seus gritos se confundem com o rugido do mar.

Na volta para casa, em meio às veredas, nos acompanham as cor-ruíras, as cambacicas, as correquinhas, os coleirinhas, os canários da telha, os ferreirinhas, as rolinhas. Gritam os grilos, relincha um cavalo e, antes mesmo que a noite estenda seu manto escuro, já se podem vislumbrar os vaga-lumes, vagalumeando sob nossas cabe-ças, com as luzinhas verdes a piscar. É um assombro de beleza que só termina ao se chegar a casa, onde as corujas esperam no muro, virando as cabeças e fazendo arrulhos de boas vindas. Então a gen-te abre o portão velho de madeira e se deixa envolver pelos gatos que se enroscam nas pernas. Os cachorros pulam felizes, e é hora de acender o fogo para o café.

Mas, há uma rugosidade nesse viver de beleza. O medo. É que será votado na Câmara de Vereadores um Plano Diretor, que es-tá bem diferente daquilo que as comunidades construíram em se-te longos anos de reuniões e debates. Deformado por quase 700 emendas feitas pelo executivo e por vereadores completamente des-colados da vida comunitária, ele pode dar outra cara para a cidade. Uma cara feia, de prédios enormes, asfalto, cimento, carros em pro-fusão. O plano destrói a possibilidade da beleza, das trilhas no ma-to, dos bairros jardins, dos parques. As gentes, essas que lutam to-dos os dias, fi zeram suas batalhas. Organizaram-se, resistiram, en-traram na Justiça, exigindo o plano feito coletivamente. Mas, a Jus-tiça tem classe. E defi niu favoravelmente aos depredadores, aos construtores, empresários e políticos que nada sabem de beleza e vida plena.

Agora, nessa semana, estaremos de novo em batalha. Se eles ven-cerem, pelas nossas praias crescerão os prédios, invadindo dunas e mangues. Sumirão as estradas de chão, desaparecerão as correqui-nhas e das janelas dos condomínios de luxo, o mar será apenas uma paisagem especulada. Ainda assim, travaremos a luta e defendere-mos nosso mundo. É incrível como ainda temos esperanças.

É primavera em Florianópolis, mas parece que invernou...

Elaine Tavares é jornalista.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Eduardo Sales de Lima, Marcelo Netto • Repórteres: Marcio Zonta, Michelle Amaral, Patricia Benvenuti •Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG), Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) •

Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália), Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Leonardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ) •Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Marina Tavares Ferreira• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração:Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 4301-9590 –São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: S.A. O Estado de S. Paulo • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Aurelio Fernandes, Bernadete Monteiro, Beto Almeida, Dora Martins,Frederico Santana Rick, Igor Fuser, José Antônio Moroni, Luiz Dallacosta, Marcelo Goulart, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Neuri Rosseto, Paulo Roberto Fier, René Vicente dosSantos, Ricardo Gebrim, Rosane Bertotti, Sergio Luiz Monteiro, Ulisses Kaniak, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou [email protected] • Para anunciar: (11) 2131-0800

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de 28 de novembro a 4 de dezembro de 2013

mula política capaz de levar o projeto progressista à vi-tória nas eleições de 2015. O principal articulista do jor-nal Clarín, carro-chefe da oposição, reconheceu que ela “continua sendo o eixo do poder e da política” no país. Mais de 50% dos argentinos têm opinião positiva sobre a presidenta.

Na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro mostrou, na prática, as virtudes que o levaram a ser escolhido pe-lo comandante Hugo Chávez para sua sucessão. Com os poderes excepcionais concedidos pela Assembleia Na-cional, emitiu uma série de decretos para combater a sa-botagem econômica. Os comerciantes que lucravam com a especulação tiveram de baixar os preços exorbitantes dos produtos importados, sob risco de ir para a cadeia (o que ocorreu, de fato, com vários deles). O desabaste-cimento, peça central na estratégia direitista de desesta-bilizar a economia para abrir caminho a um golpe de Es-tado, foi contido – e o governo bolivariano reforçou seu prestígio popular às vésperas das eleições municipais de dezembro.

Já dizia o escritor Eduardo Galeano: “os meios de in-formação desinformam”.

Meios de desinformaçãoQUEM FORMA SEU pensamento sobre a atualidade la-tino-americana com base na mídia burguesa está numa situação pior do que se não tivesse acesso à informação nenhuma, pois adquire uma visão totalmente deforma-da sobre esta região do mundo.

Argentina e Venezuela estão na berlinda da cobertura midiática há várias semanas, sempre com um enfoque malicioso que exagera os problemas dos governos pro-gressistas e se apressa em profetizar o seu naufrágio. No caso argentino, vende-se a ideia de que o projeto políti-co da presidenta Cristina Kirchner está em decadência irreversível. Já a Venezuela é apresentada como o pró-prio retrato do caos. Os fatos mais recentes desmenti-ram ambas as versões, mostrando que correspondem muito mais ao desejo dos oligarcas da comunicação do que à realidade.

A Argentina assistiu na semana passada ao retorno de sua presidenta, após um período de afastamento por motivo de saúde. Com decisões ágeis, Cristina reorga-nizou a equipe de governo e mostrou fi rmeza para en-frentar os maiores desafi os dos dois últimos anos do seu mandato: a efi cácia da gestão e a construção de uma fór-

instantâneo

Igor Fuser

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AS RECENTES DENÚNCIAS do jovem Edward Snowden nos permitiram saber que a maior es-pionagem praticada na história da humanidade é “made in USA”. Os EUA, que consideram a segu-rança mais importante que a liberdade, e o capi-tal, que os direitos humanos, metem o nariz na vi-da de pessoas, governos, empresas e instituições.

O governo estadunidense, através de sua Agên-cia Nacional de Segurança (ANS), espionou (ouainda espiona?) a presidente Dilma e a Petro-bras. Com certeza, fez e fará muito mais.

Para mim, a notícia não constitui nenhuma no-vidade. Sei, por documentos ofi ciais obtidos noArquivo Nacional (Habeas Data), que fui moni-torado pelos espiões do regime militar brasileiro,então chamados de arapongas, de junho de 1964,quando me prenderam pela primeira vez, a 1992– sete anos apos o fi m da ditadura!

Em agosto de 2003, quando eu trabalhava noPlanalto, aparelhos de escuta foram descobertosna sala do presidente Lula. Uma informação go-vernamental vale fortunas. Se acionistas e cor-rentistas sabem, de antemão, que o Banco Cen-tral decretará a falência de um banco, isso nãotem preço. Quem soube que o presidente Collorconfi scaria toda a poupança dos brasileiros, deveestar rindo até hoje da multidão que foi apanha-da de surpresa.

A Guerra Fria só não esquentou porque aUnião Soviética espionava os EUA, assim comoos EUA a União Soviética. Com frequência o es-pião de um lado era trocado por outro que serviaà potência inimiga. Não é à toa que a Rússia de-cidiu conceder asilo a Snowden. Ele sabe demaisa respeito da espionagem ianque.

No tempo da máquina de escrever era impos-sível conhecer o conteúdo da mensagem, a me-nos que se obtivesse cópia do texto ou se pudessefotografá-lo. Agora, todos os meios eletrônicos,de computadores a celulares, podem ser “radio-grafados” pelos serviços de segurança dos EUA.O “Big Brother” sabe tudo que se passa em nos-sa casa.

Ainda que a Casa Branca apresente desculpasà presidente Dilma, isso não signifi ca que a ANSdeixará de rastrear os computadores do Planaltoe saber o que, quando e com quem a presidenteconversou. Informação é poder – de nos subme-ter aos interesses do mais poderoso império jáexistente na história da humanidade.

Apenas uma nação tem conseguido driblar aespionagem estadunidense: Cuba. Isso tanto ir-rita a Casa Branca que, contrariando todos osprincípios do Direito, mantém presos nos EUAos cinco heróis cubanos que tinham por missãoevitar atos terroristas preparados sob as barbasde Tio Sam.

Encerro com uma pergunta que não quer calar:por que, em vez de atacar o povo sírio, os EUAnão bombardeiam fábricas de armas químicas,como a Combined Systems, localizada na Pen-silvânia? Que o digam os vietnamitas atingidos,mortos e deformados pelo “agente laranja” espa-lhado pelas Forças Armadas dos EUA durante aguerra do Vietnam.

Frei Betto é escritor, autor de Hotel Brasil – o mistério das cabeças degoladas (Rocco), entre outros livros.

Frei Betto

Olho espião

Por que, em vez de atacar o povo sírio, os EUA não bombardeiam fábricas de armas químicas, como a Combined Systems, localizada na Pensilvânia?

tropológicas também em autores como Marx, Engels, Le-nin, Rosa Luxemburgo, Benjamin. Cada um a seu modo resgatou aspectos de um comunismo primitivo para pen-sar uma utopia comunista. Marx, por exemplo, sofreu forte infl uência da antropologia, particularmente dos iro-queses e outras sociedades tribais.

Em Marx Selvagem, a antropologia é a interface entre as lutas ameríndias e as ciências sociais. E é nessa frontei-ra que se destaca o antropólogo Eduardo de Viveiros de Castro, cujo trabalho visa romper com as divisões entre primitivo e civilizado, indivíduo e sociedade, ciência e po-lítica, natureza e cultura, entre nós e eles. Nasce com Vi-veiros de Castro uma “antropologia simétrica”, em busca de um “mundo comum”.

Jean Tible conclui que se existe uma antropologia e uma sociologia simétricas, pode-se tomar as ideias nativas co-mo conceitos e potencializar relações, como por exemplo entre Marx, as lutas Yanomami e o perspectivismo ama-zônico. Ou, na expressão do próprio autor, uma “chave antropófaga para trabalhar Marx nas Américas”.

Marx ameríndioMARX SELVAGEM, livro de Jean Tible (lançado em 15 de novembro pela Annablume Editora) é fundamental para compreender a contemporaneidade dos índios e a atuali-dade do pensamento marxista.

O objetivo do trabalho de Tible, já expresso em sua tese de doutorado (Unicamp, 2012), é “produzir um encontro entre Karl Marx e a América Indígena”, apesar de ambos situarem-se em universos aparentemente tão distintos.

Tible pensa Marx a partir das múltiplas lutas que se constroem coletivamente num contexto ameríndio, e uti-liza para isso o peruano José Carlos Mariátegui, um dos mais importantes fi lósofos marxistas latino-americanos, que propôs um “socialismo indo-americano”. Apesar do pouco contato físico que estabeleceu com certas comu-nidades indígenas, Mariátegui, seguindo um movimento iniciado pelos anarquistas peruanos, passou a ver os ín-dios como sujeitos que se rebelaram contra a exploração colonial, além de serem portadores de tradições incaicas muito próximas do comunismo.

Ao longo do trabalho fi cam evidentes as infl uências an-

Silvio Mieli

A cada dia 4 mil morrem em decor-rência da Aids, a maioria na África

A cada dia morrem 4 mil pessoas em decorrência da Aids no mundo, a maioria nos países em desenvolvi-mento, segundo anunciou dia 25 de novembro, o diretor da Médicos Sem Fronteiras (MSF) na África do Sul e Lesoto, Gilles Van Cutsem. O comen-tário foi feito na apresentação de uma campanha para conscientizar sobre a gravidade do problema, apesar do otimismo que as conquistas na luta contra a doença provocaram últimos anos. “A luta contra HIV e a Aids foi aclamada como uma dos maiores conquistas da história da humanida-de em projetos de saúde pública, mas a MSF vê que esta revolução está in-completa para os milhões de pessoas que não têm acesso a tratamento”, indicou a organização.

Mais de 11 mil crianças mortas desde no confl ito da Síria

Mais de 11 mil crianças e adolescentes fo-ram mortos no confl ito sírio, 128 dos quais vítimas de armas químicas e 389 abatidos por franco-atiradores, segundo um relatório divulgado no dia 24 de novembro pelo cen-tro de refl exão britânico Oxford Research Group. De acordo com os dados, 11.420 sírios com 17 anos ou menos foram mortos desde o início do confl ito sírio, em março de 2011, até ao fi m de agosto de 2013. O rela-tório refere que 764 menores foram mortos sumariamente e 112 destes “foram tortura-dos”, cinco com 7 anos e 11 com idades entre os 8 e os 12 anos. No total, foram registrados 113.735 mortos, entre civis e combatentes. “128 crianças foram registradas como tendo sido mortas por armas químicas em Ghouta, em 21 de agosto de 2013”, em ataque atribu-ído pela oposição síria e por países ociden-tais a forças do regime de Damasco.

Medidas para garantir direitos dos povos indígenas à educação

O Ministério da Educação (MEC) planeja contratar a ampliação, refor-ma ou a construção de ao menos 120 escolas indígenas até o fi nal 2014. A iniciativa é uma das ações previstas no Programa Nacional dos Territó-rios Etnoeducacionais (Pntee) que, dentre outras coisas, visa a ampliar e qualifi car as formas de acesso dos índios à educação básica e superior. Os 120 projetos já foram aprovados, mas o prazo de execução pode va-riar de acordo com a localidade. O programa nacional foi ofi cialmente apresentado dia 25 de novembro pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, mas a portaria ministe-rial que instituiu o Pntee foi publica-da no Diário Ofi cial da União do dia 31 de outubro.

fatos em focoda Redação

Agora, todos os meios eletrônicos, de computadores a celulares, podem ser “radiografados” pelos serviços de segurança dos EUA

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brasilde 28 de novembro a 4 de dezembro de 20136

Ednubia Ghisi de Curitiba (PR)

EM UM JULGAMENTO histórico, o ru-ralista Marcos Prochet é condenado pelo Júri Popular a 15 anos e nove meses de prisão por homicídio duplamente quali-fi cado, mas poderá recorrer em liberda-de. O julgamento terminou por volta das 22h do dia 22 de novembro, com a pre-sença de mais de 200 pessoas, no Tribu-nal do Júri de Curitiba (PR).

Sebastião Camargo foi morto duran-te um despejo ilegal na cidade de Ma-rilena, Noroeste do estado, que envol-veu cerca de 30 pistoleiros. Além do as-sassinato de Camargo, 17 pessoas, in-clusive crianças, fi caram feridas. O cri-me compõe o cenário de grande violên-cia no campo vivido no período do go-verno Jaime Lerner no Paraná. De 1995 a 2002, 16 trabalhadores sem terra fo-ram assassinados no estado.

A viúva e o fi lho de Sebastião Camargo, assassinado há 15 anos, acompanharam todo o julgamento. Cesar Venture Ca-margo, fi lho da vítima, acredita que a de-cisão é uma resposta tardia: “Não vai tra-zer meu pai de volta, mas ele [Prochet] já vai pagar um pouco pelo que fez”. A famí-lia de Camargo é assentada em Ramilân-dia, região Oeste do Paraná.

“Passados 15 anos, dois extravios do processo e dois adiamentos de júri, a condenação de Marcos Prochet é um marco histórico na Justiça paranaen-se”, é o que afi rma Darci Frigo, coorde-nador da Terra de Direitos. Frigo obser-va que as recomendações da Organização dos Estados Americanos (OEA) ao Esta-do brasileiro, em 2011, contribuíram de-cisivamente para o resultado do júri.

Depois da repercussão internacional, o caso Sebastião Camargo passou a ser acompanhado pelo programa Justiça Plena, do Conselho Nacional de Justi-ça, que monitora e dá transparência ao andamento de processos de grande re-percussão social. Aílson Silveira Macha-do, coordenador de Medição de Confl i-tos Agrários da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Repúbli-ca, que acompanhou todo o júri, frisou a importância do programa para a efe-tivação da justiça no Brasil: “A impuni-

dade nesse país tem que acabar. Isso co-meça a aparecer com o programa Justi-ça Plena”, afi rma.

