um estudo sobre o conhecimento profissional
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE EDUCAO
TECNOLOGIAS E PENSAMENTO ALGBRICO:
UM ESTUDO SOBRE O CONHECIMENTO PROFISSIONAL DOS
PROFESSORES DE MATEMTICA
Jos Antnio de Oliveira Duarte
DOUTORAMENTO EM EDUCAO
(Didctica da Matemtica)
2011
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE EDUCAO
TECNOLOGIAS E PENSAMENTO ALGBRICO:
UM ESTUDO SOBRE O CONHECIMENTO PROFISSIONAL DOS
PROFESSORES DE MATEMTICA
Jos Antnio de Oliveira Duarte
DOUTORAMENTO EM EDUCAO
(Didctica da Matemtica)
Tese orientada pela Prof. Doutora Joana Maria Leito Brocardo e
pelo Prof. Doutor Joo Pedro Mendes da Ponte
2011
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Resumo
Este estudo tem por objectivo compreender o conhecimento profissional que assiste
o professor de Matemtica no desenvolvimento curricular e na prtica lectiva, num
contexto de trabalho colaborativo, tendo como foco o uso da tecnologia no
desenvolvimento do pensamento algbrico.
O conhecimento profissional, o pensamento algbrico e as tecnologias de
informao e comunicao (TIC), constituem os domnios do quadro terico da
investigao. A natureza do conhecimento profissional apela ao envolvimento do
professor em processos de desenvolvimento profissional que tomem a sua prtica
como um ponto de partida, de anlise e reflexo. O desenvolvimento do
pensamento algbrico, entendido como um processo de generalizao de ideias
particulares, encontra expresso nas orientaes curriculares actuais. As
caractersticas dinmicas e interactivas da tecnologia hoje disponvel valorizam as
abordagens de alguns conceitos algbricos e facilitam a articulao entre vrias
representaes.
O estudo de natureza interpretativa, qualitativo, e a modalidade de estudo de
caso. Foi criado um contexto de trabalho colaborativo entre o investigador e duas
professoras de Matemtica, Ana e Beatriz, a leccionar o 7. ano de escolaridade,
que ao longo de um ano discutiram e elaboraram tarefas sobre pensamento
algbrico com utilizao das TIC e reflectiram sobre a sua prtica.
A viso das professoras sobre o pensamento algbrico evolui do clculo algbrico
para um pensamento baseado em relaes para generalizar, que se apoia em
mltiplas representaes, desde as criadas pelos alunos s proporcionadas pela
tecnologia. A relao das professoras com as tarefas abertas evolui tambm de
uma tendncia inicial de formularem questes mais fechadas at as verem como
uma janela aberta para perceber como os alunos pensam, para comunicar e para
algebrizar a prtica (Ana) ou para explorar um maior grau de exigncia no
raciocnio (Beatriz).
O trabalho colaborativo da equipa permitiu clarificar o conhecimento matemtico e
didctico das professoras e desenvolver um olhar mais aprofundado sobre as
regularidades, o pensamento funcional e as mltiplas representaes, que lhes d
mais confiana para arriscar.
Palavras-chave: Conhecimento profissional; pensamento algbrico; tecnologias de
informao e comunicao; prticas profissionais; colaborao.
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Abstract
The aim of this study is to understand the professional knowledge that assists the
mathematics teacher in the curricular development and teaching practice, in the
context of a collaborative work focused on the use of technology for the
development of algebraic thinking.
The domains of the theoretical framework are professional knowledge, algebraic
thinking and information and communication technology (ICT). Professional
knowledge nature requires the involvement of the teacher in process of professional
development based on practice, its analysis and reflection. The development of
algebraic thinking, present in the curricular guidelines, is conceptualized as a
process of generalization of particular ideas. The dynamicity and interactivity of the
technology accessible at school foster the approach to algebraic concepts and
promote the use of multiples representations.
This study is an interpretative and qualitative one, with a design of case study. It
was developed in the context of a one year collaborative work of a team constituted
by the researcher and two mathematics teachers, Ana and Beatriz. The team
discussed and developed tasks focused on algebraic thinking with ICT for 7th grade
students of the teachers and reflected on their teaching practice.
The perspectives of the teachers evolved from the idea of algebraic thinking as
algebraic manipulation to the idea of thinking about relations and its generalization,
supported by multiples representations created by students and from technology.
The relation of the teachers with open tasks also evolved from an initial tendency of
formulating less open questions to the perception of this tasks as open windows to
understand students thinking, the communication and algebrization of the practice
(Ana) or to explore a higher level of reasoning (Beatriz).
The collaborative work of the team also allowed to clarify the mathematical and
didactical knowledge of the teachers and to deepen their ideas about patterns,
functional thinking and multiples representations, and this knowledge gave them
more confidence to take risks.
Keywords: Professional knowledge; algebraic thinking; information and
communication technology (ICT); professional practices; collaboration.
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Agradecimentos
Ao Professor Doutor Joo Pedro da Ponte pelo apoio, crticas e sugestes sempre
prontas e oportunas que permitiram melhorar continuamente este trabalho.
Tambm pela amizade, para alm deste estudo. Pela preocupao permanente com
o desenvolvimento da comunidade de investigao em educao matemtica,
proporcionando espaos de reflexo e de partilha, de que pude usufruir.
Professora Doutora Joana Brocardo pela amizade de muitos anos, apoio,
pacincia, incentivo e sugestes que permitiram ultrapassar dificuldades e superar
algumas crises inevitveis.
s duas professoras que aceitaram participar neste estudo e que nas conversas que
mantivemos ao longo do tempo revelaram o seu eu pessoal e profissional traduzido
em duas narrativas nicas. E que abriram as portas da sua sala de aula num ano de
grandes mudanas na vida dos professores.
Paula pelo carinho e grande amizade, pelo gosto e permanente disponibilidade
para discutir, pela crtica incisiva e pela sugesto pertinente.
Ao meu filho Z Pedro, ao Lus e ao David, que ocupam sempre um lugar destacado
no meu corao, pela fora que transmitem aos desafios em que participo.
Carolina com quem falei pouco em muitas tardes de isolamento, mas que sempre
compreendeu e at me fez uma quadra a propsito no Natal.
s minhas colegas de Mestrado pela sua fora inspiradora nesta viagem, mas
tambm pelas palavras amigas e reconfortantes que sempre expressaram.
Ao Instituto Politcnico de Setbal pela oportunidade que me deu ao conceder-me
uma bolsa de dispensa parcial de servio, s duas ltimas Direces da Escola
Superior de Educao pela oportunidade que me deram de a gerir de modo flexvel
e aos meus colegas de Departamento que me pouparam a alguma burocracia.
Aos alunos que hoje so professores e que comigo partilharam experincias de
trabalho gratificantes no mbito da induo profissional.
queles que integraram as equipas que comigo colaboraram directamente desde os
anos 80, nos sonhos do Projecto MINERVA e nos desafios do Nnio e do CRIE/ERTE.
queles, famlia e amigos, que no sendo aqui nomeados, me ajudaram a tornar na
pessoa que sou e que atravessa este trabalho.
Um percurso repleto de sonhos e pessoas em partilha permanente
Uma vida feita de desafios, alegrias, tristezas e alguma arte
Tecida com ideias e vontades, as minhas e as de muita gente
De que aqui deixo uma pequena mas significativa parte.
