uma lição de vida - meir schneider

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  • 8/3/2019 Uma Lio de Vida - Meir Schneider

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    Meir Schneider

    Uma Lio de Vida

    CRCULO DO LIVRO

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    Agradecimentos

    Levei nove anos para escrever este livro. s vezes me parecia

    impossvel expressar em um volume todos os aspectos do processo deautocura: minhas prprias experincias enquanto aprendia a enxergar, ateoria e a filosofia fundamentais da autocura e as histrias de algumas

    pessoas. Eu nunca teria empreendido este projeto sem a direo e oapoio do meu mentor espiritual, Herbert Fitch.

    Comecei a escrever este livro assim que me mudei para os EstadosUnidos, vindo de Israel. Minha viso ainda era fraca e eu tinha

    dificuldade em ler e escrever em ingls. Cheguei concluso de queseria mais fcil ditar o livro para um gravador e pedir a outra pessoa quetranscrevesse a fita, mas at isso era difcil, pois o que eu precisavaexpressar era to pessoal e to profundamente sentido, que me pareciaassustador partilh-lo com o mundo. Recebi a maior ajuda de HannerlEbenhoech, uma senhora austraca maravilhosa, que fez s vezes de

    parteira do livro. Durante vrios meses realizamos sesses "de escrita",

    em que ela vinha minha casa, sentava-se ao meu lado e prestavaateno a tudo, medida que eu ia gravando. Falava pouco, mas suasexpresses e gestos transmitiam amor, compreenso e entusiasmo. Como seu amparo, minha histria fluiu com mais facilidade. Mesmo quandoHannerl no podia sentar-se ao meu lado, continuei a sentir seuestmulo. Assim que gravei todas as minhas impresses, Hannerltranscreveu as fitas, esforando-se para compreender o meu limitado

    ingls.Logo que o trabalho de datilografia ficou pronto, empreendemos umaviagem para edit-lo, com suas oitocentas laudas, mas ns doisgostvamos tanto de todo o trabalho que no fomos capazes demodific-lo. Entretanto, a resposta de outros amigos, pacientes eestudantes era totalmente desfavorvel.

    Pensei em desistir de tudo, quando Maureen Larkin, uma amiga

    ntima, que tambm minha paciente e uma de minhas melhores alunas,assumiu a responsabilidade de dar continuidade ao projeto. Maureen eMargery Anneberg, artista e minha paciente durante muito tempo,

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    consumiram dois anos para traduzir minhas idias num inglscompreensvel e dar-lhes uma seqncia lgica. Minha relutncia em

    permitir-lhes cortar boa parte do material tornou-lhes a tarefa

    particularmente difcil.No vero de 1984, Nancy Wilson Ross, em visita a So Francisco e apedido de um amigo, concordou em ler o manuscrito. Seu estmulo, apar de sua insistncia em condensar o livro, convenceu-me a reescrev-lo mais resumidamente. Assim enviamos caixas repletas de material fitas, manuscritos e literatura sobre autocura a Deke Castleman,editor de uma pequena, editora das redondezas, que desbastou o livro

    at deix-lo de um tamanho razovel, eliminando repeties eabreviando histrias, reduzindo-as ao essencial.A redao final foi feita em duas maratonas, de uma semana cada

    uma, por mim, Maureen, Margery e um monge zen chamado ArnoldKostler, que j trabalhara em editoras e cujas interrogaes incisivasajudaram imensamente o nosso processo editorial. Durante centenas dehoras, conseguimos recriar o esprito das fitas originais, enquanto

    polamos a forma e deixvamos ainda mais claro o contedo. Por fim,sentimos que o livro estava pronto, e, para nossa grande alegria, oseditores da Routledge & Kegan Paul tambm compartilhavam o nossosentimento.

    Eu gostaria de transmitir meus agradecimentos mais profundos aosamigos que tornaram este livro possvel, e a muitos outros, tonumerosos que no podem ser mencionados. Devo agradecimentosespeciais a Muriel Wanderer, que leu pacientemente as provas de vriasverses, oferecendo sugestes valiosas, e, sobretudo, a Eileen Campbell,minha editora da Routledge & Kegan Paul, que acreditou no livro.

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    Introduo

    Numa noite do ltimo vero, corri onze quilmetros na praia de SoFrancisco, da Cliff House a Daly City, ida e volta. O ar estava fresco,mas o sol que brilhara durante o dia havia aquecido a areia. Senti-melevado sem esforo pelos ps, sem nenhuma presso em parte alguma docorpo, com as batidas do corao ligeiramente acima do normal e arespirao suave e regular. Meus olhos saboreavam profundamente amagnfica viso do oceano, do cu noturno e dos morros quecircundavam a cidade. Ao chegar ao fim da praia, sentei-me. Aonde

    meus ps j no podiam carregar-me, meus olhos me levavam.Contemplei as ondas tmidas, que espumavam na praia, observei um

    borrifo delicado e cintilante cobrindo as formaes rochosas, queassumiam o aspecto de castelos, cavernas e pontes. Aspirei o ar mido erelaxei-me profundamente, pensando em minha famlia, em Israel e,sobretudo, em tudo por que passei para poder conhecer aquela intensaexperincia visual. Desde o princpio eu procurara o mar para exercitar

    os olhos, utilizando-me do sol, do ar fresco, das ondas e do meu prpriocorpo como instrumentos de cura. Na manh seguinte eu estariavoltando a Israel pela primeira vez desde que de l sara, nove anosatrs.

    Toda a minha famlia foi receber-me no aeroporto. Ela sempre medesestimulara de praticar os "inteis" exerccios dos olhos e do corpo,que finalmente me permitiram curar a cegueira, e me desestimulara de

    ensinar a outros os mtodos de autocura que eu descobrira, ainda queestivessem tendo notvel sucesso antes mesmo que eu terminasse aescola secundria. No obstante, foi uma alegria v-los todos, meus

    pais, minhas tias e tios e, especialmente, minha av, a nica almacarinhosa que me animara a fazer a tentativa desde o incio.

    Fui ver Miriam, minha primeira professora, a mulher que me guiaraos primeiros passos na autocura. Depois de procurar sua casa por muito

    tempo, bati porta e ouvi-lhe a voz: Quem est a? Meir respondi.

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    Quem o mandou aqui? indagou ela. Fiquei chocado; ela no selembrava de mim! Sou eu, Meir repeti.

    Est bem, mas quem o mandou aqui?Afinal, ela abriu a porta, e ainda assim no me reconheceu. Miriam, sou Meir, no se lembra de mim? Aquele que curou os olhosda cegueira.

    Quando, afinal, compreendeu, ela precisou agarrar-se maaneta daporta para no cair; depois, segurou-me a camisa e ps-se a sacudir-mee abraar-me, rindo histericamente. Puxou-me para dentro da casa e

    apresentou-me aos seus hspedes, ainda a rir-se: Este Meir, aquele de quem lhes falei. No posso acreditar!Verifiquei, ento, que algumas daquelas pessoas tinham estado

    ouvindo histrias a meu respeito havia vrios anos.Fiz conferncias para centenas de pessoas na Sociedade Vegetariana,

    a primeira organizao a apoiar e promover o meu trabalho. O prpriosecretrio do Parlamento de Israel foi ao seminrio que se seguiu sconferncias. Uma mulher parcialmente cega, que at ento nunca foracapaz de ler nada, ao fim do terceiro dia j lia algumas letras, e vrias

    pessoas que sofriam de graves problemas na espinha experimentaramalvio logo depois do primeiro dia. Minha velha amiga e colega, Vered,l estava, com Channi, antiga paciente nossa. Eram ambas vtimas da

    plio. Channi, que usava bengala para andar quando eu a vira pelaprimeira vez, contou-me que a bengala ficara encerrada no armrio nosltimos dez anos. Elas comearam a praticar exerccios que no faziamhavia muito tempo, e a criatividade de Vered desabrochou, comosempre. Ela seguiu minhas instrues desde o princpio e, a partir dali,criou uma dzia de novos exerccios prprios, encontrando foras dentrode si mesma para movimentar a perna fraca de maneira que nem ela

    poderia acreditar que conseguisse.Mostrei s pessoas a diferena entre movimento e exerccio. O

    movimento a essncia da vida, e cada movimento infunde vida nova

    ao corpo. A inteligncia inata do corpo revela-se atravs do movimentosutil um instrumento para criar toda melhoria que se deseja.Estimulei as pessoas a descobrir e criar exerccios que se adaptassem

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    aos prprios corpos, como Vered fizera. Diverti-me ao notar a diferenaque havia entre os meus alunos israelenses e os da Amrica. Osisraelenses faziam muito mais barulho, e cada qual, julgando-se um

    especialista, explicava aos outros, o que eu tencionara dizer, e a seguirberravam uns com os outros por no me deixarem falar. Eu era a nicapessoa sossegada do grupo, e todos me cumprimentaram pela minhacortesia, o que nunca aconteceu na Amrica.

    No ltimo dia do seminrio juntaram-se a ns Miriam, minha av eminha tia Nechama, que estava experimentando a minha tcnica pela

    primeira vez. Tia Nechama confessou-se espantada, pois, depois de

    fazer exerccios de olhos, conseguia ler sem os culos, e o orgulho davov no conhecia limites. Ela sempre me apoiara, e via agora o frutode seu cuidadoso zelo. Vov tivera problemas de corao e articulaesinchadas durante vrios anos, e apenas conseguia caminhar quandocheguei, no podendo subir escadas sem a ajuda de outra pessoa.Quando sa de Israel, estava caminhando sozinha sem dificuldade, econtou-me:

    Meir, a melhor coisa que voc poderia ter feito por mim foi curar-se,pois agora tudo o que trouxe para si est dando a mim.

    Escrevi este livro com a esperana de que muitos, muitos outrostambm se beneficiem destes simples descobrimentos: que o corponecessita de movimento e ateno, que nenhuma doena incurvel eque nunca se deve abandonar a esperana.

    Parte ICrescendo cego

    Captulo 1Savta

    Foi Savta, me de minha me, quem primeiro percebeu que eu estava

    cego. Isso aconteceu em Levov, nas cercanias de Kiev, na Rssia, logodepois que nasci. Ela me observou atentamente durante vrios dias e,quando teve certeza de que eu tinha algum problema nos olhos, pediu a

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    Deus que lhe desse fora e sabedoria para aceitar essa nova tragdia outro descendente deficiente.

    Meu pai e minha me so surdos. Minha me, Ida, perdeu a audio

    aos trs anos de idade, depois de uma molstia no diagnosticada. Meupai, Avraham, caiu do colo da empregada da famlia quando tinha umano e seu crebro foi afetado, causando-lhe a surdez. Conheceram-senuma escola de dana em Levov, apaixonaram-se e se casaram. A mede meu pai tinha tanto medo de que eles tivessem filhos deficientes quedormia no quarto do casal a fim de impedi-los de consumar a unio.Mas como impossvel impedir a consumao de uma unio, mame

    ficou grvida de minha irm, Bella.Bella era completamente sadia. Esse fator infundiu confiana emmeus pais, que tiveram outro filho cinco anos depois. Nasci vesgo, comglaucoma (excesso de presso nos olhos), astigmatismo (curva irregularda crnea), nistagmo (movimento involuntrio dos olhos) e catarata(opacidade do cristalino). Em suma, eu era cego. Meu pai estava muitoocupado inaugurando seu estdio de fotografia, e minha me, surda,

    sentia-se incapaz de dispensar os cuidados especiais de quenecessitavam um nenezinho cego e uma filha ativa de cinco anos. Issofez com que os pais dela se mudassem para Levov, a fim de tomar contade Bella e de mim.

