um estudo do projovem urbano no município de vitória da conquista

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO FLÁVIA CRISTINA BATISTA CAIRES POLÍTICA PÚBLICA DE JUVENTUDE: UM ESTUDO DO PROJOVEM URBANO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA (BA) VITÓRIA DA CONQUISTA ABRIL/2015

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO MESTRADO EM EDUCAO

    FLVIA CRISTINA BATISTA CAIRES

    POLTICA PBLICA DE JUVENTUDE: UM ESTUDO DO PROJOVEM URBANO

    NO MUNICPIO DE VITRIA DA CONQUISTA (BA)

    VITRIA DA CONQUISTA

    ABRIL/2015

  • FLVIA CRISTINA BATISTA CAIRES

    POLTICA PBLICA DE JUVENTUDE: UM ESTUDO DO PROJOVEM URBANO

    NO MUNICPIO DE VITRIA DA CONQUISTA (BA)

    Dissertao apresentada como requisito parcial

    para a obteno de ttulo de mestre pelo

    programa de Ps-Graduao em Educao da

    Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

    Orientadora: Prof Dr Sheila Cristina Furtado

    Sales.

    VITRIA DA CONQUISTA

    ABRIL/2015

  • Catalogao na fonte: Cristiane Cardoso Sousa - CRB 5/1843

    UESB Campus Vitria da Conquista BA

    C137p Caires, Flvia Cristina.

    Poltica pblica de juventude: um estudo do Projovem

    Urbano do Municpio de Vitria da Conquista (BA). / Flvia

    Cristina Caires, 2015.

    F.153.

    Orientador (a): Dr Sheila Cristina Furtado.

    Dissertao (mestrado) Universidade Estadual do Sudoeste

    da Bahia, Programa de Ps-Graduao em Educao, Vitria da

    Conquista - BA, 2015.

    Inclui referncias. 142-149.

    1. Polticas pblicas Educao. 2. Juventude Educao.

    3. Projovem Urbano - Municpio de Vitria da Conquista (BA).

    I. Furtado, Sheila Cristina. II. Universidade Estadual Sudoeste da

    Bahia, Programa Ps-Graduao em Educao. III. T.

    CDD: 379

  • FLVIA CRISTINA BATISTA CAIRES

    POLTICA PBLICA DE JUVENTUDE: UM ESTUDO DO PROJOVEM URBANO

    NO MUNICPIO DE VITRIA DA CONQUISTA (BA)

    Dissertao apresentada como requisito parcial

    para a obteno de ttulo de mestre pelo

    Programa de Ps-Graduao em Educao da

    Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

    _________________________________________________________________

    Prof Dr Sheila Cristina Furtado Sales (Orientadora)

    __________________________________________________________________

    Prof. Dr. Antnio Cabral Neto (UFRN)

    __________________________________________________________________

    Prof. Dr. Isabel Cristina de Jesus Brando (UESB)

    __________________________________________________________________

    Prof. Dr. Cludio Pinto Nunes (UESB)

  • A Deus, que nos criou e foi criativo nessa tarefa. Seu flego de vida em mim me foi sustento e

    me deu coragem para questionar realidades e propor sempre um novo mundo de

    possibilidades.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, pela fora e f que me guiou durante essa caminhada.

    minha famlia, sem exceo, pelo apoio e compreenso, e ao meu marido, em especial, por

    me entender e ouvir, por ser um grande incentivador deste trabalho. Valeu, meu amor!

    Aos meus filhos Flvio e Daniel que, pelos momentos em que no pudemos estar juntos,

    foram compreensivos, generosos e pacientes com a mame.

    minha orientadora e tambm colega de universidade, Sheila Cristina Furtado Sales, pela

    amizade, dedicao, colaborao e orientaes no decorrer deste trabalho.

    A meu amigo e tambm colega de universidade, Elinaldo Leal, companheiro de todas as

    horas, pelo carinho, dedicao e por sua contribuio para a realizao deste trabalho.

    Aos professores do Mestrado, em especial a professora Nbia Moreira e Nilma Cruzo,

    obrigada pela oportunidade de ampliar meus conhecimentos, pelo companheirismo e

    dedicao, e por contribuir para a minha formao.

    A todos, meu muito obrigada!!!

  • No Srio

    (Charlie Brown Jr.)

    Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem no srio

    O jovem no Brasil nunca levado a srio

    Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem no srio, no srio

    Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem no srio

    O jovem no Brasil nunca levado a srio

    Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem no srio, no srio

    A polcia diz que j causei muito distrbio

    O reprter quer saber porque eu me drogo

    O que que eu uso

    Eu tambm senti a dor

    E disso tudo eu fiz a rima

    Agora t por conta

    Pode crer que eu t no clima

    Eu t no clima... segue a rima

    Revoluo na sua mente voc pode voc faz

    Quem sabe mesmo quem sabe mais

    Revoluo na sua vida voc pode voc faz

    Quem sabe mesmo quem sabe mais

    Revoluo na sua mente voc pode voc faz

    Quem sabe mesmo quem sabe mais

    Revoluo na sua mente voc pode voc faz

    Quem sabe mesmo quem sabe mais

    Eu t no clima

    "O que eu consigo ver s um tero do problema

    o Sistema que tem que mudar

    No se pode parar de lutar

    Seno no muda

    A Juventude tem que estar a fim

    Tem que se unir

    O abuso do trabalho infantil, a ignorncia

    S faz destruir a esperana

    Na TV o que eles falam sobre o jovem no srio

    Deixa ele viver! o que liga"

    http://letras.mus.br/charlie-brown-jr/

  • RESUMO

    O presente trabalho uma pesquisa de natureza qualitativa. Tem como foco principal a

    compreenso de como ocorreu o processo de implementao do Projovem Urbano no

    municpio de Vitria da Conquista, na Bahia, nas etapas de 2008/2010 e 2010/2011. O

    Projovem Urbano considerado o carro-chefe das polticas pblicas de juventude, uma

    poltica focalizada que se baseia nas matrizes neoliberais com caractersticas assistencialistas,

    mas apresenta inovaes na tridimensionalidade entre educao bsica, qualificao

    profissional e participao cidad. O estudo qualitativo desenvolve uma reflexo sobre os

    objetivos e finalidades do Programa, traduzidos como dimenses que se referem

    complementao e continuao dos estudos, oportunidade de entrada no mercado de trabalho

    e a participao em aes comunitrias. Consideram-se, ainda, neste estudo, para fins de

    anlise, as contribuies das aes da gesto local para a implementao do Projovem

    Urbano. O percurso metodolgico foi referenciado em autores que caminham na perspectiva

    da pesquisa qualitativa e tratam o fenmeno estudado na sua dinamicidade. A pesquisa

    emprica foi realizada com a utilizao de anlise documental, grupo focal e entrevista em

    profundidade. Os sujeitos que comporam a pesquisa consistem em 01 (um) membro do

    comit gestor local, 02 (dois) membros da coordenao local e 06 (seis) educadores do

    programa. A tcnica de anlise escolhida se baseia em anlise de contedo, assim as

    categorias de anlise so: Gesto, Educao e Trabalho. Conclui-se, neste estudo, que a

    implementao do Projovem Urbano em Vitria da Conquista sofreu interferncia direta do

    comportamento poltico peculiar de seus gestores, visto que a cultura administrativa e poltica

    da gesto apontaram prticas cristalizadas e enraizadas como a fragmentao, descontinuidade

    administrativa, frgil institucionalizao, e uma gesto centralizada e verticalizada. Esta

    organizao poltica vem causando problemas como a evaso, o comprometimento das metas

    do Programa e a falta de infraestrutura para realizao da dimenso da qualificao

    profissional e da incluso digital. No entanto, os sujeitos da pesquisa apontam como pontos

    positivos a funo social do programa, a elevao da escolaridade e a relao professor e

    aluno, sendo este ltimo o aspecto de maior relevncia do programa.

    Palavas-chave: Polticas Pblicas. Juventude. Projovem Urbano.

  • ABSTRACT

    The current work is a research of qualitative nature. Its main issue has been to understand how

    was the process of implementation of Urban ProYouth in Vitria da Conquista, Bahia, on the

    steps of 2008/2010 and 2010/2011. Urban ProYouth has been considered the flagship of

    youth policies, a public policy which is based on neoliberal patterns with welfare features, but

    it presents innovations in three dimensions among basic education, professional training and

    citizen participation. The qualitative study draws on the objectives and purposes of the

    program, translated as dimensions that refer to complement and further study, entry

    opportunity in the labor market and participation in community activities. It has been also

    considered in this study for analysis, the contributions of local management actions for the

    implementation of Urban ProYouth. The methodological approach has been referenced on

    authors who walk in the light of qualitative research and treat the phenomenon studied in its

    dynamics. Empirical research has carried out with the use of document analysis, focus group

    and in-depth interview. The subjects that make up the research have consisted of one (01)

    local manager committee member, two (02) members of the local coordination and 06 (six)

    program educators. The chosen analysis technique has been based on content analysis, and the

    analysis categories are: Management, Education and Work. It has concluded in this study that

    the implementation of Urban ProYouth in Vitria da Conquista had suffered direct

    interference of peculiar political behavior of their managers, whereas the administrative

    culture and management policy have shown crystallized and rooted practices like

    fragmentation, administrative continuity, fragile institutionalization, and centralized and

    vertical management. That political organization has caused problems such as evasion, the

    commitment of the program's goals and the lack of infrastructure to carry out the dimension

    of professional qualification and digital inclusion. However, the research subjects have

    indicate as positive points the social function of the program, the education improvement and

    the teacher-student relationship, the latter being the highlight of the program.

