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Um caso carioca de gentrificação? Mayra Mosciaro 1 Mestranda em Urbanismo no PROURB Colaboradora do projeto de pesquisa Tecnologia, Planejamento e Território (IPPUR) PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES As cidades contemporâneas têm sido palco de uma série de processos sociais, econômicos e políticos, nas mais diversas escalas. Com a globalização, mencionada aqui sem que haja qualquer juízo de valor sobre os seus reflexos, ora vistos como positivos, ora como negativos, tais processos se espalharam por uma diversidade de cidades e por uma pluralidade de contextos urbanos pelo mundo. Mas, como já foi extensamente debatido por diversos estudiosos, a globalização não produz a homogeneização dos espaços e das práticas humanas, uma vez que os modos de vida e tradições locais sempre acabam por influenciá-los e contextualizá-los, re-adaptando-os à realidade local. Pensando dessa maneira, o objetivo deste trabalho é analisar se há elementos que sustentem a suposição de que há a ocorrência de um processo de gentrificação no Centro do Rio do Janeiro, mais especificamente no bairro da Lapa. Partindo da análise desse fenômeno, caracterizado pela revitalização e re- atração da classe média para uma determinada área antes ocupada por uma população mais pobre, em diversas outras cidades no mundo, buscarei compreender quais seriam as suas particularidades no caso carioca. PRIMEIROS QUESTIONAMENTOS SOBRE GENTRIFICAÇÃO Nos anos denominados pós-guerra, houve nos Estados Unidos algo que Neil Smith (1991) classificou como “antiurbanismo norte americano”, momento no qual as cidades passam a ser vistas e retratadas como locus da pobreza, 1 [email protected] 1

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  • Um caso carioca de gentrificao?

    Mayra Mosciaro1

    Mestranda em Urbanismo no PROURBColaboradora do projeto de pesquisa Tecnologia, Planejamento e Territrio (IPPUR)

    PRIMEIRAS CONSIDERAES

    As cidades contemporneas tm sido palco de uma srie de processos

    sociais, econmicos e polticos, nas mais diversas escalas. Com a globalizao,

    mencionada aqui sem que haja qualquer juzo de valor sobre os seus reflexos, ora

    vistos como positivos, ora como negativos, tais processos se espalharam por uma

    diversidade de cidades e por uma pluralidade de contextos urbanos pelo mundo.

    Mas, como j foi extensamente debatido por diversos estudiosos, a globalizao

    no produz a homogeneizao dos espaos e das prticas humanas, uma vez que

    os modos de vida e tradies locais sempre acabam por influenci-los e

    contextualiz-los, re-adaptando-os realidade local.

    Pensando dessa maneira, o objetivo deste trabalho analisar se h

    elementos que sustentem a suposio de que h a ocorrncia de um processo de

    gentrificao no Centro do Rio do Janeiro, mais especificamente no bairro da

    Lapa. Partindo da anlise desse fenmeno, caracterizado pela revitalizao e re-

    atrao da classe mdia para uma determinada rea antes ocupada por uma

    populao mais pobre, em diversas outras cidades no mundo, buscarei

    compreender quais seriam as suas particularidades no caso carioca.

    PRIMEIROS QUESTIONAMENTOS SOBRE GENTRIFICAO

    Nos anos denominados ps-guerra, houve nos Estados Unidos algo que Neil

    Smith (1991) classificou como antiurbanismo norte americano, momento no qual

    as cidades passam a ser vistas e retratadas como locus da pobreza,

    1 [email protected]

    1

  • criminalidade, drogas, corrupo... Nesse contexto de desvalorizao do ambiente

    urbano, se consolida o clssico processo de suburbanizao das cidades

    estadunidenses. As inner-cities ficam reservadas para as camadas menos

    abastadas da sociedade, aquelas excludas do american dream ou american

    way of life.