    Meu av fora preso em 1943 pelo governo comunista, onze anosantes do meu nascimento, acusado de prticas comerciais capitalistas nadireo de uma loja de departamentos. Foi condenado a passar oito anosna Sibria, e o governo confiscou-lhe a casa, uma casa grande, paraonde se mudaram sete famlias. Depois de passar apenas seis meses naSibria, soltaram-no quando todos os russos nascidos na Polnia, que seencontravam no acampamento, foram recrutados para servir naResistncia polonesa. Quando, porm, o general polons ficou sabendoque meu av era judeu, expulsou-o do grupo. Apesar de ser libertado

    por essa curiosa circunstncia, seis meses de maus-tratos e trabalhospesados lhe haviam alquebrado o nimo, e ele voltou para a famlia

    como um homem amargo.Minha av foi incumbida de tomar conta de mim. As primeiras

    lembranas que tenho da vida so todas dela. Quando completei seis

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    meses de idade, ela me levou numa viagem de trem a Odessa, no marNegro, a quase mil e quinhentos quilmetros de distncia, a fim deconsultar uma renomada oftalmologista. A mdica examinou-me e disse

    que eu precisaria de uma cirurgia logo que os cristalinos estivessemsuficientemente rijos. Savta 1 me contou depois que eu adorei o trem edetestei a mdica. Esta me examinou diante de um grupo deoftalmologistas residentes e, segurando-me nas mos, sorriu para Savtae disse:

    um nenezinho to bonitinho! Uma cabea to grande, um gniocomo Aristteles. Em seguida, voltando-se para os mdicos sua

    volta, acrescentou: Vamos oper-lo.Um dos residentes resmungou: Espero que me deixem fora disso.

    Aps a reunio, Savta procurou-o e perguntou-lhe o que ele quiseradizer com aquilo.- Nessa idade, o crnio muito mole respondeu o mdico , e acirurgia, sem dvida, seria um grande risco para o beb.- Estamos planejando ir para Israel daqui a alguns anos contou ela.

    Poderamos esperar todo esse tempo?

    1 Savta, palavra hebraica, significa "av". (N. do A.)

    Sim afirmou ele. Na verdade, creio que seria muito melhordeixar que isso fosse feito por um mdico judeu.

    Compreendendo a implicao de que o neto poderia dar-se mal com

    a operao, Savta arrumou a trouxa e tomou imediatamente o morosotrem que percorreria os mil e quinhentos quilmetros de volta a Levov.

    Nos trs anos seguintes, tomei conscincia da minha cegueira. Ummundo incmodo, tenebroso sempre escuro. Muitos sons sbitos einesperados. Raras vezes eu sabia onde estava. O mundo vivia cheio desuperfcies duras e arestas agudas, e somente Savta era meiga e terna

    comigo.Somente ela conseguia me acalmar e me confortar. O mundo pareciaum pouco mais brilhante quando eu a tinha por perto, e eu me agarrava

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    a ela, prestava ateno ao que ela dizia e seguia-a a toda parte. Quandoela ia s compras ou biblioteca, ainda que me assegurasse que estariade volta em pouco tempo, eu ficava berrando at que ela voltasse. Est

    claro que minha me no podia me ouvir e, mesmo que me visse empleno acesso de fria, no podia me deter. S quando Savta voltava e eupodia lhe ouvir a voz carinhosa e meiga e lhe sentir o abrao quente,conseguia acalmar-me.

    Quando fiz quatro anos, minha famlia comeou a se preparar paraemigrar para Israel. Embora vivssemos confortavelmente em Levov,

    meu pai estava sempre em perigo, visto que sua loja vendia fotografiasilegais de cones religiosos, e meu av tinha uma conscincia atexagerada dos riscos representados pelas autoridades. Judia, minhafamlia achava que seria muito melhor viver num pas governado porsua prpria gente.

    Naquele tempo, era proibido emigrar diretamente da Rssia para oOcidente, de modo que, inicialmente, tivemos de cruzar a fronteira e

    entrar na Polnia. Conseguimos faz-lo, graas ao documento que meuav recebera ao ser libertado da Sibria, que rezava que ele nascera naPolnia (e tambm, segundo me disseram, graas a um guarda corruptoda fronteira). Tivemos de permanecer ali durante seis meses, at nos

    permitirem sair.Na Polnia sofri minha primeira cirurgia dos olhos para a remoo

    da catarata. Foi excruciante, e eu no compreendia o que estavaacontecendo. Todas as noites, Savta se deitava ao meu lado,massageando-me o pescoo e o rosto. Lembro-me de ter acordado porum momento durante a cirurgia e visto o rosto de um mdico amscara cirrgica e os olhos. No sei se eu estava sonhando ou serealmente o vi, mas, fosse o que fosse, era a primeira indicao de que

    poderia realmente enxergar, e aquela imagem e a esperana que ela meinstilou nunca me deixaram.

    Aps a operao, meus olhos foram inteiramente cobertos por

    bandagens. Depois que retiraram as ataduras, pude distinguir a luz,sombras e at umas formas um tanto vagas. As pessoas presumemgeralmente que a cegueira a submerso no escuro total, mas, depois

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    de conhecer a cegueira total com as faixas que me recobriam os olhos,compreendi que a cegueira relativa, e que eu tinha alguma viso.

    Recuperei-me da cirurgia em casa, e, aps passar seis meses na

    Polnia, meus avs, meus pais, dois tios, Bella e eu pegamos nossospassaportes poloneses e partimos para a Itlia, onde embarcamos nonavio Shalompara Israel.

    Lembro-me do ar revigorante do mar e dos borrifos salgados, dosgrandes motores a diesel, que eu no somente ouvia, mas tambm sentiaatravs do tombadilho, e dos balanos do navio que quase no medeixavam manter-me de p. E lembro-me da luz a brilhante luz

    prateada da Lua, que discernia escassamente, refletida no Mediterrneo.Eu me quedava encostado ao parapeito e fitava a luz refletida na gua por longo tempo. De uma feita, num desses devaneios, minha avcolocou-me um pedao de queijo cheddar na mo, e me recordo dehav-lo segurado bem prximo do rosto e visto, na realidade, meus trsdedos segurando-o, e uma cor maravilhosa que nunca vira antes.

    Isto queijo amarelo, meu querido Meir.Ela deve ter notado meus olhos tentando focalizar o queijo.

    Queijo amarelo! Queijo amarelo! gritei muitas e muitas vezes, para quem quisesse ouvir, enquanto andava aos tropees pelotombadilho.

    Desembarcamos em Haifa e instalamo-nos em Morasha, subrbio deTel Aviv. Meus avs e meus tios ficaram num pequeno apartamento eminha famlia ficou em outro, no mesmo prdio. Meu pai e meu avmeteram mos obra a fim de recomear o negcio de fotografias emTel Aviv.

    Nos dois anos seguintes, fui submetido a mais quatro cirurgias decatarata. A catarata consiste numa progressiva opacidade do cristalino.

    Na cirurgia bem-sucedida da catarata, remove-se o cristalino para permitir luz chegar retina. No meu caso, no s os cristalinosobscurecidos no tinham sido completamente removidos, mas tambm otecido cicatricial criado pelas operaes constitua um obstculo aindamaior para a passagem da luz. Minha viso no mostrava nenhum sinalde progresso.

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    As cirurgias eram terrivelmente dolorosas e emocionalmentetraumticas. Eu ouvia crianas chorando, portas batendo e estranhosfalando com aspereza. Tinha sede e abominava os odores do hospital.

    Vivia quase sempre amedrontado. Savta, meu nico consolo, mesegurava, acarinhava e massageava. Estvamos num hospital perto deJafa, no Mediterrneo, e ela me instigava constantemente a sentir a brisarevigorante do mar e a cheirar o ar salgado. Na nica noite que tive de

    passar sem ela, chorei o tempo todo.Aps cinco operaes, meus cristalinos estavam quase totalmente

    destrudos. Sem culos, eu s via luz e sombra embaadas e, com o

    auxlio de lentes bem grossas, distinguia formas vagas. O dr. Stein,oftalmologista mundialmente famoso, que realizou a ltima operao,declarou o meu estado irreversvel, e recebi uma certido do Estado deIsrael que me proclamava legalmente cego. Eu tinha seis anos.

    Em casa, colrico e rebelde, eu jogava os culos no cho eespezinhava-os. O modo com que eles concentravam a luz nos meus

    olhos era doloroso e, se bem que as lentes fossem to grossas que no sepodiam quebrar, eu conseguia arrebentar as armaes. Sentia uma dorpersistente nos olhos e tinha a desoladora impresso de estar encafuadonuma priso escura de sombras e contornos.

    Ao mesmo tempo, tinha conscincia de uma parte de mim, queaceitava tudo pacificamente. At nos meus momentos mais histricos,sabia que as coisas no eram to ms quanto pareciam. Eu estava

    sempre usando as mos para "ver" texturas e formas. Gostava de sentiros contornos da famlia rostos, mos, braos, barrigas, pernas e ps.Embora meus sentidos do olfato, do paladar e da audio fosseminusitadamente agudos, foi atravs do tato que realmente explorei omundo e vim a conhec-lo.

    Como o meu mundo no era visual, a comunicao com meus paissurdos tornava-se difcil. No aprendi a linguagem dos sinais e nuncacompreendi a importncia de dirigir meus lbios para os olhos delesquando falava. Meu pai me agarrava a cabea, s vezes contra a minhavontade, e levantava meu rosto para cima a fim de ler meus lbios. Suavoz parecia uma torneira malfechada que deixava cair gotas de gua

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    numa lata de caf: Bup bop blip blu blu blob... Mas desenvolvi umouvido para compreend-lo, e sabia quando ele me ordenava:

    Pare de bater nessa maldita lmpada.

    Est visto que ocorriam muitos desastres. Quando eu saa com meu pai, freqentemente me perdia. Eu deixava-me ficar no lugar ecomeava a lamuriar, mas ele no me ouvia. Era preciso um bomsamaritano que adivinhasse o problema e nos reunisse.

    Eu sempre procurava ser igual aos outros nunca aceitei ser"deficiente". Ao atravessar a rua, enxergava o suficiente para saber

    quando as formas vagas das pessoas comeavam a mover-se. S noescuro conseguia distinguir a duras penas um ponto vermelho ou verdedos semforos. De vez em quando, mergulhava minha frente e osmotoristas eram obrigados a cantar os pneus minha volta. Fuiatropelado muitas vezes, embora sem graves conseqncias, e issogerava um tremendo rebulio. Mas nunca usei bengala branca nemcachorro.

    Eu ia ao cinema e, embora meus olhos no me contassem muitacoisa, seguia o enredo pelo ouvido. E nunca tive medo de fazerperguntas. Cheguei at a andar de bicicleta, se bem que muitas vezesabalroasse muros, rvores e pessoas. Certa vez, minha bicicleta desceuuma longa srie de escadas e acabei machucando seriamente o cccix.Eu jogava futebol. Embora no pudesse acompanhar todas as peripciasdo jogo, de vez em quando acertava um chute na bola, e era um bom

    pugilista. Eu gostava de correr, mas caa e batia a cabea em algumlugar quase todos os dias. At hoje dizem que tenho a cabea dura.Os garotos da vizinhana geralmente me excluam das brincadeiras.

    Quando eu tentava me juntar a eles, costumavam pregar-me peas. Numminuto estavam ali, mas, no instante seguinte, haviam desaparecido.

