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Grupo Temático 3: Análise de Políticas Públicas SANTOS, J. P. 728 UM OLHAR SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA A PARTIR DOS MUNICÍPIOS PARAIBANOS DE BANANEIRAS E DONA INÊS Josué Pereira dos Santos 1 RESUMO Depois de décadas de um federalismo extremamente centralizador do período ditatorial, a nova Constituição refletiu a realidade da época de reivindicação forte dos Estados e Municípios de se tornarem atores mais importantes nos processos de tomada de decisão política e administrativa. Realizou-se um estudo de caso nos municípios paraibanos de Bananeiras e Dona Inês para analisarmos como a política educacional descentralizada pode ter desvantagens, uma vez que contribui para a desigualdade educacional, pois o modo como cada gestor municipal implementa sua política se reflete nos indicadores de qualidade da educação, como no IDEB, além de uma pesquisa bibliográfica para nos ajudar a compreender a relação entre federalismo e implementação de políticas públicas sociais à luz dos estudos de ABRUCIO E FRANZESE (2005), CRUZ (2011) e FERNANDES (2013), dentre outros. Palavras-chave: Federalismo. Política Educacional. Descentralização. Fundeb. Ideb. 1 Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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Grupo Temático 3: Análise de Políticas Públicas SANTOS, J. P.

728

UM OLHAR SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL

BRASILEIRA A PARTIR DOS MUNICÍPIOS PARAIBANOS

DE BANANEIRAS E DONA INÊS

Josué Pereira dos Santos1

RESUMO Depois de décadas de um federalismo extremamente centralizador do período ditatorial, a nova Constituição refletiu a realidade da época de reivindicação forte dos Estados e Municípios de se tornarem atores mais importantes nos processos de tomada de decisão política e administrativa. Realizou-se um estudo de caso nos municípios paraibanos de Bananeiras e Dona Inês para analisarmos como a política educacional descentralizada pode ter desvantagens, uma vez que contribui para a desigualdade educacional, pois o modo como cada gestor municipal implementa sua política se reflete nos indicadores de qualidade da educação, como no IDEB, além de uma pesquisa bibliográfica para nos ajudar a compreender a relação entre federalismo e implementação de políticas públicas sociais à luz dos estudos de ABRUCIO E FRANZESE (2005), CRUZ (2011) e FERNANDES (2013), dentre outros. Palavras-chave: Federalismo. Política Educacional. Descentralização. Fundeb. Ideb.

1 Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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INTRODUÇÃO

O federalismo brasileiro a partir de 1988 ganhou uma nova roupagem com a

promulgação da Constituição Cidadã. Depois de décadas de um federalismo

extremamente centralizador do período ditatorial, a nova Constituição refletiu a

realidade da época de reivindicação forte dos Estados e Municípios de se tornarem

atores mais importantes nos processos de tomada de decisão política e

administrativa. Essas forças descentralizadoras foram decisivas para a adoção do

novo federalismo, especialmente no que se refere a suas políticas sociais, embora o

governo central venha adotando mecanismos para estimular a cooperação e as

diretrizes básicas para manter um padrão nacional de qualidade e condições

mínimas, como ocorre no caso da política educacional, com a LDB e os PCNs nos

anos 90 e a adoção de um piso nacional do magistério da educação básica, a partir

de 2008, objetivando valorizar os profissionais e reduzir as desigualdades regionais,

numa busca de melhorar e equalizar os indicadores de qualidade da educação

básica, em nível nacional.

O novo pacto federativo de 1988 ao conceder mais autonomia aos entes

subnacionais (estados e, especialmente aos municípios) não resolveu a questão

fiscal, ao contrário, intensificou ao transferir responsabilidades para os entes

subnacionais que passaram a reivindicar mais recursos, protestando que suas

participações no bolo tributário seriam insuficientes para darem conta de suas

responsabilidades políticas, apesar de a Constituição ter definido um sistema de

transferências, visando combater o problema das enormes desigualdades regionais

(CRUZ, 2011).