Tentativa de anular o julgamento No início da sessão de julgamento, o

advogado de defesa suscitou duas supos-tas nulidades para tentar adiar o júri, que foram negadas pelo juiz que presidia o julgamento, Leonardo Bechara Stancioli. Essas nulidades deverão ser levadas pela defesa em recuso dirigido ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) com o objeti-vo de tentar anular o julgamento.

Para defender Marcos Prochet, o ad-vogado direcionou a acusação da mor-te do sem-terra a Firmino Borracha, já condenado pelo assassinato de Eduardo Anghinone, em 1999. Prochet esteve no julgamento de Borracha e deu declara-ções ao jornal Folha de S. Paulo afi r-mando a inocência do pistoleiro.

A banca de acusação do julgamento foi composta por Lúcia Inês Giacomet-

Ruralista é condenado a 15 anos de prisão JUSTIÇA Marcos Prochet, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), é o terceiro condenado pelo assassinato do agricultor sem terra Sebastião Camargo, ocorrido durante um despejo ilegal, em 1998

ti Andrich, promotora de justiça do Mi-nistério Público do Paraná, Fernando Gallardo Vieira Prioste, assessor jurídi-co popular da Terra de Direitos, e o ad-vogado Cláudio Oliveira, ambos atuan-do como assistentes de acusação.

De acordo com as entidades que acom-panham o caso desde o início, espera-se que a decisão do julgamento seja manti-da e não haja anulação pelo TJ. A Terra de Direitos irá comunicar à OEA sobre o andamento do processo e solicitar acom-panhamento das próximas movimenta-ções jurídicas da defesa de Prochet, para que não haja anulação no júri.

Outros envolvidos Em novembro de 2012, duas pessoas

foram condenadas por participação no crime: Teissin Tina, ex-proprietário da fazenda Boa Sorte, onde o agricultor foi morto, foi condenado a seis anos de pri-são por homicídio simples. Já Osnir San-ches foi condenado a 13 anos de prisão por homicídio qualifi cado e constituição de empresa de segurança privada, utili-zada para recrutar pistoleiros e execu-tar despejos ilegais. Um ano após o jul-gamento, os dois condenados continuam em liberdade.

No dia 4 de fevereiro deste ano, o ter-ceiro réu, Augusto Barbosa da Costa, acusado de homicídio doloso no envol-vimento no caso, foi julgado e absolvi-do pelo júri. A maioria dos jurados re-conheceu a participação do réu de for-ma efetiva e consciente no crime, por-tando arma de fogo e aderindo à mesma conduta dos demais presentes no despe-

jo, mas assim mesmo votou pela absol-vição do acusado.

No mês de julho de 2013, o Ministé-rio Público do Paraná também denun-ciou por suspeita de participação no cri-me o ruralista Tarcísio Barbosa de Sou-za, presidente da Comissão Fundiáriada Federação de Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), ligada à Confedera-ção Nacional da Agricultura (CNA). Oruralista é ex-tesoureiro da União De-mocrática Ruralista (UDR) e ex-verea-dor em Paranavaí pelo partido Demo-cratas (DEM).

O casoO assassinato de Sebastião Camargo

Filho compõe o cenário de grande violên-cia no campo vivido no período do gover-no Jaime Lerner no Paraná. O trabalha-dor sem-terra foi morto no dia 7 de feve-reiro de 1998, aos 65 anos, quando uma milícia privada ligada a ruralistas despe-jou ilegalmente famílias acampadas na Fazenda Boa Sorte, na cidade de Marile-na, Noroeste do estado.

Apesar do amplo material levantado acerca do assassinato, o processo cri-minal permaneceu em fase de instrução inicial e vários crimes prescreveram pe-la demora da investigação. As violações ocorridas do direito à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial que marca-ram o assassinato do trabalhador sem-terra levaram a Comissão Interamerica-na de Direitos Humanos (CIDH) a res-ponsabilizar o Estado Brasileiro pelo cri-me, em 2011, 13 anos após o assassinato. (Colaborou Pedro Carrano)

de São Paulo (SP)

O INSTITUTO de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea) divulgou dia 25 de no-vembro nota técnica apontando que, en-tre 2007 e 2012, o indicador de défi cit habitacional no Brasil caiu de 5,59 mi-lhões para 5,24 milhões. O estudo mos-tra que o défi cit continua sendo majori-tariamente nas famílias mais pobres, que recebem até três salários mínimos.

O estudo foi baseado em quatro com-ponentes com base nos dados da Pes-quisa Nacional de Amostra em Domicí-lio (Pnad) de 2012 – habitações precá-rias, coabitação familiar, ônus excessi-vo com aluguel e adensamento excessi-vo em domicílios locados. O único com elevação no período foi o ônus excessivo com aluguel, que passou de 1,76 milhão de domicílios para 2,29 milhões. A clas-sifi cação para este componente da pes-quisa foi o gasto com aluguel superior a

30% da renda familiar – apenas daque-las famílias com renda de até três salá-rios mínimos.

O estudo ressalta que o mercado de lo-cação de imóveis urbanos pode ter sofri-do da mesma alta observada no mercado de compra e venda de imóveis, explican-do, assim, que uma maior parcela de fa-mílias tenha comprometimento superior a 30% de sua renda familiar.”

Os outros três indicadores sofreram reduções. A maior redução no período foi no componente habitações precárias (30%), seguida da coabitação familiar (26%). O adensamento excessivo em do-

micílios locados teve em 2012 uma pe-quena redução, se comparado com o va-lor obtido em 2007, de 0,1%.

DesigualdadeApesar da queda geral do défi cit ha-

bitacional no país, quando os índices são classifi cados pelos estratos de ren-da, houve um aumento de famílias mais pobres na composição do défi cit. Em 2012, aproximadamente 74% do défi -cit era composto por famílias em domi-cílios com renda de até três salários mí-nimos, um aumento de 4% ante 2007. Para as demais faixas, houve redução.

Famílias com renda domiciliar de três a cinco salários mínimos apresentaram re-dução de 11,5% na participação do défi -cit total; aquelas com renda de cinco a dez salários mínimos, redução de 10%, e o de renda domiciliar acima de dez salá-rios mínimos reduziu a participação em 30% no período.

EstadosNas unidades da federação, o compor-

tamento geral foi de queda, mas em di-ferentes níveis. No Centro-Oeste, à ex-ceção do Mato Grosso do Sul, houve au-mento do défi cit absoluto (o número bru-to de habitações em défi cit). O défi cit em São Paulo manteve-se estável, com leve incremento de 0,6% em valores absolu-tos. Na região Nordeste, apenas os es-tados do Rio Grande do Norte e Sergipe mantiveram índices crescentes, enquan-to no Norte do país, os estados de Rorai-ma, Acre, Amazonas e Roraima apresen-taram alta do défi cit habitacional.

Considerando as regiões metropolita-nas, apenas Fortaleza e o Distrito Fede-ral apresentaram elevação do défi cit ab-soluto. Na primeira, contudo, o aumento absoluto não signifi cou aumento no dé-fi cit relativos – o número total de domi-cílios em défi cit dividido pela quantida-de de domicílios do estado – já que hou-ve, justamente, um aumento do total do número de domicílios. Outro aspecto im-portante refere-se à participação do défi -cit metropolitano no défi cit total dos es-tados do Rio de Janeiro e de São Paulo, concentrando mais do que 50% do total estadual em ambos. (Rede Brasil Atual)

Défi cit habitacional diminui, mas mais pobres ainda têm menos moradiaDADOS Apesar da queda do défi cit no país, quando os índices são classifi cados pelos estratos de renda das famílias, houve um aumento de famílias mais pobres na composição do défi cit

HABITAÇÃO

A Terra de Direitos irá comunicar à OEA sobre o andamento do processo

e solicitar acompanhamento das próximas movimentações jurídicas da

defesa de Prochet, para que não haja anulação no júri

Sem-teto em ocupação em São Paulo: défi cit continua sendo majoritariamente nas famílias mais pobres

O ruralista Marcos Prochet foi considerado culpado por homicídio duplamente qualifi cado, mas poderá recorrer em liberdade

Joka Madruga

Marcelo Camargo/ABr

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brasil 7de 28 de novembro a 4 de dezembro de 2013

Leonardo Ferreira de São Paulo (SP)

PERTO DO PRAZO final, menos de 10% dos municípios se adequaram à Política Nacional de Resíduos Sólidos. Extrema-mente danosos, projetos de incineração ganham força e ameaçam trabalho de ca-tadores e meio ambiente.

Até agosto de 2014, todas as cida-des brasileiras devem elaborar e colo-car em prática os seus planos de gestão de resíduos sólidos e eliminar os lixões. A menos de um ano para o prazo, nem 10% dos municípios conseguem cum-prir o cronograma estabelecido pela Lei 12.305/10, que regulamenta a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

O cumprimento de todos os itens en-volve diversos setores como governos, instituições, empresas, catadores e a sociedade civil. Além da coleta seleti-va, a legislação sugere a compostagem de lixo orgânico, programas de educa-ção ambiental para a redução e reuti-lização dos resíduos, logística rever-sa e tratamento de entulhos da cons-trução civil. Estima-se que a produção de lixo no Brasil seja de 193.642 tone-ladas por dia.

Diante da impossibilidade de regulari-zar a destinação do lixo, algumas cidades

apontam para a implantação de usinas de incineração, o que é visto com preo-cupação por diversos setores. Em entre-vista ao Brasil de Fato, o integrante da articulação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MN-CR), Alex Cardoso faz uma importante advertência quanto ao uso desse tipo de tecnologia.

Cardoso explica que o incinerador queima matéria-prima que poderia ser reaproveitada, além de transformar 30% do lixo em cinza, gerando proble-mas ambientais. Entre outras alternati-vas, o catador defende a política do “lixo zero” como a maneira mais sensata de enfrentar o problema.

Brasil de Fato – Alex, que perigos a incineração do lixo representa?

Alex Cardoso – Primeiro que o incine-rador ele queima matéria-prima. Quan-do ele queima, ele não consegue trans-formar 100%. Ele deixa uma porcenta-gem de aproximadamente 30% que vi-ra cinza altamente tóxica. O processo da queima libera dioxinas e furanos. Elas são liberadas ao meio ambiente pelo ar. Colocam um sistema de fi ltragem da fu-maça e aí o que se libera que passa pe-lo fi ltro é muito pior do que fi ca porque

são nanopartículas, micropartículas que vão ser levadas pelo vento para qual-quer parte do mundo.

De que maneira esse processo afeta os catadores?

Temos mais de 1 milhão de catadores no Brasil e há mais de 30 anos trabalham no sistema de coleta e gestão de resídu-os sem nenhum benefício, sem nenhum custo, sem nenhuma valorização.

O incinerador vai no caminho inverso a isso porque, no caso a reciclagem, ela é muito mais efi caz, muito mais barata, e inclui as pessoas. O incinerador para fazer uma planta para incinerar mil to-neladas por dia tem um custo de R$ 500 milhões e aí inviabiliza todos os proces-sos de reciclagem e de inclusão de pes-soas. Então, para implantar um siste-ma desses, que é altamente tecnológi-co e muito caro, os municípios precisam assinar contratos de 20 a 30 anos com

essas empresas, o que inviabiliza todos os outros processos de poder ter a inclu-são de pessoas, de poder ter transparên-cia, de poder ter valores e concorrência no mercado.

Quais alternativas são colocadas pelo movimento de catadores?

A nossa proposta é de ter 100% de re-ciclagem ou o chamado “lixo zero”. Nós temos hoje no Brasil um potencial de53 a 56% de materiais passíveis de re-ciclagem. As outras porcentagens se re-ferem aos orgânicos e a algumas par-tes de inertes e de outros materiais quepossuem “reciclabilidade” ou reaprovei-tamento, mas não tem investimento. E, na nossa parte, é que tenha investimen-to para fazer a compostagem e a par-tir da compostagem fazer biodigesto-res. E a partir dos biodigestores produ-zir a biomassa para geração de energia, além do reaproveitamento dos resídu-os da construção civil para que se pos-sa construir ruas e blocos para fazer pa-vimentação.

Há possibilidades de as empresas trabalharem em conjunto com os catadores?

A nossa proposta enquanto movimen-to dos catadores é que a gente possa criar uma bolsa de valores, ou um banco na-cional de resíduos. A partir do momen-to em que a empresa produz, ela emitiria um crédito e automaticamente à coope-rativa ou associação que fez o trabalho de coleta e reciclagem.

A outra vantagem que nós temos é que a partir do momento que o cata-dor comercializa esse material, ele vai comercializar em uma empresa ou em uma indústria que ela está em um ca-dastro nacional que vai praticar bons preços e que não vai ter exploração, quenão vai fazer como é hoje no capitalis-mo selvagem no campo dos resíduos, no campo dos recicláveis. Então automati-camente nós teríamos benefícios dobra-dos. Um que é o benefício humano, tem a questão da exploração, porque é o ca-pitalismo selvagem que funciona e não tem nenhuma regra sobre a questão dascompras do resíduos no Brasil; e a ou-tra é benefi ciar verdadeiramente os que trabalham e aqueles que são poluidores, os que são produtores, pagar pela sujei-ra que fazem. (RadioagênciaNP)

Catadores defendem “lixo zero”ENTREVISTA Trabalhadores buscam solução para resolver problema dos resíduos sólidos

“O incinerador vai no caminho inverso a isso porque, no caso a reciclagem, ela é muito mais efi caz, muito mais barata, e inclui as pessoas”

“Porque é o capitalismo selvagem que funciona e não tem nenhuma regra sobre a questão das compras do resíduo no Brasil”

Antônio Cruz/ABr

Catadores propõem política de “lixo zero”

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brasilde 28 de novembro a 4 de dezembro de 20138

de São Leopoldo (RS)

O ENDIVIDAMENTO público de vários países gerou o que a coordenadora da or-ganização brasileira Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, denomina de “sistema da dívida”, ou seja, a “utili-zação do endividamento público às aves-sas; em vez de servir para aportar recur-sos ao Estado, o processo de endivida-mento tem sido um instrumento de con-tínua e crescente subtração de recursos públicos, que são direcionados principal-mente ao setor fi nanceiro privado”. Se-gundo ela, a dívida pública é, atualmen-te, “um dos principais alimentos do ca-pitalismo, especialmente na atual fase de fi nanceirização global, e favorece a con-centração de renda no setor fi nanceiro, aumentando ainda mais o seu poder”. E dispara: “O Sistema da Dívida opera de modo similar nos diversos continentes, fundamentado no enorme poder do se-tor fi nanceiro, em âmbito mundial, o que lhe possibilita exercer seu controle sobre as estruturas legais, políticas, econômi-cas e de comunicação de países, gerando diversos mecanismos que viabilizam es-se esquema”.

Na entrevista a seguir, a auditora fi s-cal também comenta a dívida dos esta-dos brasileiros, a qual foi gerada de “for-ma espúria” e “passou a crescer em esca-la exponencial.

O que é Sistema da Dívida? Como e por que ele se reproduz em vários países do mundo?Maria Lúcia Fattorelli – Escolhemos o tema “Sistema da Dívida” para norte-ar todos os debates do seminário inter-nacional que realizamos na semana pas-sada devido à importância da percep-ção da atuação desse esquema em vá-rios países.

