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Uma Breve História do Conhecimento das Doenças Venosas da Escleroterapia e da Crioescleroterapia. Autor: Prof. Dr. Miguel Francischelli Neto Clínica Naturale – São Paulo Mestre e Doutor em Cirurgia Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas Chefe do Serviço e Coordenador do Programa de Residência Médica em Cirurgia Vascular do Hospital de Ensino da ISCML Clínica Naturale Unidade I - Avenida Moema , 87 , cj 51-52, Moema , São Paulo F: 50511075 (11) Clínica Naturale Unidade II - Avenida Antonio Ometto 525 , Limeira , São Paulo F: 34538490 (19) Site: http://www.angiologista.com Email: [email protected] copyright do autor 2002 -2009 Proibido reproduções sem autorização O Início A característica de ser visível foi que tornou as varizes de membros inferiores um problema de saúde facilmente perceptível, e assim, passível de estudo e observação, pelos primeiros homens que praticaram a Medicina. 6,7 Um texto citado freqüentemente nos capítulos dedicados à História da Medicina é o Papiro de Ebers, descoberto pelo egiptólogo alemão que lhe empresta o nome. Este papiro é um dos sete documentos ,hoje, conhecidos da antiga Medicina egípcia e foi encontrado em 1873 em Luxor, e, presumivelmente, data de cerca de 1550 AC. O documento em hieróglifos, verdadeiro predecessor dos tratados de Medicina, já citava o termo varizes, referindo-se à “dilatações serpentiformes nos membros inferiores, enroladas, endurecidas, com nódulos e como cheias de ar...”. 6, 8, 9, 10, 11 A esse tempo, os egípcios também haviam observado que a aplicação do frio minimizava a dor do trauma. 12 (figuras 2.1 e 2.2)

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Uma Breve História do Conhecimento das

Doenças Venosas da Escleroterapia e da

Crioescleroterapia.

Autor: Prof. Dr. Miguel Francischelli Neto Clínica Naturale – São Paulo Mestre e Doutor em Cirurgia Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas Chefe do Serviço e Coordenador do Programa de Residência Médica em Cirurgia Vascular do Hospital de Ensino da ISCML Clínica Naturale Unidade I - Avenida Moema , 87 , cj 51-52, Moema , São Paulo F: 50511075 (11) Clínica Naturale Unidade II - Avenida Antonio Ometto 525 , Limeira , São Paulo F: 34538490 (19) Site: http://www.angiologista.com Email: [email protected] copyright do autor 2002 -2009 Proibido reproduções sem autorização O Início

A característica de ser visível foi que tornou as varizes de membros

inferiores um problema de saúde facilmente perceptível, e assim, passível de

estudo e observação, pelos primeiros homens que praticaram a Medicina. 6,7

Um texto citado freqüentemente nos capítulos dedicados à História da

Medicina é o Papiro de Ebers, descoberto pelo egiptólogo alemão que lhe

empresta o nome. Este papiro é um dos sete documentos ,hoje, conhecidos da

antiga Medicina egípcia e foi encontrado em 1873 em Luxor, e,

presumivelmente, data de cerca de 1550 AC. O documento em hieróglifos,

verdadeiro predecessor dos tratados de Medicina, já citava o termo varizes,

referindo-se à “dilatações serpentiformes nos membros inferiores, enroladas,

endurecidas, com nódulos e como cheias de ar...”. 6, 8, 9, 10, 11 A esse tempo, os

egípcios também haviam observado que a aplicação do frio minimizava a dor

do trauma. 12 (figuras 2.1 e 2.2)

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Figura 2.1: O papiro de Ebers em hieróglifos. Reprodução do Atlas zur

Altaegyptischen Kulturgeschichte, publicado em Leipzig em 1936.

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Figura 2.2: Os Dias do Papiro de Ebers , autor Robert A. Thom.

A ilha de Cós, no mar Egeu, era um centro do ensino médico no melhor

momento da cultura clássica grega. Hipócrates nasceu nesta privilegiada ilha em

460 AC. Em uma época em que os ensinamentos médicos passavam de pai para

filhos, Hipócrates era de nobre linhagem, descendente direto, da décima sétima

geração de Asclépio, o Deus grego da Medicina. Talvez essa linhagem divina

explique a clareza de seu pensamento, baseado na observação e no bom senso. 13

Ele cita, em suas obras, várias vezes, as doenças venosas de membros

inferiores. Seus escritos emocionam os estudiosos e praticantes da flebologia, por

serem tão próximos do que conhecemos, modernamente. Hipócrates já

recomendava a compressão como tratamento e citava os efeitos benéficos do

repouso “em casos de úlceras, não é bom ficar em pé”. Em outra citação

descreve as úlceras varicosas: “Grandes úlceras são conseqüências de incisões

em membros com varizes”.11 E também encontramos: “As doenças seguintes

não se desenvolvem antes da puberdade, a pleuropneumonia, a pleurisia, a gota, a

nefrite, as varizes...”. 13 Hipócrates nos impressiona ainda mais quando em uma

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Era em que ainda não se conhecia a circulação sanguínea, já citava: “através da

veia cava o sangue encontra o ventrículo direito e...”. 6, 14 (figuras 2.3 e 2.4)

Hipócrates já utilizava o frio para diminuir edemas, hemorragias e dores e

havia observado que o resfriamento possuía propriedades anestésicas locais. 12

Um dos procedimentos cirúrgicos utilizados por Hipócrates baseava-se

em realizar múltiplas puncturas nas varicosidades ou, então, em enfaixar,

firmemente, o membro, procurando assim gerar uma lesão venosa e obter a

oclusão da veia varicosa. 10

Figura 2.3: Hipócrates. Iluminura de artista Bizantino desconhecido,

manuscrito grego de cerca de 1342 DC. Original na Biblioteca Nacional de

Paris.

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Figura 2.4: Primeira edição grega dos trabalhos completos de Hipócrates por

Aldus Manutius , Veneza 1526.

Ainda, na Grécia, encontramos uma peça, que hoje pode ser vista no

museu de Atenas, que é uma imagem esculpida em pedra que de maneira muito

clara mostra uma veia varicosa em uma perna masculina. Esta imagem

encontrada no templo de Amynos, próximo à acrópole de Atenas é datada de

350 AC. São oferendas votivas levadas aos templos por motivos religiosos

como agradecimento pela cura de doenças.

Estas obras eram produzidas com vários materiais, mas as peças em pedra

resistem melhor ao tempo e chegam aos nossos dias como interessante fonte

de estudo da História da Medicina e da anatomia patológica. Seguramente esta é

a mais antiga imagem documentada de membro inferior com varizes.10, 11 (figura

2.5)

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Figura 2.5: Oferenda votiva do templo dedicado ao semideus Amynos

localizado nos arredores de Atenas. Cerca de 350 AC, peça do Museu de

Atenas.

Na Roma clássica, Plutarco descreveu em seus escritos “A Vida Paralela”

a primeira exérese de varizes que foi realizada por um cirurgião romano

anônimo: “Foi ilustre a firmeza do General e Cônsul romano, Caius Marius, que

nos anos de 105 AC, suportou sem anestesia, em silêncio, as dores das incisões

cauterizadas em ferro quente. Quando o cirurgião quis operar o outro lado, o

cônsul negou-se, dizendo que o tratamento era pior que o mal”. 6,8

Pouco depois Aurelius Cornelius Celsius ( 53AC –7 DC) descreveu com

detalhes a realização de uma exérese de varizes. Ele fazia incisões escalonadas,

cauterizava a veia e retirava a quantidade de vasos que era possível, de forma não

muito diferente das excisões escalonadas nas cirurgias venosas hoje praticadas.10

(figura 2.6)

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Figura 2.6: O Cirurgião Romano Aurelius Cornelius Celsus. Litografia de

Vingneron, sem data

Galeno ( 130-200 DC) nascido em Pérgamo, na Ásia Menor, descreveu a

extirpação de varizes entre duas ligaduras e assinala que a dilatação das varizes

depende da quantidade de sangue que existe em seu interior. 9 Galeno foi médico

de gladiadores e depois foi chamado a servir o imperador romano Marcus

Aurelius. A ele é atribuída a invenção da ligadura cirúrgica, sem a qual a cirurgia

não teria se desenvolvido. Sua teoria da circulação permaneceu aceita por 1400

anos: “O sangue proveniente do ventrículo direito vai passar ao ventrículo

esquerdo através de finas porosidades do septo interventricular...”. Galeno

descreveu uma provável septicemia seguindo o fechamento de uma úlcera

varicosa, talvez a origem de um mito existente, ainda hoje, entre a população

menos esclarecida. 6,10,11,14 (figura 2.7 )

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Figura 2.7: Retrato de Galeno.