    No final da dcada de 60 e, de maneira mais intensa, a partir da dcada de

    70, as grandes cidades norte-americanas voltam a se tornar ponto de atrao das

    classes mdia e alta. Alguns autores, como o j mencionado Neil Smith

    (HAMNET, 1991), argumentam que esse fenmeno o reflexo espacial de algo

    muito mais complexo, como a nova diviso do trabalho e a emergncia de cidades

    globais. J estudiosos como David Ley (HAMNET, 1991, p. 177) indicam o

    crescimento e a consolidao de um novo grupo social, os whilte-collars2, como

    forte acelerador dos processos de gentrificao. Na perspectiva de Ley, esses

    cidados teriam fora para impor no mercado imobilirio seus interesses, como o

    de residir nas reas centrais.

    As inner-cities se tornam o playground desse novo grupo social, que inicia

    seu processo de remodelao dessas reas adequando-as aos seus interesses e

    desejos. Esse fenmeno se torna muito visvel em cidades como Nova York

    extensamente analisada pelos trabalhos de SMITH (1991), DEUTSCHE & RYAN

    (1984) , Vancouver (LEY, 1986), Baltimore (HARVEY, 2005), dentre muita outras.

    Com o intuito de dar um nome a esse processo de reformulao de alguns bairros,

    passa-se a anunci-lo, nos jornais e no meio acadmico, como um retorno da

    gentry3 cidade, e a partir da nasce o termo gentrification, posteriormente

    aportuguesado para gentrificao.

    Desde o surgimento deste conceito, muitos foram os autores que buscaram

    compreender sobre o que se tratava o processo de gentrificao e como ele 2 O conceito de white-collars nasce nas ltimas dcadas do sculo XX para determinar os funcionrios relacionados ao crescente setor de servios. A consolidao desse grupo se d em oposio a diminuio dos trabalhadores blue-collars, provenientes do setor manufatureiro. 3 Pessoas de alta classe social, especialmente no passado. Dicionrio Cambridge International, 1995, p. 589. Pessoa educada e de boa criao na Inglaterra, aqueles entre os nobres e os pequenos proprietrios rurais. Dicionrio Webster Online.

    2

  • poderia ser percebido nas cidades. Uma das definies mais completas e

    abrangentes a de Chris Hamnet,

    [A gentrificao um] fenmeno simultaneamente fsico, econmico, social e cultural. Gentrificao comumente envolve a invaso da classe mdia ou grupos de alto poder aquisitivo em reas previamente ocupadas pelas classes trabalhadoras. [...] Envolve a renovao ou reabilitao fsica do que era, freqentemente, uma habitao altamente deteriorada e seu melhoramento para ir de encontro com as requisies dos novos proprietrios. (Hamnett apud Hamnett, 1991, p. 175) 4

    No contexto internacional, h mais de trs dcadas tm sido analisados os

    reflexos e os diferentes processos que resultam na gentrificao de bairros

    prximos a reas centrais das grandes cidades. Mas, ao se pensar o Brasil e,

    especificamente, a cidade do Rio de Janeiro, no ltimo quartel do sculo XX,

    nenhum bairro ou poro do Centro refletia a ocorrncia de um processo similar

    ao descrito por Hamnet. Por esse motivo, os questionamentos sobre gentrificao,

    re-atrao para reas centrais, substituio dos grupos mais pobres pelos mais

    ricos etc., no foram temas extensamente debatidos. Alm do que, a realidade das

    nossas cidades apresentava, e ainda apresenta, processos de excluso e

    segregao muito mais visveis e alarmantes, e demandava muito da ateno do

    meio acadmico, que acabava por negligenciar processos ainda incipientes ou

    pouco representativos.

    O BAIRRO DA LAPA

    4 Todos os trechos em lngua estrangeira foram traduzidos livremente.

    3

  • A rea conhecida popularmente como bairro da Lapa5 nada mais do que

    uma poro do bairro do Centro. Com base na compreenso de Marcelo Lopes de

    Souza sobre o que seriam os bairros e como eles se constituem no imaginrio dos

    habitantes das cidades, a Lapa poderia ser includa nessa categoria, visto que:

    [os bairros so] Pedaos de realidade social que possuem uma identidade mais ou menos inconfundvel para todo um coletivo; o bairro possui uma identidade intersubjetivamente aceita pelos seus moradores e pelos moradores dos outros bairros [...] A delimitao destes [bairros] dificultada pela inexistncia de limites claros, inquestionveis [...] As pessoas demarcam seus bairros, a partir de marcos referenciais [...]. (SOUZA, 1989).

