um outro pastoreio

208
DMART INDIO SAN UM OUTRO PASTOREIO

Upload: indio-san

Post on 06-Apr-2016

256 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Roteiro Rodrigo dMart | Ilustrações de Indio San Independente | (2010) 208 páginas | 16x23cm ISBN: 978-85-910952-0-9 "Um Outro Pastoreio" trata das jornadas de Iansã, a Deusa dos Ventos e das Tempestades, e de Simão, um velho peregrino. É um tempo desolador e uma horda de guerreiros invasores espalha terror e destruição. Assim, a deusa e o ancião precisam agir para garantir o futuro do Mundo dos Homens e dos Orixás. Para isso, Iansã e Simão recriam a lenda do Negrinho do Pastoreio, um escravo que tinha o dom de encontrar coisas perdidas.

TRANSCRIPT

Page 1: Um Outro Pastoreio

Um Outro Pastoreio trata de duas jornadas.

Iansã, a Deusa dos Ventos e das Tempestades, viaja ao Mundo dos Homens

para resgatar Ogum, o Senhor da Guerra e da Tecnologia. Simão,

um velho peregrino, parte em busca de sua fé na companhia de um menino.

Mas não será uma tarefa fáci l . É um tempo sombrio e desolador

no qual uma horda de guerreiros invasores espalha terror e destruição.

O futuro do Mundo dos Homens e dos Orixás depende do sucesso de Iansã

e Simão. Eles precisam recriar a lenda de um escravo que t inha

o dom de encontrar coisas perdidas, o Negrinho do Pastoreio.

“Começa a jornada do pensamento sensível. Entre espirais e labirintos,

o inesperado flui - acontecem lendas, clarões, sombras, luzes, sons, cores,

emoções. Poesia e reflexão se integram na fusão de palavras e formas.

Nada de estático e fixo – tudo é desencadear de movimentos e vibração.”

Renato Canin i e Mar ia de Lourdes Mart ins Canin i

RO

DR

IGO

DM

aR

T &

IN

DIO

Sa

N

D M a R T I N D I O S a N

U M O U T R O

PASTOREIO

UM

OU

TR

OPA

ST

OR

EIO

Page 2: Um Outro Pastoreio

Os autores ded icam esta obra ao esc r i to r João S imões Lopes Neto .

À todos os or ixás, em espec ia l , Ogum, Exu e Iansã .

Às nossas famí l ias e esposas, Yara e Tat i . dMart ded ica a seu f i lho , João .

Ind io aos seus i rmãos, Márc io e Grac ie l l e e pa is Edson e S i l v ia .

D E D I C A T Ó R I A :

Page 3: Um Outro Pastoreio

U M O U T R O

PASTOREIO

Page 4: Um Outro Pastoreio
Page 5: Um Outro Pastoreio

Rodr igo dMart e Ind io San imaginaram e ousaram. A rea l i zação

então aconteceu – es tá aqui . Os do is a r t is tas surpreendem.

E les in ic iam a h is tór ia desc revendo grande reunião de formigue i ros.

Começa a jo rnada do pensamento sens íve l .

No cenár io in ic ia l - “A lua br i lhava intensamente e dava la rgas

p ince ladas esbranquiçadas na p intura campest re” - e d iz a Ra inha

Anc iã das formigas – “F lu ímos no r i tmo natura l das es tações”.

Va i se de l ineando a leveza e a força .

A narração prossegue. E daí , entre espirais e labir intos, o inesperado

flui – acontecem lendas, clarões, sombras, luzes, sons, cores, emoções. . .

Poesia e reflexão se integram na fusão de palavras e formas –

“Já fui tantos e f iz de tudo. Fui professor, ator, pintor, poeta.

Fui orador nos púlpitos l ivres”. Nos meandros da imaginação,

uma Santa se foi – “impregnando a brisa da campina com o aroma

doce de pitangas” - e acontecem “noites de infinitos pastoreio”.

Figuras, ora leves, ora fortes e dramáticas, nos colocam no meio

de ambientes fantásticos, num arrebatamento vigoroso. Nada de estático

e fixo – tudo é desencadear de movimentos e vibração.

Na ete rna procura , ent re achados e perd idos, do is lutadores

ta lentosos vão segui r caminhos de sonhos que , ce r tamente ,

se rão rea l i zados na ousad ia do acred i ta r.

Pensando juntos:

Renato Canini , desenh i s ta e i lus t rador,

e Maria de Lourdes Mart ins Canini ,

p ro fessora de h i s tó r ia e de f i l osof ia .

A P R E S E N TA Ç Ã O

Page 6: Um Outro Pastoreio

Agência Incomum Agus Comas A la in Blatché A lessando Jacoby A lex

Schaun A lexandre “Coelho” A lexandre Boide A lexandre Lea l Marques

A lexandre Leboutte da Fonseca A lexandre T imm Vie i ra A l ice de Menezes

Toscani A lvaro de Carva lho Neto Amadeu Car ingi Ana Paula Carva lho

Anãozinho Baiano anderson b. André Surkamp

Andréa Machado A lano Borges Antônio Augusto Bueno

Antonio Augusto Tams Gasper in Antonio Rosa Augusto Hauber

Gameiro Be l Mere l Bovimed Saúde Animal Ca io Carva lhaes

Car l inhos Carneiro Car lo Giovani Car los de los Santos

Car los Otero F i lho Caro l ina Bolzan Abreu Cec í l ia de Lima

Machado Chr is t ian Jung C lara Dias C laudia Souza S i lva

C le ide Regina Bel tani Correa Consultór io Dentár io Borsatto Danie l

“Cuca” Moreira Danie l Conceição Danie l de Souza Br i tez Pontes Miguel

Danie l Moreira I r igoyen Danie l S i lve i ra Davi e Lucas Barros Shibata

Dimitre L ima Domíc io Gr i l lo Duda Cambeses Edi tora Ébl is Edson

Nazar i Eduardo P. Peres Nogueira Eduardo Soncini Eduardo Valente

Eduardo Vare la Ér ico Assis Ernesto Nolte Ester Waine Nogueira

Estudio Cores Fabrício Velasco familia Amaral Felipe Mello Fernanda

Yamamoto Fernando Marson Fernando Stoduto Ferret Advogados Associados

Gabr ie l de Ávi la Othero Gabr ie l Luiz Maia Nasc imento Gaby Benedyct

/ TV Azul Gigante & Simch Engenhar ia Grac ie l le Tamiosso Nazar i

Gre ice Costa Guido Cipol lone Gui lherme Dable Gus Bozzett i

E D I T O R E S / A Ç Ã O E N T R E A M I G O S :

Formigas em ação. Movimentação. Uma ideia que move. Comove. Emoção.

Como grãos de areia. Reação em cadeia. Cada formiga é um elo. E este livro foi pro prelo.

Nada de miragem. Criam vida personagens. Um velho vagabundo agora está no mundo.

Um horizonte aberto. A esperança em um futuro incerto vence as incertezas do passado.

Para cada aventureiro, o desejo de um desejo atendido e um sincero muito obrigado.

Page 7: Um Outro Pastoreio

Gustavo de Oliveira Fernandes Gustavo Peres Heitor Yida Helena Kempf

Huan Gomes Ivone Amilíbia Nazari Jaime Cassiano Tams Gasperin Jarbas

Mal la Mel lo João Baldoino Costa Ol ive i ra João Car los Machado João

Marcos “Negr inho” Mart ins João Pedro Molz Corrêa Joaquim Mel lo S i lve i ra

Joarez Soares e Débora Candor Joca Mart ins Ju l ian Beus Borto luzz i

Ju l iana Spanevel lo Ju l iana Vidiga l Jum Nakao Laske Design Gráf ico

Leo Fe l ipe L iana Chiapinotto L i l ia Nolte Mart ins L is K lever

Gasper in Locomotiva F i lmes loo_c iano s IcK Lore la i Teresinha

Costa Otero Lorenzo Ricardo Marchior i Bento Luc , Helena e KV73

Luciano Al fonso Lucio Regner Luiz Car los Bi lharva Mart ins

Luiz Dias Lurdes Lourenzini Pedó Marce lo Baumgarten e Matheus

Baumgarten Marce lo Fruet Mar ia Cabra l Mar iana Barboza

Már io Se ixas Mateus Acio l i Maur ic io Lemos S i lve i ra Mayumi Kiyama

Mir iam Blaschke Moreno Joaquim Giul iani Moret i Nara E l isa de Wel les

Cardoso Newton Si lva Nik Neves O S i lva Pat Lobo Patr íc ia

F lesch Patr ick Petry Paulo Roberto Pierry Pedro Hamburguer Pedro

Macie l Bueno Pedro Te l les Rafae l Baungarten e famí l ia Rafae l Ol ive i ra

Raul Krebs Renata Steffen Renata Stoduto R icardo Cruz R ichard

Kovacs Robson Cio la Rodr igo Bozano Rodr igo I ruzun Osór io Rodr igo

Ort iz Vinholo Rodr igo Recart Rodr igo Rheinheimer Rodr igo S i lve i ra

Sandra Porc iúncula Santa Transmedia Product ions Saulo Ol ive i ra Cemin

Se l l ing - Out l ier Thinking S i lv ia E l isa Tamiosso Nazar i S imone Fe l tes

Steve ePonto Tânia A. Villalobos Tatiani Pedó Tim Perissé Tom Dreyffus

Va ld ir Antunes Camara Vera Vergo Victor Wortmann Vi tor Hugo Dal la

Rosa F i lho Widex Apare lhos Audit ivos Wi lmar Morar i Yara Baungarten

Yara Lourdes Baungarten Bueno zzz! LEO tuf i

Page 8: Um Outro Pastoreio
Page 9: Um Outro Pastoreio

9

Em uma tarde c la r i luzente de outono, do is meninos br incam

de esc rever /desenhar no chão da ca lçada . Uma t r i lha de formigas

ata refadas c ruza ao la rgo da dupla .

- Você promet eu que me contaria – fa la um de les em tom desaf iador.

- Acho melhor não – responde o out ro . – Talvez l eve uma v ida toda .

- N ão importa ! Você promet eu . . . Cont e !

- N ão conto . . . – re t ruca o out ro . – Re conto .

Page 10: Um Outro Pastoreio

T E X T O S RODRIGO DMART

A R T E SINDIO SAN

U M O U T R O

PASTOREIO

Page 11: Um Outro Pastoreio

11

Page 12: Um Outro Pastoreio
Page 13: Um Outro Pastoreio

Certa fe i ta , a Grande Famí l ia das Formigas se reuniu .

{ AS FORMIGAS FALANTES } C a p í t u l o 1

Page 14: Um Outro Pastoreio

14

Mi lhares de ra inhas chegaram com seus séqui tos de operár ias

e machos ao sopé da pr imei ra montanha . A lua br i lhava intensamente

e dava la rgas p ince ladas esbranquiçadas na p intura campest re .

O fulgor sina l izava a t régua. Logo, não haver ia d isputas

de te r r i tó r io ou br igas de qua lquer ordem. A megaco lôn ia t raba lhava

com af inco . Umas formigas prov idenc iavam o a l imento - se iva ,

fungos, néctar e carne . A lgumas t ra tavam das demandas. Outras

e ram encar regadas da const rução . E ta l e ra a organização que ,

em pouquíss imo tempo, o Formigue i ro es tava pronto .

E que be la obra cr iaram! Repleta de ga ler ias, túneis, passagens, n inhos e cômodos.

Sem tardança , a co lôn ia se agrupou na nave pr inc ipa l , a Ra inha

Anc iã sub iu na t r ibuna e proc lamou:

- Somos o sexo da terra. Somos a boca de onde nasceu o verbo.

Estamos aqui desde os primórdios.

Em seguida , a Segunda Ra inha Mais Ant iga tomou a pa lavra :

- Somos incansáve is tece lãs da v ida . Most ramos ao b icho-homem

o r io e e le aprendeu a usar a água para beber e banhar-se .

Depois, a Terce i ra Ra inha cont inuou: - Somos prev identes.

D ia logamos com a carênc ia e a abundânc ia . F lu ímos no r i tmo

natura l das es tações.

- Somos o nascedouro da agricultura. Contamos ao bicho-homem

o que plantar, quando colher e o avisamos da necessidade de reservar

sementes para o próximo plantio.

Page 15: Um Outro Pastoreio

15

Outra rainha emendou: - Somos o esplendor dos solos e a praga dos jardins.

A reunião prosseguiu madrugada adentro .

As formigas dec lamaram seus v íc ios e v i r tudes.

- Somos labor iosas. Ens inamos ao b icho-homem a moer o t r igo ,

fazer a fa r inha , acender o fogo e coz inhar o pão nas c inzas.

- Somos dominadoras.

- Somos rede .

- Somos bata lhadoras.

- Somos te lepat ia .

- Somos a l imento .

- Somos honestas.

- Somos v ingat ivas.

- Somos energ ia .

E as formigas fa la ram, fa la ram, fa la ram. . . Ve lhas, novas, g randes,

pequenas, de lgadas, corpulentas, ve rmelhas, amare las, p retas,

caçadoras, cor tade i ras, ra inhas, operár ias, machos. . .

Todas fa laram.

No amanhecer, e las se d ispersaram pe los p lanetas e

uma segunda montanha tomou lugar na paisagem.

Page 16: Um Outro Pastoreio

{ EM UM FUTURO NãO TãO DISTANTE... }

C a p í t u l o 2

Page 17: Um Outro Pastoreio

17

Um ve lho avançava lentamente

p isando o orva lho de uma noi te desencantada .

Page 18: Um Outro Pastoreio

18

SÃO

TEMPOS

FÚNEBRES.

Page 19: Um Outro Pastoreio

Ele t raz ia às costas uma sur rada mala de garupa .

Sent ia-se só , vaz io e desamparado.

Enquanto andava , e le mi rava de re lance para o Céu na expectat iva

de encontra r a lguma est re la .

Mas nada . Puro breu.

Ele t inha saudade da ga lhard ia , do papo f rouxo madrugada afora ,

do br i lho de um o lhar apa ixonado, da Mús ica dos pássaros

no amanhecer, da Magia dos vaga- lumes em sua dança not ívaga ,

das vár ias faces do Dia .

O ve lho t inha espec ia l apreço pe la ca lmar ia noturna , mas es ta

e ra uma época mui to s i l enc iosa na qua l as pessoas temiam

a própr ia sombra , sussur ravam pa lavras vaz ias pe los cantos

das casas, mant inham as jane las fechadas e os cande labros apagados.

E le dec id iu descansar próx imo a um pé de umbu que res is t ia so l i tá r io

em meio ao descampado. Largou o saco no chão .

T i rou um c igar ro de pa lha que t raz ia no bo lso da camisa .

Acendeu o c igar ro e t ragou fundo.

O ve lho so l tou a fumaça aos poucos aprec iando sua coreograf ia .

Deu out ra t ragada e engasgou-se .

Page 20: Um Outro Pastoreio

CigARRO

MAligNO!

VoCê é miNhA

úNiCA CompANhiA

NesTA ViAgem

e pAReCe que TAmbém

queR me mATAR.

