parc royal: um magazine na modernidade carioca

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL - CPDOC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS MESTRADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial para a obtenção de grau de Mestre em História, Política e Bens Culturais MARISSA GORBERG Rio de Janeiro Março 2013

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Page 1: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL - CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MESTRADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE

CARIOCA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Pesquisa e Documentação de

História Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial para a obtenção de grau

de Mestre em História, Política e Bens Culturais

MARISSA GORBERG

Rio de Janeiro

Março 2013

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Gorberg, Marissa Parc Royal : um magazine na modernidade carioca / Marissa Gorberg. – 2013. 148 f.

Dissertação (mestrado) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais.

Orientadora: Helena Bomeny. Inclui bibliografia.

1. Moda. 2. Modernidade. 3. Consumidores. 4. Comércio. 5. Comunicação. 6. Rio de Janeiro (RJ) – Usos e costumes - Séc. XIX. I. Bomeny, Helena, 1948- . II. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. III. Título. CDD – 306

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AGRADECIMENTOS

À minha família.

À Mauro Fainguelernt, companheiro.

À Professora Helena Bomeny.

A todos os Mestres com quem convivi e aprendi.

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SUMÁRIO

RESUMO, 5

LISTA DE IMAGENS, 7

APRESENTAÇÃO, 10

CAPÍTULO 1 – A INFLUÊNCIA EUROPEIA NA MODA E NOS MODOS DAS ELITES NO RIO DE JANEIRO, 14 1.1 A chegada da Corte em 1808 e a europeização dos costumes 14 1.2 Georg Simmel e a Filosofia da Moda: função distintiva, fenômeno urbano 16 1.3 A difusão da moda no Rio de Janeiro 21 1.4 As reformas urbanas na Capital da República no início do século XX 22

CAPÍTULO 2 – AU PARC ROYAL: UMA CASA PORTUGUESA, COM NOME FRANCÊS, 25

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA DA PUBLICIDADE DO PARC ROYAL: UMA PERSPECTIVA METODOLÓGICA, 42

CAPÍTULO 4 – PRÁTICAS DE COMÉRCIO DO PARC ROYAL, 55 4.1 As lojas de departamento 55 4.2 O Parc Royal: características de um modelo de varejo 59

CAPÍTULO 5 – IMAGENS E REPRESENTAÇÕES NA COMUNICAÇÃO DO PARC ROYAL, 71 5.1 Referenciais de modernidade num projeto comercial 71 5.2 Estratégias de comunicação do Parc Royal 89

CAPÍTULO 6 – CONCEPÇÕES DE GÊNERO, INDUMENTÁRIA E RITUAIS DE SOCIABILIDADE NA PUBLICIDADE DO PARC ROYAL, 102 6.1 Moda e gênero 102 6.2 O traje é o homem 103 6.3 A moda é a beleza da mulher, a mulher é a beleza da vida 111 6.4 Moda e sociabilidade 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS, 134

EPÍLOGO: EM CHAMAS, 142

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 145

Page 6: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

6

RESUMO

Este estudo versa sobre o Parc Royal, uma loja de departamentos que existiu no Rio

de Janeiro entre 1873 e 1943. A pesquisa foi delimitada por um recorte temporal que

abrange o período da belle époque (1898-1914) e os anos 1920, um período onde ocorreu

um complexo processo de transformações nas esferas da moda, do comércio, da

comunicação, das sociabilidades, em pleno curso da modernidade urbana. Vislumbramos o

objeto da presente dissertação como pretexto que permite entrever questões mais amplas,

tais como a adoção de padrões estrangeiros de civilidade, a disseminação da cultura das

aparências e do consumo de bens icônicos, a evolução da indumentária e do arquétipo

feminino. Como opção metodológica, contemplamos a análise das representações

construídas na publicidade do magazine, em anúncios publicados em diversos periódicos da

época. Sob o comando do imigrante português José Vasco Ramalho Ortigão, a atuação do

Parc Royal é analisada como um veículo para o entendimento da lógica de funcionamento

de parte da sociedade do Rio de Janeiro no início do Século XX, desvelando a adoção de

valores, usos e costumes que expressavam os interesses de um determinado grupo social.

Palavras-chave: consumo, comércio, comunicação, moda, modernidade.

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ABSTRACT

This dissertation recounts the history of the Parc Royal, a department store that

existed in Rio de Janeiro between 1873 and 1943, a time span that included the Belle

Époque (1898-1914) and the 1920s, both of which were periods of complex transformations

in style, commerce, communication and social mores. Besides examining these changes, the

object sheds light on questions such as the adoption of foreign habits of civility, the

dissemination of the culture of appearances and consumption of iconic goods and the

evolution of ideas of feminine beauty and women’s role in society. The study is based on

research of primary sources, consisting mainly of publicity material and news stories about

the store at the time. Under the guidance of its main owner, Portuguese immigrant José

Vasco Ramalho Ortigão, the picture that emerges from Parc Royal performance provides

insight into the values, habits and customs that reflect the interests of the social groups from

which the store’s customers were drawn.

Keywords: consumption, commerce, communication, fashion, modernity.

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LISTA DE IMAGENS

Fig. 1. Anúncio n’O Malho Nº 738 – Novembro 1915. p. 9.

Fig. 2. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 29.

Fig. 3. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 29.

Fig. 4. Anúncio Revista Careta Nº 72 – Outubro, 1909. p. 38.

Fig. 5. Anúncio Revista Careta Nº 146 – Março, 1911. p. 38.

Fig. 6. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 61.

Fig. 7. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 61.

Fig. 8. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 63.

Fig. 9. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 64.

Fig. 10. Coluna Notas Artísticas da Revista Fon-Fon Nº 29 – Julho, 1911. p. 65.

Fig. 11. Página de catálogo publicada na Revista Careta Nº 344 – Janeiro, 1915. p. 69.

Fig. 12. Página de catálogo publicada na Revista Fon-Fon Nº 3 – Janeiro, 1915. p. 69.

Fig. 13. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 70.

Fig. 14. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 74.

Fig. 15. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 129 – Outubro, 1919. p. 75.

Fig. 16. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 127 – Outubro, 1919. p. 76.

Fig. 17. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 124 – Setembro, 1919. p. 77.

Fig. 18. Anúncio na Revista da Semana Nº 36 – Outubro, 1918. p. 81.

Fig. 19. Anúncio na Revista Careta Nº 769 – Março, 1923. p. 83.

Fig. 20. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 87.

Fig. 21. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 93.

Fig. 22. Anúncio n’O Malho Nº 797 – Dezembro, 1917. p. 95.

Fig. 23. Capa da Revista da Semana Nº 38 – Setembro, 1922. p. 98.

Fig. 24. Capa do progama do Theatro Municipal - Temporada oficial de 1920. p. 99.

Fig. 25. Anúncio na Revista Careta Nº 357 – Abril, 1915. p. 101.

Fig. 26. Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 130 – Novembro, 1919. p. 104.

Fig. 27. Fotografia de Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ. p. 107.

Fig. 28. Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 77 – Outubro, 1918. p. 108.

Fig. 29. Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 79 – Novembro, 1918. p. 108.

Fig. 30. Anúncio na Revista da Semana Nº 19 - Junho, 1918. p. 110.

Fig. 31. Anúncio na Revista da Semana Nº 10 – Março, 1921. p. 110.

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Fig. 32. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 109 – Junho, 1919. p. 110.

Fig. 33. Anúncio n’O Malho - Nº 9 – Novembro 1902. p. 112.

Fig. 34. Anúncio na Revista Fon-Fon Nº 12 – Março, 1908. p. 113.

Fig. 35. Anúncio na Revista Careta Nº 189 – Janeiro, 1912. p. 113.

Fig. 36. Anúncio na Revista Careta Nº 254 – Abril, 1913. p. 114.

Fig. 37. Anúncio na Revista Careta Nº 205 – Maio, 1912. p. 114.

Fig. 38. Anúncio na Revista Fon Fon Nº 4 – Maio, 1908. p. 115.

Fig. 39. Anúncio na Revista Careta Nº 237 – Dezembro, 1912. p. 115.

Fig. 40. Anúncios publicados na Revista Careta entre Setembro e Novembro, 1912. p. 116.

Fig. 41. Anúncio no almanaque Eu Sei Tudo Nº 4 – Setembro, 1917. p. 118.

Fig. 42. Anúncio na Revista da Semana Nº 21 – Maio, 1921. p. 120.

Fig. 43. Anúncio na Revista da Semana Nº 25 – Junho, 1921. p. 123.

Fig. 44. Capa da Revista da Semana Nº 47 – Novembro, 1922. p. 126.

Fig. 45. Capa da Revista da Semana Nº 49 – Dezembro, 1922. p. 127.

Fig. 46. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 90 – Janeiro, 1919. p. 129.

Fig. 47. Anúncio na Revista da Semana Nº 4 – Janeiro, 1921. p. 131.

Fig. 48. Anúncio na Revista da Semana Nº 23 –Junho, 1921. p. 132.

Fig. 49. Anúncio na Revista da Semana Nº 13 - Março, 1922. p. 132.

Fig. 50. Anúncio na Revista da Semana Nº 50 – Janeiro, 1920. p. 132.

Fig. 51. Anúncio na Revista Careta Nº 469 – Junho, 1917. p. 132.

Fig. 52. Anúncio n’O Malho Nº 888 – Setembro, 1919. p. 133.

Fig. 53. A Noite Ilustrada - 13/07/1943. p. 143

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Fig. 1. Anúncio n’O Malho Nº 738 – Novembro 1915

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Apresentação

Às gerações contemporâneas, que já nascem numa sociedade enredada em

sofisticada cadeia de consumo, pode parecer simples e natural receber estímulos gerados

pela publicidade onipresente, dirigir-se ao shopping center mais próximo e adquirir qualquer

peça de vestuário com grife nacional. Contudo, ao investigarmos o processo de

desenvolvimento do comércio carioca, com suas redes varejistas sintonizadas no modelo

capitalista liberal globalizado, encontraremos evidências históricas de uma atividade

impulsionada por estabelecimentos e comerciantes pioneiros que, há mais de um século,

desbravaram caminhos que, entre avanços e retrocessos, resultaram na teia consumista atual.

A influência do comércio estendeu-se para além da prática mercantil e concorreu para a

formação de gostos, desejos e aspirações das elites durante a Primeira República, num

período de profundas transformações ocorridas na capital do país.

É o caso do Parc Royal, um grande magazine que existiu no Rio de Janeiro entre

1873 e 1943, cujo apogeu verificou-se nas primeiras décadas do Século XX sob o comando

do empresário português José Vasco Ramalho Ortigão, filho do renomado escritor José

Duarte Ramalho Ortigão - um dos principais integrantes do grupo conhecido como Geração

de 1870, movimento gerado por intelectuais portugueses que bradavam revoluções políticas

e culturais em seu país.

