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Poesia de Ygor Moretti Fiorante

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Page 1: Um Objeto Quando Esquece

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Ygor Moretti Fiorante

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Um objeto quando esquece

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Um Objeto Quando esquece

ygor moretti

fiorante

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Ygor Moretti Fiorante

Literatura Brasileira

Poesia

Ygor Moreti Fiorante

Um Objeto Quando Esquece

2014

Todos os direitos reservados ao Autor

Publicação independente de

Ebook - Distribuição Gratuita

Proibido sua venda, reprodução ou

alteração de conteúdo sem a

autorização do responsável

Page 4: Um Objeto Quando Esquece

Um objeto quando esquece

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Prefácio

Mantendo ainda vigente um processo antropológico de

criação, a poesia continua sendo um cuspe, uma exclamação.

Uma poesia material, visual, detalhista, figurativa, uma poe-

sia de madeira e metal.

Poesia que dialoga com o espaço físico, tem forma,

objetos e um caráter simbolista, que foge, se esquiva do

lirismo egocêntrico, inefável.

Mantendo característica de quem pinta, e faz

uma materialização de sentidos, a bi-dimensionalidade

cubista, o retorcimento da carne durante o movimento, como

nos quadros de Bacon. O universo noir-surreal de Hoper, e a

fotografia dos filmes de Ingmar Bergman.

Trabalhando com probabilidades, possibilidades, e

com o potencial de cada palavra, manuseando a poesia com

martelo e serrote.

Ygor Moretti Fiorante

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Ygor Moretti Fiorante

nota da presente edição

Aqui um trabalho escrito e reescrito ao longo de dez

anos, a poesia foi o que me moveu até a literatura, tanto

quanto leitor como agora escritor. No entanto, como pode

ser visto ao longo desse livro, o texto lírico vai aos poucos

se transmutando para prosa, que depois se transformaria

no meu campo de trabalho atual, mais claramente falando o

conto.

Deixo aqui esses primeiros escritos, que na

verdade não são os primeiros, existem outros de

datam de minha adolescência, escritos cujo a inocência

e uma gigantesca pretensão me fizeram crer, dignos de

publicação. Contudo, hoje entendo e desconfio até mesmo

dessas páginas, mas aqui vão, aqui estão elas.

Ygor Moretti Fiorante

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Um objeto quando esquece

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Manifesto Triste

Concentremos-nos no coração,

este músculo, esta carne,

ignorando no entanto, qualquer conotação.

Não retenhamos as mãos ao rosto coberto de lágrimas,

Estas gotas, esta substancia salobra.

Sobretudo, e importantíssimo,

não compartilhemos com a dor do cético,

sejamos tristes, fiéis a esse modo de ser,

esta exatidão de sujeito, este bloco, metal.

Não apelemos à lembrança,

que não é de fibra.

Existamos, tristes, absurdamente,

absolutamente, doentes de tristeza.

Em silêncio... Absoluto.

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Ygor Moretti Fiorante

Post Coitum – Animal Triste

Câmera lenta, foco, luz, corredor.

Andar entre paredes não ousando derrubá-las,

nem ultrapassá-las ou transpô-las fisicamente.

Aquário, remédio, flash back.

Descobrir cartas

devolvidas entre outras,

entre palavras

ilegíveis em blocos

de frases perdidas.

Cenário, nu, preto e branco.

Caminhar para outro lugar,

um lago de mármore,

oxigênio sintético.

Simetria, sinistro.

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Um objeto quando esquece

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Todos os objetos do cômodo

são muralhas cinzentas de aprisionamento.

Um vaso faz chorar,

lençol, camisa de força.

A tristeza pesa no corpo.

Conspiração gravitacional

do tapa que desmoraliza,

o murro na boca do estômago.

O teu chinelo foi roubado,

A cama desfeita, os cabelos crescem

e lhe personificam, lunático.

Impossível fugir dos espelhos,

a voz alta toque do telefone,

o frio na espinha.

Tomada final, take, destino.

Interpretar a si mesmo.

Não se saber personagem,

nem reconhecer as ultimas conquistas.

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Ygor Moretti Fiorante

Correio, coito, canção.

Não entender o fim da historia,

claustrofobia, medo de gente, de rua vazia.

Tendo a doença da noite mal dormida,

morte homeopática,

sem rimas, sem “casting”,

triste sem querer...

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O Litorâneo

Eis que volto a ser aquele solitário com

necessidade ambígua de me defender.

Os jornais entre os braços,

livros, rabiscos, são espadas e são curativos.

Sei das ondas que rebatem sobre os pés...

me desfaço num sorriso pela outra tranqüilidade.

As ondas não batem em meus pés, impossível viajante.

Faço da imaginação, a minha lembrança.

Ter a cidade bidimensional, reencontrar o prazer na camin-

hada, e o olhar tristonho-esmiuçado

de quem passeia na avenida, só.

