poesia ao minuto

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POEMA PIAL, DE FERNANDO PESSO A Toda a gente que tem as mãos frias Deve metê-las dentro das pias. Pia número UM Para quem mexe as orelhas em jejum. Pia número DOIS, Para quem bebe bifes de bois. Pia número TRÊS, Para quem espirra só meia vez. Pia número QUATRO, Para quem manda as ventas ao teatro. Pia número CINCO, Para quem come a chave do trinco. Pia número SEIS, Para quem se penteia com bolos-reis Pia número SETE, Para quem canta até que o telhado se derrete. Pia número OITO, Para quem parte nozes quando é afoito. Pia número NOVE, Para quem se parece com uma couve. Pia número DEZ, Para quem cola selos nas unhas dos pés. E, como as mãos já não estão frias,

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POEMA PIAL, DE FERNANDO PESSOA Toda a gente que tem as mãos friasDeve metê-las dentro das pias.

Pia número UMPara quem mexe as orelhas em jejum.Pia número DOIS,Para quem bebe bifes de bois.Pia número TRÊS,Para quem espirra só meia vez.Pia número QUATRO,Para quem manda as ventas ao teatro.Pia número CINCO,Para quem come a chave do trinco.Pia número SEIS,Para quem se penteia com bolos-reisPia número SETE,Para quem canta até que o telhado se derrete.Pia número OITO,Para quem parte nozes quando é afoito.Pia número NOVE,Para quem se parece com uma couve.Pia número DEZ,Para quem cola selos nas unhas dos pés.E, como as mãos já não estão frias,Tampa nas pias!

Fernando Pessoa

AS ÁRVORES E OS LIVROS,DE JORGE SOUSA BRAGAAs árvores como os livros têm folhase margens lisas ou recortadas,e capas (isto é copas) e capítulosde flores e letras de oiro nas lombadas.E são histórias de reis, histórias de fadas,as mais fantásticas aventuras,que se podem ler nas suas páginas,no pecíolo, no limbo, nas nervuras.As florestas são imensas bibliotecas,e até há florestas especializadas,com faias, bétulas e um letreiroa dizer: «Floresta das zonas temperadas».É evidente que não podes plantarno teu quarto, plátanos ou azinheiras.Para começar a construir uma biblioteca,basta um vaso de sardinheiras.

Jorge Sousa Braga, Herbário

CANTIGA DE MÃE, DE ALICE VIEIRAOlha as horas!Sai da cama !Não demoresa acordar!Lava os dentesmuito bem–mas…ó mãe!…Não inventesmais desculpaspra atrasar!Passa o pentena cabeça!Bebe o leitemais depressa!E não te esqueçastambém…– mas … ó mãe!……de levara papeladaassinadaque a professoramandouVai lá buscara mochilae vê se, por esta vez,estão prontosos tpc’s!E fecha bem..–mas…ó mãe!..a torneirada banheira!Olha o pingo…– mas ó mãe!…Mas ó mãe!…Hoje é domingo!

A ARANHA, DE VIOLETA FIGUEIREDO

Essa peluda menina

escondida à esquina do tecto

só desce alta noite quando

todo quarto está quieto.

Suspensa da sua teia

fica ao espelho balouçando.

repisando a mesma ideia:

“Meu Deus, serei linda ou feia?”

Fala Bicho, Violeta Figueiredo

A CAROCHA, DE VIOLETA FIGUEIREDO

A carocha da capucha

Transportava numa trouxa

Provisões de couve-roxa

Quando no alto de um

Morro a assaltou um

cachorro: “Ão,ão,ão

que feia bruxa!” com o

susto a carocha deixou

cair a capucha, e a

trouxa da couve roxa

rebolou de rocha em rocha.

“- Upa, upa, minha bucha!”,

gritou a negra carocha à

trouxa da couve roxa. E a

trouxa voltou para trás

tornou a subir o morro.

“- Disto não és tu capaz!”,

disse a carocha ao cachorro.

Fala Bicho, Violeta Figueiredo

O CROCODILO, DE VIOLETA FIGUEIREDO

Andava eu a nadar no rio

Nilo, apareceu um

crocodilo com o rabo a

rabiar com dentes muito

afiados para me trincar.