A loja, que comercializava roupa feminina, masculina e infantil, além de acessórios,

presentes e artigos para casa, marcou sua posição no imaginário coletivo como sinônimo de

elegância e qualidade aliadas a preços competitivos; um local onde se poderia encontrar o

que havia de melhor à disposição daqueles que ambicionavam produtos impregnados de

novidade, beleza, requinte e modernidade. Em meio à verdadeira revolução que imprimia

novas aspirações e códigos de conduta social, o Parc Royal mostrou-se no compasso dos

novos tempos que se apresentavam, acompanhando a evolução da moda e dos hábitos da

elite, tornando-se um dos atores notáveis da belle époque carioca. Além dos endereços do

Largo de São Francisco e da Avenida Central, ambos no Rio de Janeiro, também possuía

filiais em Belo Horizonte e Juiz de Fora, e um escritório em Paris, situado na Rue de Trevise

nº 41.

A trajetória do magazine, incluindo traços biográficos de seu principal sócio-

administrador, apresenta-se como um veículo que permite compreender diversas dimensões

possíveis da lógica de funcionamento do comércio e da sociedade no Rio de Janeiro, bem

como o comportamento e o conjunto das reações da elite no período em questão, num

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ambiente onde se faziam presentes o avanço tecnológico, o aumento das comunicações, a

crença otimista no progresso e a aspiração por ideais de civilidade, importados dos países

centrais europeus.

A partir dessas noções, ao resgatarmos a história do Parc Royal, nossa intenção é

compreender aspectos do mercado da demanda e da oferta, do vestuário, da publicidade,

como elementos que tecem conexões com as estruturas socioculturais de uma determinada

época, e em que medida também podem ter concorrido para a construção de um modo de

vida que encontra ressonâncias na contemporaneidade.

Sob um olhar mais detalhado, voltado para um determinado estabelecimento

comercial, pretendemos aprofundar o entendimento de sua dimensão social, como uma

trajetória que se entrelaça com outras práticas da sociedade. Na direção apontada por

Gilberto Freyre, nosso esforço é no sentido de, a partir do estudo de “símbolos e ritos

sociais, (...) regras de conduta, modas de trajo e penteado”, além dos outros aspectos já

citados, “tentar surpreender e interpretar o que houve de mais íntimo no caráter de uma

época”.1 Nosso objeto fornecerá uma perspectiva possível para a análise do processo de

mudança dos cenários e comportamentos ocorrido entre o final do século XIX e o início do

século XX, provocado pela introdução das novas técnicas e modos de vida.

Não ignoramos que a realidade nacional, paradoxal e diversificada, vinha sendo

erigida sobre um dilema social que remonta à herança das estruturas escravistas, com

sistemas de privilégio e opressão; uma cisão que torna, ainda, parte da população excluída e

impedida de fruir plenamente sua cidadania, gerando numa mesma sociedade grupos

distintos, vivendo em condições sociais diversas. A análise que empreenderemos está

voltada para as representações imbricadas na existência de um comércio elitista, na

arquitetura e na localização do empreendimento, nos produtos que ofereciam, na sua

mensagem publicitária, na moda e nos hábitos de sua clientela, incluindo o ato de comprar.

Nesse sentido, é importante ressaltar que as coordenadas para nossa investigação do modo

de organização da sociedade dizem respeito às perspectivas verificadas a partir de um de

seus grupos integrantes, qual seja a burguesia carioca. Ao interpretarmos as representações

inerentes às suas escolhas, suas afecções e experiências, observaremos como se forjou o

estilo de vida de parte daquela coletividade.

Em que pesem as referências teóricas utilizadas como subsídios para o

aprimoramento da compreensão da época, articularemos nossas análises com fontes, fatos e

fotos que dizem respeito especificamente ao Parc Royal. Como fontes primárias de 1 FREYRE, G.Ordem e progresso, pp. XVIII.

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investigação da presente pesquisa foram utilizados os periódicos Careta, Fon-Fon, Frou-

Frou, Revista da Semana, D. Quixote, A Noite Ilustrada, O Cruzeiro, Parc Royal Magazine,

os almanaques Eu Sei Tudo e Tico-Tico, programas do Theatro Municipal/RJ, memorabilia

encontrada em coleções particulares, além de registros do Almanaque Laemmert, Arquivo

Nacional, Associação Comercial do Rio de Janeiro e da Jucerja.

Uma expressiva quantidade de fotografias do Parc Royal produzidas por Augusto

Malta foi encontrada nos acervos do Museu da Imagem e do Som/RJ e no acervo George

Ermakoff, corroborando, novamente, a visibilidade e a evidência do desempenho da loja no

cenário econômico e social da capital. Nomeado pelo Prefeito Pereira Passos fotógrafo

oficial do Distrito Federal (então no Rio de Janeiro) entre as décadas de 1900-1930, o

alagoano Malta registrou as transformações ocorridas na cidade no início do século XX,

documentando fatos como a inauguração da Avenida Central, a demolição do Morro do

Castelo, as Exposições de 1908 e 1922, as obras urbanísticas em geral, além de registros da

vida cotidiana e de várias de suas manifestações culturais, entre elas o Carnaval. O Parc

Royal não foi o único estabelecimento comercial clicado pelo fotógrafo na época em que

esteve na atividade, mas recebeu destaque em meio a toda a sua produção; há imagens da

primeira loja no Largo de São Francisco, da segunda loja, na Avenida Central, e da

inauguração da nova sede, também no Largo de São Francisco, em 1911, com várias

tomadas externas e internas, revelando-se objeto do olhar fotográfico profissional voltado

para as eminentes instituições de seu tempo.

Além das matrizes escritas, a pesquisa também incluiu entrevistas com membros da

família proprietária da loja; tive a oportunidade de obter o depoimento de José de Barros

Ramalho Ortigão Junior, sobrinho-neto do ex-proprietário José Vasco Ramalho Ortigão;

mesmo atingido por um AVC, José de Barros, enquanto hospitalizado, concedeu um

depoimento a sua filha, que foi intermediadora da entrevista, apontada por ela como um

estímulo que foi capaz de reavivar a memória de seu pai.

Entendemos que a análise da atuação desse estabelecimento, bem como de seu

administrador, afigura-se um canal precioso para a compreensão dos modos e estilos de vida

das elites urbanas no período da belle époque e na década de 1920, durante a implementação

da modernidade, um momento fundamental onde lançaram-se as bases de um modelo de

consumo de moda que, em muitos sentidos, continua atual.

A proposta desta pesquisa envolve a análise do significado dos anúncios

publicitários do Parc Royal veiculados em mídia impressa da época, entendidos como um

campo fecundo de representações propício ao entendimento da lógica do sistema a que

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14

pertenciam. Minha hipótese é que os anúncios podem se constituir em pistas fecundas para

identificarmos o público a que se destinavam, que elementos da estrutura social

reproduziam ou glorificavam, quais aspectos de ruptura ou continuidade de padrões

suscitavam.

O percurso do magazine informa, através da iconografia integrada por seus reclames,

as transformações dos referenciais de indumentária e do lugar da mulher na sociedade, além

de permitir também o exame de práticas do comércio varejista da cidade, suas estratégias de

venda e comunicação, desvelando a construção do hábito do consumo de moda como função

social; mudanças de valores, convenções e desejos permeados pela presença de um

magazine protagonista do período entre o final do Séc XIX e as primeiras décadas do Séc.

XX, testemunha do processo modernizador do Rio de Janeiro.

Page 15: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

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1 – A influência europeia na moda e nos modos do Rio de Janeiro

A transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808 foi um ponto de

virada, na direção de relevantes mudanças culturais, econômicas e sociais no âmbito

colônial. Novos valores, usos e costumes causaram impacto em vários setores da cidade,

promovida a sede da Monarquia.

Na época da chegada de D. João VI, o Rio de Janeiro possuía as feições de uma

quase aldeia, restrita a uma pequena área central suja e insalubre. O comércio era incipiente

e a vida social praticamente inexistente, exceto algumas obrigações religiosas. A cidade não

exigia muitas variações nos trajes de seus habitantes, portanto cuidar da vestimenta não se

incluía entre as preocupações das famílias coloniais; imperava a rusticidade nos costumes.

Na descrição de Gilberto Freyre, a indumentária caseira das mulheres de “boa sociedade”

aproximava-se daquela utilizada pelas escravas: um “cabeção e chinelo sem meia”.2 Nas

raras vezes em que saíam, utilizavam uma mantilha que escondia todo o corpo, sobre saia e

camisa.

As roupas rebuscadas dos membros da Corte causaram, simultaneamente, estranheza

e admiração nos habitantes da cidade. Com a abertura dos portos decretada pelo monarca

em 1808, várias inovações convergiram para diminuir a distância entre os padrões de

vestuário nobiliárquicos e aqueles de iaiá e ioiô.

Uma das reformulações que repercutiu, gradativamente, na evolução da moda, foi a

liberação pelo Príncipe Regente da criação de indústrias no Brasil em abril daquele mesmo

ano, decretando a suspensão do alvará de 1786 que estabelecia a proibição. Se durante os

tempos coloniais a família real portuguesa havia frustrado qualquer iniciativa de construção

de uma manufatura têxtil no Brasil - mandando inclusive destruir teares e exigindo até dos

governadores o uso de tecidos e couro de sapatos exportados pela metrópole – não havia

mais esse impedimento. Os teares brasileiros estavam, portanto, alforriados para fabricar

outros tecidos além das fazendas grossas de algodão que destinavam-se em sua maioria ao

uso dos negros, única hipótese de produção admitida até então.

Na prática, num primeiro momento, a maioria dos tecidos aqui utilizados continuou a

ser importada, dessa vez não da metrópole, mas da Inglaterra, que foi muito beneficiada

comercialmente com o fim do Pacto Colonial, usufruindo de incentivos fiscais para que

pudesse exportar amplamente seus produtos. A população no Rio de Janeiro crescia em

2 FREYRE, G. Sobrados e mucambos, p. 98.

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ritmo acelerado, e o contingente que habitava a sede do governo – figuras da nobreza,

ministros, funcionários burocráticos - criava uma demanda por produtos importados,

alavancando o comércio ligado à moda e a itens de luxo. Nos anos subsequentes, um sem

número de profissionais franceses fixou-se na cidade, aproveitando a oportunidade de

mercado e incentivados pelos tratados de amizade celebrados com a França após o fim do

Período Napoleônico (1816). E em 1822, o tratado de abertura comercial estendeu-se às

outras nações, inserindo o Brasil num mercado mundial, em proveito dos países europeus

que vivenciavam os efeitos da Revolução Industrial.

Além do fomento do comércio, a vinda da Corte provocou o fenômeno da

europeização dos costumes no Rio de Janeiro, alterando os padrões de sociabilidade,

comportamento e vestuário com a adoção de valores estrangeiros. O contato com a

aristocracia portuguesa e a burguesia industrial europeia provocou nas classes senhoriais

brasileiras uma aspiração à equiparação com aquelas camadas sociais. A adoção da moda e

dos modos europeus serviria a dois propósitos; seria um fator de integração, já que, através

da aparência, poderiam nivelar-se aos europeus e seria também um fator de distinção, na

medida em que evidenciaria diferenciações internas em relação ao restante da população, o

“povo miúdo”.

