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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111 São Luís - MA, Janeiro/Dezembro de 2010 - Ano XIX - Nº 7 149 UM OLHO NA TV E OUTRO NO COMPUTADOR: REPERCUSSÃO DE PRODUTOS TELEVISIVOS NO TWITTER Polyana Amorim Chagas Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade – gCult /UFMA. Bacharel em Comunicação Social, habilitação Rádio e TV/ UFMA. Email: [email protected] Resumo: Diante da popularização do uso de ferramentas sociais entre os internautas, o presente trabalho pretende analisar as relações existentes entre as produções televisivas e o microblogging twitter, embasado, principalmente, nos conceitos de inteligência coletiva (Lévy) e cultura participativa (Jenkins). Tendo em vista que hoje o twitter atua como termômetro da aceitação do público/internauta do que é lançado no meio televisivo. Palavras-chave: twitter, televisão, novas mídias, inteligência coletiva. Abstract: Facing the popularization of use of social tools among Internet users, the present article is to analyze the relationship between television productions and twitter microblogging, based mainly on the concepts of collective intelligence (Lévy) and participatory culture (Jenkins). Considering that today serves as the twitter thermometer public acceptance / surfer than is released on television. Key-words: twitter, television, new media, collective intelligence. Introdução A história da participação do telespectador na televisão está intrinsecamente relacionada à evolução das tecnologias. Desde seu surgimento, na década de 20, a televisão, em suas estratégias para manter o público cativo, já incentivava a participação da audiência. No primeiro momento, no início da TV, a participação se dava com a presença do público no auditório, prática que ainda é realizada nos programas de TV de hoje. O público (através de caravanas, por exemplo) se inscreve na emissora para fazer parte da platéia. Os primeiros programas de TV eram feitos ao vivo e tinham muitas semelhanças com os

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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da

Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111 São Luís - MA, Janeiro/Dezembro de 2010 - Ano XIX - Nº 7

149

UM OLHO NA TV E OUTRO NO COMPUTADOR: REPERCUSSÃO DE PRODUTOS TELEVISIVOS NO TWITTER

Polyana Amorim Chagas

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade – gCult

/UFMA. Bacharel em Comunicação Social, habilitação Rádio e TV/ UFMA.

Email: [email protected]

Resumo: Diante da popularização do uso de ferramentas sociais entre os internautas, o

presente trabalho pretende analisar as relações existentes entre as produções televisivas e o

microblogging twitter, embasado, principalmente, nos conceitos de inteligência coletiva

(Lévy) e cultura participativa (Jenkins). Tendo em vista que hoje o twitter atua como

termômetro da aceitação do público/internauta do que é lançado no meio televisivo.

Palavras-chave: twitter, televisão, novas mídias, inteligência coletiva.

Abstract: Facing the popularization of use of social tools among Internet users, the present

article is to analyze the relationship between television productions and twitter

microblogging, based mainly on the concepts of collective intelligence (Lévy) and

participatory culture (Jenkins). Considering that today serves as the twitter thermometer

public acceptance / surfer than is released on television.

Key-words: twitter, television, new media, collective intelligence.

Introdução

A história da participação do telespectador na televisão está intrinsecamente

relacionada à evolução das tecnologias. Desde seu surgimento, na década de 20, a televisão,

em suas estratégias para manter o público cativo, já incentivava a participação da audiência.

No primeiro momento, no início da TV, a participação se dava com a presença do

público no auditório, prática que ainda é realizada nos programas de TV de hoje. O público

(através de caravanas, por exemplo) se inscreve na emissora para fazer parte da platéia. Os

primeiros programas de TV eram feitos ao vivo e tinham muitas semelhanças com os

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programas radiofônicos, a própria existência da platéia na televisão também foi trazida da

experiência do rádio.

Mais tarde, o telefone foi introduzido na televisão como meio de aproximar o

telespectador de sua programação. Era pelo telefone que o público participava de enquetes,

games, etc. Um exemplo emblemático dessa prática foi o programa Você Decide66 da TV

Globo, onde o final do programa era decidido pela audiência entre duas alternativas pré-

estabelecidas pela emissora. Hoje, o telefone ainda é um recurso bastante usado. O sistema de

cartas foi outro meio popular de o telespectador entrar em contato com o programa. Mas o

que veio revolucionar o nível de participação na TV foi a internet que com sua estrutura

hipermidiática e feedback imediato foi incorporada pela televisão como um dos principais

meios de participação do telespectador. Através da internet, ele manda perguntas aos

entrevistados, sugere temas a serem discutidos, participa de promoções, etc.