    Ainda buscando justificar a proposta de delimitao do bairro da Lapa,

    interessante mencionar a concepo do arquiteto e urbanista Carlos Nelson

    Ferreira dos Santos (1988), que percebe a delimitao de espaos dentro das

    cidades atravs de uma analogia com gradientes e tonalidades. Segundo ele, nos

    miolos, rea em que existe consenso absoluto sobre o pertencimento ao bairro, a

    cor mais intensa. J nas fronteiras, estas cores vo sendo progressivamente

    enfraquecidas, at que so substitudas por outras.

    De acordo com as leituras de ambos os autores, tanto sobre o que so os

    bairros, quanto sobre como se do as delimitaes dentro do tecido urbano,

    alguns moradores, novos e antigos, e ex-moradores do local foram entrevistados.

    A partir das suas leituras desse espao por eles vivido, foi possvel construir o

    recorte a seguir. O trecho assinalado em vermelho o que estava includo na

    maioria dos relatos, o miolo, segundo a leitura de Carlos Nelson. O polgono est

    delimitado pela Rua dos Arcos (direita) at a Praa da Cruz Vermelha (esquerda),

    sendo balizada pela Rua Mem de S e Avenida Chile.

    5 Ao longo de todo o texto a rea da Lapa ser denominada bairro da Lapa, assim como faz grande parte da populao carioca, independente da inexistncia administrativa desse recorte.

    4

  • Ilustrao 1: Delimitao do "bairro da Lapa" (Fonte: MOSCIARO, M. 2009).

    Este artigo no tem o propsito de realizar uma anlise histrica sobre os

    diferentes processos de valorizao e decadncia que essa poro do centro da

    cidade sofreu ao longo dos ltimos sculos. Por este motivo, irei apenas focar nas

    dcadas finais do sculo XX que serviram de base para o processo a ser

    investigado.

    A partir da dcada de 80, a localidade da Lapa volta a se tornar foco de

    algumas aes governamentais, como as implementadas pelo governo Brizola, ou

    como a transferncia do Circo Voador para a Lapa e a no demolio do prdio da

    Fundio Progresso, que representaram as bases para o que futuramente seria

    chamado de processo de revitalizao da Lapa. Com o sucesso dessas primeiras

    5

  • iniciativas, os investidores privados tambm voltaram sua ateno para esta rea,

    e novos bares, casas de show e teatros comearam a surgir.

    Diante dessa nova realidade, a Lapa se torna um local freqentado por

    moradores dos mais diversos bairros da cidade e at mesmo por turistas nacionais

    e internacionais. Inicia-se um processo de re-atrao para essa rea do Centro,

    que passa a oferecer opes de negcios, empregos qualificados, lazer e

    entretenimento. Mas, at esse momento, anos 80/90, a populao apenas

    freqentava o local para divertimento ou trabalho, retornando depois aos seus

    bairros de origem.

    H, portanto, a hiptese de que, primeiro, houve uma gentrificao dos

    servios. Mas, por duas razes, no entrarei a fundo nessa questo. Em primeiro

    lugar, no abordarei especificamente a anlise da gentrificao dos comrcios e

    servios, j que meu foco principal a gentrificao habitacional. E, em segundo

    lugar, questionvel a utilizao do termo gentrificao nesse caso, j que grande

    parte dos imveis da rea se encontravam fechados ou subutilizados, ou seja, no

    houve um processo de substituio de servios, mas sim a chegada de novos

    empreendimentos que se aproveitaram dos espaos vazios.