    No viam nada de errado em judiar de mim; isso lhes pareciaperfeitamente natural. Eu precisava gritar e lutar para tomar parte emqualquer brincadeira e tinha de competir com muito afinco quando medeixavam participar dela.

    Por fim, cheguei idade escolar. Vivamos nos subrbios, e as

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    autoridades forneciam transporte para todas as crianas deficientes queprecisavam freqentar escolas na cidade. Em minha perua havia outromenino cego e diversos garotos com plio. Todas as manhs e todas as

    tardes o grupo de crianas cegas e aleijadas entrava em Tel Aviv e de lsaa.A cidade fascinou-me. Era grande, movimentada e barulhenta. Passei

    a me gabar diante dos garotos da minha vizinhana referindo-me grande escola em que eu estudava na cidade. Falava-lhes dos diversos

    jogos que disputvamos em Tel Aviv, e sempre que perdia um, dizia: Em Tel Aviv as regras so diferentes.

    No primeiro ano, comecei a estudar braile. Os garotos cegos tinhamuma hora de leitura e escrita em braile no fim de cada dia. Foi-me difcilsentar-me num lugar e concentrar-me nas impresses em relevo do

    papel. Os arranjos diferentes dos pontos no tinham sentido para mim.Mulher muito impaciente, minha primeira professora de braile gritavacomigo e me castigava sempre que eu cometia um erro, o quedificultava o aprendizado.

    Na aula de braile, quando eu queria olhar para os meus dedospassando pelo texto, ela logo berrava:

    Voc no pode enxergar nada, por isso pare de olhar.A ordem para abster-me de fitar os olhos nos meus dedos e dirigi-los

    diretamente frente, a fim de concentrar-me apenas no que os dedossentiam, era muito irritante. Significava agir como se eu no tivessenenhuma viso. Desencorajando-nos de usar a pouca viso quetnhamos, a professora diminua as probabilidades de nos tornarmos"normais" algum dia e, inadvertidamente, ajudava a diminuir o nossoamor-prprio.

    Outro dilema colocava os meninos deficientes em situaodesvantajosa. De um lado, por ser cego, no se esperava que eu fizessegrande coisa. Sabia-se que a leitura e o estudo de braile eram lentos elaboriosos. Entretanto, por isso mesmo, guisa de compensao,esperava-se tambm que eu trabalhasse duas vezes mais do que os

    garotos "normais". O que, naturalmente, era muito frustrante. Apesardos pesares, quanto mais eu permanecia ao lado dos garotos "normais",mais compreendia que poderia fazer tudo o que eles faziam, e estava

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    determinado a faz-lo. Ao chegar ao quarto ano, j lia braile bemdepressa.

    Quando eu tinha dez anos, mudamo-nos para Tel Aviv, e precisei

    aprender a virar-me sozinho num bairro totalmente novo. Continuei namesma escola, por ser a que ensinava braile e, assim, no cheguei aconhecer os garotos do meu bairro. Sentindo-me solitrio, refugiei-meentre os livros. E comecei a ler vorazmente.

    Em Israel, o ingresso numa escola secundria envolve intensacompetio. Meus professores nunca acreditaram que um menino cego

    pudesse entrar num bom curso secundrio, mas minha av estavadecidida a ajudar-me. Animou-me a me superar, orientou-me da melhormaneira que pde com o seu hebraico imperfeito e certificou-se de queeu acreditava em mim mesmo. Preparei-me intensivamente para oginsio, sabendo que este seria um ponto decisivo da minha vida. Com aajuda de minha av, que no se cansava de falar por mim com osdiretores das escolas mais importantes, fui aceito na escola mais

    prestigiada de Tel Aviv.A despeito de todos os meus temores e dvidas, eu estava exultante.Ia cursar uma escola secundria. As possibilidades pareciam ilimitadas.Era a excitao do desconhecido. Eu fora estimulado, e at empurrado

    para o sucesso por minha av e umas poucas pessoas que acreditavamem mim. Mas topei imediatamente com as mesmas opinies obtusas arespeito dos deficientes que j havia ouvido. Proibiram-me de participarde excurses pelos campos e fui excludo do treinamento pr-militar,compulsrio para todos os outros meninos.

    Em Israel, o treinamento militar parte fundamental da vida dos jovens. Ser excludo dele equivalia a uma porretada. Apelei para oassistente do diretor, dizendo-lhe que eu era perfeitamente capaz defazer tudo o que fosse exigido dos outros. A discusso durou vriashoras cheguei a dar um murro na mesa , e ele, finalmente, me

    permitiu participar do treinamento e das excurses pelo campo. No medeixariam atirar com espingarda, mas eu corria to depressa quantooutro qualquer. Quando os garotos tiveram de saltar de uma altura detrs metros sobre um colcho, ningum imaginou que eu pudesse faz-

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    lo, mas me introduzi furtivamente entre eles e acabei pulando dequalquer maneira. Mostrei-me capaz de participar de todas as fases dotreinamento, exceto a prtica do tiro com fuzil. Nisso, o instrutor era

    inflexvel. Mais uma vez enfrentei a enervante contradio. Por acharque eu no pertencia quela classe, o instrutor me obrigava a fazer maisdo que qualquer outro para justificar minha presena ali. Embora osoutros pudessem, s vezes, esquecer o uniforme, eu tinha sempre deestar impecavelmente vestido. Eu no gostava que me pedissem parafazer mais nem menos do que qualquer outra pessoa.

    Eu j no tinha aulas de braile a escola se destinava a crianas

    normais. Muitos dos compndios exigidos no existiam em braile e,conquanto alguns professores tentassem ajudar-me pedindo a outrosgarotos que lessem para mim, geralmente eu precisava escrever

    biblioteca em braile e solicitar que datilografassem os livros em brailepara mim. Isso, acrescido de muitas longas e rduas horas de estudos,exigia que eu me adaptasse a circunstncias completamente novas. Tivede fazer melhor uso de minha inteligncia e de maneiras diferentes.Tinha de apreender idias e fatos muito depressa, pois no podiasimplesmente ler o que anotara sobre eles mais tarde, como os outrosgarotos. Como eu necessitasse de ajuda extra em matrias comomatemtica e leitura, precisava ser muito forte em outras matrias para

    poder ensin-las a outros meninos em troca das que eles me ensinavam.No me bastava passar, eu tinha de exceder.

    Dei-me bem na maioria das aulas, mas estava fracassando nas deTalmude, a lei judaica, porque o professor se interessava mais porfutebol e pelas meninas da classe do que por dar uma aula coerente. Eudependia das aulas dadas na classe, pois no podia contar com omaterial escrito. Meu tio Moshe, conhecido erudito bblico, queinterpretava o Antigo Testamento de um ponto de vista marxista,ofereceu-se para ensinar-me essa matria. Ele acreditava que tudo aquiloque valesse a pena ser feito valia a pena ser feito com perfeio. Eu mesentava e lia uma pgina para ele utilizando duas grossssimas lentes de

    aumento, uma em cima da outra, e se eu cometesse um erro, por menorque fosse, ele se inclinava para mim e me dizia, custico:

    Bem fraquinho na matria, no mesmo?

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    Era-lhe difcil ficar pacientemente sentado, enquanto eu lia devagar,e isso me fez trabalhar com mais afinco ainda para conquistar-lhe aaprovao.

    Nesse ano tambm descobri as garotas, mas, no meu primeiro baileda escola, nenhuma delas quis danar comigo. Considerando-se minhasgrandes expectativas de sucesso na escola secundria, este foi umterrvel desapontamento.

    No vero que se seguiu ao meu primeiro ano de ginsio, por sugestoda minha oftalmologista, fui examinado pela optometrista-chefe do

    Hospital Hadassah de Jerusalm. Ela possua um numeroso e sofisticadoequipamento para examinar os olhos. Depois de estudar-mecuidadosamente, receitou dois tipos de lentes de aumento que, pela

    primeira vez, me permitiriam enxergar as letras. Uma lente era ummonculo de potncia telescpica com a qual eu podia ler palavras noquadro-negro, uma letra ou duas por vez. A outra, uma lentemicroscpica cilndrica, presa armao dos culos, me permitia ler

    palavras impressas, e tambm uma ou duas por vez. Para ler, eu tinha decolocar o livro bem defronte do nariz.Aquilo me assustou. Era evidente que eu queria enxergar, mas j

    sabia me virar como pessoa cega e me amedrontava pensar em mudartudo. Se bem que fosse muito difcil, eu sabia ser cego e me achava, porassim dizer, " vontade" nessa situao.

    Vi-me obrigado a enfrentar a crena que os professores de braile eoutros me haviam incutido a saber, que eu no poderia fazer uso dosolhos e, portanto, no devia tentar utiliz-los. Aos dezesseis anos, eu meaferrara de tal modo s minhas maneiras de ser, que me era difcil e umtanto ou quanto atemorizante dar o passo seguinte. Durante o vero,tentei ajustar-me s lentes para perto lendo um pequeno romance. Leveiquarenta e cinco horas para ler cinqenta pginas, mas, em que pese ogrande esforo e a presso nos olhos e no pescoo, fiquei contentssimo.Quando eu comeara a estudar braile, o processo fora igualmentedemorado, de sorte que aguardei, paciente, os novos progressos.

    s vezes, me pergunto como consegui ler ou escrever eu acabara

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    de descobrir como era uma letra. No segundo ano da escola secundriali tudo o que me foi solicitado, escrevi todas as lies que me foramexigidas e at passei nas provas escritas. Tive dores de cabea

    torturantes todos os dias, e, no raro, deitava sangue pelo nariz porcausa do esforo. Era to difcil para mim escrever que eu transpiravaprofusamente durante as provas. Um professor devolveu-me uma folhade papel manchada de sangue, dizendo:

    Voc realmente ps sangue, suor e lgrimas nisto aqui.Meu professor de matemtica me tratava como a um invlido e

    esperava que eu ficasse quieto e me portasse discretamente. Oferecia-me

    mais ajuda do que eu precisava. Chegou a pedir a outro aluno quetomasse notas por mim durante as aulas. Eu lhe disse que, depois depassar nove anos sendo ajudado na leitura e na escrita, eu desejava fazero trabalho sozinho, por mais difcil que fosse.

    Alguns colegas de classe comearam a me tratar como a um igual,mas muitos continuaram a mortificar-me. Certa vez, precisando de ajuda

    para terminar uma longa lio de geografia, apelei para outro aluno. Ele

    replicou: Voc tem o livro, leia-o.A princpio, magoei-me com a resposta, mas, passado algum tempo,

    compreendi o valor da lio: eu precisava ser independente.Um belo dia, o Departamento de Registro do Exrcito chamou-me.

    Meu pai, cuja surdez o dispensara do exrcito, disse que me bastariamostrar-lhes o meu certificado de cegueira para no precisar sujeitar-meaos testes. Fiquei irritado com isso, pois, como eu j disse, servir oexrcito uma parte importante da vida em Israel, e tudo o que queriaera ser aceito. Quando fui ao centro de alistamento fazer os examesfsicos, o oftalmologista ficou assombrado quando notou que eu noconseguia ler sequer a primeira letra do mapa de Snellen com aslentes grossas adaptadas armao dos culos! Fui declarado inepto

    para servir o exrcito.Mais ou menos nessa ocasio, a minha oftalmologista testou meu

    progresso com a lente de aumento. Ela sabia que eu tinha trabalhadocom afinco e cumprimentou-me, mas, depois de examinar meu forteolho direito, anunciou:

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    Uma espcie qualquer de catarata est reaparecendo. Ainda noquero oper-la, mas vamos observ-la com muito cuidado para ver oque pode acontecer.