A questão que compõe a espinha dorsal do federalismo é a conciliação (ou

tentativa) de forças centralizadores e descentralizadoras (centrípetas e centrífugas),

através da criação de instituições que coordenam as relações entre os entes, numa

perspectiva complexa, uma vez que visam representar os interesses de uma

população heterogênea (SOUSA, 2005). No caso das políticas sociais,

especialmente a política da educação, a Constituição de 1988, em seu Artigo 211,

indica que a mesma deve ser realizada em regime de colaboração, entre a União,

Estados, Distrito Federal e Municípios. Mas será que tem ocorrido na prática esse

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regime de colaboração? Ou cada ente subnacional tem agido dentro de uma área

específica, sem colaborar com outra?

O FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, criado em

1968, pela Lei n° 5.537 é uma autarquia do Governo Federal, cujo objetivo é

implementar as políticas educacionais do Ministério da Educação - MEC. Assim,

dentro do FNDE estão as políticas e programas que visam garantir uma educação

de qualidade a todos, direito este delineado na Constituição de 1988, em seu Artigo

205, que afirma que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da

família. A política de financiamento da educação básica do FNDE se operacionaliza

como uma alternativa encontrada pela União para exercer seu papel constitucional

supletivo e redistributivo, voltado à equalização das oportunidades educacionais a

ao alcance de um padrão mínimo de qualidade do ensino, especialmente, mediante

assistência técnica e financeira aos estados e aos municípios (CRUZ, 2011). É

composto, atualmente, pelos seguintes Programas: Brasil Carinhoso, Brasil

Profissionalizado, Caminho da Escola, Formação pela Escola, PAR – Plano de

Ações Articuladas, PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola, PNAE –

Alimentação Escolar, PNATE – Transporte Escolar, PNBE – Biblioteca da Escola,

PNLD – Livro Didático, ProInfância – Programa Nacional de Reestruturação e

Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil, e

ProInfo – Programa Nacional de Tecnologia Educacional. E pelas seguintes políticas

de financiamento: FIES – graduação, Salário Educação e FUNDEB – Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa se caracteriza por uma abordagem descritiva, pois optamos por

analisar, nesse trabalho, como os municípios paraibanos de Bananeiras e Dona Inês

implementam suas políticas de educação, especialmente utilizando os recursos do

FUNDEB, estes que são recursos constitucionais, ou seja, são repassados

automaticamente para os municípios implementarem suas políticas de educação

básica, dentro dos parâmetros de qualidade estabelecidos pelo Governo Central.

Ainda, a escolha se justifica pelo fato de esse recurso ser um dos mais importantes

para os municípios de pequeno porte, pois para se ter ideia, é a segunda maior fonte

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de recurso da Prefeitura de Dona Inês, perdendo apenas para o Fundo de

Participação dos Municípios – FPM. Pretende-se com isso, mostrar como os

referidos municípios se comportaram no que se refere as políticas adotadas e

financiadas com os recursos do FUNDEB, especialmente os 60% destinados à

remuneração dos profissionais que exercem atividade do magistério.

Quanto ao processo de coleta de dados a pesquisa efetiva-se pelo método

qualitativo a partir da interpretação dos dados disponibilizados pelo SIOPE –

Sistema de informações sobre Orçamentos Públicos em Educação, que se constitui,

atualmente, como uma importante fonte de dados que objetiva manter a sociedade

informada sobre quanto as três esferas do governo gastam na manutenção e

desenvolvimento do ensino.

Ainda, utilizaremos o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica,

para verificarmos o desempenho dos respectivos municípios no período de 2013 a

2015, objetivando mostrar como a descentralização da educação pode contribuir

para a desigualdade educacional, provocando uma discussão sobre até que ponto a

descentralização da educação traz benefícios, possibilitando que cada município

adote seu sistema de educação, criando uma variedade de políticas dentro de um

Estado o que coloca em xeque a eficiência do sistema educacional entre os

municípios paraibanos e, consequentemente, da educação básica brasileira.

