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UMA GUERRA PELA OPINIÃO: A PROPAGANDA POLÍTICO-IDEOLÓGICA ESTADUNIDENSE DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Pauline Bitzer Rodrigues – Universidade Estadual de Londrina Bolsista PIBIC/CNPq “Essa Guerra foi lutada em salas de espera e vitrines, nas paredes dos correios e no chão das fábricas e nos outdoors das grandes cidades – qualquer lugar onde um pôster pudesse ajudar a individualizar a luta para os cidadãos comuns.” 1 Entre os anos de 1941 e 1945 os estadunidenses assistiam e vivenciavam inúmeras guerras e muitas vezes nem se apercebiam disso; entre elas, a guerra empreendida pelo governo federal para conquistar e manter a opinião popular, cuja arma principal foi a propaganda político-ideológica veiculada por todo o país. Este trabalho propõe-se a analisar parte desse esforço propagandístico, como ele tencionava influenciar a opinião e a vida da população dentro do esforço de guerra e no imediato pós-guerra, e se ele teria contribuído para a construção de uma memória coletiva nacional tendo a Segunda Guerra Mundial como “The Good War”. 2 Antes de entrar na questão principal que é a propaganda, contudo, é importante ter em mente como os Estados Unidos chegaram ao conflito. Franklin Delano Roosevelt, desde a criação do New Deal (1933), declara em seu governo a adoção de uma política isolacionista, voltada tão somente aos problemas internos, sem intromissão nas querelas do exterior, principalmente da Europa. O isolacionismo, contudo, nunca aconteceu de fato, visto que o presidente não descuidava de sua política externa, e o exercimento dessa política torna-se ainda mais difícil quando Adolf Hitler invade a Polônia em 1939. Roosevelt compromete o país, primeiramente, a contribuir com os Aliados com recursos materiais, econômicos e militares, mas com o tempo, torna-se inevitável uma intervenção militar. Esta, provavelmente, vinha sendo planejada meses antes do ataque japonês à base militar de Pearl Harbor (12 de dezembro de 1941), tendo em vista um encontro secreto entre o presidente estadunidense e o primeiro-ministro inglês, Winston Churchill, em 10 de agosto de 1941, o qual resultou uma carta de solidariedade a Stalin pela invasão alemã dois meses antes 3 . Mesmo o ataque japonês já era algo previsto desde que havia sido cortado III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 2343

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UMA GUERRA PELA OPINIÃO: A PROPAGANDA POLÍTICO-IDEOLÓGICA

ESTADUNIDENSE DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Pauline Bitzer Rodrigues – Universidade Estadual de Londrina

Bolsista PIBIC/CNPq

“Essa Guerra foi lutada em salas de espera e vitrines, nas

paredes dos correios e no chão das fábricas e nos outdoors das

grandes cidades – qualquer lugar onde um pôster pudesse

ajudar a individualizar a luta para os cidadãos comuns.”1

Entre os anos de 1941 e 1945 os estadunidenses assistiam e vivenciavam inúmeras

guerras e muitas vezes nem se apercebiam disso; entre elas, a guerra empreendida pelo

governo federal para conquistar e manter a opinião popular, cuja arma principal foi a

propaganda político-ideológica veiculada por todo o país. Este trabalho propõe-se a analisar

parte desse esforço propagandístico, como ele tencionava influenciar a opinião e a vida da

população dentro do esforço de guerra e no imediato pós-guerra, e se ele teria contribuído

para a construção de uma memória coletiva nacional tendo a Segunda Guerra Mundial como

“The Good War”.2

Antes de entrar na questão principal que é a propaganda, contudo, é importante ter em

mente como os Estados Unidos chegaram ao conflito.

Franklin Delano Roosevelt, desde a criação do New Deal (1933), declara em seu

governo a adoção de uma política isolacionista, voltada tão somente aos problemas internos,

sem intromissão nas querelas do exterior, principalmente da Europa. O isolacionismo,

contudo, nunca aconteceu de fato, visto que o presidente não descuidava de sua política

externa, e o exercimento dessa política torna-se ainda mais difícil quando Adolf Hitler invade

a Polônia em 1939. Roosevelt compromete o país, primeiramente, a contribuir com os Aliados

com recursos materiais, econômicos e militares, mas com o tempo, torna-se inevitável uma

intervenção militar. Esta, provavelmente, vinha sendo planejada meses antes do ataque

japonês à base militar de Pearl Harbor (12 de dezembro de 1941), tendo em vista um encontro

secreto entre o presidente estadunidense e o primeiro-ministro inglês, Winston Churchill, em