    Key-words: Public Policies. Management. Youth. Urban ProYouth.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Populao e amostra................................................................................................22

    Tabela 2 Tcnicas de coleta de dados e seus respectivos sujeitos.........................................25

    Tabela 3 Carga horria das trs dimenses do currculo.......................................................86

    Tabela 4 Meta do municpio para a insero do jovem no Programa..................................102

    Tabela 5 Nmeros de matrculas: primeira etapa 2008/2010..............................................103

    Tabela 6 Nmeros de matrculas: segunda etapa 2010/2011...............................................103

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Tcnicas de coleta de materiais..............................................................................23

    Quadro 2 Conjunto dos programas/projetos oferecidos pelo poder pblico municipal.........98

    Quadro 3 Arcos ocupacionais escolhidos pelo municpio de Vitria da Conquista............105

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Organograma de Estrutura Administrativa e Pedaggica do Projovem Urbano.....76

    Figura 2 Estrutura pedaggica do programa..........................................................................79

    Figura 3 Formato do acompanhamento e formao inicial e continuada..............................88

    Figura 4 Mapa conceitual.....................................................................................................109

  • LISTA DE SIGLAS

    ADTR Agncia Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Renda

    AIDS Sndrome da Imunodeficincia Adquirida

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    CEB Cmara de Educao Bsica

    CLT Consolidao das Leis do Trabalho

    CONJUVE Conselho Nacional de Juventude

    COPPE Coordenao dos Programas de Ps- Graduao em Engenharia

    CNE Conselho Nacional de Educao

    CNP Coordenao Nacional do Projovem

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    FADCT Fundao de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FNDE Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educao

    FTG Formao Tcnica Geral

    FUNDAR Fundao Darci Ribeiro

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica e Aplicada

    MARE Ministrio da Administrao e Reforma do Estado

    MDS Ministrio do Desenvolvimento Social

    MEC Ministrio da Educao

    MTE Ministrio do Trabalho e Emprego

    OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    PEC Proposta de Emenda Constituio

    PL Projeto de Lei

    PLA Plano de Ao Comunitria

    PNAD Pesquisa Nacional de Amostra de Domiclio

    PPI Projeto Pedaggico Integrado

    PPJ Polticas Pblicas de Juventude

    POP Projeto de Orientao Profissional

    REDA Regime Especial de Direito Administrativo

    SEMTRE Secretaria Municipal de Trabalho, Renda e Desenvolvimento Econmico

    SNJ Secretaria Nacional de Juventude

  • TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

    UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

  • SUMRIO

    1. INTRODUO .................................................................................................................. 15

    1.1 A PESQUISA ..................................................................................................................... 21

    1.2 ESTRUTURA DO TRABALHO ....................................................................................... 30

    2. POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL: CONTEXTO

    HISTRICO E PERSPECTIVAS ATUAIS ........................................................................ 32

    2.1 TRAJETRIA DAS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL ............ 32

    2.2 A INSTITUCIONALIDADE DAS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE ............ 40

    3. MARCO CONCEITUAL: JUVENTUDE, GESTO, EDUCAO E TRABALHO 45

    3.1 CONSTRUINDO UMA NOO DE JUVENTUDE(S) .................................................. 45

    3.2 JUVENTUDE E EDUCAO .......................................................................................... 49

    3.2.1 Juventude e escola ......................................................................................................... 50

    3.3 JUVENTUDE E TRABALHO ........................................................................................... 55

    3.4 GESTO DE POLTICAS PBLICAS ........................................................................... 61

    4. PROJOVEM URBANO: FINALIDADES, OBJETIVOS, ESTRUTURA e

    PROPOSTA PEDAGGICA ................................................................................................ 72

    4.1 FINALIDADES E OBJETIVOS DO PROGRAMA.......................................................... 72

    4.2 A ESTRUTURA DO PROGRAMA .................................................................................. 74

    4.2.1 Gesto ............................................................................................................................. 74

    4.2.2 Estrutura Pedaggica .................................................................................................... 78

    4.3 A PROPOSTA PEDAGGICA ......................................................................................... 80

    4.3.1 Fundamentao legal ..................................................................................................... 80

    4.3.2 Concepo de juventude ............................................................................................... 81

    4.3.3 Concepo de currculo ................................................................................................. 84

    4.4 A FORMAO INICIAL E CONTINUADA DO PROJOVEM URBANO .................... 87

    4.5 ATUAO DOS EDUCADORES NO NCLEO E NA SALA DE AULA .................... 92

    5. O PROJOVEM URBANO EM VITRIA DA CONQUISTA: PERCEPES E

    PRTICAS .............................................................................................................................. 97

    5.1 O MUNICPIO DE VITRIA DA CONQUISTA............................................................. 97

    5.2 A TRAJETRIA DE INSTITUCIONALIZAO DAS PPJ NO MUNICPIO .............. 99

  • 5.3 O PROCESSO DE IMPLEMENTAO DO PROJOVEM URBANO EM VITRIA DA

    CONQUISTA ......................................................................................................................... 100

    5.3.1 Assinatura do Termo de Adeso e nomeao do Comit Gestor ............................ 100

    5.3.2 Seleo e recrutamento e processo de matrcula das etapas 2008/2010 e 2010/2011

    ................................................................................................................................................ 102

    5.3.3 Contratao dos formadores e formao inicial e continuada ................................ 104

    5.3.4 Execuo do Programa ............................................................................................... 105

    5.3.5 Certificao .................................................................................................................. 108

    5.4 A PERCEPO DOS SUJEITOS/ATORES SOBRE A IMPLEMENTAO DO

    PROJOVEM URBANO EM VITRIA DA CONQUISTA .................................................. 109

    5.4.1 Categoria gesto ........................................................................................................... 109

    5.4.2 Categoria Educao ..................................................................................................... 124

    5.4.3 Categoria Trabalho ..................................................................................................... 130

    6. CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................... 134

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 141

    APNDICE A ROTEIRO DE ENTREVISTAS ............................................................. 149

    APNDICE B ROTEIRO DE ENTREVISTA GUIADA .............................................. 150

    APNDICE C ROTEIRO PARA O GRUPO FOCAL .................................................. 151

  • 15

    1. INTRODUO

    Nas sociedades contemporneas, nesse incio do sculo XXI, o mundo experimenta

    um extraordinrio aumento da populao jovem em vrias naes, especialmente nas naes

    mais pobres. Nessa onda jovem, possvel afirmar que o maior contingente de jovens em

    vulnerabilidade social encontra-se nos pases de terceiro mundo. Em funo disso, o tema

    da juventude ganha respaldo e entra na agenda governamental de vrios pases,

    principalmente dos pases da Amrica latina, muitas vezes sob a tutela de organismos

    internacionais, os quais constam como um dos principais idelogos das polticas pblicas

    voltadas para a educao, como o World Bank, o Fundo Monetrio Internacional (FMI), a

    Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) e a Organizao das

    Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco) (MAINARDES, 2006).

    Segundo Ball (2011), essas polticas internacionais (global) podem influenciar a

    poltica nacional (local) de dois modos: o emprstimo de polticas e seu patrocnio. Para Ball

    (2004), existe uma predisposio dos regimes polticos nacionais para aceitarem as

    influncias de um governo externo, global. Parece haver um senso comum, um discurso

    poltico internacional, considerado o nico caminho infalvel para se pensar e resolver os

    problemas econmicos nacionais. Esse discurso hegemnico acerca da poltica neoliberal faz

    com que pases em desenvolvimento aceitem as solues polticas oferecidas por essas

    agncias supranacionais. Desse modo, o pas que tentar se articular fora desse discurso corre o

    risco de ser considerado inconsequente. Entretanto, salienta o autor, que h sempre um modo

    especfico, resistncias e validaes locais de interao e aceitao no processo de adoo de

    uma agenda neoliberal.

    Nesse contexto, a juventude entra em pauta no Brasil, ganha status de problema

    poltico e entra na agenda governamental a partir da dcada de 1990. Para tanto, trs pontos

    merecem destaque neste debate: o primeiro ponto encontra-se relacionado ao processo de

    redemocratizao do pas, na dcada de 1980; o segundo ponto trata do crescimento

    populacional do segmento juvenil; e o terceiro assinala a Reforma do Estado brasileiro na

    dcada de 1990.

    Quanto ao primeiro ponto, o processo de redemocratizao do pas, as juventudes

    participantes dos movimentos sociais organizados ganham respaldo e lutam por demandas

    especficas para a populao jovem pobre, afetada diretamente pelas mazelas sociais

    ocasionadas pelo longo perodo de ditadura militar que o pas viveu.

  • 16

    O segundo ponto diz respeito ao contingente populacional de jovens no pas que

    representava, em 1983, quando a populao jovem brasileira alcanou seu pico, 29% da

    populao do Brasil. Atualmente, dados de 2013, so 51 milhes de jovens (entre 15 e 29

    anos), o que representa pouco mais de 26%, dos quase 200 milhes de habitantes do Brasil

    (IPEA, 2013). Essa onda jovem contribuiu para que o segmento juvenil entrasse, mesmo

    que tardiamente, na agenda governamental na dcada de 1990 e, em especial, a partir da

    dcada de 2000.

    Por fim, aps a Reforma do Estado ocorrida no Brasil, na dcada de 1990, ele (o

    Estado) no perde importncia, mas, sim, desloca seu papel primordial da implementao para

    a regulao e o controle. Nesse sentido, o Estado1 deixa de ser o responsvel direto pelo

    desenvolvimento econmico e social e passa a desempenhar o papel de promotor e regulador

    desse desenvolvimento. Como estrutura organizacional prope a descentralizao e reduo

    de nveis hierrquicos, cabendo ao Governo Federal a funo de regulador e coordenador e

    aos seus entes federados (estados e municpios) a funo de executor das polticas pblicas.

    Essa reforma moldou o pensamento, a formulao e a implementao das polticas pblicas

    de juventude no Brasil.

    No contexto de Reforma do Estado, observamos uma reestruturao do capital com a

    mercantilizao de esferas do no mercado no sentido de lev-las mercantilizao e

    produo de lucro. Outra caracterstica dessa Reforma foi a ocorrncia de mudanas no setor

    pblico com a instaurao de uma nova performance competitiva que envolve uma

    combinao de descentralizao, alvos e incentivos para a produo de novos perfis

    institucionais. Houve, tambm, uma mudana quanto posio dos cidados em relao ao

    Estado, que passa da posio de dependncia para um papel de consumidor ativo (BALL,

    2004).

    Nesse quadro de mudana das sociedades modernas, Ball (2004) conjectura que cada

    vez mais as polticas sociais esto sendo formuladas e implementadas em funo de seu papel

    de aumentar a competitividade econmica por meio de habilidades e competncias exigidas

    pelo capital econmico, presentes nas sociedades modernas.

    Para Oliveira (2011, p. 82), o formato da gesto das polticas sociais, em geral nos

    governos latino-americanos, tem sido definido pela formulao no nvel central e a

    descentralizao na implementao ou execuo local.