Pseudo-drama de feriado prolongado,

e por estar assim absorto e livre neste

pensamento de saudade, aceito a tarde triste,

egocentrismo na faixa de pedestre.

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Ygor Moretti Fiorante

Mas, munido de uma filosofia de ultrapassar,

penso no olhar o fim do mar,

o punhado de areia nas mãos,

minha presença como um silfo sentindo a brisa.

Acho que o mar deve estar calmo,

na areia as pegadas não duram muito,

nem as aves ao chão se demoram.

Acho. Muito longe, apenas acho...

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Poema Doméstico

O frio que vem pela janela da sala

contrapõe-se com o despertar de misterioso e

imprevisto bem estar.

São os barulhos da janela,

e as contas atrasadas o anúncio da morte caseira,

pronta com temperos da cozinha,

morte que interrompe as conversas de janelas e

a alternância de canais na televisão.

Devo tomar a rua, alcançar as praças,

sentar-me aos bancos. Ouvir o som baixo

fraco das coisas, apalpar jornais envelhecendo

no banheiro.

O caviar apodrece no refrigerador,

espera por outras ocasiões de consumo,

intransponível.. .

À luz da garagem acesa, a casa dorme....

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Ygor Moretti Fiorante

Porcelana, louça, dinheiro,

chaves em locais fáceis.

Pintava-se assim com o brilhar dos cristais no armário

a hipocrisia burguesa de um anoitecer em família.

Sem saber os burgueses dos burgos

nem das revoluções,

a enorme televisão ou os vinhos envelhecidos

denotavam a história.

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A Memória

Por trás de paredes de madeira,

as substâncias, os elementos se arriscavam.

A memória esconde-se, não a memória perdida,

a memória personagem, mulher, estátua.

Mancha de sangue no

organismo de gesso, intacto.

Fica a suposição de arma para a

memória manchada.

A memória esconde-se,

sabe-se física, atrás de um infinito mural de madeira.

A memória esquece, espera ao despertar dos sonhos,

sobrevive a dez segundos de lembranças,

com a impressão de que não se tem sonhado.

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Ygor Moretti Fiorante

Um Objeto Quando Esquece

Os amigos não se sabiam Barrocos,

nem ao mundo declaravam guerra ou

ressurgiam num movimento neo.

Usavam no entanto, de formas explícitas

para dar a poesia o escárnio que

lhes pareciam propício.

Nem um possível hino a irresponsabilidade

posto na primeira página da agenda,

era por acidente reconhecido.

Preferiam a vida lá fora,

imprudente, apressada.

Copo de limonada,

luz acesa ao meio-dia, contrapondo-se a

todas as manobras de economia.

A seda que sustentava livros encharcados,

possibilitava ainda uma leitura.

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Mas o ruflar das páginas

carregavam capitulos embutidos.

E assim, eu era complacente com os objetos,

abdicava de lirismos e metáforas

para anunciar meu suicídio.

Procurava lugares não habitados na casa,

quadros não percebidos,

sem perceber que estava dentro de um.

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Ygor Moretti Fiorante

A Insatisfação da Forma

A Filosofia do grito,

cabeças e braços,

o dorso do cavalo malhado,

o torso escuro na sombra.

O grito silencioso, contínuo

o movimento em desespero, estático.

Fêmur, porrete janela lamparina,

a tentativa de imprimir o grito na história.

Ferradura castidade,

os seres atingem um nível de existência,

de existência somente.

Persistência da garganta, do som do corpo rojo.

A bi dimensionalidade das casas,

a construção de arestas por corpos mutilados,

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a criança morta,

a cabeça que ainda respira.

Qualquer coisa respira,

pedra touro sono vento.

Expressões de mármore e a dança das cores,

mas a dubiedade do escuro

não ignora um seio ou uma flor...

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Ygor Moretti Fiorante

Não Alcalóide

Sem saber da existência do fantasma

de Gene Kelly, permaneço abaixo de gotas

que nem desconfiam de ritmo ao cair e explodir

na testa franzida.

O escuro, o silêncio, são todas formas,

são vidas esquecidas.

Uma mulher esperava na sala,

roubava-me a paciência,

mastigava consciências e fazia bolas azuis de chicletes.

Um abajur a olhava, a luz tinha gosto de hortelã.

Alguns quadros eram pintados,

e visões mudas eram ignoradas,

um grito necessitava ser gritado,

ganhava uma complexidade orgânica,

e tinha a altura como fundamento.

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Noutro canto a alegria temia sua denúncia,

mas os tecidos mais que células,

evoluções menores que os órgãos esperavam,

esperavam as conquistas humanas,

o estigma das máquinas.

Mas a noite chegava, jamais faltava,

rios de culturas gastronômicas nos ligavam

ao oriente, gotas de Samurai despencavam do ar.

Cada susto aguardava por de trás da porta.