-
i
ndice
Captulo I - Introduo ....................................................................................... 1
Motivaes pessoais do estudo ......................................................................... 1
Pertinncia do estudo ..................................................................................... 4
Objectivo e questes do estudo ........................................................................ 8
Clarificao de termos e acrnimos ..................................................................10
Organizao do relatrio ................................................................................11
Captulo II - O conhecimento profissional dos professores de Matemtica ................13
Natureza, estrutura e contedo do conhecimento profissional .............................14
A natureza do conhecimento profissional ......................................................14
A estrutura do conhecimento profissional ......................................................18
O contedo do conhecimento profissional ......................................................19
Sntese .....................................................................................................22
As dimenses do conhecimento profissional para ensinar ...................................23
O conhecimento profissional necessrio para ensinar ......................................23
O conhecimento da Matemtica para ensinar .................................................25
O conhecimento dos alunos e dos processos de aprendizagem.........................27
O conhecimento do currculo .......................................................................32
O conhecimento sobre o processo de conduo do ensino ...............................34
Sntese .....................................................................................................40
Desenvolver o conhecimento profissional para ensinar .......................................42
Factores facilitadores do desenvolvimento profissional ....................................43
A reflexo e a colaborao ..........................................................................49
Colaborao entre investigadores e professores .............................................51
Sntese .....................................................................................................55
Captulo III - lgebra e pensamento algbrico ......................................................57
Da lgebra ao pensamento algbrico ...............................................................57
O que a lgebra? ....................................................................................59
O que traz de novo o pensamento algbrico? ................................................62
Sntese .....................................................................................................64
-
ii
lgebra e aprendizagem .................................................................................65
Dificuldades dos alunos ..............................................................................65
Lidar com as dificuldades dos alunos ............................................................71
A abordagem funcional ...............................................................................79
Sntese .....................................................................................................82
Orientaes curriculares em pensamento algbrico ............................................84
Orientaes curriculares internacionais: marcos e tendncias ..........................85
Os documentos de orientao curricular portugueses .....................................90
Sntese .....................................................................................................95
Os professores e o pensamento algbrico: que desafios? ....................................96
Desenvolvimento versus aprendizagem na construo dos conceitos ................97
Papel dos contextos e dos sistemas de representao.....................................98
As tarefas apropriadas e a sua explorao ....................................................99
A cultura da sala de aula ........................................................................... 104
Desafios para os professores e para a sua formao ..................................... 106
Sntese ................................................................................................... 107
Captulo IV - As tecnologias e o pensamento algbrico ........................................ 111
As tecnologias na escola............................................................................... 111
Breve cronologia da introduo das tecnologias na escola ............................. 112
Das potencialidades das TIC sua utilizao em sala de aula ........................ 115
Os computadores como ferramentas cognitivas ........................................... 121
As tecnologias mais recentes na escola ....................................................... 125
Sntese ................................................................................................... 135
As tecnologias na educao matemtica ......................................................... 137
Relaes entre a tecnologia e o processo de ensino-aprendizagem ................. 137
A investigao sobre a integrao das TIC no ensino da Matemtica .............. 143
As tecnologias nas orientaes curriculares ................................................. 149
Sntese ................................................................................................... 153
As tecnologias no desenvolvimento do pensamento algbrico ........................... 155
As TIC e a conceptualizao do currculo ..................................................... 155
Potencialidades das tecnologias para a aprendizagem da lgebra ................... 156
As tecnologias e os significados em lgebra ................................................ 158
-
iii
Mltiplas representaes, dinamicidade e interactividade .............................. 164
A folha de clculo e o pensamento algbrico ................................................ 170
Sntese ................................................................................................... 179
Desafios dos novos ambientes com tecnologias ............................................... 181
Novas exigncias no conhecimento necessrio para ensinar .......................... 181
O desenvolvimento profissional para a integrao das tecnologias.................. 187
Sntese ................................................................................................... 192
Captulo V - Metodologia .................................................................................. 195
Opes metodolgicas ................................................................................. 195
Estudo de natureza interpretativa .............................................................. 195
Investigao de tipo qualitativo ................................................................. 196
Modalidade de estudo de caso ................................................................... 197
Um projecto de trabalho colaborativo ............................................................. 199
A colaborao: razes de uma escolha ....................................................... 199
O dispositivo de trabalho colaborativo ........................................................ 203
A constituio da equipa de trabalho .............................................................. 205
Opes e critrios de seleco das professoras ............................................ 205
Das professoras equipa .......................................................................... 207
Contextos de recolha de dados ..................................................................... 211
Breve caracterizao ................................................................................ 211
As sesses presenciais da equipa ............................................................... 212
A plataforma de apoio ao trabalho a distncia ............................................. 216
A observao de aulas .............................................................................. 218
Fontes e mtodos de recolha de dados ........................................................... 219
As fontes de dados ................................................................................... 219
As tcnicas de recolha de dados ................................................................ 220
O papel do investigador ............................................................................ 224
As relaes entre o investigador e as professoras ........................................ 225
A anlise de dados ...................................................................................... 227
A natureza indutiva do estudo e a procura de padres .................................. 227
Nveis de anlise e unidades de anlise ....................................................... 228
Da anlise de contedo anlise de discurso .............................................. 229
-
iv
A constituio da base de dados do estudo.................................................. 230
A identificao das unidades de anlise e de padres ................................... 233
A redaco e a validao interna dos casos ................................................. 234
A organizao do relatrio final e as concluses ........................................... 236
Captulo VI - Ana ............................................................................................ 239
Ana: A pessoa e a professora ........................................................................ 240
A escolha da profisso .............................................................................. 241
A relao com a Matemtica, a lgebra e a tecnologia .................................. 241
Marcas gratificantes do percurso profissional ............................................... 243
Aprender a ensinar................................................................................... 244
Desafios recentes e colaborao ................................................................ 245
O contexto profissional da escola ............................................................... 246
O conhecimento da Matemtica para ensinar .................................................. 246
Os conceitos e as relaes matemticas ..................................................... 247
As conexes e os procedimentos na compreenso dos conceitos .................... 251
Entre o rigor e a fluncia do raciocnio ........................................................ 253
O conceito de varivel .............................................................................. 256
O uso e a articulao de mltiplas representaes ....................................... 257
A modelao de situaes da realidade ....................................................... 259
Sntese ................................................................................................... 261
O conhecimento dos alunos e da aprendizagem .............................................. 262
As expectativas sobre os alunos e a sua aprendizagem ................................. 263
A aprendizagem como um processo de abordagem em espiral ....................... 266
O trabalho dos alunos e as suas dificuldades ............................................... 270
Sntese ................................................................................................... 282
O conhecimento do currculo ......................................................................... 285
Entre o antigo e o novo programa .............................................................. 285
As ideias chave sobre o pensamento algbrico ............................................. 289
As metodologias de trabalho ..................................................................... 292
A verificao das aprendizagens e a avaliao ............................................. 296
A tecnologia no currculo ........................................................................... 298
Sntese ................................................................................................... 301
-
v
O conhecimento do processo de conduo do ensino ....................................... 305
Planificar: entre as ideias que tem e o que os alunos pensam ........................ 305
As tarefas como mediadoras entre o que pensa e o que faz ........................... 315
Tarefas para desenvolver o pensamento algbrico ....................................... 317
O ensino na sala de aula: entre o discurso e a gesto do trabalho .................. 320
A tecnologia na sala de aula ...................................................................... 333
Sntese ................................................................................................... 350
Contextos de desenvolvimento profissional ..................................................... 354
A reflexo e a colaborao na escola .......................................................... 355
A reflexo e a colaborao na equipa.......................................................... 362
Outros contextos de desenvolvimento profissional ....................................... 374
Sntese ................................................................................................... 377
Captulo VII - Beatriz ...................................................................................... 381
Beatriz: A pessoa e a professora ................................................................... 382