    Com finalidade ilustrativa, alguns empreendimentos recm construdos

    podem ser apontados como smbolo desse processo de revitalizao e, posterior,

    gentrificao da Lapa. Na categoria de prdios de negcios ou instituies

    pblicas, o mais expressivo, atualmente, so as torres do Ventura Corporate

    Towers, construdas na Avenida Chile, para abrigar o BNDES e a Petrobras. J

    dentre os novos lanamentos residenciais, o grande chamariz o condomnio

    Cores da Lapa, seguido pelo edifcio Viva Lapa. Tambm no se pode

    esquecer dos retrofits6, que apesar de no representarem novas edificaes, so

    uma reformulao dos antigos casarios feita para atender s novas demandas,

    tanto comerciais quanto habitacionais.

    6 O termo retrofit nasce para definir aquelas obras que preservam as fachadas dos prdios e casas, mas alteram todo o seu interior.

    6

  • Ilustrao 2: Empreendimentos smbolo da "nova Lapa", Ventura Towers, Viva a Lapa e Cores da Lapa

    AS BASES PARA A COMPREENSO DA GENTRIFICAO NA LAPA

    Um elemento de fundamental importncia quando se pretende identificar um

    caso de gentrificao que haja a presena dos elementos denominados como

    gentrifiers, os agentes desse processo. Esse grupo pode ser composto tanto pelos

    recm atrados moradores, como pelos investidores que fornecem as bases para a

    reproduo desse grupo. At este momento, foi possvel iniciar uma compreenso

    sobre quem so os novos moradores dessa rea e alguns dos elementos que os

    atraram para o bairro. Mas em relao aos produtores imobilirios e

    investidores, ainda no foi possvel traar um perfil dos seus interesses e

    motivaes no caso da cidade do Rio.

    Metodologicamente, optou-se por dividir os moradores da Lapa segundo

    duas categorias: os moradores tradicionais, que habitavam a Lapa muito antes de

    todo esse processo de revitalizao; e os gentrifiers, aqui identificados como todos

    os moradores que chegaram ao bairro aps a implementao das iniciativas de

    re-atrao para o local, fossem eles residentes ou no nos novos

    empreendimentos.

    7

  • Na grupo de moradoras entrevistadas do bairro, quatro nasceram no bairro

    da Lapa, nas dcadas de 70 e 80. Duas delas ainda residem na Lapa e as outras

    duas se mudaram para outros bairros da cidade. Atravs do discurso delas foi

    possvel compreender que a opo pelo local era produto de razes scio-afetivas

    com aquele espao, uma vez que suas famlias j residiam no local h muitas

    geraes. A existncia desses moradores, provenientes da classe mdia,

    comumente esquecida quando se pensa nos habitantes da Lapa, freqentemente

    associados malandragem, a boemia e a grupos socialmente marginalizados.

    O trabalho de Rosalinda Costa demonstra a dualidade da Lapa, que abrigava

    essas duas imagens em constante conflito, a boemia e a famlia,

    [...] Em torno de 1910 - 1940, duas identidades foram espacialmente construdas. Uma, de bairro da boemia. Outra, de bairro residencial familiar. A primeira dominou o imaginrio coletivo da cidade do Rio de Janeiro. A segunda, como imagem de uma identidade espacial, ficou sufocada pela primeira. Tanto que a Lapa familiar da qual sempre ouvamos falar em criana, no correspondia, inteiramente, Lapa sobre a qual todas as gentes falavam. Pois a Lapa desse perodo ficara, na histria da cidade, conhecida e reconhecida como o bairro da boemia. (COSTA, 1993, p.4)

    Esse relato de Rosalinda Costa aliado ao depoimento das pessoas

    entrevistadas serve para corroborar com a idia de que no bairro da Lapa,

    independente de qualquer imaginrio de malandragem, vcios e prostituio se

    sobrepem ao carter residencial do local. A partir da, j se torna possvel realizar

    uma comparao entre reas gentrificveis nos EUA, caracterizadas por Robert

    Beauregard, como:

    As vizinhanas para serem gentrificadas so locais deteriorados e ocupados por classe baixa ou mdia-baixa, geralmente, composta por pessoas idosas. Essas reas residenciais esto localizadas prximas ao CBD Central Buisness District e, costumam possuir amenidades particulares como a vista da cidade, acesso a

    8

  • parques ou locais de significncia histrica. (BEAUREGARD, 1986, p. 37).