Para isso, não bastaria obter sinais de riqueza como dinheiro, propriedades ou o

número de escravos: as “boas maneiras”, a adequação no ato de vestir, o cuidado com a

aparência e com a higiene tornavam-se referência para uma parte da população que visava a

obter sinais distintivos, obedecendo uma espécie de ideologia moral da decência, da

respeitabilidade e do bom gosto. Nas palavras de Frédéric Mauro, esse desejo “estava ligado

à vontade de diferenciar-se do escravo negro e até do índio, de guardar o selo da Europa, da

civilização. Era a marca de um complexo de inferioridade inconfesso e inconfessável em

relação ao europeu”.3 A elite passaria a consumir e exibir moda de origem europeia como

instrumento de realização de suas aspirações socias; a aquisição e uso de mercadorias

fetichizadas seriam o passaporte para a demonstração de um status superior.

Essa interpretação vai ao encontro da análise do sociólogo alemão Georg Simmel

desenvolvida no ensaio “Filosofia da moda”, publicado em 1905. Simmel considera a moda

um fenômeno cultural que condensa duas tendências antagônicas dos indivíduos: a

necessidade de pertencimento e inclusão, e a necessidade de diferenciação e auto-afirmação.

Para ele, as duas funções básicas da moda seriam justamente unir e diferenciar:

3 MAURO, Frédéric. O Brasil no tempo de D. Pedro II (1831-1889), p. 41.

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As condições vitais da moda como uma manifestação constante na história da nossa espécie podem assim descrever-se. Ela é imitação de um modelo dado e satisfaz assim a necessidade de apoio social, conduz o indivíduo ao trilho que todos percorrem, fornecem um universal (...). E satisfaz igualmente a necessidade de distinção, a tendência para a diferenciação, para mudar e se separar. E este último aspecto consegue-o, por um lado, pela mudança dos conteúdos, que marca individualmente a moda de hoje em face da de ontem e da de amanhã (...), consegue-o ainda de modo mais enérgico, já que as modas são sempre modas de classe, porque as modas da classe superior se distinguem das da inferior e são abandonadas no instante em que esta última delas se começa apropriar. Por isso, a moda nada mais é do que uma forma particular entre muitas formas de vida, graças à qual a tendência para a igualização social se une à tendência para a diferença e a diversidade individuais (...). (SIMMEL, 2008: 24)

Simmel chama atenção para a moda como um produto da divisão de classes, cuja

dupla função seria formar um círculo social fechado e, ao mesmo tempo, isolá-lo dos outros:

“a moda significa, pois, por um lado, a anexação do igualitariamente posto, a unidade de um

círculo por ela caracterizado, e assim o fechamento deste grupo perante os que se encontram

mais abaixo, a caracterização destes como não pertencendo àquele” (SIMMEL, 2008: 25).

Alargando a discussão sobre o tema, Simmel percebeu a relação estreita entre a vida nas

cidades, o individualismo e o desenvolvimento da moda. Inserido na vida metropolitana, o

homem desenvolve uma inclinação à busca pela diferenciação individual, ainda que

ancorado em determinados parâmetros, a fim de atrair a atenção da esfera social. Para o

sociólogo, quanto maior a movimentação de pessoas em círculos sociais mais vastos, quanto

mais ampla a participação do indivíduo na vida social, mais acentuada será a necessidade da

expressão de sua subjetividade, o desejo de afirmação da personalidade, da auto-realização.

A vida moderna, com a sua cisão individualista em meio a múltiplas esferas sociais,

acentuaria a exigência por estímulos diferenciadores, acelerando as mudanças da moda no

mesmo ritmo da aceleração de seu tempo.

Posto que a moda possa ser entendida como um fenômeno interligado à vida nas

cidades, no campo imperavam ainda outros valores e marcas de distinção. Como observa

Gilda Mello e Souza:

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Enquanto no grande centro urbano é através do consumo de bens e do requinte de maneiras que julgamos a respeitabilidade de uma classe, o indivíduo tendo necessidade, para atingir um círculo social mais vasto, de acentuar as diferenças sociais nos elementos passíveis de observação direta – como a vestimenta -, no campo, onde o vínculo é comunitário e o grupo suficientemente pequeno, é através do conhecimento efetivo da história de cada um – de sua história familiar, econômica ou social – que situamos o indivíduo nesta ou naquela classe. Os valores preponderantes são, por conseguinte, outros: a ostentação da riqueza espelha-se – como diz Gilberto Freyre, referindo-se ao Brasil, -“nos cavalos ajaezados de prata...no número de escravos e na extensão de terras. (MELLO E SOUZA, 2009: 118)

É preciso levar em conta, ainda, a conjuntura do desenvolvimento da moda e do

comércio na esfera internacional durante o século XIX. Na Europa pós-Antigo Regime,

prevaleceram certos valores aristocráticos que criavam na burguesia uma insegurança em

relação à sua posição social, uma vez que não gozavam das prerrogativas decorrentes de

regras nobiliárquicas; a moda, o gosto e o modo de vida adotados é que poderiam dar

indícios de distinções sociais àqueles que almejavam ser equiparados aos aristocratas. A

cultura material assumiu uma importância crescente na cultura burguesa em função dessa

identificação de classe, destacando-se o vestuário como um de seus campos que tornava

bem evidente o culto às mercadorias como símbolos de status pessoal.

Em plena era industrial, o advento da máquina a vapor e as conquistas técnicas

aumentaram a capacidade de produção, aumentando a oferta de roupas com menor custo,

consequentemente provocando a estruturação de um mercado produtor e distribuidor. A

inauguração dos grands magasins veio atender a essa conjuntura da modernidade, quando a

dinâmica dos negócios relacionados ao vestuário ganhou uma nova dimensão. O acesso à

moda deixou de ser um privilégio de castas e passou a ser difundido junto à classe em

ascensão, de acordo com novos valores baseados no êxito individual, e não mais na

hereditariedade de títulos da nobreza. Com maior mobilidade e abrangência, a moda passava

a atingir um maior número de pessoas, da pequena e média burguesia europeia até as elites

abastadas do Rio de Janeiro, que tinham acesso às novidades estrangeiras. Essa espécie de

democratização da moda, contudo, não significou uma uniformidade ou igualdade na

aquisição e utilização dessas prerrogativas, mantendo-se as diferenças que marcavam

abismos em função do domínio do dinheiro, do poder, da aparência, do prestígio e do estilo

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de vida. A moda passou a ser consumida por um maior contingente populacional, mas ainda

estava inserida no universo dos privilegiados.

No Brasil, uma sociedade hierarquizada e excludente, a grande massa da população –

incluindo-se escravos e seus descendentes, trabalhadores rurais, empregados domésticos,

pequenos artesãos, vendedores ambulantes, por exemplo - não tinha acesso à difusão da

moda que ocorria na capital nacional, privilégio de “banqueiros, grandes negociantes,

políticos, empresários, todos eles de alguma forma proprietários”.4

Numa escala global, o desenvolvimento tecnológico ocorrido na Europa durante a

Segunda Revolução Industrial reforçou laços neocoloniais e consagrou a hegemonia dos

indicadores europeus de usos e costumes face aos demais países. Ainda durante o período

imperial brasileiro, lançaram-se as bases para a adoção de um modelo europeu de

civilização incorporado pelas elites que se alinhavam a uma visão etnocêntrica da cultura

europeia.

Em relação aos padrões de vestuário e comportamento trazidos pela Corte após a

chegada de D. João VI, há que se destacar a inspiração no modelo francês de bom gosto e

elegância como influência decisiva. Não só a nobreza portuguesa, mas boa parte do mundo

admirava o estilo parisiense, identificado como expressão máxima da civilização, beleza e

luxo desde o reinado de Luís XIV, considerado um modelo de refinamento ambicionado por

muitos, verdadeiro ideal a ser atingido. A adoção da moda europeia como índice de

civilidade perdurou mesmo após a Independência, em 1822; de fato, a inspiração francesa

manteve forte influência na fantasia de identificação das elites até a Segunda Guerra

Mundial, quando cedeu espaço a outro modelo estrangeiro, dessa vez o norte-americano.

O fascínio pelos artigos franceses resultou no predomínio de profissionais daquela

nacionalidade nas atividades ligadas à moda. Modistas, chapeleiras, floristas, alfaiates,

camiseiras, cabelereiras, joalheiros e até lavadeiras e engomadeiras franceses encontravam-

se à disposição das classes abastadas. A confecção de vestidos, antes feita por escravas ou

pelas próprias senhoras que iriam usá-los, aos poucos passava às mãos de especialistas

competentes, conferindo à atividade um caráter profissional. Esses craques da moda

francesa elegeram a Rua do Ouvidor para seu domicílio, onde ofereciam de tecidos a

perucas, incluindo essências, leques, cosméticos, sabonetes, esponjas, espelhos, pentes e

tudo o mais que fosse necessário ao exercício da vaidade e do aprumo da aparência, que

conduziriam à aprovação externa e consequente inserção social. Com lojas caras e artigos de

luxo, confeitarias, casas de música e livrarias, a burguesa Rua do Ouvidor foi apelidada por 4 NEVES, Margarida de Souza. As vitrines do progesso, p. 11.

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Machado de Assis de “via dolorosa dos maridos pobres”.5 Principal ponto comercial da

metrópole que crescia, o trecho que mimetizava um pedacinho de Paris no Rio recebeu

calçamento em 1829 e a inédita iluminação a gás em substituição ao óleo em 1857.

O surgimento da imprensa no Brasil, fenômeno também tributável à chegada da

Corte em 1808, foi outro fator de peso na propagação da moda no Rio de Janeiro. Os jornais

dirigidos ao público feminino exerciam papel preponderante na formação de uma atitude em

prol da moda, através da sua divulgação e até da sua justificação. Dirigidas às classes

afortunadas, periódicos como O Espelho Diamantino, Jornal das Senhoras, O Recreio do

Belo Sexo, Recreio das Moças e A Estação, juntamente com manuais de etiqueta e

civilidade que circulavam na cidade, reforçavam o desejo consumista da moda europeia, e o

comércio se retro-alimentava.

