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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ARTHUR LUIZ CAVALCANTE DE MACÊDO UMA ANÁLISE DO FILME 'O REI LEÃO': O DIRECIONAMENTO A MÚLTIPLOS ESPECTADORES São Paulo 2011

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ARTHUR LUIZ CAVALCANTE DE MACÊDO

UMA ANÁLISE DO FILME 'O REI LEÃO': O

DIRECIONAMENTO A MÚLTIPLOS ESPECTADORES

São Paulo 2011

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ARTHUR LUIZ CAVALCANTE DE MACÊDO

UMA ANÁLISE DO FILME 'O REI LEÃO': O DIRECIONAMENTO A MÚLTIPLOS ESPECTADORES

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. André Piero Gatti.

São Paulo 2011

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ARTHUR LUIZ CAVALCANTE DE MACÊDO

UMA ANÁLISE DO FILME 'O REI LEÃO': O DIRECIONAMENTO A MÚLTIPLOS ESPECTADORES

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. André Piero Gatti.

Aprovado em

André Gatti/Doutor/

Laura Cánepa/Doutora/IES

Artur Autran/IES

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, que me apoiaram desde minha primeira decisão na

ida para outro local de estudos, muito antes do Mestrado, incentivando tudo o que

sou.

Agradeço aos professores do programa de Mestrado em Comunicação da

Anhembi Morumbi, sobretudo aqueles com que tive intenso contato, como a Profª.

Laura, cujas bases ligadas ao pensamento acadêmico me moldaram desde o início;

Profª. Bernadette, que simplesmente foi capaz, em apenas uma aula, de grande

parte do meu foco e desenvolvimento, muito mais do que na própria pesquisa, mas

da minha maneira de pensar; Prof. Luiz Vadico, que me auxiliou no trabalho e

objetivo nos estudos sobre gênero cinematográfico; Prof. Mauricio Monteiro, que,

apesar de ter entrado em contato durante poucas aulas, suas referências são

usadas por mim até hoje (e continuarão sendo).

Um agradecimento especial ao meu Orientador, Prof. André Gatti, que

provocou diversas reviravoltas em minha abordagem de pesquisa e expandiu

significativamente meu território intelectual.

Agradeço a minha companheira, Cleide, que pacientemente esteve do meu

lado durante todo o meu esforço na trajetória acadêmica.

Um agradecimento ao Antônio Carlos, que possibilitou meu grande acesso à

bibliografia durante a elaboração do pré-projeto, e também ao Danilo Bastos, cujo

incentivo foi essencial em meu momento de fraqueza.

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RESUMO

O presente estudo objetiva a análise do filme O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994), no que diz respeito ao seu diálogo com o público. Desse ponto de vista, são divididos em quatro pilares principais o desenvolvimento desta tese: a análise da Hipermodernidade, a qual une os diversos aspectos ligados à arte com o consumo; o gênero melodramático, crucial para o estímulo aos sentidos do espectador e sua conseqüente identificação; o cinema clássico hollywoodiano, que tem como característica a fruição controlada a partir das ferramentas cinematográficas; e a análise do objeto em si, colocando os conceitos trabalhados nos capítulos anteriores diretamente sobre o filme. Palavras-chave: Animação, Disney, Hipermodernidade, Melodrama, Cinema, Cinema Clássico.

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ABSTRACT This study aims to analyze the movie The Lion King (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994), analyzing its dialogue with the public. From this point of view, are divided into four main pillars the development of this thesis: the analysis of hypermodernity, which unites the various aspects of art and consumption; the melodramatic genre, which is crucial for stimulating the senses of the viewer and the subsequent identification; the classic Hollywood cinema, which features controlled enjoyment from cinematic tools and the analysis of the object itself, putting the concepts in previous chapters worked directly on the film. Palavras-chave: Animation, Disney, Hypermodernity, Melodrama, Cinema, Classic Cinema.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Logo modificado ____________________________________________ 80 Figura 2 - Câmera baixa em Mufas _____________________________________ 81 Figura 3 - Câmera alta em Zazu________________________________________80 Figura 4 - Câmera baixa em Simba _____________________________________ 82 Figura 5 - Luz divina_________________________________________________81 Figura 6 - Monólogo patético de Scar ___________________________________ 83 Figura 7 - Mufasa mostra o reino _______________________________________ 84 Figura 8 - Mufasa continua o ensinamento _______________________________ 84 Figura 9 - Aproximação do vilão ________________________________________ 86 Figura 10 - Mudança de cores _________________________________________ 87 Figura 11 - Mudança de cor __________________________________________ 88 Figura 12 - Mudança de cor 2__________________________________________87 Figura 13 - Mudança de cor 3 _________________________________________ 89 Figura 14 - Recurso de estilização _____________________________________ 89 Figura 15 - Comicidade em Zazu _______________________________________88 Figura 16 - Câmera baixa na canção de Simba ____________________________ 89 Figura 17 - Cemitério de Elefantes ______________________________________ 90 Figura 18 - Estilização nas hienas ______________________________________ 91 Figura 19 - Montagem paralela (hienas) _____________________________ 91 Figura 20 - Montagem paralela (Simba)__________________________________90 Figura 21 - Ed confirma, promovendo o humor ____________________________ 92 Figura 22 - O vilão Scar espreita, escondido ______________________________ 92 Figura 23 - União Pai e Filho através das patas____________________________ 93 Figura 24 - Campo/Contra-campo em Simba _____________________________ 93 Figura 25 - Campo/Contra-campo em Mufasa_____________________________92 Figura 26 - Mufasa conta através de metáforas ____________________________ 94 Figura 27 - Ambiente do eixo melodramático do mal ________________________ 95 Figura 28 - Amarelo na caverna _______________________________________ 96 Figura 29 - Verde na caverna__________________________________________95 Figura 30 - Exagero em Scar __________________________________________ 97 Figura 31 - Scar como ditador _________________________________________ 97 Figura 32 - Soldados como referência___________________________________96 Figura 33 - Scar estilizado com a lua ____________________________________ 98 Figura 34 - Plano geral nos guinus ______________________________________ 99 Figura 35 - Plano detalhe nas pedras ___________________________________ 99 Figura 36 - Close dramático em Simba __________________________________ 99 Figura 37 - Tomada aérea ___________________________________________ 100 Figura 39 - Montagem paralela (Mufasa) _______________________________ 100 Figura 40 - Montagem paralela (Simba em perigo)__________________________99 Figura 41 - Close em Simba __________________________________________ 101 Figura 42 - Subjetiva de Simba, que olha os guinus________________________100 Figura 43 - Mufasa com queda contemplativa ____________________________ 101 Figura 44 - Super-Close nos olhos de Simba _____________________________ 102 Figura 45 - Do Super-Close para Plano geral ____________________________ 102 Figura 46 - Mufasa morto ao chão _____________________________________ 102 Figura 47 - Simba tenta se proteger com o pai morto ______________________ 103 Figura 48 - Transição da pedra do rei para Rafiki _________________________ 104

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Figura 49 - Decepção no borrar a figura ________________________________ 104 Figura 50 - Cenário de deserto _______________________________________ 105 Figura 51 - Cenário de floresta________________________________________104 Figura 52 - Pedra do Rei destruída ____________________________________ 106 Figura 53 - Câmera alta novamente em Zazu ____________________________ 106 Figura 54 - Câmera baixa em Scar ____________________________________ 107 Figura 55 - Desconforto de Simba _____________________________________ 107 Figura 56 - Desolação de Simba ______________________________________ 108 Figura 57 - Alegria de Rafiki reforçada com a Música ______________________ 109 Figura 58 - Reconhecimento de Nala __________________________________ 109 Figura 59 - Rolamento quando criança__________________________________108 Figura 60 - Comicidade promovida por Timão e Pumba ____________________ 110 Figura 61 - Sincronia da Música com a queda ___________________________ 110 Figura 62 - Beijo de Nala em Simba____________________________________109 Figura 63 - Subjetiva de Simba olhando Rafiki ____________________________ 111 Figura 64 - Reflexo de Simba na água __________________________________ 112 Figura 65 - Reflexo de Mufasa na água _________________________________ 112 Figura 66 - Espírito de Mufasa ________________________________________ 113 Figura 67 - Nuvens melodramaticamente carregadas ______________________ 113 Figura 68 - Sarabi leva tapa de Scar ___________________________________ 114 Figura 69 - Simba enfurecido_________________________________________113 Figura 70 - Mufasa no abismo ________________________________________ 115 Figura 71 - Simba no abismo_________________________________________114 Figura 72 - - Rafiki lutando ___________________________________________ 115 Figura 73 - Pumba enfurecido_________________________________________114 Figura 74 - Luta entre o herói e o vilão __________________________________ 116 Figura 75 - Hienas "dão fim" a Scar____________________________________115 Figura 76 - Abraço de Simba ________________________________________ 116 Figura 77 - Abraço de Mufasa_________________________________________115 Figura 78 - Subida melodramática _____________________________________ 117 Figura 79 - Filhote do Casal __________________________________________ 117 Figura 80 - Pintura de referência para o filme ____________________________ 119 Figura 81 - Referência de David Lynn___________________________________118 Figura 82 - Caribu 2d para futura referência _____________________________ 119 Figura 83 - Caribu feito em 3d_________________________________________118 Figura 84 - Simulação de colisão 1 ____________________________________ 120 Figura 85 - Simulação de colisão 2_____________________________________119 Figura 86 - Simulação de colisão 3 ____________________________________ 120 Figura 87 - Jungle Taitei 1 ___________________________________________ 121 Figura 88 - O Rei Leão 1____________________________________________120 Figura 89 - Jungle Taitei 2 ___________________________________________ 122 Figura 90 - O Rei Leão 2_____________________________________________121 Figura 91 - Jungle Taitei 3____________________________________________122 Figura 92 - O Rei Leão 3_____________________________________________121 Figura 93 - Jungle Taitei 4____________ _______________________________ 122 Figura 94 - O Rei Leão 4_____________________________________________121 Figura 95 - Jungle Taitei 5 ___________________________________________ 122 Figura 96 - O Rei Leão 5_____________________________________________121 Figura 97 - Jungle Taitei 6 ___________________________________________ 123 Figura 98 - O Rei Leão 6_____________________________________________122

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Figura 99 - Cartaz da peça teatral _____________________________________ 124 Figura 100 - Adaptação das máscaras__________________________________123 Figura 101 - Cd Rhythm of the Pride Lands ______________________________ 125 Figura 102 - Jogo baseado no filme ____________________________________ 126 Figura 103 - Timon & Pumbaa's Jungle Games ___________________________ 126 Figura 104 - The Lion King: Simba's Mighty______________________________125 Figura 105 - Kingdom Hearts _________________________________________ 127 Figura 106 - Kingdom Hearts: Chain of Memories_________________________126 Figura 107 - Kingdom Hearts II _______________________________________ 127 Figura 108 - Disney’s Extreme Skate Adventure__________________________126 Figura 109 - Primeiras idéias para Mufasa ______________________________ 129 Figura 110 - Personagem Desenvolvido_________________________________128 Figura 111 - Modelo feito em 3d de Mufasa ______________________________ 129 Figura 112 - Primeiras idéias _________________________________________ 129 Figura 113 - Scar___________________________________________________128 Figura 114 - Modelo feito em 3d_______________________________________128 Figura 115 - Primeiras Ideias para Pumba ______________________________ 130 Figura 116 - Personagem Desenvolvido_________________________________129 Figura 117 - Primeiras ideias para Timão _______________________________ 130 Figura 118 - Personagem desenvolvido_________________________________129 Figura 119 - Sarabi _________________________________________________ 130 Figura 120 - Simba criança___________________________________________129 Figura 121 - Simba adulto ___________________________________________ 130 Figura 122 - Rafiki__________________________________________________129 Figura 123 - Banzai, Shenzi e Ed ______________________________________ 131

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................11

1 DISNEY, MELODRAMA E CONTEMPORANEIDADE............................................15

1.1. Melodrama e representação..........................................................................15

1.2. A fórmula Cinematográfica chamada Disney.................................................31

2 A HIPERMODERNIDADE.......................................................................................41

2.1. A busca por um hipercinema.........................................................................41

3 O CINEMA CLÁSSICO HOLLYWOODIANO..........................................................59

3.1. O foco no espectador.....................................................................................59

4 O REI LEÃO............................................................................................................66

4.1 Metodologia utilizada para análise..................................................................66

4.2 O filme.............................................................................................................66

4.3 A história.........................................................................................................67

4.4 Propp, Campbell e Vogler trabalhados em O Rei Leão..................................70

4.5 Análise das Cenas..........................................................................................80

4.6 Referências do Filme....................................................................................118

4.7 O Rei Leão e as Transnarrativas..................................................................124

4.8 Concepção e Design dos Personagens........................................................127

4.9 Dublagem Brasileira......................................................................................131

CONCLUSÃO...........................................................................................................135

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................139

Apêndice A

Ficha técnica dos dubladores e tradutores...............................................................142

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Introdução

A grande indústria de entretenimento cinematográfico está sempre

concentrando esforços para atingir o máximo possível de público consumidor de

seus produtos. Seja através das telas do cinema, seja através de produtos conexos,

a preocupação em abarcar todos os espectadores se mostra evidente a cada nova

década, quando a evolução na concepção dos filmes e seus acréscimos no

orçamento não podem deixar margem para fracassos. Hoje, o apelo comercial

presente nesses produtos fílmicos faz o que décadas antes seria apenas

propaganda, algo extremamente atrelado ao marketing; essa estratégia configura-se

em fazer as pessoas se identificarem ao máximo com o filme. Não importando se é

criança, jovem ou adulto, a principal responsabilidade é fazer as pessoas

comprarem aquilo anunciado de forma excessiva na mídia.

Ao longo do tempo, o cinema foi ganhando aparatos tecnológicos e novas

formas de se apresentar o conteúdo. Paralelamente novas, as tecnologias

incrementam o orçamento dos filmes, onde a espetacularização garante uma

imersão do público, e essas imagens provocam fortes emoções; os cortes, a alta

produção musical; efeitos sonoros, efeitos visuais de última geração e instrumentos

complementares como óculos 3D são uma garantia de acréscimo nos sentidos.

Se há valores significativos de um lado, as altas produções – blockbusters –

também não param de crescer em relação aos seus orçamentos. Se normalmente a

média de um filme longa-metragem é de 60 milhões de dólares, hoje Hollywood

produz a cada ano uma média de 15 filmes com orçamento superior a 100 milhões.

Os filmes de animação sempre encantaram multidões durante décadas e esse

encantamento persiste até hoje. Muitas são as obras que atraem crianças e adultos.

Expressões como “filmes de oito a oitenta” exemplificam o sucesso e o carisma que

leva uma pessoa de oitenta anos a assistir a um filme ou série de televisão junto

com seu neto, de oito, e ambos se envolverem com a narrativa e se emocionarem

da mesma maneira. O que a grande maioria do público não sabe é que essas

emoções são parte de um planejamento e manuseio prévio das informações que

devem ser passadas através do diálogo entre personagens e/ou símbolos que têm

por objetivo atingir uma faixa etária pré-definida.

Nos filmes de animação, há elementos variados os quais transmitem a emoção

e a condução da narrativa: a direção, o roteiro, o design de produção, a fotografia, a

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concepção dos personagens, entre outros. É de fundamental importância o uso

eficaz da linguagem entre os personagens e os símbolos presentes na narrativa

através da abordagem da informação para com o espectador, produzindo assim o

efeito desejado. Em determinadas cenas, a mensagem e a emoção que passam

dependem exclusivamente da eficácia no direcionamento dessas informações a um

público específico.

É analisando essa perspectiva, que a pesquisa aqui desenvolvida foca a

chamada hipermodernidade, que se caracteriza por unir tecnologias e os meios de

comunicação, a cultura e a economia, a estética e o consumo. Nesse contexto da

indústria cinematográfica, os filmes de animação também acompanham

diversificações em suas abordagens, alcançando cada vez mais sucessos de

público. A Disney possui produtos que são símbolos de consumo; a primeiro

momento a empresa está relacionada com a animação clássica, mas recentemente

tem havido o desenvolvimento que emprega altas tecnologias como o 3D em seus

filmes. Estes são exemplos que mostram como o sucesso liga-se com o tratamento

refinado de diversas áreas cinematográficas, sejam visuais (fotografia, figurino,

roteiro etc) ou auditivas (trilha sonora, efeitos sonoros, canções etc).

O principal motivo para a escolha do objeto está relacionado diretamente com

minha experiência de vida em relação a ele. Houve a indescritível oportunidade de

crescer junto com O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994), tendo minha visão

se expandido conforme o tempo e maturidade decorriam, facilitando assim, minha

compreensão das informações e, principalmente, de sua abordagem. Quando

criança, estive concentradamente atrelado às canções, decorava falas do

protagonista, mesmo sem saber o que realmente elas queriam dizer. Brinquei de

interpretação dos personagens, gesticulei como eles gesticularam, sorri como eles

sorriram e cantei todas as canções infinitas vezes durante a vida.

No entanto, passei anos sem assisti-lo, tendo a oportunidade mais de uma

década depois. Para minha surpresa, além de eu continuar sabendo as canções,

meu entendimento em relação aos acontecimentos abordados no filme se deu em

outra perspectiva. Se antes eu ria com os personagens, hoje fazia algo que jamais

havia feito quando criança ao vê-lo por completo: chorar. No momento em que, por

diversas vezes no decorrer da obra, não mais eu estava atrelado às canções, mas

ao drama e tensividade em que as imagens estavam imersas, minha inquietação se

manifestou nas perguntas mais básicas: Por que eu o enxergava agora

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diferentemente? Será que minha identificação com o filme, tanto quando criança,

como hoje adulto, se deve apenas pela questão de um desenvolvimento ligado à

maturidade?

Com base nessas questões, a pesquisa que idealizei rumou para os horizontes

que tentavam compreender as razões pelas quais aquelas personagens tinham se

tornado eternos em minha vida, analisando dessa forma, as ferramentas ligadas aos

estudos da comunicação audiovisual, as quais foram a chave para um primeiro

entendimento em relação à obra.

Neste capítulo, são expostas as características que rodeiam o objeto

pesquisado, na tentativa de compreender seu diálogo tanto com o público infantil

quanto o adulto, reflexo direto de minha experiência pessoal.

Portanto, esta dissertação se organiza em quatro pilares principais:

Hipermodernidade, Melodrama, Cinema Clássico Hollywoodiano e, a Análise do

objeto pesquisado - O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994).

No primeiro capítulo, há o estudo que avalia a história do melodrama e a

manifestação de suas características no cinema contemporâneo. O processo de

identificação do público com os sons e imagens em movimento constitui a

característica essencial para a existência de um cinema como o conhecemos hoje, o

qual também se insere diretamente no contexto do objeto pesquisado. Aponta-se

para os estudos de pesquisadores que refletem sobre como o gênero melodramático

se comporta e, principalmente, até onde vão os limites das características estruturais

que o compõe, as quais são mescladas com outros gêneros cinematográficos,

gerando assim uma complexificação do assunto, que se expande para a análise das

diferenças entre o gênero melodramático e o modo melodramático de exibir as

imagens. São analisadas também as características do estúdio Disney, as quais se

relacionam diretamente com a qualidade que ele, ainda hoje, produz suas

animações, qualidade essa que se solidificou nos anos de 1930, gerando suas

principais características técnicas e, principalmente, de abordagem de conteúdo.

Aqui, a análise tanto da história quanto dos filmes produzidos pelo estúdio se

relaciona diretamente com a qualidade que o objeto pesquisado também concentra.

No segundo capítulo, discute-se a questão da hipermodernidade

cinematográfica, analisando o papel do cinema como exibidor de imagens

espetaculares, as quais estão ligadas diretamente com a geração de filmes pós-

1977, com Star Wars (George Lucas, 1977). Aqui, se faz um apurado da história do

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cinema como um todo, a fim de expor como o cinema contemporâneo é uma

conseqüência dos processos cinematográficos anteriores, sejam eles ligados

diretamente com o filme, sua distribuição ou como a sociedade se organiza em volta

de um produto fílmico nos dias atuais. Tal análise se faz necessária para

compreender as causas e conseqüências de uma obra de sucesso de bilheteria,

como foi o caso do filme. Por outro lado, foca-se na questão das características

dessas imagens espetaculares, noções vindas diretamente do excesso imagético

que norteia as obras tanto de animação quanto live-action1.

No terceiro capítulo são expostas as características do chamado cinema

clássico e como este cinema se comporta ainda hoje, analisando-se o conceito

proposto por Ismail Xavier do chamado Dispositivo Transparente, conceito esse que

envolve a identificação do espectador com as imagens, que se estruturam através

do tratamento linear da narrativa e, também, de interpretações realísticas, tanto em

exibir os personagens quanto cenários, gerando uma fluidez altamente controlada.

As características gerais do cinema clássico também têm bases nos estudos de

David Bordwell e Kristin Thompson.

Por fim, os conceitos dos capítulos anteriores são aplicados diretamente no

objeto. Através da análise do filme O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994), se

pretende identificar, em diversas cenas no decorrer da obra, características ligadas

ao manuseio prévio das informações, as quais objetivam a identificação de

elementos ligados ao entendimento do público adulto e elementos que se

relacionam com o público infantil, configurando assim, uma identificação do público

como um todo, o qual se mantém em constante apreciação devido ao uso intenso do

melodrama e do cinema clássico.

1 Cinema que tem como personagens atores reais.

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1 DISNEY, MELODRAMA E CONTEMPORANEIDADE

1.1 Melodrama e representação

Desde a década de 1950 que o melodrama está inserido entre objetos de

pesquisa ligados ao cinema2. Seja nos Estados Unidos ou Europa, tanto no

ambiente acadêmico quanto nas críticas nos jornais especializados, a inclusão do

melodrama cinematográfico como estudo cresceu progressivamente, tendo uma

grande variedade de autores e escolas, onde tal diversidade teria como

conseqüência, variados entendimentos a cerca do assunto, seja na sua execução

nas telas, seja através das diferentes compreensões do termo melodrama.

Nos Estados Unidos, diretores como Douglas Sirk e Vincent Minelli trabalharam

as questões ligadas aos dramas familiares como busca de sua marca pessoal,

mesmo num gênero tido como simplista, de cunho popular e redundante. A mise-en-

scéne era priorizada como forma de expressão desses diretores: os

enquadramentos, as cores e objetos em cena possuíam primeira importância em

relação às reflexões ligadas ao conteúdo das obras. Essa análise de características

autorais foi utilizada constantemente na Europa e Estados Unidos até a década de

19603. A partir da década de 1970, a perspectiva autoral tende a integrar o discurso

visual e o conteúdo das obras, além do florescimento da crítica neo-marxista4, que

teve como forte representante a crítica inglesa, cujas análises do melodrama

visavam o entendimento do texto melodramático como uma encenação paródica, de

clichês, ironia e distanciamento, apresentados nos melodramas familiares das

décadas de 1940 e 1950. Tal distanciamento era lido como uma crítica aos próprios

“valores burgueses”. Os recursos narrativos e técnicos manipulados a fim de

ressaltar temas ligados à infelicidade, decadência da classe média, orfandade

(aliados aos toques de estilo presentes nas cores vivas, enquadramentos propondo

molduras dentro de um quadro, música de fundo como auxílio aos sentidos do

2 Pensadores da revista francesa Cahiers du Cinéma, como Jean Luc Godard e François Truffaut, voltaram-se para as obras de Sirk e Minelli, objetivando consolidar uma perspectiva autoral aplicada ao cinema – Política dos Autores – onde afirmava-se o papel do diretor cinematográfico como, ainda fazendo parte de um sistema industrial, sendo capaz de inserir seu estilo e visão pessoal no ato de filmar. 3 O jornalista norte-americano Andrew Sarris até lançou um livro – The American Cinema (SARRIS, 1968) dedicado em categorizar os diretores de cinema em relação à “autoralidade”, onde são escolhidos diretores como Charles Chaplin, D.W. Griffith, Alfred Hitchcock, Orson Wells, entre outros. 4 Para a crítica neo-marxista, o excesso do melodrama era visto com um caráter subversivo, pois através do discurso que louvava o modelo capitalista, criticava o estilo de vida burguês dos Estados Unidos (RODRIGUES, 2006).

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espectador, etc) eram vistos como crítica aos conteúdos que aparentemente

deveriam ser valorizados.

A crítica inglesa, no período, através da busca por marcas e estilos, continuava

apresentando influências da política autoral, mas a partir da segunda metade da

década de 1970, outro pensamento fica evidente nos estudos de cinema: a

psicanálise nas correntes marxistas5. Autores como o francês Christian Metz

(estudioso de semiologia e cinema) e Laura Mulvey (estudiosa do feminismo e

cinema) se dedicaram a ver o cinema como um sistema cujas bases são a

sexualidade e a localização do público na cultura dominante.

Ao final da década de 1970 também há ênfase de análises feministas em

relação aos melodramas familiares. A partir de 1980, com o foco nos estudos

culturais, há um direcionamento das investigações para seriados e telenovelas,

expandindo assim, o corpus de análise. A observação das características,

consideradas típicas do melodrama (polarização entre virtude e vilania, justiça

poética, entre outras), as quais estão presentes em filmes noir e westerns, aumentou

a complexidade em relação à classificação dos filmes melodramáticos. Isso faz com

o que as análises contemporâneas a cerca do melodrama coloquem em evidência

discussões sobre os limites do gênero, tendo como exemplo pesquisadores, no

Brasil, como Ismail Xavier.

Ainda na década de 1970, Peter Brooks em seu livro The melodramatic

Imagination: Balzac, Henry James, Melodrama and the Mode of Excess (BROOKS,

1976) faz um estudo atrelado a localizar as origens do melodrama, objetivando

compreender as características que formam sua base.

Segundo Brooks, as origens do melodrama remontam à literatura do século

XVIII e XIX, à literatura gótica e ao florescimento da novela. Para Brooks, o que

fornece status ao melodrama teatral francês se baseia em dois fatores: o primeiro

está ligado ao contexto histórico francês, onde a Revolução Francesa possibilita que

os teatros populares encenem livremente peças para um grande número de

pessoas, o que cria, como conseqüência, o aumento dos lucros e investimentos em

peças mais elaboradas. O segundo, também ligado ao ideal revolucionário, vem de

uma absorção dos valores morais e éticos vindos a partir das novas condições 5 Mesmo tendo como foco questões ligadas à sociedade burguesa, já abordadas na corrente neo-marxista, a ênfase se modifica. Para a crítica neo-marxista, as questões de classe eram primordiais nas análises; para as teorias psicanalíticas há a abordagem de temas ligados à sexualidade.

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econômicas e sociais, tendo como base a moral religiosa e cobrindo a lacuna moral

gerada a partir do antigo regime.

Em relação ao cinema, aparecem pesquisas ligadas aos “sub-gêneros” do

gênero melodramático. Questões são apontadas, as quais se relacionam

diretamente com filmes femininos (women’s film); os filmes de D. W. Griffith, os quais

possuem um “discurso familiar”; melodramas mais contemporâneos que exibem

altos efeitos especiais.

Se registros morais e emocionais são produzidos, se um trabalho nos convida a sentir compaixão pelas virtudes de vítimas atormentadas, se a trajetória da narrativa está ultimamente preocupada com a restauração e a encenação da virtude através da adversidade e do sofrimento, então o modo operante é o melodrama. (WILLIAMS, 2001, pág. 15 apud RODRIGUES, 2006)

As noções ligadas ao melodrama, trazidas por WILLIAMS, vão além da

questão ficcional, já que reportagens jornalísticas e documentários podem possuir

elementos constituintes da narrativa melodramática. Desse ponto de vista, havendo

uma representação de um sujeito vitimado e virtuoso pressupõe uma abordagem

melodramática dos fatos. Em outras palavras: a partir da noção de modo

melodramático, há uma abertura que permite um diálogo do melodrama com outros

gêneros, ultrapassando até os limites da ficção, expandindo assim, as análises e as

abordagens ligadas aos limites do próprio gênero melodramático, que permanece

atualmente de forma constante nas diversas telas cujo contato com o espectador se

faz de modo constante. No entanto, ter a noção de modo não implica dizer que há

uma substituição do termo gênero. De um lado, existe a concepção da imaginação,

consolidada a partir da representação melodramática de questões históricas, sociais

e culturais, tendo como base uma exposição do melodrama em pontos específicos

ligados a outras manifestações Do outro, há um conjunto de características que

constituem a noção de gênero, que também posse possuir apropriações e

combinações de diversos elementos, e essa idéia tem o objetivo de identificar

estratégias presentes na obra, as quais dizem respeito à narrativa.

Entender essa idéia de modo melodramático possui benefícios, pois há um

reconhecimento de diversas estratégias melodramáticas dentro de outros gêneros.

Também é benéfico a questão ligada às adequações e ajustes que deram liberdade

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à existência de obras melodramáticas nos mais diversos períodos, dentro de

culturas diversas.

A partir desse ponto de vista, consegue-se estabelecer um diálogo entre essa

imaginação melodramática e a modernidade, tendo como base o encantamento

ligado às histórias que emocionam e causam identificação no público, encabeçadas

por orçamentos milionários vindos dos estúdios de Hollywood, os quais não

dispensam um modo melodramático de se construir as narrativas de seus filmes. A

grandiosidade desses orçamentos faz com o que o processo de ajuste do olhar do

público seja profundamente planejado, causando emoções e guiando-o de forma

didática através da história contada. Ou seja, o modo melodramático permite que o

espectador possa imergir na narrativa a partir do uso adequado dos elementos

construtores da identidade melodramática, mas ao mesmo tempo, podendo coexistir

através do gênero melodrama, através da vitimização e criação das polaridades

melodramáticas típicas, as quais levam quem assiste a um final com recorrentes

providências divinas, favorecendo o lado “bom” da bipolaridade, provando dessa

forma que o caráter dos personagens se mostra mais importante do que qualquer

elemento presente e que é a partir dele que a justiça será feita.

A virtude em decadência significou uma afirmação dos valores postos em

prática pela classe em ascensão, a qual denunciava a diminuição moral da

aristocracia, onde a caracterização do nobre como vilão foi constante. Mais tarde, o

pobre, povos colonizados e pessoas de diferentes etnias seriam estigmatizados pela

burguesia.

Para Xavier, o melodrama organiza o mundo de forma mais simples, onde a

concretização dos objetivos das pessoas é fruto direto do mérito, e os fracassos são

produtos de uma armação exterior, a qual retira toda a culpa do personagem e o

coloca como principal vítima da situação. A ausência da carga de ironia presente na

experiência social (ironia tal que muitos não suportam) transforma a situação de

vitimização numa via para fabulação, existindo um sujeito que precisa de proteção

ou de uma fantasia infantil quando presencia um mau resultado.

Ou seja, a partir do desenvolvimento das peças do teatro e do desenvolvimento

dos personagens que iriam estar presentes na história, não poderia haver

ambigüidades no que diz respeito ao seu caráter, tendo como ponto de vista o lado

“bom” ou “mau” daquelas situações em que estavam inseridos, não havendo espaço

para nenhuma ambiente que fornecesse base para negociações morais, tendo a luta

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da virtude contra a vilania como ponto de partida para a narrativa. Para a exposição

dessa polaridade, a reafirmação redundante dos personagens em cena, através da

música incidental, falas, gestos e vestimentas, garantiam o entendimento sem

rodeios daquilo que era desejado ser passado: o bem como força motriz para a

justiça, nem que para isso fossem feitas reviravoltas inesperadas e milagrosas.