Cof! Cof!

Não bAsTAm o Tempo,

A fOME

e A esCuRidão...

COf!

Page 21: Um Outro Pastoreio

21

A ESCURIDÃO

CORROMPEU

A MINHA MEMÓRIA

E O MEU VIÇO...

ESTOU

PERDIDO.

O velho jogou longe o c igarro .

Olhou para o umbu e d is se com desa lento:

- Minha I rmã Árvore , você é o para- ra ios deste lugar.

Prec iso de um s ina l . A lgo que me ind ique um caminho.

Esperou. Esperou. Esperou. E nada . Ent r is teceu-se .

- Será que não t rago mais emoção em meu pe i to?

Mas o Vento não soprou respostas.

A ESCURIDÃO...

Page 22: Um Outro Pastoreio

22

IRMÃ ÁRVORE?

VOCÊ ME ESCUTOU?!

O senhor

costuma

falar soz

inho?

É O SINAL!!!

Sim, caro ancião.

Você acha que sou surdo?

O senhor fez tanto

barulho que mesmo

do outro lado do mundo

eu poderia escutá-lo.

QUEM É VOCÊ

QUE ZOMBA DE MIM?

APAREÇA!

Page 23: Um Outro Pastoreio

Como VoCê pode

eNgANAR um idoso?

MENiNO

SAfAdO!

Não pude resistir. Afinal, não é toda hora que se pode brincar.

E O SENhOr quEm é?

Desculpe, meu senhor.

Não se exalte.

Sou só um menino.

Você me acordou.

Page 24: Um Outro Pastoreio

VoCê pode me ChAmAR

simplesmeNTe de

SiMÃO.

mAs em um golpe de mÁ soRTe,

peRdi miNhAs posses.

ToRNei-me um João NiNguém.

um miseRÁVel dAs RuAs.

os ANTigos “Amigos”

se AfAsTARAm.

TORNEi-ME

UM PEREgRiNO. ApReNdi o

que é seR

iNVisíVel.

QUEM SOU EU?

fui oRAdoR

Nos púlpiTos liVRes

em um Tempo

em que As CRiANçAs

bRiNCAVAm despReoCupAdAs

pelAs pRAçAs.

JÁ fui TANTos e fiz de Tudo. fui pRofessoR,

AToR, piNToR e poeTA.

Prazer,

Seu Simão.

O senhor pod

e

me chamar de

menino.

TiVe sobReNome, esTiRpe.

fui ligAdo A umA fidAlguiA.

Page 25: Um Outro Pastoreio

25

ESTA HISTÓRIA FALA DE UM MENINO PARECIDO COM VOCÊ!

Tomou fô lego e concent rou-se em

esmaecer o desân imo.

S imão sent iu a canse i ra pesar- lhe no corpo .

E le abr iu uma mala de garupa e de lá t i rou uma ve la branca .

S imão puxou pa lavras e sons de dent ro da bar r iga .

E cantou.

Prazer,

Seu Simão.

O senhor pod

e

me chamar de

Menino.

HÁ MUITO TEMPO, TAMBÉM FUI MÚSICO E BARDO.

TRAGO NO REPERTÓRIO UMA HISTÓRIA ANTIGA QUE CRUZOU GERAÇÕES

E FRONTEIRAS.

Page 26: Um Outro Pastoreio

26

C a p í t u l o 3

{ A CANÇÃO DE SIMÃO: ELAS, HORDA & FUGA }

PA R A CA N TA R S UAV E C Â N T I C O

D E C R E N Ç A S E Q U E R E L A S

PA R A C O N TA R

S O U R O M Â N T I C OCA PA E E S PA DA

H E R Ó I E D O N Z E L A

M A S N E M T U D O É S Ó P U R E Z A

C O I SA S I M P L E S E S I N G E L A

N Ã O L E V E C O M O O F E N SA

S E E S TA H I S T Ó R I A N Ã O FO R T Ã O B E L A

Page 27: Um Outro Pastoreio

27

Page 28: Um Outro Pastoreio

MENiNO! elAs são

Tão pequeNiNAs e moVem moNTANhAs.

umA A umA. que foRçA TAmANhA!

Page 29: Um Outro Pastoreio

29

E L A S Q U E M S Ã O E L A S ?

A R DA T E R R A F E R T I L I DA D E D O S O L O

N O C O M PA S S O D E U M A E R A

E L A S Q U E M S Ã O E L A S ?

M I Ú DA S , P E Q U E N I N A S B I L H Õ E S E M C O N V Í V I O

N O S E U C I C L O N O S E U T E M P O

Page 30: Um Outro Pastoreio

30

U M D I A T U D O M U D O U

A H O R DA C H E G O U

FO G O , P Ó LV O R A E F E R R O

M Á Q U I N A S D E G U E R R A CA L A N D O Q U E M FA L A A O S B E R R O S

A H O R DA C H E G O U C O M O B R A D O S E M B R A N D U R A

T I S N A N D O A T E R R A D E SA N G U E

Com os o lhos esbuga lhados, o ve lho se encurvou

e , no ouv ido do Menino , e le sé r io segredou:

Page 31: Um Outro Pastoreio
Page 32: Um Outro Pastoreio
Page 33: Um Outro Pastoreio

- Todo mundo foge um dia .

Ex i lados, re fug iados, amantes, aventure i ros.

Mui tos vagam por a í . E não se r ia d i fe rente nesta h is tór ia -

fa lou S imão ao rapaz . A Horda não faz ia amigos. T inha um

enorme ta lento em cr ia r a l iados para depois cor rompê- los.

- A Horda t rouxe a pest i l ênc ia e um insac iáve l apet i te

para a dest ru ição . Não hav ia como escapar.

Você me entende? Todos fugiram.

O Menino aguardava ca lado o revoar de S imão.

- Todos fug i ram.

- E com o menino desta h is tór ia não se r ia d i fe rente .

O Negr inho também escapou ve lozmente montado em seu cava lo baio .

- Quem é e le? - indagou- lhe o Menino .

- E o que aconteceu?

Simão acendeu outra ve la e o Canto se fez Trovão.

Page 34: Um Outro Pastoreio

34

C a p í t u l o 4

{ NEGRINHO POR CERTO SERIA }

A F I L H A D O D O R A I ON U N CA R E F É M

A F I L H A D O DA SA N TAD O S Q U E N A DA T E M

A L M A D E F I B R AV I B R A N O V E N TO

B E N TO N A T E R R ADA T E R R A , R E B E N TO

N I N G U É M SA B I A S E U N O M EN E G R I N H O P O R C E R TO S E R I A

E S C R AV O D E U M A H I S T Ó R I AQ U E N I N G U É M P R A S I Q U E R I A

Page 35: Um Outro Pastoreio

35

Page 36: Um Outro Pastoreio
Page 37: Um Outro Pastoreio

- Quanta desolação se abateu na região. Monstros terríveis

e impiedosos destruíam tudo que encontravam pela frente.

Assustados, o Negrinho e o cavalo fugiam a esmo,

certos de que precisavam ir rapidamente o mais distante possível dali.

O Ba io ga lopava robusto . Os do is devoravam lon juras. . .

Mas quis o dest ino que e les cruzassem por uma campina tomada por formigueiros.

- E o que aconteceu com e les?

Que monst ros são es tes? - d isparou o gur i .

- ZÁS! - profe r iu teat ra lmente o ve lho .

- Ra ios fu lgurantes e levaram-se de um formigue i ro .

O chão t remeu. E tão logo a nuvem de poe i ra se d is s ipou,

e les enxergaram a ent idade. - Respe i tosamente , os do is se inc l inaram saudando sua presença .

Page 38: Um Outro Pastoreio

38

- Morbidamente linda, com uma voz profunda e rouca, ela entoou:

- Por que foges tu , se aqui é teu lugar?

- E ta l como surg iu , a ent idade se fo i , impregnando a br isa

da campina com um aroma doce de p i tangas.

- Mas por quê? - perguntou ind ignado o Menino .

- Se hav ia um in imigo a combater e todos fug i ram,

por que logo o Negr inho dever ia f i ca r?

- Há tramas das quais não se pode escapar - exp l i cou

S imão. - Hav ia uma h is tór ia a se r esc r i ta . De um je i to ou de out ro ,

o Negr inho e o Ba io passar iam por essa provação . A lguns chamam

de Dest ino . Eu pref i ro nomear de Compos ição , L i ra , Jogo, Amarração .

E um que cre ia é o suf ic iente .

- E o Negr inho, o que fez? - indagou o Menino .

- Aca lme-se! - fa lou S imão.

- Antes prec iso contar- lhe sobre uma curandeira que v iv ia no inter ior da f loresta .

Page 39: Um Outro Pastoreio
Page 40: Um Outro Pastoreio

mas o que a

Curandeira tem

a ver com o

Negrinho?

Page 41: Um Outro Pastoreio

41

O Vento soprou um che i ro ru im.

A pa isagem abraçou o mormaço.

As chamas das ve las t rep idaram pe lo caminho.

RÁ!

TENHA UM POUCO DE

PACIÊNCIA, RAPAZ!

É MELHOR

APRESSARMOS

O PASSO.

Page 42: Um Outro Pastoreio

Na encruz i lhada dos tempos e dos mundos,

Exu, o Mensageiro dos Or ixás, estava aborrec ido.

Não entendia porque um mensage i ro - tão qua l i f i cado como e le -

t inha que manter a guarda naque le lugar tão e rmo,

tão d is tante de . . . qua lquer lugar ! E le não se conformava .

Ah . . . Exu andava louco por uma traquinagem!

Muitas vezes, pensou em abandonar o posto.

A encruzilhada padecia silenciosa. Era calmaria demais para um festeiro.

O aborrec imento v irou tédio .

Exu apoiou-se em seu Ogó e parou para contemplar o espaço .

Nada de inte ressante acontec ia . E o téd io chamou a preguiça .

Exu, o Mensageiro dos Or ixás, dormiu em pé .

Ele sonhou com uma mesa farta: um verdadeiro banquete dos deuses!

Aguardente , ce rve ja , v inho, u í sque . . . F rango assado, fa rofa , fe i jão ,

inhame, mocotó . . . Guloso como só, Exu se esbaldava em uma refeição

deliciosa e sem fim.

- Isso sim é que chamo de manjar! - Exu gritava extasiado em seu sonho.

C a p í t u l o 5

{ NOTÍCIAS DE UMA GUERRA NO FIRMAMENTO }

Page 43: Um Outro Pastoreio

43

Page 44: Um Outro Pastoreio
Page 45: Um Outro Pastoreio

iSSO SiM

É QUE ChAMO

dE vigiA!

o que ouTRos oRixÁs Vão peNsAR

quANdo soubeRem que o “RespoNsÁVel”

meNsAgeiRo doRmiu NA VigíliA?

Page 46: Um Outro Pastoreio

sou eu

quem pRegA As peçAs!

Como VoCê ousA

se iNTRomeTeR

em meu soNho?!

Exu acordou assustado. O lhou para os lados e não v iu n inguém.

Exu acordou assustado. Então , v iu a formiga .

NÃO POSSO

ACREdiTAR!

Page 47: Um Outro Pastoreio

47

SÓ SE VOCÊ NÃO

QUISER SABER A

GRANDE NOTÍCIA.

O QUE VOCÊ QUER DIZER?

HÁ UMA

GRANDE GUERRA EM CURSO NO FIRMAMENTO

E NENHUMA DEIDADE

ESTÁ A SALVO.

VOCÊ NÃO ME ESCAPA,

FORMIGA DANADA!

VAI MORRER

ESMAGADA!PREPARA-TE PARA

ENCONTRAR ICU.

Page 48: Um Outro Pastoreio

48

Exu percebeu s incer idade na conversa da formiga . Ped iu descu lpas

e escutou com atenção a not íc ia . Sent iu medo, po is a h is tór ia ,

rea lmente , faz ia sent ido . E le agradeceu a formiga com um pedaço

de açúcar e re f le t iu sobre o assunto . A s i tuação e ra sé r ia .

Ele , como Mensageiro , dever ia avisar o panteão dos or ixás com máxima urgência .

Subi tamente , uma ide ia matre i ra a r rodeou a imaginação de Exu.

E le saboreou o p lano com uma r isada mal ic iosa .

Page 49: Um Outro Pastoreio

49

Page 50: Um Outro Pastoreio

50

- Ela habitava uma cabana de madeira coberta com santa-fé,

em uma pequena clareira que se abria no centro da vegetação densa.

Asnay era acompanhada por muitos bichos domésticos: duas cabras,

um cachorro medroso, uma gata malandra, alguns garnisés, gansos

e um casal de corujas, responsável pela vigilância do sítio.

- Os aldeões a procuravam para toda sorte de serviço: fazer parto,

“pra trazê marido”, “enricá”, “pra curá criança desenganada”;

chegavam também febris e feridos; outros queriam saber do futuro.

- Alguns a chamavam de mãezinha, senhora, protetora, conselheira, enviada

das deusas, maestrina. Por outro lado, havia aqueles que a acusavam

de bruxa má, feiticeira, herege, louca, sacripanta. E até mesmo, veja só,

de encarnação do demônio.

- Mas ela pouco se importava, desde que a deixassem em paz.

C a p í t u l o 6

{ A CURANDEIRA }

NO CORAÇÃO DA

FLORESTA VIVIA UMA

CURANDEIRA. CHAMAVA-SE

ASNAY.

Page 51: Um Outro Pastoreio

O NEGRINHO ESTAVA PERDIDO, ESFOMEADO E COM FRIO.

NUMA COLHEITA DE ERVAS,ASNAY DEPAROU-SE COM UM CERTO CONHECIDO NOSSO.

E o cavalo?

EHEHEH OH, ME DESCULPE, EU SOU MESMO UM VELHO DOIDO.

O BAIO E O NEGRINHOAINDA NÃO HAVIAM SE CONHECIDO.

Page 52: Um Outro Pastoreio

52

- Mas de ixe-me cont inuar - d is se S imão.

- Asnay compadeceu-se do mulat inho, t i rou seu xa le ,

achegou-se car inhosamente , cobr iu o rapaz e o aco lheu

em sua cabana com um prato quente de sopa de legumes.

Assim, a curandeira e o Negrinho se conheceram.

- O rapazote se most rou muito út i l porque a judava Asnay a encontrar coisas . Agulhas de costura , ócu los e temperos.

-”Você a inda te rá que me exp l i ca r como faz is so” , int r igava-se

a curande i ra - “Você pode me a judar a encontra r uma ca ixa?”

-O visi tante trouxera um novo fô lego ao s í t io . Asnay percebeu as mudanças e fe l i c i tou-se .

Sor rate i ramente , o ve lho observou sua p late ia .

-“Nada mal” – pensou. – “Um menino para ouv i r minha od isse ia”.

PA R A CA DA B O A L E M B R A N Ç A , E S P E R A N Ç A T R A G O N A L U Z .

Page 53: Um Outro Pastoreio
Page 54: Um Outro Pastoreio

54

{ “MAU AGOURO” }C a p í t u l o 7

- Madrugada alta, um jovem casal chegou sem aviso esquivando-se das corujas.