Portanto, opta-se por um estudo de dois casos pontuais (Bananeiras e Dona

Inês, ambos municípios paraibanos), como uma forma de estimular o debate sobre

como a política educacional brasileira descentralizada, a partir do repasse de

recursos pelo Governo Central – O FUNDEB, nesse caso –, tem se mostrado

eficiente (ou não) para garantir o direito à educação não apenas universalmente,

mas também qualitativamente.

Optamos por analisar os dados mencionados acima no recorte de tempo

determinado de 2013 até 2015, uma vez que a análise dos demais anos anteriores

se tornaria um trabalho extenso, inviável nesse contexto, dado o volume de

informações. Assim, o trabalho se constitui como um estudo de caso, reconhecendo

suas limitações quanto ao aspecto de generalização, ou seja, não há intenção de

generalizar, mas se reconhece sua importância para lançar luz sobre o tema,

servindo como indicador para outras pesquisas que se proponham mais

abrangentes.

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BREVE CARACTERIZAÇÃO DOS CENÁRIOS DE ANÁLISE

A escolha dos municípios de Bananeiras e Dona Inês se deu por sua ligação

histórica, pois Dona Inês foi distrito de Bananeiras até 1959, quando ganhou

autonomia política e administrativa, depois de muita insistência das lideranças locais

que tinham se formado.

Bananeiras está localizada na serra da Borborema na região do brejo da

Paraíba, com uma população de cerca de 21.851 habitantes, numa área total de

257.057km². A economia do município, segundo dados do IBGE (2013), está

baseada na administração e serviços públicos, constituindo 47,23% do produto

interno bruto. A agropecuária vem em seguida, com 24,14% e serviços com 20,9%.

A indústria apresenta um tímido desempenho, de apenas 4,4% da economia. Como

podemos verificar a partir dos dados, o município ainda se mantem dependente da

receita pública, para o desenvolvimento local, sendo essa uma tendência dos

municípios pequenos.

Dona Inês, por sua vez, está localizada na Mesorregião do Agreste paraibano

e Microrregião do Curimataú Oriental (IBGE, 2008) com uma população de 10.517

habitantes, ocupando uma área de 166.170km². Segundo o IBGE (2013), a

economia do município baseia-se predominantemente nas receitas oriundas da

administração e serviços públicos 65,93%. Em seguida vem serviços, 17,93%,

agropecuária, 10,56% e indústria com 3,04%. Como podemos observar, as receitas

públicas são essenciais para a economia local, pois em sua maioria, os municípios

pequenos apresentam um desenvolvimento industrial muito baixo.

ANÁLISE DOS DADOS

O SIOPE – Sistema integrado de Orçamento Público em Educação traz um

panorama sobre os gastos dos municípios que nos permite visualizar quanto foi

gasto na política educacional. A Lei N° 11.494/2007 que regulamenta o FUNDEB,

em seu Artigo 22, diz que 60% dos recursos anuais deve ser gasto com o

pagamento dos profissionais do magistério, no entanto, há gestores municipais que

cumprem a lei, mas ao invés de investir em profissionais efetivos, realizam

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contratações em troca de apoio político, sendo mais comum essa prática em

períodos eleitorais em que o gestor busca reeleger-se. Essa prática clientelista é

bastante comum nos municípios de pequeno porte, refletindo-se na má qualidade da

gestão de pessoas no âmbito do sistema educacional e consequentemente na

qualidade da educação.

De acordo com o SIOPE, de 2013 a 2015, o município de Bananeiras

apresenta os seguintes dados sobre o FUNDEB, quanto aos limites gastos com

Remuneração dos Profissionais do Magistério em Efetivo Exercício:

Quadro 01 – Despesas com pagamento dos Profissionais do Magistério no município de Bananeiras/PB

Ano Receita FUNDEB Pagamento dos Profissionais do Magistério Em %

2013 9.876.878,68 7.175.843,69 72,65

2014 10.992.412,03 7.215.015,56 65,64

2015 12.089.906,95 7.816.424,63 64,65

Fonte: SIOPE 2013-2015. Quadro elaborado pelo autor.