Embora o número de consumidores de TV seja imensamente maior que o de usuários

da internet, no Brasil, o crescimento do número de usuários de web tem sido vertiginoso.

Manuel Castells analisa o rápido crescimento da internet, comparando-o com os meios de

comunicação de massa tradicionais. Segundo ele,

A internet tem tido um índice de penetração mais veloz do que qualquer outro meio de comunicação na história: nos Estados Unidos, o rádio levou 30 anos para chegar até 60 milhões de pessoas; a TV alcançou esse índice de difusão em 15 anos; a internet o fez apenas três anos após a criação da teia mundial (apud FAGUNDES PASE, 2006, p. 02).

Para Luís Monteiro (2001), o principal atrativo da internet é sem dúvida, a

hipertextualidade. Em uma estrutura hipertextual, o usuário não tem compromisso de seguir a

ordem “começo, meio e fim”, podendo traçar a sua ordem, “navegando” através dos

documentos interligados (MONTEIRO: 2001, p. 30). Tais documentos podem ser outros

textos, áudio, vídeos, gráficos, etc.

André Lemos (1997) fez uma classificação dos níveis de interatividade na televisão,

enumerando, assim, cinco categorias. O nível Zero compreende a TV em preto e branco onde

o telespectador só comandava as atividades de ligar e desligar o aparelho. No nível Um temos

a TV em cores e o controle remoto que permite o zapeamento do telespectador pelos canais

66 O programa Você Decide foi exibido de 1992 a 2000 e ainda foi reprisado em 2001.

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sem ter que sair do sofá. No nível Dois, por sua vez, o público tem a disponibilidade de outras

tecnologias que, acopladas a TV, o desligam da programação cerrada das emissoras, é o caso

do videocassete, onde o telespectador pode gravar programas da TV para assistir em outros

horários mais convenientes. Já o nível Três de interação engloba as participações digitais por

e-mail. E, no nível Quatro, temos a participação em tempo real que, segundo Lemos,

acontecerá com o estabelecimento da TV interativa.

Janet Murray (2003), por sua vez, acredita que o espectador vem mudando seu

comportamento com a digitalização da informação. Cronologicamente, o espectador passou

das atividades seqüenciais (assistir, depois interagir) para atividades simultâneas (interagir

enquanto se assiste) e com a implantação da TV interativa ele poderá assistir e interagir em

uma mesma plataforma.

No Brasil ainda não temos um modelo de televisão interativa vigente, mas as

mudanças no comportamento do telespectador e das produções já são identificadas, muito em

função da popularização da internet e do anseio por interagir e fazer parte da produção de

conteúdo da TV, apontando a prática de “atividades simultâneas” definidas pela Murray.

Televisão e público

O anseio por participação levou o telespectador a buscar outros meios onde pudesse ter

um papel mais ativo e na internet ele encontrou espaço para “falar”, trocar informações e

produzir conteúdo.

Na medida em que o usuário foi aprendendo a falar com as telas, através dos computadores, telecomandos, gravadores de vídeo e câmeras caseiras, seus hábitos exclusivos de consumismo automático passaram a conviver com hábitos mais autônomos de discriminação e escolhas próprias. (SANTAELLA, 2003, p. 82)

Atenta a essa mudança de comportamento, a televisão brasileira procurou alterar suas

práticas de maneira a envolver mais o público em suas produções. Martín-Barbero e Rey

(2004) também na esteira para compreender a formação deste novo sujeito o definem como

um sujeito dotado de característica “camaleônica” que se adapta aos diversos contextos.

Mas essa concorrência, embora hoje seja mais impactante, não é única. Desde os anos 90

que as grandes emissoras de televisão aberta no Brasil enfrentam novos desafios para se

manter como as preferidas do público. Além da guerra interna entre emissoras, novos

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produtos de entretenimento foram surgindo e afetando a supremacia das TVs: canais a cabo,

videocassetes, aparelhos de DVD, videogames, etc.

Sem dúvida, a internet tornou-se uma grande vilã na história recente da televisão, assim

como para outras esferas, a exemplo da indústria fonográfica que até hoje tenta lidar com esse

novo mecanismo de distribuição de produto. Ao surgir, a internet possibilitou ao usuário ter

acesso a conteúdo em texto, áudio e vídeo on demand. Com a internet vieram os serviços P2P

(peer-to-peer) onde usuários compartilham CDs, seriados, novelas, filmes, na íntegra, em uma

rede praticamente impossível de controlar. Também surgiram os canais de vídeo online

disponibilizando não só os produtos das TVs comerciais, como de produtoras independentes

que viram na web uma alternativa de custo quase zero para escoar seus produtos.