Autores como Peter Brooks relacionam constantemente o melodrama ao

contexto do século XVIII e XIX, tendo boas bases para construção de suas

características a partir das transformações da instituição da sociedade laica, livre

mercado, a classe proletária emergente, a economia e desenvolvimento urbano

crescente, que deram respaldo para o surgimento do melodrama, da mesma forma

como se fez necessária a adaptação dos ideais de igualdade e democracia

defendidos pela burguesia. Tal ascensão burguesa gerou transformações tanto na

França quanto Inglaterra, gerando assim, o término da censura de “Teatros

Menores/Minor House of Enterteinement”6. Esses teatros não estavam permitidos

encenar peças que usavam da palavra e do diálogo, cabendo aos Teatros Principais

(Main Theathers) produzirem as tragédias e comédias de costumes, privilegiando

assim, dramaturgos vindos da aristocracia e que encenavam peças que

representavam a elite aristocrática. Com o crescimento da classe proletária, a

propagação de teatros menores foi constante, tendo como base peças inspiradas

em costumes, havendo pantomimas, acrobacias, marionetes, mímicas, espetáculos

com canções etc.

A principal conseqüência dessa proibição do uso de palavras gerou uma

comunicação exagerada, tendo como característica três importantes marcas: a

exploração dos cenários, performance e utilização da música.

Os cenários exóticos possuíam dispositivos mecânicos que geravam um

acréscimo nos sentidos do público, através do uso intenso de efeitos especiais, os

quais permanecem até hoje. Isso dava ao espetáculo uma comunicação visual

amplamente alicerçada em encenações espetaculares, cujas tramas também se

utilizavam dessa espetacularização, criando situações que inseriam os personagens

numa luta pela sobrevivência diante de desastres naturais, por exemplo. Essa

representação visual fica evidente, enquanto elemento narrativo, através do uso do

tableau, frequentemente utilizado ao término de uma cena ou ato. Tinha a função de

6 GLEDHILL, 1987, pág. 14-15 apud RODRIGUES, 2006, pág. 52.

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fazer com o que os personagens e seus gestos ficassem imobilizados, tal qual numa

pintura, produzindo uma expressão correspondente ao seu estado emocional: uma

dor, desespero e alegrias seriam representados através do arrancar dos cabelos,

mãos à cabeça etc. Esses tableaux exibem a preocupação com o entendimento do

espectador, deixando as situações de forma clara em relação a seus significados,

estes sendo repetidos mais de uma vez, criando uma carga emocional que, de forma

excessiva, caracteriza o gênero melodramático. Exatamente por isso que o tableau

se mostra importante: a reafirmação dos sentimentos dos personagens, mais uma

vez, diante de toda a carga emocional, contribui para o seu excesso.

A segunda característica do melodrama diz respeito à performance, pois o

exagero desta descende diretamente do teatro de pantomima, compondo a ênfase

ligada à linguagem corporal. Mais uma vez, os estados emocionais se colocam em

evidência através da encenação exagerada de gestos, pois estes funcionavam como

substitutos para os diálogos, gerando clichês como um personagem desamparado

que olha para o céu ou um vilão que constantemente ri com suas próprias vilanias

que buscam seu triunfo.

Por último, há a música. A inserção de músicas e canções populares era parte

fundamental para o entretenimento nos teatros populares, colocadas durante a

execução da cena de forma planejada, reforçando os sentidos e criando um efeito

dramático. Tal característica é parte constituinte do próprio termo melodrama,

“drama com música”7.

Apesar de o teatro francês ser constantemente citado em relação ao

melodrama, a Inglaterra e Estados Unidos também o difundiram, espalhando-se por

vários continentes. O crescimento dos Teatros Populares foi acompanhado pela

diminuição dos Teatros de Patentes, os quais estavam em deterioração. Devido a

isso, práticas como Licensing Act 137 vinham como julgamentos restritivos,

objetivando controlar os teatros populares, onde tal tentativa de controle, no entanto,

colocou os teatros populares em constante busca por melhores investimentos e

aprimoramentos das próprias tradições8, onde esse esforço de consolidação estava

ligado à uma melhor retórica dramática, tendo como base as pantomimas e ballets,

tendo, as vezes, alguns esclarecimentos via curto diálogo quando as tramas se

7 O termo foi colocado primeiramente por Jacques Russeau em 1770, a fim de fazer uma distinção entre as óperas italianas, estas tendo a utilização da música intercalada com diálogo, numa situação em que a fala do personagem se prepara para a música. GLEDHILL, 1987, pág.19 apud Rodrigues, 2006, 56. 8 GLEDHILL, 1987, pág. 15.

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complexificavam. Como consequência, os teatros oficiais necessitaram encenar,

também, peças dos teatros populares, e tal competição gerou um desenvolvimento

das peças na busca pela audiência.

Para Brooks, o melodrama é tão vigoroso porque é algo mais que um gênero

dramático popular ou uma boa fonte para roteiristas, mas por ter um tipo de

imaginação que se manifesta na literatura ou até mesmo entre autores realistas9.

Para o autor, tal imaginação é um traço quase onipresente da modernidade, onde se

é cumprida a função de incidir nas variadas formas de ficção.

Se a moral contida no gênero propõe conflitos entre o bem e o mal, há um

oferecimento de imagens simples em relação aos valores, pois o gênero busca

mostrar bases e princípios sólidos dentro das experiências de um mundo instável,

capitalista.

Sendo capaz de rápidas adaptações, o melodrama produz um corpo à moral

quando esta aparentemente perde os alicerces, fornecendo à sociedade uma

pedagogia do que é certo e do que é errado, onde uma explicação racional do

mundo não é exigida e há total confiança nos sentimentos e na intuição naturais do

personagem que está em contato com os dramas que o envolve. Tais dramas são,

quase sempre, laços familiares.

Os dramas de família, da comunidade e os conflitos de linhagem de sangue

também foram abordados na tragédia clássica. No entanto, há uma principal

diferença na articulação que separa os dois gêneros. A seriedade atribuída ao

drama não demanda mais de nobres e reis ou figuras de alta patente. Ou seja, o

drama pessoal pode ser semelhante, mas é o contexto dos heróis que separa o

melodrama da tragédia, onde há uma identidade que aproxima os personagens da

platéia. Essa característica garantiu ao gênero sua colocação no mercado e na

cultura desde 180010.

Ao se pensar o melodrama como um rompimento com as tradições do teatro

trágico, pois este não encontrava espaço na nova sociedade do século XIX, há

estudiosos que sugerem outra análise para a compreensão dessa transformação,

como XAVIER, onde se coloca, especialmente, a questão do herói trágico como

influenciador das apropriações do modo melodramático. Tal questão coloca o valor

do próprio personagem grego heróico, o qual não possuía status ligados ao

9 O autor cita Balzac e Henry James. 10 A peça Celine, ou enfent Du mystère, de Pixérécourt, estreou no teatro em 1800.

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indivíduo comum, pois a sociedade, na Grécia Antiga, era organizada em rígidas

hierarquias, e esses níveis hierárquicos estavam atrelados à tragédia, contando

tramas que envolviam deuses e reis, pois mesmo que os personagens estivessem

no topo social, suas atitudes tinha conseqüências na sociedade como um todo.

Sendo assim, o olhar das peças não estava dirigido ao indivíduo, mas às suas

atitudes e ações, as quais teriam desdobramentos para a sociedade. No entanto,

modificações foram feitas pela cultura burguesa durante o século XVIII, havendo

organizações dos elementos que compunham a tragédia. Ou seja, ao contrário do

enredo fatalista e aceitação do destino trágico, o sentimento de justiça poética impôs

novos caminhos para a moral desenvolvida nas peças e essas modificações

possuem similaridades com a estrutura fundamental do melodrama: heróis comuns,

a justiça poética funcionando como garantia de punição ou recompensas e o

sentimentalismo.

Nesse contexto, Shakespeare foi um ponto fundamental com suas “mortes” no

palco, mas o aspecto ilusionista do teatro apenas se consolidou no século XVIII,

onde as “músicas de fundo” vem de forma pedagógica afirmar o melodrama

canônico. Seus enredos, cuja retórica se ligava à moral cristã, prevaleceram até

meados do século XX na mídia, seja buscando mostrar o sacrifício redentor ou

renúncias as quais são atribuídas recompensas que sugerem a felicidade, e

soluções vindas a partir da idéia de Providência.

Percebe-se que o destaque das questões morais, o alto desenvolvimento no

que diz respeito à espetacularização, onde elementos visuais e sonoros cada vez

mais evoluíram para auxiliar os sentidos e entendimentos do espectador com a obra,

buscando assim, sentimentos profundos, unidos com a questão da justiça poética e

personificação dos valores éticos, explorando as coincidências e acasos, garante a

permanência do melodrama até o século XXI.

Ao longo do século XX, a grande quantidade de produções melodramáticas fez

surgir obras com características distintas entre si, e isso inclui a animação, onde o

avanço do século fez surgir mudanças na sociedade e as questões novas da ficção

tomaram o lugar no imaginário, a gratificação visual permaneceu de forma

constante, e as adaptações do melodrama se tornaram evidentes diante do seu

necessário encaixe aos novos padrões morais e à sociedade de consumo, embora o

gênero ainda esteja atrelado às polaridades de Bem e Mal. No entanto, não é o

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conteúdo das polarizações que importa, mas delas definirem as “regras” e

apresentarem fórmulas prontas. Ismail Xavier aponta:

Há melodramas de esquerda e de direita, contrários ou favoráveis ao poder constituído, e o problema não está tanto numa inclinação francamente conservadora ou sentimentalmente revolucionária, mas no fato de que o gênero, por tradição, abriga e ao mesmo tempo simplifica as questões em pauta na sociedade, trabalhando a experiência dos injustiçados em termos de uma diatribe moral dirigida aos homens de má vontade. (XAVIER, 2003, pág. 93)

Embora o roteiro do triunfo vindo da virtude seja algo tradicional e a presença

do final feliz seja constante na indústria, a personagem que é vítima é também uma

forma canônica do gênero, existindo uma personagem ameaçada, uma virgem

desprotegida e inocente11.

No início do século XX, os Estados Unidos passam por uma reformulação do

melodrama teatral, no que diz respeito aos elementos dramáticos. Foi dada uma

ênfase maior em uma característica, também presente no melodrama europeu e que

já estava presente no teatro norte-americano, o elemento sensacionalista, onde se

era explorado ao máximo situações de perigos relacionados a seqüestros,

assassinatos, além de os personagens conseguirem escapar da forma mais

espetacular possível na trama, e o vilão, com suas maldades postas em prática no

decorrer da peça, colocava em risco a vida do herói/heroína, também havendo a

presença de catástrofes naturais e manifestação divina a qual levava à justiça

poética.

Ou seja, frequentemente eram expostas situações onde um prédio em chamas

se via presente; explosões se concretizavam a fim de causar espanto e admiração

no público, o qual era entretido pela alta sofisticação trabalhada, também, na música

e efeitos sonoros; naufrágios eram encenados, colocando o sentimento do

personagem da peça em contato direto com quem assistia, o que garantia uma troca

profunda e trabalhada do elemento de identificação com aquela situação

apresentada. A própria organização dos teatros garantia que esses efeitos visuais e

sonoros fossem concretizados, pois a garantia de qualidade vinha a partir da sua

produção, que incluía profissionais de carpintaria, pintura, engenharia etc., e a

conseqüência desse trabalho estava na não dependência, apenas, dos elementos

imaginativos os quais eram descritos ao longo das histórias encenadas, mas 11 O melodrama herdou essa característica da Idade Média e que foi trabalhado no drama burguês.

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também vindos desses efeitos trabalhos no palco. Em outras palavras, a

preocupação com o entendimento e imersão não se limitava à construção narrativa

vinda dos personagens imersos em situações e problemas, que eram levados ao

entendimento pela atuação, mas na construção e cuidado com o que estava além

dos atores, onde efeitos cênicos complementavam de forma intensa a experiência

de que os vê. Para isso, o aumento no grau de verossimilhança com situações reais

se dá de forma evidente, gerando cada vez mais a exploração das técnicas de

representação de forma ousada e diversificada. Os dispositivos mecânicos e

articulações se misturavam constantemente às pessoas, e quem também se

utilizava de animais e objetos diversos para compor a cena, como barcos e carroças.

No entanto, a prosperidade do melodrama teatral nos Estados Unidos, apesar

da intensa exploração das sensações e sentidos com seus efeitos visuais e sonoros,

sofreu uma decadência devido ao crescimento do cinema.

Em pouco tempo, os cinemas de baixo orçamento, conhecidos como

nickelodeons, tem aumento significativo em todo o país, onde eram passados filmes

de aluguel, colocando assim, um preço mais barato e acessível a todos, garantindo,

mais uma vez, a expansão das obras melodramáticas assistidas pelo público, todas

a preço popular.

Do ponto de vista econômico, tanto o lado do produtor quanto o do público se

tornaram mais baratos e acessíveis através do cinema, ao mesmo tempo em que a

situação econômica de quem procurava os cinemas populares. A pobreza de grande

parte do público colocava uma diferença considerável nos preços do teatro e do

cinema, gerando dessa forma, um forte impacto na indústria teatral, aflorando e

impulsionando o crescimento e acesso ao melodrama nos cinemas populares,

proporcionando um negócio rentável para os donos e produtores de espetáculo, já

que o planejamento e desenvolvimento dos aparatos teatrais geravam muito mais

gastos, além de ser mais arriscado, demandando grandes quantias de capital para

proporcionar a construção dos cenários altamente elaborados, a contratação de

atores e técnicos, escritor etc.

O aluguel vindo de películas para exibição se mostrava lucrativo, onde mesmas

películas tinham a possibilidade de serem exibidas constantemente ao longo do dia

para diferentes espectadores pagantes, além de a organização das sessões durante

o período se colocar de forma mais fácil. Tais filmes, alugados com preços muito

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mais baixos do que os orçamentos teatrais, deram impulso aos donos de

nickelodeons.

Apesar de se analisar o fator econômico como um importante motivador para a

decadência dos teatros que apresentavam peças melodramáticas, a questão da

representação realista também estava atrelada mais ao melodrama cinematográfico

do que o teatral, pois a audiência buscava, cada vez mais, a representação realista

dos acontecimentos e sensações, algo que o cinema incorporou com eficiência.

Deve-se salientar que, a noção de realismo aqui desenvolvida está ligada à

reflexão sobre as estratégias cênicas e narrativas as quais o melodrama, por sua

própria natureza emotiva e excessiva, encontrou refugio na não colocação dos

vestígios de uma produção e, também, à exploração de acontecimentos

extraordinários.

O autor Ben Singer, em seu livro Melodrama and Modernity: Early Sensacional

Cinema and its contexts (2001), expõe três diferentes modos ligados a experiência

realista, destacando o objeto representado, o posicionamento do material que cada

representação solicita ao espectador, e a manipulação desse material. Singer usa o

termo realismo diegético (diegetic realism), colocando-o de forma equivalente ao

naturalismo, ou seja, um modo de representação que exibe a representação de

acontecimentos e fenômenos da mesma forma como ocorrem na vida cotidiana do

público, em cenas com situações plausíveis de ocorrerem. Desse ponto de vista, tais

cenas devem ser apresentadas de maneira “fiel” a uma observação empírica do

evento, colocando possíveis elementos subjetivos presentes de forma mínima.

Apesar desse planejamento, há um ponto que vai de encontro ao realismo romântico

proposto compartilhado pelo melodrama: as situações, apesar de serem realísticas

em sua representação, devem colocar de forma extraordinária e espantosa as

situações, gerando um sentimento que iria além da vida cotidiana.

Outro termo proposto por Singer é realismo perceptivo (apperceptive realism),

onde se coloca a representação dos objetos de forma a não se limitarem às

situações e experiências cotidianas da pessoa que assiste. Tal representação se

atrela às manifestações divinas, do sobrenatural, do mítico, catástrofes etc. Essas

situações têm possibilidade de acontece com quem assiste a peça, no entanto, vão

além das experiências ordinárias. Isso implica dizer, segundo Singer, que a

audiência não está imergindo naquela ilusão de realidade, pois, apesar de perceber

um alto grau de verossimilhança e detalhamento no que diz respeito a

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representação de algum evento no palco, o público permanece vendo a cena como

algo que parece realista.

Há um terceiro conceito chamado “realismo imersivo” (absorptive realism), no

qual o espectador é levado a retirar qualquer descrença em relação as ações e

situações apresentadas e sofrer a imersão total, como se estivesse testemunhando

um evento que acontece de forma real diante dele. Para Singer, esse terceiro tipo de

realismo é raro de acontecer, ou até mesmo nunca, existindo mais como um

parâmetro analítico mais aprofundado em relação aos outros citados anteriormente.

A partir da análise desses conceitos, pode-se entender como o melodrama

possui um caminho que uni a realidade e o inverossímil, já que são colocadas em

cena personagens cotidianos e ordinários vivendo situações e eventos

extraordinários, gerando uma intensa verossimilhança e consequentemente uma

identificação.

A partir do desenvolvimento dessa ideia, contextualiza-se a questão da

proliferação dos espetáculos de cinema em relação aos espetáculos teatrais.

Apesar de serem constantes as exibições e procura por filmes no início do

século XX, estes não eram longos em duração, onde rolos costumeiramente eram

curtos demais para um possível desenvolvimento de histórias mais elaboradas.

Mesmo assim, suas tramas exibiam características melodramáticas herdadas do

teatro, tanto em relação à estrutura dramática quanto à organização de sua

narrativa, tendo cenários espetaculares, resgates e seqüestros com ação e

violência. Em relação à estrutura narrativa, havia a polarização entre vilões e heróis,

colocando o bem e o mal de forma evidente, enredos com reviravoltas inesperadas e

coincidências inacreditáveis.

Um outro fato importante para se entender o melodrama hoje, se encontra nas

produções ligadas ao melodrama familiar das décadas de 1930 e 1960, pois, com a

quebra da bolsa de valores em 1929 e as questões ligadas a uma imanência da

Segunda Gerra Mundial, houve uma desaceleração no que diz respeito ao

“encantamento” presente na sociedade no que diz respeito aos aparatos

tecnológicos e produção capitalista, gerando um desejo social ligado à nostalgia do

início do século XX. Através desse contexto, o melodrama concentrou-se largamente

em questões ligadas ao à estrutura familiar, dando ênfase no papel da mulher em

casa, numa espécie de associação da sua figura com alguém que mantém os

valores morais, espirituais e éticos dentro do lar, explorando assim, o lado do

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sacrifício feminino. Tais filmes não eram denominados de melodramas, mas de

weepies (filmes para chorar) woman’s film (filmes para mulher), apesar de

concentrarem de forma intensa os elementos típicos do melodrama e sua

representação.

Isso se deveu ao fato de um filme melodramático, nos Estados Unidos, ser

compreendido como algo fortemente sensacionalista, tendo ação e perigo nas suas

cenas. Já o que aparece em 1930 apresenta a mulher num espaço doméstico, tendo

que administrar questões familiares, onde cenas geralmente internas são priorizadas

em relação às cenas externas do reconhecido melodrama do início do século, tendo

atuações mais sutis e diminuição das cenas de ação em lugar de um

desenvolvimento maior e mais trabalhado nos diálogos dos personagens. A narrativa

de desenvolve na perspectiva de apresentar um lado ligado ao sacrifício da mulher

por sua família e, especialmente, com atenção ligada à figura dos filhos. A crise

econômica se mostra refletida nos filmes através da apresentação das dificuldades

ligadas à ascensão social no período.

Singer salienta a presença marcante de um forte sentimentalismo12, o qual é

comum no melodrama, como algo ligado fortemente aos woman’s film:

A representação de um forte pathos (ou seja, a explicitação de um forte

sentimento de piedade) é certamente um elemento comum no melodrama,

em particular do melodrama como ele é compreendido nos estudos

contemporâneos de cinema. (SINGER, 2001, pág. 44 apud RODRIGUES,

2006, pág. 81).

Outra característica marcante no melodrama da década de 1930 está na

diminuição no que diz respeito ao aparecimento de um vilão maquiavélico, que tenta

a todo custo assassinar, seqüestrar etc. Em seu ligar, os filmes trazem uma

abordagem ligada a apresentar os diferentes interesses entre os personagens e a

tensão que isso causa.

A década de 1930 é importante de ser analisada aqui, pois foi a época em que

a Disney iniciou seus trabalhos mais elaborados, chamados Silly Symphonies, os

quais serão abordados no capítulo seguinte.

12 A noção de Pathos para os relatos míticos gregos, estava relacionada à “prova final” pela qual o herói teria que passar, que frequentemente conduzia à sua morte. No melodrama, tal prova realça a questão ética presente nos personagens.

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A partir da década de 1950, a indústria de Hollywood trabalha com temas mais

polêmicos, “adultos”, decorrentes da quebra de padrões morais, exibindo questões

sobre alcoolismo, drogas, aborto, sexo antes do casamento etc. Apesar de estarem

presentes situações que colocam o drama familiar no centro dos filmes, como

acontecia em 1930, os filmes pós-1950 constantemente elaboram problemas os

quais não poderiam transmitir duas décadas antes, tendo constantemente

abordagens relacionadas a relacionamentos extraconjugais, filhos ilegítimos, sexo

entre pessoas de classes sociais e “raças” diferentes etc.

O elemento romântico permanece nesses filmes, colocando como mote central

a busca por um amor verdadeiro, apesar de tal elemento vir acompanhado de

contradições, como por exemplo, o fato de ao mesmo tempo o amor sugerir

sofrimento e sacrifício, ao mesmo tempo é tratado, constantemente, como algo

desejável, uma busca que todos devem fazer.

É entendendo a evolução do gênero melodramático que se constrói um

apurado conciso de ideias que fundamentam o melodrama contemporâneo. Para

Xavier (2003), sendo o gênero a modalidade mais pulular na ficção moderna, o

melodrama proporciona uma intensa experiência aparentemente imbatível no

mercado. Como forma variada, há exemplos13 alheios ao melodrama canônico, onde

há a incorporação de tons reflexivos e irônicos. Há também inversões em relação à

ordem patriarcal, ou buscando uma amostra do cenário romântico ou ambiente

domestico.

Utilizando-se das altas tecnologias, unidas com a experiência sentimental da

expressão imagética, há a geração de uma fórmula, onde a marcação das

polaridades do bem e do mal também existe, havendo novas formas de se abordar a

ficção científica a partir de Star Wars (George Lucas, 1977). O filme de gênero

mostrou o quanto o lado industrial poderia ser assumido numa domestificação

associada às referências ao próprio cinema, vindas do pós-moderno. Os efeitos

visuais eram acompanhados de uma trilha sonora melodiosa, o que reforçava a

expressão das emoções, garantindo uma intensidade a fim de afetar o espectador,

gerando uma situação de credibilidade diante do inverossímil.

13 O autor cita Manoel Oliveira, Carlos Saura, Arnaldo Jabor, entre outros.

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O melodrama encontrou novas modalidades sem abdicar de seu perfil básico,

se adequando às demandas de mercado, havendo a incorporação do novo em meio

a repetição.

A articulação entre melodrama e efeitos especiais possui enorme eficácia, onde

o ato, para Ismail Xavier, de “tornar visível”, nos é prazeroso das mais variadas

formas.

Ruínas perdidas no fundo do mar guardam o segredo de um romance mais

precioso do que o diamante procurado. E a enorme engrenagem narrativa

se põe em marcha para que, no final, a pedra finalmente vá ao findo

levando ressonâncias simbólicas, enquanto, em outro plano, a experiência

romântica que o retira de circulação atinge o ápice do seu valor de troca.

(XAVIER, 2003, pág. 89)

A união entre o grande sentimentalismo e o prazer visual vem garantindo ao

melodrama seus dois séculos hegemônicos dentro do campo dos espetáculos, do

teatro do século XIX, já com seus efeitos especiais, ao cinema. A partir da Primeira

Guerra Mundial, o foco no gênero tem sido feito pelo show business anglo-

americano, tendo um grande mercado em relação a essas experiências, onde é

justamente a crítica de língua inglesa que faz análises mais sugestivas em relação

ao estatuto do melodrama no nosso tempo. Ismail Xavier toma como referência o

livro de Peter Brook, The Melodramatic Imagination, obra que discute a relação entre

melodrama e indústria.

Concluindo, o melodrama contemporâneo possui transformações ao longo do

século XX e XXI as quais fizeram da experiência de assistir a um filme, de entrar em

contato com cinema, de ver suas imagens em movimento, algo atrelado a um

grande potencial gerador de identificação do público com as imagens, seja através

da abordagem de dramas familiares e seus desdobramentos, seja através dos

constantes avanços no ato de contar uma história, tendo como base um refinado

tratamento dos efeitos visuais e sonoros, todos acompanhados, no passado, por

estratégias teatrais as quais trabalhavam o ambiente cênico teatral de forma

elaborada, e hoje, pelo uso intenso de tecnologias computacionais as quais

avançam a cada momento. Como conseqüência desse processo, a experiência do

público por trás do ato de ir ao cinema, assistir a um filme na grande tela, se

modifica constantemente, através do surgimento de novas maneiras de se consumir

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um produto fílmico. No entanto, apenar de seus constantes avanços, a característica

base que compõe o melodrama permanece, principalmente no que diz respeito às

tensões proporcionadas pelo tratamento da bipolaridade, bem e mal, trazidas com

novas abordagens, mas que ainda continuam com características próprias do

gênero teatral que ascendeu séculos antes. Com isso, a indústria obtém lucros cada

vez maiores, vindos através do contínuo investimento no que diz respeito aos

orçamentos dos filmes. Gerar a simpatia do espectador com o que é visto em uma

obra cinematográfica é objetivo primordial para que o mercado permaneça em

constante inovação, e para isso, o tratamento adequando das cenas e atuações, as

quais provocam no público sensações intensas, são características fundamentais do

próprio melodrama.

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1.2 A fórmula Cinematográfica chamada Disney

O sentido de fórmula empregado aqui está relacionado com a noção de técnica

e abordagem de conteúdo. Em outras palavras, a qualidade que a animação do

estúdio Disney impôs no período pré-1950 é reafirmada, ainda, no cinema

contemporâneo, onde a contemplação melodramática moralista se dá de forma

constante e, também, o refinamento das técnicas de animação trabalhadas em cada

projeto. Como esta tese se desenvolve em torno desse cinema contemporâneo,

principalmente na década de 1990, será feita aqui uma breve ligação entre a

qualidade e abordagem de conteúdo feito nos “primórdios” do estúdio durante os

projetos Silly Symphonies da década 1930, com diversos projetos de décadas à

frente, principalmente no período de reflorescimento do estúdio a partir de A

Pequena Sereia (1989). Tal ligação tem como objetivo estabelecer o princípio básico

do estúdio desde seu período de “solidificação” (GABLER, 2009) dentro do mercado

de animação nos anos de 1930 com seus curtas, e, também, a capacidade do

estúdio em tratar de assuntos cujas características possuem similaridades com a

estrutura melodramática teatral que o cinema incorporou. A questão colocada aqui

também se desenvolve na perspectiva de se analisar como o melodrama permanece

com suas bases mescladas às novas tecnologias, sejam elas hoje computacionais,

ou, à época de desenvolvimento dos Silly Symphonies, aos avanços tecnológicos da

época, ligados ao som e cores. Trabalha-se também a questão da

antropomorfização que a Disney desenvolveu em seus personagens.

Ao se analisar a trajetória do estúdio Walt Disney, é evidente o sucesso e

hegemonia que ele conquistou ao longo do tempo. Tendo como marca registrada

uma qualidade sem igual ao período pré-1950, o estúdio realizou intensos estudos e

adaptações da literatura para as telas do cinema, utilizando-se, em grande parte, do

cinema de animação, característica que permanece até os dias atuais, apesar da

grande variedade de produtos live-action que a Disney realiza hoje.

O interesse pela realização de filmes de animação começou cedo em Walt

Disney, quando ainda era muito jovem, através do Kansas City Slide Company, onde

foi contratado. Lá que ele se tornou interessado em animação, estudando horas por

dia sobre essa técnica na biblioteca de Kansas City. Disney começou seus trabalhos

de animação em sua própria casa, uma espécie de mini estúdio, que ele chamou de

Laugh-O-Grams Studio. Um filme animado completamente feito por ele foi Kansas

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city's spring clean-up. Foi durante os incontáveis testes e diversos experimentos a

fim de concretizar a sua própria obra, apesar de ser algo amador e pessoal, que

Disney então percebeu que o processo exigia diversas pessoas, e inicia-se um

recrutamento para o seu trabalho. Os filmes que o grupo formado fez são chamados

hoje de Modern Art Fairy Tales, ou seja, um filme sobre um conto, mas com um olhar

contemporâneo dos eventos. Um exemplo disso está em Puss and Boots, onde o

gato e seu mestre vão ao cinema, por exemplo.

Apesar do interesse árduo pelo trabalho ligado tanto ao Design de Animação

quanto ao Cinema de Animação, os integrantes do grupo eram apenas crianças que

desenvolveram um interesse comum em animação e desenho.

No dia 23 de Maio de 1922, aos 20 anos, Walt Disney oficialmente coloca o

Laugh-O-Grams num status de empresa. Nesse período, o estúdio realiza trabalhos

experimentais, como por exemplo, a inserção de pessoas reais em cenários e

mundos animados, cuja freqüência de realização pré-Disney era mínima.

Apesar dos esforços para realização de filmes chamados Alice’s Wonderland,

colocando uma menina, Alice, dentro de diversos contextos e se aventurando em

cenários e personagens animados.

Disney muda-se para Hollywood, objetivando seguir a carreira de diretor. Ele foi

morar com seu tio Robert Disney, e tentou encontrar um emprego nos estúdios de

cinema, mas não teve sucesso. Ele se afastou a primeiro momento da animação,

pois pensava que estava muito atrasado em relação aos trabalhos realizados em

Hollywood, mas como não conseguiu emprego, retornou a trabalhar com a técnica.

Seu tio o ajudou a transformar a garagem da sua casa em um estúdio,

enquanto procurava um distribuidor para Alice’s Wonderland, contatando Margaret

Winkler, uma importante distribuidora na época.

Pouco tempo depois, formou-se o Disney Brother Studio, formado por Walt e

seu irmão Roy.

Um personagem que chamou a atenção do público foi Oswald Lucky Rabbit,

um coelho que fez sucesso como novo personagem do Disney Brother Studio. Em

1928, Charles Mintz, marido de Margaret Winker e novo dono da distribuidora, retira

os direitos de Walt de continuar produzindo Oswald. Essa prática era comum, já que

o distribuidor era o principal detentor dos direitos dos personagens.

É a partir daí que Disney inicia uma nova idéia de personagem, chamado

Mickey Mouse, personagem que é símbolo do estúdio Disney até hoje. Apesar da

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nova idéia, Mickey não fez sucesso com distribuidores, forçando Disney um

melhoramento dos recursos, cujo principal foco de seu através do desenvolvimento

do som. Desenvolveu-se Steamboat Willie, o primeiro filme de animação sonoro de

Walt Disney, onde a voz de Mickey era dublada pelo próprio Walt, tornando famoso

por causa do personagem.

Objetivando projetos mais ousados, desenvolve-se The Skeleton Dance,

primeiro filme da série Silly Symphonies, animações onde o lado sonoro, com

canções e aperfeiçoamentos de melodias, era constante.