Como podemos verificar, o município de Bananeiras nos últimos três anos

tem cumprido o mínimo determinado por lei que é de 60% dos recursos do FUNDEB

destinados ao pagamento de remuneração dos Profissionais do Magistério em

efetivo exercício, embora percebemos uma queda dos investimentos, uma vez que

em 2013, ultrapassou o mínimo de 60% em 12,65%. Já em 2015, o percentual

ultrapassado do mínimo foi apenas de 4,65%. Assim, comparando 2013 com 2015,

houve uma redução de investimento da ordem de 8%, conforme os dados fornecidos

pelo SIOPE, denotando que houve um contingenciamento da despesa pelo gestor.

Já o município de Dona Inês apresentou os seguintes dados, segundo o

SIOPE:

Quadro 02 – Despesas com pagamento dos Profissionais do Magistério no município de Dona Inês/PB:

Ano Receita FUNDEB Pagamento dos Profissionais do Magistério Em %

2013 5.114.548,87 3.429.744,19 67,06

2014 5.889.580,37 3.164.780,92 65,89

2015 6.694.222,29 3.068.605,41 61,37

Fonte: SIOPE 2013-2015. Quadro elaborado pelo autor.

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Como podemos verificar no quadro, Dona Inês também cumpriu o mínimo

estabelecido (60%), durante o período em análise. No entanto, verifica-se que houve

uma redução de investimento da ordem de 5,69% de 2013 para 2015, também

ficando claro que houve um contingenciamento da despesa.

Com relação a estrutura do sistema de educação dos municípios abordados,

coletamos alguns dados interessantes do Censo Escolar, disponíveis no site do

INEP2, que podem nos ajudar a compreender a dimensão dos sistemas em análise.

Segundo informações do site do INEP, referente ao ano de 2014, existiam 38

escolas no município de Bananeiras, sendo 05 escolas urbanas, das quais duas

eram de ensino infantil. Já Dona Inês contava com 21 escolas em atividade em

2014, sendo que dessas escolas 07 se localizavam na zona urbana, sendo duas

destas de ensino infantil.

Com relação aos dados sobre os profissionais do magistério, podemos

visualizar no site do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba que Dona Inês, no

ano de 2013, contava com um quadro de 79 professores da Rede Municipal de

Educação em regime estatutário e 14 profissionais contratados.

No ano de 2013, Bananeiras possuía um quadro de 287 professores efetivos

e 20 professores contratados. Como pudemos verificar, Bananeiras é maior do que

Dona Inês, mas se percebe que há uma desproporção, isso porque como vimos nos

dados do INEP, havia no município 38 escolas em atividade, dando uma média de

6.26 professores em regime estatutário (concursados) por escola. Haveria

necessidade de contratar novos profissionais? Claro que seria preciso realizar uma

pesquisa empírica para responder a este questionamento, para se verificar as

peculiaridades dos sistemas educacionais dos municípios, mas não é isso que se

propõe este trabalho.

Como vimos, Dona Inês contava com 21 escolas e 79 professores

concursados e 14 contratados (no ano de 2014), uma média de 4.42 profissionais

por escola em atividade (somados os professores concursados e contratados), seria

o sistema de educação de Dona Inês mais eficiente quanto a alocação de recursos

humanos que Bananeiras? Claro que esses questionamentos poderiam ser objeto

de um estudo mais detalhado, que considerasse o aspecto empírico, e não apenas a

2 Disponível em: <http://www.dataescolabrasil.inep.gov.br/dataEscolaBrasil/home.seam>.

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análise documental como propõe este trabalho. Isso porque, em muitos casos, a

análise de dados não é suficiente para se chegar a verdade, mas a observação da

realidade é indispensável para confirmação (ou não) dos dados.