    Perguntei-lhe: A senhora acha que meus olhos podem ter alguma melhora? Umacirurgia no os deixaria em melhores condies?Ela respondeu:

    No, receio que no.

    Voltei para casa muito deprimido. Mesmo que eu me arriscasse a

    submeter-me a outra interveno cirrgica, no havia nenhumapossibilidade real, de acordo com a mdica, de que a cirurgia pudessemelhorar a viso.

    E, todavia, bem no fundo de minha alma, eu tinha um sentimentodiferente. J era capaz de ver as letras com uma lente de aumento esabia que acabaria aprendendo a ler muito mais depressa. Sabia que amdica estava enganada. Ignorava quais seriam os possveis progressos,

    mas estava convencido de que acharia a soluo.

    Captulo 2Isaac

    Savta estava passando por um perodo difcil. Ajudava meu av nalojinha onde vendiam as fotografias de meu pai, num beco estreito perto

    do Mercado do Carmelo, em Tel Aviv, uma travessa barulhenta ondefuncionavam alguns restaurantes sujos mau ponto para um negciodessa natureza. A falta de movimento desanimou tanto meu pai, que eleacabou perdendo o interesse pelo negcio de fotografias.

    A fuga de minha av se fazia atravs dos livros. Conquanto seuhebraico ainda fosse rudimentar, tivera uma boa educao e liaromances russos sem parar. Seu outro deleite era o neto. No me

    possvel descrever o amor que ela me devotava. Eu ansiava a semanainteira pelas noites de sexta-feira, quando a visitava, pelo sab quecomemorvamos juntos, pela comida que ela me dava. As fatias de po

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    que cortava para mim e besuntava de manteiga eram to saborosas queeu tinha a impresso de ser aquela a comida mais deliciosa que algum

    j experimentara. Ela me abraava, segurava-me o brao, perguntava

    como iam as coisas, como estava me saindo na escola, o que ela poderiafazer por mim. Uma vez que eu no lhe distinguisse os traos, sabiahaver um brilho de ternura em torno dela. Era o deleite mais requintadoser amado em cada olhar, cada gesto, cada pensamento.

    Todas as semanas, Savta me mandava a uma pequena bibliotecacirculante para trocar os livros. Miriam, a senhora idosa, dona da

    biblioteca, tinha sempre uma pilha de livros minha espera. Ela

    percebeu o amor que havia entre mim e Savta. Fazia-me sentar-mesempre em sua cadeira e conversava comigo enquanto trabalhava. Euouvia o sorriso em sua voz quando ela me dizia com seu forte sotaquerusso:

    Sei que voc deve ser um bom aluno. Aposto que realmenteinteligente.

    Ela apreciava o fato de que a cegueira no constitua empecilho para

    mim, e gostava principalmente de ver um menino cego ir biblioteca procura de livros. Eu me sentia como um estafeta transportando amorentre Miriam e Savta, e isso era uma grande alegria para mim.

    Miriam se interessava por sade e, particularmente, por massagem emovimento. Ajudara recentemente um menino mais ou menos da minhaidade, chamado Isaac, a superar uma grave miopia dando-lhe um livrode exerccios oculares. Contou minha av que Isaac estava lendomuito mais depressa e que talvez me fosse proveitoso conhec-lo.

    Quando minha av me disse isso, no fiquei muito excitado. Eu sabiaque ningum poderia ajudar-me a ler mais depressa, sobretudo com alente de aumento. Um dia, porm, Isaac me telefonou e nscombinamos encontrar-nos na biblioteca.

    Miriam nos apresentou um ao outro. Isaac causou-me a impresso deser um jovem confiante e inteligente, embora, na realidade, tivesseapenas dezesseis anos. Pediu-me imediatamente que tirasse os culos de

    lentes grossas e escuras, e olhou para os meus olhos. Depois de afirmarcategoricamente que minha vista poderia ser curada, perguntou-me comquem eu me tratava. Quando eu lhe disse, limitou-se a declarar:

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    Ela no pode ajud-lo. muito boazinha, muito bem-intencionada etem muita experincia; mas no sabe nada sobre como curar problemade olhos.

    Fiquei chocado. Meu primeiro impulso foi sair correndo. Eurespeitava totalmente a medicina moderna e nunca, at ento, pusera emdvida os conhecimentos ou a autoridade de nenhum mdico. Agoraaquele garoto, mais jovem do que eu, tinha o topete de me dizer quemeus olhos podiam ser curados e que a minha mdica no sabia nada arespeito de curar problemas da vista! Mas proporo que o ouvia falar,fui me convencendo de que ele estava com a razo.

    Senti instintivamente que Isaac era algum que talvez pudesse ajudar-me. E ele logo se ps a descrever todos os distrbios dos meus olhos: Os msculos dos olhos so muito frgeis, o que explica o estrabismo,certo? Os olhos parecem astigmticos, certo? E voc j foi operado decatarata mais de uma vez, o que o deixou com um tecido cicatricial euma membrana flutuante, certo? Certo!

    Mas isso incrvel! exclamei.E ele disse:

    Posso mostrar-lhe alguns exerccios que melhoraro seus olhos.Uma semana depois nos encontramos em Tel Aviv e fomos at a loja

    de meu av a fim de pedir-lhe dinheiro para o nibus. Isaac estudou-oatentamente e, depois que tomamos o nibus, falou-me, com mincias,sobre os problemas cardacos, o diabetes e a tendncia para a ictercia demeu av. Fiquei abismado com sua capacidade de conhecer tantascoisas apenas com um olhar. Mais tarde descobri que algumas pessoastm essa faculdade olhar para uma pessoa uma nica vez e nosomente localizar-lhe o problema, mas tambm ter a receita para ajud-la. Tempos depois descobri que eu tambm possuo uma capacidadesemelhante, mas, naquele tempo, a nica coisa que eu poderia fazer eraaceitar a noo de que isso podia ser feito.

    Perguntei a Isaac se ele era algum tipo de curandeiro. Eu j lera arespeito de curandeiros que pareciam ter um toque mgico ou algum

    modo incrvel de curar pessoas. No, no sou! respondeu ele com brusquido , s ajudo aspessoas a se curarem.

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    Isaac traou um diagrama dos msculos dos olhos e assinalou osfracos ou os que no funcionavam. Olhei para o diagrama a uma luzmuito forte, mas consegui enxergar apenas o contraste entre o papel

    branco e a mesa escura de madeira. Fiz meno de pegar minha lente deaumento, mas ele me deteve. Pare de depender tanto dos culos atalhou ele. Jogue-os fora! Garanto que, daqui a um ano, voc estar lendo semculos!

    O primeiro exerccio que ele me mostrou, chamado "palming", eraum mtodo para relaxar os msculos e nervos dos olhos. Sentei-me a

    uma mesa com os cotovelos confortavelmente fincados numa almofadafirme e cobri os olhos fechados com a palma das mos, a fim de impedirque a luz chegasse a eles. Isaac me disse, em seguida, que imaginassealguma coisa em movimento. Acrescentou que gostava de sentar-senuma sala de aula, colocar a palma das mos sobre os olhos e visualizaralgum cavando um buraco. Achei difcil visualizar algo que eu nuncavira. Ele tambm me instruiu a visualizar a escurido total, e foi-meigualmente difcil faz-lo.

    Isaac aprendera tudo isso nos livros dados por Miriam, que relatavamo trabalho pioneiro do dr. William Bates. O dr. Bates, um oftalmologistaamericano, trabalhara na virada do sculo e descobrira, atravs de

    pesquisas extensas e altamente originais, que a mente desempenha umpapel importante na viso. Segundo Bates, a estafa fsica ou mental acausa principal dos problemas dos olhos. Quando os olhos se relaxam,as clulas certas so usadas e a viso no se altera. A chave dosensinamentos do dr. Bates o uso correto dos olhos, isto , seu empregoexatamente como eles trabalham quando relaxados. Por conseguinte, ooftalmologista americano desenvolveu e ensinou um sistema deexerccios para os olhos, destinados a promover-lhes o perfeitofuncionamento.

    A oftalmologia, depois disso, desprezou os descobrimentos do dr.Bates e seus exerccios. Creio que a principal razo do desprezo foi o

    tempo, a disciplina e a pacincia que demanda a prtica dos exerccios,e nem todo mundo est disposto a empreg-los para melhorar a viso.Mas eu daria qualquer coisa do mundo para poder ver. Eu estava pronto

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    para fazer o que quer que Isaac me ordenasse.Sentindo-me jubiloso depois da minha sesso com Isaac, corri para o

    nibus e fui direto para casa a fim de contar minha famlia tudo o que

    acontecera. Todos se mostraram polidos, mas completamente incapazesde compreender ou incentivar-me. Eu me sentia como se estivessecomeando vida nova, e queria que todo mundo meus amigos, minhafamlia, meus professores o soubesse. Mas somente Isaac e Miriam

    podiam entender.Isaac e eu tornamos a encontrar-nos uma semana depois, e dessa vez

    ele me ensinou o "sunning", outro importante exerccio para os olhos

    criado pelo dr. Bates, que se faz olhando o sol com os olhos fechados evirando a cabea suavemente de um lado para outro. Depois de fazerisso por algum tempo, Isaac me fez descansar praticando o palming,

    para depois voltar aosunning. Perguntei-lhe: Como funcionam osunninge opalming?- No vou dizer-lhe retrucou ele. Limite-se a faz-lo.

    Aquilo me pareceu enlouquecedor. Mesmo assim, a partir de ento, passei a subir vrias vezes por dia ao topo do nosso edifcio deapartamentos a fim de praticar os exerccios.

    Na semana seguinte, Isaac foi ao nosso apartamento. Eu me sentiaansioso, em parte por ser a primeira vez que ele ia minha casa, mas

    principalmente porque naquela noite aconteceria o meu primeiroencontro com uma menina. Eu acabara de tomar banho e vestir-mequando ele chegou. E no pde deixar de not-lo.

    Ei disse ele , voc est timo!Isso fortaleceu minha confiana, e ns subimos ao alto do prdio para

    eu poder mostrar-lhe o meusunning. Isaac observou por algum tempo e,logo, me disse, rudemente:

    Est bem, pare com isso! Agora sente-se e se acalme.Fiquei surpreso, e ele explicou, em poucas palavras, que no se

    tratava de agitar a cabea movendo-a para trs e para a frente, mas simde vir-la suave e lentamente. Lembrou-me de alternar o sunningcom

    perodos freqentes de palming. Depois de um instante de descanso,Isaac principiou a animar-me a me relaxar e a desfrutar os exerccios, eno a ficar tenso durante sua execuo. Em seguida, sentou-se em

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    silncio durante meia hora, enquanto eu seguia suas instrues, e, pelaprimeira vez na vida, conheci o que significava relaxar-me. Se bem quefosse uma sensao com a qual eu no estava familiarizado, era

    maravilhosa, e ajudou-me a ficar mais calmo para o encontro com agarota.A sesso com Isaac revelou-se mais satisfatria do que a minha

    primeira entrevista amorosa. Ela sentiu repulsa pelos meus culosgrossos e devo t-la aborrecido at s lgrimas com todos os meusdiscursos a respeito de sunninge palming. Mas foi um blsamo para omeu amor-prprio ter tido, finalmente, um encontro de amor.