Apresentao .......................................................................................... 382
Da relao com a Matemtica escolha da profisso .................................... 383
A relao com a tecnologia ........................................................................ 385
O incio da actividade profissional: entre a Igreja e o estgio ......................... 386
Os projectos e a colaborao no seu percurso profissional ............................. 387
O conhecimento da Matemtica para ensinar .................................................. 388
Os conceitos e as relaes matemticas ..................................................... 389
As imagens na compreenso dos conceitos ................................................. 394
Entre o rigor e a fluncia do raciocnio ........................................................ 395
O pensamento funcional e o conceito de varivel ......................................... 397
O uso e a articulao de mltiplas representaes ....................................... 399
A modelao de situaes da realidade ....................................................... 401
Sntese ................................................................................................... 402
O conhecimento dos alunos e da aprendizagem .............................................. 404
As expectativas sobre os alunos e a sua aprendizagem ................................. 404
Uma viso sobre a aprendizagem como um processo formal ......................... 408
O trabalho dos alunos e as suas dificuldades ............................................... 411
Sntese ................................................................................................... 419
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vi
O conhecimento do currculo ......................................................................... 421
Entre o antigo e o novo programa .............................................................. 421
As ideias chave sobre o pensamento algbrico ............................................. 424
Metodologias de trabalho, recursos e avaliao ............................................ 427
A tecnologia no currculo ........................................................................... 430
Sntese ................................................................................................... 433
O conhecimento sobre o processo de conduo do ensino ................................ 435
Planificar em equipa: das ideias que tem ao que espera dos alunos ................ 436
As tarefas como mediadoras entre o que pensa e o que faz ........................... 443
O ensino na sala de aula: entre o discurso e a gesto do trabalho .................. 447
A tecnologia na sala de aula: entre a apresentao e a explorao ................. 458
Sntese ................................................................................................... 476
Os contextos de desenvolvimento profissional ................................................. 480
A reflexo e a colaborao na escola .......................................................... 481
A reflexo e a colaborao na equipa.......................................................... 485
Sntese ................................................................................................... 494
Captulo VIII - Concluso ................................................................................. 497
Breve sntese do estudo ............................................................................... 497
Concluses do estudo .................................................................................. 500
Questo 1 ............................................................................................... 500
Questo 2 ............................................................................................... 511
Questo 3 ............................................................................................... 521
Reflexes finais ........................................................................................... 527
Desenvolver o currculo em colaborao ..................................................... 527
Implicaes para a formao e o desenvolvimento profissional ...................... 532
Desafios para a investigao ..................................................................... 535
Referncias .................................................................................................... 539
Anexos .......................................................................................................... 555
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vii
ndice de figuras
Figura 1: Modelo de Ball, Thames, et al. (2009) ...................................................24
Figura 2: Arranjos numricos na folha de clculo ................................................ 160
Figura 3: Estrutura sintctica do jogo ................................................................ 160
Figura 4: Estrutura das cruzes na tabela dos 100 ............................................... 161
Figura 5: Esquema do TPCK (Mishra & Koehler, 2006) ......................................... 184
Figura 6: Padres de azulejos (Anexo 11) .......................................................... 251
Figura 7: Janela da applet das sequncias lineares ............................................. 258
Figura 8: Esquema de apoio explicao........................................................... 396
ndice de tabelas
Tabela 1: As sesses presenciais ...................................................................... 215
Tabela 2: Cronologia e temas dos chats ............................................................ 218
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viii
ndice de Anexos
Anexos .. 555
Anexo 1 - Plano de trabalho .. 559
Anexo 2 - Guio da 1. entrevista ... 563
Anexo 3 - Esquema 1. entrevista .. 566
Anexo 4 - Guio da 2. entrevista ... 567
Anexo 5 - Esquema 2. entrevista . 570
Anexo 6 - Momentos de recolha de dados . 571
Anexo 7 - Proposta de gesto do Programa de 1991 .. 572
Anexo 8 - Aprender folha de clculo versus aprender Matemtica .. 578
Anexo 9 - Recursos TIC na Internet sobre pensamento algbrico ... 583
Anexo 10 - Estratgias para o clculo mental ... 589
Anexo 11 - Tarefas e dilogos de um trabalho de investigao .. 593
Anexo 12 - Aspecto da pgina principal da Moodle ... 602
Anexo 13 - Transcrio (parcial) da 2. sesso da equipa .. 603
Anexo 14 - Guio de aula de Ana . 608
Anexo 15 - Guio de aula de Beatriz . 612
Anexo 16 - Dimenses de anlise (Ana) . 615
Anexo 17 - Dimenses de anlise e padres (Beatriz) .. 618
Anexo 18 - Tarefa das sequncias lineares (Ana) .. 621
Anexo 19 - Relato de uma aula (Ana) .. 624
Anexo 20 - Tarefa das castanhas (Beatriz) .. 627
Anexo 21 - Relato de uma aula (Beatriz) .. 628
Anexo 22 - Tarefa das castanhas (reformulada) . 630
Anexo 23 - Tarefas da caixa dos doces e das carteiras (para reflexo) .. 631
-
ix
Anexo 24 - Tarefa dos quadrados e dos cubos perfeitos (Beatriz) .. 632
Anexo 25 - Tarefa do Jogo do Adivinha .. 636
Anexo 26 - Tarefa das carteiras (Beatriz) . 639
Anexo 27 - Explorao da tarefa das carteiras . 641
Anexo 28 - Tarefa das baleias (Beatriz) .. 644
Anexo 29 - Ideias para o trabalho em Estatstica .. 647
Anexo 30 - Tarefa do Dividir por 3 .. 648
Anexo 31 - Estratgias de alunos (problema dos telefonemas) .. 649
Anexo 32 - Tarefa das carteiras (Ana) . 651
Anexo 33 - Tarefa dos sumos .. 653
Anexo 34 - Problema do permetro do campo ... 654
Anexo 35 - Algebrizar problemas (manual de Ana) 656
Anexo 36 - Algebrizar problemas (manual de Beatriz) .. 658
Anexo 37 - Algebrizar mais problemas (manual de Beatriz) . 66O
Anexo 38 - Algebrizar tarefas: o que diz a teoria .. 662
Anexo 39 - Tarefa das sequncias lineares (Beatriz) .. 664
Anexo 40 - Tarefa da cerca para o co 666
Anexo 41 - Tarefa dos sumos (Beatriz) 668
Anexo 42 - Questes sobre pensamento algbrico (fichas de Beatriz) . 669
Anexo 43 - Projecto de trabalho de Estatstica (Beatriz) .. 671
Anexo 44 - Relato da aula sobre a tarefa dos sumos (Ana) ... 675
-
1
Captulo I
Introduo
Este captulo apresenta o conjunto das motivaes pessoais decorrentes do
meu percurso acadmico e profissional que conduziram ao estudo, identifica
a pertinncia dos temas que o enformam com base em investigao actual,
apresenta o objectivo do estudo e descreve brevemente a estrutura e o
contedo do presente relatrio da tese.
Para apresentar estas ideias, estruturo o captulo em cinco seces:
Motivaes pessoais do estudo;
Pertinncia do estudo;
Objectivo e questes do estudo;
Clarificao de termos e acrnimos;
Organizao do relatrio.
Motivaes pessoais do estudo
O interesse pela problemtica que me proponho estudar est ancorado num
percurso acadmico, ao longo do qual me tm ocorrido um conjunto de
interrogaes.
Aps um percurso pelo curso de Engenharia Electrotcnica, no Instituto
Superior Tcnico, no incio da dcada de 70, completei a licenciatura em
Matemtica (Ramo Educacional), na Faculdade de Cincias da Universidade
de Lisboa, em meados dos anos 80. J no incio da dcada de 90 realizei, na
-
2
mesma instituio, o Mestrado em Educao Metodologia do Ensino das
Cincias (Matemtica), tendo defendido uma dissertao sob o ttulo
Computadores na Educao Matemtica: Percursos de Formao.
A minha experincia de dez anos como professor de Matemtica no Ensino
Secundrio, entre 1975 e 1985, e a experincia profissional que tive como
formador de professores na Escola Superior de Educao de Setbal, ao
longo dos ltimos vinte e seis anos, permitiu-me cruzar a rea da
Educao Matemtica e a rea das Tecnologias de Informao e
Comunicao (TIC). Nesta instituio de formao, a minha actividade
desenvolveu-se ao nvel da interveno em disciplinas dos cursos de
formao inicial de professores, no acompanhamento da prtica
pedaggica, na profissionalizao em servio de professores de Matemtica
e de Informtica e na formao contnua, em Cursos e Oficinas de
Formao presenciais e a distncia e no apoio a projectos de utilizao das
TIC na aula de Matemtica.
Algumas das questes que emergiram destes anos como formador, em
diferentes contextos, relacionam-se com o conhecimento profissional dos
professores, nomeadamente com aquele conhecimento que eles mobilizam
em processos de construo de materiais didcticos e de elaborao de
tarefas para a sala de aula e na forma como as exploram na prtica. Por
exemplo:
Como que o conhecimento profissional dos professores est
presente e se desenvolve com as diferentes actividades profissionais
que estes realizam, como a preparao de aulas, a elaborao de
tarefas e a sua explorao em sala de aula?
A participao em encontros de cariz profissional no mbito da Educao
Matemtica e da Informtica na Educao, no pas e no estrangeiro, com
interveno em sesses prticas, comunicaes e painis, a par da
participao nos trabalhos da Rede Inter-Centros de Investigao em
Didctica da Matemtica (Departamento de Educao da Faculdade de
Cincias da Universidade de Lisboa), tm constitudo desafios para leituras
e discusses que me permitem acompanhar os desenvolvimentos da
investigao e das prticas nestas reas e reflectir sobre a minha prpria
-
3
prtica profissional. No entanto, tm deixado tambm algumas
interrogaes:
Que aspectos significativos valorizam os professores nas diferentes
actividades profissionais em que participam como o envolvimento em
projectos, o trabalho integrado em comunidades e as aces de
formao que frequentam? E de que forma esses aspectos tm
contribudo para o desenvolvimento do seu conhecimento
profissional?
O envolvimento nos projectos nacionais de tecnologias na educao
(MINERVA, Nnio, Internet@eb1 e CRIE/ERTE) e o apoio induo
profissional dos professores de Matemtica e Cincias, licenciados pela ESE,
constituram experincias gratificantes de trabalho no terreno sobre
utilizaes curriculares das tecnologias, em particular, no ensino da
Matemtica, a que recentemente acrescentei a dimenso das plataformas
de gesto de aprendizagem (Learning Management Systems ou LMS), como
suporte a distncia do trabalho de formao e apoio aos projectos dos
professores nas escolas. No entanto, estas experincias deixam por explicar
algumas dificuldades dos professores perante os desafios que a tecnologia
coloca, nomeadamente:
Que aspectos estimulam e inibem o uso da tecnologia na sala de aula
de Matemtica? Que contribuies podem trazer as tecnologias para
promover a aprendizagem dos alunos, relativamente a tpicos
especficos de Matemtica? Que aspectos do currculo de Matemtica
podem ser valorizados com o uso da tecnologia?
Finalmente, a minha experincia no Programa de Formao Contnua em
Matemtica (PCFM) para Professores do 1. ciclo, durante dois anos, em
particular o trabalho desenvolvido no mbito dos Nmeros e Clculo,
constituiu o desafio mais recente e significativo de uma formao em
contexto. A contactei com uma outra abordagem do trabalho com os
Nmeros, centrada na estrutura e nas propriedades dos nmeros e das
operaes, na procura de relaes, apoiada em diferentes representaes
intermdias informais, procurando munir os alunos de estratgias de clculo
mental, desafiando o seu raciocnio e procurando construir sequncias
-
4
coerentes de tarefas, com vista a desenvolver uma Matemtica com
compreenso. Este curto percurso no PCFM, deixou-me, no entanto,
algumas interrogaes:
Como poderemos trabalhar a Aritmtica sem a reduzirmos
exclusivamente ao clculo? Como poder contribuir uma abordagem
da Aritmtica mais centrada na procura de relaes, para suprir
dificuldades posteriores dos alunos com conceitos algbricos, como as
variveis, as expresses ou as equaes? At que ponto as
tecnologias vm facilitar esta relao entre diferentes
representaes, nomeadamente as numricas, as algbricas e
grficas?