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Ygor Moretti Fiorante

O Poemas das Canáceas

Um tanto cansado de físicas,

a linguagem de marceneiros,

e cimento em cálculos, trigonometria e

física das veias que pulsam e ardem

na subtração dos dias.

O mundo físico e nada mais,

o mundo-tato,

mundo centímetro e centésimo.

O milímetro entre cada palavra.

A fibra que sede a água,

mar acidental sobre livros,

mas não há o acidente,

há o destino da traça, e a morte na alvenaria.

A composição dos elementos,

e a substância elementar dos móveis,

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transpiram um suor de poeira,

enquanto no canto da sala

a subjetividade do abajur

me observa lendo.

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Ygor Moretti Fiorante

As Horas

Não havia um, mas era enfim o propósito,

falar da noite e de tuas horas.

Trocar a solidão da T V pela fraqueza do rádio,

chegando a regressiva solidão dos livros.

Demorava-me a entender e

apegar-me aos personagens,

ou eles demoravam-se nas minúcias do realismo.

Continuava o propósito de ver na noite certa ligação

com as horas seguintes, as horas que eram os anos,

os anos cansados e furtivos.

Havia então algo que eu fazia de propósito,

mas no clarão da noite não dormida,

não havia propósito algum.

A vida não se apresentava em duas pontas ligadas,

e nem ao meio desta,

alguma corda ameaçava quebrar-se.

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O Poema e Nada Mais

Os pés passavam,

estiveram e permaneciam

por todo sempre, em sua perssistência de

se afastar das coisas.

O corpo como se apenas restasse o seu torso

se mostrava besta,

cego de olhos de pernas, olhos das mãos,

nem os cabelos algo observava, abraço impossivel.

Os olhos viam todas as impossibilidades,

e as possibilidades ainda não computadas,

demarcadas ao grupo de devaneios

encaixotados mais ao fundo.

Os olhos permaneciam

como se oniscientes.

Mas negavam qualquer duro reflexo

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Ygor Moretti Fiorante

impregnados na retina.

Lembravam-me das duras filosofias,

o caminhar pragmático das ultimas alegrias,

era preciso burlar os sentidos,

acreditar na dor, a dor que se desenhava ultra-possível.

Havia ainda um cipreste,

que os olhos observadores-cansativos,

faziam suprir qualquer impossibilidade,

as glândulas e os mecanismos gritavam,

gritavam também os sistemas cálculos e composições.

Nem uma outra alucinação,

confusão ou o engano

eram transpostos sobre estas afirmações,

que os meus olhos acompanhavam,

mórbidos de uma repetida onisciência.

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O Coração Não, Não o Coração

O Coração não, o Estômago,

não o Coração o Estômago sim,

O Coração, o Estômago,

não e sim.

Talvez o esôfago,

a marginal direta ao Estômago,

mas o Coração?

Não, o Coração não,

o Estômago.

O Estômago e não o Coração,

o estômago de um estóico,

mas só o seu Estômago,

não o estóico, nem seu Coração.

O Estômago sim, o Coração não,

não o estômago e o Coração,

o Coração não, só o Estômago.

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Ygor Moretti Fiorante

Estômago e pronto.

O Coração não, o Estômago,

não o Coração o Estômago sim.

O Coração, o Estômago,

não e sim.

Talvez só o Coração de Caramelo,

e o de Frango,

o Estômago qualquer, todo e todos,

mas continuando com as restrições do Coração, sim...

O comestível ou decorativo sim,

mas o do tamanho do punho não.

Mas o Estômago do tamanho de nossas angustias,

esse sim que não é decorativo, pós-alimento.

O Estômago sim,

mas não o por demais visceral,

o Estômago órgão,

o Estômago dos chutes e socos recebidos.

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O Coração não, não mais,

o coração, bem menos,

sem nenhuma conotação,

o coração... só.

O Estômago sim,

pode ser.

O Coração gasto,

cansado, esse não,

esse é mesmo só coração.

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Ygor Moretti Fiorante

Poema de Incerteza (uma única incerteza)

Longe e ainda no caminho,

próximo, ainda, somente próximo,

não distante de alcançar,

mas distante ao que o tempo

sempre julga.

O não haver um estar-lá,

um nunca-chegar e ter sempre um passo

continuo sem saber se há,

havendo somente a convicção e a teimosia de ser.

Ser o que chega e distancia-se sempre.

Ainda próximo, próximo, AINDA,

num sempre atrasado passo

de dança, nunca de mágica,

num destino decodificado em CEP.

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O há-de-ser estando lá, e a suspeita

de quem é por assim estar,

se há ou se é, ser for o que nunca será,

se há o que já houve ou nunca haverá

e mais a frente houver o que ser.

Os passos de longe continuam...

Somente próximos,

os passos durante os segundos dos anos

e nunca os anos dos segundos,

os bens planejados passos.