As elites brasileiras acompanhavam, assim, os modismos surgidos no Velho Mundo

através da mídia impressa e das vitrines de produtos importados, mas isso não foi suficiente

para que a capital se tornasse um espelhamento sofisticado das matrizes. Como lembra Lilia

Moritz Schwarcz, ao comentar o período do reinado de D. Pedro II:

Não se enganem, portanto, aqueles que pensam que o Rio de Janeiro é Paris. A corte era uma ilha cercada pelo ambiente rural, por todos os lados, e a escravidão estava em qualquer parte. No fundo, a elegância europeia e calculada convivia com o odor das ruas, o comércio ainda miúdo e uma corte diminuta, e muito marcada pelas cores e costumes africanos. (SCHWARCZ, 1998: 116)

Se, por um lado, não devemos perder a noção das marcas da realidade nacional à

época, é preciso também reconhecer que, guardadas as devidas diferenças, no período

imperial houve uma série de alterações na conjuntura da cidade que provocaram o

desenvolvimento do comércio e do uso da moda.

Ampliaram-se as possibilidades de socialização, antes restrita aos eventos religiosos

e às reuniões familiares. Os rituais da Corte, repletos de cerimoniais, festas e recepções,

requisitavam a presença feminina nos salões e associavam cada vez mais o ato de vestir e os

“bons modos” protocolares à demonstração de riqueza, posição social e poder. Os “cidadãos

civilizados” passaram a incluir na agenda compromissos agregadores como festas e saraus

nas residências, frequentar restaurantes e teatros e fazer compras nas ruas elegantes da

5 A expressão cunhada por Machado de Assis figura em seu conto “O Lapso”, publicado em 1884.

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cidade, com pausa para o chá ou sorvete nas belas confeitarias em estilo art-nouveau. Essa

nova sociabilidade resultou no processo de exteriorização da mulher.

O horizonte social feminino era, até então, deveras restrito; considerada frágil e

limitada física e intelectualmente, ela deveria circunscrever-se ao lar, à procriação e às

tarefas domésticas, à sombra do cônjuge. Mas sua imagem pública, agora mais exposta nas

incipientes oportunidades sociais, operava como um parâmetro da posição social do marido

e revelava a condição da família como um todo. O comportamento da mulher nas festas e

salões poderia ser um catalisador de prestígio, influenciando inclusive a carreira política ou

econômica do marido.

O espartilho, armação rígida usada para moldar o corpo da mulher, traduzia

fisicamente um aspecto de contenção da atuação feminina, e reforçava a imagem de um ser

estático, comprimido e dependente. As peças que compunham a toilette possuíam um corte

intricado, repletas de detalhes como rendas, bordados e fitas. Podemos deduzir uma série de

outros significados subjacentes à complicação dos trajes femininos: a dificuldade de vestir-

se pressupunha a ajuda de serviçais, enquanto a pouca mobilidade evocava uma vida sem

grandes esforços físicos.

Os trajes adotados configuravam-se extremamente inadequados à temperatura dos

trópicos, ao corpo das brasileiras e à falta de infra-estrutura da cidade. Algo como tentar

caminhar sob o sol de verão nas ruas de Paraty usando um chapéu com abas enormes

enfeitado com muitas plumas e flores, sapatos de cetim e saias farfalhantes e compridas,

feitas de tecidos pesados e armadas por crinolina,6 que deveriam ser seguradas com uma das

mãos para que não arrastassem a volumosa cauda no chão, além de carregar uma sombrinha

rendada e uma bolsinha pequena com dinheiro e lenço, tudo isso com gestos elegantes,

enquanto esforçavam-se para respirar com os pulmões esmagados nos espartilhos

compressores. Para os homens, várias camadas de roupas de lã sob fraques de casimiras

inglesas quentíssimas, com cores escuras e sombrias; ceroulas, coletes, camisa de manga

comprida com colarinho alto e apertado, luvas, cartola e polainas. Conforto, praticidade e

brasilidade não estavam na moda.

Inserida num contexto onde o pertencimento a determinado grupo dependia do uso

da indumentária obedecendo a regras e padrões estratificados, crescia no Rio de Janeiro uma

sociedade de consumo de moda, financiada sobretudo pelo capital proveniente das

exportações de café. A partir de 1840, verificou-se a instalação na cidade de indústrias tanto

brasileiras como estrangeiras ligadas ao consumo de luxo, que fabricavam itens diversos 6 Estrutura para aumentar o volume das saias.

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como chapéus, charutos, cigarros, apenas para citar alguns. E a partir da segunda metade do

século XIX, iniciou-se no Rio de Janeiro um processo de modernização, com a introdução

das ferrovias, dos bondes, de sistemas de água e esgotos, além da inauguração da

iluminação a gás. A elite brasileira, ainda bastante ligada ao meio rural, paulatinamente

começava a transferir-se do campo para a cidade; os descendentes dos senhores de engenho,

depois de formados bacharéis e médicos, se recusavam a voltar para a roça (FREYRE,

1961), e o senhorio rural, que havia se consolidado nas casas-grandes de fazenda, começava

a ceder sua posição de influência para uma nova elite urbana que se fortalecia na capital.

O crescimento urbano, o desenvolvimento dos transportes, a paulatina transferência

da elite brasileira do campo para a cidade, a europeização da vida social, o fomento do

comércio, as novas formas de sociabilidade e consequente ampliação da mobilização da

mulher, aliados à propagação de informações e valores pela imprensa feminina, podem ser

destacados como fenômenos que impulsionaram a difusão da moda no Rio de Janeiro

durante o século XIX, dentre o rol de mudanças percebidas sobretudo em dois momentos

significativos: o período após a chegada da Corte e o processo de modernização que se

iniciou a partir de 1850.

Os dados do Almanaque Laemmert - o mais antigo almanaque brasileiro, fonte de

registros nacionais de ordem comercial, financeira e social – dimensionam o crescimento

das atividades relacionadas ao vestuário na cidade: em sua listagem das fábricas, oficinas,

artesanatos e lojas registradas no município constavam 22 lojas de moda na Rua do Ouvidor

em 1850; em 1880, o número já tinha subido para 110 lojas.7

Em fins do Séc. XIX, tanto a Abolição (1888) quanto a Proclamação da República

(1889) contribuíram para que houvesse uma alteração no quadro de forças políticas e

econômicas, alterando a composição das elites, bem como seus valores morais. Com o

declínio da economia cafeeira e o aumento das atividades comerciais, o patriarcado rural

começou a perder prestígio. Negociantes e burgueses habitantes das cidades, que

desenvolviam seu patrimônio desvinculados da propriedade de terras, passaram a compor a

elite econômica. Essa nova camada urbana, dissociada das tradições da aristocracia rural,

era guiada pelo pensamento racional e positivista, baseada na crença científica e

tecnológica, e almejava uma cidade moderna, capaz de se tornar um grande centro cultural e

econômico. Afinal, apesar da Abolição e da República consubstanciarem “reformas

redentoras” propagadas pelos intelectuais da época, ainda faltava muito para se atingir o

nível de civilização idealizado por eles, i.e., para que a sociedade e a cultura brasileiras se 7 RAINHO, Maria do Carmo. A cidade e a moda. Brasília: UNB, 2002, p. 53

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equiparassem às europeias, ingressassem na marcha do progresso e da civilização e

obtivessem um reconhecimento perante as nações centrais do mundo ocidental.

Nesse mesmo período, verificou-se um incremento vertiginoso da imigração

portuguesa no Brasil. Vários fatores impulsionavam a emigração lusa: em seu país de

origem, os portugueses sofriam com a crise agrária provocada pela mecanização do campo,

que acarretou o declínio do padrão de vida dos pequenos proprietários rurais e da mão-de-

obra camponesa. No Brasil, o regime republicano, aliado ao fim do regime escravista e à

oferta de melhores salários nos centros urbanos - sobretudo no Rio de Janeiro, onde tinha

início a industrialização – criava uma conjuntura que estimulava a imigração dos

portugueses. Tudo isso aliado às vantagens de possuírem mesma língua e religião.

Na verdade, a política imigratória brasileira havia sido iniciada logo após a

Independência (1822), e desde então os portugueses compuseram o fluxo migratório mais

duradouro, com auge nas três primeiras décadas do século XX. Enquanto muitos desses

imigrantes partiam atraídos pelo sonho de riqueza, outros conterrâneos já se encontravam

em situação abastada em terras brasileiras, e ofereciam trabalho a parentes ou patrícios

menos afortunados.

O período entre 1898-1914 no Rio de Janeiro foi marcado por reformas urbanas e

pelo apogeu do afrancesamento da cidade; na denominada belle époque carioca ocorreram

fenômenos inéditos, fruto de um potencial de mudança significativo próprio daquele

período, ao passo que se mantiveram, paralelamente, tendências de longa duração. Num

processo de continuidade, o país reafirmou sua condição colonial sob o comando dos

representantes das elites: fazendeiros, comerciantes, financistas e empresários do setor agro-

exportador. Mas o desejo da elite intelectual e econômica, cada vez mais impactada por

ideologias e modelos de comportamentos europeus, era inscrever o país na marcha da

Civilização e do progresso, determinando assim, profundas mudanças na Primeira República

(1889-1930), entre elas a instauração do processo modernizador na capital do país; se as

transformações foram efetuadas pelo Estado, as ideias que as norteavam estavam baseadas

no apoio de setores da sociedade que naquele momento constituíam sua elite.

De fato, desde a segunda metade do século XIX, a sociedade brasileira -

essencialmente ruralista e estratificada entre senhores ou escravos, obedecendo a uma ordem

latifundiária voltada para o abastecimento do mercado internacional – passou a incorporar

uma crescente classe mediana formada por profissionais liberais, funcionários públicos,

empregados dos escritórios e pequenos lojistas. O Rio de Janeiro afirmava-se cada vez mais

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como entreposto urbano, principal porto exportador e importador, e núcleo de uma

concentração populacional que aumentava progressivamente.

O desenvolvimento do transporte coletivo e a intensificação da vida comercial foram

alguns dos fatores provocadores de alterações na configuração da cidade. Mas à medida em

que crescia, o Rio de Janeiro padecia de um sistema eficiente de abastecimento de água e

esgoto; pelas ruas esburacadas conviviam lixo, carroças e vendedores ambulantes, muitas

vezes acompanhados de burros, vacas, galinhas ou peixes, em péssimas condições de

higiene. Boa parte da população vivia em cortiços e favelas, mas independentemente do tipo

de moradia, epidemias mortíferas como febre amarela, varíola, cólera e peste bubônica

ameaçavam a todos. Características coloniais ainda moldavam as feições urbanas e

arquitetônicas, e aos problemas de infraestrutura, habitação e de saúde, somava-se o

aumento da criminalidade decorrente do descompasso entre o aumento populacional e a

oferta de emprego.

Se a escravidão e o Império haviam sido deixados para trás, os ideais de

humanitarismo cosmopolita que permeavem o arcabouço de grupos intelectuais formados

por homens como Machado de Assis, Olavo Bilac, Monteiro Lobato e Silvio Romero não

haviam sido ainda atingidos.

A necessidade de uma reforma urbana mobilizou, no início do século XX, o poder

público, escritores, a imprensa, e a elite que reunia burgueses, comerciantes, arrivistas da

especulação financeira e cafeicultores do Sudeste. O pensamento da modernidade, guiado

pelo racionalismo, pelo cientificismo e pelas noções de evolução e progresso, face às

descobertas tecnológicas que faziam crer no domínio do homem sobre a natureza, foi o

combustível que impulsionou as ações daqueles que poderiam tomar decisões.