    1 Salientamos que neste estudo entendemos o Estado como o complexo das atividades prticas e tericas com o

    qual a classe dominante no somente justifica e mantm a dominao como procura conquistar o consentimento

    ativo daqueles sobre os quais ele governa (GRAMSCI, 1971, p. 244).

  • 17

    Nessa nova configurao, as polticas pblicas so vistas como a ao do Estado na

    tentativa de solucionar demandas solicitadas pelas classes sociais e os beneficirios so os

    consumidores ou assistidos pelas polticas. Ainda segundo Oliveira (2011), nesse modelo, o

    Estado passa a se relacionar com os cidados dividindo-os em dois tipos: os contribuintes/

    consumidores e os destitudos/assistidos. Ento, problemas como violncia, desemprego,

    baixo nvel de escolarizao da populao, sade pblica de m qualidade, entre outros,

    assolam pases em desenvolvimento e impulsionam os governos a buscarem aes e

    programas que possam amenizar ou sanar tais problemas sociais.

    No Brasil, na dcada de 1990, ocorreram transformaes significativas, sobretudo em

    virtude da poltica neoliberal. Nesse momento, a preocupao com a juventude tornou-se uma

    questo social e poltica, no somente pelo seu quantitativo populacional, mas, sobremaneira,

    por representar um segmento estratgico para o desenvolvimento, considerando uma nova

    sociedade ps-industrial, que tem no conhecimento o princpio ativo para seu

    desenvolvimento.

    Nesse contexto, a juventude ora considerada como sujeito de direitos, ora

    considerada como principal impulsionadora do desenvolvimento (capital humano) e ora

    encarada como problema social. Envolto nesse paradoxo, o segmento juvenil entra na

    agenda poltica governamental e passa a ser visto como uma parcela da populao vulnervel

    ao desemprego, s desigualdades e violncia social. Para Ferreira e Pochmann (2011, p.

    248), esta condio de vulnerabilidade acentuou a necessidade de formulao de polticas

    pblicas que atendessem diversidade desse segmento.

    Na dcada de 2000, o Brasil era visto, segundo Papa e Freitas (2011), no cenrio

    internacional, como atrasado na constituio de polticas pblicas de juventude, seja pelo

    fato de no ter nenhuma institucionalidade governamental ou pelo fato de ainda existir no

    imaginrio social a concepo de juventude como problema social.

    Somente a partir de 2005 o Brasil construiu uma experincia no campo das polticas

    pblicas de juventude. Destacam-se, no perodo: a criao da Secretaria Nacional de

    Juventude (SNJ), do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e do Programa Nacional de

    Incluso de Jovens (Projovem). Outro aspecto importante para o fortalecimento da

    institucionalidade das polticas pblicas de juventude foi a promulgao, em julho de 2010, da

    Proposta de Emenda Constituio 42/2008, a chamada PEC da Juventude, que insere o

    termo juventude e estabelece a faixa etria de 15 a 29 anos para essa populao

    (CARRANO, 2011), e a aprovao do Estatuto dos Direitos da Juventude, em 05 de outubro

    de 2011 (PAPA; FREITAS, 2011).

  • 18

    Diante do exposto, procuramos fazer uma breve retrospectiva histrica da constituio

    das polticas pblicas no Brasil, na tentativa de situar nosso objeto de estudo, o Projovem

    Urbano. Esse programa foi lanado em 2005, conhecido como Projovem Original tinha como

    objetivo integrar a formao bsica, a qualificao profissional e a participao cidad. Sua

    finalidade primordial proporcionar a incluso social e educacional de jovens considerados

    em vulnerabilidade social. Seu pblico-alvo era composto por jovens na faixa etria entre 18 e

    24 anos que tinham cursado at a quarta srie do ensino fundamental, mas no tinha concludo

    os anos finais (at a 8 srie).

    Em 2007, aps uma avaliao do programa, o Governo Federal reorganizou os

    programas e projetos e lanou em 2008 o Projovem Integrado. Esse projeto permanece com os

    mesmos objetivos, amplia a faixa etria para 18 a 29 anos e apresenta como exigncia para o

    ingresso no programa que o jovem saiba ler e escrever e no tenha concludo o ensino

    fundamental. O Projovem Integrado agrupa seis projetos que antes eram executados

    separadamente e os divide em modalidades, a saber: Projovem Adolescente, Projovem

    Campo, Projovem Trabalhador e Projovem Urbano.

    O Projovem Urbano, nosso objeto de estudo, caracterizou-se como o carro-chefe das

    polticas pblicas de juventude, o que, segundo a Secretaria Nacional de Juventude (BRASIL,

    2011), ampliou a viso do governo federal sobre a importncia da juventude na construo da

    democracia, e permitiu ao Estado avanar na superao da viso de jovem problema para o

    reconhecimento dos jovens como sujeitos de direitos.

    Porm, segundo Papa e Freitas (2011), se o debate na esfera federal avanou, no se

    pode dizer o mesmo das demais esferas de governo. Para as autoras, pode-se dizer que, em

    alguns lugares, houve mesmo um retrocesso, como o caso de municpios que, mesmo tendo

    uma vasta experincia com projetos e programas de juventude, experimentam uma

    desarticulao entre as polticas pblicas de juventude.

    Para Papa e Freitas (2011, p. 11), de uma forma geral, mesmo os atores envolvidos na

    implementao das polticas pblicas de juventude no mbito local reconhecem os jovens

    como sujeitos de direitos, mas uma anlise mais aprofundada de suas falas e iniciativas

    evidencia a presena de diversas compreenses e concepes. Em especial, a compreenso

    que se cristalizou no imaginrio social a concepo de jovem como vtima e problema

    social.

    Como ponto de partida, o que nos instigou a realizar esta pesquisa foi a participao na

    coordenao pedaggica de dois programas no municpio de Vitria da Conquista: o Projeto

    Juventude Cidad, realizado nos anos de 2006 e 2007; e o Projovem Urbano, nos anos de

  • 19

    2008 a 2010, perodo de sua implementao. Essas experincias foram marcantes tanto na

    vida profissional como na vida pessoal, pois proporcionaram aprendizado e crescimento como

    ser humano. Com essas experincias, principalmente no Projovem Urbano, foi possvel

    perceber que mesmo que, todos ns (gestores, coordenao local e professores) tivssemos

    uma formao inicial e continuada oferecida pela Coordenao Nacional do Programa, muitas

    vezes nossas crenas e valores falavam mais alto que a filosofia e os objetivos expressos nos

    textos oficiais. A concepo de juventude do prprio programa tomava corpo diferente na

    interpretao ativa dos executores e, com isso, fomos percebendo que havia a necessidade de

    analisar o processo da sua implementao a fim de identificar avanos, lacunas e implicaes

    da gesto no Programa.

    Isto se faz necessrio considerando que foi detectado como lacuna em nossa reviso

    bibliogrfica justamente o carter fragmentrio das anlises do Projovem em vrios

    municpios do Brasil. Percebemos que as pesquisas ora enfatizavam a dimenso da formao

    bsica, ora a qualificao profissional ou ento a participao cidad. Falta, a nosso ver, uma

    anlise aprofundada da poltica sem focar apenas uma das dimenses do programa, mas

    levando em considerao pelo menos duas das dimenses: Formao Bsica e Qualificao

    Profissional. Fazer uma anlise de como a gesto local vem implementando o Programa no

    municpio, com base nas duas dimenses do programa, nos dar uma viso de como vem

    sendo concebido o papel da gesto, educao e do trabalho na implementao do Programa

    no municpio. Isso nos ajudar a compreender qual Projovem est sendo construdo pelos

    atores implementadores do programa e como eles recontextualizam e reinterpretam a poltica

    na dialtica entre o global e o local.

    Assim, nossa pesquisa tem como questo problema: como ocorreu o processo de

    implementao do Projovem Urbano no municpio de Vitria da Conquista nas etapas de

    2008/2010 e 2010/2011? Queremos saber qual concepo de juventude, de educao, de

    trabalho e de gesto tm o comit gestor, a coordenao local e os professores, e quais as

    implicaes dessa interpretao na reconstruo dessa poltica na prtica. Dessa forma,

    partimos dos seguintes pressupostos:

    P1: a interpretao dos agentes implementadores recria a poltica com base em

    sua viso de mundo, seus valores e crenas (ideologia), produzindo efeitos e

    consequncias que representam mudanas significativas na implementao do

    programa;

    P2: Existe um distanciamento entre a concepo terica do Programa e as

    prticas da gesto, j enraizadas e institucionalizadas.

  • 20

    Em nosso entendimento, a poltica toma corpo, transforma-se de inteno para ao na

    fase de implementao. Por isso, torna-se imprescindvel compreender as prticas e

    percepes que os agentes executores realizaram ao implementar a poltica no mbito local.

    Nossa inteno comprovar o pressuposto de que os sujeitos implementadores so seres

    ativos que, ao trabalharem, colocam suas impresses, normas, valores, que transformam o

    texto oficial em contexto experiencial e que, a partir dessa reinterpretao, cada cidade

    constri um Projovem que modificado com base nessa prtica. Corroborando o pressuposto

    de que os sujeitos modificam a poltica no contexto da prtica, entendemos que essa prtica

    carregada de valores e normas j enraizadas e institucionalizadas. Ento, a forma como a

    gesto local do Programa interpreta a poltica interfere e molda a ao dos sujeitos executores,

    e consequentemente muda a poltica.

    Essas mudanas sero reveladas a partir da anlise da implementao do programa,

    por meio da execuo de duas de suas dimenses: Formao Bsica e Qualificao

    Profissional. Essas dimenses nos possibilitaram desvelar qual a concepo de Gesto,

    Educao e Trabalho apresentada pelos profissionais (gestores, coordenadores e

    educadores) que executam o programa no municpio. Nosso desafio analisar essas

    concepes e como as elas influenciam a reconstruo dessa poltica no mbito local.

    Partimos, ento, do entendimento de que no possvel apreender o significado de

    uma poltica pblica sem a apreenso da lgica global de um determinado sistema de

    produo. Desse modo, no possvel fazer a anlise do Projovem Urbano sem fazer as

    devidas conexes entre os fatores macro e micro que dirigem a poltica, fundando-se em

    determinantes histricos, econmicos, polticos e culturais.

