um minuto - simon stephens - tradução (1)

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UM MINUTO (One Minute) By Simon Stephens Tradução: Letícia/Adriano Personagens Marie Louise Burdett, vinte e sete anos Catherine Denham, vinte e um anos Dra Anne Schults, trinta e seis anos Detetive Senior Gary Burroughs , trinta e oito anos Detetive Robert Evans, vinte e quatro anos Cenário A peça ocorre em diferentes locais de Londres, ao longo do ano de 2001. O cenário deve ser o mais livre possível. Um personagem que interpreta em duas cenas consecutivas não precisa esperar para chegar ao segundo cenário para interpretar a segunda cena. Pelo contrário, as cenas podem ‘sangrar’, muito rapidamente, uma na outra. Os personagens devem permanecer no palco por todo o tempo. As datas podem ser exibidas ou anunciadas antes do início de cada seção. Durante os apagões, as silhuetas dos personagens devem tornar-se gradualmente claras. Os silêncios podem ser pontuados. Talvez breves, intrusivos, com um sinal sonoro de aviso. Como o tipo de som que as máquinas de fax fazem quando acaba o papel. Um traço (-) depois de uma palavra denota uma interrupção ou uma incapacidade de falar ou completar uma palavra ou frase. As reticências (...) indicam uma continuação da frase que não será continuada (trailing off). JANEIRO Blackout. Dez segundos. Uma loja de roupas na high Street Kensington. Meio dia. Marie Louise Burdett e Catherine Denham.

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UM MINUTO (One Minute)

By Simon Stephens

Tradução: Letícia/Adriano

Personagens

Marie Louise Burdett, vinte e sete anosCatherine Denham, vinte e um anosDra Anne Schults, trinta e seis anosDetetive Senior Gary Burroughs, trinta e oito anos Detetive Robert Evans, vinte e quatro anos

Cenário

A peça ocorre em diferentes locais de Londres, ao longo do ano de 2001.O cenário deve ser o mais livre possível. Um personagem que interpreta em duas cenas consecutivas não precisa esperar para chegar ao segundo cenário para interpretar a segunda cena. Pelo contrário, as cenas podem ‘sangrar’, muito rapidamente, uma na outra.Os personagens devem permanecer no palco por todo o tempo.As datas podem ser exibidas ou anunciadas antes do início de cada seção.Durante os apagões, as silhuetas dos personagens devem tornar-se gradualmente claras. Os silêncios podem ser pontuados. Talvez breves, intrusivos, com um sinal sonoro de aviso. Como o tipo de som que as máquinas de fax fazem quando acaba o papel.

Um traço (-) depois de uma palavra denota uma interrupção ou uma incapacidade de falar ou completar uma palavra ou frase. As reticências (...) indicam uma continuação da frase que não será continuada (trailing off).

JANEIRO

Blackout. Dez segundos.

Uma loja de roupas na high Street Kensington. Meio dia. Marie Louise Burdett e Catherine Denham.

Marie Louise encara Catherine por algum tempo sem que ela perceba, antes de falar com ela. Ela está segurando uma camiseta. Segura afastada de si. Olha para ela através da luz.

Marie Louise - O que você acha?

Catherine - Eu achei a sua cara.

Marie Louise (olhando para longe) - Não sei não.

Catherine - É bem simples, no bom sentido. Sabe, não é chamativo.

Marie Louise - Não.

Catherine - Eu acho bem legal.

Longa pausa. Catherine se vira para o outro lado.

Marie Louise - Eu odeio isso. Tudo... isso!

Catherine - É!

Marie Louise - Será que você me entende?

Catherine - Sim.

Pausa muito longa. Catherine se vira para ela novamente.

Marie Louise (sobre outra camiseta) - Mas esta eu gosto.

Catherine - Ah sim.

Marie Louise - Esta é muito bonita.

Marie Louise cheira a camiseta.

Catherine - Deu certo.

Marie Louise - Como é?

Catherine - Eu disse deu certo. Não acho que você deva procurar mais. Essa ficou

ótima.

Marie Louise - Quanto é?

Catherine - Eu não faço ideia.

Marie Louise - Você não pode procurar o preço?

Catherine - Não entendi?

Marie Louise - Você não pode procurar o preço? Você não tem um, um, um, um, um

catálogo ou algo do tipo? Um catálogo onde você poderia procurar o preço?

Catherine - Eu não trabalho aqui.

Marie Louise - Perdão?

Catherine - Eu disse que não trabalho aqui. Estou apenas, apenas procurando por

roupas também. Este não é o meu trabalho.

Marie Louise - Ah meu Deus. Me desculpe. Meu Deus, isso é, é, é, é..

Catherine - Está tudo bem.

Marie Louise - Não. Isso é terrível. Que vergonha. Eu não pensei que. Eu quero dizer

que eu pensei que. Eu não estava pensando... Claramente. Eu quero dizer claramente.

Bem. Onde está todo mundo?

Catherine - Eu não sei.

Marie Louise - Não há ninguém aqui.

Catherine - Eu sei.

Marie Louise - Eu poderia simplesmente sair com isto.

Catherine - Você está chorando?

Marie Louise - O que?

Catherine - Não chore. Está tudo bem.

Marie Louise - Eu não estou chorando! Pelo amor de Deus!

Ela examina a roupa.

Marie Louise - Eu não acho que há, sabe, uma daquelas coisas, alguma etiqueta ou

algo assim? Uma fita magnética ou algo assim? Eu não acho que tenha. Eu poderia

simplesmente sair pela porta levando isso e ninguém saberia. Não há sequer nenhuma

câmera. Essas lojas... Quero dizer. Essas lojas. Às vezes, você também se sente assim?

Você vem aqui. Entra em um desses lugares e começa a se sentir enjoada.

Catherine - Não tenho certeza.

Marie Louise (virando-se para Catherine) - Eu queria algo para vestir, para que quando

eu saísse pudesse correr. Apenas sair e correr. E agora não há sequer uma garota aqui.

Catherine - Talvez você deva pegar.

Marie Louise - Pegar o meu dinheiro ou, ou, ou, ou, ou, qualquer coisa.

Catherine - Talvez você deva.

Marie Louise - O que?

Catherine - Pegue logo.

Marie Louise - Eu não poderia. Seria -

Ela para e olha para Catherine.

Catherine (olhando de volta, seriamente) - Eu acho que você deveria.

No jardim de Dra Anne Schults a oeste de Camden. De Tarde. Detetive Gary Burroughs e Dra Anne Schults. Tomam uma xícara de café. Ela olha para ele atentamente.

Anne - Você sente falta dela?

Gary - Eu gostaria de vê-la com mais frequência, sim.

Anne - Por que você não vê?

Gary - Não é tão fácil assim.

Anne - Você vê muito seus pais?

Gary - Eu vejo a minha mãe de vez em quando. Meu pai morreu quando eu era

criança.

Anne - Quantos anos?

Gary (virando-se para ela) - Como. . . ?

Anne - Quantos anos você tinha quando seu pai morreu?

Gary - Treze.

Anne – Sinto muito.

Gary - Tudo bem. Foi, você sabe... você não entende, entende? (Ele termina o café.) Eu

deveria –

Anne - Você vai para casa?

Gary - Não, não.

Ele tenta apoiar a xícara. Não consegue achar lugar pra apoiar.

Anne - Engraçado, não é mesmo?

Gary - O que?

Anne - O jeito que as pessoas crescem.

Gary (começando a se levantar ) - Eu –

Anne - O que você pensa sobre isso?

Gary – Não entendi?

Anne - Quando você fecha os olhos e pensa na sua casa, no que você pensa?

Ele olha para ela antes de responder e se senta.

Gary - Escute Dra Schults –

Anne - Anne.

Gary - Sim –

Anne - Para onde você ia nas suas férias?

Gary - Onde –

Anne Quando você era criança, para onde você ia?

Gary (sorrindo para ela) - Costumava ir para a praia. Na ilha de Man.

Anne - Você gostava?

Gary – Sim. Eu adorava.

Anne - Você sempre volta lá?

Gary - Não, faz muito anos.

Anne - Você deveria.

Pausa. Ele olha para cima. Ela o observa. Ele bate a xícara de café na palma de sua mão.

Gary - As vezes penso que seria bom ir até lá. Levar Jenny.

Pausa longa. Ela sorri para ele. Desvia o olhar sorrindo.

Gary - Eu tenho que ir.

Anne - Você acha que devo voltar ao trabalho?

Gary - Depende de você.

Anne - Existe algum protocolo padrão sobre quando seria melhor voltar a trabalhar

nessas circunstâncias?

Gary - Não, exatamente.

Anne - Isso me dá uma enorme sensação de poder, de importância e de valor.

Gary - Parece que sim –

Anne - Já faz quatro dias, Gary.

Gary - Sim.

Anne desvia o olhar dele.

Anne - Eu acho você muito profissional.

Gary - Obrigado.

Anne - Você parece muito compassivo.

Gary - Eu não –

Anne (olha de volta para ele) - Não vá.

Silêncio.

Anne - Meu marido mal pode falar. Eu quero que ele consiga.

Pausa.

Anne - Ela muda todo dia. Cresce.

Pausa.

Anne - A ideia de ela estar com dor. Ou, ou, ou, até mesmo chorando.

Pausa.

Um carro estaciona próxima a casa, em Hackney. À tarde. Gary Burroughs e Robert Evans olham a casa. Gary está comendo um hambúrguer enrolado num papel. Está com a boca cheia. Algum tempo depois.

Robert - Quanto tempo acha que ficaremos aqui?

Gary - Não dá pra dizer.

Longa pausa. Robert olha para Gary. Ele pensa em acender um cigarro. É interrompido.

Gary - Você ainda tem família lá?

Robert - Mamãe e Papai ainda moram lá onde eu nasci. A mesma casa. Meu irmão se

mudou para a rua de baixo.

Gary - Quantos anos ele tem?

Robert - Vinte e dois. Dois anos mais novo do que eu.

Gary (olha de canto para ele) - Você tem vinte e quatro?

Robert - Sim.

Gary - Sério?

Robert - Sim.

Gary - Você não aparenta ter vinte e quatro.

Robert Não?

Gary Não.

Robert - Quantos anos aparento ter?

Gary (bem definido) - Vinte e um.

Pausa.

Robert - Vai se ferrar.

Gary - Como você se dá com ele, seu irmão?

Robert (batendo o cigarro apagado no pacote) - Ele é tranquilo. É meio filhinho de

papai. Ele sempre, sempre foi o centro das atenções em tudo.

Gary - Entendo.