Algumas emissoras tentaram contornar a situação, disponibilizando em seus sites oficiais

o conteúdo completo de sua programação, mas este conteúdo ficava restrito aos assinantes da

página. E mais: a televisão também passou a produzir conteúdo exclusivo para os

telespectadores-internautas como bastidores de gravação, matérias sem cortes etc. No entanto,

os vídeos disponibilizados no Youtube são mais acessados que em outros portais.

Segundo pesquisa da ComScore67, entre 35,6 milhões de internautas que assistem vídeo

online, 28,3 milhões assistem via Youtube, 8,5 milhões assistem na Globo.com e outros 5

milhões buscam o portal Uol. Diante da predileção do público pelo Youtube, a Rede Globo

criou no portal alguns perfis oficiais. O seriado Malhação, por exemplo, tem um perfil no site

(www.youtube.com/malhacao) onde são disponibilizados resumos dos episódios diários e já

conta com mais de 38 milhões de visitas. Ou seja, ao constatar a dificuldade para superar os

canais de vídeo, as emissoras decidiram se aliar a eles, garantindo, assim, uma fatia desse

novo público que foi sendo modificado com a inserção da internet em seu cotidiano.

Redes sociais e TV: caso twitter

Além dos canais de vídeo, as redes sociais virtuais vêm atraindo a atenção de vários

pesquisadores pelo grande número de usuários que possuem e pela possibilidade de interação

com outras pessoas de qualquer parte do planeta, o que desperta também o interesse das

emissoras de TV em marcar presença nesses ambientes virtuais. As redes sociais

67www.comscore.com

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funcionam como mediadores sociais e que favorecem a criação de redes de relacionamentos através de espaços onde o usuário pode juntar pessoas do seu círculo de relacionamentos, conhecer outras que compartilhem os mesmos interesses e discutir temas variados, construindo diferentes elos entre os “eus” privado e público. (MACHADO; TIJIBOY, 2005, p.03)

Em outras palavras, são softwares elaborados para promover a interação entre seus

usuários, sem limites geográficos. Orkut, Facebook, Myspace e Twitter68 são as redes sociais

mais populares na atualidade. O Orkut, por exemplo, criado em 2004, conta com 48% de

usuários brasileiros69. O Facebook tem ganhado adeptos e é a rede social mais popular entre

os americanos.

O twitter vem se destacando como rede social e microblogging, permitindo que os

usuários comentem fatos do cotidiano ou de interesse público em posts de 140 caracteres.

Uma estimativa de 2009 registra mais de 11 milhões e meio de usuários cadastrados no

twitter70.

Criado em 2006, o twitter é um programa que agrega rede social a micropostagens, como

em um blog comum só que limitado a 140 dígitos por texto que no twitter é chamado de

tweet. O usuário cadastrado pode seguir (following) outras pessoas e ser seguido também

(followers). Na página inicial do perfil, o usuário vai visualizar tanto os seus tweets quanto

das pessoas que ele segue. O diálogo com outros usuários pode ser travado através de

respostas (replies) e repostagens (retweets) que são feitas sobre o tweet de outro usuário.

O site atraiu o interesse não só de pessoas físicas, mas também de empresas, inclusive das

emissoras de TV que o utilizam para divulgar seus serviços, realizar promoções, enquetes,

etc.

@rede_globo A dona do bar local de #Araguaia é a corajosa e atraente viúva Janaína (Suzana Pires) @fepablo @rede_globo essa novela promete!! [2 minutos depois do tweet da

Globo]

@allanpires QUE BOM! RT @rede_globo: Lima Duarte é o rico e desonesto Max, um criador de gado em Araguaia. 71

68 Ver www.orkut.com, www.facebook.com, www.myspace.com, www.twitter.com 69 Ranking divulgado no site Alexa – the web information compay, com dados de 13 de abril de 2010, constata que o Brasil permanece com

o maior número de usuários no Orkut – 48%, seguido da Índia com 39%. Nos Estados Unidos apenas 2,2% dos usuários utilizam Orkut.