E a observação das coisas

quando em passos são atravessadas.

Mas se houver onde se estar,

e ser algo que há,

terá valido antes, e tudo... ante

a minha convicção de ser e caminhar.

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Ygor Moretti Fiorante

Café Literário

O fundo sumiu do copo,

sobe ao rosto

a mórbida fumaça.

que esconde o esqueleto.

Não me transformo

em um nefelibata,

apenas contemplo o reflexo

negro do meu rosto adormecido.

Penetrando numa overdose de chatices...

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Minotauro

Lâminas afiadas ao vento,

o peso do ar torna-se num triscar imaginário sangue.

Armaduras de escamas banhadas a ouro,

eis que o corpo se prova alma.

A matéria carnal se dissolve em silfo.

Rosa, manto de espinhos.

Osmose de pontiagudas tentações.

Bufos escondendo gritos,

lágrimas retorcidas em baba, gosma.

Os olhos só vêem sangue,

possuem células e pigmentação de sangue.

Os Olhos empalhados, as palmas das mãos,

Minotauro, égua, mulher.

Possuem a vértebra em espada e espetos.

Assim os olhos que são metais e gotejam sangue,

vêem a eterna imagem de seu matador espanhol...

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Ygor Moretti Fiorante

A Contradança

Faço e refaço,

não faço!

Nem mesmo penso,

anti-maestro crio,

teço, sou a contradança.

de palavras desajustadas.

Uma sempre-próxima metáfora

Antes, uma contradição,

Uma contradição antes de tudo...

Sou o reflexo das coisas,

e vem pousar em mim,

disfarçado de borboleta,

um Anjo tímido que também sou eu.

Sou eu aquele e este canhoto convicto

de caminhar desconfiado e

armado de movimentos ambíguos...

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De volta ao copo de café...

Em vão

a alquimia do café

transtorna apenas os olhos,

que insistem olhar as coisas.

Pois o sono

é a serpente estóica,

que vai pela grama acinzentada.

A boca,

Antropológica, carnuda, tremula.

engole o mundo, o buraco do buraco.

Engole o túnel de veneno,

que torna a engoli-la

para sentirmos sobre a pálpebra

o peso da morte soniferamente chegando.

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Ygor Moretti Fiorante

Poema Escrito Mesmo Impossível ou Proibido

E se eu pudesse escrever o poema

que está aqui dentro.

Substancial, absurdo e despercebido,

de um amor e um delito.

Vitimado num profundo,

exercício egocêntrico da noite minha,

da tristeza minha, das hipóteses dos meus suicídios.

Tristeza querida extrema e egoísta

e que só eu sinto igual e repetida,

no sentir e no lembrar.

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A visita do poema

E como se eu já nem lembrasse de

desafios brancos de construções acinzentadas,

ia me assustando com as reminiscências do Vesúvio.

Junto de passos e barulhos de esqueletos

sobre o telhado, percebia uma sensação

conjunta ao esquecimento, o espanto-surpresa.

Mesmo assim eu já nem lembrava mesmo

de uma certa hora noturna e silenciosa,

de atitudes e postura invencíveis a qualquer sono.

Voltava então a sofrer com a idéia ainda

mais invencível e mortal.

Tomava-me nos olhos aquele modo de estar sozinho e

todos os fingimentos necessários.

Instalava um primeiro contato com a folha,

movia substancias química e resquícios de

superstição num primeiro rabisco.

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Ygor Moretti Fiorante

Alguns círculos e semi-retas,

letras maiúsculas estrategicamente

montadas para iniciar futuras estrofes.

Mas numa curva que se dobra mais e não capota, os meus

rabiscos tomavam uma importância demasiada, tinham jei-

tos de coisas propositais,

mesmo não possuindo a inocências das coisas tortas por

natureza.

Assim as horas passavam... e no suspense de eu

decretar a qualquer momento um ponto Final.

cada caractere, cada rabisco, ganhava novamente

a importância absurda que cerca um ultimo suspiro.

Nessa meia benção, meio maldição,

por noites voltava a este poema.

Mantinha uma desconfiança de não ter nada a dizer,

e sofria com calafrios de outras palavras

que só aos poucos se revelavam num poema

metódico e homeopático.

Page 38: Um Objeto Quando Esquece

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Quase-Andarilho

Sozinho na casa, a sala.

Luz apagada, copos à frente

e sem saber de quem eram aqueles objetos,

ou como tinham chegado ali.

Às vezes observava um aquário,

me sentia Deus ou um fazendeiro d água.

Durante o silêncio da televisão sentia

a solidão dos outros cômodos.

Sabia do enjôo que me esperava ao

debruçar as janelas, o vento no rosto

e a rua despretensiosa e desconhecida.

Falsamente silenciosa, me chamando

por meios mudos e quietos.