- “Mau agouro” , resmungou Asnay levantando-se da cama.

- Ao abrir a porta da cabana, ela notou que a moça segurava o ventre,

gemia e sangrava. O Negrinho também veio espiar o que acontecia.

- A jovem estava debi l i tada . A curande i ra abraçou a moça e a de i tou cu idadosamente na cama.

Enquanto Asnay e o Negrinho cor r iam de um lado para o out ro ,

pegando a bac ia , os panos l impos, a tesoura e os demais apetrechos.

O rapaz, exaltado, contava a trágica história do casal.

- V ivemos um romance pro ib ido pe las nossas famí l ias - contou.

- Quando ela ficou grávida, usamos de todos os artifícios para esconder

o fato de todos. Mas a madrasta de la descobr iu e e la fo i expulsa

de casa . Fomos desgraçados pe la comunidade . Acabamos morando

num casebre abandonado na per i fe r ia da a lde ia .

- No in íc io desta no i te , e la começou a te r cont rações.

- Tentamos fazer o parto mas ela começou a sangrar muito.

- Ouvimos falar dos seus serviços.

-Você ag iu e r rado! - fa lou bruscamente Asnay.

Page 55: Um Outro Pastoreio

A BOLSA

ESTOUROU!

POR FAVOR,

NOS AJUDE!

POR FAVOR,

NOS AJUDE!

RÁPIDO!

NEGRINHO,

COLOQUE

ÁGUA PARA

ESQUENTAR!

Page 56: Um Outro Pastoreio

O BEBÊ TAMBÉM NÃO

RESISTIU.SE TIVESSEM VINDO ANTES... SINTO MUITO.

BRUXA! VOCÊ OS MATOU!

SALAMANQUEIRA!

MANDINGUEIRA!

BRUXA!

Próx imo do amanhecer, a curande i ra sa iu da cabana .

NÃO CONSEGUI

SALVÁ-LA. ELA ESTAVA DEBILITADA.

E o jovem embrenhou-se na mata .

Os b ichos es tavam quietos. Como se todos a l i ze lassem pe lo bom andamento das co isas.

Fora da cabana , a madrugada prosseguiu s i l enc iosa .

Page 57: Um Outro Pastoreio

VOCÊ DEVE PARTIR,

QUERIDO COMPANHEIRO.

NÃO SE PREOCUPE COMIGO. EU SEI LIDAR COM ESTE

TIPO DE GENTE.

PEGUE ESTES TORRÕES DE AÇUCAR.

VOCÊ IRÁ CONHECER UM VELHO AMIGO.

DEPOIS DE SAIR DA FLORESTA, VOCÊ CHEGARÁ A UMA COXILHA.

ENCONTRARÁ UMA MAGNÍFICA TROPA DE CAVALOS.

ENTRE ELES, HÁ UM ANIMAL ESPECIAL,

VOCÊ SABERÁ QUAL.

EU SABIA QUE ERA

MAU AGOURO.

CAVALGUE PARA LONGE DAQUI, MEU AMIGO.

ELE VOLTARÁE NÃO VIRÁ SOZINHO.

SIGA ADIANTE E ÑÃO VOLTE

JAMAIS!

O Negr inho pegou sua t rouxa de roupas, os tor rões e par t iu . O d ia c la reava .

O Negr inho a judou a curande i ra a enter ra r os corpos da moça e do bebê e a so l ta r os an imais. Depois e les se abraçaram te rnamente .

Page 58: Um Outro Pastoreio

58

E o que ocorreu

com Asnay?

Ela se salvou?

RÁ!VOCÊ É MESMO

IMPACIENTE, MENINO.

O RAPAZ BATEU NA CASA DOS PAIS DA MOÇA.

AOS PRANTOS, ELE DESTILOU UMA HISTÓRIA VENENOSA CONTRA A CURANDEIRA.

Page 59: Um Outro Pastoreio

59

NA ALDEIA, A NOTÍCIA

ESPALHOU-SE COMO FOGO EM PALHA SECA.

LOGO, FORMOU-SE UMA MILÍCIA.

OS ALDEÕES ENTRARAM NA MATA POSSUÍDOS

POR UMA DOENTE SELVAGERIA

E ARMADOS COM FACÕES,

GADANHAS E TOCHAS,

ASNAY DESAPARECERA

MISTERIOSAMENTE.

MAS QUANDO

CHEGARAM À CLAREIRA,

NADA ENCONTRARAM.

Page 60: Um Outro Pastoreio

- OS ALDEÕES depredaram e incendiaram o s í t io .

O sumiço de Asnay aumentou-lhe a fama de feiticeira.Os aldeões chamaram o lugar de amaldiçoado e inventaram histórias horríveis para que as crianças não fossem bisbilhotar por lá.

Page 61: Um Outro Pastoreio

- Cur iosamente a lguns a ldeões ju ra ram te r v is to um est ranho búfa lo cor rendo pe las redondezas.

Page 62: Um Outro Pastoreio

Ao AmANheCeR, ele CRuzou um CApão de

mATo e eNCoNTRou A TRopA.

AlegRou-se.

fOi fáCil idENTifiCAR

O bAiO.A pelAgem douRAdA ReluziA ilumiNAdA

pelos pRimeiRos RAios dA mANhã.

do Topo dA CoxilhA,

o NegRiNho obseRVou

umA fumAçA espessA

No meio dA floResTA.

peNsou em ReToRNAR, mAs lembRou-se

dA ReComeNdAção de AsNAY:

“SigA AdiANTE E NÃO

vOlTE jAMAiS”.

e ApeRTou o pAsso.

o NegRiNho ApRoximou-se Com um ANdAR mACio.

mosTRou os ToRRões de AçúCAR pARA o bAio.

O ANiMAl dElEiTOU-SE.

Page 63: Um Outro Pastoreio

63

A PELAGEM DOURADA RELUZIA ILUMINADA

PELOS PRIMEIROS RAIOS DA MANHÃ.

E OS DOIS

PARTIRAM

ROMPENDO

COXILHAS.

O NEGRINHO E O BAIO TORNARAM-SE PARCEIROS

INSEPARÁVEIS.

COMO ERAM DE BOM TRATO, SEMPRE TINHAM SERVIÇO AQUI E

ACOLÁ.

MAS ISSO... Antes

da Horda chegar?

ISSO MESMO! VOCÊ É UM ESPECTADOR

ATENTO, MENINO.

Page 64: Um Outro Pastoreio
Page 65: Um Outro Pastoreio

65

C a p í t u l o 8

{ QUANDO SOAM AS TROMBETAS }

Entardec ia na Aldeia dos Or ixás.

A c idade se espa lhava na p lan íc ie da c rate ra .

Era at ravessada t ransversa lmente por uma magní f i ca esp lanada

pav imentada com pedras i r regula res e ladeada por doze grandes

totens d ispostos s imet r i camente , se is ao norte e se is ao su l .

Um décimo terceiro totem de luz emergia do ponto central da esplanada

em direção ao espaço. Era o fogo primordial de Olorum.

O fogo demarcava o ponto de reunião dos habitantes

e al i nada podia se construir. As outras edif icações - obel iscos,

colunas, monumentos e cabanas - erguiam-se em direção às f lorestas,

charnecas, praias e morros ao redor.

Page 66: Um Outro Pastoreio

66

Ogum, o Senhor do Fogo e da Tecnolog ia , t raba lhava em sua of ic ina

quando escutou o pr imei ro toque da t rombeta .

E le at i çava v igorosamente a for ja , const ru ída no cent ro da peça .

O carvão incandesc ia espa lhando fumaça e ca lor. Enxugou a tes ta

e com uma tenaz t i rou cu idadosamente a bar ra de aço da for ja .

Ogum marte lou o meta l a inda rubro na b igorna .

Então, a t rombeta soou pe la segunda vez .Ogum se d i r ig iu à jane la para ver o que acontec ia . A of ic ina de Ogum, escu lp ida em uma enorme pedra lunar, f i cava no a l to de um morro s i tuado ao norte da a lde ia .

Ogum percebeu uma movimentação es t ranha no cent ro da esp lanada .

E o terce i ro toque ecoou.

Page 67: Um Outro Pastoreio

67

Dezenas de or ixás ag lomeravam-se próx imos ao totem de luz .

E le observou que já es tavam por a l i Xangô, o Dono do Trovão ,

Iansã , a Senhora dos Ventos e dos Ra ios, e Oxumarê , Deus do

Movimento .

Enquanto apeava do cava lo , escutou uma voz conhec ida

que entoava uma cant i l ena em meio à mul t idão .

E le la rgou rap idamente seus apet rechos e cor reu até a coche i ra .

Montou em seu cava lo branco e voou.

Page 68: Um Outro Pastoreio

68

Page 69: Um Outro Pastoreio
Page 70: Um Outro Pastoreio

70

Exu estava em transe e banhado em sangue.

Cantava e dançava encurvado arrastando os pés na pedra.

Outros orixás se aproximavam do entrevero. Exu calou-se e abriu os olhos.

Ogum notou que e le segurava a lgo contra o pei to .

- Trago severas not íc ias para o panteão dos Or ixás - d is se Exu.

A mul t idão s i l enc iou-se .

- Ocorre uma grave Guerra no Firmamento - fa lou Exu.

- Três Templos se enfrentam em um combate sem precedentes.

- Voraz . Conf l i to voraz . Um vórt ice de destruição arrasa povos,

p lanetas e crenças.

Lentamente , Exu desc ruzou os braços e most rou um embru lho

ensanguentado. Depos i tou o pano no chão e de le re t i rou as v í sce ras

de um animal . Exu jogou-as em uma p i ra . Uma fumaça espessa

e rgueu-se em esp i ra l contorcendo-se como uma serpente .

Formou-se um ane l luminoso onde , pouco a pouco,

os or ixás enxergaram a imagem de um r io .

C a p í t u l o 9

{ EXU SEMEIA A CIZÂNIA }

Page 71: Um Outro Pastoreio

71

VEJAM POR SI MESMOS!

Page 72: Um Outro Pastoreio

72

AS TROMBETAS

NÃO PODEM

TOCAR POR

LEVIANDADE! É VERDADE.

- Na encruzi lhada, eu v i quatro desgraças! - bradou Exu.

- A pr imeira v i t imou os peixes. R ios, lagos e mares cobr i ram-se de pe ixes mortos.

- A segunda ca lamidade af l ig iu as aves. As garças es t rebucharam e es tenderam um mor ibundo manto branco por praias e mananc ia is .

- A terce i ra praga abateu-se sobre a safra . Vastas p lantações de mi lho arderam em chamas.

- A quarta ca lamidade di lacerou o gado. Rebanhos tombaram putrefatos empestando os campos.

Então , Exu aquietou-se e as suas faces se renaram. Sa í ra do t ranse .

- Mas o que é este c i rco!?!? - ind ignou-se Ogum. - Is so é ce r tamente mais uma de suas to las br incade i ras.

- É melhor você se explicar melhor, Exu! - disse severamente Iansã.

MINHA FAMA ME PRECEDE. MAS NÃO CONSIDERO

IMPRUDÊNCIA TRAZER

UMA MENSAGEM TÃO

IMPORTANTE COMO ESSA,

Page 73: Um Outro Pastoreio

73

AFINAL NÃO SOU O MENSAGEIRO,

QUERIDA DEUSA?

E QUEM ESTÁ GRITANDO COMO UM

DOIDO É VOCÊ, MEU CARO IRMÃO

BRIGUENTO.

O QUE EU FAÇO, REALIZO COM GRAÇA.

NÃO TENHO CULPA SE VOCÊ NÃO TEM

TALENTO. COMO

SE ATREVE

A FALAR

ASSIM!!!

SEJAM AS NOTÍCIAS BOAS OU RUINS,

ESTE É O MEU OFÍCIO.

Page 74: Um Outro Pastoreio

74

Ogum avançou sobre Exu, mas foi impedido por Xangô

que se interpôs entre os dois.

- Calem-se! - bradou ele. - Suas diferenças pessoais não importam.

- Bom, se há mesmo uma Guerra no Firmamento, temos que nos preparar para lutar! - falou Ogum.

- Esperem! Precisamos confirmar os fatos. - disse Iansã.

- Xapanã, você tem algo a ver com isso?

Uma figura esguia, até então despercebida entre o grupo,

pareceu assustada, como se descoberta em um esconderijo.

Era Xapanã, o orixá das pragas e das doenças.

- Eu!? Não... - respondeu apressadamente Xapanã.

-Estava só de passagem quando ouvi as trombetas. E vim conferir.

- Você assistiu a alguma batalha, Exu? - indagou Xangô.

- Não, eu não quis me aventurar tão próximo. Contentei-me com

os bastidores. Os indícios me bastaram. Ademais - disse pausadamente

Exu -, tinha que trazer logo a notícia para a aldeia.

- Bom, realmente, sinto uma vibração anormal - falou Oxumarê.

- Mas não consigo perceber exatamente de onde provém ou que efeito

pode causar.

- As marés acordaram inquietas nesta manhã -

confessou Iemanjá, a Senhora dos Mares.

- Precisamos nos decidir, se aguardamos ou lutamos - ponderou Xangô.

Page 75: Um Outro Pastoreio

75

- Vamos lutar! - gritou uma facção.

- Guerra! - bradaram outros.

- Não! F icaremos em paz! - disse outra turma.

- A luta é o caminho - comentou Ogum a Oxóssi, deus da caça e da fauna.

Iansã juntou-se à Iemanjá, chamou Obá, a Deusa das Mulheres,

e Oxum, a Orixá da Beleza e do Amor, e conferenciou:

- Não podemos deixar que isso ocorra .

Encostado displicentemente em um totem, Exu observava a discussão

com um discreto sorriso. Então, a multidão começou respeitosamente

a se abrir. Haviam chegado Oxalá , o Maior e o Pr imeiro Or ixá , o Cr iador do Mundo Natura l , e Nanã, a Guardiã do Saber Ancestra l . Todos ali reverenciaram o casal. Eles ergueram

os braços em direção ao fogo de Olorum.

- Já é noite e a escur idão perturba o pensamento -

proferiu Oxalá. - A situação requer reflexão e serenidade.

Nanã complementou: - Oxalá fala sabiamente. Não devemos nos precipitar.

Vamos esvaz iar o pensamento e consultar os búzios. Descansaremos e amanhã, ao cair da tarde, tomaremos uma decisão.

Depois disso, ninguém ousou proferir qualquer palavra.

A multidão se desfez. Os orixás recolheram-se para suas cabanas e congás.

Ogum montou em seu cavalo e voou velozmente para a oficina.

Page 76: Um Outro Pastoreio

meNiNo, A pAlAVRA

foi sopRAdA Ao VeNTo

E NiNgUÉM

ESCUTOU.

somos o úNiCo biCho que mATA e mAlTRATA poR pRAzeR, gANâNCiA e iNToleRâNCiA.

esTAmos iNToxiCAdos.

PERdEMOS

A NOSSA

CONExÃO.

