um estudante português no ii reich, 1897-1903 - apresentação de um diário escrito em alemão

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ARMANDO B. MALHEIRO DA SILVA I 'mr m~ PORTUGURS NO 11 REICH, 1897-1903 g4presentação de um Diário escrito em alemão UNIVERSIDADE DO MINHO Cewtso de Estudas Humanisticcs BRAGA - 2003

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Autor: Armando B. Malheiro da Silva

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  • ARMANDO B. MALHEIRO DA SILVA

    I 'mr m~ PORTUGURS NO 11 REICH, 1897-1903

    g4presentao de um Dirio escrito em alemo

    UNIVERSIDADE DO MINHO Cewtso de Estudas Humanisticcs

    BRAGA - 2003

  • Estudante Portugus .897-1903

    Reich,

    Apresentao de um Dirio escrito em alemo

    1. Um Tngebttclz OLI Didi-io de Vingeizs de um jovem portugus que iumou para a Alemanha, no final do sculo XIX, e a permane- ceu at 1903, constitui o alvo central desta comunicao, concebida e apresentada como uma primeira notcia geral do texto e do seu autor, bem como do contexto familiar. Contexto esse que enquadra e torna mais inteligvel o relato diarstico, descoberto na sequncia de um projecto de investigao histrico-familiar centrado, desde 1988, no estudo das Casas Armoriadas dos Arcos de Valdevez ' e no decurso do qual tem sido possvel encontrar docuinentao in- dita de diversa tipologia 2, sem dvida bastante importante para

    ' Ver SILVA, Armando B. Mallicita da; DAUASIO, Luis Pimenta de Castro; NOVAIS, Luis - Cnsns Anirorindns dos Airus de Valdrvez. Sirbsirlios pnrn o csi~iflo c/c1 ~lobrezn ai-coc~tse, vol I. Arcos de Valdcvez: CBmai-a Municipal, 1 1989 (1.;' cd.)l2000 (2.' ed.); SILVA, Armando B. Mallieira da; D,\MAsIo, Luis Pimenta de Cuslt-o; SIL\'A, Guilherme Rego da - Ibidem, vol. 11. 1992; Idem - Ibidem, vol. 111. 1993; e SILVA, Armando B. Mallieira da; DAMASIO, Luis Pimenia de Castro; FERNANUES, Jose Queiroga - Ibidem. val. IV, 1996; c est em pirparao o vol. V inteiramente dedi- cado Casa da Cortiada, de eu foi propi-ieirio Pedro Queiiaz Gaivo, autor do Dirio que aqui apt-esentmos.

    Caso recente C a dissertao dc Mesti-ado de FERNANUES, JosC Ernunuel Queiroga - Ecos do ii~tprio iins cor-ias de li?cin c Ei-,~csto Kopke. Volriiiie I - 1,iiprio e sociedade (1850-1880). Volrtirie 11 - A s cnrras. Braga: Unive~-sidadc do Minho, 2001, onde sao estudadas c transcritas na integra 75 cartas na sua maioria de D. Incia Camlina Pimenta Bai-rclo para sua mse, que fica,-am na posse dos herdeiros da filha D. Adriana Icapke Pimcnla da Gama da Fonseca c Gauvcia casada com Anlnio Queil-oz Vaz Guedes, da Casa das Ve~sadas, Arcos de Valdeiiez, pi-imo dii-cito de Pedro Queiroz Gaivo, da Casa da Cauiada.

  • o desenvolvin~ento dos estudos historiogrficos de mbito local e nacional.

    No caso em foco a simples descoberta do Dirio, distribudo por quatro cadernos pautados e manuscritos a tinta numa caligra- fia razovel, gerou logo dois trabalhos em curso, alm desta breve notcia de divulgao e da insero de alguns elementos biogrficos no volume 5 das Casas Armoriadas dos Arcos de Valdevez (Casa da Coutada, em preparao). Quati-o iniciativas interligadas e com- plementares de que importa, sobretudo, destacar as mais significa- tivas: a edio integral em verso bilingue do Dirio ' e a elaborao de uma dissertao no mbito do Mestrado de Estudos LUSO- Alei?zEes: fortizaZo biliiigue e iiztercz~ltural, do Departamento de Estudos Germansticos do Instituto de Letras e Cincias Humanas da Universidade do Minho4 . E de realar a utilizao pluri e interdisciplinar de uma fonte peculiar que interessa bastante aos estudos e pesquisas literrias, centradas na anlise das narrativas autobiogrficas pautadas por um Eu, no caso em foco, explicita- mente assumido, assim como tambm indispensvel de um ponto de vista historiogrfico (histria da Famlia e histrias de vida).