A Escola de Alexandria foi o maior centro de estudos médicos no mundo

antigo, maior mesmo que Cós, terra natal de Hipócrates. Fundada por Alexandre,

o Grande, e com suporte financeiro dos governantes, desenvolveram-se a

biblioteca e o museu, que atraíram muitos pesquisadores e estudiosos, entre eles

médicos de todo o mundo. Neste centro de excelência médica já se falava de

ligaduras vasculares, descritas por Herófilos de Chalcedon (280 DC) e

Erasístratos de Iulis (250 DC). No século VII Paulo Aegineta (607-690), aluno

da escola de Alexandria, descreveu em Bizâncio a ligadura da grande safena no

terço superior da coxa. Ele comprimia a veia acima e abaixo com um torniquete e

solicitava para o paciente deambular. Quando a veia estava visível, marcava com

uma tinta especial, e então, praticava sua excisão, ligando o côto proximal e

distal, deixando a incisão aberta para evitar infecção. Provavelmente, Paulo

Aegineta foi o primeiro a praticar a ligadura da safena. 9,10,11 (figura 2.8)

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Figura 2.8: Paulus Aegineta. Autor Johannes Sambucus, 1574.

O primeiro a noticiar uma esclerose de varizes foi Hipócrates, que ao

acompanhar uma paciente com úlcera varicosa, observou que seguindo uma

infecção e, provavelmente, como conseqüência de tromboflebite, ocorria a

esclerose da veia varicosa. 6 Posteriormente, Celso, Galeno, Ambroise Paré e Gui

de Chauliac empregaram, largamente, a cauterização para obter a esclerose de

veias. 6,8,9

Em 1363, Gui de Chauliac utilizou a contenção elástica e realizou o

tratamento de varizes por extirpação e cauterização. 8,9 Gui de Chauliac, o médico

de três papas, em seu célebre livro “La Grande Chirurgie” discorreu longamente

sobre varizes. Chauliac tratava a veia varicosa abrindo o vaso e cauterizando os

ramos sangrantes. 10

No início do Renascimento, Era que mudou de forma tão importante as

artes, a Medicina ainda não conhecia a circulação sanguínea, e persistiam as

idéias de Galeno. Ainda se acreditava que o sangue, no coração, oscilava de um

lado para outro através de poros interventriculares para produzir um pulso. As

varizes e úlceras eram atribuídas à melancolia. Neste cenário, Ambroise Paré

nasceu em 1517 e com seu pai aprendeu o ofício de barbeiro, que incluía tratar de

úlceras e realizar sangrias. Foi a Paris onde aprendeu a anatomia e se tornou

cirurgião militar. Acabou cuidando da aristocracia da época, não sem

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dificuldades de toda espécie, inclusive com riscos para sua própria vida. O

então célebre médico sofria as ameaças de um tirano que queria garantia nos

resultados do tratamento de uma doença crônica, de difícil controle, ainda nos

dias de hoje. Mas, mesmo sob tais ameaças, Ambroise Paré tratou de Henrique

II, o tirano, acometido por uma úlcera de perna, utilizando curativos e contenção

elástica. Paré se utilizava também da cirurgia, realizando ligaduras da safena no

terço médio da coxa. 9,10 Deve-se também a este honroso membro da classe

médica a opinião de que o aparecimento da úlcera de membro se devia à doença

varicosa. 15 (figura 2.9)

Foi quando a Medicina de Ambroise Paré tinha supremacia na Europa, e

seguramente sob sua influência, que o rei Henrique VIII, extinguiu a carreira de

barbeiros-cirurgiões, para fundar o Colégio Real de Cirurgiões da Inglaterra.10

Figura 2.9: Ambroise Paré e um ferido na guerra. Água forte de E. Hamman,

século XIX. Museu de Medicina de Bruxelas.

No Renascimento, os artistas procurando a perfeição na reprodução da

figura humana, realizavam estudos anatômicos, muito mais com interesse na

produção artística do que voltados para pesquisas e ensino na área médica.

Entre eles Michelangelo e Leonardo Da Vinci, conseguiram pintar detalhes do

corpo humano, que associados à descoberta da perspectiva e do “chiaroscuro”

representaram o ponto mais importante da história da arte. Leonardo mostrava

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desenhos detalhados da Anatomia Vascular, demonstrando um interesse um

pouco mais investigativo do que seus contemporâneos, hoje, todos considerados

e reverenciados como mestres da pintura. De 190 desenhos anatômicos

realizados pelo mestre florentino, 50 se referiam ao coração e vasos, mas embora

tivessem a precisão artística que já revelava o Renascimento, a verdade

anatômica ainda mostrava um conhecimento apenas medieval da fisiologia e

morfologia da circulação, como observado em sua descrição dos órgãos e da

circulação de uma mulher. 6 (figura 2.10a e 2.10b)

Albrecht Durer exprimia nas artes o conhecimento de anatomia, mas

foram os desenhos de Jácomo Berengaio de Carpi que sugeriram uma nova Era,

mesmo apresentando sem a maestria artística do Renascimento e com

imprecisão as veias safenas. Berengaio de Carpi demonstrou preocupação com

a ilustração de um livro de anatomia, o primeiro a ser composto com a recém

inventada imprensa, marca dos novos tempos que facilitava a divulgação dos

conhecimentos. 6,9 (figura 2.11)

Figura 2.10a e 2.10b:Auto retrato de 1507 e Desenho anatômico de 1513. Por

Leonardo da Vinci.

André Vesalius foi sem dúvida o grande anatomista do século XVI,

nascido na Bélgica. Publicou um tratado de anatomia intitulado “De Humani

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Corporis Fabrica”, ilustrado por Calcar, um aluno de Ticiano e com sua

ajuda.(figura 2. 12 a) O tratado, dividido em 8 livros, em seu tomo III, se

dedicava às artérias e às veias. Foi publicado por Francesco Franceschi. 6 (figura

2.12b)

Bartolommeo Eustachi publicou em 1552 desenhos anatômicos onde

estavam presentes descrições quase perfeitas do sistema ázigos e da veia cava.

Embora em suas descrições do coração já não se observasse os septos descritos

por Galeno, ele não se opôs, claramente, à idéia clássica de circulação, ainda

vigente. 6 (figura 2.13)

Figura 2.11:Descrição anatômica da circulação venosa superficial. Desenho de

Jácopo Berengaio da Carpi. Impresso por Hieronymum de Benedictis em 1521.

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Figura 2.12a e 2.12b :a: André Vesalius e o "Estudo da Anatomia". Água forte do século XIX. Museu de Medicina de Bruxelas. b : Ilustração do livro de Vesalius “De Humani Corporis Fabrica” do século XVI. Desenho anatômico por Ticiano e seu aluno Calcar, Século XVI.

Figura 2.13:Uma Aula de Anatomia de Bartolommeo Eustachi. Impresso em

Roma em 1714 na Officina Typográphica Francisci Gonzagae.

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A viagem pela história do conhecimento do sistema vascular e das veias

varicosas no mundo antigo não pode deixar de passar pela Medicina islâmica.