    Depois que principiei a fazer exerccios todos os dias e a relaxar-mede verdade, descobri quo incrivelmente sensveis luz eram os meusolhos. At com as plpebras fechadas, eu os sentia esquivarem-se do sol,e, quando os cobria com a palma das mos, estrelas brilhantementecoloridas enchiam a escurido, s vezes por horas a fio. Isso perturbou-me de tal maneira que telefonei para Isaac.- No me aborrea com essas coisas, voc est dando muita importncia

    a isso foi tudo o que ele achou para dizer-me.- Est bem respondi. Vou procurar a resposta num livro.- Voc no a encontrar em nenhum livro tornou ele, rindo-se. Narealidade, muito simples, to simples que parece uma brincadeira! Master de descobri-la por si mesmo!

    E desligou o telefone. Senti-me to frustrado que tive vontade dechorar, mas no havia nada que eu pudesse fazer. Aquele era justamente

    o modo de ser de Isaac.Continuei a praticar o sunninge opalming, religiosamente, todos osdias. Eu passava praticamente todo o tempo livre no telhado. O sunning

    passou a ser mais que um simples exerccio dos olhos para mim, era aminha vida.

    Na sesso seguinte, Isaac me ensinou a usar o "piscamento" como

    exerccio. O dr. Bates descobrira que o abrir e cerrar as plpebrasfreqentemente, de um modo relaxado, alivia a presso dos olhos,prevenindo o estrabismo, mantendo os olhos midos e aumentando o

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    fluxo de sangue para os globos oculares. desse modo natural quefuncionam os olhos. Quando ele me mostrou isso, compreendi quantatenso eu tinha nos olhos.

    No princpio do vero, Isaac me levou praia a fim de praticar osunning, opalminge o piscamento e mostrar-me diversos exerccios deestiramento para o corpo, Gostei tanto disso que, durante o resto dovero, fui praia sempre que pude.

    Em meados de junho, quando o sol estava mais alto no cu, eugostava especialmente de praticar osunninge os outros exerccios paraos olhos. Depois de praticar o sunning por bastante tempo, eu me

    sentava e fazia opalmingpor horas a fio. A princpio, minhas dores decabea crnicas e minhas dores nos olhos pareciam estar piorando. Maselas eram causadas pelos exerccios de relaxamento, que permitiam aocorpo sentir finalmente todos os anos de tenso acumulada.Compreendendo-o, continuei a fazer os exerccios para os olhos e osestiramentos ainda mais religiosamente, e em agosto a dor principiou aabrandar-se. Isso era alentador, e o meu entusiasmo pelos exerccios

    aumentou ainda mais.Havia ocasies em que minhas dores de cabea eram to fortes, queeu no podia me mover. Certa noite, em casa de minha av, sentei-mediante da televiso e, medida que eu forava os olhos para ver, acefalia tornou-se insuportvel. Meu tio Zvi, que vivia com Savta,sentou-se ao meu lado e comeou a me massagear as tmporas. Eradoloroso, mas ele me assegurou que a massagem poderia ajudar adissolver a dor de cabea. E esta, com efeito, arrefeceu. Apesar de Zvinada saber a respeito de massagens, sabia instintivamente o que era

    preciso fazer.Depois de aprender que a massagem das tmporas e do couro

    cabeludo aliviava cefalias, comecei a faz-la eu mesmo. E descobrique, depois de massagear as tmporas e aumentar a circulao dosolhos, os contornos e as formas ficavam um pouco menos imprecisos,um pouco mais distintos.

    Tive minha primeira paixo naquela estao. Eu no podia ver oobjeto de minhas paixes, mas imaginava-a belssima (embora no

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    tivesse a menor idia do que isso significava). Se bem que minha paixofosse uma fantasia total, uma coisa era certa: eu estava tomandoconscincia das garotas, do seu som, do cheiro, da forma e do toque. Eu

    no sabia o que significava ser bem-apessoado, mas toda gente pareciaconcordar em que certas garotas o so, mas eu, no.Quando eu era criana, as outras crianas me chamavam de

    "macaco", o que em hebraico tem uma conotao de extrema fealdade.Eu acreditava nelas, e, hoje, quando olho para fotografias daqueletempo, constato que me parecia, de fato, com um macaco. Savta, porm,sempre me achava muito bonito, e eu acreditava mais nela do que

    naquelas crianas. Eu costumava esmagar o nariz no espelho e berrar:"No sou macaco! Sou lindo!" Mas quando isso chegava a um possvelrelacionamento com uma menina, eu tornava a me sentir como ummacaco.

    Nessa ocasio, pela primeira vez passei a experimentar algumaconfiana em mim mesmo e a esperar superar minha deficincia.Entretanto, medida que a viso melhorava, eu relutava em utilizar osentido do tato, e pus-me a abalroar de novo muros e pessoas, a cair deescadas e a tropear no meio-fio e estatelar-me na rua.

    Somente Miriam parecia compreender os problemas dessa transio,e animou-me a usar mais e melhor o tato. Ensinou-me tambm algumasmassagens bsicas. Nunca me contou muita coisa a respeito de si mesmae de seu treinamento, mas fiquei sabendo de umas poucas histrias.Desde os sete anos de idade tivera inmeras enfermidades e descobriraque o movimento era de grande auxlio para super-las. Tinha os psmuito chatos e com dois dedos paralisados, e um famoso ortopedista

    prescreveu-lhe uma bota pesada, dizendo-lhe que sua condio sedegeneraria progressivamente. Absolutamente convencida de que odiagnstico dele estava errado, lamentou a sorte de todas as pessoas queele estaria "ajudando". Em vez de seguir sua prescrio, foi para casa ecomeou a fazer exerccios na banheira, movendo os dedos dos ps emcrculos dentro da gua. Caminhava todos os dias e participava de

    longas excurses uma vez por semana, e assim conseguiu vencer aparalisia.

    Os batimentos cardacos de Miriam eram cronicamente rpidos e

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    irregulares. Um professor de educao dos movimentos mostrou-lhecomo mover vrias partes do corpo enquanto ele lhe massageava o peitoem torno do corao, e isso no somente lhe regulou as pulsaes, como

    tambm lhe ensinou as sutis conexes entre as diferentes partes docorpo.Depois de dar luz o primeiro filho, Miriam sofreu um prolapso dotero, mas disse mdica que em dois meses o teria de volta normalidade. Com efeito, bastou-lhe um ms de exerccios plvicosintensivos para devolver o tero ao lugar habitual.

    Miriam deixava claro que sua profunda compreenso do corpo se

    baseava mais na intuio e na experincia do que no conhecimentoanatmico. Respeitava a medicina, mas punha freqentemente emdvida o modo com que os mdicos empregavam a cincia. Tinha umsentido intuitivo muito forte de movimento, e gostava de fazerexperincias com ele, explorando todas as maneiras de movimentar ocorpo. E gostava de partilhar seus conhecimentos.

    Eu andara esfregando minhas tmporas, mas, se Miriam no me

    chamasse a ateno para isso, eu nunca pensaria em massagear assobrancelhas, as plpebras, os clios e todos os ossos, msculos e peleque cercam os olhos. Enquanto eu me livrava, atravs de massagens, dasdores de cabea, elas eram substitudas por uma sensao de ardncianos olhos, que estavam comeando a sentir a fadiga acumulada em anosde estrabismo e olhares fixos. O esforo que eu empregava para ver meimpedia de piscar o suficiente. Isaac me explicou a importncia do

    piscamento para o descanso, a massagem e o umedecimento dos olhos.Iniciei a dcima primeira srie com um sentimento confiante e

    relaxado em relao ao futuro. Os horizontes que imaginara ao entrar naescola secundria se embaciavam, em comparao com o que visionavaagora. Seis meses antes Isaac me prometera que, dentro de um ano, euestaria enxergando bem, e eu estava resolvido a realizar sua previso.

    Depois de meses de prtica fantica do sunning, do palming e dopiscamento, Isaac me ensinou o "shifting", exerccio para melhorar aacuidade visual e, no meu caso, para controlar o meu ainda horrendonistagmo. O nistagmo um tremor involuntrio dos olhos que pode

    prejudicar seriamente a viso. O shifting ajudou-me a aprender a

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    focalizar objetos especficos e apresentou-me a "viso consciente", ouseja, a viso tanto com a mente quanto com os olhos. Visto que, com ousem culos, eu s conseguia enxergar um grande borro, Isaac me

    instruiu a procurar os pormenores. Por exemplo, disse ele, quando euolhasse para os prdios, deveria tentar descobrir a posio das janelas.Com isso ele queria dizer que, ao olhar, presumindo que o prdio tivesse

    janelas, eu devia tentar localiz-las. Havia uma construo alta pela qualeu passava a caminho da praia, no longe do lugar em que eu morava.Plantei-me ali todos os dias, por vrias semanas, buscando relaxar osolhos para que o nistagmo se desacelerasse e as imagens aparecessem.

    Imaginei como seriam as janelas e tentei encontr-las nos lugares emque supunha que estivessem. E, finalmente, numa sexta-feira noite, euas vi. Telefonei para Isaac anunciando o meu triunfo, mas ele no seimpressionou. E disse-me:

    Procure agora os aparelhos de ar condicionado. Eles ficam nas partesinferiores das janelas.

    Est claro que eu nunca tinha visto um condicionador de ar, e nopodia imaginar como seria um deles. Mas pratiquei oshiftingpor horasa fio, todos os dias, e, passada apenas uma semana, pude distinguir oque, para mim, deviam ser os tais aparelhos de ar condicionado.

    Dessa maneira, aos poucos, comecei a educar os olhos para ver. Atento eu vira o mundo como simples unidade borrada. Agora estavaaprendendo a divisar essa entidade em pormenores. Desenvolvendo ohbito de procurar coisas especficas onde elas deveriam estar, ativeigradativamente os olhos e o crebro para o processo de ver. Durantedezesseis anos, eu aprendera a no olhar, a no ver, a no tentarencontrar coisa alguma. Outra pessoa qualquer sempre encontraria ascoisas para mim. Ningum, nem mesmo eu, acreditou que um dia euviesse a enxergar. Mas agora meus olhos estavam cheios de janelas econdicionadores de ar, e meu crebro comeava a funcionar de maneiradiferente.

    Depois de seis meses de exerccios para os olhos, eu j no precisava

    da lente cilndrica de aumento, mas apenas de um par de culos. Minhaoptometrista, pasmada, teve de cortar a receita pela metade. Sem culos,eu via formas, o claro e o escuro e um ligeiro movimento. Com culos,

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    eu via janelas e condicionadores de ar, as meninas da minha classe e atmeu rosto no espelho. Podia distinguir o contraste entre a cor doscabelos e a da pele; e podia ver o nariz, os lbios, as orelhas e at uma

    espinha no queixo! Seis meses antes eu no enxergava sequer o rosto, e,agora, quando olhava com bastante ateno, via at os olhos.

    Foi difcil para a famlia aceitar meu progresso. Eu sabia que minhaviso estava melhorando, mas meus familiares ainda me consideravamcego, especialmente por ser meu "mdico" um adolescente, e minhaterapia alguns "movimentos sem sentido". Os meus parentes tentaram

    convencer-me a interromper os exerccios para os olhos. Esse enfoqueheterodoxo parecia ameaar tudo aquilo em que eles acreditavam. Osexerccios e o que eu estava tentando realizar no tinham o menorinteresse para eles. Assim como os professores de braile esperavam queeu aceitasse meu destino e aprendesse a conviver com ele, tambmminha famlia receava que minhas expectativas fossem demasiadootimistas e que eu, mais tarde, viesse a sofrer uma grande decepo.