10 de agosto de 1941, o qual resultou uma carta de solidariedade a Stalin pela invasão alemã

dois meses antes3. Mesmo o ataque japonês já era algo previsto desde que havia sido cortado

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o comércio de combustível com o “Império do Sol” quando suas invasões começavam a ir

além da China para outros territórios. Só restava saber quando e onde seria a ofensiva. 4

Dado o ataque como o estopim esperado pelo governo, uma guerra de defesa e revanche

é declarada contra o Japão – uma “guerra de revanche” foi como Roosevelt justificou a

declaração de guerra. Ao mesmo tempo a guerra contra o Eixo na Europa torna-se eminente

devido aos ataques alemães a embarcações estadunidenses: a mobilização nacional deve

começar – até o fim do conflito, mais de 16 milhões de pessoas, convocadas e voluntárias,

serviriam as forças armadas nas frentes do Pacífico, da Europa e dentro do próprio país, a

maioria entre 17 e 20 anos. Além do recrutamento, o país teria de se organizar internamente,

principalmente na área econômica, organização que levaria a outras mudanças sociais e

culturais. Algumas questões, então, emergem: Como manter o sentimento popular de

revanche após o ataque a Pearl Harbor? Como conseguir apoio popular à guerra no teatro

europeu? Como fazer com que o povo sinta-se impelido a dar suporte a uma guerra “de

outros”? Por fim, como criar um sentimento de união nacional em detrimento dos problemas

sociais? A resposta a essa demanda é encontrada na propaganda.

Se faz necessário que eu defina aqui, brevemente, o conceito: segundo o autor Nelson J.

Garcia, pensemos a propaganda político-ideológica enquanto mensagens que falam da

importância de algo para a sociedade e que tencionam influenciar na formação de opiniões e

convicções, orientando, assim, as ações das pessoas a que se destinam, sem que elas se dêem

conta de que estão sendo “propagandizadas”5. O conceito, contudo, não se aplica somente à

questão econômica, como aponta o autor marxista, mas está ligado também, e principalmente,

a toda estrutura social, cultural e política.6

A propaganda de guerra veiculada maciçamente nos Estados Unidos entre os anos de

1942 e 1945 baseiam-se na propaganda inglesa da Primeira Guerra Mundial e nos vídeos

alemães produzidos no fim dos anos de 1930. Ela possui objetivos claros que se resumem em

manter a população participando ativamente do esforço de guerra pelo tempo que fosse

preciso, convocando a todos, homens, mulheres, crianças e idosos, a fazerem o que estivesse

ao seu alcance para o war effort, o que incluía o aumento da produtividade e da arrecadação

financeira, a vigilância de inimigos em potencial, etc. – vinte e quatro horas por dia dedicadas

ao esforço, adotando-se uma nova configuração de tempo, o “tempo militar”, visando acabar

com o desperdício do mesmo7. Para tanto, todos os meios de comunicação foram mobilizados

pelo governo: a propagação era feita através do rádio, do cinema comercial, das revistas, de

pôsteres (dos quais alguns serão analisados individualmente aqui), de jornais impressos e

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cinematográficos, etc., e algumas características são inerentes a todas essas formas que a

propaganda assumiu.

Destacamos, entre elas, a complexidade que envolve sua produção, a começar pelas três

esferas envolvidas nela, ora convergindo, ora divergindo entre si: o Estado, o meio militar e a

imprensa. Esta última, fora do esforço de guerra, não era simpatizante do governo, apesar de

atender, na maioria das vezes, seus pedidos; tinham uma relação ainda pior com os militares,

reclamando, por vezes, da falta de cooperação que eles tinham para com ela, principalmente

na liberação de fotografias do front, e os militares, por sua vez, reclamavam que as agencias

governamentais e a imprensa sempre achavam um meio para burlar seus regulamentos8.

Quanto ao governo, especificamente, ele cria uma sociedade organizacional através do

estabelecimento de grandes e centralizadas organizações públicas e privadas, as quais

visavam controlar mobilização econômica e social. Para a mobilização propagandística, foram

criados os seguintes órgãos: o Office of War Information, de 1942 e o Office of Censorship, de

1941, além do já existente Bureau of Public Relations, pertencente ao Departamento de

Guerra. Os dois últimos configuravam o aparelho de censura do governo, para além das

instâncias militares. O OC tinha liberdade limitada, enquanto o BPR era a última palavra na

censura e no controle de imagens e informações.