Com relação aos indicadores de qualidade observamos o IDEB dos

municípios afim de verificarmos como se comportam no ranking de avaliação. Criado

em 2007, o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, avalia a síntese

da aprovação e média de desempenho dos estudantes em língua portuguesa e

matemática, sendo o indicador, numa escala de 0 a 10, calculado sobre a aprovação

escolar obtida no Censo Escolar e médias de desempenho nas avaliações do INEP,

o SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica e Prova Brasil. Vejamos a

seguir como os dois municípios aparecem nos índices do IDEB referentes aos anos

de 2013 e 2015 e as metas projetadas de 2013 a 2021:

IDEB DE DONA INES/PB: um caso de Path Dependece (Dependência da Trajetória)

Vejamos nos quadros a seguir as metas projetadas do Índice de

desenvolvimento da educação básica, pelo INEP, para o Município de Dona Inês/PB

e os resultados obtidos:

Quadro 03 – IDEB Projetado versus IDEB observado (1ª fase) – Dona Inês/PB

Município/série IDEB Observado

Metas Projetadas

Dona Inês 2013 2015 2013 2015 2017 2019 2021

4 ª serie/5º ano 5.3 5.3 4.4 4.7 5.0 5.3 5.6

Fonte: INEP. Quadro elaborado pelo autor.

Quadro 04 – IDEB Projetado versus IDEB observado (2ª fase) – Dona Inês/PB

Município/série IDEB Observado

Metas Projetadas

Dona Inês 2013 2015 2013 2015 2017 2019 2021

8º/9º ano 4.3 4.1 3.9 4.3 4.6 4.8 5.1

Fonte: INEP. Quadro elaborado pelo autor.

Como podemos verificar no quadro 3, o município de Dona Inês tem

avançado no indicador, atingindo a meta projetada pelo INEP de 2019, desde 2013,

que é de 5.3. O sucesso do município nessa avaliação pode estar relacionado à sua

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trajetória desde os anos 90, quando, na esteira da Reforma de Estado3, o governo

municipal implantado a partir de janeiro de 1993, pelo então Prefeito Luiz José da

Silva, implementou uma reforma no município que priorizou a educação, tomando as

seguintes medidas: investimento na profissionalização dos professores, através da

formação continuada, promulgação da Lei nº 208/1994 que reestrutura a carreira do

magistério municipal, criando a possibilidade de progressão não somente horizontal

(tempo), mas vertical (formação), estimulando cada vez mais a especialização dos

profissionais do magistério municipal e atração de profissionais de alto nível. Em

1994, houve a realização de concurso público, o primeiro em âmbito municipal.

Nesse período a municipalidade investiu na estrutura física das escolas, realizando

reformas e aquisição de equipamentos e material didático. A secretária de

Educação, a Professora Vilma Almeida da Silva, que era vista pelos profissionais do

sistema municipal de educação como a “dama de ferro dos trópicos” por conduzir a

educação exigindo que os envolvidos se esforçassem para alcançar os objetivos da

educação municipal, realizando formação continuada junto com os professores e

reuniões semanais para planejar as estratégias de ensino.

Luiz José da Silva conduziu a administração municipal de Dona Inês de 1993

a 1996, e de 2000 a 2008 (foi reeleito em 2004) sempre priorizando a política

educacional como marca de sua gestão. Quando assumiu o governo em 1993, não

havia nenhum professor com nível superior. Ao deixar o governo em 2008, quase

todos os profissionais efetivos haviam realizado curso superior ou magistério na

modalidade normal. E mais de 50% eram especialistas, atraídos pelo plano de

cargos do magistério que acrescenta um valor de 60% sobre o vencimento básico do

profissional. Atualmente, o piso do município para o profissional do magistério é de

R$ 2.358,37 para uma carga horária de 40h semanais, sendo o piso estabelecido

pelo governo central para o ano de 2016, de R$ 2.135,64. Para um especialista que

ingressa em regime estatutário (por meio de concurso público), o vencimento atual é

de R$ 3.773,92, isso sem contar com a progressão horizontal que é automática a

cada três anos, na ordem de 6% sobre os vencimentos (Lei Municipal n° 208/1994).