Este percurso acadmico e profissional e as vrias frentes de interveno
aqui referidas tm em comum uma articulao entre a rea das Tecnologias
de Informao e Comunicao e a rea da Educao Matemtica, onde tem
estado presente uma preocupao com o conhecimento profissional, em
particular o conhecimento mobilizado para preparar e conduzir o ensino na
sala de aula, como um dos seus aspectos centrais.
Destacam-se deste percurso trs vertentes que em seguida problematizo e
que iro informar o objectivo e questes orientadoras do estudo, tendo em
conta a sua pertinncia na investigao e nas orientaes curriculares
nacionais e internacionais: o conhecimento profissional dos professores; o
pensamento algbrico; as tecnologias de informao e comunicao.
Pertinncia do estudo
Nos ltimos anos os estudos sobre o professor tm vindo a ganhar
importncia, decorrente do reconhecimento do seu papel determinante,
quer no desenvolvimento e na gesto do currculo, onde se lhe atribui um
maior protagonismo (Brocardo, 2001; Canavarro & Ponte, 2005; Gimeno,
1989), quer no desenvolvimento profissional, onde se lhe atribui um papel
central (Sowder, 2007).
Ao professor solicitado um papel activo de reconceptualizao do
currculo, adequando-o ao contexto e, em particular, s necessidades dos
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seus alunos (Roldo, 1999), o que exige dele uma gesto diferenciada de
toda a actividade lectiva para grupos de alunos com conhecimentos bem
diferentes, oriundos de culturas e meios diferentes e com necessidades de
aprendizagem tambm distintas (Sowder, 2007).
Para que o professor possa desempenhar bem o seu papel, precisa de se
implicar no seu processo de formao contnua ao longo da vida,
identificando as suas necessidades de formao, envolvendo-se em
processos de desenvolvimento profissional onde possa ter um papel activo
na negociao de objectivos e processos de formao (Sowder, 2007) e em
que a sua prtica possa ser simultaneamente um ponto de partida, de
anlise e reflexo, mas tambm um contexto de aplicao do que aprendeu
(Llinares & Krainer, 2006; Mewborn, 2003).
nestes contextos que se pode desenvolver o conhecimento profissional
dos professores, sendo este entendido como um conhecimento prtico,
orientado para a aco e que cresce com a experincia (Elbaz, 1983). Para
o tornar explcito, importante recorrer a situaes do seu uso, onde ele
mobilizado. A reflexo (Llinares & Krainer, 2006) e a colaborao (Hiebert,
Gallimore & Stigler, 2002; Ruthven & Goodchild, 2008) constituem
ferramentas que podem ajudar a trazer ao de cima aspectos do
conhecimento profissional dos professores. A colaborao nestes contextos
organiza-se normalmente em torno de uma tarefa comum como, por
exemplo, a explorao de novos materiais curriculares (Mewborn, 2003), a
resoluo de problemas (Sowder, 2007) ou o uso da tecnologia no ensino
(Ruthven & Goodchild, 2008), facultando oportunidades aos professores
para construrem conhecimento sobre a Matemtica e sobre a pedagogia,
num ambiente que encoraja correr riscos (Sowder, 2007) e que pode
apoiar-se em redes (Llinares & Kainer, 2006).
Esta actividade dos professores em contextos de trabalho colaborativo,
expressa uma viso do desenvolvimento curricular como uma prtica
dinmica, que se desenvolve em diferentes momentos, integrada num todo
(Pacheco, 1996), que se pode concretizar atravs da elaborao de tarefas,
que integram tecnologias na explorao de tpicos do currculo e sua
posterior experimentao em sala de aula. Os ambientes que juntam
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6
professores e investigadores em actividades colaborativas, que integram
ferramentas didcticas e processos de comunicao e se centram em
grandes ideias matemticas, podem constituir boas oportunidades de
aprendizagem (Ruthven & Goodchild, 2008).
O desenvolvimento do pensamento algbrico constitui uma preocupao da
investigao e das orientaes curriculares internacionais recentes, que tem
vindo a ganhar terreno (Carraher, Schliemann & Schwartz, 2008; National
Council of Teachers of Mathematics [NCTM], 2007), entendido como um
processo de generalizao de ideias particulares, atravs de um discurso de
argumentao que se vai tornando progressivamente mais formal (Blanton
& Kaput, 2005a).
Em Portugal, o actual programa de Matemtica do ensino bsico (Ministrio
da Educao [ME], 2007), em fase de incio de generalizao data do
comeo da realizao desta investigao, reflecte uma evoluo
relativamente aos programas anteriores. Este recente programa
reconceptualiza a abordagem lgebra, identificando o pensamento
algbrico como um tipo de pensamento matemtico a desenvolver nos
alunos desde o 1. ciclo. A nfase no pensamento algbrico permite
expressar a generalizao, um conceito fundamental, atravs de diferentes
formas de representao para alm da linguagem simblica abstracta que
marcava a lgebra do anterior programa (Ministrio da Educao [ME],
1991a, 1991b), propondo-se igualmente o uso da linguagem natural, da
representao numrica em tabelas e da representao grfica, valorizando
a capacidade de traduzir umas formas de representao nas outras (ME,
2007; NCTM, 2007; Schliemann, Carraher & Brizuela, 2007).
Tendo em conta esta realidade de um programa de Matemtica com novas
ideias relativas abordagem da Matemtica, em particular de um tema to
importante como a lgebra, parece pertinente proporcionar oportunidades
de desenvolvimento profissional aos professores que com ele tm de lidar.
Nestas oportunidades ser importante partirem da sua prtica, tendo como
base o programa de Matemtica de 1991 (ME, 1991a, 1991b) ainda em
vigor e contactarem com as novas ideias e orientaes sobre o pensamento
algbrico e os novos materiais curriculares disposio, adaptarem e
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construrem tarefas para a sala de aula, experimentarem e reflectirem sobre
a prtica. Embora o programa de 1991 no tenha ainda qualquer referncia
ao pensamento algbrico, vrias possibilidades se abrem aos professores
para poderem partir de problemas numricos, tornando-os mais abertos e
algebrizando-os, deslocando o seu foco do clculo para a procura de
padres e relaes, procurando a generalizao (Brocardo, Delgado,
Mendes, Rocha & Serrazina, 2006; Kaput & Blanton, 2001).
O desenvolvimento da tecnologia veio valorizar a abordagem funcional da
lgebra, permitindo que a explorao dos sistemas simblicos se faa de
forma articulada com outros contextos, nomeadamente tabulares,
geomtricos e grficos (Ferrara, Pratt & Robutti, 2006). Em particular, a
folha de clculo valoriza a articulao entre as vrias representaes,
permite a realizao de experincias com nmeros, pondo em evidncia
relaes e facilita o processo de modelao (ME, 2007; Yerushalmy &
Chazan, 2003).
A interactividade e dinamicidade, duas caractersticas dos novos
desenvolvimentos que a tecnologia trouxe, mudaram as perspectivas sobre
a forma como podem ser vistos o ensino e a aprendizagem de conceitos
como expresses e variveis (Ferrara et al., 2006). As applets, pequenas
aplicaes digitais interactivas, disponveis na Internet e normalmente
dirigidas a tpicos especficos do currculo, incorporam essas duas
dimenses e podem constituir ferramentas importantes para a
aprendizagem. A qualidade das tarefas, as questes que o professor coloca
e as discusses em que este envolve os alunos, desafiando-os e
promovendo o raciocnio avanado, parecem ser decisivos na aprendizagem
dos alunos (Kieran, 2007a; Stein & Smith, 1998).
A tecnologia fornece novas oportunidades para desafios matemticos pela
diversidade de formas de representao que oferece, porque alarga o leque
de problemas acessveis aos alunos e pelo feedback que proporciona
(NCTM, 2007). A observao da forma como os alunos abordam os
problemas e os raciocnios que desenvolvem quando trabalham com os
computadores, constituem contexto para discusses entre professores e
alunos e janelas atravs das quais os professores podem observar as
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percepes e compreender as trajectrias de aprendizagem dos alunos
(Hoyles & Noss, 2003; Lagrange, Artigue, Laborde & Trouche, 2003; NCTM,
2007).
Objectivo e questes do estudo
Face aos aspectos referidos relativamente minha formao acadmica e
profissional, s questes deixadas em aberto e relevncia das vertentes
que identifiquei, defino como objectivo deste estudo compreender o
conhecimento profissional que assiste o professor no desenvolvimento
curricular e na prtica lectiva, num contexto de trabalho colaborativo, tendo
como foco o uso da tecnologia no desenvolvimento do pensamento
algbrico. Para atingir este objectivo, formulo um conjunto de trs questes
orientadoras:
Como se caracteriza e em que aspectos evolui o conhecimento
profissional das professoras, considerando as dimenses do
conhecimento da Matemtica para ensinar, do conhecimento dos
alunos e da aprendizagem e do conhecimento sobre o currculo?
Como se caracteriza e em que aspectos evolui o conhecimento
profissional das professoras, considerando a dimenso do
conhecimento sobre o processo de conduo do ensino,
nomeadamente a forma como planificam, como elaboram as tarefas,
como conduzem o ensino na sala de aula e, em particular, como
usam a tecnologia na sala de aula?
Que caractersticas do contexto da escola e da equipa de trabalho
colaborativo so relevantes para a evoluo do conhecimento
profissional das professoras?