    E o caso canadense, especificamente na cidade de Vancouver, citada por

    David Ley,

    Uma caracterstica distintiva [do centro] das cidades canadenses a ausncia de grandes externalidades negativas, a contnua presena de uma substancial classe mdia, recorrentes investimentos do setor privado no ambiente construdo (Goldberg and Mercer apud David Ley, 1986, pp.522).

    O caso da Lapa apresenta uma terceira possibilidade de interpretao, j

    que existe uma contnua presena de membros da classe mdia, mas que se

    torna invisvel frente aos esteritipos associados Lapa. No entanto, por muitas

    dcadas, tanto o setor pblico quanto o privado negligenciou essa poro do

    Centro, permitindo um significativo processo de degradao e abandono.

    Mas, mais do que determinar quem so os antigos moradores do bairro,

    de fundamental importncia que se conheam quem so, e o que pretendem, os

    novos moradores da Lapa. Neste estgio da pesquisa, ainda no foi possvel

    entrevistar um grande nmero desses gentrificadores, mas mesmo com poucos

    questionrios j foi possvel identificar algumas similaridades entre eles e suas

    motivaes, assim como singularidades em comparao com casos estrangeiros.

    Os moradores entrevistados foram solicitados para eleger de 0 a 5 os motivos que

    mais o atraram para a Lapa, sendo 5 a razo mais importante.

    9

  • Grfico 1: Fatores que atraram os gentrificadores Lapa. (Fonte: MOSCIARO, M. 2009)

    Dois fatores no esto presentes no grfico porque no foram escolhidos por

    nenhum dos entrevistados: possibilidade de adquirir o primeiro imvel e boa

    localizao para quem est no Rio de Janeiro apenas a negcios. A partir dessas

    informaes j se torna possvel traar um breve perfil sobre esses gentrifiers da

    Lapa e coloc-os em contraposio com o esteritipo criado por Smith & Willams

    (1986).

    Atravs do texto dos estudiosos norte-americanos, possvel identificar

    razes como: incapacidade de adquirir imveis nos subrbios, devido aos seus

    elevados preos, fazendo-os buscar por opes alternativas; proximidade com o

    trabalho, no gastando longos perodos de tempo no trajeto casa-trabalho; e a

    consolidao de um novo grupo social, composto por jovens, casados ou no,

    mas, geralmente, sem filhos. Por meio da conversa com os gentrificadores

    cariocas foi possvel perceber que a questo da idade um ponto em comum com

    os norte-americanos; assim como a necessidade de estar perto do trabalho e de

    opes de lazer se encontra presente nas respostas de todos os entrevistados,

    como pode ser observado no grfico.

    10

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    A.S. K.M. T.G. T.R. D.M.

    Facilidade de acessoProximidade do trabalhoProximidade com opoes de lazerValor do imvel compatvel com as necessidadesImveis mais adequados s necessidadesPossibilidade de unir alto padro de imveis com a proximidade do centro

  • Um outro elemento fundamental para a ocorrncia de um processo de

    gentrificao uma significativa elevao no valor do solo no bairro afetado. A

    progressiva atrao de membros das camadas mais abastadas da sociedade e

    dos servios relacionados s demandas desse grupo produzem um encarecimento

    dos imveis para venda e locao, fator impulsionador da remoo dos grupos

    mais pobres.

    O caderno Morar Bem, publicado aos domingos no jornal O Globo, fornece

    uma tabela com os valores mdios das unidades, por bairro e por nmero de

    cmodos. A partir desses dados, foi possvel realizar uma comparao entre o

    Centro e outros bairros tipicamente residenciais da cidade. Com base nessas

    informaes, no foi possvel analisar especificamente a Lapa, mas, como a

    localidade tem apresentado uma crescente atividade no setor imobilirio

    habitacional, acredita-se ela seja a maior responsvel pelos valores observados.