Robert (virando-se para Gary) - É sempre assim?

Gary (olhando para a casa) - Nem sempre.

Robert - Faz quanto tempo?

Gary (sem verificar) - Duas horas. Continue olhando.

Robert (olhando para trás) - Ele não teria ido embora, teria?

Gary - Não seria incomum. Mas também não seria completamente impossível.

Gary boceja no banco do carro. Ele se alonga, esbarrando em Robert.

Robert - Me dá nojo.

Gary - O que?

Robert - Pensar sobre isso.

Gary - É. Concordo.

Batida.

Robert - Será que ela não quer a assistência familiar do departamento?

Gary - Não.

Robert Como pode?

Gary - O que você quer dizer? Nem todo mundo quer, Robert.

Robert - Por que não?

Gary - Por que você acha?

Robert - Significa que além de ficar de tocaia, cuidar da papelada e de toda a

burocracia a gente ainda tem que fazer papel de psicólogo.

Gary (olhando para ele por algum tempo) - Eu não vou nem responder a isso.

Mais algum tempo.

Robert - Eu adorei aqui embaixo. É melhor do que lá em cima.

Gary – Conseguiu um bom lugar?

Robert Sim. Legal. Pequeno mas, você sabe.

Gary (terminando seu hambúrguer) - Onde fica?

Robert – Ao extremo Leste de Finchley.

Gary - Está morando sozinho?

Robert - Não. Minha namorada está morando comigo.

Gary - Ah é?

Robert - Esther.

Gary - Como ela é?

Robert - Ela é... Você sabe? Ela é bonita, seus cabelos são bem loiros. As vezes acho

que ela é um pouco ingênua. E ela fica me contando coisas. Me mandando fazer

coisas. Vive preocupada com o preço de tudo, mas ela é legal.

Gary (lambendo ketchup do dedão) – E aí, você acha que ela é ‘A Tal’?

Robert - A o que?

Gary – ‘A Tal’. A Mulher da sua vida.

Robert - Vai se foder.

Gary - Não?

Robert (olhando para Gary) - Eu não sei. Nunca se sabe, certo?

Gary - Nunca se sabe.

Robert - Você é casado?

Gary - Sou. Continue olhando.

Silêncio. Robert acende um cigarro. Gary procura um lugar para colocar o papel do hambúrguer. Não encontra. Coloca no banco de trás. Gary olha para Robert.

Gary - Você quer outro café?

Robert - Sim. Obrigado.

Gary - Eu queria te falar uma coisa.

Robert - Ah é?

Gary - Espere aqui.

Gary deixa Robert sozinho. Dezessete segundos. Volta com duas xícaras de café.

Robert - Essa rua é uma merda, não é?

Gary - O quê?

Robert - Casas de merda. Lojas de merda. Carros de merda. Pessoas de Merda.

Gary - Robert.

Robert - Sim.

Gary - Eu queria te falar.

Robert - O quê?

Gary - Você está indo bem.

Robert - O quê?

Gary - Você. Pode se acalmar. Você está se saindo bem.

Robert - Você o que?

Gary - Você não precisa se preocupar tanto.

Robert - Eu não estou preocupado.

Gary - Bom. (Ele sorri para Robert.) Eu tinha vinte.

Robert - Vinte.

Gary - Sim.

Pausa. Robert olha para Gary.

Robert - Você ainda curte?

Gary - O quê?

Robert - Isso.

Gary - Eu não sei.

Robert - Você adora isso, eu aposto.

Gary - Eu queria não ter que fazer isso.

Gary olha para ele e então Robert volta a olhar a casa. Gary também olha.

Robert - Você nunca deixaria isso. Você ficaria louco.

Gary - Viver à beira mar.

Robert - É?

Gary - Ir morar na Ilha de Man.

Robert - É?

Gary - Eu adoraria fazer isso.

Pausa. Robert aparece. Apaga o cigarro.

Robert - É ele?!

Gary - O que?

Robert - Ali!

Gary - Onde?

Robert - Ali em cima!

Gary - Sim. É ele.

Robert - Vamos.

Gary (com os braços para trás) - Apenas. Espere.

Flat da Marie Louise Burdett. Noite. Marie Louise e Robert. Ele chega para interroga-la.

Marie Louise - Quem é você?

Robert - Senhorita Burdett? Eu sou o Detetive Robert Evans. Eu posso entrar?

Marie Louise - Eu esperei a manhã inteira.

Robert - Soube que tem informações sobre a busca por Daisy Schults.

Marie Louise - Eles me ligaram de volta. Disseram que estava vindo.

Robert - Obrigado por entrar em contato.

Marie Louise - Eu não tinha certeza se era relevante.

Robert - Toda informação, senhorita Burdett, tenho certeza que entende, é muito bem

vinda.

Marie Louise - Sim. Sim. Sim. Sim. Você quer algo para beber ou. . . ?

Robert - Estou bem, obrigado. Senhorita Burdett, há uma série de perguntas que eu

preciso fazer antes de tomar sua declaração.

Marie Louise - Sim. Claro.

Ele pega um computador de seu bolso. Está prestes a começar a escrever.

Marie Louise - Eu tenho andado tão assustada.

Robert - Desculpe?

Marie Louise - Não. O senhor me desculpe. Estou sendo. . . (Pausa.) Estou fazendo um

pouco de chá, chá gelado. Tem certeza que não quer nada?

Robert - Talvez um café. Se não for incomodar.

Marie Louise - Claro que não, não, não, claro.

Ela faz o chá e o café. Ele puxa uma caneta do bolso. Ele espera, observa. Ele verifica o apartamento. Observa cada mobília. Pode tocar algumas coisas. Ela fala enquanto prepara as bebidas. Ele não olha para ela enquanto ela fala.

Marie Louise - Eu tenho assistido TV todos os dias. É terrível.

Robert - Sim. É sim.

Marie Louise - Te faz pensar.

Dá a bebida a ele. Toma a dela. Ela Senta. Ele continua de pé.

Marie Louise - Eu estou morando aqui, sozinha neste flat, há 3 meses. Uma coisa: é

muito grande. Esse flat é muito grande. É apenas, bem, é, é, é…

Robert - É muito arrumado/elegante.

Marie Louise - Obrigada. Eles sorriem um para o outro.

Eu vou alugar um dos quartos. Eu acho. Encontrar alguém. Acho que sei quem vou

convidar. Eu não quero colocar anuncio no jornal.

Robert - Não.

Marie Louise - Eu ouço barulhos. De noite. As vezes parece que tem gente dentro do

quarto. Pode ser não pode?

Robert - Eu não –

Marie Louise - Eu vi a foto dela. Eles mostraram no noticiário. No final de semana. Eu

estava assistindo o noticiário. E eles mostraram a foto dela.

Robert - Sim.

Marie Louise - Já faz cinco dias agora, não faz?

Robert - Quatro.

Marie Louise - Desculpe. Estou achando tudo isso muito difícil.

Robert - Tudo bem. Isso é comum.

Marie Louise - Quantos anos ela tem?

Robert - Ela tem onze anos.

Marie Louise - Ela parece mais jovem.

Robert - Sim.

Marie Louise - Eu a vi. Duas noites atrás.

Ele olha para ela. Coloca sua xícara na mesa. Ela não abala o olhar.

Panatica’s cafe, Camden. Noite. Catherine está limpando. Gary está conversando com ela enquanto ela trabalha. Bebendo uma garrafa de cerveja. Enquanto ele fala, Catherine trabalha, limpando mesas, recolhendo copos, saleiros, garrafas, pratos, copos, lixo. Colocando-os em seu balcão. Gary assiste a tudo.

Catherine - Costumávamos conversar sobre tudo.

Gary - Sim?

Catherine - Você poderia tentar. Na maior parte do tempo contávamos tudo um ao

outro. É bom dizer o que o outro está pensando.

Gary - Isso é bom.

Catherine – Sim. Era bom. (Batida) E você?

Gary - Posso tomar mais uma bebida?

Ela olha para ele. Eles sorriem um para o outro.

Gary - Vá em frente.

Catherine (sorrindo, de volta ao trabalho) – O caixa já está fechado.

Gary - Basta deixar a grana na gaveta.

Catherine - Não posso. Ele me mataria.

Gary - Quem?

Catherine - O gordo cretino.

Gary - Não mataria.

Catherine - Você não o conhece.

Gary - Ele não é tão mau.

Catherine - Você não faz ideia.

Pausa. Gary esvazia sua garrafa.

Catherine - Como foi o trabalho?

Gary sorri para ela.

Gary - Passou.

Catherine - Você sempre diz isso.

Gary - Dizer o que?

Catherine - Nunca conta nada. Eu sempre te pergunto como foi o trabalho e você nunca

conta.

Gary - Não é tão interessante.

Catherine - Eu acho que é.

Gary - A maior parte do dia de hoje eu passei sentado no carro com o Hackney.

Catherine - Por quê?

Gary - Esperando um cara voltar para casa.

Catherine - E ele voltou?

Gary - Talvez.

Catherine - O que ele fez?

Gary (vai beber e percebe que a garrafa está vazia) - Você não vai querer saber.

Catherine - Sim eu quero. Fala.

Gary (se vira na cadeira para olhar para ela) - Como foi a faculdade?

Catherine - Estraga prazer.

Gary - Como foi a faculdade?

Catherine - Foi legal.

Gary - O que você fazia?

Catherine - Literatura.

Gary - Sobre o que?

Catherine - Shakespeare.

Gary - Eu adorava Shakespeare. Pegue uma cerveja para nós.

As mesas estavam limpas, Catherine vai para trás do balcão e começa a contar o dinheiro. Colocando notas e moedas em sacolas diferentes. Contando o dinheiro.

Catherine - Não.

Gary - Eu era um merda na escola.

Catherine - Era?

Gary - Passava a maior parte do tempo brigando e transando.

Catherine - Mentira.

Gary - Verdade. Quase fui expulso quando tinha quinze anos.

Catherine - Não acredito em você.

Gary - Como vai a procura por apartamentos?

Catherine - Uma droga.

Gary - Mesmo?

Catherine - Está me matando, vou te falar.

Gary - Você vai encontrar.

Catherine (para o trabalho, olha para ele) - Posso te perguntar uma coisa?

Gary - Vá em frente.

Catherine - Você gosta do seu trabalho?

Gary - As vezes.

Catherine - O que você gosta nele?

Gary - Eu gosto das perseguições de carro.

Catherine - Gosta?

Gary - Ver as pessoas pulando para o lado da estrada. É muito engraçado.

Catherine - Cachorro.

Gary - Eu gostava de perseguir os vagabundos de merda.