    Vem a propsito enfatizar a atitude anti-positivista com que esta fonte foi e est sendo encarada: trata-se de um texto ainda no divulgado, fora do restrito crculo familiar onde foi encontrado, mas sem adjectivos valorativos que fazem do coleccionismo e da bibliofilia um comrcio e at uma distoro na medida em que des- poleta o desejo de posse avara, da guarda discreta ou at secreta e da publicao com chancela nica ou exclusiva de modo a mais ningum ousar uma reedio, como se isso constitusse a profa- nao, da

  • perspectiva assumidamente informacional e no patrimonialista ou documentalista: estamos a divulgar informao, entendida como fenmenolprocesso h~imano e social, que consiste num conjunto estruturado de representaes mentais codificadas (lngua, som, imagem, nmeros ... ) passveis de serem materializadas num su- porte (pergaminho, papel, banda magntica, celulide, componente electrnica, etc.) e transmissveis em tempos e espaos diferentes. No sobrevalorizamos a raridade ou a importncia subjectiva das mensagens, embora seja natural e inevitvel enunciar juzos de valor sobre um texto, uma pintura ou uma cano. Pretendemos, sobretudo, mostrar a pertinncia da noo operatria de x c de ser tlansaccionado por somas considci-vcis, alimentando assim

  • investigador ou do pleno acesso por todos quantos dela necessitem. H factores que distorcern o salutar e indispensvel acto humano de produzir/coligir informao: factores irracionais (o gosto ego- cntrico de possuir uin livro raro ou uma priineira edio de um romance de um escritor apreciado) e econmicos (a lei bsica da oferta e da procura que dinamiza o mel-cado livreiro-alfarrabista, especulativo e
  • biogrfico-familiares que o converteram e m Ego indelvel da sua narrativa diarstica.

    Pedro Queiroz Gaivo (ver figs. 1 e 2 ) nasceu a 22 de Dezembro de 1882, n o 2." andar da casa c o m o nmero de polcia 54, na rua Larga, e m Coimbra, onde residiu at finais de 1889 c o m seus pais e sem mais irmos. Durante cerca de sete anos fez vrias estadas, mais o u menos prolongadas, assduas o u no, e m diversas locali- dades c o m a famlia o u e m casa de familiares: praia da Granja, Espinho, Figueira da Foz, Estombar e Ferragudo (Alganre, de onde era originria u m a parte da famlia paterna), Lisboa, Porto, Viana d o Castelo, Santa Marta de Portuzelo ( n u m a quinta dessa freguesia d o concelho de Viana) e na Quinta da Coutada, freguesia de Giela, Arcos de Valdevez.

    Filho de D. Maria da Conceio Teixeira de Queiroz Vaz Gue- des e de Lus Mouzinho de Albuquerque Mascarenhas Gaivo, nas- ceu no seio de u m a famlia influente e aparentada c o m figuras de relevo nacional. O pai, bacharel e m Filosofia pela Universidade de Coimbra, era irmo de D. Mal-ia Jos Mascarenhas Gaivo, esposa e prima direita do malogrado tenente-coronel Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque (1855-1902) o famoso

  • gens. O pai deslocara-se com a famlia para esse extremo nordeste gauls, confinante com o Imprio Alemo, animado do propsito que viria a concretizar de se especializar em silvicultura. Nas frias grandes de 1890 e de 1891 passeou pela Alscia Lorena, ento sob o domnio germnico, e pela Sua, regressando em Dezembro desse ano a Portugal.

    Em 1 de Novembro de 1892, aos nove, quase dez, anos de idade, parte para a ndia portuguesa, mais precisamente para Poux, distrito de Goa, onde o pai ia exercer o cargo de Adminis- trador Florestal, tendo-se depois instalado em Salvassa, no distrito de Damo. Durante essa estada no Oriente, da qual ficaram alguns apontamentos diarsticoslO, fez umas surtidas a Bombaim, na ndia inglesa, e arredores. Pouco mais se sabe, porque pouco mais nos conta sobre esses trs anos que se manteve nessas longnquas e exticas pai-agens. A 12 de Fevereiro de 1896 regressa Europa apenas com a me. Data, alis, deste perodo a separao de facto dos pais.