E mesmo se eu saísse à rua e tornasse meus passos os mais

rápidos possíveis pra pouco permanecer em algum lugar,

ouviria (ainda que de longe),

em um baixo volume, o choro das casas e

quartos, vazios e impraticáveis.

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Ygor Moretti Fiorante

Coberto, forrado, entupido de pensamentos

que me forçavam a andar.

Permanecia no meio-fio,

a cada passo andando sozinho na rua

obtendo uma tamanha serenidade que

só me deixava mais ansioso e inquieto.

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O Morto-Vivo

O morto-vivo acompanhado do fantasma de Bunuel

faz uma visita as bancas de jornal.. .

Olhar de roubo

que denunciam em fagulhas

os últimos acontecimentos...

E agora mais vivo (porque morto),

o Morto-Vivo lembra-se quando vivo

naquele tempo em que andava morto...

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Ygor Moretti Fiorante

Carnaval de Arlequim

Foste para uma visão

ou para uma espiada sobre a janela.

Eu deveria estar bem mais bêbedo que estou,

do que sempre consegui estar.

Mas a minha loucura não se acresce a nenhuma outra

e nem de outras vistas sãs, esbraveja, fala mal.

Enquanto percebo aquele movimento alegre e

rotatório, sofro da sandice de quem observa.

E juntando os sofrimentos em comprimidos

naquela mesa, vou sentindo a presença

sóbria da minha sombra

quando abro as portas.

Tento me fingir de arlequim ou duma cobra bêbeda.

Mas não desconfio dos passos e

nem da natureza de quem não sabe.

Page 42: Um Objeto Quando Esquece

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E se eu for a estrela negra que só

observa de longe, de fora?

E se eu for o avesso ao objeto,

o obstáculo para o carnaval surreal

que se apresenta em bloco na cozinha?

Continuo observando da janela...

Em silêncio...

Adormeço, sem saber ate quando seguiu o desfile...

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Ygor Moretti Fiorante

Das hipóteses dum caixeiro viajante

Não há um caminho para Damasco...

A estrada que leva a esse “não-lugar”

tem o projeto simétrico duma reta numa estrada

que se finge de sem fim.

É o encontro dum contra-censo,

duma maldição contida nos bolsos,

onde é maior o estado de “estar-indo” do que

a plenitude do chegar.

É a contrapartida dos passos,

é o cansaço que alcança

um contraponto onde se deita.

A viajem para Damasco

é a espreita e a cegueira,

é o sonido e o ritmo do andar.

Page 44: Um Objeto Quando Esquece

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Poema

Acalmou-se e desconsiderou a safadeza de

quem conduzia o lotação.

Guardou as mãos nos bolsos sem

partilhar da canção que vinha no assovio.

Seguiu...

Ultrapassou esquinas emergindo em

mundos onde ninguém

suspeitava de suas façanhas.

Ignorou credores que intervinham

os amigos à sua procura.

Abençoou mulheres que levavam

filhos à porta de tua casa...

Manteve-se hermético, insosso e insano.

Deixou de lado o estranho prazer

de comer peanuts e enquanto mastiga

pensar nas resoluções dos problemas.

Page 45: Um Objeto Quando Esquece

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Ygor Moretti Fiorante

Seguiu plantando expectativas de suicídio.

Seguiu sem que ninguém suspeitasse

de suas façanhas...

Na segurança de cada esquina ultrapassada,

sorria com o canto da boca...

Ninguém suspeitava...

Page 46: Um Objeto Quando Esquece

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Homem Jovem à sua Janela

A rua não sabia que era espiada,

nem o parapeito era usado num quase salto,

num sobre-salto sobre as pretensões

possíveis do quarto.

Os prédios e toda a geometria

da esquina não suspeitavam

Atrás do Homem na Janela um poema

aguarda seu fim,

alguém lá dentro retrata tudo o que é de fora,

o que não pertence ao Homem,

tudo o que é rua e paisagem na real

composição de quem observa e

constrói o movimento e o estático.

Atrás do Homem um corpo que acorda que agoniza

ou não reclama mais a sua vida.

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Ygor Moretti Fiorante

No entanto a calma de quem está na janela

é a de quem logo descerá à rua,

e irá pegar o pão fresco na padaria,

ou o jornal que ainda não

anunciou o homicídio.

Enquanto o Homem permanece à janela

não permite que a morte seja algo maior

do que os seus trabalhos noturnos.

Não surgirá por enquanto a falta.

Por enquanto ainda não se deu

o atraso no trabalho,

e todas as pretensões daquele cadáver

ainda aguardam

suas realizações.

O Homem à janela mantém as

mãos sujas guardadas nos bolsos,

e a face lânguida incapaz de voltar-se a cena do quarto

observa a esquina e a mulher de vestido.

Tenta alcançar as impossibilidades

Page 48: Um Objeto Quando Esquece

Um objeto quando esquece

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de um assassino,

enquanto, bem menos possíveis

dois olhos mortos

vividamente estáticos

o observam da cama...