Na extensa fase de poder político mouro no sul da Espanha, os médicos

islâmicos recuperaram para a Europa medieval o conhecimento médico que foi

perdido com o fim do Império Romano do Ocidente. Ao fim do império, seguiu-

se o radicalismo religioso que acabou desencadeando os mil anos de trevas da

idade média. A Medicina que havia se iniciado na Mesopotâmia e na civilização

Egípcia foi desenvolvida na Era clássica Grega e Romana. Estes

conhecimentos acabaram reunidos no maravilhoso centro de excelência

acadêmica: a Escola de Alexandria. Os médicos islâmicos foram os herdeiros

dos conhecimentos clássicos da Alexandria. A nau do conhecimento continuava

seu rumo, quando os poderes políticos mudavam, mas a ciência médica era

transmitida. Assim, a Medicina de Alexandria teve continuidade no Império

Romano do Oriente, na civilização de Bizâncio. Constantinopla passou a ser a

“nova Roma”. Os sábios bizantinos com os conhecimentos herdados da Era

clássica fizeram a ponte que transpôs o milênio de atraso na Europa,

propiciando o Renascimento. Os médicos islâmicos foram estes instrumentos na

Medicina. Abou Ali Ibn Abdillah Ibn Sina publicou um tratado médico

conhecido como Cânon de Medicina, que é uma revisão de todas as áreas da

Medicina e se tornou um médico famoso no ocidente conhecido como

Avicenas. Outro médico árabe, Ibn an Nafis (1210-1288), escreveu comentários

sobre o Cânon de Ibn Sina. Nestes escritos contrariou Galeno quanto à

comunicação interventricular, afirmando que o sangue chegava ao ventrículo

esquerdo pelos pulmões e não por comunicações interventriculares. O célebre

médico medieval Maimônedes (1135-1204), nasceu em Córdoba, na Espanha,

então um centro cultural e de excelência médica, na Europa moura, e seus

escritos surpreendem os médicos de hoje pela riqueza de detalhes e clareza de

pensamento, com citações sobre todas as áreas da Medicina. Assim também

deve ser lembrado Albucasis (936-1013), famoso cirurgião, que descreveu uma

cirurgia de retirada de varizes com fleboextrator e Haly Abbas (? –994),

mostrando com quase perfeição, o quadro clínico das veias varicosas. Neste

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período a Medicina começou a ser ensinada nos hospitais, onde os alunos

examinavam os pacientes e consultavam os assistentes mais experientes, para que

eles determinassem a melhor terapia. 6, 10, 14 (figuras 2.14, 2.15 e 2.16)

Figura 2.14:Exemplar de desenho da Medicina islâmica representando a

circulação. Autor, Mansur ibn Muhammad, 1488.

Figura 2.15:Moses Maimonedes. Divisão de História da Medicina da

Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA.

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Figura 2.16:Avicenas. Divisão de História da Medicina da Biblioteca Nacional

de Medicina dos EUA.

Michel Servet (1511-1553) nascido na Espanha teve uma vida boêmia

pela Europa, e por causa de um livro considerado herético pela inquisição, foi

queimado junto de suas obras em 1553, em Gênova. Três exemplares de seu

livro, entretanto se salvaram, e nos revelaram a primeira descrição por um

europeu da circulação pulmonar. Talvez tivesse tido conhecimento na Espanha

dos escritos dos médicos islâmicos, e a ponte do conhecimento, novamente, se

fazia. Depois dele, Realdo Colombo, Andréa Cesalpino e Fabrice

d’Aquapendente trataram do tema da circulação se aproximando-se da descrição

definitiva, que seria oferecida por Willian Harvey, aluno de Fabrice

D’Aquapendente. Harvey publicou em Frankfurt, em 1615 a obra: “Exercitatio

Anatômica De Motus Cordis et Sanguinis in Animabulus”, foi o marco que

separou a Medicina antiga da moderna.6 (figuras 2.17, 2.18 e 2.19)

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Figura 2.17:Michel Servet. Divisão de História da Medicina da Biblioteca

Nacional de Medicina dos EUA.

Figura 2.18:Fabrice de D’Aquapendente. Divisão de História da Medicina da

Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA.

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Figura 2.19: Willian Harvey. Divisão de História da Medicina da Biblioteca

Nacional de Medicina dos EUA.

Em 1667, um médico alemão, Sigismund Elsholtz, utilizando um osso de

ave biselado no papel de agulha, injetou uma infusão de plantas em uma veia

varicosa adjacente a uma úlcera crônica. Para sua grande satisfação a úlcera

cicatrizou. Era um soldado, que teve sua lesão tratada, provavelmente, por causa

da esclerose da veia nutridora pela ação do esclerosante. Embora tenha

atribuído a ação do medicamento diretamente na úlcera o efeito obtido,

Elsholtz, passou à história por haver realizado a primeira escleroterapia.

Anunciava-se o nascimento de uma técnica clássica, que ocorreria duas

centenas de anos depois, para ser praticada, amplamente, até os dias de hoje e,

se nos apresentando cada vez mais viva e estimulante. 6, 7 (figura 2.20)

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Figura 2.20: Sigismund Elsholtz. Litografia, Alemanha. Divisão de História da

Medicina da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA.

A Cirurgia de Varizes até os Tempos Modernos

No início da Era moderna da cirurgia de varizes, encontramos o nome do

primeiro diretor da academia de cirurgia de Paris, Jean Louis Petit (1674-1750).

Ele descrevia que a causa das veias varicosas era “alguma coisa que obstruía o

caminho do sangue nas veias”. Petit, sem menção de anestesia, praticava a

retirada cirúrgica de veias varicosas. Na Itália, um cirurgião pouco conhecido,

Giovanni Rima ( 1783-1843), praticava a ligadura da safena no terço médio da

coxa. 10

Em 1846, Benjamin Brodie, no Reino Unido, descreveu um teste

semelhante ao que seria, posteriormente, conhecido como teste de

Trendelembug. Recomendou a ligadura da crossa de safena para o tratamento da

doença varicosa. 10 (figura 2.21)

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Figura 2.21: Benjamin Brodie. Reprodução de publicação de Maull e

Polyblank, Londres, 1856. Divisão de História da Medicina da Biblioteca

Nacional de Medicina dos EUA.

Em 1877, Schede utilizava técnicas de ligadura percutânea, interrupções

múltiplas e depois dele em 1885, Madelung descreveu a retirada completa da

safena magna, combinada com a ligadura de colaterais. O procedimento de

Madelung foi muito popular até se demonstrar que estava associado à embolia

pulmonar em 1% dos casos. 11 (figura 2.22)

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Figura 2.22 O Procedimento de Malung de 1884

Friedich Trendelemburg, em 1890, na Alemanha, realizou e divulgou a

ligadura da safena na transição entre o terço proximal e médio da coxa.

Trendelemburg analisou a anatomia venosa, descreveu o sistema de válvulas, as

relações entre o sistema superficial e profundo e as diferentes manobras externas

que permitem avaliar, clinicamente, o sistema venoso. Trendelemburg deu

início aos conhecimentos técnicos os quais chegam aos médicos que tratam das

doenças vasculares hoje,e que podem ser considerados seus sucessores. 8,10

(figura 2.23)

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Figura 2.23: Friedich Trendelemburg. Divisão de História da Medicina da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA. Em 1908, foi descrita na Alemanha uma técnica cirúrgica de triste

memória, conhecida como cirurgia de Rindfleish – Friedel. Consistia na ligadura

da safena na crossa, e depois a realização de espirais com cinco a sete voltas,

atingindo a fáscia muscular e permitindo a ligadura das colaterais. O fechamento

era obtido com cicatrização por segunda intenção, com resultados obviamente

desastrosos. 11 (figura 2.24)

Figura 2.24: Cirurgia de Rindfleisch- Friedel. A História da Cirurgia Venosa produziu algumas situações impensáveis, que no entanto ocorreram .