O então prefeito Luiz José da Silva é administrador de formação. Sua ideia de

gestão era voltada para o modelo gerencial, cujo princípio fundamental era o da

3 Sobre Reforma do Estado nos anos 90, ver BRESSER PEREIRA, Luiz C. A Reforma do Estado

nos Anos 90: Lógica e Mecanismos de Controle. Lua Nova, São Paulo, n. 45, pp.49-95, 1998.

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eficiência no trato da coisa pública, isso porque seu governo foi marcado pela

racionalização dos gastos, um forte apelo ao aspecto da accountability, sendo suas

contas sempre aprovadas pela Corte de Contas do Estado com louvor.

De 1997 a 2000, a gestão municipal passa para o Prefeito Antonio Justino de

Araújo Neto, apoiado pelo antecessor Luiz José. O prefeito Antonio Justino deu

continuidade à política educacional implantada pelo seu antecessor, inclusive a

secretaria de educação permaneceu sendo conduzida pela professora Vilma

Almeida da Silva, que deu continuidade ao trabalho iniciado em 1993.

Em 2008, Antonio Justino rompe politicamente com o Prefeito Luiz José e

lança sua candidatura, com forte apoio popular, chega ao poder e assume em 2009,

sendo reeleito em 2012. Apesar de ter exonerado a secretária de educação, Vilma

Almeida, que estava no cargo desde 1993 até 2008, o gestor municipal deu

continuidade à política educacional do seu antecessor, priorizando a remuneração

dos profissionais, e mantendo a qualidade da insfraestrutura das escolas. Apesar de

seu governo ter sido marcado pela instabilidade na secretaria de educação, pois em

menos de sete anos de governo trocou de secretário por 4 vezes, manteve a

trajetória de investimento e valorização do profissional do magistério, realizando

concurso para provimento de cargos de professor, Supervisor Escolar, dentre outros.

Assim, verificamos que a política de educação em Dona Inês passou por uma

reforma nos anos 1990 que gerou uma trajetória positiva para essa política social

que é estratégica, refletindo-se nos índices de avaliação do INEP, o IDEB, nesse

caso, cujo desempenho atualmente supera a meta projetada para 2019, no caso da

1ª fase do ensino básico, como vimos no quadro 03.

IDEB DE BANANEIRAS

Vejamos os seguintes dados sobre o Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica no Município de Bananeiras:

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Quadro 05 – IDEB Projetado versus IDEB observado (1ª fase) – Bananeiras/PB Município/série IDEB

Observado Metas Projetadas

Bananeiras 2013 2015 2013 2015 2017 2019 2021

4ª serie/5º ano 4.4 4.9 3.7 4.0 4.3 4.6 4.9

Fonte: INEP. Quadro elaborado pelo autor.

Quadro 06 – IDEB Projetado versus IDEB observado (2ª fase) – Bananeiras/PB

Município/série IDEB Observado

Metas Projetadas

Bananeiras 2013 2015 2013 2015 2017 2019 2021

8º /9ºano 3.2 3.1 3.2 3.5 3.8 4.1 4.3

Fonte: INEP. Quadro elaborado pelo autor.

Como podemos observar, o desempenho do município de Bananeiras é

interessante, apesar de ter apresentado uma trajetória de crescimento

razoavelmente baixa. Para a primeira fase da educação básica, o município superou

a meta projetada pelo INEP para 2015, que era de 4.0, quando o IDEB observado foi

de 4.9. Já na segunda fase, o município obteve um resultado negativo em relação à

projeção de 3.5, obtendo 3.1.

O PCCR (Plano de Cargos, Carreira e Remuneração) do magistério do

município de Bananeiras é de 2008, através da Lei Complementar n° 001/2008.