Aprofundando nessa questão, tal controle visava delinear a percepção que os civis

tinham da guerra, retendo imagens que mostrassem claramente os custos da guerra, como, por

exemplo, as fotos de GIs9 mortos e neuróticos, imagens que denunciassem atrocidades

cometidas por aliados, que mostrassem interação demasiada ou conflito racial entre os

soldados, enfim, tudo o que mostrasse desunião do grupo aliado e que pudesse causar

desânimo e desencorajamento na população com relação ao war effort, ou disseminar ideias

pacifistas e isolacionistas. Nesse sentido, o símbolo da censura nesse período foi o “Chamber

of Horrors”, uma “gaveta” localizada no recém-criado Pentágono, onde ficavam as imagens

censuradas. Apesar disso, era apresentada ao público uma “aparência de verdade”, visto que

muitos ainda lembravam-se da tentativa de controle das opiniões populares na Primeira

Guerra – agora o governo dizia revelar tudo, exceto o que pudesse dar informações de

estratégias militares e negociações diplomáticas. Em 1943, porém, surgiu o medo de que o

fato de se maquiar em demasiado a guerra acabasse por exacerbar a autoconfiança da

população, levando esta a diminuir sua dedicação ao esforço, o que poderia prejudicar a

produção. Além disso, com o tempo passando, notícias de soldados mortos chegavam, muitos

feridos voltavam para casa, e ficava mais difícil manter a propaganda da mesma forma. Então,

nesse mesmo ano, imagens de combatentes estadunidenses mortos passaram ser veiculadas

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aos poucos na mídia, mas ainda assim eram “sanitizadas”, e, algumas fotos, como as que

mostravam neuróticos de guerra, ficaram escondidas até o final. Essa nova estratégia visava

mostrar o que poderia acontecer aos parentes e amigos dos que estavam em casa se o país não

se unisse para ajudá-los na luta.

O processo da censura não acontecia sem tensões, pois as várias instâncias e órgãos

envolvidos não estavam sempre em consenso e quem os mediava era o presidente Roosevelt,

cuja opinião pessoal era segurar o máximo da guerra que fosse possível, sempre de acordo

com as necessidades do esforço de guerra. Em 1945, o que os cidadãos viam da guerra era

mais complexo e mais próximo do real devido não à falta de controle do governo, mas sim ao

uso de seu poder de controle a fim dar ênfase visual diferente à propaganda10.

Se o OC e o BPR cuidavam da censura, juntamente com o presidente, o Office of War

Information cuidava do que deveria ser mostrado ao público através de orientações às outras

agências e de produções próprias, como filmes, cinejornais e pôsteres. Seu poder, segundo o

autor George H. Roeder Jr, era limitado, e muitas das suas ordens não eram seguidas; apesar

disso, o OWI foi o centro do esforço da propaganda e do fluxo de toda a informação do país.

A característica predominante de tudo o que foi veiculado, podemos perceber ao

analisar a imagética de guerra, era a analogia da vida militar com a vida interna do país, que

passa a ser chamado de home front (fronte interno), cujos soldados eram os soldiers of

production (soldados da produção), como apresenta Roeder11, e que contavam com o

“Arsenal of Democracy”, falado por John W. Jeffries12; apresentando a guerra dessa maneira,

tenciona-se que os espectadores vejam a si mesmos como participantes e se sintam motivados

a cumprir seu papel.

Aqui entramos numa outra característica importante da imagética: a coletividade, que

abordarei especificamente nos pôsteres, um meio de veiculação que atinge grande número de

pessoas e é passível de compreensão por qualquer pessoa com qualquer capacidade cognitiva,

visto que apresenta imagens diretas e pouco texto escrito. O discurso de unidade e cooperação

nacional era muito forte nas propagandas, no entanto, essa coletividade requerida aos

cidadãos pelo “Dr Win the War”13, não entrava em conflito com a individualidade típica do

“American way of life”. De fato, a propaganda mostrava compatibilidade entre os interesses

coletivos e individuais, pois através da primeira é que se chegaria à segunda, ou seja, através

da união nacional a democracia e a liberdade seriam “salvas”, garantindo, assim, os direitos e

liberdades individuais, não somente no próprio país, mas no mundo. Percebemos tal premissa

num trecho de um discurso presidencial no rádio no ano de 1942, quando Roosevelt diz:

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“Nossos soldados e marinheiros são membros de unidades

bem disciplinadas. Mas eles ainda são e para sempre serão

indivíduos – indivíduos livres. Eles são fazendeiros e

operários, empresários, homens profissionais, funcionários.