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Em 1896, na Austrália, Willian Moore descreveu a ligadura da crossa de

safena sob anestesia local. No mesmo ano, na Inglaterra, Thelwall Thomas

descreveu a mesma técnica. Nos EUA, em 1916, John Homans e em 1930 Geza

de Takatz descreveram a ligadura da crossa da safena. 10

Em 1905, Willian Keller descreveu a retirada da safena magna com o uso

de um fleboextrator interno que invertia a veia sob si mesma. Em 1906, Charles

Mayo, nos EUA, descreveu a retirada da safena, utilizando um fleboextrator em

anel, que permitia a retirada da veia e a secção de colaterais. 6, 9(figura

2.25a,b,c,ed)

a b

c

d

Figura 2.25: A técnica de fleboextração de Keller . 2.25b: A técnica de

fleboextração de Mayo e 2.25c : A técnica de fleboextração de Babcok. 2.25d

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Moderna fibra de Laser Endovenoso.

Em 1907 nos EUA, Sthephen Babcock criou um fleboextrator com

cabeça, precursor dos atualmente utilizados. Em 1940, Tom Myers, nos EUA,

popularizou a fleboextração da safena magna como realizada hoje, com ligadura

da safena na junção safeno-femoral, ligadura dos ramos, passagem do

fleboextrator no sentido distal-proximal e retirada escalonada das colaterais. 10

Em 1927 Unger propos a ligadura proximal da crossa da safena e

escleroterapia aberta retrógrada da safena. 128 Esta técnica tem sido de tempos em

tempos lembrada, mas com índices de complicações não aceitáveis. (figura 2.26)

Figura 2.26 Cirurgia de Unger. Ligadura proximal da Crossa da Veia Safena

Magna e esclerose retrógrada aberta.

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Com o trabalho de Moro, terminamos a fase histórica da cirurgia de

varizes. Moro propôs ligadura da safena na crossa, ressecção da safena seguida

da ressecção das veias comunicantes insuficientes. No Brasil, Correia Neto, em

1935, introduziu o método. É digna de notar-se ainda hoje sua citação logo no

início do trabalho: “ O tratamento das varizes dos membros inferiores não é fácil

de ser regularizado devido a divergência de opiniões reinantes sobre o valor

curativo do método esclerosante e do processo sangrento...” . 129 (figura 2.27)

Figura 2.27 O trabalho pioneiro de Alípio Correia Neto sobre cirurgia de

varizes no Brasil. Cortesia de Luccas G.C.

Na tabela 2.1 vemos um resumo do período clássico da história da

cirurgia de varizes.

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A História da Escleroterapia

Em 1813, na Itália, Monteggia sugeriu o uso de álcool absoluto para

esclerosar vasos e depois Leroy D´Etioles, em 1835, escreveu à Academia de

Ciências da França propondo o mesmo álcool absoluto, com a intenção de

tratar aneurismas arteriais por esclerose, mas a técnica foi logo abandonada. 7, 18

(figura 2.28)

Em 1849, o cirurgião francês C. Pravaz, em Lyon, inventou a seringa e a

agulha e as utilizou para introduzir uma substância esclerosante, o percloreto de

ferro, em um aneurisma arterial. A descoberta da seringa e da agulha foi o

início da moderna escleroterapia. 6, 19 (figura 2.29)

Ainda em Lyon, mais precisamente em 1853, no hospital “l’Hotel-Dieu”,

que tinha disponível apenas uma seringa, recentemente apresentada, Valette em

um dia de julho, Petrequin no dia seguinte e Desgranges três dias depois,

estenderam a técnica de Pravaz, ao tratamento das varizes, utilizando o mesmo

percloreto de ferro. Acidentes logo sobrevieram, e levaram ao descrédito

temporário do método, que tinha apresentado um encorajador início. 6,7,20

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Figura 2.28 :Giambattista Monteggia. Divisão de História da Medicina, Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA.

Ano Autor - País Contribuição 607-690

Paulo Aegineta Bizâncio

Ligadura da safena magna, deixando a incisão aberta para cicatrização em segunda intenção para evitar sepsis. A primeira descrição da ligadura de safena. Utilizava uma tinta especial para marcar a veia.

1674- 1750

Louis Petit França

Excisão de varizes. Sem anestesia.

1783 -1843

Giovanni Rima Itália

Ligadura da safena no terço médio da coxa. Não utilizava anestesia

1846 Benjamin Brodie Reino Unido

Descreveu o que seria posteriormente conhecido como teste de Trendelemburg, demonstrando refluxo da safena e recomendou a ligadura da crossa de safena, posteriormente influenciando a cirurgia descrita por Trendelemburg.

1877 Schede Utilizava técnicas de ligadura percutânea e múltiplas interrupções.

1885 Madelung Retirada completa da safena magna por incisão direta e com ligadura das tributárias.

1891 Friedich Trendelemburg Alemanha

Incisão transversa na junção entre o terço superior e médio da coxa, e ligadura da safena. Descreveu o sistema de válvulas.

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1908 Rindfleish – Friedel Alemanha

Ligadura da safena na crossa e abertura da pele em espiral ligando os ramos com resultados desastrosos

1896 Willian Moore Austrália

Ligadura da crossa de safena sob anestesia local.

1896 Thelwall Thomas Reino Unido

Ligadura de crossa de safena

1916 John Homans- EUA

Ligadura de crossa de safena

1930 Geza de Takats-EUA

Ligadura de crossa de safena

1905 Willian Keller -EUA

Fleboextrator interno

1906 Charles Mayo -EUA

Fleboextrator em anel, que passava por fora da veia e rompia colaterais

1907 Sthephen Babcock EUA

Fleboextrator com cabeça, precursor dos atuais.

1940 Tom Myers-EUA Popularização da fleboextração da safena magna como realizada hoje, com ligadura da safena na junção safeno- femoral.

Tabela 2.1: A História da cirurgia de varizes 6,9,10, 11,14, 17

Figura 2.29 : A seringa de Pravaz.

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Weinlechner, na Alemanha em 1884, descreve resultados da

escleroterapia com percloreto férrico: “32 pacientes, 411 injeções, (23 com uma

sessão, cinco com duas sessões, dois com três e dois com quatro sessões).

Foram obtidas 30 curas, sem óbitos, um flegmão de panturrilha e 18 gangrenas

localizadas...”. 6

As complicações no início do tratamento esclerosante se deveram muito

mais ao desconhecimento e pouca aplicação de técnicas assépticas, o que levava

a supurações e septicemias, além das complicações tromboembólicas. A solução

de percloreto férrico, utilizada por suas propriedades coagulantes, era a que

causava mais complicações infecciosas, o que ocorria um pouco menos com a

solução iôdo-tânica ( 5% de iodo e 45% de tanino), proposta por Socquet e

Guillermmond e que também foi utilizada por Desgranges. A solução iodo-tânica

que começava a ser aplicada nesta época tinha propriedades assépticas. A

cirurgia também não apresentava bons resultados, porque a assepsia não era

ainda uma técnica conhecida e disponível e as complicações infecciosas

limitavam seu desenvolvimento.7,21

A escola médica vienense, muito respeitada no final do século XIX,

utilizava a injeção perivascular como técnica de tratamento esclerosante, com

resultados desastrosos. Isto levou ao congresso médico cirúrgico de Lyon a

condenar a técnica como insegura, em 1894. Este retrocesso da técnica ocorreu a

despeito de interessantes e sérios trabalhos experimentais descritos por Delore,

no mesmo congresso, que começava a demonstrar os mecanismos da esclerose

de vasos. A injeção perivascular, proposta pelos médicos vienenses, foi a

responsável pela impopularidade das técnicas de escleroterapia no início do

século passado.7, 10, 21

Os trabalhos de Delore apresentavam as primeiras descrições da ação

fisiopatológica dos esclerosantes, demonstrando que a solução iodo-tânica

possuía uma ação esclerosante não por provocar a coagulação do sangue, a idéia

corrente, mas por agir na parede interna do vaso: “ Eu tenho a tendência a relegar

a segundo plano a ação na formação de trombo do tanino, e valorizar a ação no

endotélio lenta e irritativa do iodo, que provocará uma flebite de boa natureza”.