O “Sistema da Dívida” corresponde à utilização do endividamento público às avessas, ou seja, em vez de servir para aportar recursos ao Estado, o processo de endividamento tem sido um instru-mento de contínua e crescente subtra-ção de recursos públicos, que são dire-cionados principalmente ao setor fi nan-ceiro privado.

Esse esquema funciona por meio de diversos mecanismos que geram dívi-das, na maioria das vezes sem qualquer contrapartida, e promovem seu contí-nuo crescimento. Para operar, tal sis-tema conta privilégios legais, políticos, econômicos e também com a grande mí-dia, além de contar com o suporte dos or-ganismos fi nanceiros internacionais pa-ra impor medidas que favorecem a atua-ção do “Sistema da Dívida”.

O livro Auditoria Cidadã da Dívida: Experiências e Métodos, que lançamos durante o seminário internacional, de-talha tais mecanismos, cabendo ressaltar os esquemas de “salvamento de bancos”, a transformação de dívidas privadas em dívidas públicas e a aplicação de “Planos de Ajuste Fiscal”, que se fundamentam em cortes orçamentários, privatizações e demais reformas liberais para destinar os recursos ao “Sistema da Dívida”

Como o Sistema da Dívida funciona internacionalmente? Todos os países são afetados por esse sistema?

As experiências de auditoria já realiza-das têm demonstrado que o “Sistema da Dívida” segue um modus operandi se-melhante em diversos países, passando por fases permeadas de fatos graves, tais como: geração de dívidas sem contrapar-tida alguma ao país ou à sociedade; apli-cação de mecanismos meramente fi nan-ceiros (taxas de juros abusivas, atualiza-ção monetária automática, cobrança de comissões e taxas etc.), que fazem a dívi-da crescer continuamente, também sem qualquer contrapartida real; refi nancia-mentos que empacotam dívidas privadas

e outros custos que não correspondem à entrega de recursos ao estado, provo-cando elevação ainda maior no volume do endividamento e benefi ciando uni-camente o setor fi nanceiro privado na-cional e internacional; utilização do en-dividamento gerado dessa maneira co-mo justifi cativa para a implementação de medidas macroeconômicas determi-nadas pelos organismos internacionais (principalmente FMI e Banco Mundial) contrárias aos interesses coletivos e que mais uma vez benefi ciam unicamente o mesmo setor fi nanceiro, tais como priva-tizações, reforma da previdência, refor-ma trabalhista, reforma tributária, me-didas de controle infl acionário, liberdade de movimentação de capitais etc.

A dívida pública é um dos principais alimentos do capitalismo, especialmente na atual fase de fi nanceirização global, e favorece a concentração de renda no se-tor fi nanceiro, aumentando ainda mais o seu poder. Por isso, o endividamento é um problema presente em quase to-dos os países capitalistas. Além de aten-tar para o volume da dívida, é preciso ob-servar o valor dos juros que dirão o peso dessa dívida para cada país. Nesse senti-do, o endividamento brasileiro é o mais oneroso do mundo, devido às elevadíssi-mas taxas de juros.

Qual a situação da dívida pública brasileira? Que percentual do orçamento federal é destinado ao pagamento da dívida?

Os números da dívida pública brasi-leira indicam que já estamos em situa-ção de crise da dívida. Em 31/12/2012, a Dívida Externa alcançou 442 bilhões de dólares (R$ 884 bilhões a R$ 2,00). É verdade que a maior parte dessa dívi-da é privada, porém, possui a garantia do governo brasileiro e, dessa forma, consti-tui uma obrigação que deve ser computa-da em sua integralidade.

Por sua vez, a chamada Dívida Interna atingiu o patamar de R$ 2,8 trilhões em 31/12/2012. A maior parte dessa dívida está nas mãos de bancos nacionais e in-ternacionais. Dessa forma, a dívida bra-sileira alcançou R$ 3,6 trilhões ou 82% do PIB.

Como essa dinâmica ocorre internamente entre os estados brasileiros e a União? Qual é o estado brasileiro mais endividado?

O Sistema da Dívida se reproduz tam-bém internamente, tendo em vista que, no caso dos estados, quase toda a dívi-da não possui contrapartida real e cres-ce a partir de mecanismos meramente fi nanceiros.

A maior parcela da dívida dos esta-dos corresponde ao refi nanciamento feito pelo governo federal a partir do fi -nal da década de 1990 (com base na Lei nº 9.496/97). Esse refi nanciamento en-globou passivos de bancos estaduais que seriam privatizados (PROES), ou seja, transformou parcelas de diversas natu-rezas em dívida pública dos estados. Tal fato evidencia a ausência de contrapar-tida de tais “dívidas” que foram geradas em processo não transparente e questio-nável sob todos os aspectos e comprova a atuação do “Sistema da Dívida”. Além disso, existem vários questionamentos acerca da origem da dívida refi nancia-da, conforme detalhamos no livro Au-ditoria Cidadã da Dívida dos Estados, que lançamos em maio deste ano.

Além de gerada de forma espúria, essa dívida passou a crescer em escala expo-nencial devido à extorsiva remuneração nominal cobrada pelo governo federal, correspondente à incidência de atuali-zação monetária mensal automática cal-culada com base na variação do IGP-DI, cumulativa com a incidência de juros de 6 a 9% ao ano.

Essa remuneração nominal tem sido tão abusiva que diversos entes federa-dos estão contraindo empréstimos jun-to ao Banco Mundial e bancos priva-dos internacionais para pagar ao gover-no federal. Uma verdadeira aberração e ofensa ao Federalismo, além do risco de transferir a crise fi nanceira para o inte-rior do país. Isso porque tais bancos in-ternacionais exigem, entre outras con-dicionalidades, a transformação do sis-tema previdenciário estadual para a mo-dalidade de fundos de pensão de natu-reza privada, que investem fortemen-te em derivativos – papéis podres que

provocaram a crise fi nanceira nos Esta-dos Unidos e Europa. O estado brasilei-ro mais endividado é São Paulo.

Quais são os impactos sociais e econômicos do Sistema da Dívida?

Como antes mencionado, o Sistema da Dívida opera de modo similar nos diver-sos continentes, fundamentado no enor-me poder do setor fi nanceiro, em âmbi-to mundial, o que lhe possibilita exercer seu controle sobre as estruturas legais, políticas, econômicas e de comunicação de países, gerando diversos mecanismos que viabilizam esse esquema.

Ao fi nal, o custo da dívida pública é transferido diretamente para a socieda-de, em particular para os mais pobres, tanto por meio do pagamento de eleva-dos tributos incidentes sobre tudo o que consomem, quanto pela ausência ou in-sufi ciência de serviços públicos a que têm direito – saúde, educação, assistência so-cial, previdência – e, ainda, entregando patrimônio público mediante as privati-zações e a exploração ilimitada de rique-zas naturais, com irreparáveis danos am-bientais, ecológicos e sociais. O custo so-cial é imenso.

O gráfi co do orçamento federal eviden-cia que, na medida em que absorve quase a metade dos recursos, todas as áreas so-ciais fi cam prejudicadas, o que explica o paradoxo inaceitável que existe em nosso país: sétima economia mundial e um dos países mais injustos do mundo, desres-peitando direitos humanos fundamen-tais, como denuncia a inaceitável classi-fi cação em 85º lugar segundo o IDH me-dido pela ONU.

É necessário conhecer que dívidas os povos estão pagando. A auditoria é a fer-ramenta que nos permite conhecer e do-cumentar este processo. O papel da cida-dania é de suma relevância, pois além de conhecer o processo, deve procurar inci-dir nessa realidade. Não pode estar pas-siva diante do contínuo e crescente esco-amento de recursos públicos orçamentá-rios, acompanhado da entrega de rique-zas nacionais de forma infame. É neces-sário fundamentar – com documentos e provas – as denúncias desse vergonhoso esquema que tem submetido países e po-vos a uma escravidão incompatível com a situação econômica real, sufi ciente pa-ra garantir vida digna e abundante para todas as pessoas.

Assim, a auditoria cidadã se converte em uma ferramenta de luta social. Con-vido a todos a divulgar nossas publica-ções e participar dos Núcleos da Audito-ria Cidadã. (IHU-on line)

Maria Lúcia Fattorelli é auditora fi scal e coordenadora da organização brasileira Auditoria Cidadã da Dívida. Foi membro

da Comissão de Auditoria Integral da Dívida Pública –CAIC- no Equador em

2007-2008. É autora de Auditoria da dívida externa. Questão de Soberania

(Contraponto Editora, 2003).

A dívida brasileira e o paradoxo da desigualdadeENTREVISTA “A dívida brasileira alcançou R$ 3,6 trilhões ou 82% do PIB”, destaca a auditora fi scal Maria Lúcia Fattorelli

“O processo de endividamento tem sido um instrumento de contínua e crescente subtração de recursos públicos, que são direcionados principalmente ao setor fi nanceiro privado”

“A maior parcela da dívida dos estados corresponde ao refi nanciamento feito pelo governo federal a partir do fi nal

da década de 1990”

A coordenadora nacional da Auditoria Cidadã, Maria Lúcia Fattorelli

Fotos: Agência Senado

Debate no Senado para discutir a dívida de estados e municípios com a União

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de 28 de novembro a 4 de dezembro de 2013 9brasil

Camila Nóbrega e Rogério Dafl on

do Rio de Janeiro (RJ)

DAVID HARVEY, que está no Brasil para o lançamento do livro Os limites do ca-pital em português, pela Boitempo, de-safi a o coro dos contentes sem qualquer bravata. Age assim porque vê um mun-do com cada vez menos gente satisfeita com os rumos do capitalismo. Sem pa-lavras de ordem e dispensando clichês, o geógrafo diz que há uma atmosfera pa-ra se criar um grande movimento antica-pitalista.

Ele vislumbra uma convergência en-tre os protestos no Brasil, a revolta da Praça Tahrir (na Tunísia) e outras ma-nifestações internacionais : “atualmen-te, quando um presidente diz ‘o país es-tá indo muito bem’, ele quer dizer que o capital está indo bem, mas as pessoas es-tão indo mal.” Nesta entrevista, concedi-da antes de sua palestra, no Teatro Rival, no Centro do Rio de Janeiro, Harvey ex-plica o porquê de tanta insatisfação.

Com os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, nunca foi tão caro morar no Rio de Janeiro. E isso está impactando a renda de todas as classes sociais na metrópole. Mas é claro que as classes mais pobres são as mais prejudicadas. Qual serão, na sua opinião, as consequências dessa segregação?David Harvey – O interesse que o capi-tal tem na construção da cidade é seme-lhante à lógica de uma empresa que visa ao lucro. Isso foi um aspecto importan-te no surgimento do capitalismo. E con-tinua a ser. Após a Segunda Guerra, por exemplo, os Estados Unidos construíram os subúrbios de uma maneira muito ren-tável. O que temos visto, nos últimos 30 anos, é a reocupação da maioria dos cen-tros urbanos com megaprojetos. Muitos desses projetos associam a urbanização ao espetáculo. E fazem um retorno à des-crição de Guy Debord sobre a sociedade do espetáculo. Faz todo sentido na dire-triz da realização dos megaeventos como as Olimpíadas e a Copa do Mundo. O ca-pital precisa que o estado assegure essa dinâmica. Assim, pode usar esses even-tos como instrumentos de investimen-tos e mais lucratividade. Invariavelmen-te, entre as consequências dos megae-ventos estão as remoções de pessoas de algumas áreas. Eles dependem disso pa-ra serem realizados. E essa situação tem causado revolta.

De um lado, o capital vai muito bem, mas as pessoas vão mal. Há alguma ge-ração de empregos, em função dos mega-projetos e megaeventos, mas o que se vê é o desvio da verba pública para apoiar essas empreitadas. Ao redor do mun-do, tem havido muitos protestos devi-do à retirada de pessoas de suas residên-cias. As populações percebem que o di-nheiro dos impostos está indo para esses fi ns, em detrimento da construção de es-colas e hospitais. Este é um contexto que ilustra como o capital gosta de construir as cidades, à diferença do que é a cidade em que as pessoas podem viver bem. Há um abismo entre essas duas propostas. Essa é a grande briga, porque enquanto o capitalismo quer desapoderar pessoas, a fi m de reproduzir a si próprio, elas que-rem verbas para outras coisas. O gran-de problema é que a tendência é a domi-nação do capital sobre o poder político nas cidades. O fi nanciamento das cam-panhas políticas é um instrumento pa-ra que isso aconteça. Trata-se de contro-le sobre a representação política. Essa ló-gica tem ocorrido em vários lugares do

“Urbanização incompleta é estratégia do capital”ENTREVISTA Segundo o geógrafo David Harvey, “quando um presidente diz ‘o país está indo muito bem’, ele quer dizer que o capital está indo bem, mas as pessoas estão indo mal”

mundo, não só na viabilização de megae-ventos no Brasil. Trata-se de um proces-so padrão. Remete à Coreia do Sul, em Seul (Olimpíadas de 1988). E também à Grécia. Se pensarmos na Grécia hoje, um país que sediou as Olimpíadas (Atenas, em 2004), vemos que esses eventos não costumam trazer grandes benefícios eco-nômicos. O país está numa profunda cri-se econômica. Há grandes estádios cons-truídos mas, a longo prazo, essas edifi ca-ções gigantes não trazem vantagens pa-ra o país.

Mas, e quanto à Barcelona, que aqui no Brasil é um dos exemplos mais disseminados como uma cidade que aproveitou muito bem um megaevento?

Bem, eu acho que Barcelona era uma excelente cidade antes das Olimpíadas [de 1992]. Eu nem gosto de voltar mui-to lá. Costumo dizer que o ápice da cida-de foi antes das Olimpíadas. Depois dis-so, foi ladeira abaixo.

Na África do Sul, muitas pessoas foram expulsas de suas casas devido às obras relacionadas à Copa do Mundo…

Exatamente. O problema das remo-ções tem sido recorrente. Há muita luta em torno disso. Isso é típico. Se há pes-soas pobres vivendo em terras muito va-lorizadas, há uma tentativa de tirá-las de lá. Uma forma de levar isso a cabo é o au-mento do custo de vida. Os megaprojetos também são uma excelente desculpa.

Qual é sua refl exão sobre o papel do grandes veículos de comunicação na lógica de acumulação do capital nas intervenções urbanas?

Claramente, o controle da mídia é uma ameaça para a democracia popular. A questão é como se faz uma cobertura e o que é coberto. Os jornalistas que querem cobrir os acontecimentos de uma forma mais real têm vivido tempos difíceis. É uma luta pela liberdade de expressão. O caminho passa pela mídia alternativa, e a tecnologia, com a internet, abre possi-bilidades. O problema é que a mídia al-ternativa pode ser absorvida e disciplina-da pelo mercado. É uma disputa que es-tá sendo travada. Mas é importante lem-brar que vivemos sob monopólios dos meios de comunicação no mundo. A de-sinformação pode ser espalhada tão fa-cilmente como a informação. E há mo-nopólio inclusive nas mídias sociais. Ain-da há muitas perguntas a serem respon-didas sobre o papel das mídias sociais e sua diferença em relação às mídias con-vencionais.

As obras de urbanização nas favelas do Rio têm como característica a falta de diálogo com as populações e a descontinuidade dessas intervenções. Qual a avaliação do senhor sobre isso?

Se há populações de baixa renda em terras de alto valor, uma das estratégias é dar títulos de propriedade aos moradores dessas áreas, sob o argumento da regula-rização fundiária e da garantia da mora-

dia. Não sei como isso ocorre no Brasil, mas um dos projetos em favelas, perife-rias e outras áreas pobres tem sido es-sa concessão de títulos de propriedades. Porque propriedade o capital pode com-prar. Assim começa um processo de reo-cupação dessas áreas e sua consequente gentrifi cação. Por outro lado, uma forma de manter os preços baixos em determi-nadas comunidades é ter projetos incom-pletos. Então, o Estado oferece interven-ções, mas não as termina. E, desse jeito, os moradores vendem a terra a um pre-ço baixo e saem do local. Quando a oferta chega, a infraestrutura ainda não está lá.