É importante ser analisado aqui a questão ligada ao refinamento dos filmes de

animação da série Silly Symphonies. Utilizando de tecnologias que estavam em

ascensão na época, como o trabalho sonoro e, principalmente, a tecnologia a cores

proporcionada pelo technicolor14, há um avanço das próprias animações no que diz

respeito à abordagem do conteúdo, explorando novas possibilidades a partir dos

novos materiais disponíveis no mercado. Outra característica presente nessa série

de animações está no fato de que o uso de animais é dado de forma constante. A

figura do personagem Mickey já havia sido colocada, da mesma forma como

Oswald, no entanto, o desenvolvimento dos projetos de filmes animados pelo

estúdio continuou perpetuando tal prática, também colocada pelas empresas

concorrentes da Disney15.

Os filmes descritos abaixo fazem parte do período de experimentação

tecnológica do estúdio, mesclando as tecnologias novas da época à estrutura

melodramática.

Através de Flowers and trees (1932), Walt Disney ganha o Oscar em 1932. Na

trama, é contada a história de duas árvores, que promovem cortejos entre sim, mas

tem de enfrentar um obstáculo – outra árvore que possui como característica

principal o desgosto por tudo que está a sua volta (pássaros, plantas etc.). A partir

de atitudes que objetivam atrapalhar o casal, essa árvore má promove a queima da

floresta. Percebe-se a estrutura melodramática clássica presente no curta: há uma

definição direta do caráter dos personagens; o casal e a árvore má constroem a

bipolaridade do bem contra o mal. No eixo moralístico da trama, ele a corteja através

da música tocada por ele mesmo, e ela se comunica com ele através de gestos 14 Processo de aplicação de cores. Disponível em: <http://www.widescreenmuseum.com/oldcolor/technicolor1.htm>. Acesso em 22 de Out. 2011. 15 A Warner Bros. fez projetos ligados inversão em relação à abordagem moralística Disney, criando projetos como Looney Tunes e Merrie Melodies, nomes inspirados na série Silly Symphonies. A MGM também estava no mercado com projetos ligados aos personagens Tom e Jerry.

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simples e ambos possuem cores – tronco e folhas – parecidas com o resto do

cenário, evidenciando uma harmonia com o resto da floresta. No eixo que vai contra

a moral estabelecida, a árvore representa o vilão clássico melodramático: suas cores

são diferenciadas da do resto da floresta; com aspecto acinzentado e corvos

dormindo em seus galhos atribui-se um caráter fúnebre, antes mesmo de o

personagem expressar-se, além da própria música dar ênfase a esse caráter,

diferenciando-se da música tocada para o resto da floresta. Esta informação já

garante ao espectador o que se deve esperar no decorrer do filme e tal expectativa

não é frustrada; as atitudes do vilão correspondem ao aguardado, sendo este o

causador da perturbação da trama, a qual não possuía conflitos se não fosse pelo

mesmo. Outra característica na trama que é descendente do melodrama está na

permanência da moral oculta. O próprio vilão, ao realizar a queima da floresta,

acaba sendo queimado também, e o casal casa-se ao final, reafirmando o “bem”

como sendo a principal força em relação ao “mal”. Todavia, a moral não é afirmada

através da conversão do personagem vilão.

Babes in the woods (1932) recoloca a história de duas crianças que são

seduzidas por uma bruxa a irem a uma casa cheia de doces. Há aqui uma

reafirmação da bipolaridade melodramática, colocando, novamente, o vilão como

sendo uma figura caricata, com roupas escuras e um tratamento sonoro ligado ao

realce dos sentidos em relação aos personagens em cena.

The wise little hen (1934), onde o personagem Pato Donald se recusa a ajudar

a galinha e seus pintinhos a plantar e colher o milho, alegando que está com dor de

barriga, mas é tudo uma farsa, terminando com seu punimento, pois ele não se

alimenta, reafirmando a virtude e condenando certos valores, os quais não passarão

impunemente. O mesmo ocorre em The grasshopper and the ants (1934), onde seu

trabalho não é feito e, ao final, sofre a punição melodramática vinda da justiça

poética. Além de a técnica de deixar o gafanhoto saindo de sua cor natural e se

tornando azul por causa do frio era nova na época, já que o technicolor também era

recente no estúdio.

Em The flying mouse (1934), há reafirmação da virtude que se coloca, no filme,

através da aparência própria do personagem camundongo, gerando uma identidade.

Tal característica, que se liga, no filme, à própria virtude, melodramaticamente não

traz receito para quem vê. Tal falta de aceitação é, no filme, sinônimo de falta de

virtudes em se aceitar como se é.

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Em Peculiar penguins (1934), há mais uma vez, a figura do vilão tubarão, o

qual possui “atuação” excessiva, acompanhada de uma música que gera a

informação de forma direta ao público, localizando-o de forma até redundante,

finalizando o filme com o vilão não conseguindo concretizar seu objetivo e a

afirmação do valor amoroso por parte do casal de pingüins.

The golden touch (1935), coloca-se a história do rei Midas, cujo toque de suas

mãos faziam os objetos virarem ouro devido a seu desejo e ganância por tesouros,

no entanto, o prórpio rei reconhece sua falha ao se apegar à coisas materiais,

reafirmando-se, novamente, o aspecto melodramático ligado à moral.

The robber kitten (1935), conta-se a trajetória de um filhote de gato ladrão, que,

ao ver que está em perigo por causa de seus roubos, prefere voltar para casa e não

mais fazer aquelas atitudes, reafirmadas pelos dizeres ao fim “Honestidade é a

melhor política”.

Em Three little pigs (1936), The big bad Wolf (1934) e Three little wolves

(1936), a própria figura do vilão lobo, que tenta arruinar as casas dos três porcos, se

coloca de forma melodramática, enfatizando suas cores escuras, e que ao final, não

consegue o seu objetivo.

Em Mother pluto (1936), aqui podem ser vistos aspectos do melodrama familiar,

constante na década de 1930. Coloca-se em evidência o personagem Pluto, um cão

que apesar de ser masculino desempenha o papel de mãe de pintinhos. Apesar de

eles acharem que o cão é sua mãe, este resiste a primeiro momento, aderindo ao

sentimento materno no decorrer das cenas. Sua tentativa de unir os pintinhos contra

um invasor externo (que é pai verdadeiro dos filhotes) demonstra a afirmação dos

valores familiares que tendem a colocar a figura materna como protetora da unidade

familiar. No entanto, mescla-se o aspecto dos valores familiares com cenas de ação.

O contrário ocorre em Elmer elephant (1936), onde a desvalorização da figura

de um elefante por outros animais e ao final, tais animais são vítimas de um

Inocêncio na floresta, colocando a figura do próprio elefante como salvador, recoloca

a questão da vítima não reconhecida, humilhada pelos outros, cabendo então à

justiça poeta dar o tom melodramático em cena, onde uma reviravolta de papeis se

consolida a fim de projetar em cena, a imagem do herói que reconquista sua

identidade e, para o espectador, a observação daqueles que o destrataram e seus

respectivos punimentos como uma recompensarão ligada á moral e costumes. Na

mesma linha de raciocínio, há Ugly ducking (1937) que também traz um personagem

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cuja identidade está perdida, sendo humilhado por todos ao seu redor, onde a justiça

poética se encarregará de salvar sua verdadeira condição ao final, pois durante todo

o filme o personagem é rejeitado por sua aparência física diferente dos demais,

havendo depois a revelação de ele ser um cisne e sua beleza se exaltando mais que

a dos outros, os quais foram os causadores de toda a humilhação sofrida, lançando

o público em um ambiente onde o melodrama se configura de forma evidente. A

música também acompanha os personagens ao longo da narrativa.

Há uma característica básica do melodrama em se mesclar às altas

tecnologias: sua capacidade de rápida adaptação que coloca o espectador diante de

novidades constantemente, através do tratamento melodramático da narrativa, seja

em seu modo ou estrutura.

Tais experimentações feitas pelo estúdio em seus curtas metragens da década

de 1930 contribuíram para o florescimento de recursos e idéias ligadas ao

planejamento de um longa de animação. Novamente, as questões ligadas ao avanço

tecnológico se unem com as questões melodramáticas em outra característica ligada

à Disney: seus filmes de princesa. Há sempre uma personagem vítima, cuja

identidade é perdida e o destino a coloca diante de um vilão que a persegue, tenta

corrompê-la, amedronta-a etc. O melodrama se insere nas vestimentas dos

personagens, sempre caricatos, com seus sentimentos sendo exibidos de forma

evidente. Ao final, a virtude da princesa se mostra superior, onde a guerra entre os

dois eixos da bipolaridade melodramática, bem e mal, é afirmada. Para citar um

exemplo, da própria década, e também um marco da animação mundial, o longa

Branca de neve e os sete anões (1937) segue essas características: a perseguição

da personagem protagonista pela madrasta rainha já cria a figura da vilã, enfatizada

através da música e das atitudes caricatas em frente a seu espelho mágico. Tal

caricatura é expressa pela de sua capa, longa e escura, objetivando o entendimento

imediato do público perante tal personagem. O monólogo patético está presente,

como em momentos que mostram a Rainha planejando sua alteração de aparência

a fim de persuadir a protagonista, levando-a ao engano. Os anões, que vivem e

defendem a protagonista causam a “leveza das cenas”, ou seja, através das

brincadeiras e gags, amenizam a tensão presente entre os eixos da bipolaridade

melodramática. A figura do Príncipe pode ser relacionada com o Justiceiro. No

momento em que a protagonista encontra-se no “sono da morte”, é a partir de um

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beijo – do príncipe – que ela é despertada. Tal ato liga-se com o afastamento do

perigo que encobre a personagem, dando a ele a posição de protegê-la.

O contexto em que foi produzido o objeto pesquisado, O Rei Leão (Rob

Minkoff/Roger Allers, 1994), por mais que se encontre muitas décadas após o

fortalecimento do estúdio Disney em suas experimentações nos filmes Silly

Symphonies, as características de base do estúdio permanecem dentro do longa:

Em primeiro lugar, o antropomorfismo. Ao se analisar o filme, observa-se que,

por mais variados que sejam os animais (pássaros, javalis, suricates, leões etc), há

sempre uma inspiração com a figura humana. Tais características, de início, ligam-

se a aspectos humanos, como a maneira de se socializar e, evidentemente, à fala.

Os personagens constantemente criam discussões, riem e raciocinam como

humanos, gerando planos que dão gancho à narrativa e sua conseqüente evolução.

Quando o espectador observa em cena o protagonista, Simba, o que ele vê não é

um filhote de leão, pois, apesar de seus traços, proporções animalescas e cores,

darem a entender que o que se está vendo é um ser vivo em seu habitat natural, na

verdade se configura como uma criança humana, que tem problemas e dilemas

humanos, que precisa ser guiada pelas figuras paterna e materna como humanos

etc. Mufasa não se limita a um animal selvagem, pelo contrário, sua imponência,

trazida pela sua aparência e seu título de rei daquele ambiente, o põe em uma

situação que se relaciona com o público diretamente, onde o personagem se

personifica num pai, que tem problemas em criar seu filho por causa de maus

comportamentos humanos, e que sofre dor como humanos. O mesmo se aplica ao

vilão da trama, Scar, que, apenas em última análise, é um leão de fato. Seu aspecto

maquiavélico, seu pensamento que busca retirar Mufasa do poder e ocupar o reino,

e principalmente, seus planos para alcançar esse objetivo são características

observáveis em sociedades humanas, portanto, quem assiste tem diante de si são

imagens que mostram o comportamento de uma sociedade altamente organizada

(em relação ao que seria a sociedade dos leões de fato), tendo até a criação de leis

que vigoram no reino e conhecimentos ligados à ética e moral, esta última sofrendo

variações durante a obra, como a moral praticada por Timão e Pumba (Hakuna

Matata) que se mostra claramente oposta à moral de Nala.

Em segundo lugar, a bipolaridade melodramática. Há dois núcleos distintos e

opostos dentro do mesmo universo do filme, tendo personagens que se relacionam

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com eixo “maléfico” e com o eixo “benéfico”, tendo verdadeiros grupos de

personagens que estão inseridos diante do Vilão ou Herói. O personagem Simba é o

representante do universo moralístico do filme, enquanto seu tio, Scar, representa o

conflito direto com a moral estabelecida. A partir desse estabelecimento de

polaridades, se desenvolvem outras figuras que estão aliadas a cada um deles,

como as hienas do lado de Scar, e os leões do lado de Simba, apoiados também por

Timão e Pumba. O espectador, a partir dessa localização, sofre junto com os

personagens, torce por eles, almeja ver o vilão desmascarado e retirado de sua

posição e espera que aqueles que estão lutando sejam recompensados pela sua

defesa à moral estabelecida, enquanto que a justiça poética se encarregará

daqueles que aderiram à vilania.

Outro ponto está no excesso característico de uma obra melodramática. A

primeira característica está na maneira como os personagens se comportam. As

atitudes de Scar são exageradas, faz-se questão de haver um realce de seus

olhares, de seus diálogos. O local onde ele vive, uma caverna, é escuro, possui

muita névoa, cores frias são dominantes em seu ambiente. O próprio vilão possui

um design caracteristicamente ligado ao aspecto melodramático: sua juba é de cor

diferenciada das demais, onde o lado bom da bipolaridade tem jubas mais claras e

Scar tem uma juba preta; o formato de seu rosto é menos arredondado do que os do

personagem com “caráter”, possuindo um maxilar mais afinado; suas lacaias hienas

têm, também, aspectos que as identificam com Scar, como por exemplo, o interesse

em comum em ir de encontro com o regime vigente no ambiente dos personagens,

ambiente esse controlado pelo seu inimigo primordial, Mufasa. Em se tratando de

um filme de animação musical, as letras das músicas enfatizam ainda mais os seus

desejos de conquistar o reino, exibindo de forma clara os pensamentos

maquiavélicos. Outro aspecto ligado ao exagero está nas cenas em que o vilão

realizar um monólogo patético, estratégia melodramática para localizar o quem

assiste em relação ao caráter e, principalmente, a como seus desvios se

concretizam no mundo em que ele vive. No caso de Scar, seu monólogo coloca, em

segundos, sua frustração de não ter se tornado rei. No lado moralístico da

bipolaridade, tais canções também refletem as inquietações e idéias dos

personagens, no entanto, visando agora o lado oposto ao que Scar propõe, ou seja,

as músicas são narrativas dentro do filme. Essas características são partes da

estratégia que visa impactar o público. Os ambientes por onde andam o protagonista

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e os personagens os quais fazem parte do seu grupo tem cores mais claras, locais

que propõem, através das cores e da própria música incidental, a tranqüilidade. Em

outras palavras, o melodrama está constantemente presente no texto do filme.

As questões ligadas às tensões familiares são o ponto de partida da obra. A

rivalidade entre os membros da família em torno de um objetivo criam o impulso

necessário para que haja uma história a ser contada, inspirada principalmente em

Shakespeare, com Hamlet. Na obra cinematográfica, os aspectos que fazem o herói

da trama não ser reconhecido também fazem parte da estrutura melodramática: a

vitimização. Ele é perseguido, precisa sobreviver, e para isso encontra pessoas em

seu caminho que o ajudam a superar seus traumas e a reconquistar seu status

perante a sociedade. Há justiceiros que o protegem, mentores que o guiam. Da

mesma forma que ocorre teatralmente, há uma amenização dos problemas em cena

a partir de certos personagens, os quais propõem uma comicidade alheia aos

acontecimentos “aristocráticos”, os quais, no caso da obra, estão ligados à questão

da realeza, separando o problema do resto do mundo, já que seus integrantes estão

em uma posição social acima dos demais.

O público se familiariza a cada momento com essas características, que

buscam, de forma até redundante, abordar os conteúdos das cenas de forma clara e

com grande sentimentalismo.

Com o início da década de 1940, filmes que hoje são considerados clássicos

também foram produzidos, como Pinóquio (1940), Fantasia (1940), Dumbo (1941) e

Bambi (1942). Fantasia, por exemplo, é um filme singular no estúdio, já que deixa de

lado muitos aspectos do cinema clássico e se dedica a uma outra abordagem, como

a divisão em diversos segmentos. Na década de 1950, além de outros filmes,

sucessos são inseridos, como Cinderela (1950), Alice no país das maravilhas

(1951), Peter Pan (1953), A dama e o vagabundo (1955) e A bela adormecida

(1959). Na década seguinte, são lançados 101 dálmatas (1961), A espada era a lei

(1963) e Mogli - o menino lobo (1967). Aristogatas (1970), Robin Hood (1973), Puff -

o ursinho guloso (1977) e Bernardo e Bianca (1977) são lançados na década

seguinte.

A década de 1980 é marcada por fracassos do estúdio, onde filmes como

Caldeirão mágico (1985) possui classificação etária, além de ser o primeiro filme do

estúdio onde os personagens não cantam.

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No entanto, é no final da década que ressurge uma nova era de sucessos de

bilheteria, começando por A pequena sereia (1989). A partir daí, sucessos são

marcantes no estúdio: A bela e a fera (1991), Aladdin (1992), O rei leão (1994),

Pocahontas (1995), Toy Story (1995) - co-produção com o estúdio Pixar, O corcunda

de Notre Dame (1996), Hércules (1997), entre outros.

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2 A Hipermodernidade16

2.1 A busca por um hipercinema

O cinema foi a Arte do Século XX. Com as salas escuras do cinema, ao

contrário do teatro, podia ser visto uma tela de ecrã onde projetava-se todo o

movimento, onde as grandes estrelas eram mostradas na pele de vilões ou vítimas

através da luz, onde o público se encantava e se emocionava. A tela de cinema

permaneceu por décadas como única, porém a partir da segunda metade do século

XX, outros dispositivos como a televisão em 1950 e mais tarde os computadores,

celulares, videogames, Internet, aparelhos de GPS e máquinas fotográficas digitais

se difundem nos lares de forma exponencial, abrindo uma concorrência entre os

filmes e os seriados televisivos, além dos telefilmes (filmes criados com a estética

televisiva), videoclipes etc., e já nos anos 1980, alguns cineastas já se convenciam

do fim do cinema. Através dos videocassetes, a praticidade de não cumprir horários

específicos nas entradas do cinema e a comodidade de assistir na própria casa, de

voltar e avançar para partes específicas do filme, fazem as salas de cinema se

esvaziarem ainda mais, tendo grandes conseqüências em países como a Alemanha,

Itália e Grã-Bretanha, onde as produções de longas-metragens sofrem uma grande

baixa. Até mesmo os estúdios de Hollywood são comprados por investidores cujos

lucros vinham de fontes externas ao cinema. Mas o que poderia ser a morte desta

arte, se configura como uma eterna renovação da mesma, obtendo sucessos de

público mesmo em concorrência com os outros dispositivos tecnológicos.

[...] em 2005, os estúdios Hollywoodianos e os franceses produziram

respectivamente 699 e 240 longas-metragens, enquanto que a Espanha

produzia 142, a Inglaterra, 124, a Alemanha, 103 e a Itália, 98. Não é

regressão que nos caracteriza, mas a proliferação de novidades: em 1976,

Hollywood realizava ‘somente’ 138 filmes e, no período 1988-1999, o

16 O capítulo presente se desenvolve em uma perspectiva de se analisar o conceito de hipercinema. No entanto, apesar de esta dissertação estar ligada à discussão sobre o cinema de animação, se faz necessária uma apuração da história do cinema como um todo, a fim de se construir as bases e referências ligadas ao cinema contemporâneo. A partir desse ponto de vista, serão citados diversos cineastas de diversos países com filmes tanto de animação como live-action, citando a evolução do cinema como principal base para a idéia desenvolvida nesta dissertação, onde o consumo desses produtos fílmicos se insere de forma crucial para observar as conseqüências, também, no cinema de animação, principalmente no que diz respeito às estratégias da indústria em relação às possibilidades de consumo vindas do espectador em relação à obra cinematográfica produzida. A busca por estatísticas trazidas por Gilles Lipovetsky e Jean Serroy no livro A Tela Global também se desenvolve como instrumento chave para o entendimento de como o cinema contemporâneo se comporta.

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número anual médio de longas metragens se elevava a 385. Entre 1996 e

2005, na França, o número de filmes distribuídos aumentou 38%, o das

cópias, 105%. E hoje os estúdios franceses lançam duas vezes mais filmes

que há dez anos. (LIPOVETSKY; SERROY, 2009, pág. 14)

Observa-se, também, que os filmes de baixo orçamento ocupam uma gama de

entusiastas, e não só os blockbusters (filmes de alto orçamento), e estes filmes com

custos modestos são distribuídos muitas vezes por grandes produtoras, que

apostam nesta maneira de se produzir, contando histórias simples e apresentando

novas atmosferas poéticas.

Portanto, o cinema não se transformou em algo ligado “ao passado”:

simplesmente, um outro cinema emergiu, e este sempre esteve em constante

modificação, seja através das cores dando lugar ao preto-e-branco, seja com o

cinema falado ou com rupturas estilísticas como o neorrealismo nos anos 1940 e as

Nouvelles Vagues dos anos 1950/1960. Em outras palavras, não é a morte do

cinema, mas a “emergência de um hipercinema.”17

Há que se analisar a história e evolução do cinema18: a fase do cinema mudo

se enquadra numa “pesquisa” dos cineastas para se criar uma linguagem, tomando

como referencia o teatro, os espetáculos de vaudeville e cenas dramáticas, e à

medida que se consolida, incorpora novos elementos, como uma mímica

exacerbada dos atores para o entendimento da mensagem, já que não havia

palavras, criando uma maneira de expressar-se radicalmente nova. A partir de 1930

até os anos 1950, o cinema fica sendo o a atividade principal no mundo ligada ao

lazer. Este sucesso vem das novas formas técnicas, como o cinema falado, a

difusão das cores nos anos 1930, além das telas panorâmicas e o cinemascope no

início dos anos 1950. O modo de se contar as histórias desenvolve-se um pouco

mais, fazendo o espectador se imergir na narrativa, através de um desenrolar lógico

e progressivo, onde tudo que é mostrado tem algum propósito. Tais características

são constituintes do chamado “cinema clássico”. Entre 1950-1970 é evidenciada a

modernidade modernista e emancipadora. Em 1941, com Cidadão Kane, de Orson

Welles, inova-se a narrativa, realizando roteiros fragmentados, desconstruídos em

relação à montagem. Na França, com a Nouvelle Vague, ao final dos anos 1950 e

17 Conceito central da obra A Tela Global dos autores Jean Serroy e Gilles Lipovetsky 18 Estas características citadas são cruciais para o entendimento do processo evolutivo em volta do cinema e a conseqüente concepção do que se tornou o hipercinema e do termo Tela Global.

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ao longo dos anos 1960, se traduz as ambições dos cineastas franceses em contar

uma história sem estarem presos ao “rigor” pré-estabelecido do “cinema clássico”,

rompendo com a maneira como a montagem era convencionalmente realizada; tudo

no intuito da emancipação artística e cultural.

Essa modernidade liberacionista se desfaz do molde clássico primeiro por

um cinema de pesquisa, polêmico, iconoclasta; depois, com o passar dos

anos, por um cinema de grande público que se apodera aos poucos de

suas audácias e de suas novidades. É por ai que a nova geração que toma

o poder em Hollywood nos anos 1970 se insere à sua maneira na linha

dessa desconstrução, trazendo uma liberdade estilística, narrativa e

temática que modifica o espírito dos estúdios. (LIPOVETSKY; SERROY,

2009, pág. 22)

A partir dessa evolução, há a chamada hipermodernidade, que se caracteriza

por unir tecnologias e os meios de comunicação, a cultura e a economia, a estética e

o consumo. Tem-se assim, o hipercapitalismo, a hipermídia, e o hiperconsumo”. É

nesse ponto de vista que se tem o termo Tela Global, referindo-se diretamente em

como o que anteriormente, na história do cinema, seria o “ecrã iluminado”. Hoje se

consolida como uma rede global que se une no intuito de um cinema-mundo. Isso se

traduz nos grandes investimentos que o cinema hollywoodiano tem feito nas últimas

duas décadas num capital internacionalizado, controlando grupos europeus,

australianos e japoneses, realizando filmes internacionalmente sustentáveis. Isso

não se traduz apenas em termos econômicos. A união de diversos locais no mundo

para uma produção também garante elementos multiculturais. O termo “tela global”

inclui, também, a maneira como o cinema está sendo consumido em concorrência

com as últimas gerações tecnológicas como as telas portáteis e a televisão, mas que

ainda possui um “espírito”, algo que se insere no imaginário coletivo, através da

vontade de presenciar o “grande espetáculo”, e é exatamente através das novas

tecnologias que o cinema não perde seu lugar de importância, mas se complementa,

num mundo onde o enquadrar, filmar, registrar, visionar se difunde à escala de um

indivíduo através das telas de celular e câmeras digitais, que inspiram a realização

de “pequenas” obras, tais como vídeos amadorísticos e minifilmes. Em outras

palavras: por mais que o cinema tenha deixado sua “centralidade institucional” e se

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tornado mais uma tela entre tantas outras, não significa que sua influência cultural

tenha acabado.

Juntamente com a Fotografia, o cinema se consolida em alguns anos, ao

contrário das outras artes, onde além de não se ter data de início conhecida, há

milênios de passado enraizado. O cinema aparece como uma nova arte depois de

2519 séculos, caracterizando-se como uma arte essencialmente moderna.

“O cinema é a única arte da qual se conhece o dia do nascimento. É um

acontecimento único na história das civilizações” (LIPOVETSKY; SERROY, 2009,

pág. 33). Isso também implica em uma ligação das outras artes com o religioso,

onde ao longo do tempo, estas foram se emancipando, ao contrário do cinema, onde

não precisou entrar em guerra com a religião a fim de se tornar uma arte autônoma.

Arte esta que está estreitamente ligada à indústria.

Não foi uma necessidade artística que provocou a descoberta e o

funcionamento de uma técnica nova, foi uma invenção técnica que

provocou a descoberta e o funcionamento de uma nova arte.20

(LIPOVETSKY; SERROY, 2009, pág. 34)

Segundo Lipovetsky, sendo ele uma arte nova, não possui uma herança na

qual poderia se separar. Por mais que o cinema tenha participado destas revoluções

modernistas de forma mais fraca, há obras como Entreato, René Clair, 1928 e Um

cão andaluz, Luis Buñuel, 1928, que se inserem nesta busca. Outra característica

que está altamente atrelada ao cinema é o consumo de massa, onde além da

própria produção – não sendo um trabalho isolado, mas uma união de diversas

partes – as definições de gêneros garantem uma agilidade e uma produção

constante de filmes para o público. E mesmo construindo estas fórmulas, cada filme

possui um caráter individual. Seu modo de consumo, onde a simplicidade se

encontra presente, universalizando-se aquilo que é visto, no intuito de qualquer

pessoa, em qualquer parte do mundo, inserido em diferentes culturas, possa

entender, é outra característica relacionada ao consumo de massa, onde a facilidade

de acesso e produção ligada à diversão, ao prazer, à distração da maioria, usando

uma invenção radical; o star, gerando iconização e mitificação, garante sua

19 LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Tela global, São Paulo, Editora Sulina, 2009, pag. 33. 20 Erwin Panofsky, “Style et matériau du cinema” (1934), Cinéma, theóries, lectures, apud Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, São Paulo, Editora Sulina, 2009, p. 34.

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modernidade. Outro fator liga o cinema a uma arte-moda, ou seja, o consumo

passageiro, onde novos filmes dão lugar aos “antigos”, onde a próprio uso de atores

amplamente conhecidos, os stars, garante um aspecto cosmético, lançando roupas

que geram entusiasmos, modificando gostos e atitudes; a beleza estereotipada nas

estrelas de cinema, colocando tendências na sociedade; códigos transitórios.

É a moda e sua velocidade de renovação, o kitsh e a canção sentimental, a

sedução imediata e os afetos ‘fáceis’ que fazem a modernidade e a

incomparável força do cinema. (LIPOVETSKY; SERROY, 2009, pág. 44)

Se por um lado há uma tentativa de usar o cinema a favor das idéias

vanguardistas, por outro este mesmo cinema vai de encontro a outro princípio

moderno; a desconstrução daquilo que é visto a fim de denunciar a ilusão. O cinema

objetiva a construção de um espetáculo, onde o ilusionismo está presente, e é a

partir daí que a idéia de cinema de autor entra em cena, onde cineastas como

Fellini, Antonioni, Godard, entre outros, partem para um cinema com outro caráter; a

reflexividade e a desconstrução geram um “novo cinema”, não adepto às “regras” do

cinema clássico.

Através das questões do “pós-modernismo” a partir dos anos 1980, estrutura-

se a idéia de hipercinema, onde esta liga-se diretamente aos avanços tecnológicos

que fizeram parte da década de 1980 – como o vídeo –, as imagens digitais a partir

da década de 1990, a diminuição do tamanho dos aparelhos, como câmeras DV, em

contra partida com o aumento da sofisticação na qualidade das imagens, garantem

um novo modo, uma nova abordagem em relação ao ato de filmar. Este fenômeno

gera conseqüências diretas em áreas de animação, onde as técnicas clássicas da

animação 2D dão lugar ao 3D21. Tecnologias como o motion capture22 geram uma

captura de movimento através de atores reais e que transferem os movimentos

feitos para dentro do computador; um exemplo desta tecnologia está em O expresso

Polar (Robert Zemeckis, 2004). A animação japonesa, através do universo high tech,

insere um universo inteiramente virtual em obras como Metrópolis (Rintaro, 2001),

tanto na concepção visual quanto no trabalho do áudio. Isso exige muitas vezes que

21

As tradicionais mesas de luz para animação estão sendo substituídas, com o passar dos anos pela animação digital 3D. 22 Esta tecnologia consiste em capturar os movimentos dos atores em um estúdio através de pontos de movimento, copiando-os diretamente no computador.

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estúdios recorram a departamentos específicos relacionados às tecnologias de

ponta, uma subcontratação.

[...] o digital revolucionou totalmente a concepção dos cenários e dos

efeitos técnicos, agora chamados ‘especiais’. Ele dá à pós-produção, do

tratamento do som à sincronização – ambos digitalizados -, uma

importância crescente, e a própria montagem se informatiza de tal modo

que não lembra mais a montagem à antiga [...]. (LIPOVETSKY; SERROY,

2009, pág. 51)

Esta gama imensa de filmes que apresentam efeitos especiais faz surgir um

novo espectador; alguém que não se importa tanto com a trama, com a atuação,

como o filme se inicia, se desenvolve e se fecha. São pessoas que vão ao cinema

experimentar a sensação de estar imerso no universo narrativo do filme, mas não

relacionado diretamente com a trama, e sim, com a concepção dos efeitos especiais

colocados em cena, usados tanto nos personagens quanto nos cenários. São os

“novos espectadores”23.

Com o desenvolvimento na área de distribuição dos filmes, o consumo de um

produto fílmico não se limita apenas, fora a atividade de ir ao cinema, às locadoras.

A China é um exemplo disso, onde os aparelhos celulares e os downloads são os

principais meios de utilização para ver um filme. Este desenvolvimento garante uma

geração de capital até maior do que o próprio ato de assistir no cinema. Na França,

o mercado de vídeo possui dois milhões de euros como representação, enquanto as

receitas em sala somam apenas a metade desse valor. Se por um lado há valores

significativos de um lado, as altas produções – blockbusters – também não param de

crescer em relação aos seus orçamentos. Se normalmente a média de custo de um

filme longa-metragem é de 60 milhões de dólares, hoje Hollywood produz a cada

ano uma média de 15 filmes com orçamento superior a 100 milhões24. Grandes

produções como Titanic, com 247 milhões e Homem-Aranha 3, com 300 milhões,

por exemplo. Apesar de esses valores estarem relacionados com a produção de

filmes nos Estados Unidos, os filmes europeus, mesmo com orçamentos mais

modestos se comparados, também possuem um acréscimo nos investimentos25.