Catherine Mesmo?

Gary - Quando eu comecei nesse negócio, as perseguições eram mais engraçadas. Tenho

um bom senso de humor, sabia. Agora não há muito que gostar.

Catherine Não?

Gary Não. Hoje aparece todo o tipo criminoso. Muito. . .

Catherine - O que?

Gary - Eu não vou convencer você, vou?

Catherine - Não.

Gary - Eu gosto de você.

Catherine - Você o quê?

Gary - Eu acho você muito... ativa.

Catherine - Ativa? É o melhor que você pode fazer?

Gary - Mas acho que você deve rever suas regras sobre servir policiais fora de serviço.

Catherine - Estou cansada.

Gary - Estou com sede.

Catherine - Tem um Pub aberto, na Rua Inverness .

Gary - Eu sei.

Catherine - Vá para lá.

Gary - Eu odeio aquele lugar.

Catherine - Odeia?

Gary - Eu te dou 5 libras, vai.

Catherine - Não.

Gary - Eu te dou uma carona para casa.

Catherine - Não, Gary. Estou exausta. Você deve ir pra casa.

Gary - Eu sei.

Catherine - Vá ver sua mulher.

Gary - Eu sei.

Catherine - Então vá.

Gary - Eu vou.

Catherine - Agora.

Gary - OK.

Catherine - Te vejo amanhã.

Gary - Você quer mesmo saber o que fiz hoje?

Catherine - Sim.

Gary - Se eu te contar você nos serve outra cerveja?

Catherine - Dependendo do que for.

Gary – Vai servir?

Catherine - Tente.

Gary - Tudo bem. Hoje aconteceu o seguinte...

Marie Louise aborda o publico.

Marie Louise - Então estou voltando para casa e estou andando do lado do teatro

onde, onde, onde está passando Les Misérables.

Eram oito horas da noite, eu acho.

Há outras pessoas passando por ali vindo do trabalho para casa, eu acho. E outras

pessoas. Saindo. Saindo para o teatro. Ou para o cinema. Ou para comer em

Chinatown. Homens com taxis. Na porta dos fundos do teatro há uma criança de cinco

anos, sozinha. Mas está muito escuro. É tarde. Ela é muito vulnerável para estar aqui

sozinha. Ela não pode ser. Mas acho que na verdade é.

Perto dali eu vejo um menino mais novo de mãos dadas com sua mãe. Seu cabelo é

loiro e liso e ele parece muito feliz. Batendo os pés para cima e para baixo como um

robô ou algo assim. E tem umas luzes em seu tênis que ficam acendendo cada vez que

pisa no chão. O que eu acho lindo.

E mais para baixo, distante dali, eu não sei, na Rua Old Campton talvez, ou alguma

daquelas ruas, eu ouço o som de uma garota gritando. Parece horrível. Mas quando

chego ao beco onde ela está eu a vejo. Ela tem a mesma idade da primeira garota. Mas

o que ela está fazendo, é gritando, apenas para que consiga escutar o som de seu grito

ecoar nas paredes do beco. Aquilo parece divertido para mim. Eu quase quero gritar

também. Com ela. E pra todo lugar que eu olho eu percebo todas as crianças, é como

se, é como se tivesse crianças por toda a parte.

Eu vou para a Rua Oxford, em direção ao circo de Oxford e antes de chegar lá eu, isso é

meio esquisito, mas eu decido ir para Thornton’s, comprar umas balas de leite. Eu

tenho esse, esse, esse desejo. Então eu decidi, decidi que iria comprar essas balas de

leite. Mas eles só tem diet. É só o que eles têm. Então eu compro algumas e como o

pacote todo até começar a sentir meu estomago doer. E quando eu saio da loja é como

se todas as crianças tivessem ido embora. Elas simplesmente desapareceram. Para

onde foram? Não faz sentido. Eu não vejo mais nenhuma.

Vou até a loja Top Shop. Mas não compro nada.

Ando rápido e passo por aquela igreja. Mas não é uma igreja, é? É um monumento.

Batida.

Blackout. Dez segundos.

ABRIL

Delegacia de polícia, Kentish Town. Escritório de Gary Burroughs. Manhã. Gary e Robert estão trabalhando em catálogos de fotografias. Robert dá uma pausa em seu trabalho. Olha para Gary. Gary continua trabalhando.

Robert - Nada?

Gary (ainda procurando) - Nada.

Robert - Talvez. . .

Gary - O que?

Robert - A descrição dela foi muito específica, mas. . .

Gary (tentando não tirar os olhos do seu trabalho) - Mas o que?

Robert - Talvez ela esteja errada.

Gary –

Robert - Talvez ela só estivesse brincando com a nossa cara.

Gary –

Robert – E se ela estivesse. . . ?

Gary (olhando brevemente) - Sim?

Robert - Então o que temos?

Gary - Não muito.

Robert - Não.

Eles continuam trabalhando.

Robert - Como está a Anne?

Gary (virando uma página) - Vai indo.

Robert - Sim?

Gary se estica e pega um cigarro sem nem deixar os olhos saírem da página. Tem que sentir o cigarro em seus dedos.

Gary - Ela é muito esclarecida. Ela parece bem. . .

Robert - O que?

Gary - Ela fala coisas que fazem sentido.

Robert - Bem, ela é professora, Gary. Eu espero que ela fale coisas que façam sentido.

Gary - Eu gosto dela.

Robert - Ah é?

Gary – Não... Seu idiota.

Gary acende seu cigarro.

Robert - Como ele estava essa semana?

Gary - Quieta.

Robert - Quieta como?

Gary - Ela chorou.

Robert - Certo.

Gary (olhando para Robert) - Você está olhando?

Robert (olhando para as fotos) - Lógico.

Gary - Porque se perdermos uma, Robert . . .

Robert - Não perderemos.

Gary limpa a garganta. Vira outra página.

Robert - Nosso filho está chegando.

Gary - É?

Robert - Vamos até o centro hoje a noite. Jogar um pouco de bilhar. Você devia vir

com a gente.

Gary - Você o que?

Robert - Deveria vir.

Gary –

Robert - Estou feliz por sair um pouco de casa.

Gary –

Robert - Droga de Esther.

Gary –

Robert - Eu disse, ‘Droga de Esther.’

Gary - O que?

Robert - Está me pilhando um pouco.

Gary - Sei.

Robert - Ela odeia aqui.

Gary - Odeia?

Robert - Fica falando. Me enchendo. . . Toda hora. Sobre ser esfaqueada. Ser roubada.

Sobre os merdinhas asiáticos roubando ela.

Gary - Eles roubaram?

Robert - Não.

Gary –

Robert – Por que não voltam para casa. Merda de 1Pakis. Voltem para o lugar de onde

vieram –

Gary (Olha diretamente para ele) - Não.

1 Pakis – Referência a estrangeiros / migrantes Paquistaneses / Asiáticos

Robert (olha diretamente pra ele) - O que?

Gary - Não. Apenas fique quieto.

Robert - Só uma palavra. Só uma palavra, Gary.

Pausa. Eles trabalham em silêncio por um tempo.

Gary - Como está indo?

Robert - Nada.

Gary - Se nós não acharmos nada, você sabe o que eles vão fazer, não sabe?

Robert - Sim.

Gary - Então encontre algo.

Pausa. Gary vira mais uma página. Vira de costas. Olha uma foto e vira a página de novo.

Robert - Como está Jenny?

Gary - Ela está bem, obrigado.

Robert - Poderia trazê-la com você.

Gary - O que?

Robert - Hoje a noite.

Gary - Talvez.

Robert - Eu gostaria de conhecê-la.

Gary - É?

Robert - Você nunca quis ter filhos?

Gary (olhando para ele) - Você o que?

Robert - Estava pensando se você e Jenny, por que vocês, sabe, nunca tiveram filhos.

Gary olha para ele por 3 segundos.

Robert - Esther começou a me questionar. Acha que seria bom. Que seria legal. Eu não

sei o que faria se ela ficasse grávida. Veja tudo isso. Não gostaria que isso interferisse

na vida de ninguém. Não é, não é, não é, não é justo.

Gary - Muito caro.

Robert - É?

Gary – Ah, sim.

Algum tempo. Robert pega e examina o depoimento de uma testemunha, um texto e não uma fotografia.

Robert (saboreando o nome) - Marie Louise Burdett. Quando eu fui ao seu flat.

Aqueles grandes flats em Kentish Town. O jeito que ela olhava para mim.

Gary –

Robert - Foi estranho. Olhar para ela. Tentando ouvi-la. Pensando em transar com ela.

Gary (olha para Robert) - Não devia fazer isso.

Robert - O que?

Gary - Você não devia falar assim das pessoas.

Robert - Você está dizendo que nunca?

Gary - Quantos anos você tem mesmo?

Batida. Gary pega o depoimento. Robert descansa seus pés na mesa. Gary congela.

Robert - Achou alguma coisa?

Gary - Não.

Robert - Sem esperanças, Gary. Não é?

Gary - O que?

Robert - Já faz dez semanas.

Gary se afasta dele.

Robert - O que você vai fazer?

Gary – Ainda não sei.

Robert - Você vai sair com a gente?

Gary - Sair?

Robert - Hoje à noite, Gary. Você vem ou não?

Marie Louise e Catherine estão em uma praça pública em Islington. Hora do almoço. Catherine está deitada no chão olhando para cima.

Marie Louise senta no banco. Elas estão jogando um jogo.

Marie Louise - Em Bloomsbury.

Catherine - Bloomsbury?!?

Marie Louise (envergonhada) - Sim.

Catherine - Uau.

Marie Louise - O que?

Catherine - Quando?

Marie Louise - 1975.

Catherine - Então você tem vinte e sete.

Marie Louise (simultaneamente) - Vinte e seis. . . sete. Merda.

Catherine - Eu sou de 1981. Você é seis anos mais velha que eu. (Batida.) Tenho que te

contar algo.

Marie Louise - O que?

Catherine - Eu. . . Não dá pra esperar.

Tempo curto.

Catherine - Como era a sua escola?

Marie Louise - Era. Você sabe, não me lembro de muita coisa.

Catherine - Não?

Marie Louise - Eu lembro dos garotos mais velhos que eu.

Catherine - Como eles eram?

Marie Louise - Eu achava eles lindos. (Longa pausa.) E você?

Catherine - Me lembro da minha amiga Lucy, de todos os brinquedos dela, como eles

eram melhores do que os meus. Eu me lembro de ir a casa dela tomar sorvete com

amendoim. Do cheiro da grama da escola. E eu tinha uma boneca Barbie com um

vestido metálico que era a coisa mais legal do mundo.