    De Maro at final de 1896 esteve a maior parte do tempo em Celas, Coimbra, tendo feito umas visitas aos Arcos, a Soutelo em Amarante, a Lisboa, a Estombar e Ferragudo, de onde voltou, de vapor, capital do reino.

    Em 13 de Abril de 1897 voltaria a entrar num vapor- o I h i z - priizz -com destino a Hamburgo, fazendo uma s escala em Roter- do. O seu destino era Dobeln, onde chegou a 23 desse mesmo ms. Aos catorze anos de idade penetrava no corao do Segundo Reich, cujo grande obreiro e figura tutelar era o prncipe Otto von Bis- inarck (1 81 5-1 898) e a capital a prussiana cidade de Bei-lim ".

    Os objectivos da viagem e subsequente estada na Alemanha so claramente educativos, reflectindo uma tendncia que aflora nas elites portuguesas da segunda metade do sc. XIX, ou seja, o envio

    ' O Vcr SILVA, Armando Barseiros Malheiro da; DAhlAslo, Luis Pimenta de Castro: e FERNaNDes, Jos Queiroga - Casas Anitorindns do co?icellto dos Aiuos ez, vol. V, ob. cit. (no prelo).

    " Cidade que impressionou o general Gomes de Sousa pela sua sb1-ia homo- geneidade: Nos piirizeims teinpos da irtiiiizn estnrla erii Be>li>i!, -deixou ele cscito em suas mcm61-ias publicadas -~ir.oc~ilei n pai-te mitiga dn cidade e bevi assii7i os serrs 6ainas pobres, para irzellzoi-podei-avaliaros rrsos e costrtiizes. Pe+iia ilr

  • de seus descendentes para colgios e universidades estrangeiras. Uma opo minoritria se comparada com o recurso mais comum L contratao de educadores particulares (sobretudo preceptoras estrangeiras) pela aristocracia e pela alta burguesia prspera. Mas se nos parece globalmente diminuta essa alternativa no perodo em foco, arriscamos pensar, embora nos faltem, infelizmente, dados estatsticos seguros, que enviar jovens portugueses para alm Reno tornava-se uma aposta dispendiosa e complicada, inclusiv por causa da lngua IZ. A estada do jovem Gaivo na Lorena fi-an- cesa ter ajudado a limar esta aresta, mas mesmo assim pode dizer-se que esse destino no era o mais bvio: o prprio pai esco- lhera a Frana (e no a Alemanha) para se graduar em engenheiro silvicultor.

    Percebe-se, por outro lado, ter havido uma escolha muito cui- dada e concebida por fases do destino de formao: a primeira im- p l i co~~ a ida para Dobeln, uma cidadezinha buclica e tranquila sita no laizd da Saxnia (no extremo leste do Reich, faceando com o ento Imprio Austro-Hngaro, actual Repblica Checa), onde se hospedou em casa do Professor Dost e frequentou o 3.' ano de uma Escola Agrria, mantendo-se a cerca de trs anos -perodo decisivo na sua adaptao A lngua, a cultura e ao ensino gerinni- cos. Fez o tirocnio indispensvel que lhe permitiu seguir depois para a prestigiada Universidade Friedrich Schiller l 3 de Iena, sita no land da Turngia, cuja histria se misturou durante muito tempo com a da vizinha Saxnia. Na Universidade de Iena viria a concluir

    l 2 Em uma carta para seu irmo Jose com data de 4 de Agosto de 1885, o poeta Antnia Feij refere o acaso de um jovem diplomata, em 1885, que cursam Direito e Filosofia nuiiia universidade alem2 o Coiidc de S. il4riiiicde. que ainda hrl porico foi lorivodo 120 Diniio do Gove>?io pelos servios plesiados drtmnrc n colifirc'licia fle Bei.lir+i, onde serviit coriro 2." SecrrtUrio. nlili de L ~ I I Z mpnz i,ifeligeiitc, ill~rsrrado e esr~idioso - bnclraiel eii i Direito e eiii Pliilosopiiin pela Uriiveisirladc de Leipzig. C[. Q U E I R ~ S , Francisco Teixeira de - Caflas rttii~ins de Aizriiio Feij. Coimra: 1961, p. 23 (separata de O Instituto. vol. 123).

    Por amvel disponibilidade do Professor Jrgen Sclimidt-Radefeldt, do Instituto de Romanslica, da Univcrsidadc de Rostocl

  • Pcdro Gaivo risando o bon estudantil e .

    a sua formao em Agronomia, participando activamente na res- pectiva vida acadinica ao ponto de ingressar numa das trinta e duas .corporaes de estudantes - a Jeizeiisis Agroizo17zin - exis- tentes nessa Universidade quinhentista.