23 Roger Odin, “Du spectatuer fictionnnalisant au nouveau spectateur, approche sémio-pragmatique”, apud Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, 24 Ibid., p. 56. 25

Ibid., p. 56. Em 1992, apenas 4 filmes passaram dos 10 milhões de euros. Em 2001, o número chega a 20 produções.

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Mas também há exemplos que se aproximam em rivalidade com Hollywood, como O

quinto elemento, 75 milhões, e Arthur e os Minimoys, 65 milhões. O cachê dos stars

(atores famosos) possui uma parte importante no desenvolvimento da produção. Os

valores cada vez mais altos ao longo dos anos, tanto nos Estados Unidos26 quanto

na Europa, também são reflexo do sucesso dos atores. Porém, alto cachê não está

vinculado diretamente com o sucesso de uma produção. O pensamento lucrativo a

fim de correr os riscos está, também, na estratégia de distribuição. Através do

blanket strategy – ou estratégia de cobertura – faz-se o lançamento e campanhas

publicitárias suficientes para a geração de capital suficiente para obtenção do lucro,

com larga distribuição de filmes tanto em âmbito nacional – do país que produziu o

filme – quanto internacional. Em contrapartida, em 1940, os estúdios não passavam

de 7% do custo da produção com as campanhas publicitárias, e hoje tais custos

somam em média mais de um terço da produção.

O orçamento médio de marketing de um filme era de 6,5 milhões de dólares

em 1985; ele atingiu 39 milhões de dólares em 2003. O imperativo é

inundar o mercado, criar um mega evento através de uma estratégia de

onipresença do filme tanto nas salas como na mídia [...] a maior parte das

receitas em salas é obtida nas primeiras semanas de lançamento.

(LIPOVETSKY; SERROY, 2009, pág. 60)

Soma-se a isso o fato da comercialização de objetos que complementam

aquela experiência. Bonecos, videogames, roupas etc., fazem parte da estratégia. O

Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) gerou 310 milhões de dólares nos

cinemas e 700 milhões em produtos derivados27. Com a época dos hits, onde os

produtos ficam obsoletos em alta velocidade, a distribuição digital pode garantir uma

vida longa às diversas produções28, já que o público consome cada vez mais filmes

e produtos audiovisuais a partir de downloads e através das telas portáteis. No

entanto, esse consumo hiperindividualista, esta maneira pessoal em que as pessoas

assistem seus filmes em seus próprios celulares, em aviões quando as companhias

aéreas fornecem telas para cada assento, ou em seus próprios computadores e

26 Brad Pitt, Tom Cruise, Julia Roberts, Nicole Kidman, Tom Hanks, entre outros. Recebem entre 16 e 25 milhões de dólares

em cachê. Ibid., p. 58. 27

Ibid., p. 61. 28

Ibid., p. 62. Teoria da “cauda longa [Long Tail]” posta por Chirs Anderson.

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notebooks, não é sinônimo de uma extinção do sentido coletivo do cinema, onde

apenas 7%29 das pessoas têm hábito de ir ao cinema sozinhas, e tais tecnologias

que são capazes de proporcionar um consumo individual, são também capazes de

fazer do cinema algo inovador, como o home cinema. Mas existe uma questão a ser

pensada: se cada vez mais há um consumo individualista, como explicar que cada

vez mais as grandes produções lotam os cinemas? Uma resposta se concentra no

fato do marketing feito por Hollywood, onde os próprios orçamentos dos

blockbusters servem de propaganda, onde a cultura do star system continua

presente e em uma gama de filmes feitos para atrair um público adolescente,

existindo os chamados teen movies. Esse último público está interessado em ter

emoções fortes, em presenciar o inesperado.

Esse cinema hipermoderno é conceituado através de três características: “a

imagem-excesso, a imagem-multiplex, a imagem-distância”30.

A imagem-excesso relaciona-se com o fato de tudo está em alto ritmo;

multiplicação dos planos, cortes, sons. O excessivo e superlativo estão evidentes.

Isso se reflete diretamente na duração dos filmes. Exemplos como King Kong estão

cada vez maiores31; na versão de Marian Cooper e Ernest Schoedsack, de 1930,

possui 1 hora e 40, na de John Guillermin, de 1976, possui 2 horas e 14, e na de

Peter Jackson, de 2005, 3 horas. Os cortes abruptos geram a emoção cada vez

maior, em filmes como os de Michael Bay, que têm duração de planos média de 2

segundos. Efeitos especiais compõem ainda mais o que será visto, sejam eles

visuais ou altos investimentos nos sons, tudo causando impacto, acelerado, intenso.

Efeitos esses que tornam possível o que antes seria limitado. O impacto causado no

espectador através de avanços como a realidade virtual, garante uma experiência

mais intensa através de óculos 3D, uma estimulação a mais nos sentidos. Os

próprios nomes das obras muitas vezes garantem esse aspecto emotivo, como

Velocidade Máxima / Speed (Jan de Bont, 1994), Velozes e Furiosos / The fast and

the furious (Rob Cohen, 2001). A violência constante e o sexo também trazem

consigo uma marca de adrenalina. O cinema contemporâneo é marcado por essa

29 Ibid., p. 64. 30 Ibid., p 69. 31 Apenas alguns filmes possuíam durações excepcionais, como é o caso de E o vento Levou, Vitor Fleming, 1939, com 3

horas e 42 minutos.

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lógica do excesso, em que a natureza desse cinema hipermoderno tem horror de

características em pequena quantidade.

A imagem-multiplex liga-se com a diversidade de produções; filmes

tecnicamente bem elaborados, diversificação da narrativa, a complexidade cada vez

mais crescente no tratamento do filme.

A geração neo-Hollywood, como Spielberg, a partir de 1980 generaliza o

sistema blockbuster32. O simplex, ou seja, as histórias contadas de maneira simples,

e com os blockbusters recheadas de efeitos especiais tornam-se cada vez mais

comuns, e grandes estúdios apostam em alguns filmes a cada ano como uma

espécie de locomotiva financeira. Não obstante, resumir esses aspectos ao cinema

mundial é generalizar, já que existem muitos exemplos que tentam complexificar de

diferentes maneiras, expondo diferentes pontos a cada filme; ou seja, não se deve

limitar o conceito de simplex para toda produção mundial, e sim, analisar a

característica do hipercinema ligada ao multiplex. As produções mundiais crescem a

cada dia; China com 300 filmes por ano, Índia com 800, Japão com 280, entre

outros33. A esse fato constitui-se a multiplicação das misturas étnicas; co-produções

geram uma diversidade criada pelas culturas, uma mixagem das identidades

tradicionais, como por exemplo, o cinema blaxploitation nos Estados Unidos, os

cineastas da Alemanha e Itália de imigração turca, cineastas em Londres vindos da

Índia, entre outros.

Com o passar dos anos, a complexidade das narrativas torna-se evidente,

havendo filmes cujos conteúdos não levam simplesmente a um caminho “fácil”. Um

aspecto está na complexidade e pluralidade dos personagens, onde suas

personalidades, suas subjetividades não estão mais sujeitas a uma explicação

direta; eles simplesmente são o que são. Os diversos temas relacionados às

diversas idades também fazem parte, já que o cinema em sua forma clássica,

contou histórias de personagens de meia idade – nem tão velhos nem tão novos.

Com os movimentos desencadeados nos anos 1950-1960, acentua-se a abordagem

de todos os ciclos, de diversas gerações, abdicando das posições hierárquicas, e

evidenciando a dignidade presente de forma igualitária. Isso se deve também ao fato

de que no processo de consumo, todas as idades são importantes. Mostra-se a

juventude de um lado, como é American Pie – a primeira vez é inesquecível (Paul

32

Com obras como Tubarão (Steven Spielberg, 1985) e Guerra nas estrelas (George Lucas, 1977). 33 LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Tela global, São Paulo, Editora Sulina, 2009, p. 94.

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Weitz, 1999), e a velhice de outro, como em Alguém tem que ceder (Nancy Mayers,

2003. A abordagem de conteúdos como a homossexualidade, que durante muito

tempo permaneceram na esfera cômica, em filmes como A gaiola das loucas,

Edouard Molinaro, ganham força neste cinema hipermoderno. O mesmo filme (A

gaiola das loucas) possui um remake, The birdcage, Mike Nichols, 1996, o qual foi

um fracasso total, evidenciando um novo olhar para o que é contado; Temas sobre a

Aids em Noites felinas, Cyrill Collard, 1992; prostituição masculina em Não dou

beijos, André Techiné, 1991; a imagem viril do caubói colocada a prova através da

homossexualidade em O segredo de Brokeback Mountain, Ang Lee, 2005. Os

exemplos são muitos.

A imagem-distância faz referência a um paradoxo presente no hipercinema; o

espectador tem a oportunidade de estar ao mesmo tempo fora e dentro do filme.

Dentro pelo fato da imersão sensorial, deixando de lado a distância com aquilo

assistido, porém, através do processo de autorreferencialidade, o cinema faz

referência a ele mesmo reflexivamente34.

A indústria cinematográfica aproveita um grande sucesso de público para a

realização de seqüências. A história do boxeador Rocky Balboa é contada ao longo

de cinco filmes desde a década de 1970 até 2006. As diferenças entre a primeira

produção até a última tornam o referencial do primeiro como sendo diferente do

último, onde em um, ele é um lutador que busca vitórias através do Box e no último,

Rocky tenta voltar aos ringues depois de ter se aposentado, lutando contra sua

própria personalidade, forma física, capacidade. O mesmo ocorre com 007.

Rompendo com [...] efeitos especiais dos James Bond canônicos, 007

Cassino Royale [Martin Campbell, 2006] se apresenta como um

distanciamento quase crítico da série, pela escolha de um intérprete

fisicamente diferente, de uma violência seca e de uma melancolia

desencantada no tom. Esse tipo de recuo se traduz de forma ostensiva no

modo de revisitar os grandes heróis e sua mitologia com um ponto de vista

que não teme ser irônico. (LIPOVETSKY; SERROY, 2009, pág. 122-123)

Os remakes possuem, também, objetivos financeiros. Reler, recriar uma obra

de sucesso do passado, nada mais é do que uma diminuição do risco em relação ao

34 Exemplo do filme Miss Europa, Augusto Genina, 1930, onde Louise Brooks morre na sala de projeção ao ver sua imagem de estrela na tela. A partir de 1960, esse grau reflexivo ganha força para se afirmar perante o cinema clássico.

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seu sucesso, ou seja, essa lógica comercial garante investimentos seguros. As

citações de um filme feitas por outro filme estão cada vez mais comuns. Um exemplo

claro disso está em Todo mundo em Pânico, Keenen I. Wayans, 2000, com alto

espírito paródico, ou o filme Pânico, onde o especialista de cinema de horror Wes

Craven enxerga nos filmes uma “paródia do seu próprio universo, referindo-se

explicitamente, no filme, a seus filmes anteriores”. As conseqüências desses

aspectos garantem ao hipercinema um rompimento com os compromissos e tabus

que ainda poderiam restringi-lo; geram um aspecto que aproxima ainda mais cinema

de autor e cinema comercial, arte e industria; garantem uma mistura entre o que

seria high art e low art, experimentações de Hollywood a mais audácias formais; ou

seja, o que seriam contrários, idéias incompativelmente opostas, não o são.

Uma importante transformação na segunda metade do século XX deveu-se ao

desenvolvimento da televisão. Mesmo com sua tecnologia concebida entre 1925 e

1930, apenas ao início dos anos 1950 que ela se consolida como um “fenômeno

social de massa” (LIPOVETSKY; SERROY, 2009, pág. 209) e desde 1978, a cada

10 lares, nove possuíam uma televisão. É nessa perspectiva de democratização que

os investimentos em novas tecnologias progrediram, partindo das telas de TV

tradicionais para as planas, computadores, videogames, celulares etc., ou seja, a

televisão invade cada vez mais espaços. Ao mesmo tempo em que se progrediu a

difusão dos aparelhos televisivos, o aumento da audiência também fez parte de todo

o processo, já que em 1984, uma pessoa ficava cerca de 2 horas e 20 minutos por

dia em frente a TV, enquanto que vinte anos mais tarde, essa duração aumenta para

3 horas e 24 minutos, fazendo da televisão uma atividade de lazer altamente

praticada na sociedade, como por exemplo na França, onde cerca de cem mil horas

são assistidas durante a vida de um francês, equivalente a 11 anos enfrente ao

aparelho35. Tal lazer também se caracteriza por uma espécie de ruptura com o

cinema, já que as imagens são recebidas a domicílio, dado que o cinema é

constituído de um lugar público e coletivo, fazendo da TV algo individualizado,

através da difusão dos aparelhos e suportes como o vídeo cassete e DVD. Outro

traço de ruptura está na relação com as imagens; o cinema força as pessoas ao

afastamento das banalidades do dia a dia, dando um recorte entre o real e o

espetáculo, enfatizando o silêncio e a atenção com aquilo mostrado, enquanto a TV

35 LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Tela global, São Paulo, Editora Sulina, 2009, p. 209.

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exibe imagens que muitas vezes distraem; que iniciam comentários por parte dos

espectadores, gerando uma série de observações tendendo aquele que assiste a

ficar indiferente. Outro ponto está na imediatez das imagens. O cinema concentra-se

em um mundo reproduzido que na TV pode se encontrar ao vivo; a simultaneidade é

característica forte da televisão, além de a duração das imagens através do cinema

possuírem um tempo limitado, enquanto que as do aparelho televisivo possuem uma

exibição quase permanente através da grande multiplicação dos canais e do

aumento das transmissões.

Os aspectos ligados à TV geraram consequências para o cinema. O

esvaziamento das salas ficou evidente e a indústria cinematográfica precisou tomar

medidas para uma nova abordagem dos espectadores, tais como o aumento cada

vez maior das telas e filmes cada vez mais espetaculares e coloridos. Outra

consequência foi a formação de cineastas influenciados pela estética televisiva e os

investimentos em produções televisadas já nos anos 1950:

Na Europa, a nova mídia atrai cineastas importantes: Rossellini, Bergman,

Fassbinder adaptam obras literárias para a TV. Mais tarde, nos Estados

Unidos, Sydney Polack, John Frankenheimer, Arthur Penn filmam séries

televisionadas, e Spielberg realiza Encurralado [1971] para a telinha, antes

de o filme, projetado na telona, lançar sua carreira. (LIPOVETSKY;

SERROY, 2009, pág. 213)

Muitos cineastas começam a entrar na carreira dentro do cinema logo após

“testarem sua capacidade” através da TV, já que a indústria cinematográfica investe

recursos maiores, tanto de casting quanto de tempo de filmagem. A duração das

filmagens para a televisão é de, em média, 21 dias para 90 minutos, enquanto um

filme para cinema possui 8 a 10 semanas36. A maneira como é feita a distribuição

também possui alterações, como os lançamentos feitos primeiro na TV e depois no

cinema – como Bubble, uma nova experiência, lançado apenas depois nos cinemas

– ou de outras maneiras como através de download – feito por Ra’up McGee no

filme Automne, em 2007, em que as pessoas poderiam acessar gratuitamente os

primeiros 20 minutos e para o resto do filme, pagava-se. As diferentes versões

também estão presentes; a re-utilização de uma obra feita na TV para o cinema

36 Ibid., pág, 214.

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ocorre em filmes como As melhores intenções, Bille August. Alguns telefilmes

chegam a possuir orçamentos de longa-metragem, como é o caso de Napoleón, cujo

investimento foi de 40 milhões de euros37. Percebe-se que a distância entre a TV e o

cinema está cada vez menos evidente.

As teleficções também fizeram o cinema perder uma parte do público. Em

meados de 1980, para os filmes passarem nas TVs era uma situação rara,

despertando interesse do público; no entanto, o exemplo da televisão francesa

mostra o quanto as audiências com relação aos filmes vêm perdendo evidencia,

constando que em 2005, das 20 maiores audiências na França, apenas 3 filmes

faziam parte, mostrando o quanto “o filme de cinema está suplantado por outros

programas, especialmente por telefilmes e seriados” (LIPOVETSKY; SERROY,

2009, pag. 217).

Não obstante, existem algumas causas para tal estatística francesa: devido a

grande oferta de filmes proporcionada através da TV a cabo e do DVD, além das

próprias reprises dos mesmos filmes, dispersa-se ainda mais o público.

No campo das ficções, as novelas e os seriados se exibem de maneira

hegemônica com relação à audiência e isso não se deve por uma decadência do

cinema, mas através de sua expansão, levando sua lógica hipermoderna através de

diversos campos e isso configura-se, também, através do star system.

Para dispersar ainda mais o público do cinema, há também os sucessos dos

chamados reality shows. A primeira vista, tais programas possuem características

que os afastam ao extremo do cinema: nesses programas, a realidade é

concentrada ao vivo através de pessoas desconhecidas38, havendo desfechos

ligados aos relacionamentos dos integrantes de forma natural, imediata, não-

roteirizada. Ao contrário, o cinema controla suas situações através do estudo do

roteiro na pré-produção, trabalha com astros do cinema, além de que a realização

do espetáculo unindo esses fatores é prevista. Por outro lado, há de se considerar

que esses programas não estão longe do sistema de engloba o cinema; os

participantes dos reality shows de forma alguma são escolhidos e participam ao

acaso; uma pré-roteirização é necessária para a seleção dos candidatos, os quais

participam de situações, por mais naturais que pareçam, pertencentes às regras do

jogo. Tal seleção também se baseia na representação de um tipo psicológico

37 Ibid., pag. 215. 38 Com algumas exceções, como é o caso do programa A Fazenda, onde os participantes são famosos.

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determinado antes do início do programa. Outro fator liga-se ao star system; os

participantes são levados do anonimato ao estrelado. Fator tal que estava

intimamente ligado ao glamour do cinema, porém com os reality shows surge um

novo tipo de estrelato: os astros people39, ou seja, celebridades que são

semelhantes aos espectadores e que passam por um processo apenas efêmero.

É nesse quadro que cada um se torna, por assim dizer, o intérprete de si

mesmo. A ficção não substitui mais o real, é a própria realidade que se

ficcionaliza através de um dispositivo cênico que não é ‘nem verdadeiro

nem falso’, que leva mais longe a ficção ao interpretar nela o ‘real’ dos

personagens, que cria uma espécie de incerteza quanto à realidade,

duplicada pela hiper-realidade midiática. [...] O essencial [...] não é mostrar

o real, é fazê-lo parecer um filme [...]. (LIPOVETSKY; SERROY, 2009, pág.

221)

A TV se consolida mais provavelmente através dos programas esportivos, onde

a transmissão de grandes eventos garante um espetáculo sem igual, acompanhado,

por exemplo, por 3,9 bilhões de pessoas40. Tais pessoas são achadas pela TV em

diversos lugares; bares, praças, calçadas; onde o espírito competitivo proporcionado

conduz ao aumento das telas, promovendo a exibição das competições esportivas

que levam a televisão ao primeiro lugar de escolha, permanecendo a cultura do

divertimento41. A espetacularização criada através dos cortes, enquadramentos,

entrevista com jogadores, replay das melhores jogadas, além da multiplicação das

câmeras nos estádios, garantem uma melhor manipulação da “força estética e

sensitiva”, com imagens em câmera lenta e montagens alternadas.

Não é novidade que a força publicitária também está intimamente atrelada à

TV. O próprio cinema depende intensamente dessa força, sendo usada já em 1897

pelos irmãos Lumière e por Méliès42. Os desenhos animados usados para esses fins

aparecem no início dos anos 1920, e em 50% das salas de cinema dos Estados

Unidos eram exibidos, em 1931, mensagens publicitárias. O uso das estrelas era

altamente comum e muitas delas iniciaram a carreira participando de propagandas.

Se por um lado há grande utilização do cinema pela publicidade, o inverso também

39

LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Tela global, São Paulo, Editora Sulina, 2009, pág. 222. 40 Durante a transmissão dos Jogos Olímpicos de 2004 41 LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Tela global, São Paulo, Editora Sulina, 2009, pag.225. 42 Ibid., . Pág. 228. Usados para propaganda do sabonete Sunlight, para os estabelecimentos Moet & Menier. Méliès apresenta filmes sobre a mostarda Bornibus, os chocolates Poulain & Menier, por exemplo.

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ocorre de forma intensa; o próprio star system é a técnica central para a

comercialização dos filmes, levando o desejo de consumo, os comportamentos, tudo

dito a partir do ícone altamente explorado pelo marketing, e toda essa produção

necessita de grande capital investido, o qual cresce a cada ano43, seja no gasto em

cartazes, seja na divulgação em rádio e internet44. Exemplos como Arthur e os

Minimoys, 2006, onde trechos do filmes foram fornecidos para celular, com dois

minutos cada; tudo no intuito de favorecer a popularidade da obra.

Outro aspecto inserido no cinema está no merchandising, ou seja, ato de inserir

publicidade em espetáculos, unindo um produto ou marca a um filme, uma série de

TV, uma música, um jogo de videogame etc. Um exemplo que mostra o quanto essa

técnica amplia uma obra está em Minority Report (Steven Spielberg, 2002),

colocando 17 marcas no filme. O merchandising não apenas é possível de ser feito

durante o filme, mas também nos créditos iniciais e finais, servindo de vitrine para

produtos de diferentes tipos. A BMW, por exemplo, realizou oito minifilmes de oito

minutos de duração cada um, dirigidos por renomados diretores hollywoodianos;

todos os filmes dedicados à marca, os quais obtiveram um sucesso exibido através

de 50 milhões de downloads45 antes do lançamento em DVD da coletânea que

reúne todos os oito. Percebe-se que a publicidade não mais se resume a anúncios

em revistas e cartazes, mas na grande disponibilização de capital para a inserção de

suas idéias em diferentes veículos de diferentes formas.

Para Mascarello (2006), há três conceitos básicos abordados nestes estudos

do cinema hollywoodiano: Nova Hollywood, cinema hollywoodiano pós-clássico e

filme high concept. No primeiro, após 1975, a idéia de cinema mainstream é firmada,

objetivando que alguns filmes representariam grandes lucros a cada ano, juntando-

se outras atividades além do cinema (brinquedos, parques temáticos, jogos

eletrônicos, TV etc). Isso faz os filmes da década de 1960 e 1970, que estavam na

tentativa de diálogo com o cinema europeu, decretarem “o esvaziamento do ciclo do

‘cinema de arte americano’”46. No segundo, a idéia de “pós-clássico” provoca

diversas divergências no mundo acadêmico, já que o conceito de cinema clássico

43 Ibid., pág. 230. Na França, entre 2000 e 2005, houve um crescimento de 187,2% nos investimentos em propaganda. Isso se deve a multiplicação dos filmes oferecidos semanalmente, o que diminui o tempo de cada obra em cartaz. 44 Em 2002, cerca de 60% dos gastos eram através de cartazes e a divulgação na imprensa e rádio chegava a 15%. A internet e o celular correspondem a 10% dos custos; valor que pode ser ultrapassado, como ocorreu com Borat (Larry Charles, 2006). 45 LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Tela global, São Paulo, Editora Sulina, 2009, pag. 235. 46

Página 336

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está bem firmado, enquanto que os conceitos sobre o que seria o “pós” são

polêmicos, tentando explicar uma mudança do classicismo do cinema americano. No

terceiro, o conceito high concept vem a partir da noção de que, no cinema

hollywoodiano pós-1975, o fator econômico se sobrepôs ao estético, se tratando

assim de uma ruptura do que seria a Velha Hollywood. Esses conceitos, no entanto,

não estão fechados por todos os acadêmicos, havendo diferentes formas de se

tratar os assuntos e a designação de outros termos como pós-fordismo, cinema pós-

moderno, cultura da alusão, entre outros.

As dúvidas com relação aos estudos concentram-se no que poderia ser mais

importante; as divergências estão entre os que pretendem abordar o “pós-clássico”

como sendo uma mudança estética – narrativa, técnica, estilo - e entre os que

defendem o econômico – marketing, exibição, distribuição.

Justin Wyatt47 define cinema high concept como sendo uma produção atrelada

à criação de ícones e que possui algo para ser atrelado após a exibição, ou seja,

com produtos pós filme. Exemplos disso estão em filmes como Exterminador do

Futuro 2, onde une-se a criação de ícones, como Arnold Schwarzenegger, e a banda

Guns N’Roses, havendo um marketing pré-estabelecido para uma posterior venda,

neste caso, de um possível CD da trilha sonora do filme. É nessa perspectiva, que

se introduz a idéia de que, para a realização de análises fílmicas dos filmes

hollywoodianos hoje, deve-se atrelar tanto os aspectos do texto narrativo do filme,

quanto os econômicos em torno da trama e dos personagens mostrados,

analisando-se assim, a conexão daquele produto com outras mídias. Para um maior

foco do que seria o cinema clássico hollywoodiano, David Bordwell realiza seus

estudos apresentando características como a claridade dos objetivos presentes nos

personagens, as questões ligadas a causa e efeito das ações, o tempo e o espaço

organizados para se ter a unidade de ação, a redundância dos diálogos etc.

No período de 1945-1975, considera-se que há uma instabilidade nas

produções. A partir de 196748, por mais que existissem realizadores49 inspirados na

Nouvelle Vague – em oposição à idéia ao mainstream – evidencia-se um cinema

que procura uma mistura entre o clássico e o moderno; que exibe com bastante

ousadia muitas vezes, questões como sexualidade e violência, o chamado art film,

47 High concept:Movies and marketing in Hollywood, de 1994, citado por Fernando Mascarello, História do Cinema Mundial, 2005 48 Através de Bonnie & Clyde, uma rajada de balas, de Arthur Penn.. 49 John Cassavetes, por exemplo

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que apresentava personagens confusos, marginais, com objetivos difusos, em

oposição à estrutura clássica de um herói bem-sucedido.

A necessidade de um melhor estudo do espectador que receberia o filme ficou

evidente a partir dos fracassos das produções de orçamento mais altos no final dos

anos 1960, os quais eram feitos para uma platéia indiferenciada, além dos sucessos

dos filmes exploitation, os quais lotavam os drive-in. A reestruturação econômica se

dá nos anos 1970, onde se descobre que o público adolescente e juvenil

compreende uma geração mais ligada aos “filmes catástrofe” e que esses

espectadores representarão, ao longo dos anos, a grande maioria daqueles que vão

assistir a um filme no circuito primário. É exatamente por isso que o termo high

concept se refere principalmente à exploração máxima do produto fílmico através

dos produtos conexos, fazendo um possível fracasso de bilheteria de um blockbuster

ser revertido através das opções do mercado fora das telas. Por outro lado, a

exibição continua sendo uma etapa importante, já que o sucesso nos cinemas pode

indicar um sucesso em todo resto da cadeia midiática.

A partir do final dos anos 1970, a TV a cabo e os videocassetes têm uma

intensa dependência dos produtos fílmicos hollywoodianos50. Isso fez com que o que

seria uma disputa eterna entre TV e cinema, gerou integração, havendo diversos

investimentos de empresas de cinema na realização de séries televisivas. A partir

dessa lógica de união, estão presentes hoje importantes empresas do

entretenimento como Sony-Columbia, Paramount Communications, Time Warner-

AOL entre outras.

Segundo Justin Wyatt em seu livro High concept:Movies and marketing in

Hollywood, o que melhor define o conceito high concept são características como a

superficialidade, espetacularização e modularidade; fatores responsáveis pela

grande adaptação dos filmes ao mercado. Para um melhor entendimento, colocam-

se duas vertentes51: estilo e excesso.

O estilo está ligado à compreensão do espectador com aquilo mostrado, ou

seja; o visual, música, os personagens, a performance das estrelas e o gênero

cinematográfico. Através da escolha de alguns desses elementos, o filme high

concept direciona as ações do marketing.

50 Em 1980, a TV paga estava presente em 9 milhões de casas nos Estados Unidos, e em 1990, em 42 milhões. O vídeo doméstico estava presente, 1980, em 1,8 milhão de casas e em 1990, em 62 milhões. Página 348. 51 Justin Wyatt analisa a posição de Kristin Thompson. Página 350.

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58

O excesso está ligado com aquilo que é mostrado, sem direcionar ao texto

fílmico. O profundo tratamento dos possíveis efeitos especiais - visuais e auditivos -

está presente de uma maneira intensa. Esse excesso é similar ao que Gilles

Lipovetsky e Jean Serroy descrevem como imagem-excesso52.

52 Observação feita pelo autor da dissertação.

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59

3 O Cinema Clássico Hollywoodiano

A questão relacionada ao poder de ilusão do cinema foi bastante discutida

entre os teóricos do início do século XX, observando como o melodrama está

presente na arte cinematográfica.

Os limites da tela (cinematográfica) não são, como o vocabulário técnico as

vezes o sugere, o quadro da imagem, mas um ‘recorte’ (cache em francês)

que não pode senão mostrar uma parte da realidade. O quadro (da pintura)

polariza o espaço em direção ao seu interior; tudo aquilo que a tela nos

mostra, contrariamente, pode se prolongar indefinidamente no universo. O

quadro é centrípeto, a tela é centrífuga. (XAVIER, 2008, p. 20)

Os dois elementos que caracterizam de forma evidente o que se chama de arte

cinematográfica, são a montagem e “expressividade” da câmera. Ou seja, de um

lado se tem a possibilidade de desconstruir o registro contínuo daquilo que é

filmado; do outro, há a mobilidade da câmera, garantindo um sobressalto em relação

à realidade por ela inferida. Em outras palavras, esta última característica reforça um

registro de expansão.

Para Edgar Morin, a identificação é a “alma do cinema”. Em seus estudos no

livro O cinema ou o homem imaginário (1958), Morin discute o que seria uma

característica básica dentro do séc. XX: a questão da manifestação de mundos

imaginários, onde o cinema ocupa um lugar de excelência da manifestação dos

desejos e mitos do homem, por causa das estruturas mentais de base e das

características relacionadas à imagem. Tal identificação seria uma definição da

essência do cinema53.

Bela Balazs constata que há uma antropomorfização que faz parte do ato da

representação, configurando uma realidade ao jeito do homem. A característica

construtiva nessa “medida humana” vem do fato de que ela não está totalmente

definida numa realidade objetiva, havendo um desenvolvimento nas formas de

representação.

53

XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e terra, 2008.

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Para Bela Balazs:

Hollywood inventou uma arte que não observa o princípio da composição

contida em si mesma e que, não apenas elimina a distância entre o

espectador e a obra de arte, mas deliberadamente cria a ilusão, no

espectador, de que ele está no interior da ação reproduzida no espaço

ficcional do filme (BALAZS, THEORY OF FILM, P. 50 apud XAVIER, 2008,

22)

O chamado “efeito de janela” liga-se ao fato de, no cinema, os mecanismos

que causam a identificação do espectador com as imagens estarem fortemente

ligados a representação da realidade daquilo que é assistido. Ou seja, a montagem

das imagens constitui uma forte característica no processo de identificação, também

reforçado pela subjetividade da “câmera-olho”. Em outras palavras, o processo de

montagem não está presente num intuito de violar a continuidade da cena, pelo

contrário, reforçando os múltiplos pontos de vista e fazendo o público aceitar a

sucessão não-natural de uma cena perfeitamente assimilada. Tal recurso também

permite a montagem paralela, garantindo um acréscimo de tensividade usada por

diversos filmes. Essas características se situam no chamado “cinema clássico”.