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Ygor Moretti Fiorante

Poema de fila de supermercado

Os movimentos dos braços finos e brancos

Chamaram-lhe à atenção.

Enquanto aflitos passavam as

compras pelo caixa registrador.

O olhar furtivo-preocupado com o

crescimento da fila

e com a presença dele a lhe observar.

Deram-lhe a certeza do contato.

Tentou disfarçar o encantamento

Com o pescoço igualmente fino e branco.

Os cabelos curtos e escuros junto aos cílios

contrastavam a tudo o que nela era claro e lindo.

O uniforme do supermercado que

nos outros era démodé.

Nela era decote.

Page 50: Um Objeto Quando Esquece

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O relógio que nos outros era pressa,

Nela era jóia.

O Cálculo da compra frente a ela,

virou investimento.

O troco e o “volte sempre”,

foi intimidade conquistada.

Ensacou as compras e foi embora.

A tarde foi triste...

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Ygor Moretti Fiorante

Todo o tempo que há

Eu queria ter todo o tempo do mundo...

TODO o tem-po-do-mun-do...

Para reler essa estrofe até que

Diante dos olhos fatigados e inebriados

Ela se tornasse o poema mais lindo do mundo.

E assim num estágio além de uma enganação,

Impregnar na fala,

Ser aquilo que não ouço, e morar na frase futura,

já armada entre os dentes.

E depois raquítica, com a qualidade fraca daquilo

que foi apenas pré-formulado,

sucumbir em meio à aniquilação dos olhos

que veneram estupidamente.

Ter todo o tempo do mundo.

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Um objeto quando esquece

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Do - Mundo...

Para mirar seus olhos e me perder

em todas as mentiras embutidas

em cada desvio do olhar.

Por Todo-o-Tempo...

Mas ter todo o tempo do mundo

para me refazer das mentiras,

Pra refazer as mentiras,

para fazer as verdades que os

olhos nunca construirão.

Ter todo o tempo para dar calma

a minha miopia

e ajustar os fragmentos do que

eu vejo durante todo o tempo

Tendo abaixo dos olhos o mundo,

o tempo todo...

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Ygor Moretti Fiorante

O Salto

Foi depois...

A partir do salto, que não houve mais nada.

A água se recolheu do SPLASH

O sangue se dissolveu como nuvem mais ao fundo.

O gelo agarrou-se à espinha,

E a espinha nunca mais ereta e inteira

Não alimentava, não suportava nem permitia nenhum movi-

mento.

E assim a vida furtiva, evaporou-se,

Tornou o banho sintético o teste extremo dos nervos,

Aleijou aos arrepios que não seriam mais sentidos.

Assim, tudo ficou antes, a arquitetura do salto,

O movimento esguio e plástico de uma

explosão contida

No limite do que se quebra ou num racho na cabeça.

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Um objeto quando esquece

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Depois do salto, o decreto da impossibilidade de tudo.

Porque tudo não existe mais após o salto,

Tudo ficou antes...

E agora o silêncio e o estático

convivem com o vácuo e o vago

Num receptáculo de tudo que é improvável

E guarda todo o antes,

Porque só o antes existe a partir dali.. .

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Ygor Moretti Fiorante

Da presença dum rasgo nas calças

Perder a calça para o rasgo,

É perder uma matéria para a antimatéria,

É perder algo para o vazio, para coisa alguma.

É o habitar do vazio sobre o físico,

A presença do nada entre a coisa que existe..

Mas se perder as calças é absurdo,

absurdo maior quando o que nos faz perder é coisa nada, a

extensão dum vácuo no esticar

das linhas e fibras do jeans.

E se ficar sem calças é estar com coisa pouca,

é por pouco que a nudez por debaixo do rasgo

faz-se presente no vazio do rasgo.

E é na fresta do tecido, na fugaz aparição da carne

que tudo se refaz entre a reta do rasgo e as curvas da carne

abaixo do rasgo, pulsando e palpitando...

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Um objeto quando esquece

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Caixa de Pandora

Pisando em ovos,

andando lentamente entre fagulhas de granadas.

Evitando qualquer movimento involuntário,

Ou qualquer exclamação que venha após um tropeço.

O som mudo, nulo antes do susto.

Porque há o momento em que qualquer

sílaba que tropece em si mesmo,

Pode tornar-se mais que uma estrofe, um romance.

E agora no vácuo do meu silêncio

moram todas as hipóteses não concretizadas.

E o Não das coisas comporta,

guarda todas as impossibilidades,

Enquanto na laringe e na saliva morrem todas

as possibilidades acidentais.

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Ygor Moretti Fiorante

Poema

Foi porque comecei bem antes...

Quando você era ainda um punhado

de possibilidades e hipóteses

E os teus cabelos que nem existiam assim, fio-a-fio,

compunham um emaranhado e um enrosco na boca,

pois, qualquer coisa maior que a primeira sílaba

do teu nome, soava estranho nas inúmeras

repetições treinadas.