    O Tngebttclz em destaque nasceu, pois, de opes e circunstn- cias pessoais que lhe conferem, partida, uma marca stti geizeuis. No surpreende, por isso, que nos tenhamos interrogado sobre quantos espcimes similares e mais ou menos coevos podero ler existido, mas foi-nos impossvel satisfazer essa natural e pertinente

  • questo. , contudo, possvel e oportuno situ-lo no giupo genrico a que pertence - o de relatos ou escritos de portugueses relaciona- dos com a sua estada na Alemanha.

    3. No pretendemos, nem podemos neste apontamento, deli- beradarnente conciso e breve, proceder a um levantainento de tex- tos similares ou parecidos com o que aqui 110s ocupa feitos por portugueses em visita Alemanha entre final do sc. XIX e alvoi-es de novecentos. Mas temos de estabelecer um rpido paralelismo com a reduzida amostra que conhecemos, porque a compai-ao

  • penite-nos, desde logo, compreender algumas especificidades mais salientes ou bvias do Didrio de Pedro Gaivo.

    A nossa amostra , de facto, reduzidssima e no inclui nenhum dirio propriamente dito. Pauta-se, alis, pela diversidade de gne- ros discursivos: o citado testemunho memorialstico do general Goines de Sousa; o relatrio de viagem de estudo do capito Joo Antnio Correia dos Santos 14; a colectnea de artigos ou crnicos do operrio, sindicalista e publicista Antnio Pedro Muralha impressas no Dirio de Notcias 15; e a srie rica e extensa de artigos ou crnicas publicadas na revista O Ocidente. Revista Ilustrada de Port~igal e do Estmngeiro (1875-1915) 16 .

    Deixmos intencionalmente de lado textos de pendor interven- tivo, como o opsculo de Guerra J~inqueiro O Monstro Alenzo I' que surgiram mais directamente inspirados pelo fragor do conflito blico europeu de 14-18, porque escapam ao padro mnimo exig- vel pela comparao em foco. Com efeito, os escassos casos referi- dos so produto de adultos que se deslocaram a Alemanha elou recolheram informao sobre ela, descrevendo acontecimentos e situaes, mas tambm manifestando suas apreciaes mais ou menos vincadas sobre a ordem, a disciplina, o progresso econ- iuico, a organizao poltica, a vida social, o funcionamento das cidades, a paisagem natural e humana das aldeias ... As crnicas de Pedro Muralha mostram bem como ele - um socialista - se deixou impressionar favoravelmente pelo contributo da social democracia e dos socilogos alemes no desenvolvimento e prosperidade do I1 Reich, embora no pudesse apoiar o violento e sanguinrio expansionismo germnico, prevendo a derrota face as potncias ali- adas que desejavam a paz: Sim. ELI contilzuo a adi7zira~ a Alle~?ianlza, ilzdttstrial, scientifica e operaria. No futuro contintiarei a adlniral-a

    Ver SANTOS, Joo Ant6nio Correia dos - 1rnpi.esses de uiiin vingerii de estudo: n iiisri.~igno, n iiidn riiilitai- e ns grnirdes iridzsrrias iia Frair~a e ,na Aleiirarzlin. Lisboa: Tipogi-afia da Cooperativa Milita,; 1914.

    ' j Ver MURALHA, Ped1.0 - A Ale>iin,ilza perniire n Europa Pi.cfricio do Di: Al/lrdo da Cosia, 1.'' ediqo. Lisboa: Livrairia Ventura Abrantes, 1914.

    l6 Ver RAMAL~IEIRA, Ana Maiia Pinho - Imagens da Alemanha em O Ocidente. Revista Ilustrada de Panngal e do Estrangeiro (1878-1915). Biblos. Coimbia, 70 (1994) p. 389-448.

    " Vci- JUNQUEIRO, G u e ~ ~ a - O Moizsrro niei~io: Atila e Jon~ia D'A1.c: op~

  • coiiz izaior ezth~tsiasi?zo. A derrocada iiizperialistn Iza-de, ezevitavel- iizeizte, extenizinar os iizales que esse paiz ezfinizn I "

    A inteno de publicitar o que foi visto e conhecido contrasta, efectivamente, com a funo intimista e reservada d o Dilio de Pedro Gaivo. Aos dezassete anos comeou o seu relato de forma acentuadamente descritiva ou enumerativa, estilo que vir a evoluir para u m registo mais dialgico (as folhas dos cadernos,, conver- ter-se-o e m

  • O Tagebuclz III tem como subttulo Ai7 Bord des ~~Feldiiiar- schalles~~ ai? der Kiiste Portugnls, d. 5 Septe~izber 1903. // Loureno Marques, d. 2 Dezenzber 1903, com 65 pginas.