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Delore descrevia, há mais de uma centena de anos, que a formação do trombo

era secundária ao processo de lesão do endotélio. Os conhecimentos

fisiopatológicos de Delore, seguramente, ofereceram a seus pacientes, bons

resultados que depois foram descritos por um discípulo, Rouby.7

Tavel, em Berna na Suíça, em 1904, descreveu a injeção da solução de

ácido fênico a 5% seguida da ligadura da safena.7

Benedetto Schiassi de Bolonha, na Itália, em 1908, também associou

uma técnica operatória à esclerose de varizes com iodeto de potássio. 6,7,22

Linser, P, na Alemanha em 1916, utilizou como esclerosante o bicloreto

de mercúrio. Em 1920 na França, Sicard, J. utilizou o carbonato de sódio e

depois, em 1922, o salicilato de sódio. 6,9,23

Sicard e seus alunos, na terceira década do século XIX, deram início ao

que seria reconhecida como a escola francesa de flebologia, com o renascimento

das técnicas de escleroterapia, mas, nesse momento, eclipsada pela maravilhosa

“aventura cirúrgica” que havia sido desencadeada no início deste mesmo

século.21 (figura 2.30)

Figura 2.30: Jean Sicard. Litografia de Melle Formetin. Divisão de História da

Medicina da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA.

Kausch, em 1917, e Nobl, em 1926, utilizaram a solução de glicose

concentrada para tratamento esclerosante das varizes. 6,22

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Tournay, R, um dos alunos de Sicard, foi um grande estudioso das

técnicas de escleroterapia e fundou em 1947 a sociedade francesa de flebologia,

que teve grande influência no desenvolvimento da flebologia mundial. 4,6 (figura

2.31)

Figura 2.31:R. Tournay.

Nesta fase inicial, na Europa, seguindo a criação da sociedade francesa,

houve a publicação de grande número de trabalhos sobre escleroterapia,

principalmente na França. Entretanto, na América do Norte, houve apenas uma

publicação em 1948, e outra em 1969. O Novo Mundo mostrava pequeno

interesse pela técnica, naquela época. O desenvolvimento do procedimento

cirúrgico explicava este abandono momentâneo da escleroterapia, que

apresentava grande atraso em relação à cirurgia. 21

Mas os debates com argumentos contra e a favor da escleroterapia

continuavam, e em 1947, Garber na África do Sul escreveu um convincente

artigo contra a escleroterapia de grandes veias, sugerindo a ressecção alta da

safena seguida de múltiplas ressecções das varizes. Embora a escleroterapia de

grandes veias ainda seja praticada em outros países, a experiência entre nós

mostra que esta tendência anunciada por Garber é a que deve ser seguida ainda

hoje e a escleroterapia ser utilizada como um complemento à cirurgia e para

tratamentos de vasos de menor calibre. 10Entretanto, entre críticos e defensores, a

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escleroterapia passou a ter um grande desenvolvimento, às vezes tendo a

cirurgia como rival, e depois como aliada, mas nunca mais foi abandonada. 21

Figura 2.32: Miyake, H. Importante Cirurgião Vascular Brasileiro , que plantou as bases clínicas do tratamento da doença venosa de importância estética no Brasil ( foto cortesia de Miyake , K.

Figura 2.33 . Potério Filho, J. Professor de Cirurgia Vascular da Universidade Estadual de Campinas e grande estudioso das doenças vasculares. Trouxe importantes contribuições à compreensão da fisiopatologia da doença venosa e ao seu tratamento.

Outros são citados na verdadeira epopéia histórica da escleroterapia, na

flebologia. Entre nós , devemos lembrar os professores Hiroshi Miyake da

Universidade de São Paulo e João Potério Filho da Universidade Estadual de

Campinas brilhantes pesquisadores das doenças venosas em suas bases estéticas

e funcionais e que muitas contribuições nos legam.

Por causa da longa história, podemos encontrar no passado um grande

número de médicos com espírito criativo que merecem ser lembrados, em

qualquer estudo sobre este tema. Na tabela 2.2 encontramos os pioneiros e

divulgadores dos métodos de escleroterapia e esclerosantes.4,7,21,22

Ano Esclerosante Autor 1813 Álcool absoluto em artérias Monteggio, 1835 Álcool Absoluto em artérias D’Etiolles, Leroy 1851 Percloreto férrico em artérias Pravaz 1853 Percloreto férrico em veias Valette, Petrequin, Desgranges 1854 Solução iodo-tânica Socquet, Guillermond 1880 Cloral Negretti 1904 Solução de ácido fênico e ligadura safena Tavel 1906 Iodo e iodeto de potássio Schiassi

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1910 Sublime Scharf 1917 Glicose hipertônica/calorose Kausch 1919 Salicilato de sódio Sicard e Gaugier 1919 Bicarbonato de sódio Sicard e Gaugier 1920 Bicloreto de mercúrio Wolf 1922 Sulfato de quinino 12% com uretano 6% Geneurier 1922 Biiodeto de mercúrio Lacroix, Bazelis 1926 Solução salina hipertônica com procaína Linser 1927 Açúcar de uva a 50% Doerffel 1929 Citrato de sódio Kern e Angel 1929 Solução salina hipertônica a 20-30% Kern e Angel 1930 Morruato de sódio Higgins e Kittel 1933 Glicerina cromada Jausion 1937 Oleato de monoetanolamina Biegeleisen 1946 Sulfato tetradecil de sódio Reiner 1949 Mercúrio fenolado e amônia Tournay e Wallois 1959 Íons poliiodados estabilizados Imhoff e Sigg 1966 Polidocanol Henschel.Eichenberg 1969 Solução salina hipertônica/dextrose Tabela dos 2.2: A cronologia da introdução esclerosantes na prática médica.4, 7,21,22

O Controle Estético da Doenças Venosas

do a partir de tele, que significa

distante, p ,

ez,

ária que vai dos 30 a 50 anos, é a, mais freqüentemente,

encontrada

as. O

siderar o tratamento das telangiectasias por meios

químicos ( a

O termo telangiectasia é cunha

eriférico, angio referente a vaso e ectasia que significa dilatação

portanto, dilatação do vaso distante, periférico. Foi utilizado, pela primeira v

em 1807, por Von Graf: “Dilatações patológicas dos vasos de pequeno calibre

mais periféricos. 36

A faixa et

nas clínicas que realizam o tratamento das telangiectasias, mas

pacientes de 15 a até 75 anos podem procurar cuidados por questões estétic

sexo feminino é o mais prevalente, mas homens, embora raramente, também

procuram tratamento.88

Podemos con

esclerosantes), por meios físicos(eletroterapia, Laser e luz intens

pulsada), por meio físico – químico (crioescleroterapia) e combinados

(associação de métodos). (tabela 2.3)

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No início a escleroterapia era praticada por clínicos como uma

alternativa à cirurgia. Por um longo período foi abandonada. Posteriormente,

passou a ser utilizada como um complemento à cirurgia e para tratamento das

telangiectasias, embora, continue sendo utilizada para tratamento de vasos de

grande calibre por algumas escolas, principalmente européias.10,21, 40

Muller, R. Descreveu, em 1966, uma técnica que ficou conhecida

como “cirurgia de Muller”, que é a retirada de veias colaterais sob anestesia

local. Entretanto, Muller utilizava a técnica para retirada de veias colaterais de

maior calibre e não para veias reticulares. Aplicava incisões de 1 a 3 mm, tinha

acesso à veia varicosa através de um pinça mosquito. Não utilizava a agulha de

crochê. 89 Em uma publicação posterior, de 1978, Muller, R. ainda não refere o

uso de agulhas de crochê ou de microganchos.90

Ricci, S. ,em 1992, atribui a Muller, R. o uso de microganchos

parecidos com agulhas de crochê.91 Técnica semelhante a descrita por Muller, R.

era praticada no Brasil, rotineiramente, sem, no entanto haver sido publicada.

