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Um dia no centro de reabilitação de vício em internet mais barra pesada da China JAMIE FULLERTON DA VICE 12/08/2015 02h00 Mais opções [1] Uma hora depois de entrar como paciente no campo de reabilitação de vício em internet mais rígido da China, a Base de Desenvolvimento Mental para Jovens Chineses, uma obstinada enfermeira me levou para um teste cerebral de eletroencefalografia (EEG). Ela ajeitou um chapéu de borracha com eletrodos gelados no meu couro cabeludo. "O resultado mostrará quão animado ou deprimido o seu cérebro está", ela me disse. "Conseguimos verificar se falta sangue ou oxigênio no cérebro. Ou se ele está fatigado." Segundo a enfermeira, a maioria das pessoas tem uma leve depressão; apenas algumas apresentam quadro grave. "Agora feche os olhos e não fale." Pouco depois, um instrutor de camisa militar retirou meus itens pessoais. Ele e um ajudante me mandaram completar a avaliação psicológica computadorizada. O processo, disseram, ajuda a determinar se estou deprimido. As perguntas variaram de capacidade sexual à apetite; por fim, questionaram se eu tinha vontade de acabar com a própria vida. Parecia com as conversas que já tive às 4 da madrugada com amigos - só que no formato de quiz em uma sala administrativa austera no sul de Pequim. Os sons de clique do meu mouse são mascarados pelo ruído da algazarra de jovens pacientes que entram e saem dos dormitórios vizinhos. A maioria trancou um ano de escola para passar seis meses no complexo do centro. Os ares são de penitenciária. O objetivo é que todos os pacientes saiam curados do vício em internet, que é reconhecido como transtorno mental na China. (O transtorno de vício em Internet, ou TVI, ainda não foi catalogado no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana, o manual padrão de diagnóstico psiquiátrico do Ocidente, atualizado pela última vez em 2013.) Segundo estimativas

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Page 1: Um Dia No Centro de Reabilitação de Vício Em Internet Mais Barra Pesada Da China - 12-08-2015 - Vice - Folha de S

Um dia no centro de reabilitação de vício eminternet mais barra pesada da China

JAMIE FULLERTON DA VICE

12/08/2015 02h00

Mais opções[1]

Uma hora depois de entrar como paciente no campo de reabilitação de vício eminternet mais rígido da China, a Base de Desenvolvimento Mental para JovensChineses, uma obstinada enfermeira me levou para um teste cerebral deeletroencefalografia (EEG). Ela ajeitou um chapéu de borracha com eletrodos geladosno meu couro cabeludo.

"O resultado mostrará quão animado ou deprimido o seu cérebro está", ela me disse."Conseguimos verificar se falta sangue ou oxigênio no cérebro. Ou se ele estáfatigado." Segundo a enfermeira, a maioria das pessoas tem uma leve depressão;apenas algumas apresentam quadro grave. "Agora feche os olhos e não fale."

Pouco depois, um instrutor de camisa militar retirou meus itens pessoais. Ele e umajudante me mandaram completar a avaliação psicológica computadorizada. Oprocesso, disseram, ajuda a determinar se estou deprimido. As perguntas variaram decapacidade sexual à apetite; por fim, questionaram se eu tinha vontade de acabar coma própria vida. Parecia com as conversas que já tive às 4 da madrugada com amigos -só que no formato de quiz em uma sala administrativa austera no sul de Pequim.

Os sons de clique do meu mouse são mascarados pelo ruído da algazarra de jovenspacientes que entram e saem dos dormitórios vizinhos. A maioria trancou um ano deescola para passar seis meses no complexo do centro. Os ares são de penitenciária.

O objetivo é que todos os pacientes saiam curados do vício em internet, que éreconhecido como transtorno mental na China. (O transtorno de vício em Internet, ouTVI, ainda não foi catalogado no Manual de Diagnóstico e Estatística dos TranstornosMentais da Associação Psiquiátrica Americana, o manual padrão de diagnósticopsiquiátrico do Ocidente, atualizado pela última vez em 2013.) Segundo estimativas

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do governo, 24 milhões de jovens sofrem de TVI na China.