Disponível em http://www.alexa.com/siteinfo/Orkut.com# 70 Dados extraídos do site da BBC News. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/technology/8089508.stm. 71 Perfis: www.twitter.com/rede_globo; www.twitter.com/fepablo; www.tiwitter.com/allanpires. Acessados em 08.09.2010

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Note que no exemplo acima, a emissora Rede Globo postou em sua página uma série de

tweets sobre a nova novela, Araguaia. Imediatamente, o perfil teve um feedback do usuário

que o seguia, além de ter seu tweet reproduzido, sendo assim propagado para mais usuários,

no caso, aos seguidores do perfil @allanpires.

O sistema de hashtags (marcadores que atuam como palavras-chave dos assuntos

discutidos, exemplo #copadomundo), estimula um produção ampla entre os usuários que não

precisam necessariamente estarem adicionados um ao perfil do outro. Diante do grande fluxo

de tweets produzidos diariamente, as hashtags assumem o papel de filtros informacionais.

O seriado A Cura, protagonizado pelo ator Selton Melo costuma ser comentado pelos

usuários do twitter no horário em que é transmitida. No episódio do dia 07 de setembro de

2010, uma revelação na trama – o personagem Dimas (Selton Melo) descobriu que é filho do

médio curandeiro Oto – levou o seriado a ser bastante comentado no microblog.

Note abaixo que todos os tweets são acompanhados da hashtag #acura. Quando um

usuário clicar nesta hashtag, ele terá acesso a todos os tweets que trazem a hashtag do seriado

em seus textos.

Figura 1: Lista de tweets com a hashtag #acura

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Quando os programas são bastante comentados, ou melhor, quando a hashtag referente

ao programa é twittada muitas vezes por vários usuários, seja em tweets, retweets ou replies,

inevitavelmente ela entra no trending topics (TT) que é o ranking do twitter. Esta ferramenta

elenca os dez assuntos mais comentados no twitter. A toda hora o trending topics é atualizado

e as posições mudam com freqüência. Alguns temas permanecem o dia todo no TT, outros

não passam uma hora.

Notamos que muitos programas de entretimento da TV aberta, principalmente os que são

voltados para o público jovem, utilizam o twitter como principal meio de comunicação e

participação. O programa Pânico na TV, da Rede TV, criou um quadro chamado “Twitter da

Vovó”, onde a personagem responde aos tweets que lhe são enviados no perfil,

@vovo_panico72. O mesmo programa também costuma ler os tweets endereçados ao perfil

@programapanico73 durante a atração.

O programa ScrapMTV da MTV, realiza uma série de enquetes através do twitter, além

de exibir no rodapé da televisão, todos os tweets referentes ao programas seja em forma de

replies para o @scrapmtv74 ou acompanhados da hashtag #scrapmtv.

Nos dois casos, vemos que a iniciativa parte da emissora de televisão com o intuito de

estimular a participação do espectador e difundir o programa via twitter. Trata-se de uma

estratégia transmidiática, que na concepção do Henry Jenkins (2008, p. 135) consiste na

divulgação e/ou distribuição de um produto “através de múltiplos suportes midiáticos, com

cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”. O produto

transmidiático, por sua vez, surgiu da necessidade de satisfazer um público “que está

ocupando um espaço de intersecção entre os velhos e os novos meios de comunicação” (p.51).

Tal intersecção, no entanto, nem sempre é incitada pela emissora. Na maioria dos casos,

os tweets em torno de um tema surgem de maneira espontânea. O caso do seriado A Cura, na

figura anterior, ilustra a manifestação espontânea do usuário/telespectador sobre o produto

televisivo. Esse comportamento faz a hashtag circular em vários perfis de twitter, tendo um

alcance bem maior que uma mobilização organizada pelos perfis oficiais, repercutindo

inclusive em portais de notícias e outras mídias.

Podemos atribuir a esta organização espontânea dos internautas em torno de um tema o

conceito de inteligência coletiva que na concepção do Pierre Lévy (2007, p. 28) consiste em

72 www.twitter.com/vovo_panico 73 www.twitter.com/programapanico 74 www.twitter.com/scrapmtv

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“uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real,

que resulta em uma mobilização efetiva das competências”.

Um caso emblemático aconteceu na décima edição do reality show Big Brother Brasil

transmitido pela Rede Globo de Televisão. O comportamento do participante, dito

homofóbico, Marcelo Dourado gerou afetos e desafetos entre o público. No twitter, uma série

de comentários reprovando a atitude da própria emissora por permitir que o participante

agisse de tal forma desencadeou várias matérias nos jornais impressos e portais de notícias,

levando a Rede Globo a manifestar-se durante o programa sobre o ocorrido. Vimos que a

temática tornou-se expressiva no twitter, gerando inclusive diversas hashtags e ultrapassou os

140 caracteres quando trouxe à tona para as grandes mídias o debate sobre a homofobia.