VoCê esTÁ lembRAdo

do que A sANTA pRofeRiu,

CeRTo?

TuA SINA é FICAr?

sim. As pAlAVRAs

dA sANTA deixARAm

o NegRiNho e o bAio

Com CoNfiANçA

e VAleNTiA.

A ESTUPidEz

dO hOMEM NÃO

TEM liMiTES.

Page 77: Um Outro Pastoreio

77

C a p í t u l o 1 0

{ A CANÇÃO DE SIMÃO : O PRIMEIRO EMBATE }

- Os dois part iram a galope para enfrentar o inimigo.

Mesmo desarmados, eles sentiam que haveria alguma forma de lutar.

Como um condenado à forca que espera até o ú l t imo segundo

para que a corda se rompa quando o cadafa lso abr i r.

- Ao entardecer de um d ia c inzento , ao chegar a uma p lan íc ie ,

e les v is lumbraram no hor izonte o hor rendo in imigo .

Para l isados pe lo medo, a coragem exaur iu-se a um só go lpe .

- O Negr inho e o Baio nunca esperavam confrontar-se com ta l monstruosidade.

- A Cidadela, uma gigantesca máquina ambulante, movia-se lenta

e incessantemente amparada por tentáculos. Na parte superior,

chaminés lançavam uma fumaçada densa. Uma torre central pontiaguda

- como uma navalha rasgando as nuvens no firmamento - e ostentava

um macabro relógio cujos ponteiros giravam tão rápido que pareciam

sugar o tempo ao redor.

- O se r ab is sa l possu ía t rês ros tos : um emit ia um s i l vo medonho;

outro trazia uma bocafornalha que rosnava lava e enxofre; o terceiro

t inha as órbitas negras e narinas que expel iam l ínguas de fogo

impregnadas de gases tóxicos, cancerígenos e radiativos.

- O monstro destruía, capturava e incorporava o que encontrasse:

castelos, vi larejos, casebres, f lorestas, tropas de animais.

Page 78: Um Outro Pastoreio
Page 79: Um Outro Pastoreio
Page 80: Um Outro Pastoreio

80

A H O R DA C H E G O U

[ O E S TA N C I E I R O ]

O C O R A Ç Ã O É F R I OA A L M A É P E D R A

O C O R P O É N A DAO O U T R O É N I N G U É M

[ O F I L H O ]

C O I SA R U I MS E P E R C E B E A L É G UA S

E S T E É U M Q U E S Ó V ÊA S I M E S M O

O U M B I G O É O M U N D OO O U T R O É N I N G U É M

- Em uma das jane las super io res da C idade la ,

o Estanc ie i ro e seu F i lho se de l i c iavam com o te r ror.

S imão cantou com pesar:

Page 81: Um Outro Pastoreio
Page 82: Um Outro Pastoreio

82

Page 83: Um Outro Pastoreio

O Negr inho notou que hav ia uma res is tênc ia

que combat iam bravamente os invasores.

Mas como lutar ia sem armas?

O mulatinho observou que, ao seu lado, jazia um corpo virado de bruços.

Apeou do cavalo. Com tremendo esforço, o Negrinho virou o cadáver.

Era um índio. Sob o corpo, encontrou boleadeiras e uma lança.

Ele reverenciou o morto e pegou as armas.

Montou o Baio e jogou-se em direção à pe le ja .

Page 84: Um Outro Pastoreio

84

Eles não t iveram a mínima chance .

O Negr inho fora der rubado v io lentamente do lombo do cava lo

por um dos áge is tentácu los da C idade la .

O exérc i to da Horda , mais numeroso e melhor equipado,

l iqu idara os rebe ldes com fac i l idade .

Por mi lagre , o Baio conseguira escapul i r.

Os sobrev iventes se rv i r iam como esc ravos na C idade la .

O Negr inho, atordoado, v iu a devastação nos campos conquistados.

Um rast ro de dest ru ição se es tendia ao longe . F lores tas que imadas.

P lantações a r ru inadas. Corpos empi lhados. Os an imais capturados

e ram agregados ao vo lumoso rebanho da Horda .

Page 85: Um Outro Pastoreio
Page 86: Um Outro Pastoreio

OlhA AQUElE

Ali!

Sob a sombra ameaçadora da C idade la , o Estanc ie i ro e o F i lho

passavam em rev is ta a t ropa e os in imigos presos.

O Estanc ie i ro caminhava so lenemente .

O F i lho v inha logo at rás x ingando e cusp indo nos pr is ione i ros.

Ao se deparar com o Negr inho, o F i lho estancou.

Page 87: Um Outro Pastoreio

87

QUE

ESTRANHO...!

NUNCA VI

ALGUÉM TÃO...

ESCURINHO.

VOCÊ NÃO PARECE UM GUERREIRO.

Page 88: Um Outro Pastoreio

- Nisso, o Estancieiro notou uma polvadeira próximo dali. Alguns homens mal conseguiam conter um animal - disse Simão.

Era o Baio que negaceava e coiceava.

NEM CONSEGUEM

DOMINAR UM CAVALO!

COLOQUEM A MANEIA

NESTE BICHO.

SOLDADOS!

Page 89: Um Outro Pastoreio

e TeRmiNAdA

A ReVisTA,

o esTANCieiRo

ToRNou o NegRiNho

seu esCRAVo

pARTiCulAR.

E SOziNhO

fiCOU O

NEgRiNhO...

E SOziNhO

fiCOU O

NEgRiNhO...

Page 90: Um Outro Pastoreio

90

Em uma obscura rue la na A lde ia dos Or ixás,

do is vu l tos se esgue i ravam pe las sombras.

SERÁ QUE...?

QUE MUDE O QUE DEVE SER

MUDADO.

AS COISAS SERÃO REVELADAS NO TEMPO CERTO.

MAS E O OGUM?

ELE ME PARECEU MUITO EXALTADO. O QUE FAREMOS?

NADA. FIQUE TRANQUILO.

POR ORA, VAMOS OBSERVAR O QUE ACONTECE.

E AGORA?

ELES FICARAM REALMENTE

PREOCUPADOS.

SENTIRAM QUE HÁ ALGO ERRADO.

C a p í t u l o 11{ UMA CONVERSA MUITO SUSPEITA }

Page 91: Um Outro Pastoreio

91

Sorrateiramente, os dois tomaram rumos diferentes no seio da cidade.

Em d iversos pontos da c rate ra , os atabaques retumbavam respei tosos e cont idos . Não era um toque fest ivo .

O batuque e a cantor ia c lamavam respostas.

A madrugada chegou hes i tante e se embebeu

em uma est ranha per turbação .

Ninguém dormi r ia bem aque la no i te .

Page 92: Um Outro Pastoreio

92

C a p í t u l o 1 2

{ INFINITOS DIAS DE SOLIDÃO }

O Negrinho amargava os dias no vil cotidiano da Cidadela.

Mas não era o único . Centenas de esc ravos c i rcu lavam apressados

pe las v ie las fé t idas e es t re i tas, ent ranhas de um organismo doente ,

entupidas de substânc ias v iscosas e de je tos malche i rosos.

O Estancieiro administrava o monstrengo com rédeas curtas. O F i lho aux i l i ava em tarefas de esp ionagem e de gerenc iamento .

A expansão de terr i tór ios era pr ior idade.

A Cidadela necessitava constantemente de mais recursos para al imentar

e pagar o crescente exército da Horda, formado por mercenários

e malfeitores. Dessa forma, o Estancieiro mantinha satisfeitos

os Senhores da Guerra, generais balofos que, na sala de comando,

se entretinham excitados com seus planos de ataque.

A Cidadela precisava igualmente extrair minérios para que os cientistas

e engenheiros pudessem aprimorar o funcionamento das engrenagens

da máquina e os poderosos tentáculos. O complexo se completava

com calabouços, alojamentos, incubadoras-quartéis, incubadoras-

corporativas, casa de fornalhas, despensa, cozinha, prisão

e as famigeradas salas de tortura e de expurgo.

Na Cidadela , a guerra era a d iversão.

A Horda trouxera trágicas mudanças às regiões conquistadas.

Paisagens verdejantes tornaram-se desertos. Erosões de terra proliferaram.

Rebanhos enlouqueceram. Rios secaram. O clima mudara radicalmente.

Tornados. Inundações. Estiagens. Tempestades. Incêndios.

Page 93: Um Outro Pastoreio

93

ONDE FORAM PARAR OS CAVALOS?

Page 94: Um Outro Pastoreio

94

Page 95: Um Outro Pastoreio

95

No alto da Cidadela, o Estancieiro observava a chuva ácida

que se debatia ferozmente contra as vidraças da janela do escritório.

Ele segurava uma caixa.

“Como as pessoas são superst iciosas!” - vociferava ele.

“Tolas. Manipuláveis! Como podem se apegar a crendices tão bobas!

É somente uma caixa.”

Muitas vezes, os aldeões se deixavam capturar, passar por torturas

inomináveis, só para estar perto daquele artefato. Alguns fanáticos

chegavam a cr iar pequenos grupos secretos e construir altares

para veneração da Caixa. Eles af i rmavam que a Caixa cont inha um fragmento do corpo de um ant igo deus e que todo o poder da Horda provinha de le .

Por pura diversão, o Estancieiro permitia que eles se organizassem para,

em seguida, rechaçar com violência destruindo aqueles cultos ridículos.

Mesmo descrente, o Estancieiro nunca se arr iscara a abrir a caixa.

Por prev idênc ia , a mant inha t rancaf iada no cof re e não contava

o segredo da combinação , nem mesmo para o seu F i lho .

O artefato tornara-se um fardo. Por outro lado, dele provinha sua segurança.

Fazer parte da Horda t inha um preço.

Nisso, o Coisa Ruim bateu à porta do escritorio.

O cava lo Baio e uma parte da tropa escapul i ra . O Estancieiro esbravejou. Por um momento, pensou em ir, ele mesmo,

atrás dos animais fujões. Então, olhou a forte chuva que caía e - velhaco

- lembrou-se do Negrinho.

Determinou ao Fi lho que o mulatinho resgatasse a tropa,

que voltasse antes do amanhacer. . . e que fosse a pé.

Page 96: Um Outro Pastoreio

- O Negrinho procurou, procurou... E nada encontrou - disse Simão.

- Desesperou-se. A tropa sumira. Como se procurasse fantasmas

na escuridão. Encharcado dos pés à cabeça, ele sentou-se

sob uma frondosa árvore e mergulhou em um véu de melancolia.

Simão cantarolou:

N O I T E S D E I N F I N I TO PA S TO R E I O I N F I N I TO S D I A S D E S O L I D Ã O

N O I T E S D E I N F I N I TO PA S TO R E I O I N F I N I TO S D I A S D E S O L I D Ã O

Page 97: Um Outro Pastoreio
Page 98: Um Outro Pastoreio

98

E a Santa?

ELE ESTAVA

ATERRORIZADO. O MEDOFAZ COISAS TERRÍVEIS COM A GENTE, MENINO.

MAS...

ALI, SENTADO,

O NEGRINHO

SE ACALMOU.

O DESESPERO CEDEU LUGAR

AO PENSAMENTO.

IDEIAS ILUMINARAM SEU CORAÇÃO.

Ela não poderia ajudar o Negrinho?

Page 99: Um Outro Pastoreio

99

- A TRILHA DAS PEQUENINAS MOSTRAVA-LHE UM OCO NO TRONCO DA ÁRVORE.

-ENTÃO, O NEGRINHO VIU AS FORMIGAS E DISSE:

ALI, ELE ACHOU UM PEQUENO ORATÓRIO - DISSE SIMÃO. - COM CUIDADO, O NEGRINHO ABRIU A PORTINHOLA

E ENCONTROU UM COTO DE VELA E FÓSFOROS. COMO ELE FICOU FELIZ!

EU TENHO UMA MISSÃO,

Page 100: Um Outro Pastoreio

100

T U M P T TA P T

V E L A N A M Ã O

T U M P T TA P T

P I N G O N O C H Ã O

T U M P T TA P T

É V I B R A Ç Ã O

T U M P T TA P T

C O N S T E L A Ç Ã O

- Sem delongas, o mulat inho acendeu a ve la e cont inuou

sua busca - enunc iou S imão.

- De cada pingo de cera que ca ía no chão, surgia uma nova luz . Em pouco tempo, a paisagem c lareou. Como se as estre las v iessem repousar no campo.

Com animação, o ve lho re tomou sua cant i l ena:

Page 101: Um Outro Pastoreio

101

Page 102: Um Outro Pastoreio

102

Page 103: Um Outro Pastoreio

103

- Quem procura, acha. Antes do cantar dos galos, o Negrinho encontrou o Baio e os cavalos e riu. Riu. Riu. Riu!!!!! - disse Simão com tal ênfase que fez o Menino sorrir.

- É, nem tudo é tão terrível na vida - comentou Simão.- E as histórias, Menino, são uma grande invenção.

- Invenção? - intrigou-se o rapaz.

- Sim. Porque, de um lado, há o plano da Imaginação; e de outro, o plano da Existência, o cotidiano ordinário, se preferir - explicou.

-Somos a comunhão da Imaginação e da Existência.

O Menino franziu a testa. Simão percebeu que tinha fome.

- Vamos parar um pouco e nos al imentar.

Assim, poderei contar isso de outra forma.

Calculo que ainda tenhamos tempo.

O nosso destino está próximo - disse o velho.

Page 104: Um Outro Pastoreio

104

Iansã apressou o passo.

Seu vestido coral agitou-se i luminado pelos últ imos raios da tarde.

A hora da reunião dos Orixás se aproximava.

Ela se escondeu atrás de uma moita e observou a oficina de Ogum. S i lênc io . Não reparou em nenhum movimento através das janelas.

Achegou-se. Olhou a cocheira. Estava vazia. Foi até a porta dos fundos

e encostou seu ouvido. Nada. Estava quieta tal uma tapera.

Com certeza, Ogum saíra. Com cautela, Iansã abriu a porta e entrou.

A forja ainda luzia. O ar estava empestado com odores de metais.

Iansã lembrou-se que, há muito tempo, não colocava os pés ali.

A oficina estava uma verdadeira bagunça. Ogum nunca fora organizado.

Repentinamente, ela percebeu um brilho dourado em um canto da peça.

Caminhou até lá e retirou o manto que cobria a pi lha.

Iansã encontrou centenas de l ingotes de ouro e, na mesa ao lado,

moldes e um projeto de um artefato.

- Não é possível! - gritou Iansã. - Ogum não seria capaz!

Iansã saiu da oficina, invocou a ajuda dos ventos e levitou.

Do alto, ela enxergou a marca de um grande círculo que se desenhava

no terreno atrás da cocheira.

O sol se pôs e a noite principiou a estender seus domínios.

Iansã transmutou-se em vento e ventou.

C a p í t u l o 1 3

{ “VAMOS LUTAR!” }

Page 105: Um Outro Pastoreio
Page 106: Um Outro Pastoreio

106

Na esplanada da Aldeia, os Orixás discutiam severamente.