Tendo em conta o objecto do estudo, o conhecimento profissional dos
professores, e a forma como este se desenvolve e revela, recorro a um
contexto colaborativo como estratgia para a realizao do estudo, no qual
participam duas professoras de Matemtica e eu prprio. Pretendo que este
contexto envolva as professoras num trabalho de desenvolvimento
curricular, com a discusso, concepo e produo de tarefas para a sala de
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aula, e proporcione o contacto com a prtica lectiva, com a conduo e
reflexo sobre essa prtica, no qual possam emergir diferentes dimenses
do conhecimento profissional das professoras, reflectidas nas diversas
opes que elas tomam e nas aces que desenvolvem. Este contexto
colaborativo tem uma durao prolongada, desenvolvendo-se durante um
ano lectivo com base em sesses presenciais, correspondentes a reunies
da equipa para planificao, discusso e reflexo sobre a prtica lectiva das
professoras. Este trabalho apoia-se em materiais a elaborar e em
interaces que se desenvolvem numa plataforma de gesto de
aprendizagem, que serve de suporte a distncia.
Como j referi, o trabalho a realizar ter como foco o pensamento algbrico
e o seu desenvolvimento com recurso a tecnologia e por isso se escolhem
duas professoras de Matemtica a leccionar 7. ano, pois trata-se de um
ano de escolaridade onde esto includos, no programa ainda em vigor na
data de incio deste trabalho (ME, 1991a, 1991b), contedos numricos e
pr-algbricos, favorveis ao desenvolvimento do pensamento algbrico
segundo as perspectivas mais actuais acima apontadas.
Como investigador, tenho a expectativa que atravs das interaces que se
venham a estabelecer nesta equipa colaborativa, num clima de abertura e
confiana mtua, se possam revelar os significados que as professoras
atribuem s suas opes e aces e que estes me possibilitem, como
aponto nas questes do estudo, caracterizar aspectos essenciais do seu
conhecimento profissional. No meu entendimento da palavra caracterizar
incluo aquilo que constitui um trao estvel, um padro de comunicao ou
de aco das professoras situado nos dois contextos a que terei acesso (as
sesses da equipa e as salas de aula de cada uma das professoras) e que se
mantm como marcante, no essencial, ao longo da realizao do trabalho
colaborativo. Com o propsito de corresponder ao objectivo de investigao,
elaboro um estudo de caso relativo a cada professora participante no
estudo.
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Clarificao de termos e acrnimos
O acrnimo TIC, como abreviatura de Tecnologias de Informao e
Comunicao, usado, na linha do entendimento de Matos (2008), para
designar uma grande variedade de meios e ferramentas computacionais,
para alm das ferramentas tradicionais. Tambm Pedro (2011) se refere s
TIC, ou resumidamente s tecnologias, como o conjunto de ferramentas,
sistemas e aplicaes microelectrnicas, informticas e de telecomunicao
(Martnez, 2004) que permitem a aquisio, produo, armazenamento,
processamento, transmisso e partilha de dados em formato texto, som,
imagem, e/ou multimdia, sustentada por uma rede de conectividade
globalizada (p. 20).
Neste trabalho, considero o referido acrnimo para incluir os computadores,
as calculadoras e os quadros interactivos, mas tambm os programas, como
os ambientes de geometria dinmica, os sistemas de lgebra por
computador (Computer Algebra Systems ou CAS), as folhas de clculo, as
apllets e o designado software social, como as plataformas de gesto de
aprendizagem (Learning Management Systems ou LMS). Porque muita da
investigao que se desenvolve no interface da rea das TIC com a rea da
educao matemtica usa frequentemente os termos tecnologias ou
tecnologias digitais (Hoyles & Noss, 2003; Laborde, 2008; Yerushalmy &
Chazan, 2003) para designar o mesmo objecto, coexistem neste trabalho os
referidos termos.
No entanto, para me referir em particular ao software e s aplicaes
informticas que correm sobre os sistemas e o hardware e que so objecto
de trabalho neste estudo, como a folha de clculo ou as applets, utilizo
frequentemente os termos referidos pela investigao: ferramentas,
ferramentas tecnolgicas, ferramentas cognitivas ou aplicaes digitais (De
Corte, 2007; Ferrara et al., 2006; Heck, Boon, Bokhove & Koolstra, 2007;
Jonassen, 2007).
Tendo em conta o sistema que foi usado no mbito deste estudo, as
plataformas de gesto de aprendizagem designam-se mais frente
abreviadamente por plataformas Moodle, acrnimo de Modular Object-
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Oriented Dynamic Learning Environment, um software livre de apoio
aprendizagem que pode ser usado e copiado sem restries e que funciona
em ambiente virtual. Em frases onde considere no existir qualquer
confuso, uso simplesmente os termos plataforma ou Moodle para designar
a referida plataforma de gesto de aprendizagem.
Organizao do relatrio
O relatrio do estudo estrutura-se em oito captulos. Aps este Captulo I,
de introduo, onde apresento as motivaes que conduziram ao estudo,
justifico a sua pertinncia e apresento o seu objectivo, nos Captulos II, III
e IV fao uma reviso da literatura e discuto os principais resultados dos
estudos empricos relativos aos temas centrais do estudo.
No Captulo II, sobre o conhecimento profissional dos professores, discuto a
sua natureza e contedo, as dimenses mais directamente ligadas com a
actividade de planeamento e conduo do ensino na sala de aula, que
designo por conhecimento profissional para ensinar e concluo identificando
factores e contextos que facilitam o desenvolvimento desse conhecimento.
No Captulo III, sobre a lgebra e o pensamento algbrico, discuto o
entendimento e evoluo deste tipo de pensamento, as dificuldades dos
alunos e algumas propostas de abordagem didctica, as orientaes
curriculares neste domnio e os desafios que se colocam aos professores.
No Captulo IV, sobre as tecnologias de informao e comunicao e o
pensamento algbrico, aps uma breve cronologia da introduo das
tecnologias na escola, discuto os resultados da investigao sobre a
integrao das tecnologias na educao matemtica, em particular, para
desenvolver o pensamento algbrico e identifico alguns desafios que estes
novos ambientes com tecnologias colocam aos professores e ao seu
conhecimento profissional.
No Captulo V apresento e fundamento a opo por um estudo qualitativo
de natureza interpretativa, na modalidade de estudo de caso. A descrevo a
constituio e funcionamento do dispositivo de trabalho colaborativo
adoptado com as duas professoras, as tcnicas de recolha de dados, o
processo e os procedimentos da anlise de dados.
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12
Nos Captulos VI e VII apresento e analiso os casos das professoras Ana e
Beatriz, organizados numa estrutura que est de acordo com as dimenses
do conhecimento profissional para ensinar: o conhecimento da Matemtica
para ensinar, o conhecimento dos alunos e da aprendizagem, o
conhecimento do currculo e o conhecimento do processo de conduo do
ensino. Cada um dos casos inclui uma seco final que discute a
contribuio do contexto da escola e da equipa de trabalho colaborativo
para o desenvolvimento do conhecimento profissional para ensinar das
professoras.
Finalmente, no Captulo VIII, discuto os resultados do estudo, apresento as
concluses e um conjunto de reflexes finais.
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Captulo II
O conhecimento profissional dos professores
de Matemtica
O professor desenvolve a sua actividade em diversos contextos
profissionais, mobilizando para o efeito diferentes saberes, capacidades e
atitudes que esto presentes, em simultneo, nas suas dimenses pessoal,
social e cultural. Neste captulo sobre o conhecimento profissional dos
professores de Matemtica, pretendo problematizar qual a sua natureza,
estrutura e contedo, e como se caracterizam as dimenses mais
directamente ligadas com a prtica e que ele mobiliza para ensinar,
nomeadamente quando prepara a actividade lectiva e quando conduz o
ensino na sala de aula. Dou especial ateno ligao entre a aquisio e o
uso do conhecimento, uma vez que este no pode ser bem caracterizado
fora do contexto em que aprendido e usado (Munby, Russel & Martin,
2001) e, por isso, concluo o captulo identificando factores e contextos
profissionais que podem promover a mobilizao e o desenvolvimento desse
conhecimento.
Para desenvolver e discutir estas ideias, organizo o captulo em quatro
seces:
Natureza, estrutura e contedo do conhecimento profissional;
Dimenses do conhecimento profissional para ensinar;
Desenvolver o conhecimento profissional para ensinar.
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Natureza, estrutura e contedo do conhecimento profissional
Nesta primeira seco, discuto a natureza do conhecimento profissional dos
professores, a forma como este se organiza e estrutura e o seu contedo,
ou seja, as dimenses que o constituem e que ele mobiliza quando conduz o
processo de ensino.
A natureza do conhecimento profissional
Munby et al. (2001) reconhecem a existncia de diferentes
conceptualizaes sobre o conhecimento e a aprendizagem dos professores
para ensinar, que podem ser geradoras de algumas dificuldades e tenses
neste campo, sugerindo o envolvimento nas problemticas da decorrentes,
evitando as dictomomias, a mais evidente das quais se traduz na oposio
entre teoria e prtica.