Eles são os Estados Unidos da América. É por isso que eles

lutam.”14

Também vemos essa relação coletividade/individualidade no pôster de Norman

Rockwell, no qual encontram-se retratadas as “Quatro Liberdades”: liberdade do medo e da

vontade, liberdade de discurso e de religião (Imagem 1).

Imagem 1

Pôster “Four Freedom”, encomendado pelo Office of War Information. Norman Rockwell,

2004.

Em terceiro lugar, como característica, destaco a ampla reprodução de estereótipos e a

não-abordagem de problemas e conflitos sociais mais sérios na imagética propagandística.

Problemas, como por exemplo, das disparidades entre classes sociais e conflitos raciais,

étnicos e religiosos. Ao invés disso, estereótipos de personagens típicos são reproduzidos ou

criados: a família, os GIs, os inimigos, etc. A família é o retrato da união em prol do bem da

família maior, a “nação americana”, e todos dentro dela devem trabalhar pra esse bem, seja

alistando-se nas forças armadas, seja trabalhando em war jobs, plantando “Victory

Gardens”15, recolhendo materiais para doação ou economizando combustível – a família seria

a instituição mais beneficiada e protegida com a vitória, como podemos ver também no pôster

de Norman Rockwell mostrado acima.

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Os soldados também foram estereotipados: o GI típico era romantizado, aparecia na

grande maioria das vezes branco, como um herói a lutar numa guerra do bem contra o mal. O

autor Andrew J. Huebner, em seu livro The Warrior Image, trata dessa questão representativa

do soldado; ele diz que ao longo dos anos do pós-guerra, passando por outras guerras como a

guerra da Coréia, a imagem típica do GI vai se modificando, tornando-se mais heterogênea e

menos romantizada, passando de herói coletivo (teamplayer) a vítima individual, tanto das

injúrias da guerra quanto da negligencia do governo, mas ainda falavam de sua

impressionante capacidade de recuperação16.

Em contraposição à imagem de herói do soldado estadunidense, encontramos a imagem

estereotipada do inimigo, o que se caracteriza também como estratégia da desumanização. O

inimigo mais representado era o japonês, também foi o mais atingido pelas políticas internas

de defesa adotadas, pois o conflito com os japoneses, além de questões territoriais, envolvia

questões ideológicas e raciais. Num primeiro momento, com a desumanização, suas

diferenças para com os estadunidenses eram explicadas “cientificamente” por teorias de

“supremacia branca”, mais tarde passam a ser explicadas por teorias socioculturais, embora a

representação dos japoneses sempre os mostrem como animais, literal ou figurativamente

(Imagem 2). A vida dos “japoneses-americanos” não era fácil no home front, pois eram vistos

como inimigos por muitos; além disso, as famílias japonesas da costa oeste do país foram

removidos se suas casas para acampamentos isolados, tinham suas propriedades confiscadas e

vários direitos perdidos por mais “americanizados” que estivessem.17

Imagem 2

Douglas Air Craft Company, 1942

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As mulheres que saíram de casa para trabalhar também foram estereotipadas na imagem

da “Rosie, the Riveter” (Imagem 3). A segunda guerra frequentemente é vista como um

divisor de águas na história das mulheres estadunidenses, pois teria propiciado novas

oportunidades e liberdades. De fato, elas alcançaram uma porcentagem muito grande na

classe trabalhadora: um terço da força de trabalho, em 1945, era composto por mulheres,

embora ganhassem em média quarenta por cento a menos que os homens nos mesmos

empregos; elas também bateram o recorde de presença nas forças armadas.18

Imagem 3

“Rosie, the Riveter”, capa da revista The Saturday Evening Post, Norman Rockwell, 1943.

A imagem acima resume o estereótipo veiculado pela propaganda: a mulher forte, com

um chapeador grande se comparado ao livro Mein Kampf embaixo dos seus pés, mostrando

que seu trabalho ajudaria a derrotar Adolf Hitler; a imagem de Rosie é poderosa e

competente, mas também é feminina, seu rosto está maquiado, e a comida em suas mãos,

provavelmente trazida de casa, é uma referência ao seu lado doméstico, ainda existente.