Afastado da mul t idão , Exu parec ia es ta r se d ive r t indo muito .

- Vamos lutar! - bradava Ogum.

- Não! Você está insano! - d is se Iemanjá .

- Os deuses es tão aqui para se rv i r e se rem serv idos! - gr i tou Xangô.

- Essa guerra não é nossa. Você não ouviu o que disse pai Oxalá?

Duvido que seja uma ameaça aos Orixás.

- Os Templos re tomarão o ju ízo por s i p rópr ios - profe r iu Oxa lá .

- E o Equi l íbr io será retomado.

- Não! - gr i tou Ogum. - Eu não ace i to . Os Orixás irão à Guerra!

Ogum tomou impulso e pu lou para fora da esp lanada . E assov iou .

Subi tamente , uma enorme redoma de ouro ca iu sobre os deuses.

Os or ixás estavam presos!

O gigantesco artefato estava camuflado em uma nuvem escura e densa

e sustentado pelo cavalo de Ogum.

Em um só golpe , Ogum apr isionara todos a l i .

Dentro da redoma, os Or ixás invocavam em vão seus poderes

para tentar romper a pr isão . Oxa lá e Nanã permanec iam ca lados.

Próx imo a uma p i ra , Exu não sorr ia mais.

Page 107: Um Outro Pastoreio

107

Page 108: Um Outro Pastoreio
Page 109: Um Outro Pastoreio

109

É FEITO

DO MAIS PURO OURO

QUE ALGUM DEUS JÁ DESEJOU EM VENERAÇÃO.

E VOCÊS SABEM QUE NOSSOS PODERES

FICAM ENFRAQUECIDOS AQUI PRÓXIMO

AO FOGO DE OLORUM.

Page 110: Um Outro Pastoreio

110

-Você está mesmo louco! - gr i tou Xangô.

- A inda mais se acha que vou de ixar você nos apr is ionar ass im!

Xangô invest iu seu machado cont ra as grades e fo i v io lentamente

a r remessado para t rás.

-Parem! - d is se Iemanjá . - Quanto mais usarem seus poderes,

mais e les se rão drenados. Es ta ga io la func iona como uma espéc ie

de máquina . Ogum está sugando os nossos poderes.

- Você é sensata, cara irmã - falou Ogum. -Não quero fazer mal a nenhum de vocês. Estou pegando emprestado um pouco do poder

de cada um. Sei que pai Oxalá entende o que eu preciso fazer.

É a minha índole. Agora, não tenho mais tempo para expl icações.

-Via jare i ao mundo dos Homens - prossegue o Senhor

da Tecnolog ia . - Lá i re i moldar meu exérc i to .

- I re i acabar com esta Guerra no Firmamento. -Quando retornar, p rometo que todos se rão l iber tados e ganharão

presentes espec ia is .

-Que Olorum nos prote ja . Os Or ixás i rão à guerra!

Ogum invocou suas roupas e armas de batalha, montou em seu cavalo

e voou em direção ao céu.

Nesse momento, Iansã chegou à Esplanada.

- Oh, me descu lpem. . . - fa lou cab isba ixa .

- Não pude ev i ta r o p lano de Ogum.

- Ao menos, você es tá l i v re . E pode nos a judar - conso lou Iemanjá .

Page 111: Um Outro Pastoreio

111

- Você pode nos v ingar! - d is se Obá .

- É , Ogum merece uma l ição . - fa lou Oxum.

- Estou com medo. Ogum está fora de s i e es tá mui to poderoso

- respondeu Iansã . - Não se i se consegui re i enf rentá- lo .

- E como vou t i rá- los da í?

Nanã se aprox imou das grades, de mãos dadas com Oxa lá .

- Você tem mais força do que pensa . - d is se Nanã .

- Mas, para nos l iber ta r, te rá que se l i v ra r de seus própr ios temores

e rancores. A compreensão é o caminho.

-É hora de inventar uma histór ia , menina . Cr ie . Inspire . Ouça a h istór ia que toca no seu inter ior - d is se Oxa lá .

- Que h is tór ia? - indagou Iansã .

Oxa lá ag i tou seu cet ro desenhando c í rcu los i r regula res no espaço .

O movimento do cet ro gerou um for te ponto luminoso .

Era uma pomba branca que voou ve lozmente para fora da redoma

at ing indo o pe i to de Iansã .

Aos giros, e la se e levou envolv ida por uma tempestade de vento e e letr ic idade.

Iansã escutou uma h is tór ia re tumbar dent ro de s i .

Sons ecoavam em um volume quase enlouquecedor.

Page 112: Um Outro Pastoreio

112

Page 113: Um Outro Pastoreio

113

Iansã se t ransmutou.

Um potente ra io ch ispou os céus das ga láx ias e d imensões.

Page 114: Um Outro Pastoreio

114

{ O SOPRO DO DRAGÃO } C a p í t u l o 1 4

Page 115: Um Outro Pastoreio

115

QUANTO

DESPERRRRRDÍCIO

DE ENERRRRGIA,

NÃO É?

No Mundo dos Homens, Ogum arregimentou seu exército.

Ele ens inou aos humanos o poder da tecnolog ia e do fogo.

Observou a fac i l idade com que e les for javam as a rmas nas of ic inas.

Entusiasmou-se. Os homens eram mesmo talhados para a batalha.

Ogum estava orgulhoso. Em breve, ele poderia colocar seu plano em curso.

Os Templos beligerantes conheceriam o poder dos Orixás. Essa guerra i r ia terminar a qualquer custo .

E le fo i descansar no topo da co l ina . De lá , contemplou extas iado

a extensão de suas t ropas e máquinas de guer ra .

Então , e le ouv iu um ru ído semelhante ao ronronar de um fe l ino .

QUEM

É VOCÊ,

DEMÔNIO?

Page 116: Um Outro Pastoreio

116

GUARDE A ESPADA. NÃO ESTOU AQUI PARA

LUTARRRR.

RRRR...VENHO EM PAZ. TRAGO UMA MENSAGEMEM NOME DA IRRRMANDADE DOS DRAGÕES.

ESTA

NÃO É SUA

GUERRRRA.

Com a unha , a menina rasgou a pe le na a l tura da bar r iga .

RRRR... VOCÊ ESTÁ

INEBRRIADO

PELO PODER.

NÃO ME

RRRECONHECE

MAIS?

Page 117: Um Outro Pastoreio

117

VOCÊ DEVE

PARARRR ESTE

EMPREENDIMENTO.

A SUA

VERRRDADEIRA

BATALHA

É COMIGO.

VOCÊ ESTÁ

FALANDO

TOLICES!

NÃO QUERO

SABER DE SUAS

MENTIRAS!

Page 118: Um Outro Pastoreio

SOMOS UM

O ESPElhO

dO OUTRRRO.AfiNAl, o que

é um CAVAleiRo...

RRRRRR...

...SEM

UM DRRAGãO

PARA MATARRR?

vOCêesTÁ CompleTAmeNTe

CEgO.

EU NãO ACREDITO EM vOCê, dRAgÃO!

Page 119: Um Outro Pastoreio

Ogum atacou.

Num golpe ág i l , enf iou a espada no coração do Dragão.

O animal não ofereceu res is tênc ia .

Page 120: Um Outro Pastoreio

120

O dragão soprou o há l i to da morte na face de Ogum.

O corpo do animal enrijeceu-se e transformou-se em um rochedo.

Ogum aspirou o bafo do dragão. Espantou-se! Não podia acreditar

no que enxergava . E d isparou cor rendo co l ina aba ixo em d i reção

ao acampamento .

Suas tropas o aguardavam em formação de guerra .

- Você está preso! - bradou um dos genera is .

- Ent regue-se! - ordenou out ro . - Seu cava lo já fo i dominado.

- Nós assumimos o comando.

- Isso não é poss íve l ! Isso é mot im! - re t rucou Ogum.

As tropas o cercaram. Numa manobra incrivelmente articulada,

uma facção se jogou contra as pernas de Ogum. Ele desabou no campo.

Outro destacamento estendeu uma enorme rede de aço que imobilizou

o orixá. Então, ele escutou o barulho de uma serra.

Ogum, o Deus do Fogo e da Tecnologia, foi retalhado vivo. Mas não omit iu um gr i to sequer. A fúr ia que sent ia pe la t ra ição

dos homens e ra maior do que a dor.

Depois, os genera is reuni ram-se e dec id i ram espa lhar os pedaços

do or ixá nas máquinas de guer ra mais te r r í ve is . Assim - pensavam

os Senhores da Guerra - poderiam usufruir o poder dos orixás em todas

as frentes de batalha e seriam invencíveis.

Um cic lo de destruição começou.

Batalhões, tanques e Cidadelas tomaram curso para os quatro cantos

do planeta.

Page 121: Um Outro Pastoreio

121

Ogum sucumbiu ao Dragão de sua própr ia soberba .

Page 122: Um Outro Pastoreio

122

S imão e o Menino chegaram

à margem de um açude .

GAROTO, PEGUE

A SACOLA.

Desculpa

,

seu Simão,

mas não a

chei.

Só velas e roupas.

VOCÊ VAI ENCONTRAR

PÃO, TOICINHO E UM CANTIL. ESTÃO BEM NO FUNDO.

{ DYNAMIKÓS } C a p í t u l o 1 5

Page 123: Um Outro Pastoreio

123

PROCURE DE NOVO!

TENHA VONTADE

DE ENCONTRAR.

S imão l impou a boca . Levantou-se e d ispôs ve las

ao redor dos do is .

Agora, me

conte!

Achei!!

MENINO, PEÇO QUE VOCÊ

FIQUE TRANQUILO

E RELAXADO.

Os do is se acomodaram e comeram.

Page 124: Um Outro Pastoreio

124

S imão sentou-se com as pernas c ruzadas.

De ixou as mãos se assentarem confor tave lmente sobre os joe lhos,

resp i rou fundo e cer rou as pá lpebras. O Menino o imi tou .

O velho conc lamou a presença das Pa lavras.

- Não ex is te somente uma h is tór ia sobre a h is tór ia , mas His tór ias.

E as mane i ras de nar rá- las são tão d iversas quanto as formas

de V ida no Cosmos. Esta é a forma como aprendi - dec la rou .

As chamas das ve las t remularam e se ent re laçaram em uma malha

incandescente . Uma bolha de fogo envo lveu S imão e o Menino .

E les lev i ta ram até at ing i r o cent ro do açude .

As Pa lavras v ibraram como som e pensamento.

O N A DA , CA N SA D O C O M O N A DA , C R I O U O T U D O .

T U D O G E R O U O U N I V E R S O . D O U N I V E R S O S U R G I R A M O S M U N D O S.

A N T E S DA S C O I SA S E D O S S E R E S , A S H I S T Ó R I A S J Á H A B I TAVA M E S T E S M U N D O S.

O S N O S S O S A N C E S T R A I S D E S C O B R I R A M O FO G O . O FO G O D E S P E R TO U A FO R Ç A DA S H I S T Ó R I A S

E O P O D E R DA I M A G I N A Ç Ã O .

TO D O S O S CA M I N H O S L E VA M A T U D O . E N T R E T U D O E O N A DA , N Ã O H Á C E R T E Z A S .

S Ó O CA M I N H A R . E O C O N TA R .

DA C O M U N H Ã O DA E X I S T Ê N C I A E DA I M A G I N A Ç Ã O N A S C E R A M A S D I F E R E N T E S FO R M A S

D E C O N TA R A S H I S T Ó R I A S .

Page 125: Um Outro Pastoreio

125

E S TA C O M U N H Ã O G E R O U D I A L E TO S , L Í N G UA S , S Í M B O L O S , L E N DA S , C O N TO S , R O M A N C E S ,

T R A D I Ç Õ E S , R E L I G I Õ E S , E P O P E I A S , M I TO S .

T U D O É M OV I M E N TO . D Y N A M I K Ó S .

C R U Z A N D O O T E M P O E O E S PA Ç O , A S H I S T Ó R I A S S E R E I N V E N TA M

P O R F R U TO DA I M A G I N A Ç Ã O E P O R L E G A D O DA E X I S T Ê N C I A ,

P E L O D E S E J O D E S E R E M C O N TA DA S , PA R A Q U E N O F U T U R O S E JA M O U T R A S ,

AT É Q U E C H E G U E M A O D E S F E C H O .

E S E V E R Á Q U E N Ã O FO I O F I M , M A S O I N Í C I O D E O U T R A H I S T Ó R I A .

T U D O V O LTA R Á A O N A DA Q U E , U M D I A , CA N SA D O C O M O N A DA ,

R E C R I A R Á O T U D O .

Page 126: Um Outro Pastoreio

126

Si lênc io .No cent ro do açude ,

a bo lha de fogo

br i lhou intensamente .

Page 127: Um Outro Pastoreio

127

VAMOS, RAPAZ!

ACORDE!

VOCÊ ESTÁ

IMAGINANDO

COISAS,

MEU RAPAZ. A gente estava voando...?

EU SÓ

CONTEI UMA

HISTÓRIA.

O que

aconteceu?

O senhor

fez uma es

pécie

de Magia

...?

S imão e o Menino re tomaram a es t rada .

Page 128: Um Outro Pastoreio

128

Ra iava o d ia quando o Negr inho

chegou à C idade la conduz indo a t ropa .

Mas o dest ino fo i novamente t inhoso com e le .

O Fi lho armara uma emboscada.

C a p í t u l o 1 6

{O OUTRO É NINGUÉM }

C O I SA R U I M E N X E R G A A O L O N G E E S E E S C O N D E PA R A A R M A R

A R M A D I L H A , A R D I L , TO CA I A N Ã O H Á C O M O E S CA PA R

Page 129: Um Outro Pastoreio

O Coisa Ruim

afugentou a t ropa .

Matou o Ba io .

E capturou o Negr inho.

Page 130: Um Outro Pastoreio

130

O U M B I G O É O M U N D OO O U T R O É N I N G U É M

O C O R A Ç Ã O É F R I O A A L M A É P E D R A

Page 131: Um Outro Pastoreio

131

SEM A TROPA!

SENHOR,O ESCRAVO RETORNOU

Page 132: Um Outro Pastoreio

C O i SA R U i M M A N dA Av i SA R O CA S T i g O N Ã O TA R dA C h E g A R

Page 133: Um Outro Pastoreio

O U M b i g O É O M U N d OO O U T R O É N i N g U É M

Page 134: Um Outro Pastoreio

134

O Estancieiro e o Filho saíram do Escritório.

O Negrinho sangrava tanto que desmaiou.

Enquanto sur rava o Negr inho, o Estanc ie i ro

VOCÊ TEM SORTE... MUITA SORTE! MAS NÃO PENSE QUE TERMINAMOS.

CAPTUREM

O ANIMAL!

notou um a lvoroço na C idade la .

Da sa la de comando da C idade la ,

e les avistaram um grande Búfa lo que esbrave java e so l tava fogo das nar inas,

desaf iando a Horda .

Page 135: Um Outro Pastoreio

135

RÁ! ERA

SÓ O QUE

ME FALTAVA!

CAPTUREM

O ANIMAL!