Os dirigentes republicanos desejavam afirmar o Brasil como integrante das nações

modernas, visando a atrair empréstimos e investimentos estrangeiros e fomentar a

imigração. Para isso, era imprescindível realizar uma reforma urbana que apagasse o

indesejado atraso colonialista e inscrevesse a nação no caminho do desenvolvimento. O Rio

de Janeiro deveria tornar-se um grande centro cultural e econômico que pudesse absorver e

irradiar ao resto do país as grandes transformações que já ocorriam na Europa.

O governo Campos Sales (1898-1902) marcou o início de uma era; uma vez atingida

a consolidação política, reafirmou as exigências de um tipo de desenvolvimento sob moldes

europeus, e suas intenções no sentido de encorajá-lo. Foi sucedido por Rodrigues Alves, que

cumpriu mandato entre 1902 e 1906 e levou a cabo as reformas urbanas na capital da

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República, “como vitrine do regime e das ligações mais eficientes de uma ressurgente

economia neocolonial”. (NEEDEL, 1993: 54).

O então presidente, Rodrigues Alves, que havia perdido um filho que contraíra febre

amarela no Rio, concentrou suas forças na reforma do porto e no saneamento da cidade;

nomeou Pereira Passos prefeito e Oswaldo Cruz diretor da saúde pública. A cidade, sede do

governo, passaria por uma transfiguração radical, assumindo o papel de metrópole-modelo

da modernidade, influindo sobre o modo de vida, comportamentos, novas modas e sistemas

de valores.

Para fazer seu plano de ação, Pereira Passos inspirou-se nas reformas que Georges-

Eugène Haussmann, Prefeito de Paris entre 1853 e 1870, havia concluído na capital

francesa. Além da reforma do porto, delegada a Francisco Bicalho, contratou o engenheiro

Paulo de Frontin para cuidar do centro, priorizando o alargamento das ruas, o aumento da

iluminação e da ventilação, o saneamento da cidade, a execução de jardins nas praças e a

edificação de construções em estilo eclético, expressão arquitetônica da École de Beaux-Arts

francesa. Lauro Muller, ministro dos Transportes, foi responsável pelo traçado da rota da

Avenida Central, símbolo-mor daquela nova era urbana. (NEEDEL, 1993: 62). Cortando as

construções coloniais da Cidade Velha, o bulevar com perfil monumental irrompia de

maneira ampla e retilínea, em contraste com as antigas vielas estreitas, escuras e fétidas. A

avenida foi ocupada de ponta a ponta por prédios majestosos que refletiam o máximo de

bom gosto existente e exteriorizavam a grandeza do país. O conjunto de edifícios públicos

impressionava: o Theatro Municipal (1909), a Biblioteca Nacional (1910), a Escola

Nacional de Belas-Artes (1908) e o Palácio Monroe (1906), esse último destruído em 1976.

E os particulares, também impactantes, tiveram seus projetos submetidos à aprovação de um

júri, obedecendo a um critério seletivo para manter a unidade visual das fachadas. Com

guarnições de ferro fundido e vidro, essas construções formavam um grande monumento ao

progresso do país, de acordo com a fantasia neocolonial indexada aos padrões europeus.

Havia edifícios de empresas estrangeiras e nacionais, destinados a atividades comerciais e

de infra-estrutura, a instituições vinculadas à literatura e belas-artes, a órgãos

governamentais, à recreação e ao consumo de produtos importados. O Parc Royal estava

entre eles, personificando a “grande vitrine da Civilização”.

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2 - Au Parc Royal: uma casa portuguesa, com nome francês

Au Parc Royal foi inaugurado em 1873 no Largo de São Francisco por Francisco

Fernandes da Silva Vianna, começando por um pequeno armarinho no prédio nº 12,8 no lado

oposto à igreja de São Francisco de Paula, entre a Rua dos Andradas e o Beco do Rosário. E

de acordo com os registros do Almanaque Laemmert, foram várias as composições

societárias responsáveis pelo negócio, até a solidificação sob o comando da Vasco Ortigão

& Cia., estabelecida em 1911. Ainda durante a gestão da F. Vianna & Cia. (integrada por

Hermeterio de Moura Ferro, além do próprio Francisco F. S. Vianna), em 1883, o

estabelecimento expandiu-se para o nº 10.9 No ano de 1889 passou à propriedade da M.

Nunes & C., formada por José Antonio Marques Nunes, José Vasco Ramalho Ortigão,

Manoel Vaz Osorio e Sebastião Lopes da Cruz e, em pouco tempo, ocupou não apenas um,

mas quatro prédios: números 8, 10, 12 e 14.10 No nº 8 ficava a seção de camisaria e artigos

masculinos; no nº 10 os artigos de armarinho, vestuário e roupas brancas (i.e., roupas

íntimas) para senhoras e meninas; no nº 12, o estoque de tecidos como lã, algodão,

atoalhados, seda pura e cretone e, no nº 14, a seção de calçados, com variados tipos,

modelos e procedência.

No livro O Rio de Janeiro em 1900, o jornalista Ferreira da Rosa fez uma espécie de

inventário da cidade, descrevendo em pormenores algumas de suas instituições e

estabelecimentos comerciais; um dos capítulos foi dedicado ao Parc Royal. O lançamento

dessa obra editorial foi destaque em jornais como O Paiz, A Imprensa, O Diário de Notícias,

A Tribuna e o Jornal do Commercio, dentre uma atmosfera otimista e ufanista que visava a

propagação dos “progressos materiais, o estado da civilização, o movimento industrial,

commercial, artístico, em summa, tudo que diz respeito à nossa vasta e rica Capital”.11

Nesse contexto, é possível pensar a inclusão da loja na seleção feita por Ferreira da Rosa

como um atestado de reconhecimento do seu desempenho como protagonista no cenário de

desenvolvimento urbano, figurando entre os melhores e mais importantes estabelecimentos

que corporificavam um adiantamento comercial, num livro cujo conteúdo poderia “tornar o

Brasil conhecido no estrangeiro”12, devido ao seu “alto valor como trabalho de propaganda

8 FERREIRA DA ROSA. O Rio de Janeiro em 1900. Rio de Janeiro: edição do autor, 1900. p. 245. 9 Almanaque Laemmert 1883, p. 545. 10 Almanaque Laemmert 1889, p. 887 11 Jornal do Commercio, 14 de Janeiro de 1899, in FERREIRA DA ROSA, O Rio de Janeiro em 1900, 2ª. Edição, p. VIII. 12 A Tribuna, 29 de Janeiro de 1899, in FERREIRA DA ROSA, O Rio de Janeiro em 1900, 2ª. Edição, p. XI.

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em favor do nosso país”.13 O autor enumerou dados como o número de empregados da loja

(42), a quantidade de pessoas que a visitava por dia (650 a 700) e a média diária de

compradores entre 1898-1899 (279). Numa narrativa que não poupava elogios e exaltação

ao magazine, retratava, em suas próprias palavras:

É vistoso, bem sortido e bem frequentado. Largas portas, amplas vitrinas, tudo está sempre repleto de amostras de tecidos, artefactos, artigos de moda, objectos de vestuario, guardados por um alpendre envidraçado que parte da soleira das janellas do 1º. Andar, e d’onde pende em horas de sol, comprido store de linho listrado.[...] A freguezia da casa Au Parc Royal é constituida por pessoas de todas as classes sociaes, desde o presidente da Republica até o mais modesto cidadão, porque no seu formidavel sortimento ha mercadorias para todos os preços, ao alcance de todas as bolsas. [...] Tendo adquirido justa e lisongeira fama, é esforço principal dos proprietários do estabelecimento Au Parc Royal manter os seus créditos e para isso não poupam sacrifícios. Em Paris, como em todos os grandes centros fabris, possue esta casa dedicados correspondentes que não deixam escapar uma só novidade [...].Ainda outra circunstancia a distingue: é a de não ter dois preços para a sua fazenda; no Rio de Janeiro foi esta a segunda casa que adoptou preço fixo. [...] Com taes elementos, e administrada com escrupulo, a casa não podia deixar de figurar entre as de primeira ordem. É uma alfandega bizarra, contendo tudo quanto de util, duravel e elegante se pode cubiçar dentro dos limites de suas especialidades. Parabens a quem vê a sua intelligencia, trabalho e capital recompensados por uma clientela que em certas horas de certos dias disputa o direito de adquirir o que ahi a seduz ou pelo preço ou pela qualidade. (ROSA, 1900: 245)

O tom do autor promove reflexões sobre a construção do papel do comércio e do

consumo como uma espécie de fruição, lazer e fonte de satisfação, revestido da aura de

hábito civilizado. Grandes magazines já faziam sucesso em países centrais do mundo

ocidental, como as inglesas Harrod’s e Selfridges, as francesas Bon Marché, Samaritaine,

BHV e Printemps, e as americanas Macy’s e Bloomingdale’s. Mas a divisão por

departamentos não era uma prática comum entre as lojas cariocas; além do Parc Royal, a

pioneira Notre Dame de Paris, inaugurada em 1848, marcava sua posição na Rua do

Ouvidor como outro estabelecimento com essa configuração. Os nomes desses magazines

13 O Diário de Notícias, Manaus, 4 de Abril de 1900, in FERREIRA DA ROSA, O Rio de Janeiro em 1900, 2ª. Edição, p. XI.

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brasileiros são um indício da francofilia que predominava no universo do comércio de

moda.

O mercado elegante se expandia, além da Ouvidor, para as ruas adjacentes

Uruguaiana, Gonçalves Dias, 1º de Março e Ourives (atuais Miguel Couto e Rodrigo Silva);

nos quarteirões próximos ao Largo de São Francisco, onde situava-se o Parc Royal, havia

cafés, restaurantes, e também lojas especializadas em artigos dernier bateau, fortalecendo

aquela área como o circuito encantado dos fashionistas. As gôndolas14 da Companhia

Fluminense faziam no Largo de São Francisco seu ponto de parada, o que contribuía para o

aumentar a circulação na área que já começava a se impor como uma das mais

movimentadas do centro da cidade.

No Rio de Janeiro, o capital comercial, incorporado pelos recursos financeiros

oriundos do café, propiciava o fomento do grande comércio atacadista e varejista, incluindo

lojas de produtos importados e os primeiros bancos do país. Grande parte desses

empreendimentos pertencia a portugueses que ocupavam posições de destaque nesses

setores; entre eles, a família Ramalho Ortigão, proprietária do Parc Royal e de vários outros

negócios.