    H ainda um Tageb~tcl~ I V escrito em Loureno Marques, de 2 Dezembro de 1903 a 8 de Janeiro de 1904, com 33 pginas.

    Como j atrs referimos o registo factualista constitui, de facto, a matriz dominante da narrativa, balizada entre 22 de Outubro de 1899 e 5 de Setembro de 1903, se excluirmos, claro est, deste leque cronolgico os cadernos preenchidos rumo a e em Loureno Mar- ques, destino de Pedro Gaivo ao reencontro do pai e em busca de plena profissionalizao, alcanando, de facto, uma carreira cheia de sucesso e prosperidade no domnio comercial.

    No incio do Tagebuclz I Pedro Gaivo condensa o relato do tempo passado em Dobeln, ein que avulta sobretudo a enumerao de seus compromissos e abundantes passeios, mais do que a descrio impressionista e reflexiva das paisagens, instituies e pessoas. Nas frias deu vrios e longos passeios pela Saxnia e por outras regies da Pissia, tendo visitado na Pscoa de 1898 Berlim, onde se demorou 8 dias, pi-osseguindo seus priplos por diversas localidades com a iiidicao exacta do tempo de permanncia. Frias houve em que passou na casa dos Preller e na dos Bahner l 9 em Riesa. Alguns dos seus passeios, estes mais perto de Dobeln, f-los de bicicleta -um meio de locomoo j muito popular por esses lados. E nas frias do Natal de 1899 foi de Dobeln de comboio at Graslitz na Boemia com vrias paragens. A par dos fi-eq~ientes passeios (de bicicleta, de comboio, de tren ...I teve uma intensa actividade ldico-recreativa: tenis, bilhar, patins sobre o gelo, ida a bailes e concertos.. .

    Convm ainda sublinhar que alm da famlia Dost onde se hos- pedara, Pedro Gaivo teve, em Dobeln, um convvio intensissimo com a famlia Wirth (mais tarde este nome reaparecer na sua vida de homem de negcios e de gerente de uma importante firma sedeada em Loureno Marques).

    Podemos distinguir neste primeiro Dirio uma segunda

  • familiar at 7 de Outubro, data em que regressou a Lisboa e a esteve at 11 preparando as coisas para a partida.

    A terceira inclui o retorno Alemanha. No dia 12 esteve em Paris, a 14 em Weimar, que visitou, e chegou a Iena a 15 de Outubro, indo quase logo morar para a casa n.O 8, Steinweg. No dia seguinte foi para Dobeln onde esteve at ao dia 20 e de I& foi a 21 a Riesa e voltou a 22 para Iena, sempre de comboio. Matriculou-se a 27 de Outubro no Curso de Agronomia da prestigiada Universidade de Iena, fundada em 1558 e importante centro cultural e filos- fico. Por l passaram Goethe, Schiller, Feuerbach, Schelling entre outras proeminentes figuras da cultura e poltica alems. No per- deu, porm, o contacto com os Dost de Dobeln, nem com os amigos Preller de Riesa, e descreveu, com mincia, o tempo passado em Iena- referncia s aulas, mas sobretudo aos passeios. Weimai; Leipzig e muitas outras localidades da Turingia e da Saxnia foram por ele visitadas, hospedando-se em casa de novas famlias amigas. No deixou ainda de assinalar os eventos artsticos e culturais (con- certos, peas de teatro, etc.) que pde usufiuii-.

    No Tagebuclz I I prossegue a narrativa que entretanto fora corri- gida pela leitura do livro de Gei-sdorf em que Arnold Meister surge como protagonista central e engloba trs momentos importantes: os ltimos meses de estudante em Iena; o regresso definitivo a Portugal, onde permanece de Agosto a Novembro de 1902; e a partida para Moambique.

    A sua permanncia em Iena decorreu at 27 de Julho, data em que partiu pai-a Hamburgo a lim de embarcar com destino a Lisboa, onde chegou a 6 de Agosto.