Alguns atribuem a Tavares, J. a descrição do uso da agulha de crochê,

considerado um simples e considerável avanço para minimizar as cicatrizes e

melhorar resultados estéticos, entretanto, não temos estas referências publicadas,

tratando-se apenas, de relatos referentes à comunicação pessoal.16 A primeira

publicação em que encontramos a referência à agulha de crochê é a de Kafejian,

O. e Takayanagi, T. de 1976, que descreve com detalhes a introdução desta

técnica, agora utilizada com ampla aceitação, e defendida pelos cirurgiões

vasculares no Brasil.127

Francheschi, C. em 1988 propôs a técnica conhecida por CHIVA. do

francês: “Cure hémodynamique de l’insuffisance veineuse ambulatoire”, a

técnica baseada em determinar os exatos pontos de refluxo com ajuda do ultra-

som, para então realizar um tratamento cirúrgico minimizado e conservador.

Houve grande entusiasmo inicial, recebendo mais tarde críticas por causa de um

número não desprezível de recidivas. 92

Miyake, H. descreveu o tratamento cirúrgico das telangiectasias

quando associadas a uma via de drenagem com incompetência valvular. Propôs o

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termo minicirurgia de varizes para o tratamento cirúrgico destas telangiectasias.

Utilizava a minicirurgia com anestesia local, em consultório, com a intenção de

realizar a correção hemodinâmica do refluxo, que alimenta as telangiectasias. 5

Em 1989 , Francischelli, M. N. após conhecer o trabalho de Miyake,

H. com minicirurgias de telangiectasias, ampliou a indicação da minicirurgia

com anestesia local ambulatorial para maiores extensões de veias reticulares

inestéticas, mesmo que não associadas a telangiectasias. Não indicava este tipo

de correção, entretanto, para as varizes de maior calibre, conforme defendido na

técnica descrita por Muller, R. Foi proposto o uso de solução anestésica diluída

com lidocaína a 0,25%, o que permitia realizar múltiplas incisões, sem aumentar

o risco de toxicidade ao anestésico. Com 10 ml de lidocaína a 2% diluída para

0,25%, é possível obter 80 ml de solução, que permitem 80 microincisões.

Apresentou 53 casos de pacientes portadores de veias reticulares e pequenas

varizes, operadas em consultório, utilizando a técnica de agulha de crochê. Estas

cirurgias, tinham a duração de uma hora e meia até cinco horas, com boa

aceitação pelo paciente.93

Posteriormente, Muraco Neto, B. apresentou também bons resultados

com o mesmo método.94

Stheling, A.P. em 1992, apresentou a técnica da agulha 40/12 para

microincisões em cirurgias estéticas no Brasil. 95 A técnica também foi utilizado

na mesma época por Ricci. S. 91 Em 1993, Ivo, C. divulga e amplia o uso desta

técnica que recebeu rápida aceitação em todo o país.96

Em 1994, Ivo, C. adiciona à solução anestésica diluída o

tamponamento com bicarbonato de sódio, o que reduz a dor da anestesia local.97

Em 1993, Luccas, G.C. descreve a fleboextração parcial proximal da

veia safena interna no tratamento das varizes primárias dos membros inferiores,

visando a preservação da safena para eventual uso como substituto arterial.58

Em 2001 Navarro, L. descreve o uso de um Laser de diodo de 810 nm

com uma fibra ótica de 400 a 750 mícrons de diâmetro que passa a ser utilizado

ainda experimentalmente, com resultados apenas preliminares, para destruição da

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veia safena em seu leito, sem fleboextração. Em 40 pacientes houve uma taxa de

oclusão da veia safena magna de 100%, sem complicações importantes.98

A escola européia pratica a escleroterapia para tratamento das

telangiectasias e das veias de maior calibre, enquanto a escola brasileira, com

variações, prefere a minicirurgia, com anestesia local, para o tratamento das veias

reticulares e de pequeno calibre; a cirurgia, em ambiente hospitalar, com

anestesia tipo bloqueio, para a cirurgia das safenas e das colaterais e reserva a

escleroterapia, principalmente, para o tratamento das telangiectasias simples.

Para as telangiectasias combinadas é preconizada a associação da escleroterapia

com o tratamento da veia associada com minicirurgia sob anestesia local.

Eventualmente, veias reticulares e veias residuais, após tratamento cirúrgico, são

tratadas com escleroterapia. A escola americana realiza cirurgias e escleroterapia

química para veias de maior calibre e escleroterapia química, e principalmente

Laser, para telangiectasias.18,21,93, 99,100,101

Em 1941, o esclerosante mais utilizado era o oleato de

monoetanolamina e o morruato de sódio. O oleato de monoetanolamina,

introduzido nos EUA por Biegeleisen, H. não foi muito utilizado no início,

havendo mesmo, posteriormente, uma utilização limitada, em sua forma pura. 10

Orbach, E.J. propôs o uso de espumas esclerosantes já em 1944,

procurando com as bolhas de ar manter um maior tempo de contato do

esclerosante com a parede do vaso. Novas técnicas de obtenção de espuma são

apresentadas hoje, rotuladas como “air block”. 102 Associa-se a ação química do

esclerosante com a propriedade física das bolhas de aumentar o tempo de

contato.

Medeiros, A. refere bons resultados com a associação de oleato de

monoetanolamina e glicose. Utilizou diferentes diluições e a esclerose química

por esta solução é praticada ainda hoje, e defendida por muitos cirurgiões

vasculares e angiologistas brasileiros. 103

Atualmente, são utilizados a glicerina cromada, o polidocanol, o

tetradecil sulfato de sódio, o morruato de sódio, a dextrose associada ao cloreto

de sódio, a solução salina hipertônica, a glicose hipertônica e a associação de

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glicose 50% com oleato de monoetanolamina. Ainda são descritos na Europa o

uso dos antigos esclerosantes, salicilato de sódio e soluções iodadas. Existem

variações, principalmente, por causa da legislação em saúde que não aprova os

mesmos esclerosantes em todos os países.5, 69, 70, 71, 104

Na tabela 2.3 encontramos uma classificação dos agentes

esclerosantes, modificada, atualmente utilizados, segundo seu mecanismo de

ação. 4, 22,40,45, 52,69,70, 71, 99,116

Miyake, H. afirma que a glicose a 50% e a 75% são suficientes para

atender todos os casos com indicação para tratamento com injeções

esclerosantes, embora cite a associação de oleato de monoetanolamina e glicose

50% na proporção de 4:1 e o polidocanol a 0,5%, como opções. 5

Embora a glicose a 75% seja recomendada por seus efeitos favoráveis,

principalmente menor risco de ulceração e ausência de quadros alérgicos

associados a seu uso, é descrito maior dor seguindo a aplicação. Também é

referida uma certa dificuldade de injeção pela viscosidade do produto. 70

Agentes de Escleroterapia

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Escleroterapia química Agentes osmóticos Produzem desidratação endotelial por gradiente osmótico. Solução salina hipertônica ( Cloreto de Sódio 23,4% ) Glicose (solução 50%, 66%,75%) Solução salina hipertônica e Dextrose ( Dextrose 250 mg/ml, Cloreto de Sódio 100 mg/ml, Fenetil álcool 8 mg/ml ) Salicilato de sódio ( solução 20%, 30%, 40%) Agentes detergentes Produzem lesão endotelial por ação nos lipídios da membrana celular. Oxipoliethoxidodecan (Polidocanol ) Oleato de monoetanolamina (Ethamolin) Morruato de Sódio Tetradecil Sulfato de Sódio (Sotradecol) Agentes Irritantes Lesão tóxica na célula endotelial. Glicerina Cromada ( 72%) Soluções iodadas Técnicas de “air block” Associação de esclerosantes Glicose 50% e oleato de monoetanolamina 2% Salicilato de Sódio 6% e Glicerina 26% Glicose 66% (1/3) e Polidocanol 0,5% (1/3) e Água destilada (1/3) Escleroterapia Química e Física Crioescleroterapia Escleroterapia Física Laser Luz Intensa Pulsada Eletroterapia Dérmica Eletroterapia Subdérmica Tabela 2.3: Principais agentes no tratamento escleroterápico, modificado, baseado em vários autores. 4, 22,40,45, 52,69,70, 71, 99,116,124

O Laser

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Emissores de luz monocromática (Laser) e policromática (luz intensa

pulsada) são utilizados no tratamento das telangiectasias dos membros inferiores.