A Cidade la sa iu em perseguição ao Búfa lo .

Page 136: Um Outro Pastoreio

136

ENQUANTO A CAÇA CONTINUAVA,

A CIDADELA

DISPARAVA SEUS

CANHÕES, MAS

O ANIMAL

ERA VELOZE ESCAPAVA

DOS ATAQUES.

O NEGRINHO DESPERTAVA

NO CHÃO FRIO DO ESCRITÓRIO.

Page 137: Um Outro Pastoreio

137

AS COSTAS DOÍAM

E SANGRAVAM. O NEGRINHO TINHA UMA CHANCE ÚNICA.

SEGUROU O ARTEFATO E O EXAMINOU.

ENTÃO, ALGO IMPROVÁVEL

ACONTECEU.

NO ACESSO DE FÚRIA, O ESTANCIEIRO HAVIA

ESQUECIDO DE GUARDÁ-LA NO COFRE.

NÃO CONSIGO

ABRÍ-LA!

É UM

ENIGMA!

Ele prec isa r ia de tempo e

de a juda para abr i - la .

PRECISAVA

ESCAPAR DALI.

E RÁPIDO!

COM ESFORÇO, O NEGRINHO

CONSEGUIU SE LEVANTAR.

ELE MAL PODIA ACREDITAR NO QUE VIA.

Page 138: Um Outro Pastoreio

Enquanto is so , em um campo rep le to de formigueiros, o Búfa lo sumiu de v ista .

Como se o an imal t i vesse se entranhado na terra .

AONDE VOCÊ PENSA QUE VAI?!

Page 139: Um Outro Pastoreio

139

Tarde demais!O Estanc ie i ro e o F i lho

re tornaram ao esc r i tó r io .

AONDE VOCÊ PENSA QUE VAI?!

Page 140: Um Outro Pastoreio

Era o mesmo loca l onde o búfa lo desaparecera .

Depois de sur ra r o Negr inho até quase a morte ,

o Estanc ie i ro e o F i lho jogaram o corpo do escravoem c ima de um formigueiro .

Page 141: Um Outro Pastoreio

141

O C O R A Ç Ã O É I R AA A L M A É P E D R A

O C O R P O É V I O L Ê N C I AO O U T R O É N I N G U É M

O Estanc ie i ro quer ia que as formigas

devorassem “a carne , o sangue e os ossos. . . ”.

E cantou S imão:

Page 142: Um Outro Pastoreio

E A T E R R A S E F E z T Ú M U L O

Page 143: Um Outro Pastoreio
Page 144: Um Outro Pastoreio

S imão e o Menino chegaram ao topo de um morro .

E a Horda?

Ela existe

mesmo? ELA É MAIS REAL DO QUE EU E VOCÊ,

MENINO.

E A CADA MOMENTO,

ELA SE FORTALECE.

A HORDA É UMA

ANOMALIA.EU ACREDITAVA NO EQUILÍBRIO.

MAS A NATUREZA

TAMBÉM FAZ PIRRAÇA.

{O SONHO QUE SE FAZ REAL} C a p í t u l o 1 7

NÃO SEI QUALO SENTIDO...

Page 145: Um Outro Pastoreio

E A CAdA MOMENTO,

ElA SE fORTAlECE.

TAlvEz...EU TENhA

esTAmos quAse No fim

de Nosso CAmiNho.

vAMOS!

Page 146: Um Outro Pastoreio

PARA CADA

BOA LEMBRANÇA...

S i rmão t i rou a ú l t ima ve la da mala de garupa

e a acendeu com todo ze lo .

MENINO, JUNTO

A ESSE UMBUFICA O CAMPO SANTO

ONDE OS ANTIGOS

AFIRMAM QUE REPOUSAM OS

RESTOS MORTAIS

DO NEGRINHO DO PASTOREIO.

Page 147: Um Outro Pastoreio

MINHA JORNADA FOI EM VÃO.EU FALHEI.

NÃO HÁ MAIS ESPERANÇA.

O PRÓPRIO NEGRINHO,

ELE QUE TUDO PODIA ENCONTRAR,

NÃO ACHOU UMA SAÍDA

PARA ESCAPAR DA PRÓPRIA TRAMA.

RÁ! COMO FUI

TOLO!

A LENDA É UMA FARSA.

Nada aconteceu .

Esperou. Esperou. Esperou. S imão aguardou.

Page 148: Um Outro Pastoreio

148

1 0 0 0 V E Z E S O C O R A Ç Ã O F R I O

1 0 0 0 V E Z E SCA L A F R I O

O N E G R I N H O , O B A I O U M M E S M O S O N H O

1 0 0 0 V E Z E S

A M A L D I Ç O A D O1 0 0 0 V E Z E S

P E SA D E L O M E D O N H O

MENINO TEIMOSO!NÃO PERCA TEMPO COM ESTA BOBAGEM.

CERTO... CERTO...

POSSO CONTÁ-LA PELA

ÚLTIMA VEZ.

E como termina

a história

do Negrinho?

POR FAVOR,

SEU SIMÃO!

- Depois da morte do Negr inho, o Estanc ie i ro sof reu pesade los te r r í ve is !

- Então, cansado das noites maldormidas, o Estancieiro foi até o formigueiro.

Para seu espanto, encontrou o esc ravo , são e sa lvo , montado no Ba io .

- O Estanc ie i ro prostou-se de medo. O esc ravo sor r iu- lhe e seguiu

tocando a t ropa . O Negr inho encontrara seu Pastore io .

- Depois disso, a crendice do povo o tornou um mito.

Page 149: Um Outro Pastoreio
Page 150: Um Outro Pastoreio

odeio poNTes!

Seu Simão,

e se não f

or

este o luga

r?

Se observa

r,

do outro la

do

do rio, há t

ambém

um pé de um

bu.

esTe embusTe se peRpeTuA. de geRAção em geRAção.

SE ElE

NÃO AChAR...

NiNgUÉM MAiS.”

Vamos

até lá?

dizem: “se peRdeR Algo,

lembRe-se:

ACeNdA umA VelA pARA

o NegRiNho e VÁ dizeNdo...

fOi Aí

QUE EU

PERdi...

fOi Aí QUE EU PERdi...

Page 151: Um Outro Pastoreio

151

SE ELE

NÃO ACHAR...

NINGUÉM MAIS.”

ESTA PINGUELA AÍ...

NÃO ME INSPIRA CONFIANÇA.

Por que d

esistir

depois de

tanto

esforço?

VAMOS!

Não custa

tentar.

Ande!

S imão cedeu ao ape lo do rapaz .

Agar rou-se com força nas cordas e começou a t ravess ia .

Page 152: Um Outro Pastoreio

152

Você lembra o que disse?

A Imaginação e a Existência em comunhão?

O ve lho escutava o Menino sem desgrudar os o lhos da ponte .

E o que se aprende

com a jornada?

A cada passo, Simão sentia-se

mais seguro e jovial,como se o peso dos anos

lhe fosse subtraído.

Page 153: Um Outro Pastoreio

153

AS ASAS

NASCEM DE NÓS...

...E UM QUE CREIA

É O SUFICIENTE.

S imão c ruzou a pontee estava soz inho.

ONDE ESTÁ A MINHA FÉ?

Al i , e le encontrou o formigue i ro com um par de ch i f res !

Page 154: Um Outro Pastoreio

154

MAS

COMO?!

ERA EU MESMO

O MENINO...?

O TEMPO

TODO!

Então , S imão tomou consc iênc ia .

Page 155: Um Outro Pastoreio

155

O SANGUE

PARA A

CARNE!

S imão pegou um dos ch i f res.

Usou a ponta e fez um cor te na mão.

E o formigue i ro sorveu seu sangue .

Page 156: Um Outro Pastoreio

156

A Horda se aprox imava e o fedor se tornava insuportáve l .

O Vento trouxe más not íc ias.

Page 157: Um Outro Pastoreio
Page 158: Um Outro Pastoreio

158

C a p í t u l o 1 8

{ ESPERANÇA TRAGO NA LUZ }

O chão t remeu.

A te r ra se revo lveu ru idosamente .

Lama, húmus, fósse is e formigas jo r ra ram do chão .

Bi lhões se f izeram carne.

E L A S B I L H Õ E S E M C O N V Í V I O

E L A S O C O R P O E O A L Í V I O

A D O R É R E D E N Ç Ã O A V I N G A N Ç A É M O R TA L

A V I DA É A CA N Ç Ã O D E U M S O N H O Q U E S E FA Z R E A L

A Cidade la avançava em uma onda de dest ru ição e morte .

Page 159: Um Outro Pastoreio

159

Abismado, Simão encarou

um gigantesco Negrinho do Pastoreio.

Page 160: Um Outro Pastoreio

160

Do a l to da C idade la , o Estanc ie i ro e o F i lho enxergaram o oponente .

A C idade la d isparou

seus poderosos canhões.

Page 161: Um Outro Pastoreio

161

S imão f i cou cercado pe la bata lha .

Page 162: Um Outro Pastoreio

O monst ruoso Negr inho do Pastore io resgatou S imão das chamas.

Page 163: Um Outro Pastoreio
Page 164: Um Outro Pastoreio

O Negr inho contra-atacou.

Page 165: Um Outro Pastoreio

165

Formigas e lama se chocaram com v io lênc ia cont ra a C idade la .

Ter ra , sangue , fumaça , vento , enxof re . . .

Ch ispas percor re ram os a res. Os e lementos bai laram.

E tudo. . .

Page 166: Um Outro Pastoreio

166

T U D O S E TO R N O U

Page 167: Um Outro Pastoreio

167

Page 168: Um Outro Pastoreio

Quando a poe i ra assentou,

um grande formigueiro cercava os escombros da C idade la .

A natureza ressent ia-se .

O Estanc ie i ro e o F i lho

f i ca ram apr is ionados

no a l to da tor re .

Page 169: Um Outro Pastoreio

O Negr inho e o búfa lo reverenc ia ram aos mortos

da bata lha .

Page 170: Um Outro Pastoreio

C a p í t u l o 1 9

{ A CAIXA }

NEGRINHO TINHA

UMA MISSÃO.

Page 171: Um Outro Pastoreio

171

Uma ponte de formigas, húmus e te r ra se e rgueu sobre o ab ismo.

ISSO

NÃO É

POSSÍVEL!

Page 172: Um Outro Pastoreio

172

VIEMOS

BUSCAR

A CAIXA.

VOCÊ ACHA QUE NOS INTIMIDA

COM ESSE BICHO FEDORENTO?!

O Negr inho e o Búfa lo adent ra ram na C idade la .

Page 173: Um Outro Pastoreio

173

Page 174: Um Outro Pastoreio

O Búfa lo se t ransformou em Iansã .

Um for te a roma de p i tanga tomou conta do esc r i tó r io .

Page 175: Um Outro Pastoreio
Page 176: Um Outro Pastoreio

EHEHE!SÓ POR CIMA DO

MEU CADÁVER!

DE JEITO

NENHUM!

O Estanc i re i ro puxou o ch icote

para atacar Iansã .

Page 177: Um Outro Pastoreio

177

Antes de se r a t ing ida ,

Iansã se defendeu com uma sara ivada de ra ios.

Com o choque, o Estanc ie i ro so l tou a Ca ixa .

Page 178: Um Outro Pastoreio

178

VOCÊS

VÃO

MORRER!

Bi lhões se f ize ram carne .

Page 179: Um Outro Pastoreio

179

Page 180: Um Outro Pastoreio

O COISA RUIM ESTAVA MORTO.

COM DELICADEZA, IANSÃ ABRIU A CAIXA...

...ASPIROU AS CINZAS...

...E AS SOPROU AO VENTO!

Page 181: Um Outro Pastoreio

Foi o que contou

S imão.

O NEGRINHO COMPLETOUA MISSÃO.

OGUM ESTAVA LIVRE!

ELE E IANSÃ ASCENDERAM AO FIRMAMENTO.

Page 182: Um Outro Pastoreio

182

Ogum e Iansã retornaram à Aldeia dos Or ixás. E les pousaram suavemente na esp lanada . Cambaleante ,

Ogum murmurou pa lavras mágicas e a redoma se desfez .

Os Or ixás estavam em l iberdade.

Oxalá d i r ig iu a pa lavra ao Senhor do Fogo e da Tecnolog ia :

- Ogum, se ja bem-vindo!

- Tinha certeza que você conseguiria, Iansã - falou Nanã sorridente.

C a p í t u l o 2 0

{ LIBERDADE, JUSTIÇA E TOMATES }

Page 183: Um Outro Pastoreio

183

Com alegr ia , os deuses os cercaram. O senhor do Fogo foi acomodado

em uma cadeira .

- Cumpri uma longa e dolorosa jornada. O Mundo dos Homens está doente - fa lou Iansã . - E les perderam o contato

com a Natureza e a Magia . É uma cr ise profunda . Mas há esperança .

E les possuem a fagulha , o impulso , a insp i ração .

Oxa lá d i r ig iu a pa lavra à Ogum: - Você e r rou ao tentar reso lver tudo

por s i mesmo. E sent iu na própr ia carne o que is to pode acar re ta r.

Você aprendeu que deve cont ro la r o seu ímpeto guer re i ro .

Page 184: Um Outro Pastoreio

184

- E você, Xapanã, estou muito aborrecida.

Ajudou Exu nesta encenação - falou Nanã.

C i rcundados pe los deuses, Exu e Xapanã escutavam cab isba ixos. - Exu! - bradou Nanã . - Sua br incadeira comprometeu o equi l íbr io de todo o panteão dos Or ixás.

POIS É, ME DESCULPEM, NÃO ERA MINHAINTENÇÃO...

E... POSSO IR EMBORA AGORA?

Então , Pa i Oxa lá o lhou severamente para Exu e Xapanã .

- Sim. Há uma Guerra no Firmamento e Grandes Templos se digladiam.

O Mundo dos Homens sofre - proferiu Oxalá.

- Mas não exatamente como você nos contou, Exu.

- Por conta de sua traquinagem, muita coisa ruim aconteceu.

- Os homens tiveram acesso a poderes que não têm capacidade de controlar.

- Não! - ra lhou Oxa lá . - Desta vez, você será punido, Exu! A partir de agora, você será confundido com aquilo que há de pior, caro Mensageiro. Tormento, Demônio, Deserto, Vazio, Desespero, Desilusão... Tudo aquilo que as pessoas temem e evitam.

- Com a sua l i cença , meu pa i - inte rve io Ogum. - Mas gostar ia de propor mais um cast igo a esse mequet refe .

Page 185: Um Outro Pastoreio

185

ISSO

NÃO É

JUSTO!

QUE, LOGO EU,

O MENSAGEIRO,

O CRIADOR DE

HISTÓRIAS...

...TENHA ESSE FIM.

Não hav ia cas t igo p ior para Exu.

Ogum jogou um tomate em Exu. E os Or ixás f ize ram o mesmo.

At i ravam f rutas podres em Exu e o r id icu la r izavam.

Page 186: Um Outro Pastoreio

186

Page 187: Um Outro Pastoreio

187

Era um novo amanhecer na A lde ia dos Or ixás.