    Assim, o Projovem Urbano, como poltica pblica, um complexo que faz parte de

    uma totalidade social, por isso, torna-se importante o estudo de sua gnese, de seus

    movimentos e de suas contradies. Ela no pode ser compreendida fora de seu tempo

    histrico e nem em seu aparente isolamento das outras manifestaes sociais, polticas e

    econmicas. Portanto, faz-se necessrio entender o contexto macro no qual a poltica est

    inserida, a fim de compreendemos como o contexto global interfere e reflexiona na

    construo da poltica em mbito local.

    Algumas pistas nos foram dadas pela reviso bibliogrfica realizada a respeito das

    produes acadmicas sobre o Projovem Urbano. As pesquisas sobre o papel da gesto local

    na implementao do Programa nos municpios concluram que essa poltica fora se

    consolidando submersa em um caldo histrico de muito envolvimento pessoal, pouca

    institucionalizao e quase nenhum dilogo entre poder pblico local e instituies locais

  • 21

    ligadas juventude (BLANCO, 2010; COSTA; ESPNOLA, 2012; SOARES, 2013;

    BERTHOLINI, 2013). Essa fragilidade institucional deletria para o programa, pois, a

    depender de como a gesto interpreta a poltica, ocasionam-se vrios projovens em um, ou

    seja, o papel da gesto fundamental para o sucesso ou no do Programa.

    O estudo sobre uma poltica pblica requer, para a apreenso da sua essncia, a

    considerao de diferentes foras no processo de sua elaborao e implementao. Tal

    processo marcado por interesses econmicos, polticos e ideolgicos, visto que a poltica

    pblica no se define sem disputas, sem contradies e sem antagonismos de classe. Ento,

    compreender qual interpretao atribuda ao texto da poltica pela gesto local e suas

    implicaes no processo de implementao do Projovem Urbano no municpio mister para

    podermos entender a poltica tanto no seu macro quanto no seu microcontexto e

    compreendermos qual Projovem est sendo construdo em Vitria da Conquista.

    1.1 A PESQUISA

    Demo (2001) define pesquisa como a capacidade de dialogar criticamente com a

    realidade. Segundo ele, quem sabe dialogar com a realidade de forma crtica e criativa faz da

    pesquisa um princpio cientfico e educativo. Pesquisa, aqui, se define, ento, como a

    capacidade de questionamento da realidade, que no admite resultados definitivos, verdades

    absolutas, mas que estabelece a provisoriedade metdica como fonte principal de renovao

    cientfica.

    No entanto, a pesquisa, na condio de investigao cientfica, depende de um

    conjunto de procedimentos intelectuais e tcnicos para alcanar seus objetivos. Por isso em

    qualquer pesquisa cientfica necessrio saber quais caminhos devem nortear o trabalho do

    pesquisador.

    Todavia, a pesquisa emprica apenas um horizonte, um recorte dessa realidade. De

    acordo com os quadros tericos de referncia, o real pode variar. Para comear, todo dado

    emprico no fala por si s, mas pela boca de uma teoria. A realidade que se quer captar a

    mesma para todos ns, porm para capt-la necessrio ter uma concepo terica sobre ela.

    Ou seja, o que temos so interpretaes dessa realidade que so pautadas na teoria, mtodo e

    prtica. Nesse sentido, a importncia da hermenutica2 est precisamente no reconhecimento

    de que a interpretao inevitvel (DEMO, 2001).

    2 Hermenutica a arte de descobrir a entrelinha para alm das linhas, o contexto para alm do texto, a

    significao para alm da palavra (DEMO, 2001, p. 22).

  • 22

    Segundo Minayo e Sanches (1993), a atividade da pesquisa marcada durante toda a

    sua realizao pelo quadro terico que o pesquisador adota, por sua viso do mundo e pelo

    compromisso social, assim como pelos limites do conhecimento, prprios de seu tempo. O

    conhecimento cientfico sempre uma busca de articulao entre uma teoria e a realidade

    emprica; o mtodo o fio condutor para se formular essa articulao.

    Este estudo configura-se como uma pesquisa exploratria e descritiva, pois, segundo

    Gil (2008, p. 47), esse tipo de pesquisa vai alm da simples identificao da existncia de

    relao entre variveis, pretendendo determinar a natureza destas relaes, ou seja, tem como

    objetivo, alm de descrever as caractersticas de determinada populao ou fenmeno,

    levantar as opinies, as atitudes, as crenas e as prticas desse grupo.

    A abordagem qualitativa, segundo Minayo e Sanches (1993), realiza uma aproximao

    fundamental entre o sujeito e objeto do conhecimento, porque ambos so da mesma natureza.

    Definir o nvel simblico do significado e da intencionalidade, atribuir um grau de

    sistematicidade pelo desenvolvimento de mtodos e tcnicas, tem sido tarefa dos

    pesquisadores que trabalham com a abordagem qualitativa. De acordo com essa abordagem o

    pesquisador vai a campo para investigar, buscando captar o fenmeno em estudo fundando-se

    na percepo das pessoas envolvidas e levando em considerao todos os pontos de vista

    relevantes. Nesse sentido, a abordagem qualitativa poder nos ajudar a analisar qual a

    percepo dos atores executores sobre o processo de implementao do Projovem Urbano no

    municpio de Vitria da Conquista.

    Para tanto, necessrio selecionar adequadamente os indivduos e os elementos que

    devem compor o estudo, pois essa escolha fundamental para garantir que os resultados

    representem fielmente o que ocorreu com o fenmeno em questo. Neste estudo, aplicou-se o

    conceito de populao e amostra. Nascimento (2002) define a populao como um conjunto

    completo de elementos ou pessoas que representam um determinado conjunto de

    caractersticas e a amostra como um subconjunto da populao. Dessa forma, fizeram parte da

    pesquisa as seguintes populaes, como mostra a tabela 1, a seguir:

    Tabela 1 Populao e amostra

    Populao Universo Amostra

    Comit Gestor 03 01

    Coordenao local 12 02

    Educadores que atuaram no perodo do recorte 15 06

    Fonte: Prpria autora.

  • 23

    O mtodo de amostragem foi aplicado com a finalidade de obter informaes junto

    aos principais agentes operadores das polticas de assistncia social do municpio. Para isso,

    foi feito o uso da amostragem no probabilstica de abordagem orientada. Por esse mtodo,

    apenas os formadores de opinio foram selecionados para compor a amostra de estudo. Todos

    os sujeitos foram escolhidos por terem participado das duas entradas3 do programa. O

    membro do comit gestor, o Dir. Pres. da Agncia de Desenvolvimento, Trabalho e Renda

    (ADTR), foi escolhido em virtude de ter sido o gestor do projeto no perodo de janeiro de

    2009 a dezembro de 2011, perodo demarcado para o estudo. Os professores foram escolhidos

    por terem trabalho nas duas etapas, possibilitando, assim, uma viso mais ampla da

    implementao do Programa. A coordenadora pedaggica trabalhou na primeira etapa como

    educadora e na segunda etapa como coordenadora do Programa e a coordenadora executiva na

    primeira etapa trabalhou como apoio de coordenao e na segunda etapa foi coordenadora

    executiva. Depois de escolhidos os sujeitos da pesquisa, fez-se necessrio prestar ateno em

    quais tcnicas deveriam ser utilizadas para a coleta de material.

    Sabemos que as tcnicas de coleta de materiais no podem ser utilizadas como receitas

    prontas, como instrumentos neutros, pois todo pesquisador tem sua ideologia e essa

    influenciar seu trabalho de pesquisa. Ento, as tcnicas de coleta devem ser entendidas como

    meios de obteno de informaes, cujas qualidades e limitaes devem ser controladas. Elas

    no so um fim em si, so valiosos instrumentos de coleta de dados. De acordo com a

    natureza da nossa investigao, utilizamos as seguintes tcnicas de coleta de materiais: o

    grupo focal e a entrevista guiada e anlise documental. Segue-se quadro 1, abaixo:

    Quadro1 Tcnicas de coleta de materiais

    Tcnica Modo de coleta Unidade de coleta

    Grupo Focal Moderador utiliza um roteiro

    pr-definido para estimular o

    debate e assegurar a

    participao de todos.

    Educadores do programa.

    Entrevista guiada Entrevistas em profundidade,

    roteiro semiestruturado.

    Entrevistas com: comit gestor

    local e coordenao local.

    3 Cabe esclarecer, o termo Entrada utilizado, pela coordenao nacional, para definir o grupo de turmas que iniciou as atividades do programa em determinado momento. Por exemplo, a entrada referncia para este estudo

    a 1 Entrada e a 2 entrada, ou seja, trata-se do primeiro grupo de municpios/ turmas do Projovem Urbano, que

    comeou a funcionar em Setembro de 2008 e terminou em abril de 2010 e o segunda turma que teve incio em

    maio de 2010 e terminou em novembro de 2011. Salientamos, porm, que no municpio convencionou-se

    chamar de primeira etapa (2008/2010) e segunda etapa (2010/2011) respectivamente.

  • 24

    Anlise Documental Anlise de documentos

    oficiais didtico-pedaggicos

    e do marco regulatrio legal.

    Anlise de documentos

    pedaggicos (PPI, relatrios),

    marco legal (legislao,

    resolues)

    Fonte: Prpria autora.

    O grupo focal foi escolhido como tcnica a ser aplicada com os educadores do

    programa por dois motivos: primeiro, para que esses agentes implementadores pudessem

    interagir, trocar experincias, compartilhar a sua atuao no programa, alm de deixarem

    transparecer suas inquietaes, frustraes e expectativas; o segundo, pela possibilidade de

    criar um clima de descontrao e troca de experincias.

    A tcnica do grupo focal um tipo de entrevista em profundidade realizada em

    grupo, cujas reunies tm caractersticas definidas quanto proposta, ao tamanho,

    composio e aos procedimentos de conduo (OLIVEIRA; FREITAS, 2010, p. 325-326).