O mais notório membro do clã talvez seja José Duarte Ramalho Ortigão (1836-

1915), que permaneceu na terra natal e não emigrou para o Brasil. Nascido no Porto,

primogênito de nove irmãos, tornou-se afamado escritor; casou-se com Emília Isaura Vilaça

de Araújo Veiga, com quem teve três filhos, todos nascidos na freguesia de Cedofeita,

também no Porto: José Vasco (1860), Maria Feliciana (1862) e Berta (1863).

Dois de seus irmãos, Joaquim da Costa Ramalho Ortigão e Francisco Duarte

Ramalho Ortigão, estabeleceram-se no Brasil. Não sabemos exatamente a motivação que

levou parte da família a emigrar, mas é possível que se possa associar ao contexto da grave

crise econômica vivenciada em Portugal na segunda metade do século XIX, onde, além da

precária situação agrária, a dívida pública, a proletarização do país, os riscos do serviço

militar, e certo descompasso em relação às novas ideias das sociedades modernas europeias

tornavam o ambiente desfavorável.

No Rio de Janeiro, os irmãos Ramalho Ortigão foram bem sucedidos no ramo

comercial, tornando-se homens de posses, poderosos e influentes, incorporados à colônia

portuguesa local. Joaquim da Costa Ramalho Ortigão chegou ao Rio em 1855, com 14 anos

incompletos.15 Casou-se com a carioca Rita Pereira de Souza Barros,16 filha dos Barões de

14 Veículos de transporte coletivo com dois andares, puxados por burros. 15 Dados do Museu da Emigração e das Comunidades.

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Engenho Novo, com quem teve oito filhos. Prosperou no comércio de café e adquiriu o

título de Comendador;17 fundou em 1878 a casa comercial Ortigão & Cia. - Comissários de

café, da qual foi administrador.18 Foi também Presidente do Real Gabinete Português de

Leitura entre 1885-1888,19 diretor do Banco do Brasil, presidente do Centro de Lavoura e

Comércio, e presidente da Caixa de Socorros D. Pedro V.20

Francisco Duarte Ramalho Ortigão, por sua vez, casou-se com a brasileira Maria

Amélia da Cunha, tiveram dois filhos. E, segundo depoimento que obtivemos de José de

Barros Ramalho Ortigão Junior, foi ele, Francisco, quem convidou o sobrinho José Vasco

Ramalho Ortigão a também tentar a sorte nos trópicos, onde viria a construir um império

comercial.

No comando do Parc Royal, José Vasco Ramalho Ortigão promoveu a expansão do

estabelecimento inaugurado no Largo de São Francisco, posteriormente ampliado e

presentificado em outros canais de venda. Em 1906, em virtude da inauguração da Avenida

Central, o magazine abriu uma filial naquele logradouro. A nova loja ocupava a parte térrea

do prédio de números 130-132, onde localizava-se a sede do jornal O Paiz (FERREZ,

1906); Os Armazéns do Parc Royal – Secção Avenida reafirmavam a inclusão da empresa

no grupo seleto do comércio de primeira linha que exibia, agora na Avenida Central, o auge

dos referenciais de beleza, requinte, modernidade e civilidade. A Rua do Ouvidor manteve

seu comércio elegante, mas o imenso bulevar inaugurado em 1905 desbancou seu posto de

único polo comercial mais chique da cidade. Ancorando lojas mais espaçosas, instaurou um

novo centro de prestígio para o comércio de luxo, atraindo consumistas e amantes do footing

em geral, que celebravam a cultura eurófila exibindo-se nos redutos burgueses por

excelência.

Disponível em: http://www.museu-emigrantes.org/ramalho-ortigao.htm 16 BARATA, Carlos Almeida e BUENO, Antônio Henrique Cunha. Dicionário das Famílias Brasileiras. São Paulo, Ed. Árvores da Terra: 2001. p. 2128. 17 BARATA, Carlos Almeida e BUENO, Antônio Henrique Cunha. Dicionário das Famílias Brasileiras. São Paulo, Ed. Árvores da Terra: 2001. p. 1869. 18 ARQUIVO NACIONAL (Brasil), Contrato de Sociedade Mercantil de Ortigão & Cia., Rio de Janeiro, 14-02-1889. 19 Dados do Real Gabinete Português de Leitura. Disponível em: http://www.realgabinete.com.br/portalweb/Home/Presidentes/tabid/69/language/pt-PT/Default.aspx 20 Cadernos do CHDD / Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática - Ano III, No. 5. – Brasília, DF: A Fundação, 2004. P. 97.

Page 30: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

30

Fig. 2. Senhoras olham vitrines do Parc Royal na Av. Central Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

O provável êxito das vendas culminou na inauguração de novas e imponentes

instalações em Fevereiro de 1911: mantendo-se no mesmo Largo de São Francisco, o Parc

Royal transferiu sua sede do trecho entre a Rua dos Andradas e o Beco do Rosário para o

lado oposto, passando a ocupar um quarteirão inteiro. O prédio da nova loja acompanhava

toda a extensão da rua que hoje leva o nome da família, Ramalho Ortigão (ex-Travessa São

Francisco de Paula), desde a Rua do Teatro até a Rua Sete de Setembro, com “140 janelas,

48 vitrines externas, 5 portas de entrada e 32 seções de venda” (DUNLOP, 1963: 25). No

mesmo local, antes havia um prédio construído em 1814 para o hospital da Venerável

Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula, demolido para a edificação do

Parc Royal.

Fig. 3. A nova sede do Parc Royal inaugurada no Lgo. S. Francisco em 1911 Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

Page 31: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

31

Além do Rio de Janeiro, a loja tinha filiais em outras cidades, igualmente em

logradouros nobres. Em Belo Horizonte, o Parc Royal situava-se no prédio projetado pelo

arquiteto Luís de Morais, inaugurado em 1921 na Rua da Bahia nº 894. O edifício, em estilo

eclético, está protegido desde 1994 pela Secretaria Municipal de Cultura e hoje é ocupado

pela Caixa Econômica Federal. A filial mineira inclusive marca presença no poema A

tentação de comprar, de Carlos Drummond de Andrade:

Com anúncios de página inteira

(coisa nunca vista nos sertões)

inaugura-se na Rua da Bahia

o fabuloso Parc Royal.

Três andares das mais finas futilidades

vindas diretamente da Rue de la Paix.

Seu Teotônio Caldeira, gerente,

manipula novas técnicas de vender

As virgens loucas compram compram compram

e as mães das virgens loucas, outro tanto.

Pais de família, em pânico,

vêem germinar no solo imáculo de Minas

a semente de luxo e desperdício.

Nada podem fazer, cruzam os braços:

O Parc Royal tem como padroeira

nada menos que Nossa Senhora da Conceição.

- Meu pai, posso botar na sua conta

três camisas de seda, um alfinete de gravata?

- Até você, meu filho, até você?!

(ANDRADE, 1986: 207)

Em Juiz de Fora, a loja Parc Royal situava-se na Rua Halfeld nº 807; e havia ainda

um escritório em Paris, na Rue de Trevise nº 41, responsável pelo envio das mercadorias

importadas sob encomenda, compradas diretamente no centro da moda mundial. Conforme

anúncio na Revista Fon-Fon:

Todas as mercadorias estrangeiras são compradas pela sua succursal de Paris, a dinheiro à vista, directamente dos fabricantes. A perfeita

Page 32: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

32

organisação d’esta succursal offerece como vantagens immediatas para os freguezes do Rio, a melhor escolha possível de todas as mercadorias, a remessa immediata de todas as novidades, e o barateamento successivo dos preços que naturalmente decorre da ausencia de comissões a intermediarios, e muitas outras despezas que oneram as compras feitas por outros processos.21

No romance Clara dos Anjos, Lima Barreto externa sua crítica à segregação e ao

preconceito racial e social, numa minunciosa crônica da cidade e do seu tempo, durante o

início do século XX. Nessa obra, o autor faz menção ao Parc Royal durante a incursão do

vilão Cassi Jones ao centro, quando descreve a área nobre do comércio elegante da cidade.

O magazine figura como epicentro do sonho de consumo no Rio de Janeiro, provocando a

admiração de seu personagem:

Entrou pela rua Sete de Setembro e, daí em diante, foi admirando as roupas feitas - por toda a longa fachada do Parc Royal, foi parando diante das vitrines, onde havia roupas e outras peças de vestuário, para homens. Viu fraques, viu suspensórios, viu ligas, viu colarinhos, viu camisas... Que coisas lindas! (BARRETO, 2012: 258)

Rubem Fonseca, por sua vez, cita o Parc Royal nas memórias autobiográficas que

escreveu para seu sítio na Internet, na coluna Lado B: Pensamentos imperfeitos, sob o título

José – uma história em cinco capítulos,22 publicada em 2004. Posteriormente, o conjunto

dessas crônicas integrou também as coletâneas O romance morreu23 e José.24 O autor - cujo

nome completo é José Rubem Fonseca - reconhecidamente avesso a entrevistas, relembra

episódios da sua infância e juventude, e inclui o magazine, que fora local de trabalho de seu

pai:

O pai de José, Alberto, e sua mãe, Julieta, dois jovens imigrantes portugueses, haviam se conhecido no Rio de Janeiro, quando Alberto trabalhava no magazine Parc Royal e Julieta em A Moda, uma elegante loja de roupas femininas.

21 Revista Fon-Fon Nº 15 - Abril 1909 22 Disponível em: http://www.portalliteral.com.br/blogs/pensamentos-imperfeitos-jose-uma-historia-em-cinco-capitulos-2 23 FONSECA, Rubem. O romance morreu. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 24 FONSECA, Rubem. José. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 2011.

Page 33: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

33

O Parc Royal fora fundado em l875, pelo português Vasco Ortigão, filho do conhecido escritor português Ramalho Ortigão, e tornara-se em pouco tempo o mais importante estabelecimento comercial do Rio, com inovações que cativaram os consumidores, como a exibição dos preços de todas as mercadorias e a distribuição de catálogos ilustrados. O prédio da loja, que ocupava um quarteirão inteiro da rua que um dia se chamou Rua das Pedras Negras e depois receberia o nome de Ramalho Ortigão, entre a rua Sete de Setembro e o largo São Francisco, possuía 140 janelas, 48 vitrines externas e 5 portas de acesso. Alberto, que era muito trabalhador, como a maioria dos imigrantes, e sendo particularmente dedicado à firma, alcançou na mesma o posto de gerente, certamente com alguma participação nos lucros, o que lhe permitiu economizar o suficiente para estabelecer o seu próprio negócio. (FONSECA, 2007: 168).

A referência ao magazine encontrada nas citadas obras da literatura brasileira,

efetuada por autores representativos da produção nacional, contribui para delinear a

importância e o lugar que o Parc Royal ocupava no imaginário coletivo de todos os que, de

alguma forma, tiveram pontos de contato com sua existência.