As novas oportunidades de emprego, entretanto, visavam atender a exigências do

momento, visto que grande parte da população produtiva estava envolvida diretamente com a

guerra. Além disso, elas não trabalhavam somente nas indústrias, mas também em outros

espaços como escritórios. Paralelamente a essa imagem, outras propagandas que eram

veiculadas deixavam claro que o lugar das mulheres ainda era em casa no papel de mãe e

dona de casa. No pós-guerra elas diminuíram em número nas indústrias, mas no geral não

perderam tanto espaço, e ainda havia milhares de mulheres a mais trabalhando fora de casa do

que havia antes da guerra.19 Tanto no caso das mulheres, quanto no dos afro-estadunidenses,

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novas circunstâncias foram acompanhadas de velhos padrões, contudo, mesmo se as

oportunidades não foram tão abrangentes e decisivas, eles, e outros grupos, ao menos

aprenderam a lutar mais ativamente por seus direitos.

Por fim, e um dos temas mais recorrentes na imagética de guerra, o financiamento do

conflito. Estima-se que todos os gastos dos Estados Unidos durante o conflito tenham somado

em torno de trezentos bilhões de dólares. Para arrecadar tal quantia, os impostos foram

aumentados, mas eles não dariam conta, então, a maior parte do capital veio das indústrias,

que forneciam produtos aos países aliados, e dos bônus de guerra vendidos nos War Loans.

Essa propaganda, assim como as outras, foi feita através da segmentação, ou seja, as

mensagens são elaboradas de acordo com o grupo para o qual serão destinadas, por exemplo:

nas campanhas dos loans, as propagandas veiculadas para camadas pobres davam ênfase no

aspecto ideológico, no dever patriótico para com o país ou na ajuda da vitória para que seus

conhecidos voltassem logo para casa (Imagem 4); já para os empresários, as campanhas

enfatizavam as consequências econômicas, como, por exemplo, o aumento da inflação caso

não cooperassem com a economia de guerra.20

Imagem 4

Pôster Encomendado por US Treasury, Lawrence B. Smith, 1942.

Analisando os objetivos da propaganda tratados aqui em relação ao comportamento da

sociedade em geral durante a guerra, podemos dizer que a guerra pela opinião pública

empenhada pelo governo Roosevelt foi vencida, tendo em vista a extensa participação popular

no war effort. Devemos ter em mente, no entanto, que a imagética não obteve efeitos

perfeitamente mensuráveis e previsíveis se olharmos especificamente para grupos sociais

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menores ou para indivíduos, visto que as pessoas não se envolveram com o esforço no mesmo

nível, nem mantiveram o mesmo envolvimento durante todo o período de conflito: a guerra,

depois de um tempo, pode tornar-se repetitiva e cansativa quando vista através das

propagandas, por isso elas eram constantemente modificadas em suas estruturas e conteúdo,

conservando sempre o mesmo objetivo.

É importante notar, ainda, que a propaganda de guerra como foi conduzida e

apresentada somou-se a outros fatores, como, por exemplo, a emergência do país como

potência mundial, a proteção do isolamento territorial evitando um combate em terras

estadunidenses, e ainda o grande programa de reintegração social criado para os milhões de

ex-combatentes. Tudo isso ajuda a formar, no pós-guerra, uma auto-imagem favorável à

participação na guerra, uma guerra justa e justificável, a guerra contra o nazi-fascismo, a “Boa

Guerra”21. Tal teoria sobre o conflito, juntamente com a teoria do “divisor de águas”22, por

muito tempo se mostrou hegemônica tanto no meio popular quanto no meio intelectual

estadunidense, à parte alguns trabalhos. Ultimamente, entretanto, essa memória nacional

hegemônica tem sido revisitada e repensada por muitos pesquisadores, embora o sentimento

de uma guerra justa ainda permeie o pensamento de muitos, como vimos recentemente na

visita do atual presidente estadunidense, Barack Obama, ao Brasil, quando, num discurso feito

no Teatro Municipal do Rio de janeiro, usou a luta na Segunda Guerra como um elo entre os

dois países.23

Tanto a produção, quando a aceitação e os efeitos da propaganda na sociedade

estadunidense acontecem de forma complexa e cheia de tensões e contradições, da mesma

forma, o efeito da própria guerra atinge as pessoas de formas diversas. Ainda assim,

concordando com Roeder, a imagética da Segunda Guerra, foi, para a sociedade

estadunidense, a experiência visual mais intensa da sua história.