Giulia Marchi/Vice

O barulho da base dificulta a concentração para mentalizar pensamentos felizesdurante um exame EEG de rotina

O paciente médio tem 17 anos de idade. Tal faixa-etária torna a atmosfera turbulenta.A escadaria de saída está bloqueada por uma porta enorme, trancada a cadeado. Osassuntos e objetivos são variados. Conforme descobri durante a minha visita numaquarta-feira recente, a base também é usada para "curar" pacientes homossexuais desua sexualidade.

O professor Tao Ran, antigo coronel do Exército de Libertação Popular e comandanteda base, prometeu fazer da minha experiência como paciente a mais realista possível.A enfermeira cumpriu a ordem e me entregou uma impressão dos resultados dos testescerebrais de EEG. Determinadas características fisiológicas do cérebro são associadas àdepressão, e o plano é usar esses dados junto do meu teste psiquiátrico para avaliarminha saúde mental.

Fui conduzido ao refeitório da escola para encher uma bandeja de metal com umamontanha de arroz e vegetais oleosos. Sentei-me ao lado de três pacientesadolescentes tímidos e risonhos.

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"É a terceira vez que ele vem para cá", disse um paciente ao meu lado, apontando parao colega em frente. Segundo a administração do local, a taxa de sucesso de cura doprocesso é de 85-90% na base, mas a estatística ainda não foi verificada. "Sofro de umadepressão grave", respondeu o amigo do paciente quando perguntei por que ele haviaretornado tantas vezes. "Por que estou deprimido? Não sei. Estou aqui há um ano, nototal."

A base abrigava em torno de 55 pacientes no período da minha visita. Foi estabelecidaem 2003 - cinco anos depois, em 2008, a China foi o primeiro país a listar o TVI como

transtorno mental[2]. Sintomas reconhecidos incluem usar a internet por mais de seishoras por dia e ficar ansioso offline ou durante quedas de energia.

Giulia Marchi/Vice

O autor com a corda toda na hora do apito das 6h30 da manhã

Os pacientes, cuja maioria é masculina, vestiam garbo militar e realizavam tarefas eexercícios típicos de exército do toque de despertar, às 6h30 da manhã, até apagaremas luzes, às 21h30. Instrutores os mantinham na linha enquanto palestrantes,médicos, psiquiatras e enfermeiras administravam aulas anti-internet, sessões deaconselhamento e medicamentos. Tao disse que a maioria dos pacientes sofre dedepressão clínica, mas se recusou a divulgar que remédios aplica.

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Um documentário de 2014, gravado na base[3], retratou uma experiência miserável,típica de prisioneiros, entre os pacientes. O que o filme não revelou foi a atividadeparalela de tentar "corrigir" a sexualidade de pacientes gays. Tao me contou que,quando um paciente comenta que não está certo de sua sexualidade, passa por aulaspró-heterossexualidade e é encorajado a refletir sobre os aspectos positivos de setornar hétero, como ter filhos.

Quando questionei a visão de Tao e de sua alegação de que há uma diferença entre ser"biologicamente" e "mentalmente" gay, ele disse que ser gay vai contra a culturachinesa tradicional.

O governo chinês tem dado grandes saltos para promover igualdade aos homossexuaisna China. As autoridades trabalham mais próximo do que nunca da comunidade gay ede líderes industriais para promover questões de saúde sexual. Mas visõeshomofóbicas ainda se encontram enraizadas nas famílias chinesas.

Tao não tentou ocultar suas visões. Ele pareceu não entender por que eu queriaquestionar o dano psicológico causado ao forçar a heterossexualidade para umindivíduo gay confuso, inseguro ou vulnerável. Tao insistiu que não tenta "curar"pacientes que estão certos de que são gays.

Ele ficou ansioso para mudar de assunto depois que percebeu minha preocupação como tratamento. Disse que esperava me oferecer um vislumbre da vida na base. Mostrariaum lado diferente daquele retratado no documentário, afirmou.