O processo de “Regeneração” do Rio de Janeiro, calcado na ideia do “bota-abaixo”,

afetou toda a população, mas de maneira desigual, acentuando a cisão social que instaurava-

se como efeito constitutivo da nova ordenação republicana. Enquanto alguns ascendiam na

escala social e se beneficiavam da reforma urbanística, outros eram expulsos para os morros

e cortiços, segregados e identificados como foco de problemas que ameaçavam a cidade

moderna, tais como epidemias, sujeira, ócio, criminalidade, ignorância e “cultura primitiva”.

As reformas eram calcadas em crenças e fantasias acerca da Civilização através da

europeização, mas traziam em si uma negação de antigas tradições, bem como uma

condenação de aspectos raciais e culturais da realidade nacional associadas pela elite a um

passado colonial que deveria ser deixado para trás.

A importância crescente do papel da cultura franco-inglesa na esfera das instituições

domésticas da elite carioca não está dissociada de um processo contínuo de influência

estrangeira no Brasil; contudo, se os eflúvios da cultura europeia sempre ecoaram em terras

nacionais desde o descobrimento, a vinculação do país com um mercado mundial centrado

no hemisfério Norte foi decisiva para o apogeu da absorção dessas práticas culturais na

virada do século XX. As mudanças sócio-econômicas que ocorriam no Rio de Janeiro

durante aquele período, bem como a complexidade dos hábitos da alta sociedade, não

Page 34: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

34

podem ser compreendidos fora do âmbito das relações neocoloniais em que se estabeleciam.

Nesse contexto, à medida em que se expandiam a riqueza e as possibilidades de

comunicação, ganhava força a tendência de longa duração da identificação aos referenciais

estrangeiros como elemento essencial na cultura e sociedade de elite.

O desenvolvimento do comércio de moda sofisticada na época em questão é um

elemento no desenvolvimento mais amplo da economia na capital, cujo crescimento ocorria

paralelamente à urbanização e às transformações tanto concretas quanto simbólicas. Os

interesses da classe dominante visavam à adoção de padrões civilizatórios que as

inscrevesse, assim como o país, no “concerto das nações” consideradas de alto

desenvolvimento humano, e a moda estava inserida entre as manifestações estéticas que

faziam parte desse processo. Mais do que uma função de proteção ou pudor, o ato de vestir-

se e a maneira de construir a aparência constituem atribuições de significação, capazes de

traduzir um estilo de vida, uma posição social, uma geração, ideias e sentimentos; a moda

evolui associada às correntes artísticas e arquitetônicas, aos princípios morais, ao código

social de determinado espaço-tempo e às suas estruturas.

Na capital moderna, o ato de fazer compras nas vias de comércio sofisticado

assumia, no início do século XX, um caráter de lazer; a Rua do Ouvidor e arredores, assim

como a Av. Central, personificavam um espaço de sociabilidade da “elite civilizada”. O

consumo de moda, especificamente, além de preencher o horário disponível das “senhoras

elegantes”, consolidava outras funções sociais, uma vez que a exibição de determinada

indumentária em conformidade a códigos estrangeiros representaria um índice de civilidade

e uma estratégia de deferenciação caras às altas camadas da sociedade carioca. Ao poder

distintivo da moda, capaz de incluir ou excluir os indivíduos em círculos sociais, somava-se

ainda um crescente interesse pela novidade no compasso dos tempos modernos; uma

legitimação das inovações a partir da ruptura com a valorização de tradições passadas, uma

exaltação “moderna” do Novo em contraposição à reprodução do passado coletivo de

feições coloniais.

A atuação do Parc Royal no Rio de Janeiro ilustra esses aspectos de modo

paradigmático – a edificação de um templo de consumo que era local de encontro e exibição

da alta sociedade, um centro de produtos imbuídos de atributos simbólicos, capazes de

exercer funções distintivas na esfera socio-cultural a partir de sua cobiça, aquisição, posse e

exibição. No magazine encontrava-se a moda que corporificava o referencial europeu, ao

qual eram atribuídas feições de Civilização e modernidade, além de acessórios e artigos para

casa que acompanhavam os novos padrões. A loja anunciava reiteradamente a importação

Page 35: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

35

das “últimas novidades de Paris”, uma seleção que indicava o quanto a elite carioca estava

permeada pela fetichização de mercadorias baseada numa fantasia de identificação europeia.

Entendido como o revestimento dos objetos destinados à venda com valores

ideológicos,25 o fetichismo de mercadorias esteve presente desde o século XIX na cultura

burguesa que emergia sob o capitalismo europeu como um meio de reprodução da cultura

aristocrática franco-inglesa. Ainda que isso pareça contraditório, após a Revolução Francesa

a ascensão da burguesia não significou um rompimento com valores aristocráticos; pelo

contrário, a estrutura de classe menos rígida criou entre a burguesia certa ansiedade em

relação ao seu status social, já que não possuía uma legitimidade estabelecida como a

nobreza. Os preconceitos de classe permaneceram na sociedade, assim como uma

necessidade de distinção; os burgueses, apesar da destruição da antiga corte, cultivavam um

desejo de equiparação à aristocracia e buscavam a afirmação de um status superior. Para se

distinguirem no anônimo cenário urbano e afirmarem sua condição “respeitável”, as

camadas mais altas da burguesia adotariam um modo de vida e um gosto distintos,

semelhantes aos padrões aristocráticos, como forma de promoverem sua asserção social. O

uso de determinado vestuário incluía-se como uma das formas simbólicas de consagração

entre os “melhores” nas sociedades ainda dominadas por referenciais da nobreza.

Além da permanência desses valores, a crescente industrialização, as mudanças na

capacidade da indústria têxtil e a formação de um mercado urbano concorreram para

impulsionar o “motor” da moda na cultura burguesa. Os efeitos da chamada Revolução

Tecnológica (1870) foram sentidos nas alterações no padrão do comportamento e no quadro

de valores da sociedade ocidental, quando o mundo assumiu uma configuração do modo de

vida semelhante à que presenciamos na atualidade. Em meio ao impacto causado pela

aceleração da vida moderna e o crescimento das cidades, os sinais externos passavam a ser a

forma mais rápida e direta de identificação interpessoal. Nicolau Sevcenko chama atenção

para esse aspecto do consumo como decorrência das novas sensibilidades e percepções

geradas na modernidade, onde a visão e a aparência externa assumem uma proporção maior

no julgamento de outrem:

As pessoas são aquilo que consomem. O fundamental da comunicação – o potencial de atrair e cativar – já não está mais concentrado nas qualidades humanas da pessoa, mas na qualidade das mercadorias que ela ostenta, no capital

25 O conceito de fetichismo da mercadoria aparece nas obras de MARX “The fetichism of commodities and the secret thereof” (p. 215-25) in NEEDEL, 1993: 187.

Page 36: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

36

aplicado (...) em vestuário, adereço e objetos pessoais. (...) Em outras palavras, sua visibilidade social e seu poder de sedução são diretamente proporcionais ao seu poder de compra. (SEVCENKO, 2009: 64).

A ascensão do magazine nas décadas de 1910 e 1920 sob a administração de José

Vasco Ramalho Ortigão pode ser pensada em termos de uma combinação de investimento,

localização, sortimento, divulgação, custo e gestão eficientes, e no encontro entre a oferta e

a demanda dos produtos oferecidos; uma conexão entre o que estava à disposição e os

desejos daqueles que o podiam adquir. É mais fácil entender a expansão da loja se ela for

encarada como um microprocesso inserida no macroprocesso de transformação do Rio de

Janeiro, onde se instaurava a “marcha do progresso” regida por matrizes estrangeiras sob um

modelo liberal capitalista, onde o florescimento do consumo e da moda ecoavam a

reprodução de um ideal de Civilização universal baseado na cultura franco-inglesa.

A duplicação desses fenômenos foi possível dentro das limitações sócio-econômicas

verificadas na capital brasileira; embora houvesse uma difusão do culto às mercadorias

importadas, o luxo não era para todos. Na crônica “As mariposas do luxo”, o escritor João

do Rio descreve o encanto de moças humildes face às vitrines repletas de artigos de moda;

podemos imaginar as “mariposas”, por exemplo, diante do Parc Royal. O desejo de

consumir, o fascínio pelos produtos e toda a frustração diante da impossibilidade de sua

aquisição deixam transparecer incongruências da realidade brasileira:

A rua não lhes apresenta só o amor...Apresenta-lhes o luxo. E cada montra é a hipnose e cada rayon de modas é o foco em torno do qual reviravlteiam e anseiam as pobres mariposas. (...) Quanta coisa! Quanta coisa rica! (...) Morde-lhes a alma a grande vontade de possuir, de ter o esplendor que se lhes nega na polidez espelhante dos vidros. (DO RIO, 2007: 126)

A “Feira das Tentações” estava acessível apenas àquela parcela da população com

condições financeiras de arcar com o desejo consumista adornado por joias, plumas, rendas

e flores, as camadas mais altas da sociedade. Para elas, o Parc Royal proporcionava o acesso

à cultura eurófila através de suas mercadorias importadas; poder consumir naquela loja era

considerado um privilégio, em função da identificação cultural que atribuía ao ato de flanar,

Page 37: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

37

comprar e vestir itens da “última moda” a gratificação da dignidade de um padrão

civilizatório.

Ao anunciar seus produtos, o Parc Royal ressaltava reiteradamente as prerrogativas

de “elegância”, “distinção”, “beleza” e “novidade”, bem como a origem europeia dos

modelos e/ou tecidos utilizados. A eleição do magazine torna evidente o apreço dos

membros da elite pelos produtos importados de luxo e a absorção dos paradigmas franco-

ingleses na moda carioca. Entre os grupos abastados, e também para as camadas médias que

emergiam na cidade, havia uma demanda por um estilo de vida que correspondia àquele

oferecido pela loja através de seus artigos à venda; consumir e exibir a moda do Parc Royal

ía ao encontro dos padrões de comportamento e de sentimento de parte da sociedade daquela

época, motivando o sucesso comercial do estabelecimento.

Paralelamente à evolução dos seus negócios, José Vasco Ramalho Ortigão, assim

como seu tio Joaquim da Costa, revelava-se atuante em associações portuguesas e na

sociedade carioca. O movimento associativo português esteve presente no Brasil desde o

período colonial e ganhou projeção no Rio de Janeiro, à medida em que a capital

consolidava seu perfil mercantil. Instituições beneficentes e filantrópicas, culturais e

recreativas colaboravam na manutenção da coesão e da identidade da comunidade

portuguesa, e contavam com o empenho de personalidades pró-ativas para sua organização e

consolidação.

Na investigação de traços biográficos de José Vasco R.O., foram encontradas

evidências de sua participação em diversos eventos da esfera luso-brasileira, corroborando a

hipótese de sua notoriedade e influência social. Nesse sentido, podemos pensar em seu

comportamento como exemplar de uma biografia modal nos termos da definição de

Giovanni Levi,26 ou seja, um percurso individual que ilustra uma forma típica de status. O

sócio-administrador do Parc Royal era um imigrante português bem sucedido, comerciante,

inscrito na vida social do seu tempo, membro da nova elite urbana que, entre outras práticas

distintivas (por exemplo, a preocupação com a aparência e o uso de signos específicos),

afirmava seu poder através da capacitação profissional e do fomento às atividades estéticas e

culturais.