Kaplan, I. publicou em 1975 o primeiro trabalho descrevendo o uso do

Laser de CO2 para tratamento de vasos. 105

Os requerimentos básicos de um Laser ou fonte de luz intensa pulsada

para tratar telangiectasias de membros são: 1- Utilizar comprimento de onda que

é, proporcionalmente, melhor absorvido pelo alvo (hemoglobina), que pelos

cromóforos vizinhos. 2- Capacidade de penetrar até a profundidade do vaso

sanguíneo alvo. 3- Energia suficiente para lesar o vaso, sem danificar, à pele

subjacente. 4- Tempo de exposição suficiente para, lentamente, coagular o vaso

sem lesar o tecido subjacente. Estes parâmetros dependem de comprimento de

onda, duração de pulso e do diâmetro do emissor. 106

Para proteção da pele foi desenvolvido sistema de resfriamento do

emissor. Alguns Lasers e equipamentos de luz intensa pulsada já possuem este

sistema, como o Versapulse e o Photoderm. 106

Entre nós, em estudo de 1999, Menezes, F.H. utilizou o Laser pulsado

de corante amarelo, comprimento de onda de 595-600 nm, com pulso de 1,5

mseg e 16J/cm2 de fluência (Candela ScleroLASER) para o tratamento das

telangiectasias. Descreveu bons resultados em 73% dos pacientes, entretanto com

algum tipo de descoloração da pele em 21% dos pacientes. Refere que em

populações com predomínio de pele mais escuras existe a necessidade de

protocolos adaptados ou, eventualmente, seu uso como coadjuvante da

escleroterapia a fim de evitar a descoloração da pele. 107

Outras complicações dos tratamentos com Laser ou luz intensa

pulsada são as queimaduras. Miyake, K. em estudo de fatores preditivos para a

lesão cutânea em tratamentos com luz intensa pulsada refere: “Outro aspecto a

ser ressaltado é que a mesma regulagem em aparelhos diversos não implica,

necessariamente, a emissão de mesma quantidade de energia, devido ao desgaste

da lâmpada ou a variações entre diferentes emissores de luz pulsada. Logo é

temeroso repetir os mesmos parâmetros da fonte de luz intensa pulsada em

pacientes distintos, ainda que apresentem o mesmo tipo de pele. Todas essas

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variáveis, somadas à ansiedade do paciente e à vontade do médico de curá-lo,

podem converter-se em liberação excessiva de energia e, conseqüentemente,

queimadura de pele”.108

McDaniel, D. refere que embora vários tipos de emissores de Laser e

luz intensa pulsada sejam eficientes, a terapia das telangiectasias com

escleroterapia não foi substituída como padrão-ouro, por estas novas técnicas de

Laser. Uma boa utilização destes novos equipamentos seria para as

telangiectasias resistentes ao tratamento escleroterápico e para o controle das

névoas telangiectásicas.101

Eletrocauterização

A eletrocoagulação dérmica das telangiectasias tem se constituído em

técnica alternativa para o tratamento deste problema, mas, seus resultados são

limitados, havendo dor, ineficiência de resultados, e pode causar alterações

pigmentares desagradáveis na pele dos pacientes, com grande freqüência.18

Serralvo, A.M. e Potério Filho, J. descreveram a cauterização,

subdérmica, com bisturi elétrico de alta freqüência, sob anestesia local de

pequenas artérias subcutâneas, associadas com telangiectasia em estrela ou

aranha. Guiada por ultra-som, para reconhecimento das pequenas artérias

nutridoras, uma cânula de teflon número 20 foi alocada, paralelamente a pele, na

provável origem da comunicação artério-venosa. A porção plástica da

cânula serve de proteção térmica e elétrica para a pele. O bisturi transmite a carga

elétrica para a ponta metálica do mandril, que é capaz de emitir energia e

cauterizar o local.42

Crioescleroterapia

O cirurgião Dominique Jean Larrey, do exército de Napoleão, durante a

retirada de Moscou, observou que os membros lesados dos soldados feridos

podiam ser amputados com menor dor se fossem cobertos e resfriados com o

gelo e a neve do inverno russo. John Hunter de Londres, em 1777, descreveu as

alterações nas células provocadas por congelamento. James Arnott, em Londres

foi o pioneiro no tratamento de lesões de pele, alcançando temperaturas de 8 a

12 0C negativos utilizando uma solução de gelo e sal, demonstrando seu aparato

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na Grande Exibição de Londres de 1851. Depois White, em 1889, descreveu

vários usos médicos do resfriamento, tratando verrugas, nevos, lesões pré –

cancerígenas e tumores malignos de pele. 12

O termo Crioterapia foi primeiramente utilizado por Bordos, em 1912.

Em 1930, Lortat-Jacobs e Solente publicaram a monografia “A Crioterapia”,

que descrevia diversas maneiras em que o resfriamento era utilizado em

medicina. 24

No final do século XVIII, cientistas observaram que os gazes atmosféricos

esquentavam quando comprimidos e resfriavam quando eram liberados e se

expandiam, efeito conhecido como o Princípio da Expansão de Joule-Thompson.

Em 1877, Cailletet, na França descreveu a liquefação do oxigênio e do

monóxido de carbono em pressões muito altas. Pictet, da Suíça, demonstrou a

liquefação do oxigênio. Mais tarde, em 1885 na Polônia, Wroblewski e

Olszensky, obtiveram nitrogênio líquido. Dewar obteve frascos a vácuo capazes

de armazenar os gazes liquefeitos e que permitiram o uso clínico destas

substâncias em Medicina. Whitehouse desenvolveu o equipamento de

vaporizador para líquidos armazenados sobre pressão. 12

O gás carbônico (CO2) a uma pressão de 800 psi atinge o estado

liquefeito, quando é liberado no ar, a diminuição de pressão causa resfriamento e

formação de uma neve branca. Pusey Willian, de Chicago, em 1907, preferia

seu uso, que oferecia temperaturas mais baixas que o ar líquido. 24

Cranston Low, de Edimburgo, em 1911 e Hall-Edwards de Birmingham,

em 1913, descreveram o uso médico da neve carbônica. Em 1945, ficou

disponível o nitrogênio líquido. A popularização dos métodos crioterápicos se

deveu muito a Zacarian, S. A. que teve importante participação na criação,

desenvolvimento e popularização dos equipamentos para obtenção de frio. 12, 24

Em 1978, Marteau, J. publicou na França um relato sobre o efeito

benéfico do frio, no tratamento das telangiectasias. Aplicava compressas frias

após realização de escleroterapia. Utilizou pela primeira vez o termo

“crioterapia” em flebologia, e concluiu que pode ser um recurso interessante no

tratamento de vasos, por seu efeito vasoconstritor.109

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Silviu-Dan, S., em 1978, aplicou cloroetila sobre a pele antes da