Equipamentos como o scanner de EEG não são baratos, então o tratamento aqui, claro,é caro: custa 9.300 yuans (5.350 reais), além da comida e as contas de medicamentos.Muitos parentes levados ao desespero pela obsessão de seus filhos dizem que é aúltima esperança. Antes de entrar na base, Tao me contou que a maioria dos pacientescultivava relações fragmentadas com os pais por causa de negligência emocional oudas agendas de trabalho cheias dos responsáveis. Eles se voltaram para a internet atrásde interação social.

Giulia Marchi/Vice

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Horário livre para esportes na Base de Desenvolvimento Mental para JovensChineses

Muitos eram obcecados por videogames. Jogavam durante dias a fio antes de seremenviados à base. "Os dois jogos mais populares entre os pacientes são League ofLegends e World of Warcraft", disse Tao, que passa uma impressão de figura gentil eamigável, apesar da reputação de seu trabalho. "Alguns garotos são tão viciados queusam fraldas para evitar ter que parar de jogar e ir ao banheiro. Os pais se perguntampor que os adolescentes estão comprando fraldas."

O paciente mais novo a entrar no centro tinha nove anos. "Quando era bebê, ele sóparava de chorar quando tinha um iPad em frente", contou. "O iPad era praticamentesua babá, ficava ao lado dele de manhã até de noite. Então, quando ele entrou naescola, aos seis anos, não conseguia focar no trabalho, tinha TDAH."

Depois do almoço, todos marchamos - sim, literalmente! - de volta à área dosdormitórios. Encostados na parede do corredor, formamos uma fila. Bateu o sinal das14h, e o período de descanso começou.

Preocupado por meu bate-papo do almoço não ter virado uma conversa pró-base, uminstrutor me conduziu até um quarto semelhante a uma cela, longe dos dormitórios dequatro beliches. Disseram que era porque eu estava acompanhado de uma fotógrafamulher e, no período de descanso, os pacientes masculinos circulam de cueca.

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Quando todo mundo estava vestido novamente, permitiram minha presença na áreados dormitórios. Um paciente de 18 anos de idade da província de Hebei me mostroucomo dobrar um edredom com precisão militar. Ele me contou que se viciou em gamesporque seus pais passavam muito tempo fora de casa. Seu consolo eram os jogos.

"Minhas notas pioraram cada vez mais, acabei cabulando aula, e aí parei de ir àescola", disse. "Perdi todas as minhas funções sociais e tentei cometer suicídio." Antesde ser enviado à base, ele me contou, costumava flertar com o suicídio. Pensava em sedeitar numa linha de trem ou saltar de um prédio alto.

Ele discorreu sobre como está "satisfeito" com a base e como a equipe é "muitoresponsável". Também me contou da vez em que um instrutor atou suas mãos e péspara contê-lo quando, no dia da chegada, teve um chilique. Mais tarde, vi um membroda equipe socar um paciente malcriado no peito.

Outro paciente, de 16 anos, da província de Hunan, no sul da China, contou quecostumava passar dias inteiros em cafés com internet jogando "Counter-Strike". Abase, diz, "corrigiu alguns hábitos ruins, minha compreensão da internet, bem comominha mentalidade". Depois de conversar comigo, ele passou meia hora brincandocom dois brinquedos semelhantes ao cubo de Rubik. "Fiquei mais sensato e maduro."

Após mais uma fila de inspeção no corredor, marchamos até o pátio no horário livrepara esportes. É um período de recesso. Aproximei-me de alguns pacientes com ademonstração da minha única habilidade matadora de basquete, que consiste em sermais alto que todo mundo do pátio. Alguns pais sassaricavam ao redor das áreasesportivas - eles são encorajados a permanecer no local e se disponibilizar parasessões de aconselhamento com os filhos.

O espaço aberto também permite conversas breves longe da orelha alerta do instrutor.

Giulia Marchi/Vice

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Centro de Reabilitação de Vício em Internet na China; o autor, no centro, marchacom os pacientes

"Se você ficar bastante tempo aqui, vai ver que é uma lavagem cerebral", disse um dospacientes, com quem eu havia conversado antes sob supervisão. Ele me perguntou seeu sabia por que me chamaram para conhecer a base numa quarta-feira quando aagenda, segundo o paciente, é menos rígida do que nos demais dias.