Opinião pública via twitter

Por conta dessas pequenas mobilizações, mas que atraem a atenção dos portais de

notícias e outras vezes repercutem mais que o esperado no próprio microblogging, as

emissoras de TV decidiram inserir-se na rede social, criando perfis no twitter. Assim, eles têm

condições de monitorar o que é debatido e agir rapidamente com contra-informações em caso

de uma notícia negativa surgir e propagar-se no microblogging. Tivemos um exemplo com a

mobilização da hashtag #calabocagalvão que tentou ser combatida com a #falagalvão.

Evidente que a primeira teve maior repercussão, alcançando o primeiro lugar no trending

topics mundial, gerando inclusive matérias em algumas emissoras de TV.

Para Henry Jenkins esta nova “prática interligada em rede” de consumir produtos

televisivos, estando conectado à web configura os modos de consumo e produção dos

produtos televisivos. O caso aqui não é ver TV no computador, e sim ver TV no aparelho de

TV e comentá-la nas redes sociais da web. Não basta acompanhar o programa, o

telespectador/internauta sente a necessidade de compartilhar sua opinião sobre ele e o registro

dessa opinião na web atua como legitimadora de um público que tem se tornado

“midiaticamente ativo”, segundo Betty Frank da MTV Networks (JENKINS, 2006, p. 311).

Em uma vertente de pensamento semelhante ao do Henry Jenkins, Alex Primo (2008)

chama de encadeamento midiático esse elo que foi criado entre as mídias tradicionais e a nova

mídia, internet, através dos usuários de blogs e redes sociais. Ele explica que o encadeamento

consiste justamente no diálogo entre as mídias, suscitado de maneira natural pelos usuários

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em torno de um assunto específico. Alex Primo afirma que esse encadeamento se dá em

função da convergência tecnológica e, principalmente, pela convergência cultural que

acontece na mente dos usuários. Ele defende a hipótese do Henry Jenkins que diz

Por convergência, eu me refiro ao fluxo de conteúdo entre múltiplas plataformas midiáticas, a cooperação entre múltiplas indústrias midiáticas, e o comportamento migratório das audiências midiáticas que irão a qualquer lugar em busca dos tipos de entretenimento que querem” (JENKINS, 2006, p. 27)

Fala-se de um diálogo entre mídias que é realizado pelo próprio usuário. É a partir do

feedback do telespectador/internauta que se mensura a proporção do encadeamento.

O conceito de encadeamento midiático de Primo foi baseado na classificação de mídia

feita por Sara Thornton (Club Culture, 1996). Thornton considera que as mídias são de três

tipos: mídia de massa, mídia de nicho e micromídia. A mídia de massa equivale à produções

broadcasting, as de nicho correspondem as narrowcasting75, já as micromídias são os meios

de baixa circulação como fanzines, folhetos e rádios livres. Primo concentrou-se na última

categoria e considerou como novos tipos de micromídia os blogs, microbloggins e podcasts.

Enquanto produtos das duas primeiras categorias demandam estratégias de

comercialização, investimentos, mobilizando uma grande equipe, produtos micromídia são,

nas palavras do pesquisador, artesanais e produzidos até por uma pessoa apenas.

Mesmo com um custo quase zero, o papel da informação gerada por essa micromídia e

a maneira como ela circula na rede é que pode gerar uma repercussão “além-mar”.

Trata-se de um novo modelo de comunicação que para Pierre Lévy e André Lemos

(2010, p. 13) é “polarizada por pessoas que fornecem, ao mesmo tempo, os conteúdos, a

crítica, a filtragem e se organizam, elas mesmas, em redes de trocas e de colaboração”. Eles

pontuam a reconfiguração da opinião pública através da ciberdemocracia76. Nesse contexto a

opinião pública é realizada por usuários que

comentam em blogs, trocam arquivos torrent em redes peer to peer, atualizam em poucas palavras sua ações quotidianas em microblogs, trabalham cooperativamente em wikis, produzem e disseminam softwares de fonte aberta, reciclam e tornam o que era considerado “lixo” pela indústria de massa (o Youtube é um exemplo), prodizem conteúdos localizados em mapas (Everyblock, Citysense, Meraki, Usuhaidi). (LEVY; LEMOS, 2010, p.86-87)