Curto tempo.

Catherine - Não consigo parar de pensar sobre essa menina...

Marie Louise - Não.

Catherine - Faz quanto tempo agora?

Marie Louise - Três meses.

Catherine - Na semana passada eu saí e comprei um casaco, um casaco de cem libras.

Só para me lembrar de que não tenho cem libras.

Marie Louise - Não.

Elas passaram um tempo se bronzeando no sol. Então Catherine se apoia em seus cotovelos. Olha para Marie Louise.

Catherine - Isso é bom.

Marie Louise - O que?

Catherine - Isso. É legal.

Marie Louise - Sim. É sim.

Catherine - Deveríamos fazer isso mais vezes.

Marie Louise - Deveríamos.

Catherine (sentada) - Como era sua mãe?

Marie Louise - Ela era muito bonita.

Catherine - Aposto que era.

Marie Louise - Por quê?

Catherine - Por que acho você bonita também.

Marie Louise - Ela era modelo. E pintora.

Catherine - Era?

Marie Louise - Era. Na verdade foi uma única vez. Ela pousou para David Hockney.

Catherine - E o seu pai?

Marie Louise - Ele. . . ele passa o tempo todo escrevendo. Eu odeio isso.

Catherine (indo sentar com ela) - E você prefere gatos ou cachorros?

Marie Louise - Gatos.

Catherine - E qual sua peça de roupa favorita?

Marie Louise - Qualquer coisa de Cashmere.

Catherine - Peguei você!

Marie Louise O que!?!

Catherine - Que tipo de música você gosta?

Marie Louise - Jazz. Jazzy. Jazz.

Catherine (olhando diretamente para ela) - Você já esteve apaixonada?

Marie Louise (desviando o olhar) - Sim.

Catherine - Mesmo?

Marie Louise - Sim.

Catherine - Por quem?

Marie Louise - Pelo meu último namorado.

Catherine - Qual era o nome dele?

Marie Louise - Steven.

Catherine (empurrando-se para frente com as mãos) - E o que aconteceu com Steven?

Marie Louise - Não deu certo.

Catherine - Por quê?

Marie Louise - Por que ele era –

Catherine - O que?

Marie Louise - Nada.

Silencio. Catherine olha pra baixo também.

Marie Louise - Eu quero que a minha mãe deixe o meu pai.

Silencio.

Marie Louise - Na verdade quero que ele morra.

Elas riem juntas. Pausa.

Catherine - Eu amo meus pais, eu. (Batida.) Marie Louise.

Marie Louise (se vira para ela) - Você quer ter filhos?

Catherine - Você o que?

Marie Louise - Você quer Catherine?

Catherine - Sim.

Marie Louise - Quer mesmo?

Catherine – Com toda a certeza.

Marie Louise - Eu acho que você seria uma boa mãe.

Catherine – E eu acho que você seria uma ÓTIMA mãe. Sim. (Batida. ) Marie Louise.

Marie Louise - Acho que você é. . .

Catherine - O que?

Marie Louise - Você é muito, estilosa. Você tem muito estilo.

Catherine - Quero te contar algo.

Marie Louise - Sabe o que me assusta?

Catherine - O que?

Marie Louise Você vai pensar que sou estranha.

Catherine - O que é?

Marie Louise - Fico com medo de viver por muito tempo.

Longa pausa.

Marie Louise - O que você queria me contar?

Catherine - Eu não posso pagar meu aluguel esse mês.

Panatica’s cafe. De Tarde. Gary está bebendo café. Ele está de pé. Andando. Catherine está trabalhando. Ela está colocando sal de um pacote grande nos saleiros individuais. Ele não olha para ela ao falar com ela. Olha pelas janelas, pela porta, para o chão, dentro de sua xícara de café, para qualquer lugar, menos para ela.

Gary - Você deveria sair.

Catherine - Você não sabe o que está falando.

Gary - Eu sei.

Catherine - Preciso do dinheiro.

Gary - Desculpinha de merda.

Catherine - Não é não, Gary. O que há com você hoje?

Gary - Há muitos trabalhos melhores, mais interessantes, mais desafiadores, mais. . .

Você só está –

Catherine - Eu gosto daqui.

Gary – Não, você não gosta.

Catherine - Eu gosto dos apostadores. Eu gosto de conversa. E normalmente eu gosto

de você. A não ser quando –

Gary - E o gordo imbecil?

Catherine - Eu o odeio, mas –

Gary - Viu só?

Catherine - Todo mundo odeia seus chefes.

Gary - Eu não odeio o meu chefe.

Catherine - É diferente.

Gary - Por quê?

Catherine - Por que seu trabalho é a sua carreira.

Gary - Minha carreira?

Catherine - O que você é. Seu trabalho é o que você é. Mas isso aqui é só um caminho

Gary - Sobre o que você está falando?

Catherine - O caminho para eu poder pagar a minha faculdade. Eu preciso disso. Não

farei isso para sempre.

Gary - Só acho que você vale mais do que isso.

Catherine – É claro que sim. Eu valho mais do que isso.

Gary - Eu fiquei tão feliz de sair. De sair de Brum. Apenas sair.

Batida. Ele fica de pé. Coloca seu café na mesa. Flexiona seus dedos. Olha para ela.

Gary - Me dá uma cerveja, por favor?

Catherine - Você me disse para não te servir mais cerveja.

Gary - Eu sei.

Catherine - Você me disse.

Gary - Mudei de ideia.

Catherine - Já terminou o expediente?

Gary - Já.

Catherine - Mesmo?

Gary - Sim.

Catherine - Não terminou nada, não é?

Gary - Não.

Catherine – Você sabe que eu posso perder minha licença se servir um policial de

plantão.

Gary - Eu sei disso! Eu não vou dedurar você!

Catherine - Vou pegar um café para você.

Gary (movendo-se para ela) - Eu quero uma cerveja.

Catherine - Gary. Não.

Gary - Você acha que não posso... Bebo desde os meus treze anos. Fumo desde meus

onze anos.

Catherine - O que isso tem a ver?

Gary (levantando seu punho acima da nuca) - Isso é ridículo, Catherine, honestamente,

cara. Vai se ferrar! –

Catherine - Gary, não fale assim comigo.

Gary - Se você soubesse o que tive que fazer esta tarde!

Catherine - O que?

Sem resposta.

Catherine - O que quer dizer?

Algum tempo. Gary tenta se acalmar. Inala e exala através dos dentes. Catherine coloca a garrafa longe e começa a fechá-la. Gary se afasta dela novamente, luta com os trocados dentro do bolso.

Gary - Como está sua casa nova?

Catherine - Bem.

Gary - E a nova colega de apartamento?

Catherine - Ela é legal. Um pouco.

Gary - O que?

Catherine - Ela é muito doida varrida. Mas ela é legal. Não faz mal algum, sabe? Aluga

barato.

Gary (risada de leve) - Isso é bom.

Catherine - Croydon é a mesma coisa, sabe.

Gary – O que?

Catherine (enquanto ela fala, Gary concorda) - Não é diferente de Birmingham. Só

baboseira. Tudo. Odeio. Aqui é melhor.

Gary (se vira para ela) - Você acha?

Catherine - Pelo menos há coisas para fazer.

Gary - É.

Batida. Eles se olham.

Robert aborda o publico.

Robert - Eu saio de casa e estou indo para o metrô.

Está escuro.

Eu escuto uma música vinda de trás de mim, à esquerda.

Estou percebo que estou andando mais devagar do que de costume.

Eu viro a esquina, mudo de direção e a música parece continuar me seguindo. Ainda a minha esquerda. Fico contando as pedras no chão, e parece ter centenas delas.

Por cima dos trilhos do trem de Kentish Town West, um trem vai passando e eu penso o quanto eu gostaria de estar dormindo num daqueles vagões. Como isso seria bom. Estar lá agora mesmo.

E a luz vai diminuindo. E vai ficando frio.

E virando antes da estrada Kentish Town há um parque, com um playgrond, um campo gramado, e há lixo espalhado por toda parte. Latas, pedaços de papel, e garrafas. E isso pra mim parece simplesmente vergonhoso. Que as pessoas façam isso. Deveriam jogar concreto naquele lugar. Quer dizer, por que se incomodar? Deviam apenas cobrir tudo aquilo com concreto...

A oeste da estrada de Kentish Town, há guindastes montando um bloco de apartamentos, escritórios ou algo assim. Eu adoro o jeito que as gruas ficam a noite. Como pássaros. Como grandes aranhas. Eu quero subir nelas. Ninguém nos veria. Ninguém nos impediria. Ninguém faria nada. E as coisas que daria para ver de lá. Seria magnífico.

A música vai ficando mais alta, o que não faz sentido. Mas eu não consigo dizer o que é. Ela continua vindo de trás de mim, ainda da esquerda.

Vou até a estrada principal em direção à travessia de pedestres e pela primeira vez eu me lembro de quem eu sou. Exatamente onde estou. Fico feliz em ver o amarelo e o vermelho e a luz do McDonald’s. De saber que está lá. Que continua lá. Parece um farol. Como um grande ponto luminoso. Eu atravesso a faixa de pedestre e chego à estação de metrô. Com o chão úmido e frio e o vento e o barulho e o cheiro de estação de metrô, o cheiro que as estações de metrô sempre têm. E eu desço.

Estação de polícia Kentish Town. Escritório de Gary Burroughs. A noitinha. Marie Louise senta com as mãos dobradas em seu colo.

Gary senta oposto a ela. Ele tem uma caneta em sua mão, um documento aberto em sua frente.

Marie Louise - Eu não acredito nisso. Não acredito que nada foi feito, não pode ser.

Gary - Senhorita Burdett. Tem alguns detalhes que preciso verificar.

Marie Louise - Eu realmente. Eu não. Posso falar com o seu supervisor, por favor?

Gary - Eu preciso esclarecer algumas coisas que você disse ao meu colega.

Marie Louise – Isso foi há meses e meses. Vocês não estão fazendo nada.

Gary - Há alguns elementos em seu depoimento que precisamos que esclareça.

Marie Louise - Esclarecer? Eu gostaria de falar com o seu supervisor, por favor.

Gary – Isso não é necessário. Você disse ao meu colega Detetive Evans que viu uma

garota semelhante a Daisy Schults na região de Seven Dials dois dias antes de sua

entrevista em 23 de Janeiro deste ano, correto?

Marie Louise - Eu acho que sim.

Gary - Você acha?

Marie Louise - Sim, é isso. Está correto.

