um jovem que sonha através do cordel

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Ano 6 | Nº Caraúbas - RN 906 | Novembro | 2012 Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Rio Grande do Norte 1 O jovem Francisco Leonildo Costa de Melo tem 26 anos e é um sonhador. Ele mora no Projeto de Assentamento Santa Agostinha, zona rural de Caraúbas, no semiárido do Rio Grande do Norte. Um dos onze filhos dos agricultores Rita e Luís Melo, o rapaz se diferencia dos irmãos, três homens e sete mulheres, pela arte da escrita. Há 13 anos, Leonildo escreve cordéis, poesia, paródias, reflexões, peças teatrais, dramatizações, apresentações humorísticas e até música. Leonildo Melo nasceu na comunidade de Ursulina, hoje é um Assentamento vizinho a Santa Agostinha. Teve uma infância muito difícil, praticamente sem tempo para brincar devido a obrigação de ajudar aos pais na luta diária do roçado e nos afazeres de casa botando água ou carregando lenha. Com tudo isso, seus pais nunca deixaram faltar uma coisa que é fundamental: a educação. A escola sempre esteve presente na vida do rapaz. Ele já morava no Santa Agostinha, em 2000, quando concluiu o ensino fundamental. Em 2003, aos 17 anos, começou o primeiro ano do ensino médio na Escola Estadual Sebastião Gurgel, na cidade de Caraúbas, mas as dificuldades financeiras e a falta de transporte escolar o impediram de continuar os estudos. Chegou a tentar novamente no ano seguinte, mas, de novo, foi obrigado a desistir. Desmotivado, Leonildo Melo voltou a trabalhar na roça. O serviço pesado e a falta de resultados lhe trouxeram saudades da escola, mas ele não tinha outra alternativa se não continuar na lida. Foi aí que desenvolveu o seu talento. A vontade de voltar a estudar impedida pela necessidade de trabalhar deu a ele a inspiração para rescrever o seu primeiro cordel intitulado: “A vida no Sertão”. Foi aí que ele percebeu que, mesmo não podendo ir à escola, poderia escrever o seu próprio mundo e, a partir daí, nunca mais largou os lápis e os cadernos. A escola agora era outra, era a da vida. Foi nela que ele mais cresceu, assim como seus cordéis, suas paródias e seus vários outros textos e composições. “Posso até ter deixado de ir UM JOVEM QUE SONHA ATRAVÉS DO CORDEL Leonildo Melo parou os estudos por falta de condições, mas nunca deixou de estudar A vida de Leonildo começou a mudar mesmo quando ele começou a escrever cordel

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Page 1: Um jovem que sonha através do Cordel

Ano 6 | Nº Caraúbas - RN

906 | Novembro | 2012

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Rio Grande do Norte 1

O jovem Francisco Leonildo Costa de Melo tem 26 anos e é um sonhador. Ele mora no Projeto de Assentamento Santa Agostinha, zona rural de Caraúbas, no semiárido do Rio Grande do Norte. Um dos onze filhos dos agricultores Rita e Luís Melo, o rapaz se diferencia dos irmãos, três homens e sete mulheres, pela arte da escrita. Há 13 anos, Leonildo escreve cordéis, poesia, paródias, reflexões, peças teatrais, dramatizações, apresentações humorísticas e até música.

Leonildo Melo nasceu na comunidade de Ursulina, hoje é um Assentamento vizinho a Santa Agostinha. Teve uma infância muito difícil, praticamente sem tempo para brincar devido a obrigação de ajudar aos pais na luta diária do roçado e nos afazeres de casa botando água ou carregando lenha. Com tudo isso, seus pais nunca deixaram faltar uma coisa que é fundamental: a educação.

A escola sempre esteve presente na vida do rapaz. Ele já morava no Santa Agostinha, em 2000, quando concluiu o ensino

f u n d a m e n t a l . E m 2003, aos 17 anos, começou o primeiro ano do ensino médio na Escola Estadual Sebastião Gurgel, na cidade de Caraúbas, mas as dificuldades financeiras e a falta de transporte escolar o impediram de continuar os estudos. Chegou a tentar novamente no ano seguinte, mas, de novo, foi obrigado a desistir.