Essa estratégica é típica nos Estados Unidos, onde se compram propriedades e as levam à decadência forçadamente. Desse jeito, desvalorizam um bairro in-teiro e, num período de dez anos, é possí-vel reocupá-lo comprando propriedades no entorno. Como o Estado está envolvi-do nisso? Depende de lugar para lugar. Às vezes, o Estado é apenas incompeten-te e não sabe o que está fazendo. Nesse caso, o Estado pode começar uma obra e simplesmente parar no meio. Não neces-sariamente é uma estratégia deliberada. Mas em alguns casos é. E responde aos interesses privados. Nesses casos, há de fato uma estratégia quando uma empre-sa quer atuar em determinado lugar. E se decide começar uma obra já sabendo que não vai terminá-la. Ao não se termi-narem projetos de infraestrutura, abre-se caminho para a chegada das empre-sas privadas.

No Brasil, o Estado tem feito alianças com transnacionais, que têm usado e abusado do territórios brasileiro, nas zonas urbanas e rurais. Um dos setores onde isso é mais grave é a mineração. Sobretudo no que diz respeito à mineração. Como a sociedade civil pode reagir a isso?

O principal jeito de reagir é por meio de protestos. Eu fi co abismado que paí-ses como o Brasil ainda abram mão de seus recursos naturais para transnacio-nais. E há outras formas de exploração, como é o caso das plantações de soja. Empresas como a estadunidense Mon-santo (líder mundial de venda de semen-tes transgênicas e agrotóxico) e outras lí-deres do agronegócio tomam conta de territórios. A terra no Brasil vem sendo constantemente degradada por esse pro-cesso. E o ciclo é maior. É preciso lem-brar que o principal mercado do agrone-gócio brasileiro é a China. De um lado, são os Estados Unidos vendendo a se-mente e o agrotóxico e, de outro, a China comprando. Um problema que se agra-va é o controle chinês de terras na Amé-rica Latina.

O geógrafo brasileiro Milton Santos tem uma frase que diz: “A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos que apenas conseguem enxergar o que os separa e não o que os une”. O senhor tem falado sobre a divisão da esquerda no mundo, da fragmentação dos movimentos sociais. Para a criação de um movimento anticapitalista, quais são os elementos invisíveis que perpassam todos os movimentos? O que liga a preservação do meio ambiente, a luta das mulheres por autonomia e o direito à cidade, por exemplo?

Eu conheço Milton Santos, especial-mente o dos anos de 1970. Depois dis-so, ele se tornou muito pró-franceses. E ele não gostava de estadunidenses (risos;

Harvey leciona na Universidade da Cida-de de Nova Iorque). Se eu tivesse a res-posta para essa pergunta, poderíamos ter começado a revolução. Mas não te-nho uma boa resposta. É importante ter alianças que cruzem movimentos am-bientalistas, o feminismo, assim como juntar organizações que trabalham por questões como a da moradia ou ques-tões étnicas. Mas às vezes divergências tolas quebram essas alianças. Na minha opinião, precisamos defi nir o que é anti-capitalismo. Não há razão para ser anti-capitalista, se você acha que o capitalis-mo está fazendo um bom trabalho. Mas, se você não acha…Uma das coisas que eu tenho discutido com amigos da esquer-da é esse conceito de anticapitalismo. Há opiniões que afi rmam que o capitalismo fez um trabalho melhor que o comunis-mo e o socialismo. No entanto, o que está acontecendo agora é um processo violen-to. Se queremos mudar, temos muito tra-balho a fazer. Não há muita gente na mí-dia interessada no que nós fazemos. Não somos um grupo muito poderoso, nem temos popularidade. É importante, en-tretanto, fazer esse grupo crescer, expli-cando às pessoas por que é importante ser anticapitalista.

Movimentos sociais já contabilizam 100 mil pessoas removidas de suas casas apenas no Rio de Janeiro, para realização de obras em função dos megaeventos. Que forças do capitalismo levam, mesmo após os protestos que ocorreram no país inteiro, à manutenção desta alteração brutal no território?

Como falamos anteriormente, o capita-lismo depende de uma dinâmica maior. Mas precisamos redefi nir coisas. Mora-dia não pode ser vista como commodi-ty. A questão central é descobrir se você quer uma cidade para as pessoas ou pa-ra o lucro. Para construir uma cidade di-ferente, é preciso ser anticapitalista. Não há outra forma. (Canal Ibase)

Quem é David Harvey é um geógrafo marxista britânico, formado na Universidade de Cambridge. É pro-fessor da Universidade da Cidade Nova Iorque e trabalha com diversas questões ligadas à geogra-fi a urbana e o capital.

“O capital precisa que o Estado assegure essa dinâmica. Assim, pode usar esses eventos como instrumentos de investimentos e mais lucratividade”

“Eu conheço Milton Santos, especialmente o dos anos

de 1970. Depois disso, ele se tornou muito pró-franceses”

“A questão central é descobrir se você quer uma cidade para as pessoas ou para o lucro. Para construir uma cidade diferente, é preciso ser anticapitalista. Não há outra forma”

“Uma forma de manter os preços baixos em determinadas comunidades é ter projetos incompletos”

Menina exibe troféu da Copa das Remoções, que reuniu comunidades ameaçadas pela Copa e Olimpíadas

Tânia Rêgo/ABr

Opera Mundi

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culturade 28 de novembro a 4 de dezembro de 201310

Maria do Rosário Caetanode São Paulo (SP)

NOVAS DISTRIBUIDORAS de filmes ibero-americanos chegam ao concorrido mercado brasileiro, dominado historica-mente por empresas norte-americanas, com o propósito de difundir produções da Espanha e países latino-americanos.

A Esfera, a Tucumán, a Videofi lmes, a Panda e a novíssima Cafco prometem lançar, nas próximas semanas e ao lon-go do próximo ano, títulos importantes como os mexicanos A Jaula de Ouro, de Diego Quemada-Díez, e Club Sandwich, de Fernando Eimbeck, o venezuelano Pe-lo Malo, de Mariana Randón, Sete Cai-xas Paraguayas, de Juan Maneglia e Ta-na Schembori, o peruano Casadentro, de Joanna Lombardi e Dias de Pesca, do ar-gentino Carlos Sorín.

Estas pequenas distribuidoras enfren-tam grandes barreiras — devoção do pú-blico jovem à internet e ao cinema hege-mônico, pouco espaço na mídia e a for-ça cada vez maior da pirataria — ao op-tarem pela difusão de fi lmes ibero-ame-ricanos.

Como os 2.800 cinemas brasileiros são vitrine privilegiada de blockbusters, protagonizados por super-herois e efei-tos especiais de última geração, sobram poucas salas para os fi lmes ibero-ameri-canos. Se não fossem os esforços destas pequenas distribuidoras, o público bra-sileiro não teria como diversifi car seu gosto. Até porque as TVs e o mercado de DVD também são dominados pelas ma-jors norte-americanas.

A historiadora Ana Luiza Beraba (ver texto nesta página), que estudou na Es-cola Internacional de Cinema e TV de Cuba, tornou-se sócia-fundadora da Es-fera Filmes, distribuidora que prioriza o lançamento de títulos ibero-americanos.

Curadora da Première Latina, do Fes-tival do Rio, Ana Luíza apresentou, no projeto Ventana Sur, em Buenos Aires, detalhado estudo sobre o consumo bra-sileiro de fi lmes falados em espanhol. Pa-

Filmes ibero-americanos no país

CINEMA Novas distribuidoras ampliam lançamentos de fi lmes no mercado brasileiro

ra tanto, ela tabelou as 18 maiores bilhe-terias ibero-americanas em nossos cine-mas, no período de 2000 a 2012.

Entre os fi lmes lançados nestes 12 anos, o primeiro lugar fi cou com Diários de Motocicleta, de Walter Salles (930 mil espectadores). Pedro Almodóvar e Ricar-do Darín, as duas maiores grifes do cine-ma de língua espanhola, também têm lu-gar de grande destaque na lista. O dire-tor de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos ocupa cinco posições entre os fi lmes mais vistos: Fale com Ela, em se-gundo lugar (593 mil ingressos), A Pele que Habito, em quarto (460 mil), Volve, em quinto (441 mil), e Má Educação, em sexto (333 mil).

Ricardo Darín, o “Humphrey Bogart argentino” protagoniza três títulos bem situados na tabela: O Segredo dos Seus Olhos, em sétimo (329 mil), O Filho da Noiva, em oitavo (328 mil) e Um Con-to Chinês, em nono (267 mil). Guillermo Del Toro, com seu oscarizado O Labirin-to do Fauno ocupa a décima-sexta posi-ção (150 mil ingressos).

A Espanha é o país com mais fi lmes na lista (nove), seguida pela Argentina (se-te) e o México (dois). Algumas ausências

temporânea. Embora tenha parado de publicar novidades já há um bom tem-po, esse blog me valeu convite para dar consultoria para a marca Natura, além de convites de palestras e cursos. Em 2009, montei um curso para o Laborató-rio do Estação, e reuni mais de 80 títulos latino-americanos em torno de temáticas comuns, disponível em: http://atravesdocinema.blogspot.com.br

Após um período de desvio de cami-nho (trabalho numa editora e numa em-presa de consultoria), acabei decidindo abrir minha própria empresa para po-der me dedicar àquilo que de fato me apaixona: trazer a diversidade cultural do mundo – e em especial da América Latina – para o Brasil. A distribuido-ra Esfera nasce desse sonho e com um foco bem claro sobre o cinema latino. Nosso primeiro lançamento foi A Vi-da dos Peixes, do chileno Matías Bize. Depois vieram Juntos para Sempre, O Olhar Invisível, Querida Vou Comprar Cigarros e Já Volto, A Criada, Amoro-sa Soledad, todos títulos ibero-ameri-cano. Nos próximos meses, vamos lan-

çar, além do maravilhoso Pelo Malo, davenezuelana Mariana Rondon, que es-tá arrebatando prêmios por onde pas-sa (venceu San Sebastián e acaba de ga-nhar dois trofeus no Festival de Tessa-lonik, na Grécia), o peruano Casaden-tro, o argentino Dias de Pesca, e a pé-rola Club Sandwich, do mexicano Fer-nando Eimbeck (de Temporada de Pa-tos e Lake Tahoe, outro títulos de gran-de qualidade).

Nosso estudo sobre o Mercado para o Cinema Ibero-americano, no Brasil, pu-blicado pela Revista Filme B (setembro de 2013), foi realizado no ano passado, quando fui convidada para mesa de de-bates sobre distribuição, no Projeto Ven-tana Sur (importante mercado de cine-ma, sediado em Buenos Aires e organiza-do pelo Marché du Film de Cannes). Foi o pretexto para me debruçar sobre nú-meros, algo que há muito queria ter feito, mas não tinha os meios. Agora, com as bases da Rentrak e, principalmente, do Boletim Filme B, isso se tornou possível.

Neste estudo pude constatar que, ape-sar de todas as nossas queixas de que nada chega por aqui, isto não é tão ver-dade assim. Há, sim oferta de fi lmes ibero-americanos. Os principais fi lmes chegam. E há muito mais estreias lati-nas, no Brasil, do que nos demais paí-ses na América do Sul! E está ocorrendocom o cinema ibero-americano um pe-queno fenômeno de “star system” que fi ca evidente quando vemos os picos de público, ao longo dos anos, de fi lmes de Pedro Almodóvar, Ricardo Darín e Gael García Bernal.

Ana Luiza Beraba é historiadora e estudou na Escola Internacional

de Cinema e TV de Cuba.

se fazem notar: Cuba, que alcançou su-cesso no Brasil, na década de 1990, com Morango e Chocolate; o Peru, destaque com Pantaleão e as Visitadoras, e o Chi-le (com o sensível Machuca) não têm conseguido emplacar nenhum êxito co-mercial em nossas salas. Sinal de que o cinema ibero-americano ainda enfrenta grandes desafi os em sua tentativa de diá-logo com o público brasileiro.

Metegol Juan José Campanella, um dos mais

famosos diretores do cinema ibero-ame-ricano, vê seu primeiro fi lme realiza-do após a conquista do Oscar de melhor longa estrangeiro (com o drama O Se-gredo do Seus Olhos), chegar, sexta-fei-ra, dia 29 de novembro, às telas brasilei-

ras. Trata-se de Um Time Show de Bo-la, adaptação do título original, Metegol (Pebolim ou Totó).

O fi lme — única incursão de Campa-nella no campo do cinema de animação — recria o conto Memórias de um Pon-ta Direita, do livro El Mundo Há Vivido Equivocado y Otros Cuentos, de Roberto Fontanarossa (1944-2007).

No Brasil, Metegol será lançado em grande estilo, pela norte-americana Uni-versal. Repetirá aqui o êxito argentino? Difi cilmente. Afi nal, o fi lme, que vendeu 2.108.303 ingressos em seu país de ori-gem, superou o já bem-sucedido O Se-gredo dos Seus Olhos (1,8 milhão). A animação de Campanella, co-produção argentino-espanhola, tornou-se um ver-dadeiro fenômeno, se levarmos em con-ta que a Argentina tem pouco mais de 40 milhões de habitantes. Em números pro-porcionais, Metegol teria que vender, no Brasil, país com quase 200 milhões de habitantes, mais de 10 milhões de tíque-tes. Para atrair o público brasileiro, a du-blagem dos personagens desenhados pe-la equipe de Campanella utiliza-se de ex-pressões e gírias bem locais. Um dos per-sonagens lembra o marrento Romário e um de seus bordões, a expressão “ô pei-xe”. O cineasta argentino, que nem é fã ardoroso de futebol, cometeu heresia ao vestir seus jogadores. O time de pebolim, fundamental na trama, traja camisa ver-de-amarela. Os opositores vestem gre-ná (cor do festejado Barcelona). O tor-cedor azul-e-branco da Seleção Argenti-na parece não ter se incomodado. Caso contrário o fi lme não teria vendido tan-tos ingressos.

Um Time Show de Bola destina-se ao público infantojuvenil, mas atrai tam-bém os adultos. A trama começa com ci-tação de 2001, Uma odisseia no Espa-ço, de Stanley Kubrick. Só que ao lan-çar a caveira de um animal rumo espa-ço, ao invés de transformar-se numa na-ve espacial, ela se transforma numa bo-la. Nasce o futebol primitivo. Dá-se uma grande elipse e estamos num bar, on-de há um vistoso pebolim. Dois garotos se desafi am com seus respectivos times. Os jogadores que vestem a camisa verde-amarela derrotam os grenás. Desespera-do e despeitado, o “dono” dos grenás vai para o exterior, treina e enriquece, arru-ma dezenas de patrocinadores multina-cionais e volta à sua cidade natal para exigir a desforra.

ricanas” (http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=17317), re-sultado de pesquisa de cinco anos pa-ra minha monografi a de graduação em História.

O livro analisa o Pensamento da Amé-rica, suplemento cultural panamerica-no, publicado mensalmente, de 1941 a 1948, no jornal varguista A Manhã. Vá-rios intelectuais brasileiros estavam à frente desse projeto, que traduzia cente-nas de autores dos mais diversos países das Américas e publicava notícias atu-alizadas sobre a produção cultural dos países vizinhos. Foi um trabalho fasci-nante, com o qual pude mostrar como a preocupação com a integração latino-americana sempre existiu. E, para mim pessoalmente, esta pesquisa mostrou que eu estava no caminho certo: queria trabalhar com a difusão da cultura lati-no-americana no Brasil, e o cinema era o meu caminho.