Gary - Que ela estava usando um casaco vermelho. Que seu cabelo estava amarrado

para trás. Esses foram detalhes que você reconheceu da foto publicada pela família

antes de você ligar para a polícia. Que você estava surpresa porque ela parecia estar em

estado de choque e que ela estava sendo levada à força por um homem que você

descreve como sendo caucasiano de cabelos negros com idade de mais ou menos

quarenta anos, um pouco acima do peso. Está correto?

Marie Louise - Está correto. Está tudo correto.

Gary - A senhorita mantém essa declaração?

Marie Louise - Eu quero saber por que nada foi feito sobre o que eu vi.

Gary - Você afirma, e cito a sua afirmação: “Duas noites atrás... Por volta das seis

horas”. E quando perguntado por que não ligou para a polícia imediatamente, você

disse, e de novo eu cito: “Eu esperei um dia para ter certeza que era ela”.

Marie Louise - Sim.

Gary - Senhorita Burdett. Isso quer dizer que a senhorita a viu às seis horas do

domingo, dia 21...

Marie Louise - Isso é absurdo.

Gary - A fotografia não foi anunciada antes do noticiário das 10 horas.

Marie Louise –

Gary - Você não pode ter visto a fotografia antes de ter visto a garota que você

reconheceu como Daisy, Senhorita Burdett. Ninguém era possível.

Marie Louise –

Gary - Você sabe que não era ela, não sabe?

Marie Louise - Eu posso ter errado as horas.

Gary - Você foi clara e específica em sua declaração.

Marie Louise - Talvez eu tenha me enganado. As pessoas erram.

Gary - Quando foi questionada, você repetiu a mesma informação duas vezes.

Pausa. Gary olha para ela. Ela desvia o olhar.

Marie Louise Posso tomar um copo d´água, por favor?

Gary - Isso acontece o tempo inteiro. As pessoas veem, pensam que viram as coisas.

Elas querem ver. É como se vissem fantasmas –

Marie Louise - Não era um fantasma.

Gary - Nós não cobramos normalmente. Poderíamos. Gastar o tempo da polícia assim.

Marie Louise - Eu a vi.

Gary - Senhorita, decidimos não seguir essa linha de investigação.

Pausa. Gary junta os papéis.

Marie Louise - Eu não sei o que dizer.

Gary (de pé) - Obrigado por sua preocupação. Eu entendo sua ansiedade. Deve parecer

que estamos negligenciando o seu depoimento. Posso lhe garantir que não é o caso.

Obrigado pelo seu tempo.

Marie Louise - Eu não sei o que fazer. Batida. Ele segura a mão dela.

Gary - Eu entendo, sabe? Entendo sim. As pessoas ficam. . .

Fim de tarde. Sozinha pela primeira vez, Anne espera em casa por Gary e Robert. Eles chegam depois de alguns momentos. Eles vestem casacos. Ela os cumprimenta.

Anne (em pé) - Olá. Olá. Entrem. Entrem. Deixe, deixe, deixe, posso pegar o seu

casaco? Robert - Obrigado.

Gary - Obrigado.

Eles tiram os casacos. Continuam de pé. Ela pendura seus casacos. Volta. Cruza os braços.

Anne - Por favor. Sente. Sente. Sentem-se. Como você estão?

Gary - Estamos bem.

Eles sentam.

Robert - Sim. Bem.

Anne - Bom. Bom. Isso é bom. Isso é... Vocês aceitam alguma coisa? Sim. Uma xícara

de chá. Ou, ou, ou um café?

Gary - Nós –

Anne - Por favor.

Gary - Eu adoraria um café.

Robert - Sim. Um para mim também.

Anne - Bom. Café. Como vocês gostam?

Gary - Preto. Sem açúcar.

Robert – Com Leite, um. Por favor.

Anne - Certo. Bom. Apenas. Esperem aqui.

Ela os deixa. Eles se sentam. Parados por algum tempo. Gary desliga seu celular. Robert olha para o chão.

Anne (de longe ) - Parece que vai ser um lindo dia amanhã. Estão dizendo. Eu vi.

Gary - Sim. Eu vi.

Anne (de longe ) - Nós, eu e, e, e, John, talvez vamos ao interior, se o tempo ficar bom

no final de semana.

Gary - Ah é?

Ela volta com uma bandeja com café e biscoitos.

Anne - Vamos para Sussex. Talvez Brighton. Aqui está.

Gary - Perfeito.

Anne – Trouxe alguns biscoitos pra você. Coma um biscoito.

Gary (pegando um) - Obrigado.

Robert (pegando um) - Obrigado.

Eles colocam os biscoitos na mesa e não pegam mais neles.

Gary - Como está o senhor Petrie?

Anne - Ele está bem. Sim. Ele está bem.

Gary - Bom (Batida.) Dra Schults –

Anne - Anne.

Gary - Anne. Nós temos uma notícia.

Anne - Certo. Certo. Certo. Certo. Certo.

Gary - Você gostaria de se sentar?

Anne – Não, não, não, eu fico de pé.

Gary - Anne, a investigação, como você sabe, a investigação está completando há dez

semanas.

Anne - Sim.

Gary - Não houve progresso.

Anne - Não.

Gary - A descrição que nos foi dada não bate com nenhum registro. Não nos levou a

lugar algum.

Anne - Não. Você disse. Não era. Necessariamente. Poderia ter sido perfeitamente. . .

Gary - Sim.

Batida.

Em uma reunião esta manhã foi tomada uma decisão com relação à busca de Daisy. Foi decidido que as evidências que temos sobre o caso não garantem o nível de mão de

obra que está sendo gasto na investigação. Continuamos muito inseguros sobre elementos específicos. Os detalhes de suas atividades. De sua aparência. O conhecimento do ambiente. Não foi encontrada nenhuma pista. Não houve progresso. Atualmente são 10 policiais que trabalham na investigação em tempo integral e 50 oficiais levando a investigação adiante. Foi decidido que 8 dos 10 policiais restantes serão afastados de trabalhar exclusivamente no caso de Daisy e os 50 oficiais voltarão aos seus trabalhos normais. Isso deixará dois policiais encarregados do caso representando o Departamento de Pessoas Desaparecidas, mas trabalhando para o Departamento de Proteção à Criança. Esses dois seremos eu e o Robert.

Anne - Certo.

Gary - Decidimos também que mudaremos a tática de investigação. A partir de agora

vamos reduzir a área geográfica em que vamos atuar. Nos concentraremos em uma

investigação muito mais aprofundada da área norte de Londres.

Anne - O que você quer dizer?

Gary – Estamos preparados para iniciar uma série de entrevistas muito mais completa e

abrangente com todos os residentes do norte de Londres.

Anne - Vocês vão...

Gary - Uma série de entrevistas que de tempos em tempos se moverá ao longo da área

Norte de Londres, depois toda a região central e depois a Grande Londres.

Silêncio.

Gary - Você entende o que acabei de dizer?

Silêncio.

Anne - Isso não demanda mais policiais? Gary, se você não encontrou nada. Se você

não encontrou nada então não faz mais sentido deixar mais policiais na investigação,

ao invés de, ao invés de menos? Quer dizer, parece que vocês estão desistindo.

Gary – Anne, em casos como esse, às vezes uma ação mais concentrada –

Anne – Tudo isso já não foi verificado? Gary?

Gary - Há uma diferença entre um inquérito e uma entrevista –

Anne - Você acha que ela foi levada?

Gary – Infelizmente temos que pensar nesta hipótese.

Ela o olha por um longo tempo.

Anne - O que você acha?

Gary - Eu não sei.

Anne – Não. Eu sei mas... O que você acha?

Gary - Eu realmente não sei. Não sei.

Anne - E se ela foi, é muito provável que tenha sido morta, certo?

Gary – Não sei dizer.

Anne - Mas é provável, não é?

Gary – Anne... eu não sei.

Anne - Ninguém pode tê-la levado por tanto tempo e ainda a manteria viva. Isso é

possível?

Gary - Não sabemos dizer.

Anne - Isso acontece sempre?

Gary - Não sabemos dizer.

Anne - Estou perguntando a você se isso acontece sempre?

Gary - É muito, muito difícil.

Anne - Mas acontece. Já aconteceu.

Gary - Sim. Já aconteceu.

Anne - Você já viu acontecer?

Gary - Eu –

Anne - Você já investigou algum caso em que já tenha acontecido Gary, já?

Sem resposta. Ele olha para baixo.

Anne - Oh Cristo, Meu Deus.

Ela senta e chora. Morde o pulso. Os ombros tremem.

Gary - Você precisa de alguma coisa? (Para Robert.) Uma água.

Robert vai pegar água.

Gary ameaça tocar as costas dela. Não toca.

Gary - Anne, eu juro que vamos tentar, com tudo o que temos, farei de tudo para

achá-la. (Pausa.) Há alguma dúvida ainda? Farei qualquer coisa.

Anne - (com os braços envoltos nela mesma olhando para Gary) - Não. Não. Acho que

não.

Robert volta.

Gary - Há ainda a opção de uso da assistência familiar do departamento –

Anne - Não.

Gary - Anne, depois que sairmos, hoje, amanhã, ou quando quiser, se tiver alguma

dúvida sobre isto. Ou qualquer outra coisa me ligue. Pode me ligar no escritório ou no

celular do trabalho, ou aqui, este é o meu celular pessoal. A qualquer hora. Dia ou

noite. Não hesite. Promete?

Anne - Eu –

Gary - Anne.

Anne - Sim. Eu prometo.

Robert - Que horas o Sr Schults vem para casa?

Anne - É Sr Petrie. O nome do meu marido é Petrie.

Catherine se vira para o público.

Catherine - Estou indo para o leste.

Para fora da cidade.

Há este homem na linha central. E quando eu o vejo pela primeira vez, ele parece

normal. Mas sou atraída de volta para ele. Para olhar para ele. Ele não consegue

manter contato visual comigo. E ao olhar para ele eu percebo que suas unhas estão

sujas. E que sua capa de chuva é velha e empoeirada também. Ele está com a barba

por fazer. Seu cabelo está mal cortado. Há cortes em seu rosto.

O piso do metrô está salpicado de catarro. Homens podres cuspiram lá.

Tem esse menino, ele deve ter uns 13 anos está tão exausto que nem consegue

segurar a própria cabeça.

Eu sinto cheiro de borracha e loção pós-barba.

Quando o trem para na estação o grito dos freios é horrível. Horrível. E eu não posso

acreditar que ninguém mais percebe. Não tenho certeza, mas acho que o homem que

eu vi no trem desceu na mesma estação que eu.