    Meu av era especialmente duro comigo. Ele gostava de ficar doentepara se transformar no centro de atenes. Tinha todos os sintomasdescritos no livro, posto que as causas fossem vagas. Chamava-lhes"ataques". O tratamento de invlido que me dispensava parecia faz-losentir-se melhor. Aconselhava-me a no carregar pacotes pesados, a nodisputar jogos violentos, a no brigar, a no fazer praticamente nada que

    pudesse oferecer o menor perigo. Quando eu no encontrava algumacoisa, comprazia-se em localiz-la e quo fcil lhe fora encontr-la.

    Voc continua cego como sempre escarnecia ele. Seusexerccios no lhe esto fazendo nenhum bem!

    Meu av odiava o fato de eu estar voltando as costas para os mdicos"de verdade".

    Esse Isaac mais moo do que voc zombava ele. Voc estquerendo convencer-me de que um pirralho de dezesseis anos, queabandonou a escola, pode curar-lhe a cegueira?

    Eu esperara que meu tio-av Moshe fosse mais compreensivo. Elefizera um esforo ingente para ajudar-me na leitura, e sempre lutara peloreconhecimento de suas prprias idias no-convencionais. Mas

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    tambm ele no foi capaz de compreender que um garoto de dezesseisanos pudesse ser-me de alguma valia, e tampouco pde oferecer-memuito apoio. Tio Moshe contrara cncer na garganta aos oitenta anos.

    Eu o visitava regularmente no hospital. Um dia, ao entrar em seu quarto,encontrei-o dormindo. Sentei-me em silncio e pus-me a observ-locom minha viso limitada. Dir-se-ia que um sorriso se formava em seurosto, e a mim me pareceu que sua respirao era profunda e regular.

    Nesse momento pude ver meu tio como que banhado em luz. Pudedistinguir-lhe os olhos cerrados, o restolho cinzento da barba, at osuave movimento do abdmen quando respirava. Devo ter-me quedado

    ali sentado por meia hora, e a minha viso foi se tornando cada vez maisbrilhante. Vi um velho prximo da morte capaz de sonhar, satisfeitocom a prpria vida. Depois, principiou a despertar para a realidade doquarto de hospital e para a dor. O sorriso desertou-lhe o rosto e, paramim, voltou a ser difcil v-lo. Conversamos tranqilamente por algumtempo, e logo depois sa do quarto.

    No dia seguinte, Isaac, perturbado com alguma coisa, precisou falarcomigo. Isso era raro, de modo que fiquei em casa a fim de ouvir o queele tinha para dizer-me e no fui ver meu tio. No outro dia, ao visitarMoshe, encontrei-o tambm transtornado, e ele se ps a atenazar-me.

    A troco de que esse Isaac o estaria ajudando de graa? Deve seralgum homossexual procura de um amante.

    No pude acreditar que ele tivesse dito isso. Eu estava to perturbadoque voltei para casa correndo e atirei-me na cama, aos soluos.

    Ningum conseguia ver Isaac como ele realmente era. Minha meentrou no quarto e alisou-me os cabelos, acalmando-me. Foi a primeiraa ver o progresso registrado pelos meus olhos e, conquanto no tivesseconfiado em Isaac no princpio, sempre o julgou um bom menino. Oapoio de minha me naquela ocasio foi crucial. Era quase insuportveltentar convencer o resto da famlia de que o trabalho realizado nos meusolhos tinha valor.

    Continuei a visitar tio Moshe no hospital e sabia que ele estava

    morrendo. Ficvamos sentados juntos horas a fio, conversando sobresuas idias, e as minhas. Nunca se queixava da dor, e isso era para mimuma fonte de inspirao. Sua fora e resistncia espirituais mantinham-

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    no arredado da dor e dos srdidos aspectos da morte. Ele dava aimpresso de estar vivendo em outro reino da conscincia.

    Chegaram, afinal, os terrveis ltimos dias. Certa manh, tia Esther

    telefonou-me para dizer que tio Moshe falecera. No me foi possveldizer nada, mas, aps o enterro, apesar do sofrimento, senti uma grandepaz. Enquanto toda gente chorava, eu tinha vontade de sorrir. Sabia quemeu tio, na realidade, no morrera apenas seu corpo deixara defuncionar. Senti que era esse um segredo maravilhoso que eu no

    poderia compartir com ningum. Sua vigorosa afirmao de vida aindaest comigo, e at hoje sou capaz de v-lo dormindo no hospital com

    aquele sorriso tranqilo e radiante.

    Pouco depois, a pedido de minha oftalmologista, fui a Jerusalmtestar meus olhos outra vez. Durante a estada nessa cidade, visitei meutio Sadi, engenheiro prestigiado, e seu irmo mais moo, tio Zvi, quetambm estava ali de visita. No jantar, minha tia Nayima, esposa deSadi, interrogou-me a respeito de Isaac. Expliquei como Isaac se

    sustentava e muitas outras coisas a seu respeito. As perguntas foram setornando cada vez mais hostis, at que a namorada do tio Zvi acudiu emminha defesa.

    O que vocs todos querem de Meir, afinal? Por que so todos tocontrrios ao que ele est fazendo? Pois eu acho isso formidvel. Se noquerem encoraj-lo, tudo bem; mas por que no o deixam em paz?

    Isso provocou um enorme rebulio familiar. Mandaram-na calar aboca e me chamaram de idiota e otrio. Eu estava arrasado. Que maneirade falar com um jovem que procurava, com tanto zelo, um novo modode vida!

    Tio Sadi pronunciou a ltima palavra: Oua, garoto, eu troquei suas fraldas e limpei sua bunda, por isso,oua o que vou lhe dizer!

    Em seguida, traou o que supunha ser um desenho do olho e explicouque, no meu caso, estavam faltando as pupilas e, por isso, eu nunca seria

    capaz de enxergar normalmente. Ele no tinha a menor idia de que apupila simplesmente um espao vazio no meio do olho. Meus olhos,naquela poca, eram to sensveis luz que as pupilas se mantinham

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    sempre contradas, formando um ponto do tamanho de uma cabea dealfinete. Mas meu tio simplesmente sabia que havia alguma coisairreversivelmente errada em meus olhos e que eu devia abandonar toda a

    esperana de ainda enxergar normalmente.Esse foi um perodo infeliz da minha vida. Feliz e coincidentementeIsaac estava em Jerusalm nessa ocasio e levou-me ao hospital para oexame. Sabia que eu estava perturbado, pois o nistagmo, que melhorara,voltara a piorar. O nistagmo reage imediatamente ao estresse. Assim, oteste no foi bom, e a optometrista receitou lentes apenas um poucomais fracas. Quando falei a meu tio sobre esse progresso, ele disse:

    S isso? Bem, voc ainda legalmente cego.Assim que regressei de Jerusalm, fui visitar meus avs. Encontreimeu av de cama, com um de seus "ataques". As mos e os ps estavamfrios como gelo. Eu andara praticando em mim mesmo algumas tcnicasde massagem de Miriam, de modo que peguei na mo direita dele e pus-me a massage-la levemente, movimentando todas as juntas para aliviar-lhes o endurecimento. Senti alguma coisa como grnulos minsculos

    sob a pele das palmas e dos dedos, de modo que os massageei at que osgrnulos desapareceram. Pouco a pouco a cor voltou-lhe pele epude v-lo! , e ele comeou a sentir calor nas mos e nos ps, aindaque eu tivesse trabalhado apenas uma das mos.- O que voc ? Alguma espcie de mgico? perguntou ele, rindo-se,nervoso.- Mas voc no est vendo como se sente melhor? acudiu Savta.- De fato, estou melhor. Mas ele age como se fosse mgico.

    Em nossa sesso seguinte, poucas semanas depois, Isaac fitouatentamente os meus olhos e disse:

    Creio que voc no precisar mais do cilindro.Em seguida, meus olhos foram testados por uma mdica, e ela

    confirmou que eu j no precisaria us-lo, dizendo: Isso impossvel. Nenhum astigmatismo reversvel.

    Na verdade, porm, eu conseguia ler melhor sem o cilindro, de modoque ela reduziu a prescrio e declarou que, depois da reduo seguinte,eu j no seria legalmente cego.

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    Isaac disse que eu devia ler apenas com os culos novos. Foi difciladaptar-me a ler sem o cilindro. A princpio, eu levava quatro horas paraler uma s pgina. Precisava de uma luz muito forte, e mesmo assim s

    vezes pulava algumas letras e at palavras inteiras. Minha mente punha-se a vagabundear. Era penoso concentrar-me durante todo esse tempo, ea concentrao representava um esforo monstruoso para o resto docorpo. De uma feita, fiz tamanho esforo para ler uma nica pgina que,de repente, vomitei. Isso leva muito tempo queixei-me a Isaac.- Nesse caso, use as horas de folga disse ele, dando de ombros.

    Isaac observou-me a leitura. Voc est pulando palavras.Em seguida, mostrou-me um exerccio para ajudar-me a mudar a

    posio dos olhos e a mover o foco de um ponto para outro, de modoque no perdesse nenhum detalhe. Explicou que esse tipo de mudanade foco nos permite utilizar a mcula, a parte do olho que v com maiorclareza, mas que s pode ser usada num pequeno detalhe de cada vez.Aprendendo a focalizar mincias e a desenvolver o hbito de ver cadadetalhe clara e separadamente, eu podia fazer uso da mcula, e minhaviso foi melhorando aos poucos.

    Um dia, eu estava jogando futebol na escola e um pouco de poeiraentrou-me nos olhos. Era uma sensao extremamente irritante, e fui

    procurar a enfermeira da escola para lav-los. Mas ela apenas meadministrou um colrio e sugeriu que eu continuasse a us-lo em casa.Vrios dias depois, meus olhos comearam a arder tanto que tive deficar em casa, sem poder ir escola. O sunning no me ajudou; naverdade, agravou a situao. Fechei-me num quarto completamenteescuro, deitei-me e pratiquei opalming, com uma toalha sobre o rosto eas mos, enquanto ouvia rockand roll. A msica me fazia companhia, eopalminge o escuro me ajudaram a relaxar os olhos e a levar-lhes um

    pouco de umidade. Eu tinha a certeza de estar fazendo exatamente acoisa certa. Depois comecei a piscar, mais depressa do que nunca. A

    princpio, meus olhos ficaram mais midos graas ao descanso e aopalming, mas logo tornaram a secar. Alguma coisa me fez continuar a piscar por longo tempo, provavelmente por mais de uma hora.

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    Finalmente, a secura pruriginosa se foi, e meus olhos comearam achorar copiosamente, expelindo assim a poeira e o colrio.

    Continuei a piscar, cobrindo os olhos delicadamente com a palma das

    mos, e as lgrimas continuaram a correr, como se eu estivessechorando. Era espantoso. Pratiquei o palmingpor mais duas horas e, aseguir, tentei novamente osunning. Dessa vez o sol no me perturbou, emeus olhos j no ardiam. A partir de ento, eles se mostraramconsideravelmente menos sensveis luz e mais capazes de proteger-seda poeira e das condies atmosfricas. O sunning provavelmenteajudou um pouco, mas acredito que foi o piscamento rpido e o palming

    num quarto escuro, durante vrias horas, que produziram essesresultados notveis. Isaac me dissera que eu no piscavasuficientemente, e, desde ento, comecei a piscar muito, tanto que as

    pessoas ficavam olhando para mim, talvez espantadas. O fato de sercapaz de reconhecer as necessidades do corpo e responder a elasindicava claramente quanto meus olhos haviam melhorado.