Mas quando você partiu, juntou-se ao batalhão de

todas as mulheres que me deixaram, aonde na linha de fr-

ente iam as minhas suicidas.

Assistindo a marcha, invejosas,

ficavam as mulheres que eu deixei.

Aí.. . Quando você foi, olhou pra trás, sorriu...

Permaneci por isso, vendo o canto da tua boca,

Fui com isso através do seu vácuo.

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Num rastro disperso e descrente de quem não sabe mais

onde mora.

Era assim, porque nesses tempos eu andava

perpendicular a barreira dos próximos

trinta anos que eu viveria.

Vivendo à sombra de todos os

homens que eu poderia ser.

Mas quando sua presença tomou contornos claros,

e os teus olhos se apresentaram escuros, nítidos...

Apaixonei-me com a força de todos os meninos que não fui,

acompanhado de todos os exageros possíveis.

Porque quando você surgiu ainda numa sombra,

sem que eu soubesse a mulher que você se tornaria,

já me sentia assim... propenso, inclinado, já no meio de uma

queda que era tanto por sua culpa quanto

uma queda assim declamada,

num gesto explicito, pra você.

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Ygor Moretti Fiorante

Ceratocone

Eu que tenho uma visão duplamente única,

numa tríade que não se completa...

O que vejo e o que os meus olhos conseguem enxergar

são coisas distintas, segredos, outras coisas que nunca as

saberei plenamente.

Vejo um desfoque um nada,

a hipótese do que pode ser tudo aquilo

que cerca a visão de um míope.

Pois estas visões vazias quando separadas

são ainda incompletas quando juntas

nem constroem coisa nítida juntamente.

Contemplar esse branco que tudo contorna,

estar a espreita dum mundo tato escondido na clareza que

cega...

E aos poucos... bem aos poucos, tudo nuvem,

tudo neve, alvi branco, tudo nada...

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Um objeto quando esquece

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Poema perdido

Eu percorro o caminho de um poema perdido...

Percorro o caminho de um poema primeiro perdido e com o

tempo da perdição, da distancia, esquecido.

Percorro com a angústia de quem perdeu o mapa de um tes-

ouro, ou a pressa e a esperança dos pelotões que voltam em

busca de sobreviventes. Enquanto na memória, agoniza uma

lembrança, cada vez menor,

cada vez mais distante e fraca.

Em contra partida uma falsa memória vai construindo, re-

construindo um falso poema, um outro poema que jamais

será aquele, ainda que eu me lembre e

recoloque cada métrica, cada palavra naquele que fora seu

devido lugar.

Mas este lugar não existe mais, este espaço vai sendo

preenchido em outra folha, em outro arquivo tentando

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Ygor Moretti Fiorante

dizer o que já foi dito, mas diz algo parecido,

diz outra coisa.

Quão controversos e esguios são os caminhos de um poema,

pois aquele poema depois de pronto é outro poema que já

nem pertence a alguém,

que é dedicado a todas as musas, contra todos os opressores

e descreve todos os hipócritas,

e tentar “re-percorre-lo” é percorrer caminho novo, caminho

algum, sem mais arquitetura,

sem traços ou cálculos que nos levariam ao mesmo número.

Mas aquele poema perdido nunca mais será escrito, e a vã

procura por um inútil oficio de arqueólogo de

palavras, jamais vencerá a palavra dispersa, distribuída. E

fica, pois essa anti-matéria a perda, da perda,

de que são feito todos os poemas...

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Um objeto quando esquece

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Aquário

Precisava de um aquário para lhe fazer companhia...

Encasquetou. Silencioso e presente o bastante para fazer

presença nos momentos alegres, mas solitários enquanto es-

crevia... Um enorme peixe dourado a lhe observar com dois

grandes olhos. Boca e guelras em constantes movimentos,

mas pareciam mais súplicas do que qualquer outro gesto de

vida.

Sentiu-se tão preso e sufocado quanto aquele peixe, aquela

presença agora o incomodava, o motor do filtro e as bolhas

de água causavam um barulho

ensurdecedor.

Havia ali dentro daqueles 100 litros um pedido

constante e silencioso de socorro que o ligava quase de

forma magnética, escrava aquela visão. A partir dali por trás

do vidro num reflexo sem muita exatidão via-se preso outra

vez solitário de mãos atadas

sem poder nadar...

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Ygor Moretti Fiorante

Traje

Traje social quase uniforme para toda e qualquer

situação, rosto pálido sempre cansado, assustado.

Camisas largas no corpo, cores claras inexpressivas,

as calças curtas sobrando nas canelas cumpridas.

Passos e vida calma até o fim, no caixão pela primeira vez

um rosto terno e não mais apático, nunca mais...