Nesta discusso tm estado presentes diferentes vises sobre o conceito de
conhecimento profissional, associadas fraca ligao entre a investigao
acadmica e o terreno da prtica de ensino e no interior da prpria
profisso de ensinar. A investigao e o ensino aparecem associados,
respectivamente, a dois modos fundamentais de pensamento indicados por
Bruner (1998): o paradigmtico, terico e abstracto, e o narrativo,
associado ao contexto da sala de aula. Munby et al. (2001) sugerem que
perceber o conhecimento e desenvolvimento dos professores, implica ter
em conta e articular ambos os modos de pensamento, porque embora parte
do que o professor sabe possa ser descrito em termos proposicionais, o
pensamento narrativo surge naturalmente nos professores, talvez mais
frequentemente do que o pensamento paradigmtico (p. 878).
Canavarro (2003) considera que o conhecimento profissional parece ter
uma origem que, no sendo essencialmente terica, tambm no se pode
considerar exclusivamente prtica, reduzindo-se a um conhecimento de
tcnicas, aprendidas na prtica e para aplicar nessa mesma prtica. No
conhecimento profissional, o conhecimento formal, terico, est presente
em combinao com a experincia e revela-se na prtica, enquanto
resultado dela mas tambm da reflexo sobre ela (Fenstermacher, 1994).
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Freema Elbaz, no seu livro Teacher Thinking a study of practical
knowledge, sobre o conhecimento dos professores, debrua-se sobre o que
designa ser o seu conhecimento prtico, um conhecimento focado sobre a
aco e a natureza orientada das decises que o professor toma perante as
situaes, construdo, em parte, como resultado da resposta a essas
situaes (Elbaz, 1983). Nele se assume que os professores possuem um
conjunto complexo de compreenses orientadas para a prtica, das quais se
servem para guiar o trabalho de ensinar, perspectiva que ilustrada por um
estudo de caso que a autora levou a cabo com uma professora de ingls
canadiana. Nesse estudo, a professora evidencia uma larga variedade de
conhecimento que vai crescendo com a experincia e que envolve aspectos
da aprendizagem e interesses dos alunos, tcnicas de ensino e questes de
gesto da sala de aula e um conhecimento do contexto social, que integra a
escola e a comunidade. a este conhecimento experiencial, informado por
conhecimento terico sobre o assunto da disciplina e sobre o
desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos, quando integrado pelo
professor, nomeadamente pelos seus valores e crenas, que Elbaz designa
por conhecimento prtico (Elbaz, 1983). Para esta autora, este um
conhecimento situado, que se revela em contexto, pessoal, envolvendo
conhecimento do contexto social, experiencial e crescendo com a
experincia e terico, sobre o assunto da disciplina.
Chapman (2004) usa tambm o constructo do conhecimento prtico, para
descrever o conhecimento que orienta a aco do professor na prtica, que
cresce com a experincia, situado e implcito. A autora salienta que este
o conhecimento que o professor tem das situaes da sala de aula e dos
dilemas prticos que enfrenta.
Outros dois investigadores, Michael Connely e Jean Clandinin, reconhecem a
natureza contextualizada do conhecimento profissional dos professores,
caracterizando-o como um conhecimento prtico e pessoal, que no existe
separado daquele que conhece, reconhecendo nas histrias e narrativas dos
professores uma forma de o tornar explcito. Clandinin (1992) descreve
assim este tipo de conhecimento:
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Vemos o conhecimento prtico pessoal na experincia pessoal passada,
no corpo e no pensamento presente da pessoa e nos seus planos e
aces futuras. conhecimento que reflecte o conhecimento prvio do
indivduo e reconhece a natureza contextual do conhecimento do
professor. (p. 125)
Carter (1990) discute a natureza do conhecimento prtico dos professores,
que reconhece ser um conhecimento que os professores tm das situaes
de sala de aula e dos dilemas prticos que enfrentam quando realizam uma
aco intencional nesses contextos (p. 299). Aprender a ensinar passa por
articular este conhecimento com o conhecimento pedaggico de contedo
que se distingue daquele, pessoal e situado, por ser mais formal, baseado
em disciplinas e em formulaes relacionadas com o currculo escolar e
com os saberes colectivos da profisso (p. 306).
Ponte (1994a) considera o conhecimento profissional como um
conhecimento em aco, tendo por base conhecimento terico, mas
tambm experincia e reflexo sobre a experincia:
Uma actividade profissional caracterizada pela acumulao de
experincia prtica num dado domnio (...) e no caso dos professores,
[o] julgamento na hora, joga um papel essencial na actividade
profissional. Este julgamento pode aproveitar do conhecimento
acadmico mas requer o uso de outros recursos. Ele necessita uma
apreenso intuitiva das situaes, uma capacidade para articular
pensamento e aco, um sentido de relaes pessoais e autoconfiana.
Isto , conhecimento profissional essencialmente conhecimento em
aco, baseado quer em conhecimento terico quer na experincia e na
reflexo sobre a experincia. (Ponte, 1994a, p. 204)
A experincia parece constituir, alis, um dos principais factores que
contribuem para o desenvolvimento do conhecimento profissional, o que
confirmado pelas respostas de professores experientes, numa investigao
emprica referida em Ponte (1994a):
Eles tm imagens ricas ou prottipos para os estudantes e para os
eventos de sala de aula, (...) acumulam uma grande quantidade de
informao sobre os estudantes (...) [e] parecem conhecer os seus
estudantes mesmo antes de os encontrarem (...), usando rotinas em
mais reas de instruo, mais frequentemente e com mais sucesso. (p.
206)
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De acordo com o autor, o professor monitoriza constantemente a actividade
dos alunos na sala de aula, seguindo a sua agenda, se tudo corre como
espera, ou agindo de forma diferente e deliberada, caso acontea algo
diferente do previsto, servindo-se das mltiplas representaes que tem.
Schn (1983) fala em conhecimento-na-aco, para se referir ao
conhecimento prtico comum. Para este autor, muitas vezes torna-se difcil
descrever o que sabemos, porque est embebido naquilo que somos e
fazemos: O nosso conhecimento ordinariamente tcito, implcito nos
nossos padres de aco e no nosso sentir das coisas com as quais lidamos.
Parece correcto dizer que o nosso conhecimento est na nossa aco (p.
49).
Para lidar com os conflitos que surgem no decurso da aco, Schn (1983)
afirma que o professor recorre a duas formas essenciais de reflexo: a
reflexo-na-aco, um processo intuitivo de dilogo com a situao, um
pensar sobre o que fazemos, enquanto o fazemos (p. 54), e a reflexo-
sobre-a-aco que se desenvolve a seguir prpria aco, de modo mais
formalizado, e tem lugar, muitas vezes, a partir de discusses e trocas de
experincias entre professores que partilham problemas comuns. Uma
terceira forma de reflexo, a reflexo sobre a reflexo-na-aco, ajuda o
professor a construir a sua prpria forma de conhecimento, num olhar
retrospectivo sobre o momento da reflexo na aco, isto , sobre o que
aconteceu, aquilo que observou, o significado que lhe atribuiu e outros
significados possveis (Schn, 1983).
Acentuando a natureza do conhecimento profissional como uma construo
do professor, num contexto social, Zaslawski, Chapman e Leikin (2003),
sugerem que ele construdo activamente, individual e socialmente,
atravs de experincias pessoais com o ambiente circundante e das
interaces com os outros, envolvendo reflexo e adaptao (p. 878). Esta
dimenso social comea a estar presente em estudos mais recentes, fruto
de uma evoluo no quadro da psicologia cognitiva, na forma como
interpreta a natureza do conhecimento sobre o ensino da Matemtica. Ponte
e Chapman (2006) referem que este conhecimento passou de um assunto
que apenas dizia respeito capacidade cognitiva individual, para ser
considerado como um assunto da actividade dos professores, em contextos
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18
profissionais, escolas e culturas profissionais (p. 485), o que sugere a
necessidade de combinar os diferentes nveis de anlise, sociais e
individuais.
A estrutura do conhecimento profissional
Um outro aspecto a considerar, para alm da natureza do conhecimento,
a forma como este se organiza e estrutura. Sobre a estrutura do
conhecimento profissional, Elbaz (1983) identifica trs nveis: as imagens,
um nvel geral e no explcito, uma combinao de sentimentos, valores,
necessidades e crenas que exigem pensar e orientam a aco do
professor; os princpios prticos, que so declaraes mais gerais que
justificam a tomada de decises; e as regras prticas, rotinas que ditam o
que fazer nas situaes prticas frequentes, evitando o pensamento
deliberativo desnecessrio. Clandinin (1986) usa o conceito de imagem de
Elbaz, mas atribui-lhe o sentido de organizar e reorganizar a experincia
passada, de forma dinmica, entre o passado e o futuro e integrando o
conhecimento prtico pessoal do professor: Uma anlise mais informal e
reflexiva da minha prpria experincia tem permitido o desenvolvimento de
um natural, mais espontneo conceito de imagem como uma forma de
compreender como os professores usam a sua experincia passada em
situaes de ensino (Clandinin, 1986, p. 8). Um outro modelo oferecido
por Leinhardt (1989), que usou os constructos de agenda e guio para
estudar o conhecimento profissional dos professores. De acordo com o
autor, na actividade de ensino, o professor serve-se da agenda, que inclui
objectivos, aces e uma estratgia geral, e usa vrios guies que se
referem a segmentos especficos da aula. Embora uma agenda ajude a
guiar cada aula, h um quadro global de segmentos de aula que fornecem
forma e estrutura ao professor e alunos (Leinhardt, 1989, p. 55), e se
traduzem em pequenos acontecimentos sociais que ocorrem na sala de
aula, como a solicitao e participao dos alunos na resoluo de uma
tarefa no quadro, perante a turma.