    Com a mincia geomtrica que nos parece ser um trao inde- lvel de sua personalidade que o acompanhar at morte, registou no segundo caderno a seq~incia de factos e datas que marcaram a sua vida at desembai-car em Loureno Marques:

    Entre 6 d'Agosto, data em que cheguei a Lisboa, e 5 de Setembro, dia em que parti para AMca, estive nas terras que passo a indica-, com as datas api-oximadas. No tenho a certeza absoluta das datas, mas a dilrerei-ena deve ser pequena. Oeii-as (6 a 10 de Agosto), Arcos de Val de Vez (Coutada) (14 a 25 de Agosto), Granja (251, Leiria (Varzea) (26), Oeiras-Lisboa (27 a 30 de Agosto), Algarve (31 de Agosto a 3 de Setembro), Oeiras (4 e 5 de Setembro). Embarquei em Lisboa a 5 de Setembro no Feldmarschalln com destino a Loureno Marques. Fizemos as seguintes escalas: 9 e 10 de Sctembro. em Napoles; 20, cm Aden; 27 em Tanger; 28 e 29 em Da~es-Salaarn; 30 de Sctembro

  • e 1 e 2 de Outubro, em Zanzibai; a 4 em Mo~ambique: a 7, na Beira. No desembarquei em Port-Said, em Suez, em Mombassa, nem no Chinde. Chegmos a Loureno Marques a 10 d'Outubi-o. N'esse ano no tornei a sair de L. M.

    Aguardava-o a seu pai que na altura no estaria a ocupar fun- es de administrador florestal ou actividade afim com as suas habilitaes tcnicas. intrigante uma nota de Pedro Gaivo pela qual ficamos a saber que os seus primeiros tempos em Moam- bique no foram desafogados e chegou mesmo a viver com o pai num Farol!.. .

    As exigncias de uma vida pi-ofissional que lhe possibilitasse a sobrevivncia levaram-no a confessar com data de 8 de Janeiro de 1904, .ltima entrada,, no quarto caderno: Neste rnornento tenho ocupao a rm~is para fazer registos reg~~lar,?zente da r?zinlza vida no diatio. Para fazer face a essa escassez de tempo, coinprei unza cpuensa copiadora,, 20 e OS materiais adjacentes paya fazer cpia das cartas nzais longas. Dessa fornza nzaiztenlzo L L I ? ~ ~ espcie de didrio se197 que 17ze d denzasiado trabalho. De salientar a atraco constante e intrnseca ao seu temperamento pelas novidades tecnolgicas - importante ter em conta que estamos em plena segunda vaga de industrializao includa na conjuntura internacional do imperia- lismo, entre 1870-1918 - e a tendncia quase compulsiva para a epistologralia e gneros de informaoicomunicao correlativos. Ao longo de sua vida manteve e apurou este trao psicolgico, redi- gindo imensas cartas, memorandos, ordens de servio para funcio- nrios e servidores, como era o caso dos feitores de sua Quinta da Coutada, em Giela, Arcos de Valdevez.

    Apesar das eventuais dificuldades iniciais acabou por alcanar, como j se disse, uma prspera carreira comercial como scio da Breyner & Wii-th, empresa de navegao e representaes comer- ciais fundada, em 1898, por D. Francisco de Mel10 Breyner, 3." Conde de Mafra e Fritz Otto Wirth, como se pode ver nas memrias de Teodorico Sacadura Botte publicadas em 1987 2' e onde expressa-

    " Mecanismo que deu origem ao chamado policopiadoi- muito usado at ao aparecimento das fotocopiadoras nos anos sessenta.

    " Ver B~TTE, Theadoro Cesar de Sande Paclieco de Sacadura - hleri,rir

  • mente dito que o alenzo era, sei?? dvida, o crebro coi?zercial e filzanceiro, o lzor?zer~z que tinha a viso dos izegcios, nzas faltava-lhe o prestgio e o
  • natui-almente egocentrado, o Autor privilegia o relato cir- cunstanciado de suas deslocaes e ocupaes, embora, aps a leitura do livro de A. von Gersdorff, tenha sentido necessidade de alterar a sua narrativa numa inflexo mais intimista e dialgica.

    4. Marcados por uma obsessiva preocupao com o rigor que detalhes, como a iridica~ao ao minuto da hora de partida ou chegada do con~boio a determinadas localidades, deixam bem vincados, os Tngebttcheu de Pedi-o Gaivo constituem uma interessante .fonte para o trabalho bistoriogrfico e para a hermeilutica porque se, por um lado, parecem ofe- recer

  • Separata do lima PORTUGAL - ALEMANHA BRASIL Actas do VI Encontro Luso-Alemo

    Volume I