Desmotivado, Leonildo Melo voltou a trabalhar na roça. O serviço pesado e a falta de resultados lhe trouxeram saudades da escola, mas ele não tinha outra alternativa se não continuar na lida. Foi aí que desenvolveu o seu talento. A vontade de voltar a estudar impedida pela necessidade de trabalhar deu a ele a inspiração para rescrever o seu primeiro cordel intitulado: “A vida no Sertão”. Foi aí que ele percebeu que, mesmo não podendo ir à escola, poderia escrever o seu próprio mundo e, a partir daí, nunca mais largou os lápis e os cadernos.

A escola agora era outra, era a da vida. Foi nela que ele mais cresceu, assim como seus cordéis, suas paródias e seus vários outros textos e composições. “Posso até ter deixado de ir

UM JOVEM QUE SONHA ATRAVÉS DO CORDEL

Leonildo Melo parou os estudos por faltade condições, mas nunca deixou de estudar

A vida de Leonildo começou a mudar mesmoquando ele começou a escrever cordel

Page 2: Um jovem que sonha através do Cordel

à escola, mas jamais deixei de estudar”, disse Leonildo.

Com a motivação renovada, o novo cordelista retornou à escola em 2008. Em 2009 foi novamente obrigado a desistir, adoeceu de depressão, mas mesmo assim insistiu, insistiu, insistiu até concluir o segundo grau em 2010, fazendo seus últimos trabalhos da escola em casa. Nesse mesmo ano, foi mais além e concorreu ao vestibular da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e, não foi a surpresa, passou para o curso de Pedagogia logo na primeira tentativa. Há dois anos, ele se dedica a esse projeto sem falhar e, até o final de 2014, deve estar terminando e se formando no curso superior.

As di f iculdades ainda são muitas, praticamente as mesmas de sempre. Mas Leonildo aprendeu a superar tudo com muito esforço. Uma coisa que ele não esquece é do Grupo de Jovens do Assentamento Santa Agostinha (GRUJASA) que o ajudou nos momentos mais difíceis. Além de lhe dar força nas horas de tristeza, lhe ajudou a desenvolver outras habilidades tanto na vida quanto na lida diária. Foi lá, por exemplo, que ele se tornou um apicultor, atividade que exerce com bastante gosto. “Apesar de jovem tenho uma grande história pra contar, sonhos sonhados, sonhos não realizados, mas a esperança de um dia concretizá-los”, diz o jovem poeta.

Embora não tenha se formado ainda, já se considera um educador, pois em sua vivencia, convivência e relações com os outros, procura sempre respeitar e ouvir, como também expor suas opiniões. Leonildo considera o diálogo uma das ferramentas mais eficazes para a humanidade se libertar de seus males e, se depender dele, as pessoas ao seu redor vão aprender a amar a vida, a natureza, e, principalmente, se amarem e correr atrás dos seus sonhos até que eles se tornem realidade.

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Apoio:

Programa Cisternas

1

Já amanheceu de novo

vou pra roça trabalhar,

caminho de pés no chão

levando em minhas mãos

a enxada pra limpar,

trabalho que fico tonto

a vida que lá encontro

não é tão fácil não,

o que digo é verdade

essa é a realidade

de quem vive no sertão.

2

Por isso é que muitos

decidem enfim viajar,

deixam a casa da família

e também de estudar,

arriscando sua sorte

procurando um lugar,

aonde simplesmente

eles possam trabalha,

mudar sua realidade

mas pensando de verdade

em um dia retornar.

3

Pois nordestino nenhum

deseja sair do sertão;

ele só quer simplesmente

um pouco mais de atenção,

daqueles que não conhecem

o zoar de um trovão,

que não sabe o que é plantar

uma semente no chão,

e esperar com paciência

algo maior que a ciência

fazer a transformação.

4

Então volto pra o sertão

outra vez de pés no chão

do jeito que eu saí,

sei que lá não tem dinheiro

mas eu tenho uma família

e com ela sou feliz,

não trago nada no bolso

mas amor no coração,

o que digo é verdade

essa é a realidade

de quem vive no sertão.

CORDEL: A VIDA NO SERTÃO (Leonildo Melo).

Leonildo Melo hoje é estudante de Pedagogia da UERN equer ser professor para ajudar gente simples igual a ele