escleroterapia com salicilato de sódio a 20% e refere que o frio provoca uma

lentificação do fluxo sanguíneo, aumento da viscosidade do sangue e irritação do

endotélio vascular, sobretudo na veia doente, criando melhores condições para

que ocorra a flebotrombose induzida. Refere que a dupla ação do esclerosante e

do frio encurtam o período de tratamento.Chamou esta técnica de crioesclerose

de varizes.110

Milleret, R., em 1981, descreveu técnica de tratamento de varizes de

grosso calibre onde um crioemissor é introduzido no lumem da safena e a ponta é

refrigerada a 89 graus 0C negativos. Chamou a técnica de crioesclerose de

varizes. Encontrou bons resultados em 44 pacientes, com tratamento

ambulatorial. 111

No Brasil, Rivello, T., Em 1986, utilizou a técnica de esfriamento da

pele com bolsa de gelo, referindo bons resultados, com a analgesia obtida.112

Garde, C., em 1994, utilizou um tubo metálico de 50 cm, com 3 mm

de diâmetro, como um crioemissor refrigerado a nitrogênio líquido. O emissor é

passado no sentido crânio-caudal, após ligadura da safena na crossa, e após

refrigeração a safena é mantida no local. Realizou tratamentos de safenas em 800

pacientes, com a técnica, num período de seis anos. Considerou os resultados

bons, embora tenha descrito algumas complicações como: lesão de nervos,

pigmentação e o aparecimento de uma úlcera de pele em um paciente, em que a

safena era muito superficial.113

Constantin. J.M., em 1997, utilizou a técnica de crioextração da safena

para tratar veias varicosas de membros inferiores. Operou 6157 pacientes

considerando os resultados estéticos e funcionais melhores do que a técnica

tradicional.114

Ripoll-Sánchez , M., em 1995, apresentou uma técnica de

crioescleroterapia, onde o esclerosante era, previamente, resfriado utilizando CO2

como fonte de frio. Utilizou glicerina cromada, e refere bons resultados com a

técnica. Iniciou este estudo considerando o grande número de sessões que são

necessárias para obter resultados com as técnicas tradicionais, sendo que algumas

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vezes ocorrem resultados insatisfatórios. Descreveu o ponto de congelamento de

alguns esclerosantes utilizados comumente. Determinou que o ponto de

congelamento do polidocanol 2% é 200C negativos. Preferiu utilizar a

glicerina cromada 0,95cc, com álcool etílico puro 0,02 cc e SF 0,03 cc com o que

obteve um ponto de congelamento a 450C negativos.3

Francischelli Neto, M. ; Luccas G.C., Potério Filho, J. realizaram os

primeiros estudos comparativos, desenvolveram equipamentos e determinaram

as bases da Crioescleroterapia com a Glicose 75%.

Matsui, I.A. em 2001, em trabalho realizado concomitantemente ao de

Francischelli , M. estudou a ação do resfriamento na glicose hipertônica.

Demonstrou que com o progressivo resfriamento, a uma força constante, existe

maior dificuldade de injeção da solução, que, no entanto continua injetável até

temperaturas de 40 0C negativos. Demonstrou, também, que existe maior

dificuldade de injeção com a agulha 30 G do que com a agulha 27 G. No mesmo

trabalho, a autora lembra que a fórmula Pressão P= força/área = Força/πR2

resume que para se aumentar a pressão de injeção utilizando-se a mesma força, é

necessário diminuir a área sobre a qual se aplica a força. Portanto, uma seringa

de menor raio na seção transversa, como a de 1 ml, transmite uma maior pressão

de injeção com menor esforço. 115

O estudo da História da Medicina através das referências médicas do

antigo Egito, do mundo clássico Greco-Romano, e depois da Medicina da

Alexandria, da Medicina de Bizâncio, e da surpreendente Medicina Antiga

Islâmica é um estimulante e agradável processo de descoberta.6,7,8,9,10,11,12,13,14 O

advento da cultura científica médica iniciada, tardiamente, no Renascimento, e

que culminou com os trabalhos sobre a circulação sanguínea de Willian Harvey,

nos remete à aventura da ciência aplicada à Medicina.6,9,10,15 Estes avanços

pioneiros prepararam o caminho do Homem em direção à descoberta dos

microorganismos, dos antibióticos, da assepsia e da anestesia e permitiram os

conhecimentos que desenvolveram a cirurgia, e a tornou uma arte exeqüível. Na

epopéia histórica da Medicina as varizes de membros inferiores foram

personagens sempre presentes, por sua característica de ser afecção visível e,

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facilmente, associada aos sinais e sintomas dela decorrentes. A cirurgia sempre

foi considerada, desde os tempos mais remotos, como opção para o tratamento

das varizes, no seu sentido mais básico de retirar o que é visível e incomoda.6,8,10

Mas, também os cuidados clínicos sempre estiveram presentes. A prescrição de

ungüentos com ação local e mesmo intervenções diretas como cauterizações e

punções venosas com os toscos materiais disponíveis que permitiam realizar

aplicações de preparados de ervas, foram utilizados como opções terapêuticas

pelos primeiros e bravos homens a praticarem a Medicina.6,8,9,11,14,16,21 Neste

cenário, não podemos esquecer o heroísmo dos pacientes de então, participantes

involuntários desta longa viagem que levou ao conhecimento científico atual.

No tratamento das doenças venosas sempre estiveram presentes as

duas técnicas principais, a escleroterapia e a cirurgia.21 Mas se a cirurgia em

bases modernas se desenvolveu a partir do conhecimento da assepsia, a

escleroterapia também beneficiária deste avanço só teve um desenvolvimento

maior a partir dos estudos científicos publicados na França depois da criação da

Sociedade Francesa de Flebologia, em 1947.4,6,7 Entre nós, a escleroterapia foi

praticada, muito precocemente.16,39,41,99,103 e deve ser destacada a contribuição de

Pinto Ribeiro, A.16,99. Entretanto, a técnica de escleroterapia passou a ser

considerada com maior importância a partir da tese de doutoramento apresentada

em 1972 à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo por Miyake, H.

abordando as necroses cutâneas provocadas pela escleroterapia, e com suas

contribuições posteriores à fisiopatologia e às técnicas de tratamento das

telangiectasias.1, 5,40,57

A doença venosa crônica apresenta complicações bem conhecidas

como eczemas, úlceras, infecções, hemorragias, hiperpigmentações e

tromboembolismo.46,47 Sua alta prevalência a transformam num sério problema

de saúde pública.103 Entretanto, a mesma característica de visibilidade que

determinou o interesse dos médicos da antiguidade, tornam as varizes, também,

um problema estético. A exata fronteira entre o estético e a doença nem sempre é

bem estabelecida conforme discutimos na introdução deste trabalho, mas entre as

doenças venosas, um grupo particular de pacientes se destaca, que são os

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portadores de telangiectasias e veias reticulares, definidos como portadores de

Insuficiência Venosa de Importância Predominantemente Estética (IVIPE).

Entre os pacientes portadores de IVIPE podemos identificar dois

grupos. O primeiro em que a manifestação única e inicial do problema foi a

presença de telangiectasias e veias reticulares. O segundo grupo é formado por

pacientes que foram submetidos à cirurgia de veias de maior porte e tiveram sua

alteração funcional corrigida, mas continuam apresentando vasos de menor

calibre que representam um problema estético. Estes pacientes operados,

freqüentemente, apresentam veias reticulares e telangiectasias e também podem

se beneficiar da abordagem aqui discutida.

Observamos que a humanidade atingiu um ponto importante de

evolução social, tanto nos meios de produção como no controle das doenças mais

graves. A expectativa de vida atinge o possível da raça humana quando os

recursos para a saúde são, amplamente, disponíveis para a população. Neste

momento, uma nova aspiração se apresenta que não é mais pela sobrevida, mas,

pela qualidade de vida. A indústria do lazer é a que mais se desenvolve, e neste

novo mundo a preocupação com a estética humana, é um forte movimento

caracterizando o comportamento social, no início deste século. Existe o interesse

pela estética não só nas classes mais abastadas, e culturalmente esclarecidas, mas

em todos os extratos econômicos das populações de cultura ocidental e oriental e

em países desenvolvidos e em desenvolvimento. A Grande Aventura do

conhecimento das doenças venosas continua no novo milênio.