Uma música de flauta na estação ecoa pelos corredores junto com o som do alarme

das portas fechando.

Em minha boca sinto gosto de Red Bull e chocolate.

Lá fora em Cheapside há um guindaste elevando-se acima de mim, é horrível. O som

dos metais se batendo. Nas ruas os carros chacoalham pelo metrô que passa logo

abaixo. E os homens dentro deles. Fisicamente abalados. Você pode vê-los. E sentir o

mesmo tremor nos seus pés.

E as vozes dos homens do lado de fora dos bares são as mesmas. Eles estão bebendo

fora do bar, em seus ternos e suas vozes, todos tem a mesma violência.

Olho em volta para ver se ele está me seguindo, sinto o calafrio na espinha, mas não há

nada nem ninguém.

E as portas por onde passo parecem querer me esmagar.

Não há estrelas no céu.

Não há Lua no céu.

Blackout. Dez segundos.

AGOSTO

À noite. Robert está bebendo no Centre Point Sinuca. Na mesa. Gary o encontra. Robert está bêbado. Segura um taco de sinuca como se estivesse segurando uma arma. Há uma longa pausa antes de falarem algo. Olhando um diretamente para o outro. Gary levanta suas mãos como se estivesse avisando ou acalmando Robert.

Robert - Isso é culpa sua.

Gary - Robert.

Pausa.

Robert (respirando pesadamente) - As vezes eu quero te matar.

Gary - O que?

Robert - Devia ter pego ele.

Gary - Eu –

Robert - Deveria ter entrado. Deveria ter feito algo.

Gary - Robert, por favor, controle sua voz –

Robert (se esforçando para manter a calma) - Eu queria e você me parou. Você me

parou. E foi errado e você deveria começar a pensar em como você vai se

responsabilizar por isso, Gary, porque foi culpa sua.

Gary - Robert, escuta.

Robert - Essa merda dessa sua proteção. . .

Robert levanta o taco de sinuca.

Gary –

Robert - Eu odeio isso. Eu odeio a maneira como você olha para mim as vezes. E a

porra da maneira de falar comigo. E falar sobre mim. E o mania que você tem de nunca

ouvir uma merda de uma palavra que digo, quando você não diz nada. Eu odeio isso.

Pausa.

Robert - E eu odeio a forma que você come.

Gary - Robert, acalme-se –

Robert olha em volta de si como se estivesse vendo a reação das outras pessoas à sua raiva. Ele está tentando manter sua voz baixa.

Robert - Não me mande ficar calmo! Que diabos! Vindo aqui! Me dando ordem! Como

você ousa? Porra, como você ousa?

Gary - Eu tinha algo para te –

Robert - Honestamente, Gary, não.

Pausa. Gary o deixa sentar e se acalmar. Robert se vira, abaixa seu taco.

Robert - Este lugar! Essas merdas de biscoitos! Faz minha cabeça girar. Me faz querer

apenas – Ele fica parado.

Robert - Toda a noite é a mesma coisa. Só o jeito de respirar da Esther me faz querer

arrancar um dente. E a culpa é sua.

Longa pausa. Ele olha para Gary que fica parado.

Robert - Ela continua.

Gary - Robert, tem uma coisa –

Robert - Eu vou, eu. Eu vou embora. Embora para casa. Foda-se isso. Foda-se esse

trabalho. Foda-se – Foda-se. Foda-se. Foda-se. Foda-se ela. Foda-se o filho dela. Fodam-

se todos.

Robert deixa o taco cair no chão.

Gary - Eles acharam um corpo.

Robert - Eles o quê?

Gary - Acabo de ouvir. Esta noite. Uma mulher. Ao norte do Thames. A maré baixa. É

uma garotinha.

Robert - Certo.

Gary - Nós vamos até lá amanhã, no primeiro horário.

Longa pausa. Robert desvia o olhar de Gary por 3 segundos e depois olha de volta para o seu queixo.

Robert - Nem todo mundo gosta de você, sabe.

Gary - Você o que?

Robert - Você pensa que gostam, mas está estupidamente enganado. Nem todo

mundo gosta.

Gary - Você xinga muito. Não devia xingar tanto. Não precisa disso. Amanhã de manhã

esteja pronto.

Panatica’s cafe. A noite. Gary está bebendo com Catherine. Olhando para suas

bebidas.

Catherine - Você está muito quieto.

Gary - O que?

Catherine - Hoje.

Gary - Estou?

Catherine - Mau dia?

Gary – Não, não. Foi tudo bem. Foi bom. Tudo certo.

Catherine - Nós estamos mortos.

Gary - Sim?

Catherine - Muito quente para trabalhar.

Gary - Sei como se sente.

Catherine - Muito quente para fazer qualquer coisa. Eu odeio quando aqui tem muito

movimento.

Gary - Como assim?

Catherine - Fica tudo tão sujo. Desculpa. Não devia estar te contando isso. Mas é

verdade.

Gary - Tudo bem. Eu não como aqui.

Catherine - Se comesse eu ia te falaria para não comer mais.

Gary - Por quê?

Catherine - A cozinha aqui. Dá nojo.

Gary - Mesmo?

Catherine - Ele quer fechar. Estou te contando. Se ninguém fechar, ele fecha. Gordo

cretino.

Pausa. Ele olha diretamente para ela.

Gary - Eu gostaria. . .

Catherine O que?

Gary sorri, puxa um cigarro para fora. Não o acende.

Gary - Eu gosto de conversar com você.

Catherine - Bom.

Gary - Gostaria que nem todas às vezes você me fizesse ir embora.

Catherine - Eu gostaria que você me deixasse ir para casa mais cedo. Dormir um

pouco. Me entende?

Gary - Posso fazer uma pergunta?

Catherine - Vá em frente.

Gary - Você gostaria de ser mãe algum dia? Se tivesse a chance.

Catherine - Lógico que sim.

Gary - Sério?

Catherine - Sim. É...

Gary - O que?

Catherine - Claro que gostaria.

Gary - Isso é bom.

Catherine - Eu seria uma grande mãe.

Gary - Seria?

Catherine – É claro.

Gary - Como?

Catherine - O que quer dizer?

Gary - O que você acha que te faria uma grande mãe?

Catherine - Eu seria paciente. Seria generosa. Seria muito amorosa.

Gary coloca seu cigarro na boca.

Gary - É.

Catherine - É o que?

Gary - Eu acho que seria. Acho que está certa.

Gary acende o isqueiro. Deixa queimar por um tempo. Chacoalha. Tira o cigarro da boca e o coloca de volta no maço de cigarro/bolso.

Catherine - Por que perguntou?

Gary - Apenas. . .

Pausa.

Ele desvia o olhar por um tempo, bebe, limpa a boca com a parte de trás da mão e olha diretamente para ela.

Gary - Quer saber?

Catherine O que?

Gary - Eu acho você encantadora.

Longa pausa.

Gary - As pessoas deveriam saber essas coisas sobre elas mesmas. É como penso. Acho

que as pessoas geralmente não falam isso umas para as outras, mas deveriam e eu

queria falar isso pra você.

Catherine - Obrigada.

Gary - Eu tinha essa coisa.

Catherine O que?

Gary - Quando eu era mais jovem, eu costumava ir as galerias de arte. Apenas ficar

olhando quadros. Ia até a Galeria Nacional. Ou alguma outra galeria menor. Eu gostava

de olhar os quadros. As vezes no meio do dia quando estava trabalhando eu fazia isso.

Eu estava pensando... Mas eu não posso.

Catherine - O que?

Gary - Isso vai soar meio estúpido na verdade.

Catherine - O que?

Gary - Eu gostaria de ter levado você a uma dessas galerias. Ir com você. Ir até e olhar

alguns quadros. Mas eu não posso. Isso seria. Eu só – Não dá.

Longa pausa.

Catherine - Não.

Gary - Apenas. . . Estúpido. Desculpe.

De manhã. Harvey Nichols. O café no hall de alimentação do quinto andar. Uma nova e bela manhã. Grande presença da luz do sol. Marie Louise e Catherine.

Longa pausa. Marie Louise olha pela janela. E olha diretamente para Catherine.

Marie Louise - Eu queria te perguntar uma coisa.

Catherine - O que?

Marie Louise - Talvez eu não pergunte.

Catherine - O que é?

Marie Louise Não. Acho que não vou.

Catherine – Fala.

Marie Louise - É tão brilhante! Meu Deus!

Catherine –

Marie Louise - Você disse que adoraria ter um bebê.

Catherine - Sim.

Marie Louise - Tenho pensado nisso a manhã interia. Desde que acharam aquela

menina. E o que pensei foi que... eu tenho pavor de bebês. Eu tenho. Eles, eles me

assustam.

Catherine - Deve ter sido –

Marie Louise - Apenas senti-los.

Catherine - Você não –

Marie Louise (olhando para for a, protegendo os olhos) - Eu gosto daqui. É a minha

visão favorita da cidade. Os jardins. Toda a rua.

Catherine - Bom este chocolate quente.

Marie Louise (olhando para trás) - Bom o que?

Catherine - Este chocolate quente. Tem bastante chocolate. Bem grosso.

Marie Louise – Está uma manhã tão bonita.

Catherine - É.

Marie Louise - Eu amo o verão na Inglaterra. Um bom dia de verão. Difícil ter dias

assim.

Longa pausa. Catherine mistura seu chocolate quente. Passa a colher nas laterais da xícara. Ela levanta até a sua boca.

Marie Louise (olhando para trás) - Sente falta de ter um homem por perto?

Catherine - Não.

Marie Louise - Nem eu.

Catherine - Espero que não.

Marie Louise - Acho que estou indo bem. Acho ótimo. Eu gosto assim. Melhor sem

eles.

Pausa.

Marie Louise - Você já fez alguma coisa estúpida? Quer dizer, muito estúpida e errada.

Catherine –

Marie Louise - Uma vez eu disse algo para a Polícia e não era verdade. Você acha que

isso é horrível?

Catherine - Depende do que –

Marie Louise - Eu pensei, Eu realmente pensei que tinha visto uma vez. (batida.)

Apenas uma criança, era ela, apenas, sorridente. E agora não acho que eu a tenha

visto.

Batida. Catherine olha para ela. Marie Louise tira os olhos dela.

Catherine - Marie Louise –

Marie Louise - Há tantas coisas que farei nestes próximos seis meses. Antes do fim do

ano...

Catherine - Como o que?

Marie Louise - Eu vou cantar.

Catherine - Você canta o tempo todo.

Marie Louise - Não, vou cantar de verdade. Levar a sério.

Catherine - Eu acho que é –

Marie Louise - E eu vou começar a escrever.