    A utilizao do grupo focal indicada para pesquisas que tm como objetivo explicar como as

    pessoas consideram uma experincia, uma ideia ou um evento (OLIVEIRA; FREITAS,

    2010). Ento, essa tcnica foi apropriada para esta pesquisa, visto que nos forneceu

    informaes sobre o que os educadores pensam, sentem e sobre a forma como agiram na

    implementao do Projovem Urbano em Vitria da Conquista durante o perodo em que

    atuaram.

    Quanto ao nmero de participantes do grupo, escolhemos 06 educadores que atuaram

    na primeira e na segunda etapa. Na definio do tamanho do grupo, seguimos o que nos

    aconselha Oliveira e Freitas (2010), ou seja, para esses autores, o grupo deve ser pequeno o

    suficiente para que todos tenham a oportunidade de partilhar suas percepes e grande o

    bastante para fornecer a diversidade de percepes. Pode-se dizer, em funo desse

    argumento, que a quantidade de participantes por grupo pode ser de no mnimo 04 e no

    mximo 12 participantes. Como nossa inteno era obter dados qualitativos, optamos por

    compor um grupo de 06 professores.

    A escolha dos participantes do grupo focal se deu da seguinte forma: 01 professor da

    formao bsica da rea de cincias humanas; 01 professor da formao bsica da rea de

    cincias exatas e naturais; 01 professor da formao bsica da rea de Lngua Portuguesa; 01

    professor da formao bsica da rea de Lngua Inglesa; 01 professor de qualificao

    profissional que trabalhou na primeira etapa com o Arco Ocupacional de Administrao e na

    segunda etapa com o Arco Ocupacional Educao; e 01 professor de participao cidad. Essa

  • 25

    escolha justifica-se pela necessidade de obteno de uma diversidade de olhares sobre o

    programa, a partir da formao e da atuao dos agentes implementadores, nesse caso os

    educadores nas duas dimenses do currculo (formao bsica e qualificao profissional).

    Veja na tabela 2, a seguir, a distribuio mais detalhada das tcnicas aplicadas e seus

    respectivos sujeitos.

    Tabela 2 Tcnicas de coleta de dados e seus respectivos sujeitos

    Tcnica de

    coleta

    Sujeitos Quantitat. Etapa do

    programa

    Entrevista

    guiada

    Comit gestor:

    Secretrio da Agncia de Desenvolvimento, Trabalho e

    Renda (ADTR)

    01 2008/2010

    2010/2011

    Coordenador executivo 01 2008/2010

    2010/2011

    Coordenador pedaggico 01 2010/2011

    Grupo Focal

    Professor de formao bsica rea de cincias humanas 01 2008/2010

    2010/2011

    Professor de formao bsica rea de cincias naturais e

    exatas

    01 2008/2010

    2010/2011

    Professor de formao bsica rea de lngua portuguesa 01 2008/2010

    2010/2011

    Professor de formao bsica rea de lngua inglesa 01 2008/2010

    2010/2011

    Professor de qualificao profissional 01 2008/2010

    2010/2011

    Professor de participao cidad 01 2008/2010

    2010/2011

    Total de sujeitos da pesquisa 09

    Fonte: Prpria autora.

    A reunio do grupo focal teve durao de 3 (trs) horas. Ela aconteceu em uma sala

    confortvel e que possua sistema de udio e vdeo. Para a conduo da sesso, utilizamos um

    guia de tpicos e questes formuladas que abordaram o mximo de tpicos relevantes. Os

    tpicos4 de discusso foram cuidadosamente preparados, de forma que os participantes se

    sentissem vontade e discutissem os tpicos de forma espontnea. Toda a discusso foi

    gravada em vdeo e udio com a permisso e autorizao prvia dos entrevistados.

    4 O roteiro consta nos apndices.

  • 26

    Segundo Oliveira e Freitas (2010), a qualidade das respostas est diretamente

    relacionada com a qualidade das questes. Essas devem parecer espontneas para os

    participantes, apesar de serem cuidadosamente preparadas pelo pesquisador. Para tanto,

    elaboramos um roteiro com 10 questes5, sendo: 01 questo aberta lanada a todos; 01

    questo introdutria para dar incio ao tema de discusso; 04 questes-chave sobre a gesto e

    execuo do programa; 02 questes de transio para mudar de uma questo-chave para outra;

    01 questo final para encerrar a discusso; e 01 questo-resumo, com a qual o moderador fez

    uma pequena explanao sobre o propsito da discusso e, finalmente, lanou a seguinte

    pergunta: ns esquecemos algo?

    Salientamos que o trabalho com o grupo focal trouxe muitas contribuies para a

    pesquisa, pois foi com base nas discusses suscitadas pelos educadores que elaboramos as

    entrevistas com o Dir. Pres. da ADTR, com a coordenao pedaggica e com a coordenao

    executiva. O grupo de educadores esteve vontade, houve momentos de discusso intensos e

    o bloco de questes que mais suscitou o debate foi o bloco no qual foi solicitado a eles que

    avaliassem a gesto local na implementao do Programa.

    A entrevista foi escolhida como tcnica de coleta de dados, haja vista que, segundo

    Richardson (2011, p. 207), a melhor situao para participar na mente do outro ser humano

    a interao face a face.

    Como fizemos uma pesquisa de cunho qualitativo, realizamos a entrevista guiada,

    na qual o entrevistador utiliza um guia de temas a serem explorados durante o transcurso da

    entrevista. Nesse tipo de entrevista, as perguntas no esto pr-formuladas, so feitas durante

    o processo e a ordem dos temas no estabelecida previamente (RICHARDSON, 2011). O

    entrevistador conhece o tema da entrevista, mas o que interessa o aprofundamento realizado

    pelo entrevistado. As entrevistas guiadas foram gravadas em udio, transcritas e analisadas

    logo aps terem sido realizadas.

    Especificamente, as entrevistas guiadas foram realizadas: com um membro do comit

    gestor local, o Dir. Pres. da Agncia de Desenvolvimento, Trabalho e Renda (ADTR), pois,

    alm de ser o coordenador do comit gestor, estava frente da Secretaria e tinha uma

    articulao mais prxima com a coordenao local do programa; e com os membros da

    coordenao local coordenador pedaggico e coordenador executivo. Todos os membros da

    coordenao local foram escolhidos para participarem da pesquisa em virtude do importante e

    5 O roteiro consta nos apndices.

  • 27

    especfico papel que exerceram na gesto da implementao do programa nos anos de 2008 a

    2011.

    Portanto, as entrevistas foram realizadas sem maiores transtornos, aqueles que foram

    convidados a participarem da pesquisa se mostraram solcitos, exceto a coordenadora

    pedaggica, que num primeiro momento demonstrou um pouco de resistncia em marcar a

    entrevista, mas depois aceitou. Todos os sujeitos leram e assinaram o Termo de

    Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e foram informados de que sua identidade seria

    preservada. Para isso, no ato de cada entrevista foi solicitado que cada entrevistado escolhesse

    um pseudnimo, o que foi feito tambm no grupo focal.

    Para conhecer a filosofia, concepo e objetivos do referencial terico do Programa

    Projovem Urbano foi necessrio a utilizao da pesquisa documental que, segundo

    Nascimento (2002), utiliza como fonte de investigao materiais que ainda no sofreram

    nenhum tipo de anlise.

    Depois de coletados os materiais, todas as entrevistas foram transcritas e analisadas

    minuciosamente. Para a anlise dos materiais coletados, utilizamos a tcnica de anlise de

    contedo referenciada por Laurence Bardin. A anlise de contedo, segundo Bardin (1977, p.

    42), um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes que utiliza procedimentos

    sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens.

    Essa tcnica foi escolhida para a anlise das entrevistas, visto que o nosso objetivo era

    conhecer qual a percepo que os agentes implementadores tinham sobre o Projovem Urbano.

    Dessa forma, analisamos as falas (comunicao) dos agentes implementadores a fim de

    sabermos qual a concepo de Gesto, Educao e Trabalho que os gestores, coordenao

    local e educadores do programa possuam. Analisamos, ento, como vem sendo

    implementado o programa no municpio, por meio de duas dimenses do programa: formao

    bsica e qualificao profissional.

    Para se proceder anlise de contedo, percorreu-se um conjunto de fases pr-

    estabelecidas compostas por trs etapas: a) pr-anlise; b) a anlise do material; e c) o

    tratamento dos resultados, a inferncia e a interpretao (RICHARDSON, 2011).

    A primeira etapa, da pr-anlise, foi a fase de organizao propriamente dita e

    abrangeu trs aspectos: a escolha do material, a formulao de hipteses e objetivos e a

    elaborao de indicadores para a interpretao dos resultados. Nessa etapa, foram

    empreendidas vrias leituras de todo o material coletado, a princpio sem compromisso

    objetivo de sistematizao, mas, sim, tentando apreender de uma forma global as ideias

    principais e os seus significados gerais.

  • 28

    Segundo Richardson (2011), essa etapa facilita o reconhecimento dos conceitos mais

    utilizados e proporciona uma primeira aproximao da concepo que o autor tem dos

    fenmenos sociais do mundo. Depois da leitura superficial do material, o pesquisador deve

    escolher os documentos que sero utilizados na anlise e interpretao. De acordo com

    Amado (2000), para que ocorra o processo de categorizao e codificao necessrio j

    estarem definidos os objetivos (geral e os especficos) do trabalho, a explicitao de um

    quadro de referncia terico. Da, parte-se para a constituio do corpus documental que se

    trata da seleo dos materiais coletados nas entrevistas por meio de uma leitura atenta e ativa

    para levantamentos dos temas relevantes do conjunto, como ideologia e conceitos mais

    utilizados pelos sujeitos da pesquisa.

    Quanto seleo das unidades de anlise, existem vrias opes para a escolha do

    recorte, no entanto foi pertinente para nossa pesquisa a anlise categorial temtica, o que nos

    levou ao uso de sentenas, frases ou pargrafos como unidade de anlise.

    Aps a realizao dessas etapas, ocorre o processo de codificao que, segundo

    Amado (2000), o processo pelo qual os dados brutos so transformados e agrupados em

    unidades que permitem a descrio exata das caractersticas relevantes do contedo. J a

    decodificao, a interpretao do discurso do outro, fundando-se na anlise da comunicao,

    seja este contedo explcito ou latente.