    O segundo grfico pretende demonstrar o valor dos imveis disponveis da

    subseo Lapa, do mesmo caderno do jornal O Globo. Um dado relevante e que

    no est evidenciado no grfico o aumento da oferta de unidades ao longo do

    perodo estudado.

    Em ambos os grficos a seguir, os dados foram coletados no perodo entre

    fevereiro de 2008 e setembro de 2009, fornecendo um recorte temporal de mais

    de um ano, facilitando a observao de possveis variaes e tendncias. Alm

    disso, as primeiras observaes foram feitas antes da entrega das chaves do

    condomnio Cores da Lapa e do prdio Viva a Lapa, que afetaram

    significativamente a oferta e os valores oferecidos no bairro.

    11

  • Valor dos imveis em diversos bairros do Rio de Janeiro

    R$ 100.000,00

    R$ 200.000,00

    R$ 300.000,00

    R$ 400.000,00

    R$ 500.000,00

    R$ 600.000,00

    R$ 700.000,00

    R$ 800.000,00

    R$ 900.000,00

    R$ 1.000.000,00

    R$ 1.100.000,00

    1 2 3

    Nmero de quartos

    Valo

    r

    Laranjeiras

    Ipanem a

    Tijuca

    Mier

    Barra da Tijuca

    Copacabana

    Centro

    Grfico 2: Valor dos imveis em alguns bairros do Rio (fev. 2008 set. 2009). (Fonte: MOSCIARO, M. 2009)

    Variao do valor dos imveis na rea da Lapa, Rio de Janeiro

    R$ 0,00

    R$ 50.000,00

    R$ 100.000,00

    R$ 150.000,00

    R$ 200.000,00

    R$ 250.000,00

    1 2 3

    Nmero de quartos

    Valo

    res

    fev/08dez/08fev/09jul/09set/09

    Grfico 3: Progresso no valor dos imveis no bairro da Lapa.

    (Fonte: MOSCIARO, M. 2009)

    12

  • A partir de estudo bibliogrfico sobre casos de gentrificao em outras

    realidades urbanas, estes trs elementos elevao do valor do solo, atrao de

    um novo grupo social e chegada de novos empreendimentos so

    constantemente utilizados para determinar a ocorrncia de casos de gentrificao.

    A possibilidade de observ-los no caso da Lapa permite que se questione sobre a

    real ocorrncia de um processo deste tipo. Mas muitas outras pesquisas e

    levantamentos precisam se desenvolver para que se possa categoricamente

    afirmar que, de fato, existe um processo de gentrificao em curso na Lapa.

    FOCOS DE TENSO

    Um ltimo aspecto, ainda no plenamente identificado na Lapa, mas que

    evidente em muitos casos de gentrificao, o choque entre os grupos sociais, os

    removidos e os gentrificadores. Em casos como o processo de gentrificao do

    Lower East Side ou do Harlem, em Nova York (Smith, 1991), h resistncia severa

    da populao local chegada desses novos grupos sociais. Muitas vezes os

    representantes das camadas menos abastadas acabam sendo incapazes de lutar

    contra todo o poder financeiro e lobby dos gentrirficadores, e passam a ser vistos

    como um mal a ser removido das cidades.

    No contexto estadunidense, os grupos apologticos da gentrificao tendem

    a associar esse fenmeno com o processo de conquista do oeste americano, a

    inner-city vista como uma nova fronteira a ser desbravada, conquistada.

    Assim como [Frederick Jackson] Turner reconheceu a existncia dos nativos americanos, mas os incluiu como parte da selvageria, o imaginrio contemporneo da fronteira urbana trata a populao presente na inner-city como um elemento natural do ambiente circundante. O termo pioneiro urbano , portanto, arrogante assim como a noo original de pioneiros que sugere que a cidade ainda no era socialmente habitada; como os nativos, a classe

    13

  • urbana trabalhadora vista como menos que social, parte do ambiente fsico (SMITH, 1991, p. xiv).