Catherine - Escrever?

Marie Louise - Apenas escrever as coisas. Talvez tentar mandar algumas coisas. É tudo

questão de –

Catherine - O que?

Marie Louise - Indelebilidade. Deixar minha impressão digital nesse mundo. É como se

você nunca morresse. Vamos comprar um gato?

Catherine - Um gato.

Marie Louise - Eu sempre quis ter um gato, mas eu não acho que devemos agora.

Catherine, eu ouvi o que você disse.

Catherine - O que?

Marie Louise - Eu ouvi o que você fez para mim.

Catherine - O que quer dizer?

Marie Louise - Não. Esqueça.

Catherine - Eu não sei do que você está falando.

Marie Louise - As vezes quero pegar todo o meu cabelo e cortar tudo. Você já se sentiu

assim?

Catherine - As vezes.

Marie Louise - E lavar tudo! Vamos enfrentá-los. Nós duas. Eu poderia abrir a janela e

jogar tudo fora e depois comprar um monte de pratos novos.

Catherine - Eu fiz algo para te chatear, Marie Louise –

Marie Louise - Para me chatear’?

Catherine - Porque se eu fiz –

Marie Louise - Não, não ‘chatear’. Não ‘chatear’.

Catherine - Eu realmente não sei o que é e –

Marie Louise - Deixa para lá. Não vamos falar sobre isso. É só algo que ouvi por aí. Não

deve ser verdade.

Catherine - Se ao menos você me contasse.

Marie Louise - Eu tive uma. . . eu não dormi.

Catherine –

Marie Louise - Eu não consigo parar de pensar nela.

Catherine - Não. Nem eu.

Marie Louise - Vinte e oito semanas. Você pode imaginar Catherine? A pobre, pobre,

pobre pequenina. Eu espero que você não leve a mal, e eu tenho certeza que deve ser

complicado porque eu tenho uma certa, uma certa quantidade de, bem, de dinheiro,

mas eu acho que você tem, às vezes eu acho isso, que você tem a capacidade de

explorar as pessoas... e se eu tivesse que dizer uma coisa que eu não gosto em você,

seria isso.

Catherine - Puta que o pariu.

Marie Louise - Não xingue.

Catherine - O que?

Marie Louise - Você xinga o tempo todo.

Pausa.

Marie Louise - Olhe!

Catherine - O que?

Marie Louise - Lá fora!

Catherine - O que?

Marie Louise - Você pode ver a grande Roda!

Casa da Anne Schults. Manhã. Gary e Anne. Ela parou de chorar.

Anne - Que horas são?

Gary - Onze horas.

Anne - O que eu vou fazer?

Gary –

Anne - O que eu faço Gary?

Gary - Eu –

Anne - Onde está Robert?

Gary - Na estação.

Anne - Você precisa ir, não?

Gary - Não.

Anne - O que eu vou. . . ? Eu tenho que sair. Preciso comprar comida.

Gary - Eu poderia –

Anne - Não. Eu quero. E eu vou parar no correio. Tem algo que devo. . .

Ela se vira repentinamente, talvez para pegar fôlego.

Gary - O que?

Anne - Eu vou ter que ligar para as pessoas. Ou ligar para elas.

Gary - Sim.

Anne - E falar com o... pessoal do rádio. Tudo isso.

Gary - Nós podemos te ajudar.

Anne - Eu não quero saber de entrevistas.

Gary - Não.

Anne - Nós vamos embora! Eu e John! Vamos para França! Pode imaginar?

Gary - Você poderia ainda. . .

Anne - Mas todas as coisas, precisamos arranjar as coisas. E convidar as pessoas. Há

pessoas que queremos ver. O que eu vou fazer?

Gary –

Anne - Terei que arrumar seu quarto. Todas as suas coisas.

Gary - Se tiver algo –

Anne - Eu vou à farmácia. Depois vou limpar a cozinha. E separar todos os seus potes

de comida. Ver as datas de validade. Limpar o banheiro. Eu vou ao trabalho dele. Vou

encontra-lo e contar tudo.

Blackout. Um minuto.

NOVEMBRO

Gary aborda o público.

Gary - Eu vou para o baixo Charing Crost. Está começando a ficar escuro. Há uma ou

duas pessoas apenas terminando o trabalho.

Há dois brinquedos de crianças, duas bicicletas estacionadas na árvore ao lado do bar. .

Ambas feitas de um plástico vagabundo, azul e amarelo. É irritante que alguém tenha

deixado essas coisas lá. E agora, com todas essas pessoas, todo mundo só, só passa por

elas. Como se não ligassem.

Eu realmente quero pegar uma bebida.

No aterro dois moradores de rua. Um deles faz malabarismos com dois bastões

pequenos, e seu companheiro, mais jovem do que ele, tem um chapéu ridículo com um

pequeno sinal. Enquanto passo por eles, não pedem nada, mas a forma como me

olham, especialmente, aquele filho da puta mais novo, a maneira como ele olha para

mim. Porque eu não dei dinheiro ou nada do tipo. Como você ousa me fazer sentir

assim depois de todas as coisas que eu tive que passar.

Eu quero descer a porrada nesses dois filhos da puta.

Eu sinto o gosto amargo do tabaco na minha boca.

Eu atravesso a ponte Hungerford. A esta altura já está ficando perto o suficiente das

cinco e meia. Paro sobre a água. Olho para o rio abaixo através das ripas de metal. É

como se, por um segundo, o rio começasse a rugir. Parece, só parece indomável. E há

algo tão verdadeiro quanto isso. Que tem sido há muito tempo. E que vai sobreviver a

mim e sobreviver a tudo isso. Eu sinto que me justifica. Que estou justificado. Apenas

por causa do tamanho do rio. E a História. E está ficando frio, mas o conhecimento me

faz bem. Me sinto importante sabendo disso.

E eu chego à estação.

Estou cansado.

E estou com fome.

E tudo o que quero é chegar em casa e ir pra cama com alguém.

Lado de for a do flat da Marie Louise. Fim de tarde. Catherine está saindo. Estão vestindo casacos. Marie Louise pendura seus braços à sua volta. Catherine tem uma bolsa em seus pés.

Marie Louise - Você pegou tudo?

Catherine - Sim.

Marie Louise - Se você tiver deixado algo eu –

Catherine Claro.

Marie Louise – eu te ligo e. . . Ou eu posso escrever para você.

Catherine - Isso seria –

Catherine vai pegar a sua mala.

Marie Louise - Me desculpe.

Catherine (para) - Pelo que?

Marie Louise - Por, você sabe.

Catherine - De verdade. Não se sinta.

Marie Louise - Já me sinto.

Catherine (pega a mala) - Eu sei.

Marie Louise - As vezes.

Catherine (coloca em seu ombro) - Sou assim também.

Marie Louise Sim. (Olha para cima.) - A lua está brilhando.

Catherine (olha também) - Cedo.

Marie Louise - Eu gosto disso. Essa época do ano.

Catherine (se virando para ir embora) - Sim.

Marie Louise - Eu adoraria ir para a lua. Um dia. Olhar as coisas lá de cima.

Catherine (olha para ela por um tempo) - Eu –

Marie Louise - Na verdade, sabe o que eu adoraria fazer?

Catherine - O que?

Marie Louise - Eu adoraria viajar mais. Passar mais tempo. Ir a vários lugares.

Catherine - Vários lugares?

Marie Louise - O mundo todo.

Catherine (sorrindo) Você pode pagar por isso, não pode?

Marie Louise - O que quer dizer?

Catherine - Nada, Eu só –

Marie Louise - O que você faria?

Catherine - O que?

Marie Louise - Se tirasse um tempo livre? Um tempo todo pra você, sabe.

Catherine - Eu não sei.

Marie Louise - Eu adoraria ler mais. Ou estudar. Eu fiz uma bagunça no meu, meu, meu

. . . Se eu me arrependesse de algo seria isso.

Catherine sorri. Olha para longe.

Catherine - Sim.

Marie Louise - Como você vai chegar lá?

Catherine - Vou para o metrô. São apenas duas quadras.

Marie Louise - Eu posso chamar um táxi.

Catherine - Não, não precisa.

Marie Louise - É engraçado.

Catherine - O que?

Marie Louise - Porque eu não estudo. Essa coisa de escrever. Ou mesmo de cantar.

Não vai acontecer.

Pausa. Catherine olha para ela.

Marie Louise - Você entende o que quero dizer?

Catherine - Sim.

Marie Louise - Não vai, não vai. O que é uma vergonha. Te desejo muita sorte.

Catherine - Obrigada.

Marie Louise - Eu adoro o jeito que você é, você tem, você tem essa paixão.

Catherine - Obrigada.

Marie Louise - E, no futuro, se tiver um filho. Você preferiria um menino ou uma

menina?

Catherine - Uma menina, eu acho.

Marie Louise - Espero que tenha uma menina então.

Catherine - Um dia.

Marie Louise - Sim. Eu sei que devo ter te desapontado.

Catherine –

Marie Louise - É que. . . Você sabe?

Catherine - O que?

Marie Louise - Eu gostaria, um dia. Eu adoraria voltar para Bloomsbury. Voltar a morar

lá. Eu adoraria isso. Empacotar tudo em caixas e malas e apenas ir, ir, ir para casa.

Catherine - Você iria?

Marie Louise (olhando distante) - Eu adoraria isso. Eu iria, iria amar isso. –

Catherine - Você devia se acalmar às vezes.

Marie Louise - O que?

Catherine - Não ficar tão nervosa com as coisas.

Marie Louise - Não.

Catherine - Por que. Eu acho. Você é muito franca.

Marie Louise - Franca.

Catherine - E isso é bom.

Marie Louise - Obrigada.

Catherine - Apenas. . .

Marie Louise O que?

Catherine - Nada. Aqui.

Elas vão se abraçar mas a mala de Catherine atrapalha, elas se atrapalham

Catherine - Merda. Te vejo em breve, Marie Louise.

Marie Louise - Promete?

Regent’s Park. Manhã. Observamos chacais no jardim zoológico de Londres. Anne e Robert ficam olhando para eles. Eles não se olham quando se falam.

Batida. Falam sobre os chacais.

Anne - Ele parece entediado.

Robert - Fica se coçando.

Anne - Você está com frio?

Robert - Não. Não. Estou bem. Você está bem?

Anne - Sim. Obrigada.

Batida. Ela olha para ele brevemente e vira o rosto novamente.

Anne - Engraçado vir aqui. Não venho aqui há anos. Foi legal vocês dois terem vindo

até aqui. Tinha algo que eu – (sorrindo.) Sou tão estranha as vezes. Sinto muito.