Outra característica do cinema clássico está relacionada com a localização do

espectador através dos olhares dos personagens, fator importante para a criação de

referências e desenvolvimento de uma cena coerente.

Para Pudovkin, deve haver uma sucessão lógica das imagens no intuito de

definirem relações entre si, e tal característica unida com o ritmo da montagem cria

um ambiente com equilíbrios e tensões. A decupagem clássica tende a manipular as

emoções de forma exata, posicionando-se de forma intensa no nível sensorial,

multiplicando o seu efeito a cada imagem, criando a impressão de realidade. Outra

característica que contribui para a “participação efetiva” do espectador se concentra

em dois elementos: shot/reaction-shot e “câmera subjetiva”. Em outras palavras, há

um corte que gera uma relação de causa/consequência dos eventos mostrados

(como exemplo, um personagem olha da esquerda para a direta e em seguida, há o

corte mostrando a câmera se movendo da mesma forma que os olhos do

personagem). O uso desse recurso ocorre, freqüentemente, em cenas com maior

intensidade dramática, realçando a questão da identificação, já que a partilha do

olhar do personagem com o olhar do espectador, cria uma partilha psicológica,

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buscando uma identidade mais profunda em relação àquela situação. Pudovkin

possui uma crítica a forma naturalista do cinema. Para ele, o realismo não está

relacionado na representação dos mínimos detalhes do evento, mas no seu

significado produzido. A diferença entre realismo e naturalismo que Pudovkin faz se

concentra nas seguintes características: o primeiro está ligado à lógica da situação,

e o segundo à representação fiel do fato na tela. O naturalismo está representado no

cinema de espetáculo; já o realismo compreende as relações dialéticas, vindas

através do processo de montagem.

Com o som, a força dramática se intensifica e o ritmo do filme aumenta através

da sincronização de som e imagem em cenas de diálogos, utilizando-se do recurso

do campo/contra-campo para a obtenção de efeitos realistas. Sem dúvida, a

chegada do cinema sonoro foi decisiva para um maior ilusionismo do cinema e como

conseqüência um aumento da identificação do público com as imagens.

O processo de identificação do espectador está, através da representação

naturalista desenvolvida por Hollywood, colocado em três princípios: o primeiro está

ligado à decupagem clássica, criando ilusionismo e identificação; o segundo se

concentra nos atores, onde suas performances possuem um naturalismo dentro de

cenários tipicamente feitos em estúdio, construindo, mais uma vez, ambientes

naturalistas; o terceiro está na seleção de gêneros altamente estratificados e de

leitura fácil, com comprovada popularidade, leia-se melodramas, aventuras, histórias

fantásticas etc.

O que é chamado por Ismail Xavier de dispositivo transparente, está

relacionado com características que unem o espectador e as imagens no

estabelecimento de uma ilusão do ambiente representado. Tal relação com o público

possui seu ápice no melodrama convencional, colocando as imagens como

verdadeira “imitação da vida”.

As experiências e estudos de Kulechov se interessavam pelos fatores de

sucesso do cinema, onde ele chegou a conclusão de que o ingrediente fundamental

que alicerça Hollywood é o ritmo de sua montagem, comparando-se com a

montagem européia, que tem a sucessão de imagens de forma lenta. Ele também

analisou como os gêneros exibidos nos filmes americanos possuem suas

montagens próprias para o ritmo desses filmes, sejam lutas corporais ou

perseguições. A partir desse fato, Kulechov concluiu que o ingrediente básico para

um bom cinema está na sucessão rápida dos planos. Ou seja, ao procurar diminuir a

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extensão de cada plano, o cinema americano conciliou um meio de apresentar

cenas complexas de uma maneira totalmente inteligível ao espectador, o qual possui

uma fruição rápida e simples do conteúdo. Outro fator que Kulechov atacou com

veracidade era a interpretação exagerada do ator teatral.

O autor Umberto Bárbaro dá grande importância à unidade do filme como

característica inerente à obra de arte e o que fornece unidade ao cinema é a

apresentação de uma tese, ou seja, uma visão de mundo, que está atrelada à

montagem. A narrativa pode ser considerada em três aspectos: como

representação, estrutura e ato. A representação faz referência ou atribui significação

a idéias ou a um mundo. A estrutura é o modo como se agrupam os elementos e se

gera um todo diferenciado. E por fim, o ato é o processo de apresentação dos

acontecimentos a um receptor.

Nos filmes hollywoodianos clássicos há a presença de personagens

determinados a resolver alguma questão evidente ou chegar a metas específicas.

Durante esse processo, há conflitos entre circunstâncias externas ou em relação a

outros personagens. A sua vitória ou derrota marca o fim da história, a resolução ou

não do problema e dos objetivos. O principal agente é um personagem que tem um

conjunto de características diferenciadas, comportamentos e qualidades. Os tipos de

personagens do melodrama e da ficção popular são compostos por traços únicos,

apesar de o cinema ter herdado muitas convenções do teatro e da literatura.

O filme clássico cumpre o padrão de estabelecimento de um estado inicial do

mundo o qual o personagem está inserido, e tal mundo entra em desequilíbrio e

deve ser restabelecido. Os manuais de roteiro hollywoodianos já adiantam que a

trama é composta por uma situação inicial, seu abalo, a luta e a eliminação do

elemento perturbador.

Na construção da fábula, a causalidade é princípio unificador. Apesar de

existirem analogias entre personagens, situações e ambientes, todos esses estão

ligados ao movimento de causa e efeito. As disposições espaciais são motivadas

realisticamente, e a causalidade liga-se a princípios de organização. Cada cena do

filme apresenta etapas distintas: ao início há a exposição do lugar, tempo e

personagens relevantes para a história. Para alcançarem seus objetivos, os

personagens lutam, planejam, pensam uns nos outros, observam e fazem escolhas.

No decorrer do filme clássico desenvolvem-se, até sua conclusão, as características

de causa e efeitos ainda pendentes das cenas anteriores, abrindo novas linhas

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causais. Quando uma cena é feita, ela deixa suspensa alguma linha de ação para

que sirva de gancho para outra cena, a qual retoma a linha deixada. É a partir

dessas características que o filme clássico, ao invés de provocar uma ruptura das

linhas causais, se desenvolve por meio de uma linearidade.

Para o término do filme clássico, há duas maneiras de compreendê-lo. Uma

delas é entender o fechamento do filme “como um coroamento da estrutura”

(RAMOS, 2005. p. 283) ou como um fim o qual não é tão decisivo pelo ponto de

vista da estrutura, sendo um mero ajuste dos oitenta minutos precedentes. Pela

primeira maneira, pode-se ver como um último efeito da causa inicial, o que destaca

um final possuidor de lógica. Pela segunda, há um final puramente convencional.

O relacionamento heterossexual ganha importância em um filme clássico, pois

o “final feliz” mostra muitas vezes um casal apaixonado, como em uma tentativa de

oferecer um final que tenha uma “justiça poética”, o qual é colocado em um local

devido, o epílogo. A solução do problema central é colocada em evidência, onde

assuntos menores são esquecidos, pois o epílogo celebra a nova estabilidade

alcançada durante o filme, e que foi alcançada pelos personagens principais. Em

outras palavras, o epílogo não apenas a uma inclinação ao final feliz, mas também

reitera os motivos conotativos ao longo da trama.

A construção do tempo é um fator importante quando se estrutura o a abertura

da narração, ou seja, quando se inicia a construção da fábula. Com a adoção da

ordem cronológica, fazendo omissão aos períodos de tempo que são causalmente

não importantes, a narração se coloca de forma altamente comunicativa. No entanto,

quando se comprime, através de uma montagem em sequência, que coloca um

evento que duraria vários minutos ou até horas em alguns segundos, a narração

torna-se profundamente onisciente, onde um flashback abre espaço para preencher

alguma lacuna causal, e a redundância é obtida sem o rompimento ao mundo onde

se passa a história, reforçado por encenações e diálogos entre os personagens. Os

flashbacks clássicos são objetivos, onde a memória de um personagem é pretexto

para a apresentação não cronológica da trama.

Outro aspecto narrativo se manifesta através do manuseio do espaço pelo

filme, ou seja, as pessoas são colocadas sem olhar para câmera em pontos de vista

relativamente frontais e as informações, as quais possuem um alto teor significativo

para a trama, nunca ficam desconhecidas, proporcionando a comunicabilidade da

narração. A onipresença espacial também garante uma onisciência narrativa: se a

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narração busca ocultar o seu conhecimento dos resultados e desenvolvimentos

temporais subseqüentes, há a habilidade de se produzir pontos de vista e mudanças

de perspectiva, onde o corte e a montagem paralela mostram a onisciência da

narração. Em outras palavras: se os planos-sequências geram uma recusa pela

onipresença, já que restringem o conhecimento das informações sobre a história

pelo espectador, mas durante os cortes, a câmera torna-se um observador invisível,

e que também restringe certas informações para a inteligibilidade da história,

seguindo padrões codificados.

A narração clássica nos fornece indícios para a criação da espacialidade,

temporalidade, e da lógica, esta última atrelada a paralelismos e causalidade da

história. Essa criação se dá a partir da observação do espectador para os eventos

que estão “à frente da câmera”, os quais são a sua principal fonte de informações. A

redundância dos filmes hollywoodianos vem a partir da atribuição dos mesmos

traços e funções a cada personagem com base em sua aparência, e que tecem

comentários interpretativos idênticos sobre o mesmo personagem ou situação.

Outras normas narrativas tentem a uma valorização em relação a

desorientação do público, mas a narração clássica põe em evidência a clareza e

está a cada momento colocando-a quando possível, onde a relação temporal entre

as cenas será interpretada sem equívocos. O próprio registro do som se dá para

favorecer a clareza dos diálogos entre os personagens. A montagem clássica

objetiva uma sucessão de planos que estabelece uma lógica, onde o seguinte é

resultado do seu antecessor, e a câmera reorienta o espectador a cada momento.

Em outras palavras: a desorientação de quem assiste só é posta quando possui uma

motivação, em que uma montagem descontínua sugere situações confusas contidas

na história. Pontos de vista também são claros: pontos como “olho de pássaro” ou a

partir do chão são bastante improváveis, pois teriam que vir com uma motivação

para tal.

A estabilidade e a unidade de narração hollywoodiana são na verdade duas

das razões para denominá-la clássica, ao menos no sentido de que o

classicismo, em qualquer arte, sempre se caracterizou pela obediência a

normas extrínsecas. (BORDWELL, 2005, p. 295)

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Apesar da estabilidade dos processos em que a trama é contada e de suas

configurações, não se deve colocar o espectador em uma posição de passividade

diante das imagens, pois ele realiza operações cognitivas que não são tão ativas

pelo fato de serem costumeiras e familiares. Ou seja, quando o espectador está

diante de um filme clássico, ele o interpreta a partir da lógica de um indivíduo que

precisa conseguir objetivos e que possui causas determinadas. A realidade colocada

através do filme vem na relação com as conexões reconhecidas de forma aceitável

pelo senso comum e é com base nesse esquema que se criam hipóteses.

A narrativa clássica não é simplória, pois se deve lembrar que o nível de

compreensão do público é controlado constantemente. Ele não precisa se lembrar

de cenas mais antigas do filme, pois sua fruição é controlada em direção ao futuro.

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4 O Rei Leão

4.1 Metodologia utilizada para análise

Este capítulo se concentrará no objeto analisado. Para isso, tomou-se alguns

rumos a fim de se abranger vários aspectos da obra. Além da análise do próprio

texto do filme, resgata-se pesquisadores como Vladimir Propp, Joseph Campbell e

Christopher Vogler, com o intuito de se analisar as estruturas de uma história e os

personagens que nela são desenvolvidos, o que torna o filme mais complexo e mais

elaborado nesse aspecto. Também resgata-se as referências do filme, como teste

de cores e texturas, onde no próprio design dos personagens fica evidente a

preocupação com o apelo, conceito colocado por Frank Thomas e Ollie Johnston e a

comparação com seriado japonês Kimba, O Leão Branco. Os produtos em torno do

filme foram pesquisados, os quais agregam grande valor econômico a obra, além

da própria dublagem brasileira, processo crucial para uma melhor identificação do

público com o filme.

4.2 O filme

Dos diretores Rob Minkoff e Roger Allers O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers,

1994) / The Lion King (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) é o 32º longa-metragem de

animação da Disney, o qual foi largamente premiado54 e conquistou o sucesso de

bilheterias.

O filme foi realizado através da técnica de animação tradicional e se apresenta

como o maior sucesso da Disney da década de 1990.

O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) possui como ambiente a savana

africana e apesar de os filmes Disney apresentarem constantemente animais em

seus enredos, apenas em Bambi (James Algar, 1942), décadas antes, é que a

utilização exclusiva de animais foi feita.

A obra possui como base central influências bíblicas e de Shakespeare: a figura

do tio malvado que quer conquistar o trono a qualquer custo possui inspiração em

54

Ganhador do Oscar por Melhor Trilha Sonora; ganhador do Globo de Ouro por Melhor Filme, Melhor Trilha Original (Hans Zimmer) e Melhor Canção Original (Elton John e Tim Rice); três prêmios Annie por Melhor Longa-metragem de Animação, Melhor Dublagem (Jeremy Irons) e Melhor Contribuição de História - Best Individual Achievement for Story Contribution in the Field of Animation; ganhador do BMI Film & TV Awards nas categorias BMI Film Music Award (Hans Zimmer) e Most Performed Song from a Film (Elton John e TIM Rice por “Can you feel the Love Tonight); no prêmio Casting Society of America, ganhou por Best Casting for Animated Voiceover - Brian Chavanne; no Chicago Film Critics Association Awards, ganhou por Best Original Score (Hans Zimmer); Melhor filme no Kansas City Film Critics Circle Awards; no Los Angeles Film Critics Association Awards, ganhou por Melhor Animação, entre outros. Fonte: www.imdb.com

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Hamlet, ou o próprio momento “ser ou não ser”, que se configura no filme sob

diversos aspectos, além da figura do príncipe que é exilado e ao retornar não é

reconhecido pelos familiares, comparando-se a figura do protagonista com o bíblico

José, filho de Jacó. Ou seja, a história é fundamentalmente uma simbologia que

expressa os sentimentos durante a vida do ser humano como traição, amizade,

comunidade etc.

Seu lançamento nos Estados Unidos ocorreu em 15 de junho de 1994,

chegando aos cinemas do Brasil em 8 de Julho do mesmo ano. No dia 25 de

dezembro de 2002, foi lançado em IMAX na França, Alemanha, México, Reino Unido

e Estados Unidos, tendo lançamentos no mesmo formato no Japão, Rússia,

República Checa e Nova Zelândia em datas distintas. O produtor Don Hahn

confirmou que em 2011, haverá um relançamento nos cinemas em versão 3D55.

Com orçamento estimado de 79 milhões de dólares, o filme possui, só nos

Estados Unidos, um ganho de mais de 329 milhões de dólares, ocupando a posição

de 22º lugar das maiores bilheterias no país. Em todo o mundo, O Rei Leão (Rob

Minkoff/Roger Allers, 1994) arrecadou mais de 783 milhões de dólares, e na lista das

maiores bilheterias de todos os tempos, ocupa da 31ª posição.

4.3 A História

A história se desenvolve em torno de um leão, Simba, que ainda filhote sente a

culpa de ter sido o provocador da morte do pai (por influência do seu tio Scar, o vilão

da trama, e o real provocador da morte do irmão), e foge da família, crescendo em

um ambiente diferente da sua terra natal, conhecendo Timão e Pumbaa (um suricate

e um javali, respectivamente), os quais ensinam a ele uma nova maneira de viver,

de se comportar. Mas independentemente de qualquer influência dessa sua nova

vida, sua culpa permanece mesmo estando adulto, muito tempo depois.

A principal motivação de Scar está em seu desejo de ocupar o trono do reino,

mas por causa do nascimento de Simba, ao invés dele, como irmão do rei, tomar o

trono, é o príncipe que se torna o próximo da lista na ocupação do cargo. Apesar de

serem da mesma família, Mufasa (o rei, pai de Simba) e Scar constituem os dois

pólos da trama: Scar é invejoso, arrogante, e, por mais simples que sua fala possa

parecer, é muito agressivo; Mufasa, por outro lado, é um rei justo, que ao lado de

55

Disponível em: <http://www.comingsoon.net/news/movienews.php?id=67228>. Acesso em 4 de Novembro de 2010

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Sarabi (sua esposa leoa) cria Simba e o ensina a ter o respeito com relação Simba,

quando filhote, vive em um reino denominado A pedra do Rei, lugar próspero e com

vasta biodiversidade e alimentos em abundância a todas as espécies. Sendo seu pai

um líder justo, Simba também recebe conselhos de Zazu, um pássaro cujo cargo é

de conselheiro do rei. Outro personagem importante à trama é Nala, amiga de

Simba, que em diversos momentos do filme está com ele, seja ainda filhote ou

adulto. Mesmo estando familiarizado com o ambiente do reino, Simba não sabe que

seu tio Scar possui aliados, os quais ajudam Scar em seu plano de tomar posse do

trono.

O leão Scar, vilão e irmão do rei, constantemente vivem em um ambiente

sombrio, localizados em cavernas. Tais locais são proibidos por Mufasa, que

reconhece o perigo que eles proporcionam a qualquer ser vivo do reino, incluindo

seu filho, Simba. Scar possui como aliadas as hienas: elas são consideradas

animais de péssima índole por todos do reino. Dentre as hienas, destacam-se três:

Banzai, Shenzi e Ed.

Após a morte de Mufasa, Scar e as hienas expulsam Simba do reino e é nesse

caminho que sua mudança de atitudes e o aprendizado de uma nova filosofia de

vida se concretizam: Simba aprende a comer apenas insetos, vive a vida sob o

pensamento Hakuna Matata, ou simplesmente “viver sem problemas” e é através da

influência de Timão e Pumba que o protagonista cresce e se torna adulto, jamais

confidenciando os acontecimentos de seu passado à seus dois amigos.

É num encontro de Simba com Nala (sua amiga de infância, a qual pensava

que Simba havia morrido junto com o pai) que ambos iniciam um romance, e é um

dos pontos fortes da trama, já que é a partir dela que Simba inicia suas questões

sobre um possível retorno à sua terra natal.

Apesar de Simba ter cogitado a sua volta ao reino, apenas através do

personagem Rafiki, um babuíno, cuja primeira aparição ocorreu ao início do filme,

onde ele batizou Simba, é que o desejo se concretiza. Mesmo Simba não lembrando

de Rafiki, este consegue mostrar a Simba a importância do seu retorno, e é nessa

sequência que Simba entra em contato com o pai, numa espécie de projeção de seu

espírito materializado nas nuvens da savana.

Constrói-se a partir daí dois lados que guerrearão pela posse do reino: o

primeiro se constitui dos personagens Simba, Nala, Rafiki, Timão e Pumba; o

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segundo, de Scar e as hienas. Esses dois lados farão uma disputa do bem contra o

mal.

Ao retornar ao reino, Simba observa a grande mudança que ocorreu no

ambiente durante a péssima administração de Scar: os grandes animais já não são

mais vistos e as espécies vegetais estão escassas. Na disputa entre os dois grupos

é que Simba descobre o verdadeiro assassino de Mufasa: seu próprio tio. Como

conseqüência dessa batalha, Simba derrota Scar e retoma o trono, junto com Nala,

onde ambos agora têm um filho, o futuro rei.

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4.4 Propp, Campbell e Vogler trabalhados em O Rei Leão

O livro Morfologia do Conto Maravilhoso, do autor Vladimir Propp, publicado em

1928, analisa cem contos russos a fim de discutir a ocorrência das mesmas

estruturas narrativas neles, algo que os folcloristas já se perguntavam, pois mesmo

em povos diferentes, a estrutura semelhante é recorrente.

O autor afirma que seu método de análise em relação à exibição da ordem dos

acontecimentos ocorre somente às histórias ligadas ao folclore, enquanto que os

contos criados artificialmente não são submetidos a ela. Tais acontecimentos são

enumerados, tendo como número máximo 31 etapas.

Propp analisa, então, o que se chama de funções dos personagens, ou seja,

descreve sua essência, coloca uma definição reduzida numa palavra para cada

etapa e um signo.

Os contos maravilhosos se iniciam, habitualmente, por uma situação inicial,

onde são apresentados os membros da família, ou o futuro herói etc. Tal situação

inicial não consiste em uma etapa propriamente dita, constitui uma parte importante

para o conto, e é designada pelo signo α. Segue-se o afastamento (β), onde um

membro da família sai de casa, seja a geração mais velha, a mais nova, ou mesmo

pela morte dos pais de um personagem. Segue-se a proibição (γ), colocada com um

alerta para o herói não ir a um determinado lugar ou fazer alguma atitude. No

entanto, há a transgressão (δ), onde o herói não cumpre a regra imposta.

A partir desse momento, um novo personagem se evidencia: o antagonista.

Segue-se o interrogatório (ξ), onde o antagonista quer saber onde está o herói, e

consegue, informação (ζ), tentando ludibriá-lo, ardil (η), e conseqüentemente, a

vítima se deixa enganar, cumplicidade (θ). O antagonista causa algum dano (A) a

algum membro da família. Essa última função é de extrema importância, pois o

movimento da narrativa se impõe a partir dela, ou seja, as sete primeiras funções

são consideradas como parte preparatória para o conto, onde a intriga se

desencadeia a partir do dano. Segue-se a carência (a), etapa na qual há um desejo

de se obter algo por parte de um membro da família, seja material ou emocional.

Segue-se a notícia do dano causado pelo antagonista, momento de conexão (B),

havendo o início da reação (C) por parte do herói e sua partida (↑).

A partir dessa partida, divide-se em duas categorias o posicionamento do herói

da história: heróis-buscadores ou heróis-vítimas. Os primeiros têm por objetivo uma

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busca, deixando seus lares em rumo à conquista de um objetivo pré-definido (o

salvamento de uma princesa raptada, a conquista de um objeto valioso etc); os

segundos iniciam sua viagem sem buscas, tendo que se aventurar nos mais

diversos caminhos. A partida muitas vezes é acentuada como uma fuga. As etapas

A, B, C e ↑ representam a intriga do conto.

Nesse momento, evidencia-se o personagem doador, que tem como função

ajudar o herói, dando-lhe um objeto ou algo que o faça superar o dano sofrido. Para

isso, o herói passa por uma prova, primeira função do doador (D), onde há a reação

do herói (E). Há, então, o fornecimento – recepção do meio mágico (F) por parte do

herói em relação ao doador. Segue-se o deslocamento no espaço entre dois reinos

(G), local onde se encontra o que o herói procura, havendo assim, o encontro com o

antagonista e o combate (H), havendo ferimento do herói, gerando uma marca (I) no

seu corpo e a sua vitória (J), e há a reparação de dano ou carência (K). Segue-se o

regresso (↓) do herói, havendo perseguição (Pr), seu resgate (Rs) e sua chegada

incógnito (O) ao seu lar. Um falso herói apresenta pretensões infundadas (L),

propondo ao herói uma prova, tarefa difícil (M), sua realização (N), reconhecimento

(Q) e o conseqüente desmascaramento (Ex) do falso herói. Segue-se uma nova

aparência do herói, transfiguração (T). O inimigo sofre uma punição (U), ocorrendo o

casamento ( ) do herói.

Ao se analisar o filme, percebe-se uma grande semelhança no que diz respeito

às etapas.

Situação Inicial (α): são introduzidos os personagens.

Afastamento (β): Mufasa vai resolver problemas com hienas que estão

entrando nas terras do reino.

Proibição (γ¹): Mufasa diz a Simba que não pode acompanhá-lo.

Carência (a6): Simba frustra-se com tal proibição, desejando ter a liberdade

para ir a qualquer lugar que queira.

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Interrogatório (ξ¹): Scar interroga o que Mufasa ensinou à Simba em relação ao

reino.

Informação (ζ¹): Scar recebe resposta direta à sua pergunta, sabendo agora

que Simba foi proibido de ir à uma região específica do reino.

Ardil (η³): Scar, através de coação, coloca Simba, sem este perceber, no

perigo, ludibriando-o.

Cumplicidade (θ¹): Simba deixa-se persuadir, se encantando com a

possibilidade de ir até o local proibido

Transgressão (δ¹): Simba vai ao local proibido, o Cemitério de Elefantes;

Dano (A14): Depois de Mufasa o salvar no local proibido, Scar o engana

novamente, causando a morte de Mufasa.

Momento de conexão (B6): É divulgada a notícia da morte de Mufasa, o herói

condenado à morte é libertado secretamente, pois Scar

manda matar Simba enviando as suas hienas

ajudantes, mas estas o deixam vivo, não avisando Scar

sobre a fuga.

Início da reação e partida (C↑): Simba foge das hienas, indo em direção ao

desconhecido.

Primeira Função do Doador (D¹): Simba se vê desolado no deserto, mas é

encontrado por Timão e Pumba, os doadores,

os quais o põe a prova e o ensinam uma nova

maneira de viver diante de uma nova filosofia

e dieta.

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Reação do herói (E¹): Simba supera a prova que lhe é imposta, cantando junto

a música da filosofia Hakuna Matata e comendo os vermes.

Deslocamento no espaço entre dois reinos (G²): Simba volta pelo deserto ao

seu reino.

Combate (H¹): Scar e Simba lutam em campo aberto

Vitória (J¹): Scar é vencido no campo aberto

Regresso (↓): Simba volta a se tornar Rei

Casamento ( ): Simba recebe o reino e se casa com Nala.

Como esperado, a ordem de algumas funções é deslocada, algo que o autor já

havia ressaltado com relação a contos criados artificialmente.

No entanto, ao se tentar adaptar ainda mais a obra à estrutura de Propp, se

pode tentar deslocar a figura do antagonista e falso-herói: tendo em vista que o

medo do personagem é a principal característica que o impede de retornar, adapta-

se, por hora, o medo à figura do antagonista, enquanto Scar fica sendo o falso-herói.

Por essa nova perspectiva, há novas etapas inseridas:

O Deslocamento no espaço entre dois reinos pode se configurar no momento

em que Simba vai ao encontro do fantasma de seu pai, um “reino espiritual” que se

conecta diretamente com o material, havendo o Combate, pois naquele momento, o

antagonista de Simba é seu próprio medo, enfrentando-o durante a conversa com

Mufasa, onde há a vitória e reparação do dano ou carência, tendo em vista que

Simba supera seu trauma de infância, havendo o regresso. Ao chegar a sua terra

natal, pretensões infundadas são feitas por Scar, afirmando que Simba é o

provocador da morte de Mufasa. Há então a tarefa difícil ao se confrontar com Scar

diretamente, havendo a realização, vitória, reconhecimento e desmascaramento,

pois Scar confessa que matou Mufasa e Simba o vence.

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A partir do livro de Joseph Campbell, O herói de mil faces (CAMBPELL, 1949),

são expressas idéias que compõem um padrão a todos os mitos contados a partir da

tradição escrita e oral. Esse padrão é chamado de mito do herói. O principal impacto

das idéias de Campbell ocorre nos escritores, que aproveitam as características

expostas no livro para melhorarem suas obras pessoais e, comercialmente,

Hollywood se utiliza do herói de mil faces para diversos filmes, promovendo com um

alto teor dramático, psicológico e ao mesmo tempo divertido. A partir de premissas

colocadas na obra de Campbell, é possível analisar diversos aspectos em um

enredo, elevando seu nível de acolhimento com o público.

Uma característica importante dentro da jornada do herói refere-se à questão

dos arquétipos: a figura do herói, da sombra, do sábio, daquele que muda de forma,

são as mesmas na mitologia e elas funcionam com bastante força ao se inserirem

nas histórias, algo que se manifesta psicologicamente a partir do inconsciente

coletivo.

A jornada começa com o chamado da aventura, onde o herói é colocado numa

posição que dá início à suas escolhas dentro da jornada, sendo a recusa do

chamado comumente a primeira a ser feita, já que o embarque em uma nova

aventura requer uma confiança por parte do herói, pois ele enfrentará o

desconhecido, e a recusa é o modo como se encara, a primeiro momento, o desafio

proposto. Para os que não recusam o chamado, há o auxílio sobrenatural, uma

figura protetora se coloca diante do herói e lhe fornece amuletos ou proteção contra

o que possivelmente virá. Logo em seguida, há a passagem pelo primeiro limiar,

onde se encontram guardiões ou algo que necessita esforço por parte do herói para

que ele ingresse de vez na aventura. Tal dificuldade é o primeiro limite no horizonte

do personagem, e ao superá-la, há o ventre da baleia, etapa que representa o

renascimento do personagem, pois este é colocado em um mundo desconhecido, o

que gera a impressão de ter morrido para o que veio antes do limiar e o nascimento

para o que vem após.

Tendo atravessado o limiar, há o caminho de provas, onde o herói precisa

sobreviver a uma série de provas, auxiliado pelos amuletos, conselhos e agentes

que vieram nas etapas anteriores. Após as barreiras serem vencidas, há o encontro

com a deusa, uma espécie de casamento místico e consiste num ponto forte da

trama, que se segue com a mulher como tentação, tendo a deusa como sinônimo

não de vitória, mas de derrota, já que a aventura não acaba aqui, precisando

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superar a situação vigente para ir em direção ao que falta. Segue-se então, a

sintonia com o pai, onde o herói precisa deixar o próprio ego e se juntar a alguma

figura parental, se unindo novamente com seu próprio eu a partir do auxiliar, seguida

de uma apoteose, etapa onde o herói expande sua consciência em relação ao

mundo e ao que ele deve realmente enfrentar, a grande conquista.

A partir desse momento, temos o retorno do herói ao seu lar, pois este precisa

levar o que aprendeu durante as etapas anteriores para seu local de origem. No

entanto, há a recusa do retorno, onde se colocam as dúvidas do herói em relação a

sua capacidade de regresso, mas ele é auxiliado em sua fuga mágica, quando esta

não agradar os deuses, guardiões ou algo que o perseguirá. Apesar de o herói estar

em sua fuga, ele pode ser ajudado, resgate com auxilio externo, havendo a

passagem pelo limiar do retorno, que também é protegido por guardiões, sejam eles

físicos ou psicológicos. Dessa forma, o herói se torna senhor dos dois mundos,

obtendo a liberdade de viver.

Ao se analisar O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) através das etapas

que Campbell enumera, há uma grande semelhança. No filme, o personagem Simba

é o herói da trama. É ele quem sofrerá todas as mudanças pelas quais o herói

passa, ultrapassando cada etapa. Seu tio Scar é o vilão, o principal arquétipo da

sombra. Seu pai, o rei Mufasa, é seu primeiro mentor na história, mas Simba

também tem outros mentores, como Zazu, o conselheiro do rei e seus amigos Timão

e Pumba, esses últimos também representando o arquétipo do pícaro, formando o

núcleo cômico do filme; Rafiki, o personagem que o batizou quando pequeno,

também é o principal mentor e arauto, junto com Nala, sua amiga. As três hienas

principais são os guardiões do limiar, ao mesmo tempo em que representa em

algumas cenas a figura do pícaro e, ao final do filme, do camaleão.