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NOTAS

1 “This war was fought in waiting rooms and store windows, on walls of post offices and factory floors and on big-city billboards – anywhere a poster could help individualize the struggle for ordinary citizens.” BURNS/WARD, 2007, p. 166.

2 O presente trabalho faz parte do projeto de pesquisa “A Reintegração Social dos Veteranos da Segunda Guerra Mundial: estudo comparativo dos ex-combatentes do Brasil e dos Estados Unidos (1945-1965)”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco C. A. Ferraz.

3 TOTA, 2009, p. 161-163.

4 BURNS/WARD, 2007, p. 19.

5 GARCIA, Nelson Jahr. O que é propaganda ideológica. SP: Brasiliense, 1994. 11ª edição.

6 O próprio conceito de ideologia sofre mudanças nesse sentido, pois, trabalhado primeiramente por Karl Marx, foi reelaborado por outros autores como Paul Ricoeur e Marilena Chauí, indo além do seu sentido inicial de dominação de classes pelo viés econômico; essa discussão, porém, o presente trabalho não tem a pretensão de abordar. Para mais informações, ver discussão em: BRANDÃO, H. H. N. O conceito de ideologia. In: Introdução à Análise do Discurso. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997, p. 19-28.

7 DUIS, 1996, p.19, 20.

8A marinha de guerra tornou-se o maior símbolo de obstrução de informações e imagens. (ROEDER, 1993, p. 12,13)

9 A sigla “G.I.”, que significa “Government Issue”, era usada para identificar tudo o que fosse de uso militar, e acaba por ser apropriada pelas pessoas para apelidar os soldados estadunidenses, principalmente os da Segunda Guerra. Da mesma forma, os soldados brasileiros foram chamados de “Pracinhas”, os ingleses de “Tommy” e os franceses de “Poilu”.

10 ROEDER, 1993, p. 10-25.

11 Ibidem, p. 59.

12 JEFFRIES, 1996, p. 43.

13 A expressão “Dr. Win the War” foi cunhada para designar a política do presidente Franklin D. Roosevelt durante a guerra, que substituiu o “Dr. New Deal” da década anterior, a política criada para combater os efeitos da crise econômica de 1929.

14 “Our soldiers and sailors are members of well-disciplined units. But they are still and forever individuals – free individuals. They are farmers and workers, businessmen, professionals men, artists, clerks. They are United States of America. That’s why they fight.” ROEDER, 1993, p. 68.

15 Victory Gardens são hortas que o governo aconselhava serem plantadas por cada família, reduzindo, dessa forma, a demanda e a pressão popular por alimentos.

16 Para mais informações sobre a imagem do soldado na mídia, ver: HUEBNER, Andrew J. The Warrior Image: soldiers in American culture from the Second World War to Vietnam Era. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2008.

17 FERRAZ; RODRIGUES, 2010, p. 636.

18 Ibidem, p. 631, 632.

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                                                                                                                                                                                          19 Para dados numéricos sobre as mulheres trabalhadoras durante a guerra, ver: JEFFRIES, John W. Wartime America: The World War II Home Front. Chicago: Ivan R. Dee, 1996, p. 93 – 106.

20 20 ROEDER, 1993, p. 54.

21 FERRAZ; RODRIGUES, 2010, p. 648.

22 Para mais informações sobre as duas teorias acerca do impacto da Segunda Guerra nos Estados Unidos, “The Good War” e “Watershed”, ver: JEFFRIES, John W. Wartime America: The World War II Home Front. Chicago: Ivan R. Dee, 1996.

23 A Força Expedicionária Brasileira lutou na Itália ao lado de divisões estadunidenses, além de ter dependido dos Estados Unidos na alimentação, no vestuário, no armamento, no municiamento, etc. (FERRAZ, 2005, p. 51)

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Imagem 2: Pôster de Douglas Air Craft Company, 1942. BURNS, Ken; WARD, Geofrey. The War: an

intimate history, 1941-1945. New York: Knopf, 2007, p. 166

Imagem 3: “Rosie, the Riveter”, capa da revista The Saturday Evening Post, Norman Rockwell, 1943. Disponível em: < http://www.saturdayeveningpost.com/wp-content/uploads/satevepost/ illustration_281_3_rosie_the_riveter.jpg> Acesso em: 15 abr. 2010. Imagem 4 Pôster Encomendado por US Treasury, Lawrence B. Smith, 1942. Disponível em: <http://www.propagandaposters.us/poster9.html> Acesso em: Julho de 2010

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

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