75 Sistemas Narrowcasting consistem em produtos segmentados e especializados disponíveis para públicos específicos. É o caso das TVs por

assinatura. 76 Lévy e Lemos dizem que a ciberdemocracia é regida por uma sociedade planetária em que ao fluxo massivo juntam-se funções pós-

massivas pós-industriais conversacionais. (2010, p.28)

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Recentemente, a premiação da MTV Brasil77, o Video Music Brasil - VMB, que

contempla os melhores do ano em diversas categorias, realizado dia 16 de setembro de 2010,

repercutiu via twitter recebendo críticas positivas e negativas. Elogios aos premiados, críticas

à maneira como a votação é conduzida e outras temáticas permearam a discussão sobre o

evento que emplacou diversas hashtags no trending topics. Muitos criticaram o fato de a

banda Restart78 ter sido premiada em cinco categorias em detrimento de outras bandas

consideradas melhores, questionando, assim, a credibilidade da votação liberada para o

público via internet. Uma matéria no site do Estadão destacou não só a premiação como sua

repercussão no twitter, mencionando que “muita gente foi comemorar ou xingar no twitter”79.

Considerações

Percebe-se que programas de auditório, novelas, telejornais, esportivos, filmes,

seriados, programas de culinária, de humor, voltados para o público jovem, de música, etc.

estão sendo acompanhados e comentados pelo público que, segundo muitos autores,

modificou seus hábitos de consumo com a internet. Alguns diziam que a TV havia sido

abandonada por esse público que agora busca entretenimento e informação na web.

O twitter sendo uma rede social em que predomina a conversação e discussões sobre

diversos assuntos, inclusive de origem televisiva, sinaliza para um possível retorno desse

público modificado à TV, obviamente sem o intuito de consumir os programas passivamente,

isolados em sua casa, fazendo crescer o interesse em acompanhar os programas ao vivo ou no

momento de sua primeira transmissão para não ficar de fora da timeline de debates, assim

como cresce também a busca por vídeo on demand sobre os programas que ganham destaque

no twitter.

O objetivo em acompanhar os programas televisivos é ter subsídios para comentá-los

no microblogging e participar da discussão que se desencadeia. A internet, dessa maneira,

despertou o senso crítico de alguns usuários que a utilizam para se expressar em relação aos

produtos que lhe são ofertados na TV aberta.

77 Franquia da MTV americana inaugurada no Brasil em 1990, transmitida por sinal a cabo e UHF. 78 Banda de pop-rock adolescente conhecida principalmente pela vestimenta dos integrantes que adotaram um estilo “happy” ao usar

roupas coloridas em suas apresentações e videoclipes. 79 Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,restart-e-o-grande-vencedor-do-vmb-2010,611043,0.htm> Acesso em

18 de set de 2010.

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Evidente que não se trata de todos os usuários, seguindo o raciocínio da Lúcia

Santaella - que classifica os usuários de web em novatos, leigos e expertos - muitos ainda

estão na fase leiga quando usam a web, mas já existe, de outro lado, uma parcela de expertos

que faz uso da internet, especificamente do twitter com o objetivo de criticar e gerar

informação a partir de suas impressões sobre o mundo cultural que lhe cerca.

REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2ª ed., São Paulo, Paz e Terra, 1999. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. LEMOS, André. Anjos interativos e retribalização do mundo: sobre Interatividade e Interfaces Digitais, 1997. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/lemos/interativo.pdf>. Acesso em: 15 de set de 2009.

LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010. LEVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 5ª Ed., São Paulo: Edições Loyola, 2007. MACHADO, Joicemegue; TIJIBOY, Ana Vilma. Redes Sociais Virtuais: um espaço para efetivação da aprendizagem cooperativa. Revista Novas Tecnologias na Educação: Cinted – UFRGS, V.3, nº 1, 2005. Disponível em: <http://www.cinted.ufrgs.br/renote/maio2005/artigos/a37_redessociaisvirtuais.pdf.> Acesso em 10 de mai de 2010. MARTÍN-BARBERO, Jesús; GERMÁN, Rey. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. 2ª ed. São Paulo, SP: Editora Senac São Paulo, 2004. MONTEIRO, Luís. A internet como meio de comunicação: possibilidades e limitações. XXIV Congresso Brasileiro de Comunicação: Campo Grande/ MS, 2001. <http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/comunicacaovirtual/0158.pdf> Acesso em 27 de set de 2009. MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003. PASE, André Fagundes. Uso do vídeo online como sintoma de alternativa para a TV na era digital. XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. UNB, 2006.

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