Aquilo era inesperado. Eu

nunca sonhara achar-me

sózinho no

rio Nilo diante de um

crocodilo.

Lembrei-me de lhe

perguntar:

-Sabes nadar em marcha

atrás?

-Claro que sei, meu rapaz

-disse o crocodilo. E

partiu logo às arrecuas em

grande estilo, deixando-

me outra vez tranquilo nas

mansas águas do rio Nilo.

Fala Bicho, Violeta Figueiredo

O RAPOSO, DE VIOLETA FIGUEIREDO

“Está um tempo pavoroso”, pensa

feliz o raposo na toca agasalhado

ouvindo o grito da chuva ampliado

pelo tornado. “Com tão grande

ventania vai à tusquia o folhedo,

caem as maçãs mais cedo…

Amanhã quando for dia e eu

subir ao pomar cem coelhinhos vou

achar roendo maçãs douradas às

dentadas…

- Bom dia, senhor raposo!

-Bom dia, lindos coelhinhos,

tão tenrinhos … Dá-me mesmo

muito gozo este tempo pavoroso.”

Fala Bicho, Violeta Figueiredo

Fala Bicho, Violeta Figueiredo

ORQUÍDEA, DE ROSA LOBATO DE FARIA

Exótica e esplendorosa,

a orquídea é flor bizarra

que nos deixa intimidados.

Porque é que a mãe natureza

pôs nela tantos cuidados?

É linda como as mais lindas

mas não é nada modesta:

sabe ser a preferida

para uma noite de festa?

Mas as outras flores singelas,

sendo acaso menos belas,

não precisam ter ciúme.

Que afinal a natureza,

se às orquídeas deu beleza,

retirou-lhes o perfume.(in ‘ABC das Flores e dos Frutos em rima infantil’, de Rosa Lobato de Faria,

BANANA, DE ROSA LOBATO DE FARIA

Banana nasce na selvamas toda a gente a conhece.

Começa pelo macaco:colhe cacho atrás de cachoe come o que lhe apetece.

Banana atravessa o mare, farta de viajar,

vem parar ao nosso prato.

Cuidado com as maneiras!... Nem a mesa é bananeira,nem o menino é macaco...

(in ‘ABC das Flores e dos Frutos em rima infantil’, de Rosa Lobato de Faria,

SENHOR POLÍCIA, DE ANTÓNIO MOTA

Senhor políciavenha cá, venha vermas sem demora:o gato da dona Rosacomeu o maior peixeda canastra da dona Aurora.

Senhor políciavenha cá,venha vercomo isto é:o cão do senhor Antunescomeu o maior bifedo talho da dona Zé.

Senhor políciavenha cá,venha verpara tomar nota:o papagaio do senhor Prestesque se chama Barnabéfugiu da barbeariae entrou, pelo seu péna casa da dona Berta.

Senhor políciavenha cá, venha vercomo isto é:um bairro tão sossegadoa fazer tanto banzé.

'Se tu visses o que eu vi', de António Mota

BALADA DO PASTORINHO, DE ALEXANDRE PARAFITADe manhã, muito cedinho,Mal vê luzir o buraco, Levanta-se o pastorinhoE mete o farnel no saco. Chama as ovelhas p’lo nomeCom bafo de migas de alho,E cada qual lhe respondeCom a voz do seu chocalho. Ouvem-no sempre com elas,Haja Sol, ou chuva, ou frio,A saltitar nas courelasLá nas ladeiras do rio. Não há lobo nem ladrãoQue lhe possa meter medo,Pois leva um cão valentãoQuando sai de manhã cedo. Ao merendar nas ladeiras,Vêm os chascos, as gralhas,Os pardais e as levandeiras,A regatear as migalhas. Pastorinho das courelas,Que trazes no teu surrão?- Bagatelas, bagatelas,e algumas côdeas de pão!...

(in “A Mala Vazia e Algumas Histórias da Tradição Oral”, de Alexandre Parafita,

O COMPUTADOR, DE LUÍSA DUCLA SOARES

A menina LeonorSó quer o computador.O boneco e a bonecaEram uma grande seca!Deitou fora a bicicleta,Cansa muito ser atleta.Não sai para qualquer lado,Nem para comprar gelado.Anda da mesa para a cama,Só se veste de pijama.Vê-se ao espelho de manhãA olhar para o ecrã.Já se esqueceu de falarSó sabe comunicarCom os dedos no teclado.Tem agora um namoradoA menina LeonorChamado computador.É fiel, inteligente,Não refila, nunca mente.E quando se fartar,Pimba, basta desligar.