Robert - Não. De verdade. Não sinta. Deus.

Anne - É que a casa está uma bagunça. Estava tentando lembrar de um lugar e lembrei

desse, e pensei. Besteira.

Robert - Eu gosto. Nunca estive aqui antes.

Pausa.

Robert - Eu gosto de zoológicos. Olhar para todos os animais.

Pausa.

Robert - O modo como eles olham para você. Você nem mesmo tem que pagar.

Anne (sorri para ele) - Como o Gary tem te tratado?

Robert - Bem. Sim. Nada mal.

Anne - Como ele está?

Robert - O que você –

Anne - Ele fuma demais. Bebe demais. É um estúpido.

Robert - Ele é. Sabe.

Gary entra com 3 copos.

Gary - Um chá (da Anne), um café com leite (do Robert) e um café preto (o dele

mesmo).

Algum tempo. Olhando o lugar.

Gary - Eu gosto de chacais.

Mais um tempo.

Gary - Então. Brighton.

Anne - Sim.

Gary - Quando?

Anne - Em 3 semanas.

Gary - Será bom. Sabe. O Mar e tal. Vai ser bonito.

Anne - Espero que sim.

Gary - Não, eu sei. É uma ótima ideia.

Anne - Eu só queria ver você. Te contar.

Gary - Sim. Isso é bom para você. Significa muito para nós.

Robert - Sim.

Anne - Recebi suas flores. Elas eram lindas. Obrigada.

Gary - Tudo bem.

Anne - Ela faria doze. Engraçado. E logo já seria natal. E não vai demorar a fazer um

ano. E é mais um aniversário. Não é?

Eles bebem suas bebidas.

Anne - Tenho certeza que aquele ali está olhando para mim.

Eles sorriem.

Robert - Você vai continuar lecionando?

Anne - Eu acho que sim. Há uma vaga, na Universidade de Sussex.

Robert - Mesmo?

Anne - Sim. Mas –

Robert - O que?

Anne - Instituições. As vezes... conhece a música ‘Rio’ do Duran Duran?

Robert - Sim.

Anne - Quando era criança era minha música favorita. Eu amava Duran Duran. As

vezes. Na sala dos professores. Dá vontade de subir na mesa e ficar cantando. Com a

voz bem alta.

Sorri. Algum tempo.

Gary - Como está o Sr Petrie?

Anne - Ele está bem. Ele teve um caso.

Gary –

Anne – Foi só isso. Nada sério. Agora acabou. Nós estamos bem. Comemos muito

peixe e batata juntos. Assistimos muita TV. Ele ainda leciona. Ele conseguiu um

emprego no departamento de mídia. (Pausa.) Eu o achava tão bonito. Um pouco

gordo, mas – Eu costumava amar seus olhos e sua inteligência. Construir um lar pra

ele.

Gary - Você está bem?

Anne - Estou. Sim. Sim. Estou bem.

Gary - Precisaremos ir embora logo.

Anne - Eu costumava vir aqui com Billy Franks.

Gary - Quem era Billy Franks?

Anne - Billy foi o primeiro cara que beijei. Quando era garota. Costumávamos vir aqui

no intervalo da escola, em Camden. Vinha para o zoológico. Eu lembro da primeira vez

que o beijei. Como me senti. Como seus lábios eram macios. Poderia ser... E eu me

separei dele. Eu dei um pé nele. O fiz chorar. Contei para ele que não queria mais sair

com ele e ele começou a chorar. Ele tinha 14 anos. Nunca mais o vi depois disso.

Nunca mais o vi depois que saí da escola. Fico imaginando o que ele está fazendo

agora. Eu adoraria, adoraria vê-lo. Dizer que sinto muito.

Pausa. Os três olham distantes. Bebem seu chá e café.

Anne - Acha que estamos ficando velhos, Gary?

Gary – Ah, sim.

Anne - Isso te incomoda?

Gary - Não penso nisso.

Algum tempo.

Anne - Eu – eu queria – eu comprei um presente para vocês dois. Mas deixei em casa.

Decidi não trazer. Eu vou enviar pelo correio para vocês. Tudo bem?

Gary - Sim. Claro.

Robert - O que é?

Anne - Você vai descobrir.

Ela se vira para Gary, e segura sua mão.

Anne - Eu gosto do seu jeito, você parece, você parece triste para mim. Eu gosto disso.

Você deve ir.

Gary - Sim.

Anne - Gary, se você o achar, quando, quando você o achar. Eu nunca quero vê-lo.

Porque eu sei que eu poderia, eu... poderia matá-lo.

Pausa.

Anne - A ideia de que ele respira.

Gary - Sim.

Anne aborda o público.

Anne - Estou. Estou tentando... lembrar. Estou tentando lembrar como caminhar. Tentando entender como andar. Seguindo para o sul da universidade através da Gordon Square eu vou pensando muito, muito em como se coloca um pé na frente do outro, faço um esforça incrível pra me lembrar como caminhar com os meus próprios pés?

Eu evito o contato visual.

Eu sei que a coisa mais segura é evitar andar em pé, principalmente por cima de rachaduras e das aberturas das pedras no chão.

Começaram a colocar luzes de natal nas árvores.

Eu sinto o cheiro de fogo, mas ninguém parece notar ou se preocupar, talvez seja apenas eu.

Há uma chuva seca no meu cabelo, é tão leve que realmente não dá pra perceber se molhou.

Do outro lado da praça há um homem em um terno completamente branco. Completamente bêbado. Aparenta ter 50 anos de idade. E ele está gritando para o céu. Parece furioso, com raiva de Deus.

Uma mulher, que trabalha em um dos cafés de lá, ela tem um sorriso tão grande, tão grande. É tão adorável.

E todas essas pessoas estão limpando suas janelas agora. Estão dirigindo seus ônibus. E trabalhando em suas, em suas, em suas lojas. Eles ainda estão fazendo tudo isso.

Eu entro em pânico só de pensar em parar. Decidi que não devo parar. Eu não devo parar. Porque eu não sei o que pode acontecer se eu parar. Não sei o que eu faria para começar de novo.

Estou chegando a estação de metrô em Russell Square. Bem ali. Logo à direita em frente a banca de frutas e do carrinho de flor e da banca de jornais. De frente ao cinema. No meio de todas aquelas pessoas. O sol se põe.

Gary e Robert em um carro estacionado na Hackney. Hora do almoço. Os dois estão concentrados na casa que estão vigiando.

Robert - Você acha que foi ele?

Pausa

Robert - Você acha que ele vai voltar?

Gary - Eu não sei.

Silêncio.

Robert - Posso te falar uma coisa?

Gary - Vá em frente.

Robert - Eu ia pedir minha transferência. Voltar para o norte. Ou sei lá, ir para outra

divisão. Parte do motivo era você. Você estava ferrando minha cabeça.

Gary - Sei.

Robert – Mas eu não fiz nada.

Gary - Não.

Robert - Eu decidi não fazer.

Gary - Bom.

Robert - Acha que vamos pegá-lo?

Gary – Não tenho a menor ideia.

Algum tempo.

Robert - Eu terminei com a Esther.

Gary - Você o que?

Robert - Noite passada. Terminei.

Gary - Como?

Robert - Acontece que. Estava ficando. Toda aquela falação sobre o bebê e toda

aquela chantagem sentimental.... Estávamos por um fio um com o outro. Você

entende? Eu estava ficando maluco.

Gary - Certo.

Robert - Ela chorou. Ficou muito mal. Ficou buzinando na minha cabeça.

Gary - Mas você não a deixou voltar.

Robert - Não. Não. Não. Não deixei. Cansei de todo aquele joguinho psicológico,

aquelas pirações dela, não dá.

Gary - Sim.

Robert - Posso te perguntar?

Gary - O que?

Robert - Há quanto tempo você conhece Jenny?

Gary - Desde a escola.

Robert - Muito tempo.

Gary - Não fiquei saindo com ela esse tempo todo.

Robert - Não?

Gary - Não.

Robert - O que foi?

Gary - O que?

Robert - Que te fez querer só agora?

Gary - O que quer dizer com isso?

Robert - O que você gostava nela?

Gary - Muitas coisas.

Robert - Como o que?

Gary - Sempre admirei a forma como ela fazia tudo certinho.

Robert - Você o que?

Gary - E então, quando ela fez dezessete anos, quase meia noite, eu pensei, “Meu

Deus! Você é linda!”.

Robert - E você ainda acha?

Gary - Acho.

Robert - Você ainda a ama?

Gary - Claro.

Robert - O que você mais ama nela?

Gary - Ela é muito honesta. Ela não engole qualquer bobagem. Não me deixa ir. Eu

confio nela. (Batida.) As vezes eu poderia apenas deixá-la.

Robert - Mesmo?

Gary - As vezes eu penso que a desapontei inúmeras vezes.

Robert - Como?

Gary – É só isso . . .

Robert - O que?

Gary - Sabe o que quero fazer?

Robert - O que?

Gary - Quero achar os idiotas que viram Daisy e não fizeram nada e, e, e –

Robert - O que?

Gary - Falar. Perguntar o que fizeram. As vezes eu acho . . .

Robert O que, Gary?

Gary - Eu não sou tão bom nesse trabalho como já fui Robert, entende?

Longa pausa.

Robert - Sabe o que eu acho?

Gary - O que?

Robert - O que eu realmente acho de você?

Gary - O que?

Robert Gosto do jeito que você consegue ser sincero as vezes. E acho você um bom

policial. Mas você ainda é um babaca mal humorado. Precisa relaxar um pouco. Contar

umas piadas. Parar de beber toda essa merda de álcool e café. Você vai morrer disso. E

parar de me tratar como se eu fosse um idiota. Por que eu não sou. Ou mesmo de

achar que você pode deter todo o mau ou conhecer as pessoas melhor do que elas se

conhecem, por que cacete, você não pode. Sabe o que eu acho? E eu acho que você

nunca vai fugir. Ir para a Ilha de Man. Nada disso. Não vai acontecer. Isso é –

Gary - O que?

Robert - Eu não sei.

Gary - Você é bem nervosinho, não é? Eu gosto disso.

Gary dá um soco no braço de Robert afetuosamente mas nada gentil. Se vira.

Robert - Eu gosto de você, cara.

Gary - Você o que?

Robert - Eu ia te agradecer por não me descer a porrada quando eu te magoei.

Gary - Não magoou. Você não me magoou.

Robert - Você é legal. Sabe? Você é. Você. . .

Gary - O que?

Robert – Sei lá –

Longa, longa pausa