    Amado (2000) identifica alguns estgios da fase de codificao, a saber: a) determinar

    as unidades de registro ou de significado (no caso de nossa pesquisa, temas, frases ou

    pargrafos, expresses ou palavras); b) determinar a unidade de contexto; c) determinar a

    unidade de enumerao ou contagem; d) categorizar a operao de classificao de elementos

    constitutivos de um conjunto, por diferenciao e, seguidamente, por reagrupamento

    (AMADO, 2000). Entende-se por categoria uma palavra-chave que indica a significao

    central de um conceito, e essa categoria pode ser escolhida a priori ou a posteriori. No caso

    de nossa pesquisa, depois de definida a questo problema e determinados os objetivos,

    definimos a priori as trs categorias de anlise: Gesto, Educao e Trabalho.

    Na segunda etapa, da anlise do material, os dados foram codificados, categorizados e

    quantificados. Podemos entender as categorias como grandes enunciados que abarcam um

    nmero considervel de temas. Neste estudo, as categorias utilizadas foram categorias

    apriorsticas, ou seja, foram escolhidas pelo pesquisador previamente, so elas: Gesto,

    Educao e Trabalho.

    Com base na categorizao, foi realizada uma sntese na qual agrupamos os problemas

    que mais recorrentes nas falas dos sujeitos e partindo disso elencamos um quadro referencial

  • 29

    terico para discutir e analisar as regularidades e divergncias apresentadas em cada categoria

    de anlise. Segundo Amado (2000), nessa fase de anlise dos materiais deve-se fazer um

    estudo aprofundado orientado pelo referencial terico do investigador e suas hipteses.

    Dessa forma, montamos, a partir das categorias escolhidas previamente, um mapa

    conceitual6. Nesse momento, foram levados em considerao os principais problemas

    relatados pelos educadores, pelo diretor presidente da ADTR e pelas coordenadoras

    pedaggica e executiva. Assim, pontuamos o que foi dito fundando-nos nas suas

    regularidades e divergncias. Essa foi uma tarefa trabalhosa, rdua e que exigiu tempo e

    dedicao da pesquisadora.

    A terceira etapa, de tratamento dos resultados, foi o momento de transformar os dados

    brutos em contedo a ser interpretado, baseando-se nas inferncias do investigador. Nessa

    etapa, o pesquisador apoiado nos materiais de informao, realiza a reflexo com base no

    material emprico e tenta estabelecer relaes com a realidade social ampla. Esse foi o

    momento no qual demos exclusiva ateno ao contedo manifestado nos documentos e

    aprofundamos nossa anlise com desvelo sobre o contedo latente que eles possuam.

    importante estar atento no s ao contexto lingustico, mas tambm histrico das expresses,

    dos conceitos.

    Amado (2000) argumenta que codificar o processo por meio do qual os dados brutos

    so sistematicamente transformados em categorias e que permitem, posteriormente, a

    discusso precisa das caractersticas relevantes do contedo. Assim, codificar significa

    transformar, seguindo regras especificadas nos dados de um texto, procurando agrup-las em

    unidades que permitam uma representao do contedo do texto. Essa fase , para Amado

    (2000), a fase de interpretao e deve ser amparada pelas demais fases, pois, aqui, o

    pesquisador interpreta, faz inferncias acerca do contedo, por isso considerada a fase mais

    complexa e difcil de ser realizada.

    Neste estudo, os dados analisados foram dispostos em dois captulos: no captulo

    quatro realizamos uma anlise documental e confrontamos a proposta terico-metodolgica

    do Projovem com a concepo de juventude, educao e trabalho, que consta na proposta

    oficial. No captulo cinco, apresentamos a percepo dos sujeitos quanto gesto na

    implementao do Programa. Nesse captulo, apresentamos o mapa conceitual e discutimos as

    regularidades e divergncias de falas dos sujeitos luz do nosso referencial terico. Trata-se

    6 O mapa conceitual encontra-se nos apndices, assim como todos os quadros de categorizao montados para

    construir o mapa conceitual.

  • 30

    da anlise da percepo dos sujeitos quanto implementao do Projovem Urbano por meio

    das dimenses Educao Bsica e Qualificao Profissional. Para tal, utilizamos as categorias

    de anlise: Gesto, Educao e Trabalho.

    1.2 ESTRUTURA DO TRABALHO

    O presente trabalho est estruturado em seis captulos, sendo eles a introduo, quatro

    captulos de desenvolvimento e a concluso. A introduo compe-se de trs partes: na

    primeira versamos sobre o tema, o problema e as hipteses, e os objetivos da pesquisa; na

    segunda abordamos o referencial dos aspectos terico-metodolgicos; e na terceira abordamos

    a forma como o trabalho est estruturado.

    Os captulos que compem o desenvolvimento esto assim dispostos: no captulo 2,

    Polticas Pblicas de Juventude no Brasil: contexto histrico e perspectivas atuais,

    abordamos uma retrospectiva histrica do cenrio poltico e econmico brasileiro e, tambm,

    das polticas pblicas de juventude da dcada de 1930 at a entrada do novo milnio.

    No captulo 3, Marco Conceitual: Gesto, Educao e Trabalho, discorremos sobre

    qual a concepo de juventude, Educao, Trabalho e Gesto defendemos para subsidiar as

    anlises dos materiais. Trata-se de definir qual a noo de juventude(s), e qual a relao entre

    juventude, educao e trabalho se estabelece nas polticas pblicas de incluso destinadas ao

    segmento juvenil. Apresentamos, tambm, a Reforma do Estado brasileiro como norteadora

    da insero da nova forma de gesto, a gesto gerencial, na formulao e implementao de

    polticas pblicas sociais, alm do ciclo de polticas pblicas como possibilidade de anlise

    poltica das polticas pblicas. Discutimos tambm algumas regularidades que se encontram

    presentes na gesto de polticas pblicas no mbito local.

    No captulo 4, Projovem Urbano: finalidades, objetivos, estrutura e proposta

    pedaggica, analisamos os princpios filosficos, polticos e pedaggicos do Projovem

    Urbano contidos no Projeto Pedaggico Integrado (PPI), na Resoluo FNDE 22/2008 e no

    plano de implementao do municpio que d orientaes sobre seu processo de

    implementao. Esta anlise foi necessria, pois subsidiou a anlise da gesto do municpio na

    implementao do Projovem Urbano em Vitria da Conquista, e foi de suma importncia para

    conhecer e analisar o Programa, seus objetivos e sua proposta pedaggica.

    No captulo 5, O Projovem Urbano em Vitria da Conquista: percepes e prticas

    dos sujeitos envolvidos na pesquisa, analisamos a percepo que gestores, coordenao local

    e professores tm da gesto do Projovem Urbano e como se deu o processo de implementao

  • 31

    do Programa no municpio, alm de apontarmos as lacunas, os desafios e os avanos da gesto

    executora do programa no municpio.

    No captulo 6, Consideraes Finais, apontamos algumas concluses provisrias,

    considerando a dinamicidade dos processos sociais e a provisoriedade das certezas

    epistmicas nesses processos. Nessa perspectiva, este estudo no tem como propsito

    apresentar-se como uma verdade absoluta, mas ser uma tentativa de desvelamento da

    realidade, no intuito de contribuir para a transformao da realidade social desses jovens,

    assim como contribuir para a construo de uma institucionalizao e constituio de uma

    rede de atendimento ao jovem conquistense pautada no conceito de jovens como sujeitos de

    direitos.

  • 32

    2. POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL: CONTEXTO

    HISTRICO E PERSPECTIVAS ATUAIS

    Este captulo tem como objetivo fazer uma anlise da trajetria das polticas pblicas

    de juventude no Brasil, em especial o Projovem Urbano. A fim de realizar uma discusso

    terica sobre a trajetria das polticas pblicas de juventude no Brasil, procuramos fazer uma

    retrospectiva histrica do cenrio poltico e econmico brasileiro, assim como das polticas

    pblicas de juventude desde a dcada de 1930 at a entrada do novo milnio. Como resultado,

    possvel afirmar que, primeiro, ainda hoje as Polticas Pblicas de Juventude carecem de um

    marco referencial mais coeso acerca do conceito de juventude. Segundo, como este marco no

    est estabelecido, h uma dificuldade de entendimento a respeito das dimenses mais cruciais

    da temtica juvenil sobre as quais o poder pblico deve atuar. E, terceiro, preciso construir

    um novo repertrio de aes e instrumentos que possibilitem a realizao de uma poltica de

    promoo dos direitos da juventude mais conectada com seu tempo.

    2.1 TRAJETRIA DAS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL

    Nas sociedades modernas contemporneas, o Estado a agncia dominante de

    produo, financiamento e regulao das polticas pblicas. Por isso fundamental, ento,

    destacarmos qual concepo de Estado respaldou nossa discusso. O foco deste estudo foi a

    concepo de Estado Ampliado, de Gramsci, na qual o Estado o complexo das atividades

    prticas e tericas com o qual a classe dominante no somente justifica e mantm a

    dominao como procura conquistar o consentimento ativo daqueles sobre os quais ele

    governa (GRAMSCI, 1971, p. 244). importante salientar que a hegemonia se expressa

    tanto na sociedade civil quanto no Estado, porm existe grande autonomia dos aparelhos

    hegemnicos privados frente ao Estado, principalmente quando uma frao de classe

    dominante, que no hegemnica, detm o poder poltico e tensiona a classe hegemnica.

    Reconhecemos, tambm, a autonomia relativa discutida por Carnoy (1994), pois

    sabemos que existe um tensionamento entre Estado, sociedade civil organizada e as massas.

    Diante disso, entendemos que na contemporaneidade o Estado tem seu poder respaldado tanto

    pelo capital como pelas massas, por isso as polticas pblicas so vistas como a ao do

    Estado na tentativa de solucionar demandas solicitadas pelas classes sociais.

    Para Abad (2003, p. 14), a poltica consiste justamente na atividade pela qual essa

    mesma sociedade reflexiona e questiona a validez de suas instituies, junto com as suas

  • 33

    normas e comportamentos. Assim, ele apresenta o conceito de politics, como a luta pelo

    poder e a busca de acordos de governabilidade, e o conceito de policy, como programas de

    ao governamental, cujas conotaes so mais tcnicas e administrativas.