Em 2007, fi z um MBA em gestão cultu-ral, na Fundação Getúlio Vargas e escolhi como tema do meu trabalho de conclu-são de curso a realização de uma pesqui-sa com o público do Festival do Rio. Que-ria conhecer a imagem que eles tinham da América Latina e do cinema latino-americano. O resultado foi surpreen-dente, pois me deparei com quantidade imensa de clichês que ainda norteavam o olhar dos espectadores. Esse trabalho se encontra disponível em forma de um blog: http://desconstruindoamericas.blogspot.com.br

Quando lancei o livro América Aracní-dea, dei início a um outro blog – http://www.americaracnidea.blogspot.com.br – para publicar notícias relacionadas e outras impressões minhas sobre os ru-mos da integração latino-americana con-

O cinema ibero-americano já tem seus ídolos brasileirosANÁLISE Está ocorrendo com o cinema ibero-americano um pequeno fenômeno de “star system” que fi ca evidente quando vemos os picos de público de fi lmes de Pedro Almodóvar, Ricardo Darín e Gael García Bernal

Há, sim oferta de fi lmes ibero-americanos. Os principais fi lmes chegam. E há muito mais estreias latinas, no Brasil, do que nos demais países na América do Sul!

Ana Luiza Berabaespecial para Brasil de Fato

NOS TEMPOS de estudante, na facul-dade de História, na UFRJ, deparei-me com a difi culdade de acessar a produção cultural vinda dos países vizinhos. Co-mecei a frequentar mostras e festivais e acabei indo trabalhar no Cinesul, festival comandado por Ângela José, no Rio, no qual tive a oportunidade de conhecer du-as fi guras importantes: os cineastas Fer-nando Birri, da Argentina, e Fernando Perez, de Cuba.

Os dois me motivaram a tentar uma vaga na Escola de Cinema de Cuba (EIC-TV). Fui pra lá, em 2002. E, depois do curso, decidi passar uma temporada na América Central. Estas experiências, além de me aproximar do cinema latino, me permitiram fazer muitos amigos e ter conhecimentos das várias cinematogra-fi as e seus processos de produção.

Quando voltei pro Brasil, fui trabalhar no Festival do Rio, na coordenação in-ternacional. Eu fazia, entre outras mui-tas coisas, a seleção de fi lmes da Premiè-re Latina. Em 2008, lancei pela Ed. Ci-vilização Brasileira meu livro “América Aracnídea – Teias Culturais Interame-

OPINIÃO

Estas pequenas distribuidoras enfrentam grandes barreiras ao optarem pela difusão de fi lmes ibero-americanos

Divulgação

O diretor argentino Juan José Campanella

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cultura de 28 de novembro a 4 de dezembro de 2013 11

de São Paulo (SP)

A JAULA DE OURO, do mexicano Diego Quemada-Díez – em cartaz nos cinemas de São Paulo – ganhou prêmio de me-lhor elenco coletivo (atores jovens de ori-gem guatemalteca e um de Chiapas) na mostra Um Certain Regard, no Festival de Cannes.

O fi lme, um drama social de arrancar o fôlego, causou sensação em todos os fes-tivais pelos quais passou. Na Mostra In-ternacional de Cinema de São Paulo con-quistou o Prêmio da Crítica Cinemato-gráfi ca e Menção Honrosa do Juri Ofi -cial. E teve sessões com bilheteria esgo-tada, fato raro, em se tratando de um fi l-me latino-americano.

As qualidades do longa de estreia de Diego são evidentes. Além de acredi-tar no poder da imagem, ele narra sua história sem apegar-se a sentimentalis-mos, nem à piedade cristã. A Jaula de Ouro chama atenção, também, por dia-logar com Cidade de Deus, de Fernando Meirelles (no destaque dado, na trama, a uma galinha e na escolha de quem, entre dois meninos, deve morrer).

A “jaula de ouro” que dá título ao fi lme são os EUA, paraíso sonhado por ado-lescentes pobres das Américas do Sul e Central. Juan, Sara e Samuel, que mo-ram numa favela guatemalteca, resol-vem viajar de trem até chegar à frontei-ra México/EUA, como clandestinos. E sem dinheiro nenhum. Ao chegarem ao México, conhecem um jovem índio de Chiapas, que não fala espanhol. Os ado-lescentes caminharão por trilhos da lon-ga ferrovia, com fome e, na maior parte do percurso, sendo vítimas dos mais es-

pantosos expedientes de quem explora os que resolvem se arriscar nesta viagem. A travessia é dura, principalmente para as mulheres. Os jovens embarcarão pre-cariamente em vagões de carga, quan-do conseguirem driblar os fi scais. Sem-pre correndo risco de vida. Só sobrarão os mais fortes. E para que? A sequência fi nal revelará o “paraíso” a que terão di-reito aqueles que conseguirem cruzar a fronteira México/EUA.

Em sua passagem pelo Brasil, para mostrar A Jaula de Ouro na Mostra de São Paulo, o Brasil de Fato conversou com Diego Quemada-Díez.

Brasil de Fato – Você trabalhou com Fernando Meirelles em “O Jardineiro Fiel”. Como um mexicano foi parar numa produção internacional comandada por um brasileiro?Diego Quemada-Díez – Na verdade, eu cheguei ao fi lme de Fernando Meirel-les como assistente do fotógrafo César Charlone. Eu nasci na Espanha e me na-turalizei mexicano. Comecei minha car-reira no cinema como fotógrafo. Inte-grei a equipe de assistentes (de imagem) de Terra e Liberdade, o clássico liber-tário de Ken Loach (1995). César Char-lone, fotógrafo de Cidade de Deus, fi l-

A Jaula de Ouro CINEMA Filme do mexicano Diego Quemada-Díez acompanha o sonho de adolescentes da Guatemala e de um índio de Chiapas rumo aos EUA

E esse trabalho dialoga com o atual momento político?

Sim, sempre será assim. Se o trabalho lhe parece um tipo de privatização da sua corrente sanguínea, acho que você deve tentar ver formas de doar sua força a ser-viço de outra coisa.

Você está a serviço de quê?Daquilo que eu acredito, daquilo que

eu sinto. Lembrando o educador Darcy Ribeiro, que disse mais ou menos assim: ‘lutei pela questão indígena e perdi. Pela educacional e perdi. Por outras também perdi. Horrível seria ter fi cado ao lado dos que venceram até aqui’. Tudo que eu faço, faço mal, e não é falsa modés-tia. Escrevo sem saber, toco sem saber. Mas, se tenho uma virtude, é a de trans-formar o que sinto em expressão. Acho que sou um profi ssional do sentimento.

Você diz que o amor é a sua principal ferramenta de transformação. Poderia falar sobre isso?

O amor é uma forma de inteligên-cia. As pessoas geralmente associam ao amor romântico, mas falo de um amor que vai além. Minha carreira é feita de utopias, eu assumo todas elas. Já con-segui falar sobre um montão de coisa que o grande mercado não estava acos-tumado. Consegui ultrapassar essa bar-reira e comunicar. O fato de continuar existindo, com crenças políticas ácidas, já é uma vitória. Quando a polícia che-ga batendo, eu não descrevo exatamen-

A que conclusão você chega diante dessa situação?

Na de que a gente não vive realmentenuma democracia. Não tem diálogo,não tem proposta. As posições da pre-feitura e do governo estadual do Rio deJaneiro têm sido essa. O episódio vivi-do pelos professores também refl ete is-so. Meus pais foram professores. Elessempre trabalhavam em dois empre-gos. Aquela reivindicação da greve éconsequência de como esses profi ssio-nais são tratados, de uma qualidade devida ruim. E, quando esse profi ssionalse revolta, é tratado da maneira comofoi. Esse é um termômetro de como asociedade está e dos equívocos do Esta-do. Os professores fi zeram greve e ocu-param a Câmara dos Vereadores paraserem ouvidos. Eu me considero umpacifi sta e não um Black Bloc, porquenão quero ser ouvido pela truculência.Mas eu entendo quando ela é dada co-mo resposta.

Mas você opõe “pacífi co” e “Black Bloc”? Qual é a sua visão sobre essa prática?

Não os vejo como violentos. Aliás, nãovi nada que não seja consequência do ruído branco que é a violência institu-cional. Eu não faço o mesmo que eles fazem, mas eu os apoio. Os excessos depessoas com o rosto tapado estão numaescala milhões de vezes menor do que aviolência da polícia. Essas não são ne-cessariamente eram Black Blocs, mas se identifi caram com eles. Vi um mo-leque de rua de uns 12 anos, que tirouos chinelos dos pés e enviou nos de-dos das mãos. Ele não tinha noção po-lítica, mas que nunca a sociedade tinha chegado tão perto dos seus interesses. Eu acho que ele pensava: ‘estão contra quem sempre me bateu. Entendi o jo-go’. Vi também um cara negro, sem ca-misa, entrando numa loja e saindo com uma TV de 50 polegadas nas costas. Eujamais faria aquilo. Se fosse alguém pró-ximo, diria: ‘poxa, meu irmão, que va-cilo’. Mas quer saber? Aquela cena me emocionou muito.

Ela daria uma música?Daria não, já deu. Podem achar que es-

sa minha posição é extremista. Não acho. As pessoas foram às ruas porque se sen-tiram, de alguma forma, sufocadas. Em certos momentos, tive medo nas mani-festações, mas ele era bem menor do que minha felicidade de estar nelas.

te aquela cena na minha música, mas eu tento tirar o sentimento daquilo, mos-trar o que está por trás emotivamente. E isso é bem próximo do que eu penso, de ter o amor como uma ferramenta pa-ra ver o mundo.

Como foi para você participar das manifestações?

Em um dos primeiros protestos, fui com meu irmão de 18 anos. Isso já ti-nha um simbolismo grande que lá ainda aumentou. Eu estava esperando por al-go assim há anos. Por vezes, não acredi-tava que poderia acontecer. Muita gente ali entendia que eu também fazia parte daquele momento. Vi cartazes com fra-ses minhas, como: “Paz sem voz, não é paz. É medo”. Foi muito importante ver essa identifi cação do povo.

Você passou por algum momento tenso?

Na maior das manifestações, aquela da batalha na prefeitura, cheguei bem na hora do avanço da polícia. Eu na ca-deira de rodas, no meio daquela situa-ção tão caótica e violenta, isso gerou um impacto grande. As pessoas começaram a me perguntar o que fazer e eu repe-tia: ‘precisamos ganhar posição’. Acho que foi uma frase das mais equivocadas. Pensei assim: a rua é o canal para se ma-nifestar e ela é livre. Pensei que poderia fazer a diferença ali por ser cadeirante, que os caras não iam jogar bombas de gás para o nosso lado por causa disso. Quem disse?!

“Sou um profi ssional do sentimento”MÚSICA “Escrevo sem saber, toco sem saber. Mas, se tenho uma virtude, é a de transformar o que sinto em expressão”, afi rma o cantor e compositor Marcelo Yuka

Gilka Resendedo Rio de Janeiro (RJ)

NAS PAREDES do estúdio, lado a lado, as bandeiras do Movimento dos Traba-lhadores Rurais Sem Terra (MST), do povo indígena Mapuche e do Flamen-go. Além da proteção acústica, o local recebe guarita de imagens de Nossa Se-nhora Aparecida e São Jorge, além de símbolos de religiões afro-brasileiras. Toda essa mistura dá o tom da arte de Marcelo Yuka.

Ao receber o Brasil de Fato, ele fa-lou sobre trabalho, sentimentos e políti-ca. Ou melhor, sobre sua vida, que rompe com qualquer segmentação. “Vivo num bolo doido”, revela. Além de estar ela-borando uma série de programas de TV, gravados em sua própria casa, Yuka se-gue com a produção de um novo álbum. Foi no intervalo entre trabalhos, no “mo-mento do café”, quando segundo o artis-ta tudo se resolve, que ele concedeu es-ta entrevista.

Brasil de Fato – Como está a preparação do novo álbum? Marcelo Yuka – Estou trabalhando muito tempo nele. Eu o levei ao máximo, utilizando apenas as minhas economias. Daqui para frente, para terminar, pre-cisamos de mais grana, seja de um pa-trocinador, gravadora ou de um fi nan-ciamento coletivo na internet. Precisa-mos pagar os músicos, porque 99% vie-ram sem cobrar nada. Foi uma atitude extremamente carinhosa do meio artís-tico comigo. Digo que o mais importan-te é o que temos na alma. Porém, quan-do o corpo fi ca debilitado, é mais difícil segurar um pincel ou uma guitarra. No-vo ainda, aos 34 anos, conheci um pro-blema físico por conta dos tiros que levei. Os artistas, e todos em geral, conhecem isso quando mais velhos. Ainda hoje vi-ver de arte parece com viver de esmola. E não existe nenhum plano para mudar is-so, para defender esse tesouro que a cul-tura do país.

me que rendeu a ele uma indicação ao Oscar, me convidou para ser assistente dele em Chamas da Vingança, de Tony Scott. Trabalhamos juntos, também, em Sucker Free City, de Spike Lee. Antes de radicar-me no México, passei pelos EUA, onde trabalhei com a diretora espanho-la Isabel Coixet, no segundo longa dela (Confi ssões de Um Apaixonado). No Mé-xico, realizei meus primeiros curtas-me-tragens, La Morena e Eu Quero Ser Pi-loto, um dos fi lmes de abertura da trigé-sima edição da Mostra de São Paulo. Fui operador de câmara em “21 Gramas”, de Alejandro Gonzáles Iñarritu, e – fi nal-mente – estreei no longa-metragem com A Jaula de Ouro.

Seu primeiro longa tem uma pegada bem documental. Não há atores famosos interpretando gente do povo. Todos parecem pessoas reais...

Isto foi proposital. Selecionamos os adolescentes na Guatemala e o jovem índio é realmente da região de Chiapas. Neste sentido, nossa experiência tem muito de Cidade de Deus, que buscou a maioria de seus jovens atores nas fave-las cariocas. Inspirados no fi lme de Mei-relles, nós buscamos, para preparar nos-so elenco, a brasileira Fátima Toledo. Ela, que preparou o elenco de Cidade de Deus, fez um trabalho maravilhoso com os nossos protagonistas. Já os imigran-tes que são vistos no fi lme compõem um quadro de 600 pessoas que conheciam a realidade apresentada pelo fi lme. Todos eles tinham tentado imigrar para os EUA ou tiveram parentes próximos que em-preenderam a mesma tentativa. Conhe-ciam profundamente aqueles trilhos e aqueles vagões de carga.

O fi lme nos mostra que a travessia, se é dura para garotos do sexo masculino, é ainda mais cruel para as garotas.

Sim, para as mulheres a situação é ainda mais difícil. O fi lme mostra que há quem aproveite a situação destas jovens clan-destinas para jogá-las na prostituição.

Num momento perturbador, o fi lme nos mostra um bando de malfeitores retendo grupo de imigrantes empenhados na travessia. Eles ameaçam os clandestinos e telefonam para os EUA. Com que intenção? Ajudar os serviços de repressão a impedir a entrada de novos imigrantes em solo norte-americano?