    Captulo 3Miriam

    Num domingo noite, Miriam me convidou para ir sua casa tomarch. Enquanto saborevamos o ch e o bolo de chocolate, falei-lhe da

    predio de Isaac, segundo a qual eu seria capaz de ver perfeitamentedentro de um ano. Ela respondeu:

    Mesmo que isso no acontea, mesmo que voc ainda tenha de usarculos, ser bem melhor estar usando os olhos corretamente do que us-los de maneira errada, ter olhos que se tornam mais vivos com omovimento e no apenas olhos que olham fixamente.

    Ela perguntou-me acerca dos exerccios que eu fazia, e, logoindagou: Voc trabalha com o resto do corpo tambm?

    s vezes respondi.- Os msculos da barriga da perna esto ligados viso, Voc sabedisso, no?

    Embora minhas prprias panturrilhas fossem finas, e os tornozelos e

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    ps tensos e contrados, fiquei abismado quando ela ligou essesmsculos viso.

    medida que prosseguia as explicaes, Miriam foi se arrebatando.

    Durante cinqenta e seis anos fizera exerccios, sempre tentando ajudaro corpo a sentir-se melhor. Todos os dias descobria alguma coisa nova.Seu entusiasmo era contagioso, e reconheci de pronto que eu tambmqueria tentar a terapia do movimento de que ela me falava.- Por que precisamos de movimento perguntei , e qual a maneiracorreta de nos movimentarmos?- Precisamos de movimento porque nele se resume a vida retrucou

    ela. No existe pessoa completamente doente, como tampouco existe pessoa totalmente saudvel. Existem apenas pessoas que semovimentam mais e outras que se movimentam menos. O movimentono corpo humano contnuo. Quando ele pra, paramos de viver. Ouexiste restrio ou liberdade de movimento, c podemos escolherqualquer uma das duas alternativas. Os movimentos circulares so

    benficos porque a estrutura bsica da clula circular e nossosmsculos desejam mover-se dessa maneira.

    Miriam prosseguiu, e seu sotaque russo se adensava proporo queela se animava cada vez mais.

    O corpo humano possui seiscentos msculos, mas a pessoa mdia emgeral no usa mais do que cinqenta. O nosso potencial enorme!Poderamos usar um nmero bem maior de msculos!

    Eu estava fascinado. Nunca pensara nisso.Miriam comeou a mostrar-me alguns exerccios. Ficamos de p e

    movimentamos os tornozelos para cima e para baixo, mantendo osdedos dos ps no cho. Depois mantivemos os calcanhares no cho emovimentamos os dedos dos ps para cima e para baixo. Ficamos dequatro e imprimimos aos ombros um movimento circular. Apoiamo-noscom as mos na parede, conservando os ombros retos, e transferimos a

    presso de um pulso para o outro a fim de esticar os ombros. Por fim,giramos a cabea. Depois disso, senti as costas bem mais retas e a

    cabea, mais alta. Aps terminarmos o ch e conversarmos por mais deuma hora, Miriam disse:

    Meir, espero que voc esteja me ensinando em menos de dois meses.

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    Fui para casa e, ainda que estivesse to excitado que no pudessefazer os exerccios naquela noite, na noite seguinte e em todas as outrasdepois dessa permanecia vinte minutos antes de ir para a cama esticando

    o pescoo e girando a cabea. Descobri que, se eu praticasse oestiramento antes de ler, as palavras apareciam mais claras na pgina.Pratiquei tambm os exerccios de ombro que Miriam me ensinara, emeus ombros ficaram mais relaxados e mais fortes.

    Todos os dias depois da aula, eu fechava a porta do quarto e meexercitava por uma hora primeiro fazendo exerccios de estiramentoque Isaac me ensinara e depois os exerccios recomendados por Miriam.

    Tambm corria sem sair do lugar, levantando bem os joelhos edeixando-os cair pesadamente, a fim de aliviar a tenso dos msculosdos ps. Passado um ms, os msculos das coxas tinham ficadonotavelmente mais fortes, e novos msculos principiaram a aparecer nas

    panturrilhas.Quando Miriam me viu, a mudana na minha postura era bvia, e

    quando lhe mostrei alguns dos novos exerccios que eu descobrira, eladisse:

    Eu sabia que voc acabaria me ensinando.Dessa vez, Miriam fez-me ver a importncia da respirao.

    Voc precisa respirar sempre pelo nariz, como na ioga. A respiraodeve ser profunda e confortvel, sempre dirigida para o abdmen.

    Sugeriu que eu fosse praia e fizesse os exerccios para os olhos, dep, na gua rasa; o movimento das ondas estimularia os msculos dosps e das panturrilhas. Um mundo novo abria-se para mim. No fim dasesso senti estar recebendo uma ddiva preciosa de valiososconhecimentos sobre o corpo.

    Esses movimentos "anticalistnicos" no eram apenas exerccios, pois refletiam uma atitude extraordinria no tocante ao corpo. Osmovimentos rotativos envolvem mais msculos, e de um modo maisequilibrado, do que os verticais ou horizontais. Miriam sempre tentavaativar o maior nmero possvel de msculos. Compreendia

    intuitivamente que muitos problemas fsicos, que se devem falta demovimento, podem ser resolvidos pela aprendizagem dos movimentosapropriados. Enfatizava particularmente a importncia da respirao

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    correta. Acreditava que a ausncia de oxignio conduz doena.Com a orientao de Miriam, comecei a dedicar-me plenamente

    prtica e ao estudo do movimento, da respirao, da coordenao e dos

    ritmos suaves do corpo. Sempre que podia, no vero ou no inverno, ia praia e ficava de p na gua rasa, com as ondas a banhar-me os ps,erguendo um p de cada vez e movimentando a cabea de um lado parao outro. Era pura beatitude.

    Certa vez, eu me achava de p na gua, de olhos fechados, quandoum velho, que estava ali por perto, gritou:

    O que voc est fazendo?

    Tomado de surpresa, senti-me perplexo e embaraado, mas respondi: Exerccios para os olhos.- Exerccios para os olhos repetiu ele. E desfechou: Possomostrar-lhe exerccios de ioga bem melhores. Venha.

    Eu estava a pique de responder que no havia nada melhor para osmeus olhos do que o que eu estava fazendo, mas ele j ia a vinte metrosde distncia, de modo que o segui at a praia a fim de ver o que ele

    prometera mostrar-me.Sobre o rosto do velho, pardo e engelhado, os poucos cabelos quepossua eram brancos. O corpo, porm, parecia muito forte muitosanos mais jovem do que o rosto.

    Meu nome Shlomo disse ele. E mostrou-me um exerccio queme agradou imediatamente.

    Era muito suave. Com a mo esquerda eu segurava a parte posterior

    da cabea e movia-a de um lado para outro, enquanto a mo direitapressionava com firmeza a testa. O exerccio relaxou-me o pescoo emassageou-me a testa ao mesmo tempo, o que foi muito estimulante

    para os olhos. Logo depois desse nico exerccio, Shlomo desculpou-se,mas disse-me que o procurasse, pois a praia todos os dias.

    No dia seguinte, encontrei-o dirigindo os exerccios de um grupo dehomens e mulheres mais idosos. Quando algum tinha um problema,corrigia-o. Seus estiramentos de ioga me pareceram inusitados a

    princpio, mas acabei descobrindo que eram realmente simples erefletiam sua clara percepo do corpo. Eu estava fraco e meu corpo,duro, e achei-os difceis de executar, mas pude perceber-lhes o

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    significado e fui-me juntando aos poucos ao grupo.Naquela tarde encontrei Miriam e perguntei-lhe o que pensava da

    ioga.

    Excelente replicou ela , se voc no a executar mecnica nempassivamente. Se conseguir execut-la ativamente e com conscincia, maravilhosa.

    Na manh seguinte, Shlomo me disse: Voc sabe que no h nisso nenhum truque, nenhum segredo, nemmesmo nenhum esforo muito grande. simplesmente uma questo demovimentar cada parte do corpo, desde a ponta dos dedos dos ps at o

    alto da cabea.Era exatamente o que Miriam dissera!Shlomo mostrou-me alguns exerccios que se lhe afiguraram

    adequados ao seu corpo. Disse que tinha as costas um pouco rgidas, eque mal podia inclin-las antes de comear a fazer os exerccios.Sempre tivera tendncia para sentir dores, pois os discos da espinha sehaviam deteriorado devido ao trabalho fsico duro que fora obrigado a

    fazer como prisioneiro israelense. Agora, porm, era como se tivesse afora e a flexibilidade de um homem de trinta anos, capaz demovimentar cada vrtebra separadamente quando se inclinava.

    Shlomo mostrou-se satisfeito com o meu interesse pelo seu trabalho eensinou-me muitos exerccios. Moveu os braos em crculos, primeiro o

    brao direito e, a seguir, apenas o antebrao. Segurava as mos com umdos braos atrs da cabea e o outro atrs das costas. Enquanto prendiaas mos uma na outra, inclinava a parte superior do corpo para a frente efazia girar a espinha. Em seguida, deitava-se de lado e, encostando acabea na mo, no que chamava "posio do filsofo", encostava um

    joelho na testa e, dobrando a mesma perna para trs, tocava a parteposterior da cabea com o p. Deitado de costas, erguia um dos joelhosat o peito e, a seguir, erguia a cabea com a mo para tocar o joelhocom a testa.

    Sua flexibilidade era impressionante! Contou-me que fazia muitosoutros exerccios todos os dias e que precisamos executar um exercciovinte ou mais vezes consecutivamente para que ele ative, de fato, as

    juntas e os msculos.

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    Shlomo e eu passamos juntos a maior parte do vero, fazendoestiramento e ioga. Um dia, levou-me a uma aula em Tel Aviv dada porMoshe Feldenkrais, pioneiro no campo do movimento teraputico.

    Aprendi algumas coisas sumamente proveitosas. Como Miriam,Feldenkrais reconhecia que cada movimento deve levar em conta ocorpo todo, e que o movimento mais eficaz no forado, mas suave.

    Shlomo deu uma grande contribuio ao fundamento de minhasidias sobre exerccio e trabalho com o corpo. Eu tinha dezessete anos eele, setenta e sete, e aprendi muito com ele. Sua flexibilidade e seusentido inato do movimento me causaram profunda impresso.

    Maravilhoso vero, que constituiu o clmax do ano mais importanteda minha vida! Primeiro, Isaac me ensinou os exerccios para os olhos epredisse que eu enxergaria sem culos. Depois Miriam me ensinou omovimento suave e a respirao. E agora Shlomo me mostravaestiramentos para soltar e fortalecer ainda mais o corpo. Constatei queeu estava numa encruzilhada.

    Captulo 4Danny

    Num dia de outono, no meu ltimo ano de escola secundria, enquantopraticava exerccios desunningdepois do almoo, um colega de classeaproximou-se de mim e perguntou-me o que eu estava fazendo. Davidfora um dos poucos alunos que demonstraram interesse pelo meu

    trabalho, e sempre fora amvel comigo. Algumas vezes chegara a pedir-me conselhos sobre problemas de sade.David me contou que sua namorada, Adina, a menina mais bonita da

    classe, tinha dores de cabea to fortes que mal conseguia dormir e eraacometida de freqentes pesadelos e temores irracionais. Recomendei-lhe que falasse com Isaac e servi de intermedirio para marcar umencontro entre eles. David e Adina foram minha casa para participar

    de uma sesso com Isaac. Terminada a sesso, que foi muito bemsucedida, Adina me disse. Obrigada por me ajudar, Meir.