    Com base na acepo de poltica como ao do governo, o autor chega a algumas

    concluses sobre as polticas pblicas: a) representam aquilo que o governo opta por fazer ou

    no fazer; b) uma forma de concretizar a ao do Estado; c) so instrumentos privilegiados

    de dominao; d) supem uma ideologia da mudana social; e) representam o resultado de

    uma racionalidade tcnica e de uma racionalidade poltica (ABAD, 2003).

    Sposito (2003, p. 59) define polticas pblicas como um conjunto de aes articuladas

    com recursos prprios (financeiros e humanos), envolve uma dimenso temporal (durao) e

    alguma capacidade de impacto. Rua (1998, p. 59) define polticas pblicas como conjunto

    de decises e aes destinadas resoluo de problemas polticos. Assim sendo, estas

    definies nos remetem constituio de atores da sociedade civil e sua capacidade de

    propor aes na esfera pblica.

    Bobbio (1998) argumenta que para que exista poltica pblica necessrio que um

    determinado problema requeira soluo por meio dos instrumentos de ao poltica, ou seja,

    qualquer situao que se queira resolver necessitar ser expressa como problema poltico

    capaz de exercer presso sobre a agenda governamental.

    Para que essa demanda ou conflito se torne um problema poltico necessrio que

    exista uma mobilizao de recursos de poder por parte de grandes ou pequenos grupos,

    preciso, tambm, que o estado de conflito ou demanda se constitua em uma situao de crise

    (ABAD, 2003). Ainda segundo Abad (2003), a escolha geracional, ou seja, do jovem como

    sujeito de polticas sociais, deu-se por sua influncia demogrfica, por sua dinmica de

    modernizao nas sociedades latino-americanas e por suas realidades de excluso e

    marginalizao (carter de crise).

    O carter de crise o impulsionador da ao e reao do Estado capitalista, que tem

    como funo a acumulao do capital e a manuteno do poder hegemnico, que intimidado

    pelas demandas e conflitos, neste caso ameaado pela excluso dos jovens, pelo no

    cumprimento de seus direitos sociais bsicos, como moradia, sade, educao e emprego,

    torna-se propulsor de tenso entre a classe dominante e as massas. Este carter de crise

    impulsiona o Estado a formular solues capazes de atender s demandas e conflitos

    estabelecidos pelas relaes capitalistas entre dominantes e dominados.

    A questo juvenil na agenda pblica est relacionada, em maior grau, segundo Bango

    (2003), com a visibilidade desse segmento no processo de redemocratizao ocorrido na

  • 34

    America Latina no final da dcada de 1980. Nessa abertura democrtica, os jovens foram os

    principais protagonistas. Essa participao se deu com base em movimentos estudantis,

    partidos polticos e movimentos sociais, nos quais os jovens desempenharam importante papel

    em prol do retorno da democracia.

    Outro fator impulsionador da entrada da juventude na agenda governamental foi a

    designao, no ano de 1985, por parte das Naes Unidas, como o Ano Internacional da

    Juventude. Esse fato contribuiu para que o tema ganhasse importncia para os organismos

    internacionais e para os Estados Nacionais.

    Nesse contexto, foram observadas algumas tendncias ou enfoques que tm

    fundamentado a implementao de polticas pblicas de juventude no continente latino-

    americano, a saber: a) incorporao dos jovens nos processos de modernizao; b) o enfoque

    do controle social; c) o enfoque do jovem problema; d) o enfoque dos jovens como capital

    humano (BANGO, 2003).

    O enfoque da incorporao dos jovens nos processos de modernizao situada

    temporalmente na dcada de 1950 pode ser caracterizado como a busca da incorporao dos

    jovens nos processos de modernizao por meio das polticas educativas. Contudo, com o

    passar do tempo, as possibilidades de mobilidade social por meio da educao foram caindo,

    oportunizando explicitamente as maiores ofertas educacionais para os jovens das camadas

    mdia e alta. Vale ressaltar que a essncia desse enfoque era a posio de um Estado como

    instncia de definio unilateral e como ator excludente na formulao e implementao da

    poltica (BANGO, 2003, p. 42).

    Simultaneamente, continuava existindo um enorme contingente de jovens excludos,

    que permaneciam longe desses tipos de aes, mas que eram atingidos por outros tipos de

    medidas de controle social, posto que eram enquadrados como pobres com delinquncia,

    donde surge a clebre caracterizao de infanto-juvenil ou de menores infratores (BANGO,

    2003).

    O enfoque de controle social situado no perodo de instalao das ditaduras militares

    na maioria dos pases latino-americanos, compreendo os anos de 1960 a 1970. Segundo

    Bango (2003), com a crescente incorporao dos jovens ao sistema educacional, em especial

    no ensino mdio e superior, houve uma mobilizao estudantil organizada, que, no caso da

    Amrica Latina, se associou a outras mobilizaes populares, especialmente s

    protagonizadas pelas foras sindicais que comearam a influir na formao de agrupamentos

    polticos de esquerda e de movimentos guerrilheiros.

  • 35

    Segundo Bango (2003, p. 43), pode-se observar nesse perodo uma tendncia

    execuo de aes de controle como resposta mobilizao dos setores juvenis que haviam

    adquirido uma maior participao social. Ento, o enfoque dominante foi o controle da

    mobilizao, sua supresso e repreenso.

    Na fase de transio democrtica, que pode situar-se na dcada de 1980, os governos

    em processo de redemocratizao que comearam a reinstalar-se em meados dessa mesma

    dcada tiveram que enfrentar desafios na transio poltica, juntamente com a necessidade de

    dar conta da enorme quantidade de demandas sociais que haviam sido postergadas. Nesse

    perodo, haviam cessado os conflitos armados entre os exrcitos e os movimentos

    guerrilheiros, formado, na sua maioria, por jovens que ficaram numa situao de

    vulnerabilidade social.

    Nesse contexto, de enfoque das polticas sociais como forma de compensar os notrios

    problemas causados pelos programas de ajuste, puseram-se em prtica diversos programas de

    combate pobreza, baseados na transferncia de recursos aos mais empobrecidos. Tais

    polticas ficaram conhecidas como de compensao social. Segundo Bango (2003), embora

    nenhum desses programas seja reconhecido como programa juvenil, grande parte dos

    beneficirios era formada por jovens. A aplicao desse enfoque do jovem como problema

    contribuiu enormemente para o estigma que at hoje ronda o imaginrio social.

    Novaes (2009) aponta que a dcada de 1980 foi marcada pelo incio da recesso e da

    expanso da pobreza no Brasil e Amrica latina. Nesse mbito, os governos adotaram

    polticas compensatrias de transferncia de renda para os mais empobrecidos por meio de

    programas alimentares e empregos temporrios. Com esse objetivo, surgiram vrios

    programas e projetos sociais financiados, em sua grande maioria por organismos

    internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

    Esses programas e projetos, mesmo que no tenham sido especificados como

    programas juvenis, visavam capacitao ocupacional e insero produtiva, com nfase no

    empreendedorismo juvenil. Ao mesmo tempo, procurava-se conter a violncia e garantir a sua

    ressocializao por meio de projetos especficos para a preveno de delitos. O pblico-alvo

    desses projetos era os jovens em situao de risco. As atividades culturais, nesse caso, foram

    consideradas uma importante via de conteno da violncia juvenil. Entretanto, para enfrentar

    a pobreza da sociedade, o remdio parecia estar nas chamadas polticas focalizadas. Para

    alvio imediato da pobreza, as polticas passaram a focalizar as crianas e suas famlias

    (NOVAES, 2009, p. 16).

  • 36

    Mais recentemente, j na dcada de 1990, parece comear um novo modelo de

    polticas juvenis, mais preocupado com a incorporao dos jovens excludos no mercado de

    trabalho (BANGO, 2003, p. 44), pois, na sociedade do conhecimento, a busca pelo

    crescimento econmico, e consequente formao dos recursos humanos, passa a ser

    prioridade. Soma-se a isto a viso de que os jovens renem o potencial para aprender a

    aprender, o que, na viso de Bango (2003, p. 45), quer dizer ento [que] as polticas de

    capacitao de jovens passam a ocupar um lugar de grande destaque na agenda. Nesse

    enfoque de polticas sociais, os jovens so vistos como capital humano que contribui para o

    processo de crescimento econmico.

    Porm, no Brasil, a dcada de 1990 foi marcada por polticas sociais no focalizadas

    ao segmento juvenil, mas que atendia esta parcela da populao de forma aleatria, por

    intermdio de programas e aes realizadas por diversas instituies do aparelho pblico, com

    orientaes sobre sade e suas expresses no segmento juvenil (AIDS, gravidez precoce e uso

    de substncias psicoativas lcitas e ilcitas), sem possuir, necessariamente, o foco nas

    demandas dos jovens destinatrios destas aes.

    Em meados dos anos de 1990, especialmente a partir de 1997, com o assassinato do

    ndio Galdino7 por jovens de classe mdia e com o crescimento de homicdios de jovens,

    alguns programas foram empreendidos pelo Ministrio da Justia, destinados aos jovens

    pobres das periferias das grandes cidades. No final dos anos de 1990, o desemprego era

    reconhecido como um problema de excluso social e apareceu um novo tipo de ao, os

    programas de incluso.

    Assim, o incipiente campo das polticas juvenis foi, at o incio de 2000, executado

    sob a forma de transferncias de recursos ao executivo municipal e estadual, e apresentou a

    falta de uma proposta clara do governo federal, alm de demonstrar a ausncia de canais de

    comunicao e dilogo com a populao juvenil. Tais caractersticas demonstram que as

    polticas pblicas de juventude foram muito mais voltadas para alguns grupos dentre os

    jovens, sem constituir qualquer forma de interao com esses na sua formulao, cuja

    concepo de juventude, norteadora das aes, era de jovem como problema social

    (SPOSITO, 2003).

    7 Galdino, por ocasio das comemoraes do Dia do ndio, em 1997, fora a Braslia juntamente com outras sete

    lideranas indgenas, para levar suas reivindicaes acerca da recuperao da Terra Indgena Caramuru-

    Paraguau, em conflito fundirio com fazendeiros. Como chegou tarde das reunies, no pde entrar na penso

    onde estava hospedado e resolveu dormir num abrigo de ponto de nibus na Quadra 704 Sul. Na madrugada de

    20 de abril de 1997, cinco jovens de classe mdia de Braslia atearam fogo em Galdino enquanto ele dormia.