"Por quê?", perguntei.

"É que às quartas-feiras menos pessoas se rebelam", disse.

Outro paciente, magro e tímido, deu a entender que pode haver mais - ou menos -história na suposta alta taxa de "cura" que Tao declara.

"Minha primeira vez aqui foi por vício em internet", me contou. Sua voz quase não eraaudível, e suas mãos tremiam. "A segunda vez foi por problemas com casos amorosos.Cresci na casa da minha vizinha, então eu nutria um forte desejo por seu amor. Odesejo é transferido para mulheres mais velhas que eu. Tenho uma queda por umapsiquiatra daqui."

Marchamos de volta aos dormitórios, onde, sentado em um beliche, continuei aconversar com o paciente tímido. Logo ele foi içado para fora do quarto por uminspetor, que passou pelo beliche e notou que ele conversava comigo. A atmosferaficou tensa na hora. Levei uma bronca pela conversa "não autorizada", e o inspetorameaçou confiscar o equipamento da fotógrafa. Havíamos planejado passar a noite nabase, mas decidimos então que seria um bom momento para ir embora e dizer aoinspetor que estávamos de saída.

Meus pertences foram levados e fiquei retido no painel de metal fechado a cadeadoque bloqueava a escadaria de saída. O pedido de devolução das minhas coisas foi

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negado. Passou-se uma hora e muitas negociações absurdas até devolverem os meusbens. O cadeado da porta de saída foi removido e fui embora ainda vestindo camisetade camuflagem.

Mesmo se eu tivesse ficado os dois dias programados, minha experiência, claro, nãoteria oferecido mais do que um vislumbre, um piscar de olhos sobre a vida comopaciente na Base de Desenvolvimento Mental para Jovens Chineses. Fui privado daspalestras e, segundo relatos, sessões de exercício mais punk, que ocorrem em outrosdias da semana. Ainda assim, foi um panorama parcial intrigante de uma dasinstalações mais controversas da China.

E mesmo se a declaração da taxa de sucesso em 85-90% for papo furado, ser privado aforça de vícios durante seis meses, com a ameaça de renovação de estadia por relapso,é um método que poderia endireitar a maioria dos vícios. Especialmente um vício quenão tem componente químico, apesar da descrição de Tao da internet como "heroínaelétrica".

Não se sabe quantos pacientes são enviados à base múltiplas vezes, mas o fato de umaquantidade significativa ser aceita repetidamente é preocupante. Quantas sessões deseis meses será que eles podem passar fora do sistema escolar entre os altos muros docomplexo antes que decidam que a base talvez não esteja funcionando para eles? Issoestá acontecendo porque todas as outras opções de tratamento foram exauridasmesmo? Quando relações familiares se desintegram, será que alguns pais ausentesacabam usando a base como ponto convenientes de depósito de adolescentes? (O queos olhos não vêem o coração não teme.)

Infelizmente, meu dia como paciente na Base de Desenvolvimento Mental para JovensChineses levantou mais questões do que repostas.

Ganhei a impressão de um teste cerebral de souvenir. Felizmente, a enfermeira queconduziu minha EEG havia me contado que as impressões não sugeriam condiçõesmentais negativas, apesar de mostrarem uma ligeira falta de oxigênio em umquadrante do meu cérebro. Vai saber o que os resultados dos testes psiquiátricosrevelaram - não pretendo voltar para retirá-los.

Tradução de Stephanie Fernandes

Leia no site da Vice: Um Dia no Centro de Reabilitação de Vício em Internet Mais

Barra Pesada da China[4]

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1. javascript:;

2. http://www.theguardian.com/news/blog/2008/nov/11/china-internet

3. http://motherboard.vice.com/read/inside-a-chinese-internet-addiction-rehab-center

4. http://motherboard.vice.com/pt_br/read/um-dia-no-centro-de-reabilitacao-de-vicio-em-internet-mais-barra-pesada-da-china

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