Shulman (1986) prope uma organizao que acrescenta ao conhecimento
proposicional, de grande importncia e associado ao seu perodo de
formao inicial e ao conhecimento de casos, acontecimentos especficos
-
19
bem documentados e representativos, o que designa por conhecimento
estratgico. Este envolve a anlise e ponderao de formas de aco, e
mobilizado perante situaes particulares, onde nenhum dos dois tipos
anteriores de conhecimento consiga, por si s, fornecer respostas
adequadas. Este conhecimento estratgico um processo que envolve
anlise e reflexo sobre as situaes para encontrar novas solues para a
prtica, e cujo resultado se traduz posteriormente numa das outras formas
de conhecimento:
Conhecimento ou julgamento estratgico pode ser simplesmente um
processo de anlise, de comparar e contrastar princpios, casos e suas
implicaes na prtica. Uma vez empregues tais estratgias, os
resultados podem ser armazenados, quer em termos de uma nova
proposio () quer sob a forma de num novo caso. (Shulman, 1986, p.
14)
O que parece ser comum a estes diferentes modelos a existncia de dois
nveis diferenciados, um de natureza mais conceptual e abstracto e outro de
caractersticas mais prticas e contextual.
O contedo do conhecimento profissional
Sendo o conhecimento profissional uma construo pessoal e social que
parece ter uma origem embebida nos contextos da prtica, tendo por base
conhecimento terico, experincia e reflexo sobre ela, qual o seu
contedo? Quais so as dimenses que constituem o conhecimento
profissional do professor e que ele mobiliza no processo de ensino quando
planeia e elabora tarefas e quando conduz o ensino na sala de aula?
A primeira caracterizao mais completa sobre o contedo do conhecimento
profissional deve-se a Freema Elbaz, que o identifica como sendo composto
por conhecimento de si, do contexto, do assunto, do desenvolvimento do
currculo e do processo de ensino (Elbaz, 1983). Shulman (1986) prope
sete categorias para organizar o conhecimento profissional que os
professores precisam para ensinar: conhecimento do contedo,
conhecimento pedaggico geral, conhecimento do currculo, conhecimento
pedaggico do contedo, conhecimento dos alunos e das suas
caractersticas, conhecimento dos contextos educacionais e conhecimento
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20
das metas, finalidades e valores da educao. Este autor vem atribuir uma
maior importncia ao conhecimento disciplinar que integra o conhecimento
do contedo, o conhecimento do currculo e o conhecimento pedaggico do
contedo, sendo este ltimo, de acordo com Canavarro (2003), um
conhecimento para ensinar que se desenvolve com a prpria actividade de
ensinar, a partir do conhecimento cientfico e da experincia, ou uma
combinao de contedo e pedagogia sob formas compreensveis para os
alunos, segundo Munby et al. (2001). Para Shulman (1986), o
conhecimento pedaggico de contedo inclui os tpicos normalmente
ensinados numa determinada rea, as formas mais usuais de representao
dessas ideias, as mais poderosas analogias, ilustraes, exemplos,
explicaes e demonstraes numa palavra, as formas de representar e
formular o assunto que o torne compreensvel para os outros (p. 9).
Algumas crticas que se fazem s ideias de Shulman sobre o conhecimento
profissional dos professores, residem neste surgir com um forte foco nos
aspectos declarativos do conhecimento e poder, no entanto, deixar fora de
cena as questes mais importantes acerca da actividade instrucional dos
professores (Ponte, 1994a, p. 197). Esta discusso sobre a importncia
relativa do conhecimento do contedo da disciplina a ensinar no contexto do
conhecimento profissional dos professores, tem mobilizado alguns esforos
da investigao.
Brown e Borko (1992) consideram o modelo terico de domnios do
conhecimento profissional de Shulman relevante para a investigao sobre
aprender a ensinar, em particular as definies sobre o conhecimento do
contedo e o conhecimento pedaggico do contedo. O primeiro envolve o
conhecimento substantivo, relativo a factos e conceitos, e o conhecimento
sintctico, relativo a regras e mtodos, enquanto o segundo diz respeito ao
conhecimento do assunto para ensinar, consistindo da compreenso sobre
como representar tpicos e questes de um tema especfico sob formas
apropriadas s diversas capacidades e interesses dos aprendentes (Brown
& Borko, 1992, p. 212). O mesmo estudo refere Ball (1990), a propsito do
quadro conceptual que esta autora desenvolveu para explorar o
conhecimento dos professores de Matemtica sobre o assunto da disciplina,
argumentando que compreender a Matemtica para ensinar envolve o
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conhecimento da matemtica, fortemente relacionado com o conhecimento
substantivo de Shulman e o conhecimento acerca da matemtica,
relacionado com a dimenso do conhecimento sintctico, segundo o mesmo
autor. Ball (1990) sustenta que os professores devem compreender o
assunto com suficiente profundidade para serem capazes de o representar
apropriadamente sob mltiplas formas com problemas de histrias,
imagens, situaes e materiais concretos (p. 458). Este conhecimento do
assunto e acerca dele parece trazer ao professor maior flexibilidade de
solues na conduo do processo de ensino, conforme referem Brown e
Borko (1992):
Em comparao com professores com muito menos conhecimento
matemtico, eles [os professores experientes] do mais explicaes
sobre o porqu de certos procedimentos funcionarem ou no;
transportam para os alunos a natureza das matemticas mostrando as
relaes entre conceitos e mostrando aplicaes do material estudado;
apresentam material de forma mais abstracta; e envolvem os alunos em
mais actividades de resoluo de problemas. (p. 217)
Assumindo tambm o mesmo tipo de preocupaes com o conhecimento do
contedo, Leikin e Levav-Waynberg (2007) admitem que limitaes no
conhecimento matemtico dos professores podem impedir o uso de
solues diversificadas em sala de aula:
O conhecimento dos professores sobre o assunto da disciplina e dos
seus alunos determina as tarefas matemticas que eles colocam aos
alunos, o contexto de aprendizagem, a percepo dos professores dos
processos de aprendizagem, e a sua capacidade para aprender das
interaces com os alunos e para ajustar os planos iniciais realidade.
(p. 351)
Segundo as autoras, o conhecimento de contedo considerado uma
condio essencial para ensinar e envolve o conhecimento do assunto, o
conhecimento pedaggico do contedo e o conhecimento curricular do
contedo, na mesma linha do conhecimento disciplinar de Shulman.
Embora se observem ainda muitos trabalhos que parecem tratar a
Matemtica como um corpo formal de contedos e o currculo como uma
coleco de tpicos matemticos e procedimentos, em estudos mais
recentes sobre o conhecimento dos professores acerca do ensino da
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Matemtica, vem-se progressivamente mais indicadores e referncias mais
explcitas s novas orientaes curriculares da reforma, aos documentos do
NCTM e ao construtivismo (Ponte & Chapman, 2006). Estes autores
reconhecem a importncia da investigao futura se focar na compreenso
do conhecimento que os professores sustentam em termos do sentido que
faz e na sua relao com a prtica (p. 487), e analisar as condies que
facilitam a ocorrncia de boas prticas, a par de slidos esforos
curriculares, olhando para as condies sociais e institucionais em que os
professores trabalham (p. 488).
Sntese
O conhecimento profissional dos professores tem uma natureza
eminentemente prtica e situada, revelando-se na aco, embora no se
confunda com um conhecimento de regras e procedimentos para aplicar na
prtica. Tem na base conhecimento terico, em combinao com a prtica,
envolve conhecimento dos contextos e cresce com a experincia e a
reflexo sobre ela, mas integrado no sistema de valores e crenas do
professor sendo, portanto, pessoal.
A experincia constitui um dos principais factores que contribuem para o
desenvolvimento deste conhecimento prtico que o professor mobiliza
quando monitoriza o ensino em sala de aula e que reorienta como resposta
a dificuldades, atravs de processos de reflexo.
A estrutura do conhecimento envolve uma componente de nvel mais geral
(imagens, agenda ou conhecimento proposicional) e outra de natureza mais
especfica e prxima da aco (princpios e regras prticas, guies ou
casos). Pode ainda reconhecer-se uma terceira forma de conhecimento, de
natureza estratgica, para lidar com situaes novas para as quais
nenhuma das anteriores responda adequadamente.
O contedo do conhecimento profissional do professor conceptualizado de
diferentes maneiras, embora existam alguns aspectos mais consensuais
como ser constitudo pelo conhecimento que o professor tem de si prprio,
dos contextos, do assunto da disciplina para ensinar, dos processos de
aprendizagem dos alunos, do currculo e do processo de ensino.
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O destaque a dar ao conhecimento disciplinar tem mobilizado alguns
esforos da investigao e Shulman vem dar realce a este conhecimento,
que integra o conhecimento do contedo, o conhecimento do currculo e o
conhecimento pedaggico do contedo, sendo este ltimo um conhecimento
que se desenvolve com a prpria actividade de ensinar, combinando
contedo e pedagogia, sob formas compreensveis para os alunos. Esta
preocupao da investigao parece decorrer do reconhecimento de que
limitaes no conhecimento matemtico dos professores possam interferir
na capacidade de elaborar boas tarefas e de usar solues diversificadas em
sala de aula.