É pior que isto. Na verdade, aqueles bandos sequestram os clandestinos que têm parentes nos EUA e, fazendo-os de reféns, ligam para tais parentes, exigindo pagamento de resgate. Se os pagamentos não são efetuados, eles matam o seques-trado. Como o sensacionalismo não esta-va em nossos propósitos, até atenuamos esta sequência para não transformá-la num teatro de horror. Antes de realizar A Jaula de Ouro, fi z um documentário em Sinaloa, no México, com clandestinos que tentam ultrapassar a fronteira. O que documentei é realmente desolador.

ENTREVISTA

“Selecionamos os adolescentes na Guatemala e o jovem índio é realmente da região de Chiapas”

O músico Marcelo Yuca: “minha carreira é feita de utopias”

Cena do fi lme mexicano A jaula de ouro, que será distribuído no circuito brasileiro

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culturade 28 de novembro a 4 de dezembro de 201312

www.malvados.com. br dahmer

Braulio Tavares

VI ESTE FILME (Os amantes da Pont Neuf, de Leos Ca-rax, com Juliette Binoche) sem muita expectativa a não ser o fato de que Holy Motors, do mesmo diretor, foi tal-vez o melhor fi lme que vi no ano passado, e um dos mais desconcertantes dos últimos tempos. Os amantes... é de 1991 e conta a história de um casal de jovens sem-teto em Paris, que dormem na Pont Neuf, que está passando por uma reforma estrutural.

Fechada ao trânsito, a ponte se torna algo tão isolado quanto um terreno baldio; como o forte do fi lme não é o realismo naturalista, não vemos um operário sequer tra-balhando nos reparos. A ponte vive deserta, sem pedes-tres, sem interferências, e ali os personagens vivem sua vidinha: o junkie Alex, todo ralado, pé no gesso, muleta, cicatrizes de drogado pelo corpo inteiro, engolindo fogo na praça para sobreviver; Michelle, pintora que está fi -cando cega e rompeu com a família; e Hans, um velho que largou tudo para viver na rua com a esposa alcoóla-tra e agora, viúvo, acostumou-se àquilo.

É um fi lme menos surreal e mais linear do que Holy Motors, e acabou sendo o fi lme francês mais caro da época, porque o diretor teve que reconstruir cenografi ca-mente a Ponte e os prédios em volta do rio. Durante todo o fi lme, Paris é um mero conjunto de fi gurantes passan-do ao fundo, meio fora de foco. O foco é todo nos sem-te-to. O espaço onde Alex e Michelle vivem seus desencon-tros é uma espécie de ilha da fantasia; é patético quan-do, anos depois, eles marcam encontro na ponte, no in-verno, e veem aquele local ocupado por carros, transeun-tes, neve, como se tudo aquilo tivesse invadido o quarto de dormir dos dois.

Carax gosta de sequências longas, vagamente encai-xadas na narrativa, que lhe permitem brincar com a câ-mera, a montagem e os atores, como numa sequência de fogos de artifício no céu, um passeio de lancha + es-qui, e depois um longo plano dos dois correndo nus nu-ma praia. O fi lme tem aquela sintaxe não explicativa em que uma cena intrigante corta para algo completamen-te diferente como se nada tivesse acontecido. Os perso-nagens são trancados, misteriosos, ressentidos, de mo-do que qualquer ação insólita que praticam (são mui-tas) parece natural, pois não sabíamos direito o que es-perar deles. O diretor usa bem o recurso de eliminar to-dos os sons ambientes, com exceção de um (ou da mú-sica) para dar uma impressão de irrealidade, de alucina-ção. A vida dos moradores de rua mostra o tempo intei-ro aspectos de sordidez e de liberdade, sem os clichês da crítica social, e só com uma ou outra escorregada num li-rismo e num melodrama que lembram os fi lmes de Cha-plin. (Texto publicado na coluna diária no Jornal da Pa-raíba – Campina Grande-PB).

Braulio Tavares é escritor, poeta e compositorde Campina Grande (PB).

“Os Amantes da Ponte Nova”

CINEMA Durante todo o fi lme, Paris é um mero conjunto de fi gurantes passando ao fundo, meio fora de foco. O foco é todo nos sem-teto

Horizontais: 1. Ilusão perdida, desapontamento – Repulsa ou preconceito con-tra a homossexualidade. 2. Ir, no pretérito imperfeito (1ª pessoa do singular). 3. Constante matemática, sigla do estado do Piauí – Sigla da entidade que moni-tora o tráfego de automóveis na cidade de São Paulo. 4. Autonomia – Plantas agrestes, abundantes em terrenos baldios. 5. “É”, em inglês – Dupla. 6. Sigla de Instituto de pesquisas que visa contribuir para o planejamento do desenvolvi-mento brasileiro – Partido da presidenta da República. 7. Praticar – Ácido de-soxirribonucleico – Deslocar-se até um lugar. 8. Dia de janeiro em que o Brasil de Fato completou dez anos. 9. Morada – Coloca – Aquilo que tem qualidades positivas. 10. Extraterrestre – Está (informal). 11. Trabalho acadêmico entregue ao fi nal do curso – Processo necessário para que ocorra a redistribuição de ter-ras no Brasil.

Verticais: 1. Saldo negativo – Movimento camponês que luta pela reforma agrária. 2. Curso natural de água. 4. Pronome possessivo –Magneto. 5. O “?” da Estrada, canção de Sá e Guarabyra – Ligado, em inglês – Departamento de Estradas e Rodagem. 6. Interpretar o que está escrito – Faça soar o apito. 7. Acre (sigla) – Paraná (sigla). 8. Pena. 9. Sigla do estado de Pernambuco – Sigla para o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. 10. Dentro, em inglês – “?” Chomsky, renomado linguista estadunidense. 11. Saudação – Assinatura de to-mada de conhecimento. 12. Ex-primeira-dama do Brasil – Sexta nota musical. 13. Número da camisa de Pelé. 14. Grande quantidade. 15. Ave parecida com avestruz – Interjeição de dor – Sigla para o estado do Pará. 16. Pôr. 17. Cume agudo de monte. 18. Elevado – Espécie de trombeta. Horizontais: 1.Decepção – Homofobia. 2. Ia. 3. Pi – CET. 4. Independência – Mato. 5. Is – Par.

6. Ipea – PT. 7. Treinar – DNA – Ir. 8. Vinte e cinco. 9. Moradia – Põe – Bom. 10. ET – Ta. 11. TCC – Reforma Agrária.

Verticais: 1. Défi cit – MST. 2. Rio. 4. Meu– Ímã 5. Pó–On – DER. 6. Ler – Apite. 7. AC – PR. 9. PE – IPTR. 10. IN – Noam. 11. Ciente. 12. Marisa – LA. 13. Dez. 14. Penca. 15. Ema – Ai – PA. 16. Botar. 17. Pico. 18. Alto – Trompa.

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Fechada ao trânsito, a ponte se torna algo tão isolado quanto um terreno baldio; como o forte do fi lme não é o realismo naturalista, não vemos um operário sequer trabalhando nos reparos

Juliette Binoche e Denis Lavant: sordidez e liberdade

Cena do fi lme “Os amantes da Pont Neuf”, de Leos Carax

Fotos: Reprodução

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américa latina de 28 de novembro a 4 de dezembro de 2013 13

Giorgio Trucchide Tegucigalpa (Honduras)

AINDA NÃO HÁ um vencedor oficial da eleição presidencial de Honduras. En-quanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não fi naliza a apuração dos votos, tanto o candidato governista Juan Or-lando Hernández, do Partido Nacional (PN), quanto a principal opositora, Xio-mara Castro, do Partido Liberdade e Re-fundação (Libre), se declaram presiden-tes. O Libre também declarou não reco-nhecer os resultados apresentados pelo tribunal.

O ex-presidente Manuel Zelaya, es-poso de Xiomara, rechaçou os resulta-dos preliminares e convocou toda a di-rigência do partido a uma reunião de emergência na segunda-feira (25). Com 54,47% das urnas apuradas até o fecha-mento desta edição do jornal Brasil de Fato, Juan Orlando Hernández estava à frente, com 34, 27% dos votos. Em se-guida, aparecia Xiomara Castro, com 28, 67%.

Em terceiro lugar vinha o candida-to Mauricio Villeda, do Partido Liberal, com 21,03%, seguido por Salvador Nas-ralla, do Partido Anticorrupção (PAC), com 15,73%. O restante dos votos foi computado para os outros quatro can-didatos à Presidência. Ao divulgar a úl-tima parcial, o TSE admitiu ter havido “inconsistência nas informações de pelo menos 20% das atas recebidas”.

Poucos minutos após o primeiro bo-letim do TSE, o candidato governista se declarou ganhador e assegurou que convocaria todos os setores da socieda-de e da política hondurenha para bus-car em conjunto uma saída à grave crise que afeta o país. Sua vitória foi reconhe-cida quase de imediato pelos presiden-tes do Panamá, Ricardo Martinelli, e da Colômbia, Juan Manuel Santos. Tam-bém o felicitaram o ex-presidente sal-vadorenho Elías Antonio Saca e o presi-dente guatemalteco, Otto Pérez.

De acordo com a denúncia apresen-tada aos meios de comunicação por Ze-laya, as autoridades eleitorais não ha-viam computado entre 19 e 20% das ur-

Leonardo Wexell Severode Tegucigalpa (Honduras)

Às vésperas das eleições de 24 de no-vembro, o governo de Honduras utili-zou policiais militares e da migração pa-ra perseguir e intimidar observadores in-ternacionais, que identifi ca como simpa-tizantes da candidata oposicionista Xio-mara Castro de Zelaya, do Partido Liber-dade e Refundação (Libre).

Personalidades como Rigoberta Men-chú, prêmio Nobel da Paz, e o juiz Bal-tazar Garzón, reconhecido por sua luta contra as ditaduras latino-americanas, foram impedidas até de entrar no país. Ao mesmo tempo, os golpistas convida-ram 23 organizações de extrema direita para acompanhar o pleito.

Na cidade de El Progreso, próxima a San Pedro Sula, um dos principais polos da resistência ao golpe contra o ex-pre-sidente Manuel Zelaya, cinco soldados da Migração, fortemente armados, en-traram no centro de capacitação de uma igreja em busca de “salvadorenhos”. Ter-ceira principal cidade do país, El Progre-so é o berço de Roberto Micheletti, dita-dor alçado ao poder pelos Estados Uni-dos em 2009.

Na capital, Tegucigalpa, prefeitos e parlamentares da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), que governa El Salvador, também foram abordados e constrangidos por policiais a poucos metros do hotel em que a dele-gação brasileira está hospedada.

Solidariedade “Atendendo ao convite da Confedera-

ção Unitária de Trabalhadores de Hon-duras (CUTH), estamos aqui para acom-panhar solidariamente o povo hondure-nho neste passo para superar o golpe de Estado, a violência e a instabilidade. Co-mo há uma desconfi ança com o que pos-sa ocorrer, nossa atuação visa contribuir para que não haja uma transgressão da lei e que seja respeitada a decisão das urnas”, declarou Ivan González, coor-denador político da Confederação Sin-dical dos Trabalhadores das Américas (CSA). Acompanham a missão da CSA lideranças sindicais da República Domi-nicana (CNUS), Panamá (Convergência Sindical), Brasil (CUT e Força Sindical) e AFL-CIO (Estados Unidos).

Representando a executiva nacional

da Central Única dos Trabalhadores, José Celestino Lourenço (Tino) e Da-niel Gaio reiteraram, durante coletiva de imprensa, o compromisso da entida-de com a integração latino-americana e com a vitória da democracia. Tino con-denou a cultura antissindical que se for-taleceu após o golpe contra o presiden-te Zelaya, e reiterou a confi ança em que será virada a página de perseguição, vio-lência e assassinatos. “Estaremos juntos no processo de refundação do país, esti-mulando a construção de um Estado de-mocrático de direito, com participação social, valorização do trabalho e distri-buição de renda”, acrescentou.

Em nome do Partido dos Trabalha-dores (PT), Kjeld Jakobsen lembrou a solidariedade militante do povo brasi-leiro, que “teve como hóspede” o presi-

“Cinco soldados da Migração, fortemente armados, entraram no

centro de capacitação de uma igreja em busca de “salvadorenhos”

Intimidação às vésperas das eleiçõesdente Zelaya em sua embaixada, mobi-lizando-se para que a comunidade in-ternacional intercedesse. “Este é ummomento histórico para resgatar a de-mocracia, a soberania e a vontade po-pular”, sublinhou Kjeld.

Manifesto divulgado pela CUTH nodia 14 de novembro afi rma que Hondu-ras vive uma situação histórica crucial,“imersa numa profunda crise geral comsuas manifestações de pobreza, atraso,alto desemprego, dependência, corrup-ção e delinquência”.

No atual governo, alerta a Confedera-ção Unitária de Trabalhadores de Hon-duras, “foram suprimidas importantes conquistas e direitos dos trabalhadores,se persegue e assassina camponeses, se eleva o custo de vida, se encarecem as tarifas de serviços públicos, se privati-zam instituições do estado, se militari-za a sociedade, se atropelam como nun-ca antes os direitos humanos e as liber-dades dos cidadãos”. Por estas e outras razões, a CUTH conclama o voto no Par-tido Liberdade e Refundação, “a organi-zação política mais consequente e com as propostas de governo mais identifi ca-das com o povo hondurenho”.

Além do presidente, 5,4 milhões dehondurenhos elegerão neste domin-go 128 deputados ao Congresso Nacio-nal, 20 deputados ao Parlamento Cen-tro-Americano (Parlacen) e 298 prefei-tos e vice-prefeitos.

Perseguição do governo e constrangimento marcam estadia de observadores internacionais

Indícios de fraude em HondurasELEIÇÕES Candidatos rechaçam resultados preliminares que dão vitória a governista

nas por supostas anormalidades e in-consistências – um total de quase 400 mil votos que podem alterar os resulta-dos. “Nós não aceitamos esse resulta-do, protestamos contra esse resultado e o rechaçamos, porque nossas pesqui-sas de boca de urna e nossa contagem

de atas confi rmam que Xiomara ganhou a Presidência da República com mais de 3%”, afi rmou Zelaya.

Rixi Moncada, representante do Li-bre no Conselho Consultivo do TSE, dis-se existir uma manipulação dos dados reais e uma fraude descarada para fa-

vorecer um dos candidatos. “Há mais de 1.900 atas de departamentos (esta-dos) onde o Libre ganha contundente-mente que não foram incorporadas aosistema de contagem, mas transferidasa um denominado procedimento de es-crutínio especial”, contou. Moncada ga-rantiu ter informes fi dedignos que pro-vam que foram introduzidos ao sistema de contagem “atas via scanner de luga-res onde o escrutínio ainda não tinha si-do concluído”.

Tanto Moncada como o candidato àvice-presidência, Enrique Reyna, dis-seram que o que aconteceu no domin-go (24) foi “uma clara fraude frente àvontade popular, que, sem dúvidas, está sendo alterada através da transmissãoirregular de resultados”. Reyna afi rmou também que representantes da MesaEleitoral Receptora (MER) tinham atra-sado o envio de atas onde ganha o Libre,para assim atrasar o aumento da vanta-gem. Além disso, ele acusou o TSE de“não contabilizar atas onde ganhamose que estranhamente foram escaneadascom a ponta dobrada, para ocultar o nú-mero. Essas são as que foram enviadas para auditoria”, falou.

Juan Barahona, primeiro candidato àvice-presidência e subcoordenador da Frente Nacional de Resistência Popular(FNRP) fez um emotivo chamado aos representantes do Libre nas MER paraque “não abandonem as urnas e cuidem dos votos”. Ao mesmo tempo, pediu aos militantes e simpatizantes do partido“estar atentos e atentas a qualquer cha-mado feito pelo Libre”.