    E eu disse:

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    O nico agradecimento que desejo de voc que se trate.Eu me sentia realmente feliz por poder ajudar, ainda que apenas

    indiretamente.

    Mas, poucos dias depois, Isaac desapareceu, e seu desaparecimentodurou meses. Mesmo nas melhores ocasies, ele s era acessvel quandolhe dava na telha, mas, agora, estava nos abandonando totalmente, aAdina e a mim. Durante esse tempo senti que necessitava de orientao.Entretanto, Isaac no estava por perto, ou, se estava, no atendia aotelefone quando eu o procurava. A despeito da minha preocupao edos sentimentos feridos, sua influncia e seu exemplo continuavam

    vigorosos. E eu ainda podia senti-lo guiando meus esforos.s vezes, eu ia at a Rua Allenby, onde se localizavam as barracas de

    felafel, e comia um desses pes. Isso me lembrava Isaac, que adoravafelafel. Ao longo de um dos lados da rua havia uma fileira de barracas,cada qual dirigida por uma famlia, que o fazia de acordo com receitassecretas, muito bem guardadas, misturando farinha de gro-de-bico comespeciarias, azeite e outros ingredientes, tudo em forma de bolinhos, que

    eram fritos. O felafelservia ento de recheio para um po de pita, comlegumes e manteiga de gergelim; podia-se lev-lo para casa ou com-loali mesmo, em mesinhas apropriadas. Havia sempre longas filas diantede cada barraca. Eu no tinha nenhuma predileo especial por essaiguaria, que, de um modo ou de outro, me fazia sentir ligado a Isaac.

    Lembravam-me as longas horas que costumvamos passar ali,geralmente acompanhados de alguma garota que ele trazia, falando dei

    toda sorte de coisas. Conquanto isso no dominasse a conversao, eutinha a impresso de estarmos sempre falando dos meus olhos ou desade em geral, os assuntos que mais me interessavam, naturalmente.Eu bebia tudo o que ele dizia com uma sede tremenda e lutava para ler-lhe a expresso, a fim de apreender o significado por trs das palavras.As coisas que ele dizia, de grande importncia para mim, meinfluenciavam muito. Lembro-me de ouvi-lo:

    Toda doena curvel. Os seus problemas de vista, Meir, podemser curados definitivamente, apesar de todas as cirurgias e dos culosgrossos que voc tem usado a vida toda. Seus olhos logo estaro

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    curados, e voc enxergar perfeitamente.Fiquei muito preocupado com o tratamento dispensado por Isaac a

    Adina, pois achava que ele deveria ter continuado a v-la, pelo menos

    at que ela revelasse algum progresso. Um dia, fui biblioteca deMiriam, e Adina estava l. Ela pareceu contente por ver-me. Seu estado,aparentemente, parecia estar se agravando, e ela sentia muita dor.Miriam ouviu a nossa conversa e ofereceu-se para mostrar algunsexerccios. Antes de faz-lo, porm, disse:

    Por que Meir no lhe mostra os exerccios que conhece?Adina ficou imediatamente interessada, mas eu hesitei. Por fim,

    deixei-me persuadir a ir casa dela na semana seguinte. Depois que elasaiu, Miriam me disse: No farei mais exerccios com voc se no trabalhar com Adina.

    Todos os dias daquela semana fui biblioteca de Miriam a fim deaprender alguns exerccios que pudessem ajudar a minorar as dores decabea de Adina. Em seguida, ia para casa e testava-os. Finalmente, fui casa dela e ensinei-lhe diversos exerccios, que, a meu ver, seriam

    especialmente benficos para ela. Adina ps-se a pratic-los comperseverana, e eu voltava uma vez por semana para trabalhar com ela.Depois de um nico ms de exerccios, suas dores de cabea haviamdiminudo consideravelmente.

    Durante minhas sesses com Adina fiquei sabendo que ela estavatomando medicamentos antidepressivos receitados por um psiquiatra.Confessei recear que as drogas lhe pudessem fazer mal e que, na minhaopinio, devia parar de tom-las. Quando ela contou isso aos pais, elesficaram furiosos comigo.

    Miriam tinha o maior respeito pela opinio dos pais e no seria capazde fazer coisa alguma que lhes desagradasse. No dia que se seguiu aesse incidente, Miriam anunciou, de repente, que no estaria mais nossa disposio para ajudar-nos, a Adina ou a mim. E acrescentou quehavia duas razes para isso.

    Primeira, j estou trabalhando demais. Mas no posso dizer qual a

    segunda. Voc ter de imagin-la por si mesmo.Primeiro, sem Isaac e, agora, sem Miriam. Eu estava estupefato! Que

    poderia dizer a Adina? Ela havia comeado a fazer os exerccios com

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    entusiasmo e confiava totalmente em Miriam e em mim. Encontrei-mecom Adina na escola no dia seguinte e tentei inventar qualquer coisa,mas a verdade transpareceu. Adina ficou chocada e quase sem fala.

    Mas Miriam prometeu!Adina no me saiu da cabea o dia inteiro. Enquanto eu fazia osexerccios em casa tarde, concentrei-me na tenso de sua cabea e deseus ombros e comecei a sentir como se o corpo dela se transportasse

    para o meu, experimentando-lhe a tenso interior. Encostei o rosto nocho, levantei a parte superior do corpo e girei a cabea e os ombros.Esse exerccio liberou muita tenso e deixou a rea mais relaxada e

    mais forte. O exerccio era novo para mim, e eu estava convencido deque seria bom para Adina. Passei o resto da tarde procurando outrosexerccios.

    Mostrei-os a ela no dia seguinte com um pedido de desculpas: No sou muito bom nessas coisas.- No diga isso protestou ela. Acho que voc to bom quantoIsaac e Miriam. At melhor, pois ainda est aqui. Voc tem talento,

    Meir, e confio em voc.Adina foi a minha primeira aluna, e essas palavras representaram umgrande estmulo para mim.

    Nos meses seguintes, as dores de cabea e a insnia de Adinadesapareceram completamente. Experimentei uma tremenda sensaode triunfo. Adina me ajudara a acreditar em mim mesmo. Reafirmou oque eu sentia dentro de mim, e isso era profundamente satisfatrio.

    Um dia, quatro meses aps t-lo visto pela ltima vez, topeiinesperadamente com Isaac. Na realidade, eu no o vi ao passarmos umpelo outro na calada. Mas ele me viu. Deu-me um tapinha nas costas edisse:

    Continua no querendo falar comigo, ?Como se eu o tivesse abandonado. Mas fiquei to contente ao ouvir-

    lhe a voz que no me foi possvel continuar zangado com ele.

    Conversamos enquanto seu nibus no vinha, e ele me disse: Sabe, Meir, acho que meu trabalho com voc foi importante, noapenas pelo que far por voc, mas porque sei que ajudar outras

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    pessoas. Seu instinto muito bom e seu sentido do tato j est maisdesenvolvido que o de algumas pessoas com vinte anos de experincia.Espero que se torne um grande mestre.

    Voltei para casa muito orgulhoso. Esse rpido encontro mudouminha vida. Eu sonhara ser diplomata, talvez ministro das RelaesExteriores. Mas quando Isaac falou em cura, percebi que ele estavacerto. Sua confiana despertou em mim uma conscincia que estiveraadormecida, a de que o trabalho que eu estava fazendo poderia vir a sero trabalho da minha vida.

    Na mesma semana em que Miriam tornou-me independente dela,parou tambm de trabalhar com minha amiga Nayima, vtima de plio,que j sofrer treze cirurgias nas pernas. Miriam conhecera-a quando elaestava prestes a submeter-se dcima quarta cirurgia e a convencera aexperimentar exerccios em vez de operar-se. Apresentara-me Nayima,de modo que pudssemos nos incentivar e aprender um com outro. Se

    bem que nossos problemas fossem diferentes, sentamo-nos unidos por

    um lao forte, trabalhando juntos com incapacidades "incurveis".Tnhamos de vencer nossas atitudes negativas e, a seguir, os prpriosproblemas. Precisvamos decidir que no seramos aleijados.

    Nayima sentia dores excruciantes nas pernas. As operaes haviamcausado muitos danos. Por sugesto de Miriam, Nayima trabalhavasozinha duas horas por dia e, s vezes, prosseguia fazendo exerccios

    por mais trs ou quatro horas. Fazia aqueles ensinados por Miriam, bem

    como alguns que encontrava em livros e outros criados por ela mesma. Nayima desejava tornar-se fisioterapeuta, mas os pais, achando aprofisso inadequada a uma mulher judia ortodoxa decente, queriam queela se casasse e constitusse famlia. Essa oposio estava lhe causandouma grande frustrao, e eu ouvia suas queixas e a apoiava.

    Apesar da dor, ela gostava de andar, e ns caminhvamosfreqentemente juntos. Um dia percorremos uma boa distncia para ir

    buscar um novo par de sapatos ortopdicos especialmente desenhadospara ela. Nayima coxeava um pouco ao voltar para casa, mas seu modode andar no era to mau assim. Em casa, disse:

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    No so os msculos que esto me conduzindo. Eles esto cansadosdemais. a fora de vontade. Andei hoje o que nunca tinha andado atagora.

    Nayima no queria apenas parar de usar bengala. No queria apenasescalar montanhas. Queria que no houvesse diferena entre suamaneira de andar e a de outras pessoas, e faria tudo para alcanar esseobjetivo.

    Um rapaz chamado Eli, que padecia de distrofia muscular,gravemente deficiente, estava obtendo muita publicidade em Israelnaquele tempo, tentando ser aceito no exrcito para mostrar que um

    estropiado poderia dar sua contribuio ao pas. Argumentava que lheera possvel servir Israel com a inteligncia, ainda que o corpo estivesse paralisado. Apoiei sua causa, mas foi Nayima quem pensou emtelefonar-lhe e oferecer ajuda.

    Nayima disse-lhe que ele estava lutando demais contra a sociedade ede menos contra a distrofia muscular. Eli respondeu que no havia nadaque pudesse fazer a respeito da molstia, e que se achava em boa forma

    comparado com muitas outras vtimas desse tipo de distrofia muscular.Nayima insistiu: H muita coisa que voc pode fazer em relao doena, se quiserrealmente faz-lo.

    Tambm falei com ele e consegui interess-lo na hiptese depodermos ajud-lo.

    Poucos dias depois, fomos casa dele em Tel Aviv. Eli tinha um

    rosto bonito e sensvel, mas o corpo era muito deformado. A cabea lhecaa sobre um dos ombros e muitos ossos estavam fora do lugar.- Vocs esto chocados com a minha aparncia? perguntou ele.- No, no estou respondi, e no estava mesmo. Eu me achavademasiado ocupado pensando no que poderamos fazer para ajud-lo.

    Eli nos contou: Quando nasci, os mdicos disseram que eu no viveria trs anos.

    Minhas vrtebras estavam desalinhadas: tanto se curvavam para aesquerda quanto para a direita. Minhas costelas, completamentetorcidas, empurram o corao para a axila direita. gozado quando

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    esses mdicos famosos me examinam com os seus estetoscpios e noconseguem achar o corao!

    A temperatura do corpo era elevada e a palma das mos e a sola dos

    ps viviam suadas. Suspeitava de que esse calor o mantivera vivo.Comecei a explicar-lhe o nosso trabalho. Os movimentos rotativos