O fogo pr imord ia l de Olorum ard ia v igorosamente .

Page 188: Um Outro Pastoreio

188

Preso nos escombros da C idade la ,

o Estanc ie i ro chorava a sua perda .

Page 189: Um Outro Pastoreio

189

O C O R A Ç Ã O É SA N G R I A

A A L M A É T R I S T E Z A

O C O R P O É S O L I D Ã O

O O U T R O É A L G U É M

Page 190: Um Outro Pastoreio

SE PERDER ALGO, LEMBRE-SE:

ACENDA UMA VELA PARA O NEGRINHO DO PASTOREIO E VÁ DIZENDO:

Page 191: Um Outro Pastoreio

SE ELE NÃO ACHAR...

...NINGUÉM MAIS!

ASSIM PROFERIU SIMÕES!

Page 192: Um Outro Pastoreio

192

- Você é um ba i t a ment iroso ! - x inga um dos meninos.

- Es ta h is tória não faz o menor s ent ido !

- Quem d iss e que i a fazer s ent ido? – responde o out ro .

– Mas você escutou a t é o f im . Cont e i , e s tá conta do .

S e qu is er , que r e cont e você .

E, r indo, os dois meninos cruzam a ponte .

F I M

Page 193: Um Outro Pastoreio
Page 194: Um Outro Pastoreio

194

G L O S S Á R I O :

Orixás – São as divindades espirituais das religiões africanas.

Os orixás representam os elementos naturais (água, fogo, sol, lua, floresta, mar), as manifestações da natureza (raios, trovões, vento) e, ainda, conceitos simbólicos e dimensões da sociedade e da humanidade (beleza, sabedoria, justiça, doença, guerra).

Na África, a maioria dos orixás erae é cultuada em determinadas regiões e se relaciona à geografia daqueles lugares (por exemplo: um rio, um lago, uma floresta). Assim, há culto a centenas de divindades.

Os escravos que chegaram ao Brasil eram oriundos de povos sudaneses (Yorubás, Daomei, Costa do Ouro), bantus (Angola e Congo) e de outras partes da África. Houve uma mescla de costumes, ritos e dialetos. No país, o panteão é constituído de uma dezena de orixás.

Olorum – O Deus supremo do povo Yorubá, criador dos orixás, dono do céu (Orun) e da terra (Aiye). Na mitologia Yorubá, é chamado de Olodumare (Olódùmarè) ou Olourun.

Exu - É o orixá guardião dos templos e das encruzilhadas. É o mensageiro divino dos oráculos, senhor dos caminhos, das trocas comerciais e das comunicações. O culto aos demais orixás depende de seu papel de mensageiro, sem o qual não há comunicação entre as divindades africanas e os homens. Também chamado de Legbá, Bará e Eleguá.

Por influência do cristianismo, Exu foi indevidamente identificado com o diabo. Os estudiosos em mitologia comparada traçam uma relação entre os mitos Exu, Hermes e Shiva, nas mitologias hindu e grega, respectivamente. Traz semelhanças com o papel do arlequim, na Comédia Dell’arte, um personagem trapalhão, malandro e travesso.

Ogum - Orixá do ferro, da guerra e da metalurgia. É o senhor da tecnologia e das oportunidades de realização pessoal. No Brasil, é sincretizado como São Jorge ou Santo Antônio.

Iansã – Orixá feminino dos ventos, relâmpagos, tempestades e do Rio Niger. Também chamada de Oyá, Oiá ou Yansã. É sincretizada como Santa Bárbara.

Oxalá – Orixá do branco, da paz, da fé, associado à criação do mundo. Também chamado de Orixanlá e Orixalufã, é o criador da espécie humana, senhor absoluto do princípio da vida, chamado de Grande Orixá. É sincretizado como Nosso Senhor do Bonfim ou o Divino Espírito Santo.

Nanã – Orixá feminino dos pântanos e da morte, da sabedoria ancestral, responsável pelos portais de entrada (reencarnação) e saída (desencarnação). Sincretismo: Sant’Ana.

Xangô – Orixá do trovão e protetor da justiça. Divindade das tempestades. Nos primórdios, teria sido um rei da nação nagô (da vertente yorubá), fundador mítico da cidade de Oyô. Sincretismo: São Jerônimo, São João Batista ou São Pedro.

Yemanjá – Orixá feminino dos lagos e mares e da fertil idade, mãe de muitos Orixás. É sincretizada como Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Dores ou Nossa Senhora dos Navegantes.

Xapanã – Também chamado de Obaluaiyê ou Omulu. É o orixá das doenças e das pragas e, no revés, o orixá da cura. Sincretismo: São Roque, São Bento ou São Lázaro.

Oxum – Orixá feminino dos rios, do ouro e protetora dos recém-nascidos. Guarda o segredo do jogo de búzios. É sincretizada como várias divindades: Nossas Senhoras da Conceição, da Glória, do Carmo, Aparecida ou das Dores.

Page 195: Um Outro Pastoreio

195

Ifá - É o nome de um oráculo africano, também denominado de Orumilá. O oráculo é prerrogativa dos babalorixás (pai-de-santo) e das ialorixás (mãe-de-santo) que consultam o oráculo através do jogo de búzios, por exemplo.

Atabaque - Tambor pequeno de uma só pele; feito com pele de animal distendida sobre um pau oco e percutida com as mãos. É util izado para marcar o ritmo das danças religiosas e populares de origem africana. Outros nomes: atabal, atabalaque, atabale, tabaque, tambaque, carimbó, curimbó.

Ogó - bastão ou porrete adornado com cabaças.

Baio – Diz-se do cavalo cujo pelo tem cor de ouro desmaiado, com matizes que vão do baio-branco até o baio-laranja.

Capão de mato - Pequeno mato isolado no meio do campo.

Coxilha - Campinas ondulantes, em geral cobertas com pastagens.

Mala de garupa - Espécie de maleta, alforje; saco com uma abertura central, no sentido longitudinal, que se carrega no ombro ou no lombo do cavalo.

Manear – prender com maneia ou corda as patas do animal para impedir que caminhe.

Peleja (ou peleia) - Combate, luta, batalha. Briga, contenda, desavença.

Polvadeira – Poeirada.

Potreiro - Lugar cercado, pouco extenso, nos arredores duma estância, no qual se guardam os animais usados nos trabalhos cotidianos (cavalos de montaria, vacas de leite etc.) e os animais doentes que necessitam cuidados.

REFERÊNCIAS:

São muitas as fontes de pesquisa, desde entrevistas a registros etnográficos. Como ocorreu no Centro de Umbanda Caboclo João das Matas, coordenado pela cacique de terreira Maria Amaro, em Pelotas, em 2006.

Outra dica é, obviamente, “Contos Gauchescos e Lendas do Sul”, de João Simões Lopes Neto.

Para os termos regionais:

o “Dicionário do Folclore Brasileiro”, de Luís da Câmara Cascudo, o “Dicionário Gaúcho Brasileiro” de Batista Bossle, e o “Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas”, organizado por Zilá Bernd.

Sobre a religiosidade afro-brasileira:

“A Mitologia dos Orixás”, de Reginaldo Prandi, “Agô-Iê, Vamos Falar de Orishás?”, de Walter Calixto Ferreira (Borel), “A Prática do Candomblé no Brasil”, de Fernando Costa, e “Lendas de Exu”, de Adilson Martins.

Nos campos da antropologia e da mitologia comparada: “O Livro das Religiões”, de Jostein Gaarder, Victor Hellern e Henry Notaker, “A Gênese Africana”, de Leo Frobenius e Douglas C. Fox, “Mitología del Mundo”, organizado por Roy Willis, e “As Máscaras de Deus – Mitologia Primitiva”, de Joseph Campbell, “African Cerimonies - The concise edition” de Carol Beckwith e Angela Fisher.

Na internet, duas fontes interessante são: Monomito ( www.monomito.net ) e Jangada Brasil ( www.jangadabrasil.com.br ).

Outras sugestões são os documentários “Devoção” , de Sérgio Sanz, e “Mestre Borel: a ancestralidade negra em Porto Alegre”, de Anelise Gutterres e Baba Diba de Iyemonja.

Page 196: Um Outro Pastoreio

196

O N E G R I N H O D O PA S TO R E I O

d e J o ã o S i m õ e s L o p e s N e t o

Naquele tempo os campos a inda e ram aber tos, não hav ia ent re e les nem d iv isas

nem cercas ; somente nas vo l teadas se apanhava uma gadar ia xucra e os veados

e as avest ruzes cor r iam sem empec i lhos. . .

Era uma vez um estancieiro, que tinha uma ponta de surrões cheios de onças e meia- doblas

e mais muita prataria; porém era muito cauíla e muito mau, muito.

Não dava pousada a n inguém, não emprestava um cava lo a um andante ; no inverno

o fogo de sua casa não faz ia brasas, as geadas e o minuano, podiam entangui r

gente , que a sua por ta não se abr ia ; no verão a sombra dos seus umbus só abr igava

os cachor ros ; e n inguém de fora beb ia água das suas cac imbas.

Mas também quando tinha serviço na estância, ninguém vinha de vontade

dar-lhe um ajutório; e a campeirada folheira não gostava de conchavar-se

com ele, porque o homem só dava para comer um churrasco de tourito magro, far inha

grossa e erva-caúna e nem um naco de fumo.. . e tudo, debaixo de tanta somiticaria

e choradeira, que parecia que era o seu próprio couro que ele estava lonqueando.. .

Só para t rês v iventes e le o lhava nos o lhos : e ra para o f i lho , menino cargoso

como uma mosca , para um ba io de cabos-negros, que e ra o seu pare lhe i ro

de conf iança , e para um esc ravo , pequeno a inda , mui to boni t inho e preto

como carvão e a quem todos chamavam somente o —Negr inho.

A es te não deram padr inhos nem nome; por is so o Negr inho se d iz ia af i lhado

da V i rgem, Senhora Nossa , que é a madr inha de quem não a tem.

Todas as madrugadas o Negrinho galopeava o parelheiro baio; depois conduzia

os avios do chimarrão e à tarde sofr ia os maus-tratos do menino, que o judiava e se r ia.

Um d ia , depois de mui tas negaças, o es tanc ie i ro atou car re i ra com um seu v iz inho.

Este quer ia que a parada fosse para os pobres ; o out ro que não , que não!

que a parada dev ia se r do dono do cava lo que ganhasse .

E t ra ta ram: o t i ro e ra t r inta quadras, a parada , mi l onças de ouro .

No d ia aprazado, na cancha da car re i ra hav ia gente como em fes ta de santo grande .

Page 197: Um Outro Pastoreio

197

Entre os dois parelheiros a gauchada não sabia se decidir, tão perfeito era

e bem lançado cada um dos animais.

Do baio era fama que, quando corr ia, corr ia tanto, que o vento assobiava-lhe nas cr inas;

tanto, que só se ouvia o barulho, mas não se lhe viam as patas baterem no chão.. .

E do mouro era voz que quanto mais cancha, mais aguente, e que desde a largada

ele ia ser como um laço que se arrebenta. . .

As parcer ias abr i ram as gua iacas, e a í no mais já se apostavam aperos cont ra rebanhos

e redomões cont ra lenços.

— Pe lo ba io! Luz e doble ! . . .

— Pe lo mouro! Doble e luz! . . .

Os corredores fizeram suas partidas à vontade e depois as obrigadas;

e, quando foi na última, fizeram ambos a sua senha e se convidaram. E amagando o corpo,

de rebenque no ar, largaram, os parelheiros meneando cascos, que parecia uma tormenta...

— Empate! Empate! — gr i tavam os af i c ionados ao longo da cancha por onde passava

a pare lha ve loz , compassada como numa co lhera .

— Valha-me a Virgem madrinha, Nossa Senhora! — gemia o Negrinho.

— Se o sete-léguas perde meu senhor me mata! Hip! hip! hip!...

E baixava o rebenque, cobrindo a marca do baio.

— Se o corta-vento ganhar é só para os pobres!.. . — retrucava o outro corredor. Hip! hip!

E cer rava as esporas no mouro .

Mas os f letes corr iam, compassados como numa colhera. Quando foi na últ ima quadra,

o mouro vinha arrematado e o baio vinha aos t irões. . . mas sempre juntos, sempre

emparelhados.

E a duas braças da ra ia , quase em c ima do laço , o ba io assentou de supetão ,

pôs-se em pé e fez uma cara-vo l ta , de modo que deu ao mouro tempo mais

que prec iso para passar, ganhando de luz aber ta ! E o Negr inho, de em pe lo ,

agar rou-se como um g inetaço .

— Fo i mau jogo! — gr i tava o es tanc ie i ro .

— Mau jogo! — secundavam os out ros da sua parcer ia .

Page 198: Um Outro Pastoreio

198

A gauchada estava dividida no julgamento da carreira; mais de um torena coçou

o punho da adaga, mais de um desapresilhou a pistola, mais de um virou as esporas para

o peito do pé... Mas o juiz, que era um velho do tempo da guerra de Sepé-Tiarajú, era um

juiz macanudo, que já tinha visto muito mundo. Abanando a cabeça branca sentenciou,

para todos ouvirem:

— Foi na lei! A carreira é de parada morta; perdeu o cavalo baio, ganhou o cavalo mouro.

Quem perdeu que pague. Eu perdi cem gateadas; quem as ganhou venha buscá-las. Foi na lei!

Não hav ia o que a legar. Despe i tado e fur ioso , o es tanc ie i ro pagou a parada ,

à v is ta de todos, a t i rando as mi l onças de ouro sobre o poncho do seu cont rá r io ,

es tendido no chão .

E foi um alegrão por aqueles pagos, porque logo o ganhador mandou distribuir

tambeiros e leiteiras, côvados de baetas e baguais e deu o resto, de mota, ao pobrerio.

Depois as carreiras seguiram com os changueiritos que havia.

O estancieiro retirou-se para a sua casa e veio pensando, pensando, calado, em todo o

caminho. A cara dele vinha lisa, mas o coração vinha corcoveando como touro de banhado

laçado a meia espalda... O trompaço das mil onças tinha-lhe arrebentado a alma.

E conforme apeou-se , da mesma vereda mandou amarra r o Negr inho pe los pu lsos

a um pa lanque e dar- lhe , dar- lhe uma sur ra de re lho .

Na madrugada sa iu com e le e quando chegou no a l to da cox i lha fa lou ass im:

— Tr inta quadras t inha a cancha da car re i ra que tu perdeste : t r inta d ias f i ca rás

aqui pastoreando a minha t rop i lha de tord i lhos negros. . .

O ba io f i ca de p iquete na soga e tu f i ca rás de es taca!

O Negr inho começou a chorar, enquanto os cava los iam pastando.

Veio o sol , veio o vento, veio a chuva, veio a noite. O Negrinho, varado de fome

e já sem força nas mãos, enleou a soga num pulso e deitou-se encostado a um cupim.