Por sua vez, o candidato do PAC, Sal-vador Nasralla, não somente respaldouindiretamente a denúncia do Libre, mas foi além e falou de “fraude descarada” e “instalação de uma ditadura” em Hon-duras. Ele desconheceu o resultado e as-segurou que não vai acatar os dados di-fundidos pelo TSE. (Opera Mundi)

As autoridades eleitorais não haviam computado entre 19 e 20% das urnas por supostas anormalidades e inconsistências

“Há mais de 1.900 atas de departamentos (estados) onde o Libre ganha contundentemente que não foram incorporadas ao sistema de contagem”

Mas foi além e falou de “fraude descarada” e “instalação de uma ditadura” em Honduras

Soldados transportam material eleitoral

Resultado é contestado por Xiomara Zelaya

Hondurenha em cabine de votação: suspeita de fraude

Fotos: Reprodução

Reprodução

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américa latinade 28 de novembro a 4 de dezembro de 201314

Leonardo Wexell Severoda cidade da Guatemala (Guatemala)

LUIS PEDRO OSÓRIO tem 21 anos e pretendia “conseguir um trabalho para seguir em frente”. Sem qualquer chance no seu país, a Guatemala, arriscou a vi-da tentando chegar aos Estados Unidos atravessando o deserto na fronteira com o México.

Após cinco dias de marcha enfrentan-do o sol escaldante, de fi car sem água nem comida e quase morrer devorado pelos coiotes, Luis foi preso pela trucu-lenta e racista polícia migratória e man-tido um mês encarcerado – algemado pelas mãos e pelos pés – antes de ser deportado. Para não passar fome teve de sujeitar-se a trabalhar na prisão por um dólar ao dia, sendo submetido a todo tipo de humilhação e constrangimento.

Esta é a toada humanitária do gover-no de Barack Obama, que repete o script discriminatório, em especial contra os latinos. Assim, o número de imigrantes guatemaltecos deportados pelos Estados Unidos durante o ano fi scal de 2013 ba-teu um novo recorde: 40.938, superando os 40.647 de 2012. O número total de es-trangeiros deportados no período totali-zou 409.849 e não para de crescer.

Como o ano fi scal estadunidense ini-cia em 1º de outubro e encerra em 30 de setembro do ano seguinte, o número de guatemaltecos expulsos por Obama pode chegar a 50 mil até o fi nal de 2013, mul-tiplicando por 10 os 5 mil deportados há uma década. A contrapartida econômica é saudável para os cofres da nação maia, sendo determinante para a sobrevivên-cia de um grande número de famílias que sofrem com a distância dos seres queri-dos. Conforme o Banco Central da Gua-temala, o país deve receber este ano 5,2 bilhões de dólares em remessas enviadas pelos guatemaltecos que vivem no exte-rior, um crescimento de 8,7% em com-paração aos 4,78 bilhões de dólares de 2012, o que representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB).

De acordo com a Organização Interna-cional para as Migrações (OIM), dos cer-ca de 1,5 milhões de guatemaltecos que vivem fora, a grande maioria, 1,3 mi-lhões, encontram-se nos Estados Unidos e são indocumentados.

Na sede da Central Geral dos Traba-lhadores da Guatemala (CGTG), um dia após ter sido deportado pelos EUA, em 19 de novembro, com mais 114 conter-râneos, Luis Pedro nos concedeu esta entrevista.

Conte um pouco sobre a sua tentativa de ingressar nos Estados Unidos.Luis Pedro Osório – Quando a migra-ção chega todos correm para não se dei-xar agarrar e acabam deixando tudo pe-lo chão. Aí fi ca difícil sobreviver no de-serto. Levávamos cinco dias de marcha quando fomos agarrados. A maioria se entregou porque já se encontrava sem água nem comida, então não dava para resistir mais. Não tinha outro jeito, tive de me entregar. Também estávamos sós, já não tínhamos guia. Sem saber aonde chegar, vagávamos perdidos. No deser-to tens de dormir em cima das árvores, porque embaixo os coiotes estão prontos para te comer. Sempre dormíamos nas árvores. Assim, é melhor se entregar.

O que mais te marcou neste tempo em que esteve preso?

O relato de um companheiro que fi -cou sozinho e seguiu caminhando e ca-minhando, até que se alegrou um pou-co quando avistou uma mulher que es-tava deitada. Ficou contente por pensar que agora teria alguém para acompanhá-lo no caminho. Foi conversar e ela esta-va ali, morta, provavelmente picada por uma cobra. E assim fi cou. O triste é que a família não sabe nada dela. Seu corpo continua ali, abandonado no deserto.

Qual a sua avaliação sobre esse grande contingente de guatemaltecos que sai do país à procura de emprego?

O que acontece é que aqui na Guate-mala não nos pagam nem o salário mí-nimo. As pessoas ganham 40 ou 50 quet-zales (cinco ou seis dólares) por dia, o que não alcança para manter a família, não dá para comer, para se vestir. Daí a necessidade de migrar, de ingressar na-quele país. A migração dos EUA nos des-trata, nos atira no solo, coloca a arma na nossa cabeça, nos colocam algemas nos pés e nas mãos. Somos tratados como pe-

de Fortaleza (CE)

A Missão de Observação Internacional que visitou quatro departamentos para-guaios com o objetivo de verifi car a situa-ção dos direitos humanos de campone-ses e indígenas constatou o cometimento de graves violações, principalmente por parte do Estado.

No marco da implementação da Lei nº 1337 de Defesa Nacional e Segurança In-terna, a Missão, composta por 43 repre-sentantes de organizações, redes e insti-tuições da Suécia, Estados Unidos, Co-lômbia, Chile, Brasil, Argentina, Uru-guai e Paraguai, denuncia a precarieda-de e irregularidade das instituições es-tatais em matéria de direitos humanos. Foram visitados os departamentos de Presidente Hayes, Concepción, San Pe-dro e Canindeyú.

Um dos exemplos destacados é o da Defensoria Pública, cujo titular perma-nece no cargo ainda que seu mandato tenha vencido em 2008 e é questiona-do por parte de organizações de vítimas da ditadura e de direitos humanos. Além disso, o Estado paraguaio tem aumenta-do suas práticas repressivas com a outor-ga às forças militares de funções de segu-rança interna, a ampliação territorial dos procedimentos repressivos, o uso cres-cente de violência física e simbólica, e a aprovação de normas legais que dimi-nuem garantias.

“Observamos que, longe de levar se-gurança aos departamentos militariza-dos, o que se produz é a desarticulação do tecido social, a debilidade dos víncu-los comunitários e das próprias organiza-ções sociais, através do amedrontamento constante”, assinala a Missão.

Foi constatado também que há uma concentração de terra massiva para a implementação do modelo de produ-ção de soja, cujos agrotóxicos afetam a saúde das pessoas e do meio ambiente. Apesar disso, o Estado estaria associan-

do as reivindicações por acesso à terra e por um meio ambiente saudável a uma problemática de segurança interna que legitima abusos de autoridade e a insta-lação de um estado de exceção perma-nente. “Como resultado, famílias intei-ras se encontram sem condições míni-mas para desenvolver uma vida digna. O despojo que sofrem transcende o aspec-to territorial e se traduz na vulnerabili-dade integral de seus direitos, sua cultu-ra e formas de vida”.

A Missão observou altos níveis de po-breza e indigência na região visitada. Grande parte da população não tem acesso a direitos básicos, como mora-dia, trabalho, saúde, saneamento, água potável. As pessoas entrevistadas recla-mam a presença estatal na garantia de seus direitos econômicos, sociais e cul-turais, no entanto o Estado se faz pre-sente mediante a militarização que, lon-ge de proporcionar segurança, é fonte de repressão e medo. Os observadores verifi caram ainda uma altíssima vulne-rabilidade dos direitos dos povos indí-genas, particularmente o direito à terra. Adicionalmente, são discriminados/as e poucos recebem atendimento em saúde e educação.

A Missão recebeu relatos sobre a pre-sença de grupos paramilitares constituí-dos para a defesa dos interesses do se-

tor agroexportador, bem como outrosvinculados ao narcotráfi co. Esses gru-pos, que seriam responsáveis por assas-sinatos de campesinos e indígenas, ope-rariam criminosamente em conivênciacom membros da força pública. Os tes-temunhos recebidos apontam para umaJustiça inoperante, que deixa impunesas violações e opera como um instru-mento de agressão a defensores e defen-soras de direitos humanos, líderes cam-poneses, educadores, comunicadores,profi ssionais de saúde, que são proces-sados sem fundamento.

Por fi m, entre outros pontos, a Missão demanda do Poder Executivo que reco-nheça a importância do trabalho reali-zado pelas organizações sociais, campe-sinas e de direitos humano; aos Minis-térios do Interior e da Defesa que im-plementem mecanismos efi cientes pa-ra seus agentes de segurança atuem com base das normas legais nacionais e inter-nacional de proteção aos direitos huma-nos; e cumprir com as medidas de assis-tência em saúde e educação à comunida-de indígena Sawhoyamaxa, previstas na sentença da Corte Interamericana de Di-reitos Humanos, de 2006.

Também são feitas solicitações aos Po-deres Legislativo e Judiciário para que assegurem a proteção de direitos nos quatro departamentos. (Adital)

rigosos criminosos, mas só fomos buscar trabalho e nada mais.

E o que tem feito o governo guatemalteco?

A verdade é que nenhum governo gua-temalteco tem feito nada bom. Onde vi-vo ninguém paga sequer o salário míni-mo de 70 quetzales diários. Pagam 50 quetzales por um trabalho de todo o dia. Fomos para os Estados Unidos para tra-balhar no que der, no que aparecer, sem vacilar, sem negociar. Quem migra, vai preparado para sofrer, seja como gar-çom, ajudante, no campo, onde houver

Comunidades paraguaias vivem em estado de exceçãoGrupos paramilitares se constituem para a defesa dos interesses do setor agroexportador

EUA bate novo recorde de guatemaltecos deportadosENTREVISTA Depois de quase morrer no deserto, Luis Pedro Osório, de 21 anos, fi cou um mês preso

trabalho. Por nós e por nossas famílias temos necessidade de seguir trabalhan-do, de ir adiante.

Qual a sensação de estar preso por buscar trabalho?

Ninguém se sente bem estando pre-so por nada, por não ter cometido ne-nhum delito além do de querer traba-lhar. Naquela prisão dos Estados Unidos há quem fi ca três meses preso, seis, oito, até dez meses. Quando nos levam ao jul-gamento, todo algemado, é humilhante. Além disso, nos dão muito pouca comida na prisão. A fome faz com que todos te-nham de trabalhar por um dólar ao dia, porque há necessidade de comer. Traba-lhávamos na lavanderia, na cozinha, lim-pando o terreno, tudo por um dólar ao dia. A verdade é que ninguém deixa o seu país porque quer.

“Trabalhávamos na lavanderia, na cozinha, limpando o terreno, tudo por um dólar ao dia. A verdade é que ninguém deixa o seu país por que quer”

Estado paraguaio tem aumentado práticas repressivas contra indígenas e camponeses

Guatemalteco é embarcado em voo de deportação para seu país

Reprodução

OAS

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internacional de 28 de novembro a 4 de dezembro de 2013 15

Maurício Thuswohl do Rio de Janeiro (RJ)

A DIVULGAÇÃO de números que in-dicam o recrudescimento do desmata-mento na Amazônia após quatro anos consecutivos de queda e a expectati-va gerada pelo inevitável aumento das emissões de gases de efeito estufa com o início da produção de petróleo e gás no Pré-Sal já a partir do ano que vem puse-ram o Brasil no centro das atenções da décima nona edição da Conferência das Partes da Convenção das Nações Uni-das sobre Mudanças Climáticas (COP-19), encerrada sábado (23) em Varsó-via, na Polônia.

A conferência foi marcada pelo debate sobre a infl uência da exploração, produ-ção e queima de combustíveis fósseis no agravamento do aquecimento global e logrou tímidos avanços nas negociações que, segundo o cronograma estabeleci-do pela ONU na Plataforma de Durban, devem desembocar em um acordo glo-bal e com metas obrigatórias de redu-ção das emissões para todos os países a ser concluído em 2015 e adotado a par-tir de 2020.

Em uma discussão ainda bloqueada pelas divergências entre países ricos e países em desenvolvimento, o Brasil é protagonista das negociações climáti-cas há quatro anos, desde que, duran-te a COP-15 realizada em Copenhague, na Dinamarca, se comprometeu a redu-zir voluntariamente até 2020 seus ín-dices de emissão entre 36,1% e 38,9% em relação a 2005. Em junho, o gover-no brasileiro anunciou já ter atingido 62% da meta assumida, o que aumen-tou seu prestígio frente aos interlocuto-res na ONU.

Mas, a confi rmação, às vésperas da COP-19, do aumento de 28% no desma-tamento da Amazônia no período entre agosto de 2012 e julho de 2013 e as ex-pectativas negativas, do ponto de vista do aumento das emissões, em relação à produção no Pré-Sal colocaram o gover-no brasileiro na berlinda durante a con-ferência realizada na capital polonesa.

Com a discussão sobre combustíveis fósseis na ordem do dia em Varsóvia, as descobertas no pré-sal e o papel da Pe-trobras como empresa emissora de ga-ses-estufa em um futuro próximo foram objeto de alguns debates, mas o governo brasileiro tratou de neutralizar as críticas ao posicionar a questão energética co-mo fundamental para o desenvolvimen-to econômico do país. Durante um even-to paralelo à COP-19, o Conselho Empre-sarial Brasileiro para o Desenvolvimen-to Sustentável (CEBDS) divulgou um re-latório que aponta a exploração de com-bustíveis fósseis como responsável por um aumento de 3,5% na média anual de emissões de CO2 decorrentes da matriz energética brasileira.

A queima de óleo e carvão para produ-zir energia nas usinas termelétricas é a grande vilã das emissões brasileiras no setor e, segundo o relatório Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efei-to Estufa no Brasil, elaborado pelo Mi-nistério da Ciência e Tecnologia, já atin-giu o patamar de 400 milhões de giga-toneladas.

Em relação à perda de fl orestas, o go-verno brasileiro lembrou na COP-15 que os 5.843 quilômetros quadrados des-matados no último período analisado, embora representem uma área devas-tada maior do que a registrada no pe-ríodo imediatamente anterior (4.571 km²), signifi cam o segundo menor nível de desmatamento desde 1988. O pico do desmatamento da Amazônia acon-teceu em 2004, quando foram derruba-dos 27.772 km² de fl oresta, mas, desde 2009, a área desmatada a cada ano é in-ferior a 8 mil km².

A posição brasileira foi defendida pe-la delegação governamental comandada pelos ministros Luiz Alberto Figueiredo (Relações Exteriores) e Izabella Teixei-ra (Meio Ambiente), e o governo contou ainda com a ajuda de um estudo da re-

vista Science, amplamente divulgado em Varsóvia, que elogia o país “pela sig-nifi cativa redução do índice de desmata-mento na Amazônia na última década”.

ResultadosPara evitar o colapso total das ne-

gociações em torno da Plataforma de Durban, foi aprovado no último dia da COP-19 um “Plano de Ação” que esta-belece um cronograma de negociações até 2015. Para que o texto fi nal do pla-no fosse aprovado por consenso co-mo determinam as regras da conferên-cia, no entanto, dele foi retirada qual-quer menção a metas obrigatórias de redução das emissões de gases-estufa, o que, na prática, torna o documento apenas mais um exercício retórico pro-duzido no âmbito das negociações cli-máticas da ONU.