    Galdino morreu horas depois em consequncia das queimaduras. O crime causou protestos em todo o pas.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Terra_ind%C3%ADgena_Caramuru-Paragua%C3%A7uhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Terra_ind%C3%ADgena_Caramuru-Paragua%C3%A7u

  • 37

    Dessa maneira, no final do sculo XX, a juventude, como segmento etrio especfico

    caracterizado pela sua transitoriedade, ainda estava sem visibilidade no mbito das polticas

    pblicas, sejam as de proteo social ou as de transferncia de renda. Assim, reinsero

    escolar e capacitao para trabalho eram vistos como antdotos violncia e fragmentao

    social, e no como direitos dos jovens (NOVAES, 2009, p. 16).

    Contudo, segundo Novaes (2009), iniciado o novo milnio, em tempo de mundo

    globalizado, surgiram condies favorveis emergncia de um novo paradigma para

    conceber a juventude. Para tanto, o ponto de partida foi o reconhecimento de marcas

    geracionais comuns que aproximam as juventudes de um mesmo pas s de diferentes pases,

    apesar de suas desigualdades e diferenas.

    No mbito mundial, a atual gerao que experimenta, justamente por serem jovens,

    as novas maneiras de estar no mundo, com as novas tecnologias, o acesso, mesmo que

    desigual, internet, ao celular etc. Assim como outros segmentos, tambm, o segmento

    juvenil que experimenta as transformaes no mundo do trabalho, transformaes

    proporcionadas pelas mudanas tecnolgicas e que acarretam riscos ambientais que ameaam

    a humanidade.

    Os efeitos das polticas neoliberais nos pases da Amrica Latina expem os jovens,

    diretamente, a riscos em decorrncia da perversa combinao entre o aumento do trfico de

    drogas e a violncia gerada por esse, alm da corrupo, da intensificao do comrcio de

    armas e da violncia policial. Enfim, com base na conjugao de fatores globais e locais se

    constitui a questo juvenil do sculo XXI. Segundo Novaes (2009, p. 17), desigualdades e

    inseguranas atingem particularmente os jovens desta gerao, gerando problemas,

    necessidades e demandas.

    Como sabemos, historicamente o movimento estudantil e os jovens sindicalistas e

    militantes de partidos polticos tinham o monoplio da representao juvenil no que diz

    respeito vocalizao das necessidades e demandas da juventude. Contudo, nesse novo

    milnio, esses grupos tm que conviver com um conjunto de redes e movimentos juvenis que

    tambm comeam a lutar por um papel ativo junto s instituies de representao do poder

    pblico, a fim de requererem espaos de lutas para expressarem suas demandas. Dentre esses

    grupos, destacamos os chamados grupos culturais de jovens urbanos que, por meio de ritmos,

    gestos, rituais e palavras, tm encontrado formas inovadoras de incidir no espao pblico.

    Segundo Novaes (2009, p. 17), esses grupos culturais, por intermdio de textos

    literrios, letras de rap, apresentaes teatrais, dana etc., buscam visibilidade pblica,

  • 38

    funcionam como articuladores de identidades e tornam-se referncia na elaborao de projetos

    individuais e coletivos, sobretudo em reas pobres e violentas.

    A esses grupos, juntam-se os grupos de jovens do gnero feminino, os de jovens

    negros e negras, os de afirmao da diversidade de orientao sexual, os de jovens indgenas e

    os de jovens com deficincia, que mesmo sendo numericamente menores, introduzem suas

    especficas reivindicaes nos espaos de luta e demandas por polticas pblicas de juventude.

    Para Novaes (2009, p. 18, grifo do autor), exibir o grau de diversidade juvenil tornou-se uma

    moeda de grande eficcia para a legitimao dos espaos socialmente definidos como de

    juventudes, tais como redes, fruns e conselhos locais ou nacionais.

    Essa diversidade juvenil desafia os diferentes atores pblicos governamentais e a

    sociedade civil para alm do reconhecimento da diversidade que, com influncias mtuas de

    cima para baixo e de baixo para cima, necessitam direcionar tais demandas para os poderes

    pblicos, para o Estado. E esse direcionamento, necessariamente, amplia a agenda e os

    embates, e esses, no espao pblico, favorecem a generalizao da expresso: jovens como

    sujeitos de direitos. H, assim, uma ampliao dos direitos de cidadania.

    Para Novaes (2009, p. 18), no existe um consenso em relao definio terica da

    expresso jovens como sujeitos de direito. No entanto, cunhada na ltima dcada, esta

    expresso imprecisa, como todo recurso retrico evidencia com nitidez uma rea de

    interseo na qual se conjugam direitos de cidadania e direitos humanos.

    Nesse sentido, Novaes (2009) aponta que quando se fala em polticas pblicas de

    juventude preciso considerar que

    [...] os problemas e as demandas relacionam-se tanto com questes (re)

    distributivas mais gerais da sociedade excludente quanto com questes de

    reconhecimento e valorizao de sua diversidade e, ainda, evocam a

    dimenso participativa, de grande importncia na fase da vida em que se

    passa da infncia para a vida adulta e se busca emancipao. (NOVAES,

    2009, p. 19).

    Assim, levando-se em conta os direitos e redes de proteo vigentes e considerando as

    novas demandas juvenis, Novaes (2009) classifica as polticas pblicas de juventude como:

    1. Universais aqui estariam as polticas setoriais dirigidas a toda a

    populao, inclusive os jovens. Via de regra, consideradas estruturais,

    implicam sistemas duradouros e instituies pblicas dotadas de oramento.

    2. Atrativas seriam aquelas que no so dirigidas apenas aos jovens, mas

    tm especial incidncia sobre eles: seja por afinidade com a natureza da

    poltica, seja porque lhes abrem oportunidades especficas. No geral, podem

    ter um carter emergencial ou experimental, ou combinar as duas dimenses.

  • 39

    3. Exclusivas seriam aquelas voltadas apenas para uma faixa etria

    predefinida entre 15 e 29 anos. Via de regra constituem-se em programas e

    aes emergenciais para jovens excludos ou em situaes de excluso

    desfavorvel. (NOVAES, 2009, p. 19-20).

    Em sntese, no que se refere aos novos desafios para a elaborao das polticas

    pblicas de juventude, atuais, eles residem primeiro na construo de uma unidade de

    pensamento sobre a concepo de juventude, diferenciando condio juvenil de situao

    juvenil; e segundo, na orientao dos mandatrios e tcnicos dos diferentes organismos

    governamentais por um mesmo objetivo, para formular e implantar polticas voltadas para

    esse segmento etrio.

    Desse modo, alguns desafios so apontados por Bango (2003) para a constituio das

    polticas de juventude, so eles:

    Primeiro, ao usar os jovens como tema, deve-se ter em mente que se est

    efetuando um recorte analtico, portanto, importante pensar a juventude

    como uma categoria relacional; esta primeira questo liga-se a uma segunda

    preveno, que no se olhar a juventude desde um ponto de vista relacional

    e terceiro corre-se o risco de confundir as polticas de juventude com a

    institucionalizao da juventude, ficando as polticas de juventude fora do

    contexto ou ilhadas em relao s polticas sociais. (BANGO, 2003, p. 48).

    Para tanto, necessrio encarar a juventude como um segmento social que tem

    demandas especficas, desejos, que experimenta e que tem muito a contribuir com a

    transformao da sociedade, isso significa desconstruir, tambm, no imaginrio social, a

    concepo de jovem-problema.

    Sposito (2003) apresenta como a mais recorrente a concepo de juventudes, no

    plural, em virtude da diversidade de situaes existenciais que afetam esse segmento.

    Apresenta, tambm, a diferena entre condio juvenil (modo como uma sociedade constitui e

    significa esse ciclo de vida) e situao juvenil (que representa os diferentes percursos

    experimentados pela condio juvenil). Salienta-se que, no entanto, ainda consta no

    imaginrio social a concepo de juventude como problema social, e que essa orientao

    dominante alicera, ainda, as prticas polticas.

    Para Abramo (1997) inegvel que, de modo geral, os jovens na sociedade brasileira

    ainda so tematizados como problemas sociais os problemas da violncia, do consumo de

    drogas e do desemprego aparecem como focos privilegiados nessas imagens (ABRAMO,

    1997, p. 62).

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    Embora seja possvel considerar que as orientaes e imagens socialmente construdas

    sobre a juventude refletem relaes de poder e tendem a negar a diversidade de situaes,

    segundo Sposito (2003) trata-se de um campo de disputa, no s em torno das modalidades de

    aes, mas, em torno dos significados atribudos condio juvenil.

    As imagens socialmente construdas sobre os jovens, assim como suas demandas,

    constam como temas conflitivos na arena de elaborao e implementao das polticas

    pblicas juvenis. Por isso faz-se necessrio que a juventude se institucionalize e confira a tais

    polticas suas demandas e convices. A seguir, trataremos da institucionalizao das polticas

    pblicas de juventude no Brasil.

    2.2 A INSTITUCIONALIDADE DAS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE

    No Brasil, na dcada de 1990, ocorreram transformaes significativas no pas,

    sobretudo em virtude da poltica neoliberal. Nesse momento, a preocupao com a juventude

    tornou-se uma questo social, no somente pelo seu quantitativo populacional, mas, acima de

    tudo, por ser um segmento estratgico para o desenvolvimento, considerando-se a juventude

    uma nova sociedade ps-industrial, que tem no conhecimento o princpio ativo para seu

    desenvolvimento. Essas mudanas impactam no mercado de trabalho. Nesse novo contexto, o

    jovem considerado como sujeito de direitos, entra na agenda poltica governamental e passa

    a ser visto como representao de uma parcela da populao vulnervel ao desemprego, s

    desigualdades e violncia social. Para Ferreira e Pochmann (2011, p. 248), esta condio

    de vulnerabilidade acentuou a necessidade de formulao de polticas pblicas que

    atendessem diversidade desse segmento.

    Em face dessa questo,

    A partir de 2004, inicia-se no Brasil um amplo processo de dilogo entre

    governo e movimentos sociais sobre a necessidade de instaurar uma poltica

    de juventude no pas. O desafio era de pensar polticas que, por um lado,

    visassem garantia de cobertura em relao s diversas situa