(Versos de Luisa Ducla Soares)

CHUVA, DE LUÍSA DUCLA SOARES

Cai a chuva, ploc, ploc

corre a chuva ploc, ploc

como um cavalo a galope.

Enche a rua, plás, plás

esconde a lua, plás, plás

e leva as folhas atrás.

Risca os vidros, truz, truz

molha os gatos, truz, truz

e até apaga a luz.

Parte as flores, plim, plim

maça a gente plim, plim

parece não ter mais fim.

A Gata Tareca e Outros Poemas Levados da Breca, Luísa Ducla Soares

LOAS À CHUVA E AO VENTO, de MATILDE ROSA ARAÚJOChuva, porque cais?Vento, aonde vais?Pingue…Pingue…Pingue…Vu… Vu… Vu…Chuva, porque cais?Vento, aonde vais?Pingue…Pingue…Pingue…Vu… Vu… Vu…Ó vento que vais,Vai devagarinho.Ó chuva que cais, Mas cai de mansinho.Pingue…Pingue…Vu… Vu… Vu…(…)Que canto tão frio,Que canto tão terno,O canto da água,O canto de Inverno…Pingue…Que triste lamento,Embora tão terno,O canto do vento,O canto de Inverno…Vu…E os pássaros cantamE as nuvens levantam!

O Livro da Tila, Matilde Rosa Araújo

A formusora desta fresca serra, e a sombra dos cerdes castanheiros, o manso caminhar destes ribeiros, donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,o esconcer do sol pelo outeiros, o recolher dos gados derradeiros,das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara naturezacom tanta vaidade nos of’rece,me está, se não te vejo, magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;Sem ti, perpetuamente estou passandoNas mores alegrias mor tristeza.

SONETOIn Poesia de Camões Para Todos(seleção e organização de José António Gomes)

AS MAÇÃS, de JORGE SOUSA BRAGA

Dantes as macieiras davam maçãs,que eram guardadas em toalhas de linho.E só havia umas que eram melhores,eram as do quintal do vizinho!

Agora só há maçãs «golding» ou «starking»,agora só há maçãs «normalizadas».E eu não me admiro que, em vez de redondas,um dia destes passem a ser quadradas.

Jorge Sousa BRAGA«As Maçãs», in Herbário,

Assírio & Alvim

AQUELA NUVEM, DE EUGÉNIO DE ANDRADE

-É tão bom ser nuvem,ter um corpo leve,e passar, passar.

-Leva-me contigo.Quero ver Granada.Quero ver o mar.

– Granada é longe,o mar é distante,não podes voar.

– Para que te serveser nuvem, se nãome podes levar?

– Serve para te ver.E passar, passar.

Eugénio de Andrade, Aquela Nuvem e Outras (1986)

DOIS GATOS, NUMA GRANDE DISCUSSÃO, DE FERNANDO PESSOA

Dois gatos, numa grande discussão, Qu’riam ambos um rato morto: «É meu!» Dizia um. O outro dizia , «Não!» Com o pelo eriçado e os olhos feios, Olharam-se, assopraram, e um no outro Enterraram as unhas, sem rodeios. Mas uma gata velha, em vez de a açoite, A golpes de vassoura sem demora Pô-los ambos na rua, e «boa noite!» Não, «boa noite» não, que estava frio; Havia um vento de cortar a pele, E, além disso, caía a neve a fio. Com tanto frio esfriou logo o furor Dos rivais, que já estavam com saudades Da cozinha e o seu cheiro e o seu calor; E, no degrau sentados, tiritando, Lá fizeram as pazes, e, quietinhos, P’ra onde estavam trataram de ir tornando. Fernando Pessoa

LEVAVA EU UM JARRINHO, DE FERNANDO PESSOA

Fernando Pessoa

OS RATOS, DE FERNANDO PESSOA

Fernando Pessoa

OS DIAS DA SEMANA, DE ANTÓNIO COUTO VIANA

António Couto Viana, Versos de Cacaracá