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Santana

Santana não se abalava com o sorriso dos outros em face

dos seus poucos risos, pois sabia que a felicidade está inseri-

da também nas bocas sérias, nos lábios

rachados e sobre tudo, abaixo e entre o seu enorme bigode.

Sabia Santana que o ato de usar seu vestido era incutir o

seu corpo todo de felicidade. E suas lembranças de General

estavam imbuídas de felicidade.

Ah... A Felicidade... Santana a via refletida em tudo, inerente

inclusive aos momentos tristes, eram todos repletos de uma

felicidade que apenas Santana

acreditava de forma inabalável.. .

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Ygor Moretti Fiorante

Edgar Além Poeta

. . .Afinal, diziam que os Ultra-Românticos tinham

desistido de envelhecer ricos de cultura, por isso eram rá-

pidos, marcantes e efêmeros aos 27 ou pouco antes dos 20.

Mas e se a evolução tivesse lhes dado pés intactos de tiros

acidentais, peitos inflados sugadores e purificadores de um

ar de vida, plena, i-mor-tal?.. .

Um novo email.. . era o que assinalava a luzinha

piscando na tela do monitor, de pronto Edgar detectara o

remetente, era mais um trabalho free lancer.

Torcia para que aquela nova encomenda coincidisse com

algum texto já produzido e arquivado no HD.

Perguntava-se se algum editor teria culhões para

apostar em um de seus inéditos contos de terror...

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A Ponte

Então ia retirando tijolo à tijolo, recontando,

devolvendo cada um ao depósito, construindo

torres ou cubos maciços que em nada lembravam os seus

projetos. Neste momento os repensava,

imaginava-os melhorados, concretizados. Era o tempo de

entende-los e definir aqueles ainda não muito claro em sua

mente como por exemplo: A Ponte Subterrânea.

Ao final juntava o bilhete “refaça a ponte” a pilha de

recortes iguais espetados no porta recado. Refazia os cál-

culos que se repetiam sem-pre-cor-retos. Então começava a

reconstruir a ponte, desde a colocação do primeiro tijolo já

sabia que queria que recompô-la

outras tantas vezes, mas assim mesmo era perfeito em casa

movimento naquela nova tentativa de transpor

um abismo...

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Ygor Moretti Fiorante

A incrível história do homem que desistiu de viver...

Era uma vez um homem que desistiu de viver...

Não se jogou da ponte, nem tomou veneno ou deu um tiro

na têmpora, embora a palavra cicuta lhe agradasse aos ou-

vidos, lhe fazia lembrar daquele filósofo com nome de joga-

dor, misto de dó e dor faziam com que ele

gostasse ainda mais daquele homem.

Alguém lhe disse que se desistindo de viver se

transformaria em uma pessoa extraordinária, fora da luta

bravia e rotineira. Desistir no entanto não era ficar tranca-

fiado numa sala vivendo sobre a cama.

Ele continuava a pagar suas contas, ia ao trabalho, subia es-

cadas, trocava ou comprava novas roupas e lavava a calçada

aos finais de semana, tudo o que as outras

pessoas cheias de vida faziam, mas ele... tinha desistido.

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cafeína

Depois de uma dose cavalar de café,

durante uma corrida vertiginosa,

onde os seus passos eram leves e seu

rosto intacto, tenso.

Enquanto a endorfina inundava seu corpo,

enquanto trespassava rios de enchentes

como quem caminha acima da água

que por sua vez tomava pistas e autopistas.

Pensou ter encontrado Deus,

e nesse momento através de seus passos

gigantesco-incansáveis, talvez

alcançasse ou ultrapasse o Divino passeando

por sua pista de nuvens, planetas e palácios...

Depois de novos quilômetros que até

então não faziam parte de seu

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Ygor Moretti Fiorante

repertório amador de corrida,

ultrapassou todos os sentidos,

deixou pra trás todos os significados,

quanto mais seu peito tremia,

quanto mais forte era o ataque cardíaco,

mais ao fundo do túnel branco ele atingia,

Imaginando que aquela visão branca fosse as

costas ou a bata de Deus,

acelerou ainda mais,

flutuava e saltitava entre um cosmos e outro,

não saberia se alcançaria ou se

partilharia o cooper eterno ao quão Deus

fazia em torno do infinito,

mas somente correndo descobriria

o caminho até ele...

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Sobre o autor

Ygor Moretti Fiorante nasceu em São Paulo,

Capital, em 1980, formado em Letras, trabalha como

designer gráfico e capista.

Lançou pela Editora Incomum o livro de con-

tos “Do Som ao Impacto e outras histórias”, e “O

Menino Susto”, participou da antologia de contos

“Brainstorm” da Editora Andross tendo dois contos

publicados.

Mantém o blog www.moviemento.blogspot.

com e colabora para os sites: O Cinemista, Cenas de

Cinema e Arte no Movimento.

Contato com o autor [email protected]

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