Na mudança mais emblemática, o ter-mo “compromisso” foi substituído pelo termo “contribuição” a cada vez que apa-recia no texto. Assim, embora em Varsó-via, como nas COPs anteriores, nenhum país tenha assumido qualquer meta obri-gatória, as negociações para 2015 per-manecem vivas, ainda que respirando por aparelhos.

O principal efeito paralisante nas ne-gociações multilaterais resta sendo o debate em torno do conceito de “res-ponsabilidades comuns, porém diferen-ciadas”, estabelecido na Convenção so-bre Mudanças Climáticas da ONU. Se-gundo este conceito, os países mais in-dustrializados, grandes responsáveis históricos pelas emissões de gases-estu-fa, devem responder com um maior es-forço no combate ao aquecimento glo-bal, enquanto os países mais pobres e em desenvolvimento teriam uma maior liberdade para continuar emitindo e po-derem se desenvolver.

Esta tese perdeu força desde que a China ultrapassou os Estados Unidos como maior emissor mundial de gases-estufa, e mais uma vez foram os gover-nos dos dois países os protagonistas da queda de braço que ainda ameaça os ob-jetivos traçados para 2015.

Alinhado aos países em desenvolvi-mento agrupados no G-77, o Brasil apre-sentou em Varsóvia uma proposta com o intuito de pôr fi m ao jogo de empur-

ra entre ricos e pobres no que diz respei-to a suas responsabilidades pelo aqueci-mento global: a criação de um mecanis-mo para que cada país possa quantifi -car com exatidão o quanto já emitiu in-dividualmente ao longo do tempo. Esse mecanismo de medição, segundo a pro-posta, seria elaborado pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mu-danças Climáticas da ONU (IPCC, na si-gla em inglês).

A estimativa serviria para calcular a meta de cada país de acordo com su-as responsabilidades, e o governo bra-sileiro sugeriu a adoção de uma meto-dologia próxima à utilizada pelos países para medir seu Produto Interno Bruto (PIB). Mas a proposta do Brasil foi re-chaçada pela maioria dos negociadores internacionais. Na linha de frente das críticas, ao lado de Canadá e Austrá-lia, o governo dos Estados Unidos ale-gou que o levantamento sugerido pelo Brasil implicaria ignorar a contribuição atual dos países em desenvolvimento para o aquecimento global.

REDD e Fundo do ClimaO único resultado concreto obtido na

COP-19 foi a fi nalização, após quatro anos de discussão, de um texto-compro-misso que estabelece as regras de execu-ção e fi nanciamento de projetos do cha-mado REDD - Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Flores-tas-, que prevê mecanismos para que os países que ainda tenham fl orestas sejam compensados fi nanceiramente pelo des-matamento evitado. Segundo a ONU, cerca de 20% das emissões globais de gases-estufa são provocadas pela der-rubada de árvores, e nos últimos doze anos foram destruídos em todo o mun-do 2,3 milhões de quilômetros quadra-

dos de fl oresta, área equivalente ao ter-ritório da Argentina.

A estratégia de criar mecanismos fi -nanceiros para garantir a preservaçãodo meio ambiente, no entanto, está lon-ge de ser consenso. A premissa de quea proteção do meio ambiente só ocor-rerá se for economicamente vantajosa,tem sido duramente criticada por par-te da sociedade civil organizada, cien-tistas e acadêmicos em todo o planeta. Em 2012, antes da Rio+20, a Repórter Brasil publicou uma cartilha com análi-se dos principais mecanismos e exem-plos de como eles têm sido aplicados na prática no Brasil.

Se o REDD avançou, por outro lado acriação efetiva do Fundo Verde do Cli-ma permanece travada. Idealizado em2009, durante a COP-15 de Copenha-gue, o fundo tem o objetivo de ajudar os países pobres e em desenvolvimento a implementar ações de prevenção, mi-tigação e adaptação às mudanças climá-ticas. Deveria começar a ser alimentado pelos países ricos já em 2013, segundo ocronograma imaginado pela ONU, comaportes de 100 bilhões de dólares porano até 2020.

Na realidade, no entanto, o Fundo do Clima ainda é uma peça de fi cção, já que até hoje nada foi regulamentado, assim como jamais foram defi nidos os meca-nismos para a aplicação dos recursos do fundo e a prestação de contas por parte dos países benefi ciados.

Um levantamento feito pelaorganiza-ção socioambientalista Oxfam e divul-gado em Varsóvia mostrou que em 2013 os recursos destinados pelos países mais desenvolvidos ao combate ou adaptação às mudanças climáticas alcançam so-mente 7,6 bilhões de dólares. Durante a COP-19, os novos anúncios de ajuda fi -nanceira concreta feitos pelos governos nacionais somaram apenas 8,3 bilhões de dólares. Segundo a Oxfam, pelo me-nos 24 países desenvolvidos ainda não confi rmaram aportes para o clima es-te ano. Para 2014, diz a ONG, a situação é ainda pior, uma vez que as nações res-ponsáveis por 81% do fundo ainda não divulgaram qualquer cifra.

Em uma nota de balanço da COP-19, oInstituto Vitae Civilis, organização queintegra o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Am-biente e o Desenvolvimento Sustentá-vel (FBOMS) e esteve presente em Var-sóvia, lamenta que a paralisia tenha si-do a tônica de mais uma conferência daONU sobre as mudanças climáticas:“Os países em desenvolvimento podemmanter sua versão de que as nações de-senvolvidas não querem colocar dinhei-ro na mesa. Pura verdade. Os países de-senvolvidos, por sua vez, poderão justi-fi car a seus cidadãos que a conferência não avançou por causa das nações emdesenvolvimento, que hesitam diante da perspectiva de assumir compromis-sos e metas obrigatórias de redução nas emissões”, diz a organização socioam-bientalista. (Repórter Brasil)

Brasil sofre pressão por desmatamento e Pré-Sal MEIO AMBIENTE Negociações fracassam na Conferência sobre Mudanças Climáticas e países evitam assumir compromissos

As descobertas no pré-sal e o papel da Petrobras como empresa emissora de gases-estufa em um futuro próximo foram objeto de alguns debates

Na mudança mais emblemática, o termo “compromisso” foi substituído pelo termo “contribuição”

Segundo a ONU, cerca de 20% das emissões globais de gases-estufa são provocadas pela derrubada de árvores

Nos últimos 12 anos foram destruídos em todo o mundo 2,3 milhões de km² de fl oresta

O único resultado obtido na COP-19 foi o estabelecimento das regras de execução e fi nanciamento de projetos REDD

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Page 16: Uma mídia tucana - brasildefato.com.br filenais e da telinha da TV. A mídia tucana faz de tudo, até o impensável, para proteger os seus apaniguados no governo paulista. O escândalo

internacional de 28 de novembro a 4 de dezembro de 201316 Fotos: US Army

Achille Lollode Roma (Itália)

DEPOIS DE DEZ anos de permanência no Afeganistão nas fi leiras do contin-gente ISAF, criado pelo Comando Geral da OTAN para garantir a “democracia” do governo de Hamid Karzai, os primei-ros 400 soldados italianos desembarca-ram no aeroporto de Ciampino. O go-verno italiano anunciou seu desempe-nho da guerra no Afeganistão, progra-mando a saída gradual de seu contin-gente que fi cará limitado a 1.800 solda-dos, dos quais 700 “conselheiros” mili-tares. Uma decisão tomada depois que os estrategistas da OTAN reconheceram que a guerra contra os “terroristas tale-ban” está, de fato, perdida.

Um cenário político pouco animador para os “conselheiros da OTAN”– Or-ganização do Tratado do Atlântico Nor-te –, tendo em mente que nestes dez anos de guerra o contingente de es-tadunidenses e o da OTAN conseguiu “libertar”apenas 50% do território na-cional e alguns grandes eixos rodovi-ários que, entretanto, durante a noi-te, tornam-se território de ninguém. O restante 50 % pode ser atribuído aos taleban (30%), aos senhores do ópio (10%) e aos grupos jihadistas Haqqani e Hezbi Islami (10%).

Por isso a Loya Jirga [Assembleia Na-cional Tradicional] que reúne 2,5 mil integrantes, na maioria chefes tribais, votou pela manutenção do corpo de ex-pedição estadunidense que fi cará con-centrado em sete grandes bases opera-tivas. Uma decisão que não contou com a simpatia do presidente Hamid Karzai, que continua cada vez mais desconfi a-do com as promessas de Barack Obama, depois que o Departamento de Esta-do dos EUA, em 2012, abriu, separada-mente, um canal de negociação com os taleban em Doha, capital do Qatar, on-de o emir havia oferecido um “escritório para conversações reservadas”.

Em junho deste ano, os emissários do Departamento de Estado foram, nova-mente a Doha, para se encontrar com Zabihullah Mujahid e tentar criar uma agenda de negociações ofi ciais entre os EUA e os taleban que ainda se consi-deram os legítimos governantes do Afe-ganistão. Infelizmente os negociado-res estadunidenses insistiram demasia-damente na ruptura dos taleban com a Al Qaeda, obtendo de Zabihullah Mu-jahid apenas uma resposta muito va-ga, segundo a qual “o Taleban apoia a solução política do confl ito no Afega-nistão e os esforços feitos para repristi-nar a paz.” Apenas isso. Nem uma pa-lavra sobre o futuro do governo chefi a-do por Hamid Karzai, sobre a Loya Jir-ga [Assembléia Nacional Tradicional] e sobre a relação institucional que o novo governo deverá manter com os “senho-res do ópio”.

De fato, ninguém sabe o que vai acon-tecer após 2014, isto é, quando o con-tingente da OTAN e grande parte do es-tadunidenses deixarão defi nitivamente o Afeganistão. Certo é que o presiden-te Hamid Karzai, terá a sua disposição um exército com 400 mil soldados, bem equipados e treinados por instruto-res originários dos exércitos da OTAN. Um exército que, potencialmente, deixa o governo de Cabul com uma boa mar-gem de segurança, mesmo se os proble-mas permanecerem nas províncias que a guerrilha dos taleban e dos senhores do ópio controlam.

“Senhores do ópio”Durante esse 12 longos e extenuantes

anos de guerra, que para muitos solda-dos estadunidenses foi um longo pesa-delo, os dirigentes civis e militares dos EUA sempre sublinharam que a manu-tenção do corpo de expedição no Afega-nistão, além de combater o terrorismo, pretendia, também, acabar com os “se-nhores do ópio”, e assim combater a ex-pansão do narcotráfi co no mundo.

De fato, era isso que devia aconte-cer, tendo em vista que o Afeganistão é o maior produtor mundial da papoula

(de onde os camponeses extraem o lá-tex do qual se obtém o ópio). Segundo o UNODC, – Escritório das Nações Uni-das contra Drogas e o Crimes – o blo-queio do cultivo da papoula no Afega-nistão implicaria a queda imediata dos negócios do narcotráfi co, visto que 90% do consumo de heroína na Europa e 82 % nos EUA dependem do látex de ópio produzido no Afeganistão.

Hoje, após 12 anos de investimentos em programas para convencer os cam-poneses a trocar o cultivo da papoula com outros produtos agrícolas, os re-sultados são mais que desanimadores. Aliás, mostram-se como um verdadeiro fracasso, visto que em 2005 havia 154 mil hectares plantados com a papou-la. Em 2007, a área de cultivo da plan-ta entorpecente aumentou para 193 mil hectares e, depois, em 2013, a mesma havia alcançado o recorde de 209 mil hectares, produzindo aproximadamen-te 6 mil toneladas de látex de ópio.

Um negócio que movimenta cerca de 1 bilhão de dólares por ano, tendo em conta que, em média, um quilo de lá-tex de ópio afegão é vendido entre um máximo de 150 dólares e um mínimo de 145 dólares. Um negócio que enriquece um punhado de clãs denominado “se-nhores do ópio” e também os grandes proprietários de terras férteis que alu-gam ou realizam parcerias com os cam-poneses, a quem impõem o cultivo da papoula, dando-lhes, para isso, uma miserável gratifi cação.

Hoje, em 19 das 34 províncias do Afe-ganistão, se registra um considerável

plantio da papoula, cujo cultivo é quan-titativamente massivo nas nove provín-cias do sul do país e, mais recentemen-te, também na província de Badaks-ghan, no norte do país. Não se trata decultivos feitos em áreas escondidas, vis-to que no Afeganistão a papoula é pra-ticamente cultivada diante de todo omundo. Por isso, não deveria ser difí-cil destruir essas plantações, sobretu-do se existe um fundo de 6 milhões dedólares que o governo dos Estados Uni-dos sancionou para fi nanciar a erradi-cação do plantio da papoula. Na rea-lidade nunca se conseguiu porque fal-tou a vontade política em acabar comos “senhores do ópio”. Por isso, os nar-cotrafi cantes conseguem convencer osproprietários de terras em investir cadavez mais no cultivo da papoula.

Bancos e consumo de drogasTodo o mundo sabe que o consumo

mundial de drogas pesadas (cocaína,heroínas, crack e drogas químicas) ge-ra, a cada ano, um volume de negóciosde quase 300 bilhões de dólares que osnarcotrafi cantes depositam, quase natotalidade, nos bancos dos paraísos fi s-cais. Tais bancos, chamados de offsho-re, por sua vez, reciclam os capitais daeconomia ilegal, sobretudo nas bolsasde valores efetuando inúmeras opera-ções especulativas. Isso signifi ca quesem a cumplicidade explícita dos ban-cos offshore, na maioria estaduniden-ses e britânicos, os narcotrafi cantes nãoteriam como sustentar suas estrutu-ras e investir no aumento da produção,tal como aconteceu nos últimos trintaanos. De fato, o aumento das planta-ções de papoula no Afeganistão depen-de, também, do aumento do consumo eda capacidade de oferecer esse produtoproibido em sociedades que dizem gas-tar milhões e milhões de dólares na re-pressão do narcotráfi co.

Em todas suas alocuções, os presi-dentes dos EUA e os primeiros-minis-tros dos países da União Europeia nun-ca questionam o papel dos bancos quereciclam os lucros dos narcotrafi can-tes. Nunca denunciam a atividade ne-fasta dos bancos dos paraísos fi scais,sem os quais o narcotráfi co não pode-ria sobreviver.

Infelizmente, os bancos europeus e osestadunidenses precisam “movimentare investir” os dólares da economia ilegaldo narcotráfi co. Por isso, no Afeganis-tão, o cultivo da papoula alcançou o re-corde de 209 mil hectares, alimentandotambém um numero enorme de vicia-dos em heroína nos bairros pobres deCabul e de outras cidades do país.

Achille Lollo é jornalista italiano, correspon-dente do Brasil de Fato na Itália e editor do

programa TV “Quadrante Informativo”.

Quem são os senhores do ópio? Quem são os senhores do ópio? ANÁLISE O aumento das plantações de papoula no Afeganistão resulta das conexões políticas e fi nanceiras do narcotráfi co na Europa e nos Estados Unidos

Hoje, após 12 anos de investimentos em programas para convencer os camponeses a trocar o cultivo da papoula com outros produtos agrícolas, os resultados são mais que desanimadores

Sem a cumplicidade explícita dos bancos offshore, na maioria estadunidenses e britânicos, os narcotrafi cantes não teriam como sustentar suas estruturas

Os presidentes dos EUA e os primeiros-ministros dos países da

União Européia, nunca questionam o papel dos bancos que reciclam os

lucros dos narcotrafi cantes

Agricultor afegão observa desembarque de soldados

Soldado estadunidense caminha por plantação de papoulas no Afeganistão