Chamado da aventura: Mufasa morre e Simba é forçado a fugir

Passagem pelo primeiro limiar: Simba é perseguido pelas hienas e consegue

escapar da morte, ordem dada por seu tio Scar

às hienas.

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Ventre da Baleia: No deserto, Simba se coloca em uma posição de

esquecimento com o que passou, já que ele pensa ser o

assassino de seu pai, buscando uma renovação.

Estrada de Provas: Encontrando Timão e Pumba, ele passa por testes dentro

daquele novo circulo de amizades, aprendendo uma nova

filosofia de vida.

Encontro com a Deusa: Simba encontra sua amiga de infância, Nala.

Mulher como tentação: Simba e Nala vivem um romance.

Recusa do retorno: Com o passar do tempo, Simba cresce e encontra sua

amiga de infância, Nala. Ela tenta convencê-lo a retornar

ao lar, já que Scar está governando tudo de forma

inconseqüente. No entanto, Simba, ainda com trauma de

infância, se recusa a voltar.

Sintonia com o pai: Simba então, através da intervenção de Rafiki, encontra

com Mufasa, em uma projeção espiritual. É aqui que

Simba se conscientiza de que é necessário voltar,

superando então sua dificuldade e ampliando seus

horizontes para o que deve ser feito.

Passagem pelo limiar do retorno: Ao retornar à sua terra natal, Simba precisa

enfrentar Scar, pois o regresso do herói liga-

se com o fato dele estar apto a ser rei, mas o

cargo está ocupado por seu tio.

Senhor dos dois mundos: Com a vitória de Simba num combate corpo-a-corpo

com Scar, ele se renova por completo, tendo a

oportunidade de finalmente ocupar o cargo de rei.

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Liberdade de Viver: Ocupando o seu cargo de direito, Simba se une à Nala e

permanece livre para governar.

Com a obra de Cristopher Vogler, A jornada do escritor (VOLGLER, 2006), é

feito um apurado mais conciso e direto das idéias de Campbell, destinado aos

escritores. A figura abaixo ilustra as abordagens de Vogler e Campbell:

Fig. 80 – Comparação entre as duas estruturas

Ao início do filme, na sua aparição após a seqüência com a canção inicial (Ciclo

da Vida), Simba se mostra em seu mundo comum. Estando em uma família estável,

o personagem é introduzindo ao espectador através de suas atitudes infantis –

querendo acordar seus pais para ver o sol nascer.

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Mufasa leva Simba para apreciar o sol e a vista do reino. Nesta cena, o

espectador tem o primeiro contato com Mufasa como figura de mentor, o ensinando-

o como viver no reino, através do respeito com os outros animais, estabelecendo o

equilíbrio do reino.

Na cena seguinte, Simba conversa com seu tio, Scar. Ele como vilão, se mostra

como um pseudo-mentor para o herói, induzindo perigo a ele o tempo todo.

Através da seqüência com a canção “O que eu quero mais é ser rei”, o herói já

se mostra totalmente pré-disposto a se lançar em uma aventura, que no contexto da

canção, liga-se com a vontade de alcançar a liberdade, tornando-se o rei o mais

rápido possível.

Ao entrar no Cemitério de Elefantes, o herói se depara com o primeiro desafio:

conhece o território perigoso do reino, o qual o próprio pai, Mufasa, o proibiu de ir.

Quando está encurralado, é salvo por seu pai, sendo repreendido. Esta é a mais

uma cena em que Mufasa se mostra seu mentor, o ensinando como viver da melhor

forma possível, sem correr perigos. Ao mesmo tempo, esta cena mostra como

Simba ainda não está pronto para enfrentar seus desafios.

A morte de Mufasa e a perseguição de Scar atrás de Simba iniciam a etapa do

chamado à aventura, fazendo o protagonista ir a um mundo desconhecido, fora do

reino, um mundo especial. É lá que o herói conhece a Timão, um suricate, e Pumba,

um javali. Eles representam ao mesmo tempo, mentores e pícaros. São eles que

irão ensinar um novo estilo de vida a Simba e ao mesmo tempo serão a dupla

cômica da trama.

Depois de crescido, Simba reencontra Nala, que ocupa a função de arauto. É

ela quem expõe para Simba a situação péssima do reino, onde Scar governa

através das hienas, suas lacaias e sombras. Sabendo de todas as circunstâncias

que o fizeram fugir do reino, principalmente a morte de seu pai, o herói recusa o

chamado, mas é através de Rafiki, outro mentor em sua trajetória que Simba inicia

seu período de travessia de um limiar em seus sentimentos. É ele o responsável por

sua primeira mudança: é nessa cena que o espectador percebe que o herói pela

primeira vez confrontou com seus maiores medos, suas maiores decepções. Seu

encontro com o espírito de Mufasa, que foi seu mentor, realiza mais uma vez sua

função, e ao mesmo tempo, realizando outro incentivo ao personagem,

característica do arauto. Ao fazê-lo, inicia seu retorno ao reino, iniciando outra etapa:

a aproximação da caverna oculta.

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O herói está prestes a confrontar a principal sombra do filme, o vilão, e para

isso, precisa saber quem está do seu lado e quem são seus inimigos, realizando a

fase de testes, aliados e inimigos em sua aproximação: as hienas como inimigas e

Nala, Pumba, Timão e Rafiki como principais aliados, além das leoas do reino.

O vilão, Scar, ao expor o herói a todos, relatando o que aconteceu no passado,

o faz passar pelo período de uma forte provação. É aqui que ocorre a crise no filme,

fazendo Simba confrontar pela segunda vez, e de forma bem mais intensa, seus

medos. Logo após a luta dos aliados contra os inimigos, ocorre o clímax da trama: o

encontro do herói com o vilão em uma batalha física, ocasionado pela etapa do

caminho de volta. Ao ser jogado no precipício, Scar confronta os camaleões da

história: suas hienas lacaias.

Com o fim do vilão, o retorno ao trono, e, principalmente, a mudança de caráter

do herói, ocorre a sua ressurreição: Simba toma posse como rei e promove um

governo próspero e de paz.

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4.5 Análise das cenas

Ao iniciar o filme, com a exibição dos créditos e do logo da Walt Disney

Pictures, já nos é introduzido o ambiente que estará em constante exibição durante

toda a obra, através da mudança das cores do próprio logo da Disney, o castelo e

sua estrela cadente. Tal animação se apresenta de forma amarelada, predizendo e

preparando o espectador para o intenso uso de cores que está por vir na seqüência

seguinte, fazendo alusão ao amarelado e alaranjado característico do nascer e pôr

do sol, onde este último abrirá o filme, contrastando com a tela preta de fundo. Ao

mesmo tempo, há sons de animais durante a exibição dos créditos, também outra

tentativa de, por um lado, expor os sons dos animais que estarão presentes durante

o filme, mas ao mesmo tempo, como ainda nada foi exibido, estiliza-se a introdução.

Figura 1 - Logo modificado

Com a interrupção dos créditos e o nascer do sol em tela, a música composta

por Lebo M, Ingonyama nengw' enamabala, se inicia de maneira brusca, ao mesmo

tempo em que a cor preta de fundo, usada na exibição dos créditos há pouco, se

coloca como sendo uma representação de uma espécie de noite escura, onde o

nascer do sol na savana também prediz, naquele novo dia, a confraternização do

nascimento do futuro rei da savana, personagem ainda não introduzido ao filme,

mas que será o protagonista da história. Junto com o sol, há a sequência que

demonstra a riqueza biológica daquele lugar, onde pássaros, leopardos, suricates,

girafas, além do próprio ambiente, expõe o equilíbrio vital para o meio. Tal lógica

também se manifesta através da música ao fundo, onde Ingonyama nengw'

enamabala é interrompida e se inicia a canção Ciclo da vida. Os animais estão em

deslocamento, alguns agitados outros menos, mas tudo é colocado com significado

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durante o passeio do pássaro azul, personagem Zazu, em direção a uma pedra, a

Pedra do Rei, onde Mufasa, pai do protagonista, está vislumbrando o reino.

É através de Zazu que o espectador se localiza para saber quem é aquele

leão, pois ao fazer uma reverência, há a relação de poder envolvida, realçada

também por um jogo de campo/contra-campo com uma câmera alta exibindo Zazu e

uma câmera baixa exibindo Mufasa.

Figura 2 - Câmera baixa em Mufasa Figura 3 - Câmera alta em Zazu

Logo em seguida, temos a reação do rei, que a primeiro momento não temos

informação nenhuma sobre sua personalidade, mas a localização se faz no

momento em que ele, Mufasa, acena com a cabeça, sorrindo, num sinal de, além de

aceitação daquela atitude de Zazu, também o faz simbolizando benevolência. A

figura de um macaco se faz presente: este é Rafiki, quem irá batizar o filho do rei.

Sua presença já se faz com uma luz ao fundo, evidenciando uma importância quase

divina, importância essa que se mostrará durante o filme. Com seu cajado, ele é o

sábio idoso que vêm à Pedra do Rei para esse acontecimento especial, onde até os

outros animais abrem caminho para sua passagem. Ao encontrar Mufasa frente a

frente, eles se abraçam, revelando uma relação de harmonia. O filhote está nos

braços de Sarabi, sua mãe, e ela passa língua nele para acordá-lo. Rafiki mostra

seu cajado ao filhote que está nos braços de Sarabi, balançando as frutas que nele

estão amarradas, brincando com o príncipe. O personagem então suspende uma

das frutas e a abre em duas partes: o posicionamento da câmera cria um ângulo que

coloca o sol atrás da fruta e no momento de sua partição há o efeito de translucidez.

O batizador pintando a testa do filhote com um sinal e levando-o à beira da pedra,

onde a euforia dos animais já dá a entender que os animais também possuem

alegria por aquele novo ser que se apresenta como sucessor do trono e como ele,

apesar de pequeno, já possui um poder atrelado a sua figura, realçada ainda mais

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pela câmera baixa. O levantamento de Simba ao alto é repetido três vezes, sob três

ângulos distintos, realçando ainda mais, e com um passeio de câmera contemplativo

em volta do filhote e o a luz que sai das nuvens e ilumina o príncipe já é

melodramática por si só, reforçando o que já era entendido pelo público, caindo até

na redundância, característica forte do melodrama para a identificação.

Figura 4 - Câmera baixa em Simba Figura 5 - Luz divina

A cena seguinte se inicia a partir da tela preta que se fecha com o título do

filme, com o rato saindo da toca, há a introdução do personagem Scar, o vilão da

história, num típico momento melodramático com seu monólogo patético, que exibe

a sua insatisfação com o fato de não ser o rei. Com a presença de Zazu anunciando

a chegada de Mufasa, o público já se localiza com aquela figura, onde sua

brincadeira de fingir engolir Zazu mostra seu mau gosto. Atitude tal que realça o

poder de Mufasa ao chegar ao local, mandando Scar soltar Zazu, que obedece

prontamente. A confrontação entre Scar e Mufasa cria a tensividade da cena:

Mufasa quer saber o motivo da ausência de Scar, já Scar se manifesta com bastante

ironia, chamando até Simba, o filho de Mufasa, de “bolinha peluda”, em evidente

desprezo, ameaçando Mufasa, apesar de Scar não poder confrontar Mufasa, pois

segundo ele próprio o seu condicionamento físico não é páreo e o que ele tem de

melhor habilidade é a inteligência. Com a saída de Scar na cena, Zazu e Mufasa

conversam de forma bem humorada, aprofundando a questão da relação entre

esses personagens, a qual difere enormemente de Scar.

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Figura 6 - Monólogo patético de Scar

Na cena seguinte, onde se mostra a savana africana, com uma música

incidental Rafiki está em sua árvore, pintando uma figura de um filhote na parede,

que representa Simba. Ele faz um risco na testa da figura, igual a que fez durante o

batizado. Essa figura terá importância dramática mais adiante.

Na cena seguinte, Simba quer acordar o pai para que este lhe mostre algo.

Aqui temos uma primeira representação das atitudes de uma criança e do agir de

um adulto, o que possivelmente coloca o espectador em posição de identificação, já

que este dispositivo transparente, como expõe o autor Ismail Xavier, vindo através

desse “efeito janela”, possibilita quem assiste ter um contato com uma realidade

forjada do início ao fim, ainda mais em se tratando de um filme de animação

tradicional, onde o 2D liga-se mais com o lúdico do que com o real, precisando,

dessa forma, de que a cena seja tratada da melhor forma possível.

Entenda-se melhor como sinônimo de um tratamento refinado de roteiro, onde

os diálogos entre os personagens criam uma identificação, onde o melodrama

presente na música de fundo leva quem assiste de forma fluida pela cena,

apreciando de maneira direta as imagens, e, também, com o refinamento da própria

animação, onde o apelo dos personagens está diretamente ligado com o

entendimento e redundância melodramática. Mufasa e sua esposa, Sarabi, expõem

através do diálogo, a atitude dos pais quando acordados no “meio da noite”,

demonstrando um cansaço com tom humorístico.

A sequência que se segue é de alto teor melodramático: através de um plano

médio dos personagens, que estão de frente para o vasto reino (e

conseqüentemente a câmera gera um plano geral da savana ao fundo), Mufasa

expõe a Simba aquilo tudo de uma forma didática. Ele, com típica atitude infantil em

sua fala, se impressiona com tudo que o pai fala. Com passeio de câmera em volta

dos personagens de forma lenta, contemplativa, Mufasa continua sua explanação de

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Mentor de Simba, aquele cuja figura será o verdadeiro estopim para a aventura que

se iniciará cenas depois. Há diversos cortes para um plano geral dos personagens

em cima da pedra, mostrando a savana ao fundo. Simba, como aprendiz, escuta

atentamente. Aqui vemos como a figura paterna guia seu filho por conceitos ligados

à harmonia e perigos, portanto, uma identificação conseqüentemente se faz possível

com as imagens e música ao fundo, e as crianças que assistem vislumbram os tons

quentes que compõem a cena, tanto do cenário quanto dos personagens56.

Figura 7 - Mufasa mostra o reino

Com um corte para o passeio no gramado, Mufasa continua sua explanação

sobre como um rei deve se comportar: aqui, se faz constante a demonstração de um

comportamento condizente, que está diretamente ligado com o respeito aos outros

animais.

Figura 8 - Mufasa continua o ensinamento

Em analogia, podemos abstrair ainda mais, colocando aquela preocupação

Materna/Paterna em ensinar ao filho conceitos sobre o mundo e tudo que o cerca

com princípios éticos que este deve assimilar. Da mesma forma, o pai ensina o filho

56

Coloca-se aqui a pesquisa do psicólogo Bamz, que defende a questão da idade como fator de preferência para uma determinada cor (FREITAS, 2007).

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como surpreender outro animal, numa clara tentativa de mais uma vez ensinar o

filho o que deve ser feito para viver da melhor forma junto ao equilíbrio natural.

Levando estes aprendizados novamente em analogia, podemos inferir mais uma fez

a importância de se assumir a posição de mentor, gerando uma possível

identificação, mais uma vez, de quem assiste, que possivelmente estão na posição

de pai ou responsável por alguém.

O importante na cena é que esses significados não são esgotados diretamente

nas pessoas que estão na posição citada, mas também se estendem por outras que

até nem cumprem essa função, pois o melodrama tem como característica a fluidez

dos acontecimentos em cena como se estivessem sido vividos pela pessoa que

assiste, gerando identificação, o chamado “efeito janela”, que está presente em toda

a obra. Quando Mufasa é informado de que há hienas no reino, Simba prontamente

deseja acompanhar o pai para averiguar, mas este o impede. Há uma clara

semelhança entre a atitude de Simba com o comportamento de um jovem que

almeja a independência, pois como ele não pôde ir com o pai, queixa-se por não ter

essa liberdade de escolha .

Na cena seguinte, onde Simba conversa com Scar, temos o primeiro contato

com a figura do tio malvado com o sobrinho, cena que dialoga diretamente com

Hamlet, que possui a mesma figura do tio. É aqui que o espectador presencia a

acidez com o que Scar trata Simba, mesmo este não percebendo. Scar coloca o

sobrinho pela primeira vez em uma situação de perigo, onde ao fingir ter liberado a

informação sobre o cemitério de elefantes (um local proibido no reino) de forma

acidental, instiga Simba a ir até lá, evidenciando a inocência deste e a falta de

escrúpulos daquele, onde o desrespeito de Scar é tão elevado que coloca essa

informação sob segredo deles dois, numa tentativa de pacto com Simba, e este,

mais uma vez, encara tudo como uma brincadeira, postura típica de uma criança.

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Figura 9 - Aproximação do vilão

Esse diálogo entre os dois personagens reforça ainda mais a característica

melodramática do vilão, exagerando suas palavras, acidez e gestos, onde o conjunto

desses fatores terá como principal consequência, o entendimento claro e

redundante, objetivo que está atrelado diretamente com o fator de identificação entre

quem assiste com as imagens e sons. A cena termina com a música totalmente

diferente da cena anterior. Se com Mufasa e Simba juntos há uma música mais lenta

com tons mais moderados, há em Scar tons mais graves e intensos.

O motivo dessas escolhas está em auxiliar o espectador a construir seu apego

aos personagens e, como diz Barthes57, a noção de território também se faz

presente através dos sons que rodeiam os seres, nesse caso, sons não diegéticos,

dialogando diretamente com o público, situando-o em relação tanto aos apegos

familiares quanto às ameaças, que nesse caso, também partem de dentro do âmbito

familiar. Em outras palavras, o ato de escutar coloca quem o faz em uma situação

de decodificar as mensagens passadas através das imagens, sejam elas ligadas à

obscuridade do vilão ou à segurança que este ou aquele aliado fornece, ou seja, o

som inaugura a relação entre espectador/personagem, recurso largamente utilizado

no gênero melodramático, que em O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) se

faz de forma intensa e, conseqüentemente redundante.

Na cena seguinte, Simba diz à Nala, sua amiga leoa, que quer ir a um local

chamado “olho d’água”, claramente uma mentira para não falar o real destino que

ele quer alcançar, isto é, o Cemitério de Elefantes. Com a ida deles ao olho d’água,

acompanhados de Zazu por recomendação de Sarabi, há inicio a sequência da

música O que eu quero mais é ser Rei, onde a cena exposta chama a atenção para

duas análises: a da canção e das imagens; Simba, ao pular na frente de Zazu,

57 BARTHES, Roland. O corpo da música, IN: o óbvio e o obtuso. São Paulo Editora.

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começa a cantar. Essa ação cria uma metáfora nas cores de fundo que compõe a

imagem, transformando as cores do solo e de várias plantas ao fundo em vermelho.

Figura 10 - Mudança de cores

Pode-se inferir que a mudança de cores, além de ser uma maneira de deslocar

o público para um universo interno ao do personagem, também é uma estilização

para a apreciação do público, com cores mais vivas. As questões ligadas à

independência de Simba se intensificam na letra da canção, onde até há o

apontamento de juba ausente como um dos fatores que o impede de ter maior

liberdade.

Simba: - Quando eu for rei ninguém vai me vencer em nenhum duelo!

Zazu: - Eu nunca vi um rei leão sem juba e sem pelo.

Simba: - A juba que eu vou ter, vai ver, será de arrasar. E todo mundo vai

tremer, quando me ouvir, o “Rá”!

Zazu: - Mas por enquanto eu digo que não sei.

Simba: - E o que eu quero mais é se Rei!

Zazu: - Ainda falta muito pra isso, Amo, se pensa que...

Simba: - Ninguém dizendo...

Nala: -... não faça isso...

Simba: - Ou então pare com isso.

Simba/Nala: - Vou dar um sumiço

Simba: - Livre pra poder viver...

Zazu: - Isso não é bem assim!

Simba: - Pra fazer o que quiser!

Zazu: - Acho que agora é a hora de a gente conversar.

Simba: - Reis não tem que ter calau nenhum pra aconselhar.

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Zazu: - Eu vejo que a monarquia assim vai fracassar. Eu vou embora daqui da

África. Eu vou me aposentar. Dessa criança eu não criei.

Simba: - E o que eu quero mais é ser Rei!

Simba: - Olhe pra esquerda... olhe pra direita... Pra que lado olhe, eu estou em

foco.

Zazu: - Ainda não!

Animais: - Seus amigos todos vão vibrar. Quando a boa nova se espalhar. E o

novo rei, Rei Simba vai reinar.

Simba: - E o que eu quero mais é ser Rei. E o que eu quero mais é ser Rei. E o

que eu quero mais... é ser Rei.

A frase O que eu quero mais é ser Rei é repetida cinco vezes, reforçando o que

já era de conhecimento do espectador: o intenso desejo de emancipação de Simba,

a sua busca pela liberdade de escolher para onde ir, vinda através da sua conquista

de autoridade com a posse do trono, ele príncipe que almeja ser rei, mesmo quando

o conselheiro de seu pai o elucubra sobre a necessidade de ele, como dependente,

não se apressar com relação a essa conquista, pois Simba não é livre pra poder

viver, não é livre pra fazer o que quiser e ele, assim como Mufasa o ensinou cenas

antes, precisa entender que há muito mais que um rei tem que fazer além de sua

vontade.

A canção acima possui um ritmo acelerado, unindo cores chapadas e o

trabalho de diversas texturas com câmeras em diversos ângulos, inclusive um

travelling da esquerda para a direita em alta velocidade e com intensa variação de

cor em um curtíssimo intervalo de tempo.

Figura 11 - Mudança de cor Figura 12 - Mudança de cor 2

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Figura 13 - Mudança de cor 3

A estilização está presente na água, nas nuvens e cor do céu, nas texturas dos

animais e plantas etc., Em um determinado momento, as zebras abrem passagem

para Simba passar e quando Zazu passa, as zebras viram de costas, uma tentativa

de provocar o humor e criar empatia de quem assiste.

Figura 14 - Recurso de estilização Figura 15 - Comicidade em Zazu

Uma câmera baixa focaliza Simba ao alto suspendido por dezenas de animais

e com pássaros fazendo um círculo a sua volta, numa espécie de coroação à sua

maneira, que no intenso balançar se desmonta com Zazu embaixo, novamente uma

construção de ação cômica.

Figura 16 - Câmera baixa na canção de Simba

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Após a canção, a cena que se segue mostra Simba e Nala sozinhos em uma

discussão para elucidar quem foi o responsável por despistar Zazu. Simba,

querendo tomar vantagem, pare para cima de Nala, que se defende, saltando

agarrada à Simba e o derrubando no chão. Ao tentar fazer isso novamente, Simba e

Nara rolam numa ladeira abaixo próxima a eles, descobrindo acidentalmente o

Cemitério de Elefantes. O cenário aqui é totalmente diferente do ambiente da

savana: a predominância de cores frias, cinzentas com bastante névoa e um céu

também acinzentado, além do som de corvos e abutres contrasta a cena, a

afirmação da vida através dos animais é alterada por um cenário fúnebre cheio de

carcaças e ossos.

Figura 17 - Cemitério de Elefantes

Nala pondera para uma possível criação de problemas com seus pais, pois

eles estão em uma área proibida. Simba, avançando para dentro de um crânio de

elefante, é impedido de surpresa por Zazu, que sai do escuro. Ele atenta para os

limites do reino e Simba brinca com a questão de medo de Zazu, questão tal que

Simba quer se mostrar como alguém corajoso. Ao fazer uma risada irônica, como

afirmação de sua intrepidez, é interrompido com risadas de hienas, que o assustam.

Três hienas saem do grande crânio, Shenzi, Banzai e Ed. Os três personagens,

apesar de terem personalidades diferenciadas, como Ed em sua risada, visivelmente

e auditivamente contrastante com a dos outros, impõem da mesma forma o medo

em Nala, Simba e Zazu. Shenzi reconhece Zazu e Simba afirma ser o príncipe.

Apesar de ele achar que as hienas não podem fazer nada com ele, este se esquece

de que o território que ele se encontra é de domínio delas, e, para o desespero de

Zazu, que vê que Simba parece não reconhecer esse fato. Em uma distração das

hienas, os dois leões e o pássaro fogem, iniciando aqui uma cena de perseguição,

onde Zazu é capiturado.

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A música incidental, que já estava marcando a cena até então, se manifesta de

forma mais acelerada: quando Simba tenta salvar Zazu, as três hienas pulam para

cima deles no momento em que uma fumaça de cor avermelhada sai de orifícios no

chão, compondo uma imagem demoníaca, transtornante e estilizada.

Figura 18 - Estilização nas hienas

Aqui, é marcada uma decupagem altamente clássica: há a utilização da

montagem paralela, típica de filmes de perseguição, o que aumenta tensividade da

sequência junto com a música de fundo, que cada vez mais se mostra acelerada e

intensa.

Figura 19 - Montagem paralela (hienas) Figura 20 - Montagem paralela (Simba)

O uso do clichê se faz presente quando Nala não consegue acompanhar

Simba em uma escalada íngreme, escorregando em direção às hienas que a

esperam lá embaixo. Simba, como herói que almeja ser, vai em direção do resgate

de Nala e arranha o rosto de Shenzi. Ambos conseguindo fugir são encurralados

pelas três hienas: nesse momento a música se faz menos presente, como numa

tentativa primeira de exibir o som do rugido fraco e infantil de Simba, e que

posteriormente se contrastará com um rugido sobreposto à sua abertura de boca,

rugido este que é forte e robusto, pertencente à Mufasa, que ataca as hienas para

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proteger os pequenos leões. Mesmo numa cena tensa como essa ainda se fez

presente o uso do humor, quando Banzai e Shenzi dizem que não sabiam que

Simba era filho de Mufasa (uma mentira, pois já havia sido afirmado pelo próprio

príncipe quem ele era), porém Ed balança a cabeça sorrindo e com sua língua de

fora em sinal de que sabia, fazendo Mufasa se enfurecer.

Figura 21 - Ed confirma, promovendo o humor

As três hienas, com um som exagerado, fogem. Simba se aproxima do pai, que

se mostra furioso pela desobediência do filho. Nala ainda reconhece a valentia do

pequeno príncipe. Ao saírem do local, a câmera se afasta dos personagens e mostra

Scar do outro lado, o qual observava tudo.

Figura 22 - O vilão Scar espreita, escondido

A cena que se segue possui características melodramáticas: Mufasa chama

Simba para, segundo ele, aplicar-lhe uma lição. É importante notar que logo ao início

da cena, antes de iniciar-se o diálogo entre pai e filho, Simba pisa na pegada do pai,

simbolizando sua falta de experiência perante aquele cujo papel é guiá-lo.

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Figura 23 - União Pai e Filho através das patas

Mais uma vez o papel de um aprendiz perante seu mentor se coloca: o lado

paternal de Mufasa exprime o quão perigoso foi a atitude do filho, podendo ter sido

até morto; Simba, em sua inocência, tendo como principal espelho seu pai, explica

que sua atitude foi simplesmente uma tentativa de ser igual a Mufasa, ou seja,

alguém corajoso; Mufasa, no entanto, explica que foi naquele momento ele próprio

sentiu medo pela possibilidade de ter perdido o filho; Simba então reconhece como

até os reis têm medo. A cena finaliza com Simba e Mufasa brincando no gramado,

onde o filho pergunta ao pai se ambos ficarão juntos para sempre. Mufasa, com

sutileza, conta a história dos reis que viveram no passado e que viraram estrelas ao

morrerem, e caso Simba precisasse do pai no futuro, seria preciso apenas olhá-las,

pois Mufasa estaria lá.

Figura 24 - Campo/Contra-campo em Simba Figura 25 - Campo/Contra-campo em Mufasa

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Figura 26 - Mufasa conta através de metáforas

O jogo de campo/contra-campo durante o diálogo da cena acima citada

exprime dois lados dos possíveis espectadores: de um lado, a importante figura dos

pais na educação dos filhos; Do outro, a inocência e a não compreensão real de

certos momentos e até perigos nas situações, as quais os filhos não percebem. É

expressa também as situações onde os próprios pais sentem bastante temor

perante alguma ocasião que rodeia seus filhos e, também, na necessidade de

explicar questões possivelmente complexas a eles, havendo a necessidade de uma

abordagem metafórica para o entendimento daquela pessoa mais jovem. O tema em

questão é a morte e de alguma maneira, Mufasa tentou exprimir da uma forma

entendível a seu filho como o futuro se configurará. O filho, mais uma vez com seu

lado infantil, encanta-se com a metáfora, levando-a quase ao seu significado literal:

a sua falta de experiência é mostrada do início ao fim da cena. Essas maneiras de

tratar as situações e os diálogos geram uma possível identificação daquele que

assiste, criando dessa forma uma melhor relação espectador/filme e

conseqüentemente uma melhor apreciação.

A música incidental é predominantemente marcada por uma sinfonia, estilo

característico do compositor Hans Zimmer58, que constantemente faz a fusão entre

instrumentos orquestrados com sintetizadores de última geração nas obras cuja

responsabilidade sobre a trilha sonora recai sobre suas mãos59. A carga emotiva da

cena não seria a mesma se a trilha, composta com presença marcante de

violoncelos, não fosse condizente com o que o roteiro preparou para o filme,

característica essa descendente do teatro.

58 Filmes como Castaway (Nicolas Roeg, 1986) e My Beautiful Launderette (Stephen Frears, 1985). 59

Hans Zimmer: Where Symphony meets Synthesizer. Disponível em: <http://hubpages.com/hub/Hans-Zimmer-Where-Symphony-meets-Synthesizer>. Acesso em 22 de Out. 2011.

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Contrastando novamente com o ambiente da savana, a cena seguinte mostra o

ambiente onde as hienas vivem, dentro das cavernas, novamente retomando cores

frias, cinzentas e esverdeadas.

Figura 27 - Ambiente do eixo melodramático do mal

Dessa vez, há a figura do vilão e Scar. É aqui que novamente se coloca o

melodrama em relação ao vilão: há um exagero evidente de todo o ambiente que

envolve o próprio personagem, além de seu discurso evidentemente exagerado.

Aqui, é mostrado o verdadeiro plano de Scar: matar Mufasa. É evidente a relação

entre O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) e a peça teatral Hamlet na cena,

pois na obra de Shakespeare o personagem Claudius mata o irmão para poder

conquistar o reino. O desejo de Scar pela Pedra do Rei já foi exibido ao início do

filme e novamente caímos na redundância. Como uma questão de reafirmação

desse plano macabro, Scar inicia sua canção, evidenciando os seus desejos ao

conseguir tomar posse.

Eu sei que sua inteligência / Nunca foi de ser generosa / Mas preste atenção,

com paciência / Nas minhas palavras preciosas / Quem presta atenção se concentra

/ Pois quero que fiquem cientes / Que quando um rei sai, outro entra / E é a razão

para ficarem contentes / Se preparem pra ter nova vida / Uma vida sensacional /

Chegou nova era / A velha já era.

Shenzi se questiona nesse ponto onde a figura das hienas estará presente e

Scar prontamente responde, continuando com a canção:

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Por sua presença / Terão recompensa / Quando eu ocupar o meu trono /

Injustiças farei com que parem / Se preparem.

As hienas, mostrando seu lado cômico, não entendem qual é o verdadeiro

plano de Scar, por mais claro que esteja. Scar promete que não haverá mais fome e

as hienas cantam junto com scar.