Atualmente, o piso salarial do magistério municipal é de R$ 2.135,62 para uma carga

horária de 40h semanais, o mesmo valor estabelecido como vencimento básico pelo

MEC para 2016. Lembrando que o estabelecimento de um piso nacional para os

profissionais do magistério foi uma política do Governo Central que veio como uma

forma de combater as distorções entre os municípios e estados, pois havia grandes

diferenças de salários, sobretudo municípios e estados que pagavam salários muito

baixos aos profissionais, essas diferenças eram alarmantes entre as regiões, como

Nordeste e Sudeste. Percebe-se, assim, que o município de Bananeiras apenas

implementou a diretriz nacional para o vencimento do magistério, em 2016.

Como podemos observar, Bananeiras apresenta um IDEB menor que a

cidade vizinha, Dona Inês. Também, observamos anteriormente, que houve uma

queda no investimento dos recursos do FUNDEB para pagamento de profissionais

do magistério em efetivo exercício nos dois municípios.

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No entanto, conforme observamos, a dependência da trajetória pode explicar

porque ocorre essas diferenças entre os sistemas educacionais dos entes

subnacionais, uma vez que a política educacional brasileira descentralizada permite

que cada ente subnacional tenha autonomia para implementar suas políticas,

respeitando suas peculiaridades, a partir dos recursos repassados pelo governo

central, e mesmo o FUNDEB, que se destina para o pagamento dos profissionais da

educação em efetivo exercício, há uma liberdade por parte dos gestores municipais

que decidem se contratam professores, ou se realizam concurso público, o

estabelecimento de piso municipal do pessoal do magistério, e etc. Essas decisões

são importantes e tem reflexo nos índices de avaliação da educação dos municípios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política de educação brasileira encontra o desafio de garantir um padrão

mínimo de qualidade diante da enorme desigualdade regional do país. O FNDE, e

seu caráter descentralizador de recursos para Estados e Municípios, com seus

vários programas/modalidades tem se mostrado importante nesse desafio,

especialmente o FUNDEB, que visa garantir um padrão mínimo, a partir de sua

distribuição valor/aluno e a complementação pela União nos casos que os valores

por aluno ficam aquém do mínimo definido nacionalmente para garantia desses

padrões, exercendo assim seu papel constitucional de redistribuição.

No entanto, os dois casos estudados mostram que a descentralização da

educação tem contribuído para aumentar as desigualdades educacionais, uma vez

que os municípios não trabalham em regime de colaboração, assim como o Estado

não colabora com os municípios. Logo, o modelo de federalismo cooperativo

(FRANZESE e ABRUCIO, 2005) no caso da política pública de educação tem se

mostrado inadequado para explicar a realidade nos casos estudados. Parece mais

adequado o modelo de federalismo competitivo em que a distribuição das

competências entre os níveis de governo se efetivam pela autonomia de cada ente

na execução de suas políticas, apesar de a Constituição de 1988 mencionar que a

política de educação seja implementada em regime de colaboração entre os entes

federados, dispositivo ratificado pelo Plano Nacional de Educação. Há, na prática, a

falta de regulamentação desse Regime, assim como uma definição teórica mais

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precisa, objetivando esclarecer a relação de colaboração entre os entes sobre

competências comuns. Na falta disso, os entes federados efetivam suas políticas

como melhor lhes convém (FERNANDES, 2013).

Nesse sentido, a descentralização da educação no federalismo brasileiro tem

mostrado algumas fragilidades, como a falta de integração da política e a ausência

de um regime de colaboração efetivo entre os estados e municípios. Isso tem se

mostrado nas avaliações, como o IDEB, nos dois casos estudados, em que percebe-

se que há uma desigualdade entre os municípios, que se explica pela forma que

cada um deles implementa suas políticas a partir dos recursos repassados pela

União.

Os municípios de Bananeiras e Dona Inês, assim como os demais municípios

brasileiros, enfrentam desafios para garantir um padrão de qualidade de seus

sistemas de educação. Vemos que há avanços, mas a educação deve permanecer

na agenda dos gestores, pois será preciso muito esforço para avançarmos mais,

uma vez que o atraso gerado pelas velhas práticas clientelistas tem raízes profundas

nos municípios.

REFERENCIAS

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