V ie ram então as coru jas e f ize ram roda , voando, paradas no ar e todas o lhavam-no

com os o lhos re luzentes, amare los na escur idão . E uma p iou e todas p ia ram, como

r indo-se de le , paradas no ar, sem baru lho nas asas.

O Negr inho t remia , de medo. . . porém de repente pensou na sua madr inha

Nossa Senhora e sossegou e dormiu .

Page 199: Um Outro Pastoreio

199

E dormiu. Era já tarde da noite, iam passando as estrelas; o Cruzeiro apareceu, subiu

e passou; passaram as Três-Marias; a estrela-D’alva subiu. . .

Então vieram os guaraxains ladrões e farejaram o Negrinho, e cortaram a guasca da soga.

O baio sentindo-se solto rufou a galope, e toda tropi lha com ele, escaramuçando

no escuro e desaguaritando-se nas canhadas.

O t rope l acordou o Negr inho; os guaraxa ins fug i ram, dando ber ros de escárn io .

Os ga los es tavam cantando, mas nem o céu nem as bar ras do d ia se enxergava:

e ra a ce r ração que tapava tudo. E ass im o Negr inho perdeu o pastore io . E chorou.

O menino maleva fo i lá e ve io d izer ao pa i que os cava los não es tavam.

O es tanc ie i ro mandou out ra vez amarra r o Negr inho pe los pu lsos a um pa lanque

e dar- lhe uma sur ra de re lho .

E quando era já noite fechada ordenou-lhe que fosse campear o perdido.

Rengueando, chorando e gemendo, o Negrinho pensou na sua madrinha Nossa Senhora e foi

ao oratório da casa, tomou o coto de vela aceso em frente da imagem e saiu para o campo.

Por coxilhas e canhadas, na beira dos lagoões, nos paradeiros e nas restingas, por onde

o Negrinho ia passando, a vela benta ia pingando cera no chão: e de cada pingo nascia

uma nova luz, e já eram tantas que clareavam tudo. O gado ficou deitado, os touros

não escarvaram a terra e as manadas xucras não dispararam... Quando os galos estavam

cantando, como na véspera, os cavalos relincharam todos juntos. O Negrinho montou

no baio e tocou por diante a tropilha, até a coxilha que o seu senhor lhe marcara.

E ass im o Negr inho achou o pastore io . E se r iu . . .

Gemendo, gemendo, o Negrinho deitou-se encostado ao cupim e no mesmo instante

apagaram-se as luzes todas; e sonhando com a Virgem, sua madrinha, o Negrinho dormiu.

E não apareceram nem as corujas agoureiras nem os guaraxains ladrões; porém, pior do que

os bichos maus, ao clarear o dia veio o menino, filho do estancieiro, e enxotou os cavalos,

que se dispersaram, disparando campo fora, retouçando e desguaritando-se nas canhadas.

O t rope l acordou o Negr inho e o menino maleva fo i d ize r ao seu pa i que os cava los

não es tavam lá . . .

E ass im o Negr inho perdeu o pastore io . E chorou. . .

Page 200: Um Outro Pastoreio

200

O es tanc ie i ro mandou out ra vez amarra r o Negr inho pe los pu lsos, a um pa lanque

e dar- lhe , dar- lhe uma sur ra de re lho . . . dar- lhe até e le não mais chorar nem bul i r,

com as carnes recor tadas, o sangue v ivo escor rendo do corpo . . . O Negr inho chamou

pe la V i rgem sua madr inha e Senhora Nossa , deu um susp i ro t r is te , que chorou no ar

como uma mús ica , e pareceu que morreu . . .

E como já era de noite e para não gastar a enxada em fazer uma cova, o estancieiro

mandou atirar o corpo do Negrinho na panela de um formigueiro, que era para

as formigas devorarem-lhe a carne e o sangue e os ossos.. . E assanhou bem as formigas;

e quando elas, raivosas, cobriram todo o corpo do Negrinho e começaram a trincá-lo,

é que então ele se foi embora, sem olhar para trás.

Nessa no i te o es tanc ie i ro sonhou que e le e ra e le mesmo, mi l vezes e que t inha mi l

f i lhos e mi l negr inhos, mi l cava los ba ios e mi l vezes mi l onças de ouro . . .

e que tudo is to cab ia fo lgado dent ro de um formigue i ro pequeno. . .

Caiu a serenada silenciosa e molhou os pastos, as asas dos pássaros e a casca das frutas.

Passou a no i te de Deus e ve io a manhã e o so l encober to .

E t rês d ias houve cer ração for te , e t rês no i tes o es tanc ie i ro teve o mesmo sonho.

A peonada bateu o campo, porém ninguém achou a t rop i lha e nem ras t ro .

Então o senhor foi ao formigueiro, para ver o que restava do corpo do escravo.

Qual não foi o seu grande espanto, quando chegado perto, viu na boca do formigueiro

o Negrinho de pé, com a pele lisa, perfeita, sacudindo de si as formigas que o cobriam

ainda!... O Negrinho, de pé, e ali ao lado, o cavalo baio e ali junto, a tropilha dos trinta

tordilhos... e fazendo-lhe frente, de guarda ao mesquinho, o estancieiro viu a madrinha

dos que não a têm, viu a Virgem, Nossa Senhora, tão serena, pousada na terra, mas mostrando

que estava no céu... Quando tal viu, o senhor caiu de joelhos diante do escravo.

E o Negr inho, sa rado e r isonho, pu lando de em pe lo e sem rédeas, no ba io ,

chupou o be iço e tocou a t rop i lha a ga lope .

E ass im o Negr inho pe la ú l t ima vez achou o pastore io . E não chorou, e nem se r iu .

Cor reu no v iz indár io a nova do fadár io e da t r is te morte do Negr inho,

devorado na pane la do formigue i ro .

Page 201: Um Outro Pastoreio

201

Porém logo, de per to e de longe , de todos os rumos do vento ,

começaram a v i r not íc ias de um caso que parec ia um mi lagre novo . . .

E e ra que os poste i ros e os andantes, os que dormiam sob as pa lhas dos ranchos

e os que dormiam na cama das macegas, os chasques que cor tavam por ata lhos

e os t rope i ros que v inham pe las es t radas, mascates e car re te i ros, todos davam

not íc ia — da mesma hora — de te r v is to passar, como levada em pastore io ,

uma t rop i lha de tord i lhos, tocada por um Negr inho, g ineteando de em pe lo ,

em um cava lo ba io! . . .

Então, muitos acenderam velas e rezaram o Padre-Nosso pela alma do judiado.

Daí por diante, quando qualquer cristão perdia uma coisa, o que fosse, pela noite velha

o Negrinho campeava e achava, mas só entregava a quem acendesse uma vela,

cuja luz ele levava para pagar a do altar da sua madrinha, a Virgem, Nossa Senhora,

que o remiu e salvou e deu-lhe uma tropilha, que ele conduz e pastoreia, sem ninguém ver.

Todos os anos, durante t rês d ias, o Negr inho desaparece : es tá met ido em a lgum

formigue i ro grande , fazendo v is i ta às formigas, suas amigas ; a sua t rop i lha

espar rama-se ; e um aqui , out ro por lá , os seus cava los re touçam nas manadas das

es tânc ias. Mas ao nascer do so l do te rce i ro d ia , o ba io re l incha per to do seu g inete ;

o Negr inho monta-o e va i fazer a sua reco lh ida; é quando nas es tânc ias acontece

a d isparada das cava lhadas e a gente o lha , o lha , e não vê n inguém, nem na ponta ,

nem na cu lat ra .

Desde então e a inda ho je , conduz indo o seu pastore io , o Negr inho, sa rado e r isonho,

c ruza os campos, cor ta os macega is , bande ia as res t ingas, desponta os banhados,

vara os a r ro ios, sobe as cox i lhas e desce às canhadas.

O Negr inho anda sempre à procura dos ob jetos perd idos, pondo-os de je i to a se rem

achados pe los seus donos, quando es tes acendem um coto de ve la , cu ja luz e le leva

para o a l ta r da V i rgem, Senhora-Nossa , madr inha dos que não a têm.

Quem perder suas prendas no campo, guarde esperança: junto de a lgum moi rão

ou sob os ramos das á rvores, acenda uma ve la para o Negr inho do pastore io

e vá lhe d izendo:

- Foi por a í que eu perdi . . . - Foi por a í que eu perdi . . . - Foi por a í que eu perdi ! . . .

Se e le não achar. . . n inguém mais!

A publ icação da lenda “O Negr inho do Pastore io” tem anuênc ia do Inst i tuto S imões Lopes Neto .

Conheça: Ins t i tuto S imões Lopes Neto Rua Dom Pedro I I , 810 - Pe lotas /RS - (53) 3027.1865

Page 202: Um Outro Pastoreio

Sobô. Matamba. Deusa dos Ventos. Bamburucema.

Dona dos Raios, das Tempestades e da Fertilidade.

Nunvurucoma buva. Senhora dos Espíritos e Guardiã

dos Cemitérios. Essência Primordial do Caos. Rainha dos

Rios. Amante. A Mãe dos Nove. Conhecedora das Artes

da Guerra, do Poder do Fogo e da Magia. Oyá. Oiá.

Todos são nomes de Iansã e nenhum exatamente é .

Page 203: Um Outro Pastoreio

203

Contam que um d ia , Ogum, o Deus-Or ixá do Fogo e da Tecnolog ia ,

fo i caçar na f lo res ta quando av is tou um búfa lo .

O b icho cor r ia ve loz como um re lâmpago e so l tava fogo pe las nar inas.

Ogum o perseguiu. Quando estava prestes a abater o animal, ele teve uma surpresa.

Por deba ixo do couro do búfa lo , surg iu uma be l í s s ima mulher ves t ida

com panos co lor idos e brace le tes dourados.

Era Iansã . E la desp iu a couraça e escondeu em um formigue i ro .

Tão logo Iansã se afas tou , Ogum se apossou do couro . E aguardou.

Quando Iansã re tornou, não encontrou sua pe le . Então , Ogum apareceu ,

contou que sab ia de seu segredo e a ped iu em casamento .

Astuta como só , Iansã ace i tou , mas es tabe leceu uma condição:

n inguém poder ia saber de seu lado an imalesco . E fo i v ive r no rancho

de Ogum. Mas lá também moravam outras mulheres.

Iansã teve nove filhos. Ogum era um pai dedicado e carinhoso para a nova esposa

e as crianças. As outras raparigas, estéreis, embeberam-se de um ciúme mortal.

Cer ta no i te , uma de las embr iagou Ogum e ar rancou- lhe o segredo de Iansã .

Quando e le adormeceu, as rapar igas foram x ingá- la , g r i ta ram que

e la e ra um b icho e reve la ram onde o couro es tava escondido .

Tomada de fúr ia , Iansã ves t iu sua pe le de búfa lo , matou as concubinas

e a r rasou o rancho. Só poupou a v ida de seus f i lhos.

Antes de re tornar à f lo res ta , de ixou- lhes os ch i f res com a ind icação

de que só dever iam ser usados em momento de per igo .

Ass im, basta que os f i lhos de Iansã batam as duas pontas dos ch i f res

para que e la venha em socor ro .

A L E N DA D O B Ú FA L OR o d r i g o d M a r t

Page 204: Um Outro Pastoreio
Page 205: Um Outro Pastoreio

205

O S A U TO R E S A G R A D E C E M :

Tat i Pedó, pe los fantást i cos f igur inos dos bonecos. Yara Baungarten ,

pe los toques per t inentes e por prezar pe lo bom andamento das

co isas. Essas mulheres são uma grande dád iva e foram um apoio

fundamenta l nesta caminhada .

Renato Canin i e Mar ia de Lourdes Mart ins Canin i pe la honrosa

apresentação . Joe l-Peter Witk in , pe lo “Publ ish and Fuck Them”.

Ca io Carva lhaes, pe la ass is tênc ia de a r te . Rodr igo Rosa , por nos

fazer conta toda a h is tór ia . D imit re , pe lo suporte do s i te . A lexandre

Boide , por sempre te r ac red i to no pro je to .

A lexandre Bar re to , Huan Gomes, Luc iano Araú jo , R ichard Kovacs,

Danie l “Cuca” More i ra , Á lvaro de Carva lho Neto , E l S i l enc io , Jum

Nakao , Gustavo Peres e Car lo Giovani , pe los conse lhos ed i tor ia is .

Rodr igo Rocha , pe lo aux i l io na rev isão . Fe l ipe Te l les, Cec í l i a Fer re i ra

e Esfe raBR, pe lo suporte ao pro je to .

Ér ico Ass is , s i te Omelete , A lessandro Soares, pessoa l da TVE e FM

Cul tura e todas as míd ias, b logs e jo rna l is tas que a judaram na

d ivu lgação no pro je to .

Henr ique P i res e o Ins t i tuto João S imões Lopes Neto . Famí l ia Amaro

e o Cent ro de Umbanda Caboc lo João das Matas. Bandas Doid ivanas

e The Danc ing Demons. Negr inho Mart ins, pe las be las compos ições.

Marce lo Fruet , ga le ra da PVAG, Consp i ração Melecch i , moradores e

amigos do ba i r ro Menino Deus, em Porto A legre .

A todos que nos a judaram – aqui c i tados ou não – mui to obr igados.

E mantenham a fé .

Page 206: Um Outro Pastoreio

A U TO R E S

I N D I O SA N

R O D R I G O D M A R T

dMart é Rodr igo Nol te Mart ins. Pe lotas, RS , Bras i l , 1974.

Mús ico , jo rna l is ta e esc r i to r.

w w w . i m a g i n a c o n t e u d o . w o r d p r e s s . c o m

Indio San é Everson Tamiosso Nazar i . Sant iago , RS , Bras i l , 1978.

Des igner gráf ico e i lus t rador.

w w w . i n d i o s a n . c o m

Page 207: Um Outro Pastoreio
Page 208: Um Outro Pastoreio

Um Outro Pastoreio trata de duas jornadas.

Iansã, a Deusa dos Ventos e das Tempestades, viaja ao Mundo dos Homens

para resgatar Ogum, o Senhor da Guerra e da Tecnologia. Simão,

um velho peregrino, parte em busca de sua fé na companhia de um menino.

Mas não será uma tarefa fáci l . É um tempo sombrio e desolador

no qual uma horda de guerreiros invasores espalha terror e destruição.

O futuro do Mundo dos Homens e dos Orixás depende do sucesso de Iansã

e Simão. Eles precisam recriar a lenda de um escravo que t inha

o dom de encontrar coisas perdidas, o Negrinho do Pastoreio.

“Começa a jornada do pensamento sensível. Entre espirais e labirintos,

o inesperado flui - acontecem lendas, clarões, sombras, luzes, sons, cores,

emoções. Poesia e reflexão se integram na fusão de palavras e formas.

Nada de estático e fixo – tudo é desencadear de movimentos e vibração.”

Renato Canin i e Mar ia de Lourdes Mart ins Canin i

RO

DR

IGO

DM

aR

T &

IN

DIO

Sa

N

D M a R T I N D I O S a N

U M O U T R O

PASTOREIO

UM

OU

TR

OPA

ST

OR

EIO