O rei é um bom camarada / E o povo vai logo adorar / Vocês que serão mais

amadas / farão tudo o que eu tramar / vou distribuir prêmios caros / pra amigos que

estejam afim / Mas quero deixar muito claro / Não vão comer nada sem mim / Se

preparem para o golpe do século / Se preparem para a trama sombria / Bem

premeditada / E bem calculada / E o rei rejeitado / Será coroado / E por isso eu

disputo / E por isso eu luto / O trono terá que ser meu / Que os amigos não me

desamparem / Se preparem

A canção acima descrita é exibida usando recursos que já foram utilizados em

outro momento do filme, durante a canção O que eu quero mais é ser rei, cantada

por Simba: é utilizado constantemente o contraste entre as cores, as quais possuem

tons distintos, variando entre azul, verde, cinza e amarelo.

Figura 28 - Amarelo na caverna Figura 29 - Verde na caverna

Da mesma forma, a quantidade de ações que são postas até de forma

metafórica também se faz presente, como a cena em que Scar diz que as hienas

não poderão comer nada sem a presença dele: ele avança em direção a uma hiena,

sua aparência é melodramaticamente exagerada, sua fala é forte a ponto de fazer

ruir o chão, saindo fumaça colorida alaranjada e avermelhada, compondo a cena

com mais cores.

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Figura 30 - Exagero em Scar

Da mesma forma, há uma clara referência a regimes autoritários e

armamentistas durante a marcha das hienas em frente à Scar, como soldados se

preparando para a guerra diante do ditador, cuja figura está ao alto, em cima de uma

pedra e que observa os fiéis súditos idolatrando-o, idealizando e exagerando ainda

mais a figura de Scar.

Figura 31 - Scar como ditador Figura 32 - Soldados como referência

Outra cena que possui metáfora é a de Scar pulando em pedras que

magicamente surgem aos seus pés, até chegar a uma que não pára de crescer,

elevando-o ao alto, realçando seu poder, ao mesmo tempo em que a cena finaliza

com o vilão no topo dessa pedra e, mais uma vez, suas lacaias abaixo. É

interessante notar que Mufasa, com seu porte físico e suas cores quentes se

relacionam com o sol, enquanto que Scar posa ao alto em referência à lua, fria, com

cores mais escuras, sugerindo uma verdadeira força da natureza em sua própria

figura e que exageradamente pode compor uma espécie de quadro numa moldura.

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Figura 33 - Scar estilizado com a lua

A cena seguinte mostra um desfiladeiro onde estão Simba e Scar. Scar

conversa com Simba e diz que tem uma surpresa para ele. O tio também exibe que

tem conhecimento sobre o que aconteceu com o sobrinho no cemitério de elefantes

(já que foi ele quem engendrou tudo), dizendo à Simba para ele praticar mais o

rugido (ação que foi colocada durante a música O que eu quero mais é ser rei como

um ponto marcante para a maturidade). Simba também pergunta ao tio se ele

próprio irá gostar da surpresa, onde Scar diz: Simba, It’s to DIE for / Ela será de

MATAR, clara referência a algum plano maligno que planeja, localizando quem

assiste. Com a subida da câmera pelo rochedo, deparamos com uma grande

planície com centenas de guinus, vigiados pelas três hienas ajudantes de Scar (Ed,

Shenzi e Banzai). Scar se mostra para elas, num sinal que faz referência ao início de

seu plano. Com um corte para Simba, vemos ele se queixando do rugido, e decide

praticá-lo com um camaleão que passa, mas este não se manifesta pois o som que

Simba produz ainda é muito fraco. Apesar da indiferença do camaleão nas primeiras

tentativas, na terceira sai um som mais forte, assustando o animal, ao mesmo tempo

em que se ouve um tremor ao longe, confirmado por uma pedra que quica no solo.

Automaticamente o jogo de causa/consequência da edição produz o sentido para o

espectador: este já havia testemunhado os guinus na planície e o plano malévolo de

Scar se iniciando; conclui-se então que esse som deriva da união dos dois fatores,

união esta confirmada pelo espectador e que surpreende o personagem Simba, que

se vê encurralado, demonstrado a partir de um travelling altamente dramático em

seu rosto, acompanhado por um som de coral. A música então se apresenta com

andamento acelerado e milhares de animais são mostrados correndo em direção a

Simba, incluindo as hienas mostradas anteriormente.

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Figura 34 - Plano geral nos guinus

Figura 35 - Plano detalhe nas pedras

Figura 36 - Close dramático em Simba

Logo ao inicio da sequência, há uma pluralidade de planos, variando desde o

close no rosto de Simba – citado acima através do travelling – com planos aéreos e

até uma câmera próxima ao chão, reagindo ao tremor dos animais. Esses fatores

dão maior dinâmica à narrativa, que produzem tensividade em quem não apenas

está assistindo às imagens, mas o som, que se marca evidentemente.

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Figura 37 - Tomada aérea Figura 38 - Câmera no chão

Mufasa, que está ao longe com Zazu, é alertado por Scar que seu filho está lá.

Prontamente o rei vai em direção ao resgate de seu filho junto com Zazu. Lá, Simba

se segura em uma árvore, que ameaça cair a qualquer momento. Aqui, há outra

característica que garante dinamismo à cena: a montagem paralela. De um lado

temos Simba quase escorregando do galho que está agarrado; do outro, seu pai

está correndo em meio aos animais, correndo o sério risco de se machucar, assim

como Simba.

Figura 39 - Montagem paralela (Mufasa) Figura 40 - Montagem paralela (Simba em perigo)

Mufasa até escorrega uma vez e Simba cai, mas Mufasa o pega, derrubando-o

novamente momentos depois. Scar assiste a tudo, torcendo para que o pior

aconteça, e, melodramaticamente planejado para o espectador novamente se

posicionar perante os personagens, numa tentativa de mais uma vez gerar desprezo

pelo vilão. Ao colocar Simba em uma pedra, Mufasa é deslocado com a força dos

guinus, se afastando de Simba. Até então, a música foi marcada intensamente por

um coral e metais, mas no momento de maior dramaticidade, quando Mufasa se

afasta de Simba, é que entra em evidência violinos altamente dramáticos. Num close

nos olhos de Simba, quem assiste é colocado em uma posição subjetiva, como se

fosse os próprios olhos do personagem.

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Figura 41 - Close em Simba Figura 42 - Subjetiva de Simba, que olha os guinus

Mufasa de repente pula de dentro da manada em direção à uma pedra,

colocando novamente o coral acompanhando as imagens, numa tentativa de se

reerguer a esperança pela salvação do personagem. Ao ver o pai se esforçando

para subir o íngreme rochedo, Simba sai, como se quisesse encontrar o pai no topo,

porém é na subida de Mufasa, onde este pede a ajuda do irmão Scar, que temos

outro ponto alto na tensividade de toda a sequência: além de o próprio irmão recusar

ajudar o outro, há o assassinato. Aqui temos Shakespeare citado novamente, pois

em Hamlet Claudius mata o irmão. Quando Scar coloca suas patas com unas

afiadas em cima das de Mufasa, este grunhe de dor, finalizando seu plano com a

frase: vida longa ao rei. É ai que Scar joga o próprio irmão precipício abaixo, onde a

ação em câmera lenta contempla a dramática queda de Mufasa, com um corte direto

para dentro do olho de Simba em afastamento, saindo de um superclose para um

plano geral em alta velocidade.

Figura 43 - Mufasa com queda contemplativa

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Figura 44 - Super-Close nos olhos de Simba

Figura 45 - Do Super-Close para Plano geral

Simba então desce de onde estava, indo em direção onde o pai está, mas a

primeiro momento não é achado nada. Com a intensa névoa, sugere-se um clima de

mistério, onde uma posição tipicamente melodramática tende a levar o público a crer

que talvez nada de mal tenha acontecido, posição tal que é primeiramente posta no

surgimento de um guinu surgindo em meio ao nada. No entanto, com o assento da

poeira, tanto Simba quanto o espectador presenciam o trágico: Mufasa caído ao

chão, imóvel. Simba faz tentativas ineficazes de reanimar o pai e, com bastante

desespero, pede por ajuda, mas não há ninguém.

Figura 46 - Mufasa morto ao chão

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A cena acima marca a passagem de Simba para uma maior responsabilidade,

vinda a partir da perda precoce da figura paterna. É partir daí que se inicia a busca

pela reconciliação com ele próprio, já que ele pensa ser o assassino de seu pai. A

exposição do sofrimento de Simba dialoga diretamente com a sua inocência e suas

palavras direcionadas ao pai, morto ao chão, exibe o quão o personagem luta para

que aquela situação não seja verdade, numa espécie de pensamento onde tudo, por

mais amedrontador que possa parecer, acabará bem, expectativa essa exposta por

Simba ao se deitar embaixo da pata de Mufasa, numa última tentativa tanto de

acolhimento quanto de proteção.

Figura 47 - Simba tenta se proteger com o pai morto

A partir daí, Scar culpa Simba pela morte do pai, mandando-o fugir e não voltar

mais, dizendo logo em seguida às suas três hienas ajudantes a matar o próprio

sobrinho, atitude que também dialoga com Hamlet, pois Claudius, também quer

Hamlet morto. No filme, a fuga de Simba marca a passagem para o segundo ato da

trama.

Na cena seguinte vemos Scar se lamentando pela morte de Mufasa e de

Simba, pois ele acredita que o sobrinho também está morto. No entanto, o público já

possui uma antipatia pela figura de Scar, melodramaticamente planejada ao longo

da obra, pois este é o vilão frio e maquiavélico. Temos aqui também uma transição

entre um plano geral d’A Pedra do Rei para o recanto de Rafiki, onde sua tristeza

pelo acontecido é reafirmada a partir da fusão entre a noite de posse de Scar, com a

lua ao alto (que se apresenta da mesma maneira que na canção de Scar

anteriormente cantada), com a figura de Simba pintada na parede.

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Figura 48 - Transição da pedra do rei para Rafiki

O personagem então passa a mão sobre a figura, riscando-a, como se

estivesse em estado profundo de depressão, pois sua esperança confiada naquele

ser que ele mesmo batizou e que ao longo do filme foi mostrado como uma espécie

de chegada divina, está morto, pelo menos é o que ele acredita.

Figura 49 - Decepção no borrar a figura

Simba então entra em contato pela primeira vez com dois personagens até

então inéditos à obra: um suricate chamado Timão e um javali chamado Pumba.

Outra vez Hamlet é referência, mas ao invés de Guildenstern e Rosencrantz como

amigos de infância do personagem, temos os dois animais em um contato inédito

com Simba, apesar de tanto no filme quanto na obra shakespeariana, isso ocorrer

no ato dois.

Ambos decidem ficar com o pequeno leão para ter alguém que possa protegê-

los, mas ao acordar, Simba se mostra com total abatimento pela tristeza e é aqui

que temos uma reviravolta na vida o personagem: tanto Timão quanto Pumba

ensinam para ele uma nova filosofia de vida, chamada Hakuna Matata / Hatuna

Matata, que é uma espécie de carpe diem, uma fuga que se configura na não

preocupação com problemas e no viver a vida da forma mais intensa. O espectador

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presencia esse ensinamento através de uma sequência de imagens deslumbrante:

há o contraste de cores do deserto onde estão ao início da cena com o ambiente

onde o javali e o suricate moram, onde o verde da vegetação é presente de forma

intensa, além da própria afirmação das personalidades dos dois personagens,

colocando Timão como uma espécie de razão e Pumba a emoção da “equipe”.

Figura 50 - Cenário de deserto Figura 51 - Cenário de floresta

É interessante notar que, se de um lado há o uso intenso das cores para o

ambiente com conseqüente identificação dos espectadores infantis através dos

estímulos, durante a canção dos três personagens há uma piada inserida para

causar o humor, provavelmente visando o público adulto:

Timão: - Sentia que seu cheiro era de um porcalhão, esvaziava a savana

depois da refeição.

Pumba: - Era só eu chegar que era um tormento... quando eu via todo mundo

sentar contra o vento. Ai que vexame!

Timão: - Era um vexame!

Pumba: - Quis mudar meu nome...

Timão: - Aaa, o que é que tem o nome?!

Pumba: - Me sentia tão triste...

Timão: Se sentia triste...

Pumba: Cada vez que eu...

Timão: Ei Pumba! Na frente das crianças não!

Pumba: Aaa, desculpe.

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Após a cena da canção citada acima, temos novamente o contraste de

ambientes entre a selva e a Pedra do Rei, lugar que, pela má administração de Scar

está totalmente destruído e sem vida, onde as cores vivas do início do filme já não

estão mais presentes, predominando um azul cinzento bem parecido com a caverna

onde o leão estava com as hienas cenas antes.

Figura 52 - Pedra do Rei destruída

Aqui, temos Zazu preso em uma mini cadeia feita de ossos, cantando,

enquanto que Scar está palitando os dentes com um osso. Quando Zazu cita o

nome de Mufasa, em referência a excelente administração feita por este em

oposição a seu irmão, Scar se enfurece. Temos uma decupagem que coloca as

relações de poder entre os personagens: quando é mostrado Zazu, há câmera alta;

quando Scar é mostrado, há câmera baixa, ao mesmo tempo em que Zazu é

mostrado numa subjetiva de Scar. Esse tratamento que é dado durante as cenas do

filme além de realçarem a pluralidade dos planos (gerando maior dinâmica), se tenta

gerar, a todo o momento, uma maior identificação do espectador com as imagens,

pois o exemplo de câmeras subjetivas coloca quem assiste em uma imersão maior

no filme.

Figura 53 - Câmera alta novamente em Zazu

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Figura 54 - Câmera baixa em Scar

Na cena seguinte, temos Simba, Pumba e Timão deitados na grama,

conversando. Com o início de uma música incidental, se faz presença um assunto

que possui grande relevância para a história, tanto no sentido do resgate do

passado de Simba quanto na memória afetiva do espectador: os três personagens

começam a se questionar o que são as estrelas. Ora, temos aqui um nítido resgate

de uma passagem com forte apelo melodramático, que é a cena em que Simba,

quando pequeno, foi ensinado sobre as estrelas por Mufasa, cena descrita

anteriormente.

Figura 55 - Desconforto de Simba

Timão e Pumba demonstram grande curiosidade em saber o que Simba pensa

sobre elas. Quando o personagem faz a mesma explicação que recebeu de seu pai,

demonstrando em suas próprias expressões faciais uma nostalgia misturada com

culpa (pois ele ainda continua achando que matou Mufasa), o suricate e o javali

começam a rir dele, por acharem demasiado estranho que possa haver reis os

observando. Apesar de Simba tentar rir com eles e até em certo momento blasfema,

chamando tal explicação que ele mesmo deu de bobagem, é nítido que a dor o

consome. Quem assiste é colocado em uma posição até desconfortável: de um lado,

temos o melodrama em seu ápice, com a música marcando a cena do início ao fim;

do outro, o possível apego pela situação do personagem também coloca o

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espectador em agonia, pois este sabe muito bem que Simba nada tem de

responsável pela morte de Mufasa, ao mesmo tempo em que o conteúdo de sua

explicação sobre as estrelas também nada tem de engraçado, pelo contrário, a

trajetória de vida e a relação entre pai e filho são as marcas principais da cena, o

que faz a mesma ser de uma possível emoção para quem assiste, notando que

Timão chama, sem saber, Mufasa de palhaço, numa conotação pejorativa.

Figura 56 - Desolação de Simba

Na cena seguinte se observa Rafiki capturando folhas ao vento. Tais folhas são

pertencentes a Simba, as quais viajaram pelo ar desde sua deitada na grama na

cena anterior. Ao sentir o cheiro e reconhecer que Simba está vivo, ele pula de

alegria, usando a tintura do fruto que está em mãos para desenhar uma juba na

figura do pequeno leão que está na parede, figura essa que foi riscada pelo próprio

personagem quando perdeu a esperança, mas que agora, há o retorno de tal

sentimento. Vamos analisar como a cena é melodramaticamente marcada: ao início,

temos Rafiki pegando as folhas e as despejando no casco de tartaruga. Por

enquanto, o coral que compõe a música de fundo está em uma intensidade. No

entanto, ao se descobrir que Simba está vivo, a intensidade da música cresce. Mais

uma tentativa evidente de inserção do espectador no universo do personagem, não

apenas relacionada com seu ambiente, mas com o seu sentimento.

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Figura 57 - Alegria de Rafiki reforçada com a Música

Na próxima cena, há uma perseguição de uma leoa atrás de Pumba. Ao tentar

fugir, Timão e Pumba são surpreendidos por Simba, que vem ao seu resgate. Até o

momento não há informação de quem seja esta leoa, até o rolamento de ambos

durante a briga, que é idêntico ao rolamento executado da cena no Cemitério de

Elefantes, fazendo com o que Simba reconheça que ela é sua amiga de infância,

Nala.

Figura 58 - Reconhecimento de Nala Figura 59 - Rolamento quando criança

Quando sua amiga diz que Scar contou sobre o incidente envolvendo seu pai,

o próprio demonstra preocupação, já que ele mesmo ainda sente culpa pela morte

do pai. Também é feita a revelação a Timão e Pumba de que ele é o rei. A partir

daqui, há uma intensa inserção de sentimento, pois Nala inicia os primeiros passos

do que seria uma relação entre ambos. Se por um lado há certo desenvolvimento da

emoção durante a conversa entre Nala e Simba, há também a quebra repentina dela

com uma piada feita por Timão, que diz: Pumba, está fedendo! Este prontamente

pede desculpas, como se a afirmação doa amigo suricate se referisse ao seu cheiro

(questão já apontada durante o filme), mas na verdade, Timão percebe um possível

problema futuro na relação com Simba, pois se o objetivo inicial de tê-lo no grupo

era a proteção, a chegada de Nala ameaça a sua permanência.

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Figura 60 - Comicidade promovida por Timão e Pumba

Logo em seguida, há o início da canção60 Esta Noite o Amor Chegou / Can you

feel de Love Tonight. Retomando o sentimento desenvolvido anteriormente.

Há aqui, uma sequência belíssima no que diz respeito a cores e música: as

referências ao público adulto são notáveis, onde as “brincadeiras” dos dois

personagens durante a canção fazem referência de forma praticamente direta ao

namoro à moda dos dois. No entanto, a cena não se limita simplesmente a um

público específico, fazendo uma excelente mescla de cores e do andamento da

canção, que vai alterando sua intensidade de forma sincronizada com as ações dos

personagens, como por exemplo, quando Simba pula na água pendurado por um

cipó, ou quando ele e Nala rolam barranco abaixo, caindo bruscamente no gramado.

Figura 61 - Sincronia da Música com a queda Figura 62 - Beijo de Nala em Simba

A cena seguinte é, para o autor desta tese, a cena mais forte do filme por

possuir o maior apelo melodramático já visto até então durante a obra: A partir da

conversa de Nala com Simba em relação a seu retorno à Pedra do Rei, há uma

menção a Mufasa feita por ela, o que irrita Simba, pois ela quer que ele volte para o

reino e ele não aceita, iniciando-se o processo de reconciliação de Simba com ele

60

Canção de Tim Rice e Elton John, ganhadora do Oscar de Melhor Canção Original.

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próprio. Decidindo voltar ao seu reino, significa que ele superou seu trauma, mas ele

continua resistente, precisando, desse modo que Rafiki, o babuíno que o batizou

quando pequeno, intervenha.

O foco de análise está na decisão de retorno à terra natal, feita por Simba

através da conversa com Rafiki. Simba não se lembra dele, porém a primeira

questão colocada em cena começa quando Simba pergunta quem seria aquele

macaco e este devolve a mesma pergunta, direcionada agora à Simba. Tal pergunta

que poderia ser direta e simples carrega consigo o debate sobre identidade, sobre

as questões que estariam naquele momento incomodando Simba e que Rafiki

compreende, a qual não é feita de forma direta, exigindo interpretação daquele que

assiste. Para aumentar ainda mais a imersão do público com o que é exposto

através do diálogo, há uma subjetiva de Simba, onde Rafiki olha nos olhos do

“espectador”, ou seja, do personagem.

Figura 63 - Subjetiva de Simba olhando Rafiki

É nesse momento que também ocorre outra referência da obra de

Shakespeare: o questionamento sobre quem é o próprio personagem vem na

famosa pergunta de Hamlet; Ser ou não Ser?. Logo em seguida, após a perseguição

de Simba atrás do macaco, ele pergunta à Rafiki se conheceu Mufasa, e com ênfase

Rafiki diz que não apenas conheceu como conhece. Esse diálogo entre os

personagens já introduz a ideia da não fixação de identidade apenas no corpo, mas

através da personalidade passada de geração em geração, porém Simba não

compreende esse fato e ainda assim ele insiste na ideia inicial, lamentando a perda

do pai. Ao fazê-lo, Rafiki diz que irá mostrar ao personagem seu pai, e ao seguir

uma trilha, Simba observa o que estaria sendo apontado pelo macaco. Tal ato

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refere-se a ação de olhar o reflexo de Simba na água. Com essa cena, Rafiki reforça

ainda mais sua idéia e Simba permanece sem entender.

Figura 64 - Reflexo de Simba na água

Figura 65 - Reflexo de Mufasa na água

As questões sobre identidade são colocadas a todo o momento; o espectador

entra em contato com tal abstração, a filosofia está marcada do inicio ao fim da

cena. Podemos ver nitidamente que a obra de Heidegger, Ser e Tempo, pode ser

citada, pois através da concentração em analisar o ente, proposta sugerida pelo

autor, há o afastamento do Ser, ou seja, da existência de cada um. Em outras

palavras, com uma preocupação relacionada ao mundo material, vivida

principalmente através da filosofia Hakuna Matata, há o evidente distanciamento da

verdadeira identidade do personagem Simba, o que, consequentemente, o levaria a

um caminho no qual não acharia uma resposta plausível para a resolução do seu

problema, totalmente atrelado à pergunta de Rafiki: Quem é você?. Da mesma

maneira ainda podemos inferir que no momento em que Rafiki diz que conhece o pai

de Simba, há novamente uma referência à questão do Ser.

Rafiki ainda insiste na sua idéia ao mandar Simba prestar mais atenção, e ao

dizer isso, toca na água, aparecendo o reflexo de Mufasa e afirmado que o pai está

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vivo no filho, havendo assim, o encontro de ambos. Simba olha ao céu e a imagem

de seu pai evidencia-se, mantendo um diálogo com ele. Mais um tema é abordado:

vida após a morte.

Figura 66 - Espírito de Mufasa

Através do diálogo entre os personagens, Simba recebe conselhos por uma

espécie de “espírito” do pai. O conselho de Mufasa para Simba durante sua

conversa “espiritual” traduz mais uma vez como é necessário que Simba busque a

resposta dentro dele próprio, já que tal resposta interior liga-se com o fato de

conseguir lidar com a morte de seu pai. Também temos aqui uma clara referência a

Hamlet, pois este vê o fantasma de seu pai, que o manda matar o tio. Apesar de

Mufasa não aconselhar Simba a fazer algo “tão forte”, o pai diz que ele precisa

retirar Mufasa do poder. O personagem então vai em direção a seu reino natal,

marcado a passagem para o terceiro ato da obra.

Quando Simba chega a sua terra natal, uma música incidental marca sua

decepção, ao mesmo tempo em que o personagem percebe que Timão, Pumba e

Nala irão apoiá-lo. Há uma ênfase no aspecto macabro daquele lugar através da

(conveniente) chegada de nuvens que tornam o local, que já estava com cores frias

e escuras, num ambiente ainda mais propício para os personagens que ali se

encontra.

Figura 67 - Nuvens melodramaticamente carregadas

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Em outras palavras, Scar e as hienas estão dominando a Pedra do Rei, e a

chegada das nuvens carregadas faz referência direta à tensividade criada pela

situação. Porém, logo em seguida, há uma canção humorística de Timão e Pumba,

o que quebra a tensividade a primeiro momento, retomando-a no instante em que

Simba visualiza, ao longe, dezenas de hienas em torno de seu maior inimigo: Scar.

A mãe de Simba, Sarabi, é chamada por Scar, enquanto que Simba observa

tudo. È nítido que Sarabi possui seu aspecto de orgulho, numa tentativa de

conscientizar Scar da escassez de recursos. Em um determinado momento, ela cita

seu falecido esposo, Mufasa, irritando Scar, o que o leva a uma agressão física

sofrida por ela. A cena por si só é forte, pois, como se não bastasse o vilão estar no

controle da situação e ter sido o responsável pela destruição de um reino inteiro,

temos aqui a mãe do personagem que o espectador está acompanhando desde o

início do filme ser agredida no rosto por um tapa. A raiva de Simba ao ver aquilo

talvez possa ser equiparada com o que o espectador possivelmente foi levado a

sentir, através do direcionamento da emoção proporcionado pelo melodrama.

Figura 68 - Sarabi leva tapa de Scar Figura 69 - Simba enfurecido

A mãe não reconhece o filho, ficando surpresa, assim como Scar, de ver Simba

vivo. O verdadeiro rei por direito é cobrado pelas leoas. No entanto, Scar ainda

insiste em dizer a elas que Simba foi o responsável pela morte de Mufasa, fazendo

sua mãe não acreditar de tão má que é a “notícia”. A partir daqui, temos outro

aspecto forte do melodrama: inicia-se um confronto direto, corpo-a-corpo, entre o

herói e o vilão, e uma cena de caráter poético se exibe, onde a posição em que

Mufasa foi morto agora está reconstruída em Simba.

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Figura 70 - Mufasa no abismo Figura 71 - Simba no abismo

A música incidental marca a cena, principalmente quando Scar assume, aos

ouvidos de Simba, que ele, o próprio irmão, seu tio, matou Mufasa, gerando uma

brusca reviravolta dentro do próprio personagem, onde uma montagem do momento

em que presenciou a morte do pai se revela, fazendo Simba pular de encontro à

Scar, saindo daquela situação à beira do abismo. Simba então força o tio a

confessar o assassinato de Mufasa e aqui se inicia uma briga direta entre as hienas,

do lado de Scar, e as leoas (junto com Timão, Pumba e a presença reveladora de

Rafiki).

Temos novamente diversas quebras de tensividade, como por exemplo,

quando o espectador é surpreendido pelo apoio de Rafiki, pois este luta contra as

hienas com o seu cajado, e através de seu movimento corporal e seus sons emitidos

ele faz uma clara referência a uma espécie de “mestre” das artes marciais. Outro

momento em que ocorre a quebra da tensão está quando Pumba vai ao salvamento

de Timão e Zazu, salvando-os pelo fato de as hienas não terem o chamado de

Senhor Porco.

Figura 72 - - Rafiki lutando Figura 73 - Pumba enfurecido

Seguidamente, há o clímax da obra: o confronto entre Simba e Scar. Em um

diálogo demoradamente melodramático, Simba sugere que o tio fuja para longe, da

mesma forma que ele pediu ao sobrinho. No entanto, Scar trapaça em sua

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“promessa”, surpreendendo Simba jogando brasa em seus olhos. Aqui, há um

confronto em câmera lenta, onde ambos se agridem fisicamente, fazendo Simba

levar vantagem sobre Scar, jogando-o no abismo. Ele, porém, não morre, sendo

surpreendido pelo ódio das hienas que ali o aguardavam, onde elas próprias tratam

de “dar um fim” a ele.

Figura 74 - Luta entre o herói e o vilão Figura 75 - Hienas "dão fim" a Scar

Diante de toda uma cor avermelhada predominante na cena, proporcionada

pelo fogo que queimava durante a batalha, vemos as nuvens carregadas, que já

foram apresentadas ao espectador no início da cena, proporcionarem uma chuva

que se sobrepõe ao fogo, como em uma alusão ao fato do fogo ter sido a destruição,

aspecto intrínseco ao personagem Scar e suas hienas e a chuva ser a renovação do

reino, proporcionada pela vitória de Simba. Simba então é chamado por Rafiki a

subir na pedra pertencente a seu falecido pai, lugar onde o rei deve ficar. O macaco

faz então um sinal de reverência, mas Simba o abraça, demonstrando que a relação

de ambos não é mediada simplesmente pelo seu título, mas pela trajetória de vida

que ambos carregam, da mesma forma como foi o abraço entre Mufasa e Rafiki ao

início do filme, claramente colocado aqui como referência.

Figura 76 - Abraço de Simba Figura 77 - Abraço de Mufasa

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Uma tomada melodramática é desenvolvida: Simba sobre vagarosamente pela

pedra; há a música marcando a cena; a câmera também é lenta; Simba ouve a voz

do pai vinda do céu; um crânio que estava num rio próximo se desloca, como sendo

a retirada da morte e a chegada da vida, aspecto redundante que já foi sendo

esculpido. Numa transição, vemos um reino escasso se transformar em uma

vegetação abundante, mostrando também Simba e Nala juntos, e Rafiki segurando

um filhote, fazendo referência ao novo ser que nasceu da relação entre os

personagens leões, dando fim a obra com o aspecto do ciclo da vida reafirmado,

onde através daquele novo ser, a continuidade natural se estabelece.

Figura 78 - Subida melodramática

Figura 79 - Filhote do Casal

4.6 Referências do filme

A primeira ideia de se fazer O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) foi

encarada com bastante descaso a primeiro momento, já que uso de animais estava

em segundo plano e, através de Pocahontas (Mike Gabriel, 1995), projeto lançado

logo após O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994), era onde estava sendo

depositada toda a estratégia de sucesso. Isso se deveu ao uso de seres humanos

em Pocahontas (Mike Gabriel, 1995). Como os dois projetos estavam sendo feitos

ao mesmo tempo, surgiu dentro do departamento de animação dois grupos: aqueles

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que estavam ligados ao projeto pensado como “time B”, que era O Rei Leão (Rob

Minkoff/Roger Allers, 1994) e os do “time A”, que era Pocahontas (Mike Gabriel,

1995). Essa definição de “time A e B” era colocada de forma pejorativa, já que todos

da equipe pensaram que O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) não faria

sucesso e Pocahontas seria a obra-prima. No entanto, o contrário ocorreu: O Rei

Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) ficou na galeria de obras-primas da Disney,

enquanto que o sucesso de Pocahontas (Mike Gabriel, 1995) foi ofuscado pelo

sucesso de seu antecessor. Para a equipe, a cena do filme em que ocorre a

apresentação do espírito de Mufasa para Simba colocou novos olhares para o

projeto, já que a cena, tanto visualmente quanto em trilha sonora, era forte.

São acontecimentos como o citado acima que refletem diretamente a

instabilidade da indústria. Por mais que existam mecanismos de previsibilidade,

ainda há margens para surpresas dentro da indústria do cinema.

O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) originalmente iria ser chamado de

O Rei da Floresta (King of the Jungle, no original), mas os produtores posteriormente

viram que o habitat natural dos leões é a savana. Ainda segundo os produtores, por

possuir diversas referências, a obra foi a primeiro momento chamada genericamente

de “Bam-let”, ou seja, uma mistura de Bambi e Hamlet, tendo variações de temas

durante o filme: desde a chegada da responsabilidade; a noção de proteção familiar,

a importância da amizade etc. A idéia de trazer de forma forte a tragédia é traduzida

na cena em que Simba encontra seu pai morto ao chão, e em Bambi é apenas

comentado a morte da mãe, sem mostrá-la. Há também o pensamento ligado à

renovação de conceitos e superação e velhos traumas, que no filme liga-se com o

lidar com a vida através do pensamento de algo ligado a morte no período infantil do

personagem. Na obra, há um forte conteúdo melodramático: não importando o quão

ruim seja a situação, o senso de que há algo maior do que todos os seres vivos, ou

seja, um Ciclo da vida que precisa se manter, no intuito renovação e que tudo dará

certo.