As dimenses do conhecimento profissional para ensinar
Esta seco clarifica o entendimento e contedo do conhecimento
profissional para ensinar e desenvolve cada uma das dimenses que o
constituem.
O conhecimento profissional necessrio para ensinar
Embora reconhecendo no conhecimento profissional do professor um todo
que articula diferentes vertentes relacionadas entre si, Canavarro (2003)
assume que o conhecimento que mobilizado para a conduo do processo
de ensino-aprendizagem em sala de aula, directamente relacionado com as
prticas, assenta em quatro grandes domnios: a Matemtica, o currculo,
os alunos e os seus processos de aprendizagem e o processo de conduo
do ensino na sala de aula. ao conhecimento nestes quatro domnios que
chama conhecimento didctico do professor de Matemtica. Tambm Brown
e Borko (1992) reconhecem que o conhecimento dos assuntos especficos
associados tarefa de ensinar surge como uma mistura do conhecimento
da disciplina com o conhecimento dos alunos, do ensino e do currculo.
No mesmo sentido apontam Ponte e Nunes (2010) que discutem o
conhecimento profissional do professor em ntima relao com as prticas e
consideram que o conhecimento profissional do professor, no que se refere
ao ensino da Matemtica, inclui necessariamente quatro domnios
fundamentais: (a) a Matemtica, (b) o currculo, (c) o aluno e os seus
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processos de aprendizagem, e (d) a organizao da actividade de ensino
(p. 28).
Figura 1: Modelo de Ball, Thames, et al. (2009)
Recentemente, Ball, Thames, Bass, Sleep, Lewis e Phelps (2009),
desenvolveram um modelo multidimensional (Figura 1) que integra o
conhecimento especfico do contedo, puramente matemtico, e o
conhecimento pedaggico do contedo, um conhecimento sobre os alunos e
sobre formas de ensinar tpicos matemticos particulares.
Estes autores desenvolvem uma teoria do conhecimento matemtico para
ensinar baseada na prtica, atravs da anlise de episdios do trabalho de
ensino na sala de aula, quando o professor usa o conhecimento para lidar
com as exigncias da prtica, atravs das tarefas que prope. A anlise
foca-se nas tarefas de ensino e nos desafios que elas colocam aos
professores, no que respeita integridade das ideias matemticas, mas
tambm em dar ateno s ideias e contribuies dos alunos (Ball,
Charalambos, Lewis, Thames, Bass, Cole, Kwon & Kim, 2009). Implica
compreender como os professores raciocinam e desenvolvem ideias na sua
prtica, o que inclui competncias, hbitos, sensibilidades, e formas de
raciocinar assim como conhecimento (Ball, Thames et al., 2009, p. 98).
Tendo em conta esta breve apresentao, discuto em seguida cada uma das
dimenses do conhecimento profissional dos professores mais directamente
associadas com a actividade de ensino na sala de aula e que designo por
conhecimento profissional para ensinar: o conhecimento da Matemtica
para ensinar, o conhecimento dos alunos e dos seus processos de
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aprendizagem, o conhecimento do currculo e o conhecimento sobre o
processo de conduo do ensino.
O conhecimento da Matemtica para ensinar
Deborah Ball, assume o conhecimento matemtico, como uma componente
essencial do conhecimento profissional dos professores, e sugere que um
conhecimento matemtico para o ensino deveria articular a compreenso do
contedo (o conhecimento da e sobre a disciplina) com a forma como o
professor v o ensino e a aprendizagem, as representaes que tem dos
seus alunos e os contextos. Por conhecimento da disciplina entende o
conhecimento de tpicos, conceitos e conexes, e por conhecimento acerca
da disciplina, aspectos como a natureza do conhecimento e da actividade
matemtica (Ball, 1991), reconhecendo, no entanto, que este conhecimento
no existe separadamente no ensino, mas determina e determinado por
outras formas de conhecimento e crenas (p. 38).
Grossman (1995) identifica o conhecimento do contedo para designar quer
o conhecimento do assunto da disciplina, quer o conhecimento pedaggico
desse assunto, o conhecimento pedaggico do contedo, relacionado com o
planeamento e o ensino em sala de aula. O autor reconhece que ele
influencia o ensino interactivo, nomeadamente a capacidade de construir
novas explicaes ou actividades para os alunos, e est presente na prtica
em conjunto com outros domnios do conhecimento, como o conhecimento
pedaggico geral e o conhecimento do currculo, revelando uma natureza
dinmica: No processo de ensino e reflexo sobre o ensino, os professores
desenvolvem novas compreenses do contedo, dos aprendentes e deles
prprios (Grossman,1995, p. 22).
Ponte e Chapman (2006) referem um estudo descrito em Ponte (1994a),
envolvendo trs professoras, com o propsito de perceber as razes para
diferentes vises e prticas sobre a resoluo de problemas e sugerem: O
conhecimento especfico e a confiana podem interferir com o entendimento
genrico das prioridades do currculo e com as formas de actuar na sala de
aula (Ponte & Chapman, 2006, p. 471). A influncia do contexto , de
acordo com Ponte (1994a), um dos factores identificados no estudo, mas
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mediado pela atitude das professoras face profisso, a sua relao pessoal
com a Matemtica, que decorre da sua experincia como alunas e a forma
como elas se relacionam pessoalmente com os alunos.
Ball (2003), ao procurar responder questo sobre qual o conhecimento
matemtico para ensinar, assinala trs aspectos: uma maior compreenso
das suas ideias, conexes, razes e formas de as representar; saber
interpretar erros, representar ideias em mltiplas formas e desenvolver
explicaes alternativas; ser utilizvel na resoluo de problemas
matemticos, oferecendo explicaes claras e permitindo, por exemplo, a
anlise crtica de materiais de ensino:
Ensinar requer ser capaz de representar ideias e lig-las
cuidadosamente atravs de diferentes representaes simblicas,
grficas, e geomtricas. A representao uma caracterstica central do
trabalho de ensino; destreza e sensibilidade com a representao de
ideias ou procedimentos particulares to fundamental como
conhecerem as suas definies. (Ball, 2003, p. 7)
Mais recentemente, Ball, Thames et al. (2009) consideram seis domnios no
conhecimento matemtico para ensinar: o conhecimento comum de
contedo, o conhecimento especializado de contedo, o conhecimento dos
conceitos de forma articulada e as suas conexes, o conhecimento do
contedo e dos alunos, o conhecimento do contedo e do ensino e o
conhecimento do currculo.
Uma investigao referida em Sowder (2007) assinala que a compreenso
da Matemtica parece estar associada ao desenvolvimento de um bom
conhecimento de base e destrezas tcnicas, que devem integrar os
programas de desenvolvimento profissional dos professores, motivando-os
para a aprendizagem. S esse conhecimento permitir ensinar uma
Matemtica atravs de grandes ideias e centrada em conhecimento
conceptual, indo alm do ensino de procedimentos. O relatrio do Projecto
The Mathematical Education of Teachers de 2000 recomenda ser importante
dotar os professores de um forte conhecimento em Matemtica, de natureza
conceptual e apropriado para ensinar, ou seja, perceber os assuntos
integrados numa rede de conceitos relacionados entre si, saber onde situar
a as tarefas a colocar aos alunos e saber as ideias que elas mobilizam
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(Sowder, 2007). A autora reconhece que limitaes do professor relativas
ao conhecimento da Matemtica, tm como consequncia dificuldades no
conhecimento pedaggico da Matemtica, uma vez que aquele e as crenas
do professor parecem agir como um filtro sobre o processo de ensino e
aprendizagem. No mesmo sentido parece apontar uma investigao referida
em Mewborn (2003), que identificou aspectos do conhecimento matemtico
dos professores, como a falta de familiaridade com alguns conceitos, que
afectaram o seu ensino: Os professores necessitam de revisitar a
Matemtica que ensinam para ganharem discernimento sobre os conceitos
subjacentes aos tpicos e s interconexes entre eles (p. 49). No entanto,
um profundo domnio de um conceito no chega por si s, como mostra um
outro estudo referido em Mewborn (2003), porque o professor pode tender
a considerar a sua prpria compreenso como a nica ou a melhor, estando
pouco atento para escutar os diferentes raciocnios dos alunos.
O conhecimento dos alunos e dos processos de aprendizagem
Conhecer os alunos e os seus processos de aprendizagem, tem sido uma
preocupao recorrente nos estudos sobre o ensino. Este domnio do
conhecimento envolve, para alm de aspectos sobre o desenvolvimento
global dos alunos, das suas disposies e motivaes, o conhecimento das
teorias de aprendizagem.
A investigao tem vindo a mostrar evidncia sobre a importncia de ter em
conta aquilo que os alunos pensam como uma base para delinear e
concretizar o ensino e para aprofundar o conhecimento profissional do
professor para ensinar. O raciocnio dos alunos, quando desenvolvem
actividade matemtica, pode observar-se em processos interactivos de
comunicao escrita e oral que o professor promove.
Ponte e Chapman (2006) a