    Um discurso como esse ainda no foi identificado no caso do Rio de Janeiro,

    mas por enquanto poucos foram os discursos que abordaram essa temtica. O

    meio acadmico, em funo do seu posicionamento na maioria das vezes crtico,

    tende a repudiar comparaes e anlises desse tipo. J os grupos intimamente

    envolvidos no processo buscam consolidar no imaginrio da populao, que vive

    fora desses bairros, a idia de que a remoo dessas pessoas e sua substituio

    pela classe mdia s tende a beneficiar, no apenas o local, como toda a cidade.

    Ainda neste inicio das reflexes sobre o que pode estar ocorrendo na Lapa,

    poucos so os movimentos que tem se mostrado contrrios ao processo. Existem

    duas possibilidades para esse fato. Em primeiro lugar, os grupos contrrios a essa

    atrao de novas classes sociais para a Lapa no esto tendo voz para expor sua

    insatisfao. muito plausvel que esteja ocorrendo algum tipo de movimentao

    popular, s que ela ainda no atingiu o status de questo urbana para ser

    largamente debatida e apresentada aos moradores dos outros bairros da cidade.

    A diversidades de problemas sociais, econmicos e polticos que assolam a nossa

    cidade muito extensa, e isso dificulta que pequenas iniciativas, de magnitude

    reduzida, possam ser ouvidas.

    Outra possibilidade um real interesse de uma parcela dos moradores da

    Lapa de que esse processo se consolide. Afinal, a partir do que se ouviu de quem

    j morava na Lapa antes do processo de revitalizao, muitos desses moradores

    se assemelham e se relacionam mais com o perfil socioeconmico dos gentrifiers

    do que com os trabalhadores pobres e residentes nas casas de cmodo da Lapa.

    Esse grupo percebe a gentrificao como uma forma de elevar o status social do

    seu bairro, assim como de valorizar os seus imveis, alheios aos impactos sociais

    do processo.

    14

  • NA BUSCA POR ESCLARECIMENTOS

    Esse artigo teve como finalidade demonstrar alguns elementos que sugerem

    a ocorrncia de um processo de gentrificao na Lapa. A proposta dele no foi a

    de trazer solues, afirmar ou negar a ocorrncia desse processo, pelo contrrio,

    a inteno abrir os debates sobre o assunto para que outros pontos de vista

    possam se desenvolver e enriquecer o debate.

    Os casos internacionais so de fundamental importncia para a consolidao

    do conceito e a identificao de algumas linhas de pesquisa j bem sucedidas. No

    entanto, o mais importante para o estudo do bairro da Lapa identificar suas

    singularidades, os elementos que o fazem nico dentre as diversas reas

    gentrificadas no mundo.

    As bases para essa compreenso j foram lanadas, mas muito ainda se

    precisa questionar e muitos so os atores envolvidos a serem identificados e

    estudados. No se trata de um nico trabalho, mas de uma pluralidade deles,

    provenientes dos mais diversos campos do conhecimento, que permitiro um

    entendimento mais completo do que pode estar ocorrendo na Lapa.

    BIBLIOGRAFIA

    BEAUREGARD, Robert A. Chaos and complexity of gentrification, cap. 3 In: SMITH, N. e WILLIAMS, P. Gentrification of the city. Boston: Allen & Unwin, 1986

    COSTA, Rosalinda M. Em busca do espao perdido - A reconstruo das identidades espaciais do bairro da Lapa na cidade do Rio de Janeiro, 1993.

    Dissertao de Mestrado defendida no Programa de Ps Graduao em Geografia

    da UFRJ.

    15

  • DEUTSCHE, Rosalyn. e RYAN, Cara G. (1984) The fine art of gentrification. http://www.jstor.org/stable/778358, acessado em 23 de junho de 2010.

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