Os diretores e membros da equipe, para criar o ambiente de savana e animais

em seu ambiente natural, viajaram ao continente africano, reunindo filmagens e

fotografias que serviram como referência. A utilização das cores para a recriação do

ambiente foi prioridade durante a produção. A arte das tribos locais também serviu

como inspiração: as pinturas e tecidos foram usados de forma diversificada durante

a canção “O que eu quero mais é ser rei”. David Lynn foi o artista que conseguiu

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guiar de forma mais focada a equipe em relação a qual conceito no design seria

usado: não se havia uma ideia clara se o filme seria algo realístico demais ou

cartoon demais, e David Lynn determinou uma melhor maneira de mostrar a obra.

Figura 80 - Pintura de referência para o filme Figura 81 - Referência de David Lynn

Em relação à animação, apesar de ser um filme majoritariamente feito em

animação tradicional, a cena da perseguição dos caribus atrás de Simba foi feita em

computação gráfica 3D. Como o número de caribus era alto, houve uma recriação

de um caribu em 3D e a partir daí, houve as centenas de cópias. Para não

parecerem apenas cópias, diversos caribus tiveram alteração de cor, dando a

impressão de indivíduos diferentes. Colocando como principal referência os cenários

e sequências em 2D, a computação gráfica 3D foi sobreposta no ambiente, havendo

assim, uma sincronização. Para não haver problemas de intersecções entre os

objetos 3D, foi necessário o desenvolvimento de um software, no qual seria possível

controlar centenas de objetos sem que houvesse erros, possibilitando a execução da

cena.

Figura 82 - Caribu 2d para futura referência Figura 83 - Caribu feito em 3d

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Figura 84 - Simulação de colisão 1 Figura 85 - Simulação de colisão 2

Figura 86 - Simulação de colisão 3

A trilha sonora veio a partir de Lebo M e Hans Zimmer, músicos que trouxeram

grandes influencias africanas para serem incorporadas nos ambiente do filme. Para

Hans Zimmer, a trilha durante a perseguição dos caribus atrás de Simba não possui

piano, exatamente por causa do senso de urgência que as vozes ao fundo trazem

para a experiencia visual. É perceptível o tratamento diferenciado presente na

música para cada momento na vida do protagonista: quando Simba vê seu pai morto

ao chão, a trilha composta por instrumentos de corda traz consigo uma grande

bagagem emocional, onde o sentimentalismo se traduz através de violinos,

violoncelos e outros instrumentos de corda. A partir do músico Lebo M, a influência

africana ficou mais evidente, a partir da criação das letras com um coral. Na

sequência inicial, por exemplo, durante a música “Ciclo da Vida”, a letra é inicial é

da língua do povo Zulu (Ingonyama nengw' enamabala, que significa Um leão e um

leopardo vem para esse campo aberto). Tim Rice e Elton John foram os

responsáveis pelas canções. Can you fell the love tonight concorreu ao Oscar por

Melhor Canção Original.

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Apesar de os produtores alegarem que O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers,

1994) foi concebido a partir de uma idéia original, há grandes semelhanças entre a

obra da Disney de 1994 e a série de animação japonesa de 1965. A série japonesa

foi concebida primeiramente em mangá, por Osamu Tezuka e conta a história de um

leão branco chamado Kimba. A adaptação do mangá para a televisão foi um marco

na animação japonesa, já que foi a primeira colorida a ser realizada.

Christopher Vogler em seu livro A jornada do Escritor, afirma que as

referências utilizadas vieram da peça teatral de Shakespeare, Hamlet, e de histórias

bíblicas. O interesse em Hamlet pelo cinema japonês já ocorreu em cineastas como

Akira Kurosawa.

No entanto, ao se comparar os personagens, e até mesmo os ângulos de

câmera utilizados em ambas as obras, percebe-se uma grande semelhança.

O protagonista de O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) chama-se

Simba, enquanto que o protagonista de Jungle Taitei se chama Kimba. Apesar da

aparente semelhança, Simba significa leão na lígua Suaíli, umas das línguas

utilizadas no filme.

Ambas as histórias também estão ligadas ao fato de o leão protagonista

reconquistar o trono do pai, tendo que lutar contra um vilão, também leão, que

ocupou o poder.

Em ambas as histórias, os leões contam com a ajuda de um pássaro – em O

Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) é Zazu; em Jungle Taitei, é Koko.

Também há um personagem babuíno que fica ao lado dos personagens – Rafiki em

O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) e Mandy Mandrill, além da questão do

encontro espiritual vir a partir da formação de uma figura familiar nas nuvens.

Abaixo estão algumas imagens que possuem semelhanças entre si:

Figura 87 - Jungle Taitei 1 Figura 88 - O Rei Leão 1

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Figura 89 - Jungle Taitei 2 Figura 90 - O Rei Leão 2

Figura 91 - Jungle Taitei 3 Figura 92 - O Rei Leão 3

Figura 93 - Jungle Taitei 4 Figura 94 - O Rei Leão 4

Figura 95 - Jungle Taitei 5 Figura 96 - O Rei Leão 5

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Figura 97 - Jungle Taitei 6 Figura 98 - O Rei Leão 6

Os produtores afirmam que são coincidências.

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4.7 O Rei Leão e as Transnarrativas61

No teatro, houve uma adaptação através de um musical. Com o sucesso do

musical A Bela e a Fera, surgiu a ideia de adaptar O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger

Allers, 1994): a primeira dificuldade foi o fato de como poderia se adaptar uma

história feita com animais à pessoas. O uso de possíveis máscaras e uso de

fantasias criava um receio nos realizadores. A partir das ideias de Julie Taymor,

diretora de produção, criou-se uma mescla entre pessoas e o uso de alguns

fantoches, a partir do uso de máscaras, mas não no rosto dos artistas, mas em suas

cabeças. Em outras palavras, não se tentou fantasiar os artistas, mas traduzir o

poder que essas máscaras causam em indivíduos humanos. Uma das principais

mudanças feitas por Julie Taymor em relação à história original foi a mudança do

personagem Rafiki para uma mulher. A música na peça foi colocada de forma bem

delicada, já que para a equipe teatral a essência da história no que diz respeito à

sensação autentica do ambiente africano. Os músicos Lebo M e Mark Mancina

foram os responsáveis pelas canções, gravando o álbum Rythm of the Pride Lands,

reunindo as canções instrumentais para o teatro.

Figura 99 - Cartaz da peça teatral Figura 100 - Adaptação das máscaras

61

Esta dissertação não se debruçará sobre as estratégias ligadas à sinergia da indústria em torno dos produtos conexos e geração de transnarrativas. O termo, exposto por Henry Jenkins, apenas é aqui citado como uma referência dos produtos criados em torno da obra cinematográfica.

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Figura 101 - Cd Rhythm of the Pride Lands

Também foram desenvolvidas obras para vídeo-game baseadas no filme.

Através da Virgin Interactive, em 1994, foram lançadas versões do jogo para os

consoles: Super-Nes, Game Boy, PC, Mega-Drive/Genesis, Amiga, Máster System e

Game Gear. Nos Estados Unidos, o jogo foi vendido para Super-Nes em larga

escala, atingindo 1 milhão e 270 mil unidades62.

Apesar da recepção positiva dos críticos, jogadores afirmam que em diversos

momentos, há uma frustração devido ao alto nível de dificuldade63. Os cenários

foram feitos pelos próprios animadores da Disney e a trilha sonora do jogo foi

adaptada das orquestras.

62

Disponível em: <http://www.the-magicbox.com/Chart-USPlatinum.shtml>. Acesso em 2 de novembro de 2010. 63

Disponível em: <http://www.videogamecritic.net/snesfl.htm#Lion_King,_The>. Acesso em 2 de novembro de 2010

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Figura 102 - Jogo baseado no filme

Em 1996 foi lançado para Super-Nes e PC o Timon & Pumbaa's Jungle

Games, jogo cujos personagens Timão e Pumba são o foco. Em 2000, foi lançado

pela Activision o The Lion King: Simba's Mighty Adventure para Playstation e Game

Boy Color. Em 2002, Kingdom Hearts é lançado pela Square Enix para Playstation 2.

O Personagem Simba também faz uma aparição na seqüência Kingdom Hearts:

Chain of Memories, de 2004 para Game Boy Advanced e em Kingdom Hearts II, de

2005, há uma opção para se escolher o cenário de A Pedra do Rei (Pride Rock, no

original). Em 2003, foi lançado o Disney’s Extreme Skate Adventure, onde o

personagem Simba anda de Skate.

Figura 103 - Timon & Pumbaa's Jungle Games Figura 104 - The Lion King: Simba's Mighty

Adventure

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Figura 105 - Kingdom Hearts Figura 106 - Kingdom Hearts: Chain of Memories

Figura 107 - Kingdom Hearts II Figura 108 - Disney’s Extreme Skate Adventure

4.8 Concepção e Design dos Personagens

Ao observarmos a trajetória dos filmes de animação, há uma melhor

compreensão de como determinados produtos alcançam um grande poder no

imaginário coletivo. Tal trajetória constitui na análise do itinerário de certas

produções fílmicas, a fim de concretizar a identificação com aquilo mostrado nas

tramas e que, através de bens de consumo atravessam a tela de cinema, situação

essa que ocorreu com O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994), sucesso em

todo o mundo. Apesar de sempre haver projeto de animação de diversos outros

estúdios, a Disney sempre é focada como padrão de qualidade64.

O uso dos personagens principais do melodrama65 para causar identificação do

espectador, unido com um processo tecnológico que avança a cada ano, tem-se

uma poderosa estrutura que sensibiliza, não só pelo desenrolar da história contada

no filme, mas através ferramentas que auxiliam a atração dos sentidos.

Característica esta vinda também, de um dos 12 princípios66 de animação

denominado apelo:

64 Essa qualidade é conhecida como Disney Type, ou, estilo Disney, fazendo referência direta ao modo como a história é contada através do desenvolvimento emocional dos personagens. THOMAS, Frank; Johnson, Ollie.The Illusion of Life: Disney Animation. Los Angeles: Disney Editions, 1981 65

OROZ, Sílvia. Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed., 1992 66 THOMAS, Frank; Johnson, Ollie.The Illusion of Life: Disney Animation. Los Angeles: Disney Editions, 1981, pág. 47

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Apelo [..] significa qualquer coisa que uma pessoa gosta dever, uma qualidade ou charme, um design agradável, simplicidade, comunicação e magnetismo.[...] A figura de um herói tem apelo. Uma vilã, mesmo fria e dramática, deve ter apelo. (FRANK; OLLIE, 1981, pág. 68)67

A Disney sempre trabalhou o apelo dos personagens em suas obras: em O Rei

Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994), a maneira de agir, até mesmo se movimentar

de cada personagem é único. O andar de Mufasa deve ser distinto do andar de

Scar, já que ambos ocupam os extremos da bipolaridade melodramática na obra –

que, após a morte de Mufasa, é passado a Simba. Para FRANK e OLLIE, os vilões

são a parte mais divertida do trabalho68, pois são esses personagens que fazem a

história como ela é, sendo os responsáveis pelo desequilíbrio do mundo onde o

protagonista habita. Segundo os autores, as perguntas a cerca do universo

emocional dos personagens devem ser feitas a fim de direcionar as suas atitudes,

como por exemplo, ao desenvolver um vilão, questões devem ser postas69: quão

assustador o vilão deve ser? Consegue-se entretenimento ao assustar alguém?

O que faz de cada personagem um ser único, com seu valor individual, é o seu

desenvolvimento visual: o uso das cores e o design não podem ser deixados como

algo de segunda importância perante o roteiro, por exemplo, já que o diálogo do

público com a obra depende diretamente de quão carismáticos – ou não – são os

personagens na obra.

Ao se analisar o tratamento melodramático dado aos personagens Disney,

Scar e Mufasa possuem distinções evidentes: as cores da juba, da pele, o formato

do rosto, a cor dos olhos etc. Esse processo de desenvolvimento é uma das etapas

mais demoradas na concepção da obra, tendo como principal esforço a clareza dos

sentimentos dos personagens e isso inclui, além dos desenhos à lápis, a construção

de um modelo 3d para uma melhor transparência da idéia concebida.

Mufasa possui cores claras, e uma juba vermelha:

67 Tradução livre 68 THOMAS, Frank; Johnson, Ollie.The Illusion of Life: Disney Animation. Los Angeles: Disney Editions, 1981, pág. 417. 69

Tradução livre. Perguntas originais do livro: “Jus how scary should our villains be? Do we gain entertainment by scaring anyone here?”. THOMAS, Frank; Johnson, Ollie.The Illusion of Life: Disney Animation. Los Angeles: Disney Editions, 1981, pág. 417.

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Figura 109 - Primeiras idéias para Mufasa Figura 110 - Personagem Desenvolvido

Figura 111 - Modelo feito em 3d de Mufasa

Em contra partida, Scar, como vilão do filme, possui cores escuras, com

formato do rosto mais fino que o de Mufasa e uma juba preta, cor que dá

característica aos vilões da Disney em diversas obras.

Figura 112 - Primeiras idéias Figura 113 - Scar Figura 114 - Modelo feito em 3d

Scar desenvolvido

Através dos personagens Timão e Pumba, há o lado cômico da obra, e ambos

fazem referência, através de seus portes físicos, à dupla de comediantes Larry e

Hardy, conhecidos no Brasil como O Gordo e O Magro.

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Figura 115 - Primeiras Ideias para Pumba Figura 116 - Personagem Desenvolvido

Figura 117 - Primeiras ideias para Timão Figura 118 - Personagem desenvolvido

Os personagens que estão no núcleo “bom” na bipolaridade melodramática da

obra, possuem cores e design que se aproximam de Mufasa.

Figura 119 - Sarabi Figura 120 - Simba criança

Figura 121 - Simba adulto Figura 122 - Rafiki

No entanto, as hienas, que estão do lado do vilão Scar, possuem aparência

mais sombria e cores escuras, apesar delas estarem, em momentos do filme, com

características cômicas.

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Figura 123 - Banzai, Shenzi e Ed

4.9 Dublagem Brasileira

A função da dublagem não é apenas a substituição da voz do personagem em

uma tradução literal do que foi concebido através do texto dos atores da obra

original. Em cada país, o ato de dublar os filmes Disney requer uma adaptação de

termos, expressões e música para o contexto local de cada nação, gerando até a

troca de termos para uma melhor aceitação. Aceitação essa que deve vir a partir do

espectador, principal foco de todo o desenvolvimento. Um vilão que possui uma voz

grave não necessariamente será dublado com esse tom: o objetivo final dos

diretores de dublagem é adaptar o que está na tela, isso significa que se ao colocar,

em um personagem de voz grave, uma voz aguda, ficando agradável visualmente e

combinando com sentimento do personagem, é esse o foco principal. É nessa

mesma lógica que se desenvolve o texto dos dubladores.

O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) foi dublado pelo Delart Estúdios

Cinematográficos, no Rio de Janeiro, e as canções gravadas pela Som Livre, no

mesmo estado. A versão em português foi feita pelo dublador Telmo Perle Münch,

cujo trabalho nos produtos Disney é constante70 e a adaptação das canções foi feita

pelo músico Marcelo Coutinho, que também possui trabalhos em adaptações tanto

da Disney quanto da Pixar71.

Na versão lançada em DVD duplo de 2003, que vendeu no primeiro dia de

lançamento 2 milhões de unidades nos Estados Unidos, foi inserida uma canção que

não estava presente na obra original de 1994, mas que foi exibida em 2002 em

versão IMAX: “Relatório Matinal / Morning Report”, cantada pelo personagem Simba

ao início do filme, enquanto anda com seu pai Mufasa pelo gramado. Nessa versão

para DVD, a adaptação musical não foi feita por Marcelo Coutinho, mas por Dom

70

Fez a voz do personagem Pateta, do chefe de cozinha Louis em A Pequena Sereia (Ron Clements, 1989), do xerife Sam Brown em Nem Que a Vaca Tussa (Will Finn, 2004), entre outros trabalhos de dublagem, além de trabalhar como tradutor em obras como: Aristogatas (Wolfgang Reitherman, 1970), Bernardo e Bianca (John Lounsberry, 1977), Pocahontas (Mike Gabriel,1995), entre outros 71

Trabalhou em Monstros S.A (Pete Docter, 2001), Toy Story 2 (John Lasseter, 1995), entre outros.

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Félix Ferrá, que dirigiu musicalmente Bambi 2 (Brian Pimental, 2006), uma

continuação do clássico Disney de 1942.

Há cenas em O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) que receberam

adaptações: durante a canção “I Just can’t Wait to be king / O que eu quero mais é

ser rei”, logo ao início, no original em inglês, Simba pronuncia: “I’m gonna be a

mighty king, so enemies beware”. Em uma tradução literal ficaria “Eu vou ser um rei

poderoso, então inimigos cuidado!”. Na dublagem brasileira, se traduziu “Quando eu

for rei ninguém vai me vencer em nenhum duelo”. Essas pequenas modificações são

feitas para que o encaixe dos fonemas fique mais fiel à boca do personagem, sem

modificar o propósito original da frase, que por mais que tenha sido alterada,

permanece o mesmo. Em outro verso da mesma música, Zazu diz: “Thus far a rather

unispiring thing”, que literalmente seria “Até agora uma coisa sem inspiração”. Na

dublagem brasileira, traduziu-se “Mas por enquanto eu digo que não sei...”, uma

clara adaptação para a abertura da boca do personagem. O uso de expressões na

música dublada fica claro em outro verso: “No one saying see here”, que para uma

tradução literal ficaria não usual à nação brasileira: “Ninguém dizendo que vê aqui”.

Por outro lado, usou-se o recurso da dublagem para o uso de uma expressão: a

frase foi dublada como “Vou dar um sumiço!”. Há um objetivo claro por trás dessas

traduções, onde o estranhamento aos ouvidos dos espectadores brasileiros deve ser

afastado ao máximo, gerando assim, uma identificação.

Modificações mais radicais foram feitas na música Be Prepared / Se preparem.

A primeira estrofe, no original em inglês é a seguinte:

“I know that your powers of retention / Are as wet as a warthog's backside / But

thick as you are, pay attention / My words are a matter of pride / It's clear from your

vacant expressions / The lights are not all on upstairs / But we're talking kings and

successions / Even you can't be caught unawares / So prepare for a chance of a

lifetime / Be prepared for sensational news / A shining new era / Is tiptoeing nearer.”

Em uma tradução literal, seria:

Eu sei que os seus poderes de retenção / São tão molhados como lombo de um

javali / Mas, grosso como você, preste atenção / Minhas palavras são uma questão

de orgulho / É claro das suas expressões vagas / As luzes não estão todos no andar

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de cima / Mas nós estamos falando dos reis e das sucessões / Mesmo que você não

possa ser apanhado de surpresa / Então se prepare para uma chance de uma vida /

Esteja preparado para uma notícia sensacional / Uma brilhante e nova era / É na

ponta dos pés mais próximos.

Para uma melhor colocação, tanto dos fonemas feitos no gesticular da boca de

Scar, quanto a uma melhor tradução ao Brasil, a canção foi dublada da seguinte

forma:

Eu sei que sua inteligência / Nunca foi de ser generosa / Mas preste atenção,

com paciência / Nas minhas palavras preciosas / Quem presta atenção se concentra

/ Pois quero que fiquem cientes / Que quando um rei sai, outro entra / E é a razão

para ficarem contentes / Se preparem pra ter nova vida / Uma vida sensacional /

Chegou nova era / A velha já era.

Se este trecho for exibido em dublagem original, em inglês e legendas em

português, a tradução será distinta:

A sua capacidade de retenção / É mais escorregadia que lombo de javali /

Mesmo assim, idiotas, atenção / Uma questão de orgulho, é o que temos aqui / Fica

claro por sua vaga expressão / Que falta algo nessa cabeça / Mas falamos de reis e

sucessão / E até vocês podem ter uma surpresa / Se preparem para o melhor de

suas vidas / Se preparem para notícias sensacionais / Uma era de glória que entrará

para a história.

Apesar de se ter divergências com relação às palavras e expressões, o objetivo

final da mensagem não é alterado: tanto na legenda quanto na dublagem brasileiras,

a intenção de demonstrar os planos do personagem vilão Scar estão presentes,

como no original, porém adaptados à boca e fonemas do personagem. Esse

trabalho será financeiramente recompensado na venda de produtos conexos ao

filme, já que a identificação do espectador com aquilo exibido, tanto na de áudio

quanto visualmente se faz necessário para um sucesso dos produtos extra-filmicos.

Pelo resto da música Be prepared / Se preparem há esses tipos de adaptações.

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Mesmo na música que fez O Rei Leão (Rob Minkoff/Roger Allers, 1994) ganhar

o Oscar de Melhor Canção Original, Can You Feel de Love Tonight / Esta Noite o

Amor Chegou, há modificações na dublagem brasileira para uma melhor adaptação

dos diálogos. Em uma das partes da música, isso fica claro:

So many things to tell her / But how to make her see / The truth about my past?

Impossible!

She'd turn away from me / He's holding back he's hiding / But what I can't decide /

Why won't he be the king I know he is / The king I see inside?

Em uma tradução literal, esse trecho da música ficaria:

Tantas coisas para lhe dizer / Mas como fazê-la ver / A verdade sobre o meu

passado? Impossível! /Ela se afastaria de mim / Ele está guardando, ele está

escondendo / Mas o que eu não posso decidir / Porque ele não será o rei, sei que

ele é / O que eu vejo por dentro?

Mais uma vez, através do recurso de adaptação da dublagem, o trecho acima

foi dublado da seguinte forma:

São tantas coisas a dizer / Mas como lhe explicar / O que me aconteceu? Não

vou contar! / Se não vai me deixar / O que é que ele esconde, que não quer revelar /

Mas dentro dele um rei existe / Mas que não quer mostrar!

Por outro lado, há uma cena específica do filme que é notável a não adaptação

de uma palavra: “Now”, no original inglês, que quer dizer “Agora”. Tal palavra é

falada pela hiena Shenzi, antes de cena que mostra a perseguição dos guinus atrás

de Simba. Pelo fato dos fonemas serem bastante distintos, a palavra em português

não encaixa bem no movimento labial do personagem.

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Conclusão

A hipermodernidade proporcionou mudanças na indústria cinematográfica,

reforçando o foco nos ganhos a partir de um projeto cinematográfico, o qual faz uso

de altas tecnologias e avanços conseqüentes que são usados anualmente em

diversos filmes, tanto live-action quanto em animação, apesar de não ser exclusivo

desse período da hipermodernidade o uso de tecnologias para agregar o público (o

desenvolvimento sonoro e de cores muitas décadas antes mostra isso). Com as

questões ligadas as noções de hipermodernidade no cinema a partir da década de

1980, os avanços e conceitos do chamado hipercinema proporcionou uma melhor

abordagem com relação ao filme pesquisado, onde o mesmo se situa como uma

obra de grande sucesso de público, através de estratégias mercadológicas que

visam diretamente a obtenção do lucro em cima dessa indústria, a qual não está

diretamente ligada apenas à Disney, mas a todo o fenômeno que gera

consequências também na área de animação, avançando tecnologicamente os

recursos disponíveis na concretização de uma obra, seja ela 2D ou 3D. Tal

característica gera um intenso consumo de massa, onde a noção de gênero facilita a

criação industrial da arte cinematográfica. Citado como referência do filme, a

animação japonesa é um exemplo de como o processo de implementação de altas

tecnologias se desenvolve constantemente, seja através da concepção visual quanto

sonora, o que gera divisões em departamentos internos dentro de uma mesma obra

cinematográfica, cada um com sua função tecnologicamente específica.

No entanto, mesmo através da construção de "fórmulas", a instabilidade da

indústria ficou evidente no filme. Cada obra cinematográfica tem o seu caráter

individual, seu modo de consumo. Tal característica problematiza diretamente o

conceito de consumo massivo, já que propõe uma "falha" na ideia de que aquilo

visto deve se tornar universal, ultrapassando culturas e gerações, e gerando lucros

diretos e indiretos. Ao mesmo tempo em que a bilheteria do filme atingiu um intenso

retorno de capital, o conteúdo do filme aplicado diretamente nos produtos conexos

gera um aspecto que entusiasma através de jogos eletrônicos, por exemplo, levando

gostos e atitudes ao público consumidor do filme.

Além da concentração do trabalho na ideia de Lipovetsky, Mascarello cita

Justin Wyatt, outro pesquisador importante para problematizar a questão do

consumo, trazendo os conceitos ligados ao cinema hollywoodiano pós-clássico e do

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termo high concept, o qual dialoga diretamente com a ideia de Lipovetsky de um

cinema massivo e altamente tecnológico. Tal conceito aborda diretamente a

lucratividade através de alguns filmes, os quais são verdadeiras locomotivas

financeiras a cada ano, o chamado cinema mainstream. No caso do objeto

pesquisado, até hoje ele é referência em termos de lucratividade do estúdio, e foi

nessa perspectiva que a ideia de cinema mainstream / hipermoderno / high concept

se desenvolveu, além das próprias características apresentadas por David Borwell

na constituição do cinema clássico de Hollywood, através da claridade dos objetivos

do personagem e diálogos redundantes, além da própria causa/efeito presente.

Assim, foi possível analisar o objeto pesquisado, tendo em vista que a Disney, desde

deus primórdios como estúdio, sempre explorou o que havia de mais novo no

mercado em termos de tecnologia, seja a partir dos testes sonoros da década de

1930 e sua adoção de cores nos filmes, seja no desenvolvimento progressivo das

ferramentas de animação 3D. Dessa forma, colocou-se uma análise de diversos

aspectos desse cinema hipermoderno, levando o espectador ao consumo dos

produtos fílmicos de forma diferenciada a cada ano que passa, tal característica

consumista se manifesta nas diversas faixas-etárias, tendo como base o estímulo

dos sentidos de cada grupo, crianças e adultos, que se atraem pelas imagens e se

divertem da mesma maneira, a partir da união entre o novo e o velho.

Ao mesmo tempo em que se expôs o trabalho e refinamento da obra em

relação aos ganhos, abordou-se também as noções ligadas ao melodrama. Noções

essas trazidas por Peter Brooks (raízes históricas do melodrama), Linda Williams

(modo e gênero melodramático), Ben Singer (questões ligadas a imersão do

espectador) e Ismail Xavier (através do dispositivo transparente e efeito janela). Em

outras palavras, a partir das ideias desses autores, a complexificação do gênero

melodramático e suas abordagens ligadas a identificação do público, reafirma mais

características da obra analisada, focando, mais uma vez, da ligação entre

espectador e obra cinematográfica e a necessidade de uma identificação com aquilo

assistido, que possui raízes no melodrama teatral e que se adapta até os dias atuais

às altas tecnologias, gerando altos índices de bilheteria. A partir daí, abre-se um

diálogo entre a modernidade e o melodrama através da emoção do público.

A partir dos pesquisadores Vladimir Propp, Joseph Campbell e Christopher

Vogler como referência, houve um resgate das ideias desses autores a cerca de do

que seria uma narrativa "universal", que tem como ponto forte a identificação do

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público. Tal referência foi utilizada com o intuito de unir as bases de uma história e

os personagens que nela estão presentes, consequentemente tornando o filme mais

elaborado (do ponto de vista de geração de conflitos nos personagens e

desenvolvimento dos arquétipos).

Se por um lado há avanços tecnológicos que se desenvolvem em alta

velocidade nos meios, foi crucial a análise de um aspecto mais antigo, de séculos

antes, do gênero melodramático que ascendeu na França pós-revolução. Ao

observar como tal gênero se comporta e sua estrutura absorvida pelo cinema, vê-se

um grande detalhamento e esforço para a conquista do espectador, a partir dos

estímulos visuais e auditivos, seja por efeitos que estavam diante dos olhos dos

espectadores (antes executados diretamente através de dispositivos no palco, e hoje

através dos efeitos computacionais), ou de áudio, transportando quem assiste ao

espetáculo (teatral ou imagético) para dentro do universo contado. Percebe-se

assim, uma grande facilidade do gênero melodramático em se apropriar das altas

tecnologias em pró da conquista do espectador, característica essa que se torna

evidente no decorrer da história do cinema, tanto live-action quanto nas tecnologias

empregadas no cinema de animação, com uso intenso de cores e trilhas sonoras

bem trabalhadas. As características ligadas a moral e costumes são colocadas no

filme, outro aspecto que o coloca diretamente pertencente a uma estrutura que é

constante desde o teatro.

O objeto analisado, além de ter os aspetos melodramáticos e hipermodernos

presentes, o trabalho ligado ao desenvolvimento da fruição do espectador se

encontra evidente e condizente com o cinema clássico hollywoodiano. O uso dos

cortes, diversidade de planos e acompanhamento das imagens por uma trilha

incidental, cria um dispositivo transparente, cuja característica principal se constrói

em torno do espectador, gerando emoções e estímulos altamente controlados

através das ferramentas cinematográficas. O trabalho de direção, roteiro, direção de

arte, entre outros, se manifestou para a criação de uma obra que tem personagens

com objetivos específicos e os efeitos de causa/conseqüência trabalhados

constantemente. Unidas todas essas características, o foco no espectador é trazido

a tona, pois sua identificação é predominantemente importante para o sucesso da

obra, precisando ele ser envolvido na narrativa e, se possível, fazê-lo sofrer junto

com os personagens, estes em busca da concretização de sua jornada.

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Por fim, o trabalho da dublagem foi citado, já que o foco desse estudo está na

identificação do espectador com aquilo que presencia, sejam imagens ou sons. Tais

sons, quando bem trabalhados por atores/dubladores, com um intenso trabalho de

nacionalização e dinâmica das falas dos personagens, sugere-se uma maior ligação

entre quem assiste e a obra cinematográfica.

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Apêndice A – Ficha técnica dos dubladores e tradutores

Dubladores

Banzai – HÉRCULES FERNANDO

Mufasa – PAULO FLORES

Nala – ROBERTA MADRUGA

Nala Adulta – CARLA POMPÍLIO

Pumba – MAURO RAMOS

Rafiki – PIETRO MÁRIO

Sarabi – MARIA HELENA PADER

Shenzi – CARMEM SHEILA

Simba – PATRICK DE OLIVEIRA

Simba Adulto – GARCIA JUNIOR

Skar – JORGE RAMOS

Timão – PEDRO LOPES

Zazu – PÁDUA MOREIRA

Dubladores das canções

Banzai – HÉRCULES FERNANDO

Nala – NANNÁ TRIBUZZY

Nala Adulta – NANNÁ TRIBUZZY

Pumba – MAURO RAMOS

Sarabi – MARIA HELENA PADER

Shenzi – CARMEM SHEILA

Simba – BRUNO MIGUEL

Simba Adulto – GARCIA JUNIOR

Skar – JORGE RAMOS

Solista – KIKA TRISTÃO

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Timão – PEDRO LOPES

Zazu – PÁDUA MOREIRA

Equipe técnica de dublagem

Versão em Português – TELMO PERLE MÜNCH

Diálogos gravados – DELART ESTÚDIOS CINEMATOGRÁFICOS, Rio de Janeiro

Técnico responsável – CARLOS DE LA RIVA

Direção Musical – MARCELO COUTINHO

Gravação de canções – SOM LIVRE, Rio de Janeiro

Técnico de gravação – L. G. d’OREY

Edição especial para Dvd da canção “Relatório Matinal”

Cantada por GUSTAVO PEREIRA, PÁDUA MOREIRA, PAULO FLORES.

Direção musical – DOM FÉLIX FERRÀ

Adaptação – DOM FÉLIX FERRÀ

Estúdio – DELART

Diretor de criação – MANNY GARCIA JUNIOR