O historiador americano Jeffrey Needell, ao descortinar o comportamento e os

valores socio-culturais da alta sociedade carioca no período da belle époque, resgata

26 FERREIRA, Marieta e AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006. p. 175.

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38

percursos individuais de personalidades pertencentes àquela camada como uma via

enriquecedora para a produção de conhecimento histórico:

Neste exame das trajetórias dos membros do “alto mundo” da belle époque, foram delineadas as bases e a natureza de grande parte deste mundo. Cada uma dessas pessoas contribuiu para fazer da alta sociedade o que ela era: uma existência de luxo e requinte que se baseava preponderantemente em modelos culturais estrangeiros. Elas assim o fizeram, no entanto, como parte de carreiras inseparáveis da realidade nacional na qual estavam imersas, (...), ao longo do período em que se registrava o surto de expansão da economia urbana, quando se criava a infra-estrutura do país e se promoviam as reformas urbanas do Rio (...).(NEEDEL, 1993: 127-128).

Entre as figuras notórias investigadas, o autor incluiu Rui Barbosa, Inglês de Souza,

Bebê Lima e Castro, Pinheiro Machado, Laurinda Santos Lobo e Ataulfo de Paiva.

Analogamente, nossa intenção no resgate da história do Parc Royal e de José Vasco

Ramalho Ortigão é iluminar pontos de análise da elite carioca, levando-se em conta aspectos

que podem colaborar para o entendimento de um modo de vida. Afinal, ainda que o foco

seja sobre apenas uma parte da sociedade, o próprio Needel destaca o alcance de suas ações:

A aparente frivolidade perceptível em muitos aspectos da cultura da elite não deve obscurecer o processo no qual ela desempenhou importante papel. Nos limites deste pequeno mundo manifestava-se a dinâmica da transformação do país. (NEEDEL, 1993: 129).

A imprensa e as revistas mundanas contribuíam na determinação dos costumes e

hábitos que corporificavam uma sociedade civilizada e cosmopolita. Entre os novos

parâmetros, a visibilidade e a exposição pública eram ao mesmo tempo divulgadas e

vigiadas por esse veículos da mídia; os colunistas sociais poderiam reforçar ou denegrir a

imagem dos atores que participavam do desfile social. A presença da família de

J.V.Ramalho Ortigão nas colunas dos periódicos Careta e Fon-Fon reforça sua identificação

como uma reconhecida personalidade da cidade; ter uma foto de corpo inteiro era um

indício de homenagem às pessoas de prestígio social. Entre os exemplos encontrados na

pesquisa iconográfica, há uma foto de sua filha Maria Amélia, pomposamente vestida, em

pleno flagrante da Careta do footing na Av. Central:

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39

Fig. 4. Revista Careta Nº. 72 – Outubro, 1909

Na ocasião da inauguração da nova sede no Lgo. S. Francisco em 1911, os sócios e

membros da família ocuparam uma foto de página inteira no mesmo periódico, posando nas

escadarias da loja:

Fig. 5. Revista Careta Nº. 146 – Março,1911

Em diversas ocasiões que mobilizavam a cidade, o Parc Royal se fazia de alguma

forma presente e, consequentemente, destacava-se no noticiário. Entre outros exemplos, no

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40

funeral do Barão do Rio Branco em 1912, o magazine ofereceu uma coroa de flores, e

ganhou uma foto na revista Fon-Fon.27

No tricentenário da morte de Camões (1880), “uma plêiade de portugueses do Rio de

Janeiro, de sólida formação intelectual e de grande prestígio, como [...], José Vasco

Ramalho Ortigão e outros, resolve fazer da participação da “colonia” nas celebrações

camonianas um contraponto às disputas e à mesquinhês de além-mar”.28 O grupo do Real

Gabinete Português de Leitura fez questão de comemorar ostensivamente a efeméride,

sublinhando uma posição contrária ao desdém que Portugal, naquele momento, reservava à

saga dos descobrimentos e ao poeta.

Além de deixar entrever seu posicionamento político, José Vasco Ramalho Ortigão

parecia valorizar também manifestações artísticas e culturais, e era reinvindicado para

integrá-las. Em 1903, fez parte da comissão de Conselheiros convidados por Pereira Passos

para realizarem a Batalha das Flores29 no jardim da Praça da República (Campo de

Santana), até então pouco frequentado. O prefeito visava, além da reforma física do espaço,

oferecer outras oportunidades de lazer, numa tentativa de regulamentar e conter a

manifestação popular que era o carnaval. Tratava-se da remodelação dos costumes, voltada

para formas de cultura e religiosidade que não se encaixassem nos novos parâmetros de

civilidade. Afinal, a reforma urbana que caracterizou o período da belle époque (1898-1914)

visava não somente à promoção de mudanças práticas de saneamento, planejamento

urbanístico e arquitetura, mas igualmente mudanças simbólicas, através da implementação

de signos de civilização manipulados pelo poder público e pelas elites de modo a causar

impacto na população. A Batalha das Flores era uma tradição francesa, consistia no desfile

de carruagens integradas por moças e rapazes, que atiravam flores uns contra os outros, e

também contra os espectadores. Era necessário pagar pela entrada, e também por assentos,30

o que tornava a festa mais elitista. Na comissão de Conselheiros, figuravam nomes de peso,

além do próprio José Vasco: Souza Aguiar, Ataulpho de Paiva, Paulo de Frontin, Eugênio

Gudin e Hermes da Fonseca, entre outros. No Rio de Janeiro, a Batalha das Flores ocorreu

durante alguns anos, mas nas décadas seguintes não se impôs à maneira carioca de

comemorar espontaneamente o carnaval.

27 Revista Fon-Fon - Nº 11, Março/1912 28 COSTA, Antonio Gomes da. “Catedral da Cultura Portuguesa” in Revista Camões no. 11, Centro Virtual Camões / Instituto Camões – Portugal, 2000. p. 52 29 DUNLOP, Charles. Rio Antigo – Vol. I. Rio de Janeiro: Rio Antigo, 1963. p. 25. 30 DUNLOP, Charles. Rio Antigo – Vol. I. Rio de Janeiro: Rio Antigo, 1963. p. 26.

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41

Em 1908, o empresário foi convocado também por José Veríssimo para a formação

de uma outra comissão, dessa vez para a edificação de um monumento a Machado de Assis,

que havia falecido em 29 de Setembro daquele mesmo ano; o convite foi formalizado em

sessão da Academia Brasileira de Letras.31

Naquele mesmo ano, a Exposição Nacional em comemoração ao centenário da

abertura dos portos (1808) mobilizava autoridades e a população. Promovida pelo Governo

Federal entre janeiro e novembro, a mostra pretendia exibir ao mundo o desenvolvimento

nacional, em pontos selecionados como a urbanização realizada por Pereira Passos, Lauro

Müller, Paulo de Frontin e o saneamento promovido por Oswaldo Cruz, incluindo as

novidades industriais. A Praia Vermelha, na Urca, sediou grandes pavilhões palacianos,

quase todos demolidos anos depois, que representavam os estados brasileiros e Portugal,

país convidado. Numa estrutura que incluía, além dos pavilhões, restaurantes e teatro, o

progresso era revelado e entregue ao público como prova das conquistas promovidas com o

ideal positivista.

O Parc Royal ocupava uma sala do Palácio das Indústrias da Exposição, ampliando

ainda mais sua visibilidade junto à frequência que lotava os espaços, ao mesmo tempo em

que agregava ao magazine e seus produtos uma imagem de modernidade, inovação e estado

da arte. A loja foi contemplada com medalha de prata na categoria “Chapéus para homens,

senhoras e crianças”, além de obter o Grande Prêmio nas categorias “Produtos de alfaiate e

costureiras” e “Roupas brancas para homens, senhoras e crianças.”32

José Vasco Ramalho Ortigão mantinha, ainda, ligações com o universo musical.

Promoveu performances e saraus no interior de sua loja;33 anunciava no verso de partituras e

nas capas dos programas do Theatro Municipal, imprimindo um valor cultural à marca,

enquanto atingia o público-alvo requintado que frequentava os espetáculos. Ocupou a

presidência do Clube Euterpe, localizado no sobrado da Rua do Teatro nº. 33, onde teve a

oportunidade de alavancar talentos. Foi ele quem fez uma proposta-convite à musicista

Chiquinha Gonzaga para que ela se tornasse sócia-honorária,34 garantindo sua presença nas

reuniões, soirées lítero-musicais e concertos organizados pela agremiação. Chiquinha, por

31 Ata da sessão de 14 de novembro de 1908. 32 Almanaque Laemmert, 1909, p. 2384. 33 Em 1911, a cantora francesa Eugénie Buffet apresentou Les Grimaces num tablado colocado na sede do magazine, acompanhada de piano, diante de uma plateia que lotou os dois andares para prestigiar o evento, conforme registro da Revista Fon-Fon - Nº 29 – Julho 1911. 34 DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga, uma história de vida. Rio de Janeiro: Ed.Rosa dos Tempos, 1991. p. 174

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42

sua vez, quando tornou-se sócia e diretora de concertos do Clube, dedicou a ele em 1899 a

valsa “Falena”, de sua autoria.35

Em relação à vida privada de José Vasco Ramalho Ortigão, alguns detalhes foram

expostos em relato concedido por José de Barros Ramalho Ortigão Junior, seu sobrinho-

neto: José Vasco era casado com uma espanhola, mas apaixonou-se por Amélia Marques,

funcionária da loja, e separou-se para viver com ela. Segundo ele, essa atitude, considerada

escandalosa na época, causou o afastamento de outros membros da família Ramalho

Ortigão. Tiveram dois filhos, José Duarte Ramalho Ortigão Junior (1886) e Maria Amélia

Ramalho Ortigão (1893). Considerando o citado aspecto matrimonial, José Vasco Ramalho

Ortigão personificaria um caráter de exceção, numa sociedade onde o distrato conjugal não

era comum, nem visto com bons olhos; não obstante, pela sua trajetória, podemos concluir

que suas escolhas pessoais não foram impeditivas de êxito.

35 Dados do “Acervo digital Chiquinha Gonzaga”. Disponível em: http://www.chiquinhagonzaga.com/acervo/partituras/falena_piano.pdf

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43

3 – Análise de discurso crítica da publicidade do Parc Royal: uma

perspectiva metodológica

Durante o processo de investigação, o conjunto do material publicitário do magazine

levantado na pesquisa iconográfica evidenciou algumas especificidades que destacaram-se a

priori: a quantificação, a diversidade de veículos escolhidos pelo anunciante e a identidade

visual dos reclames ilustrados por Manoel de Mora.

Em relação aos seus mais evidentes concorrentes nas décadas de 1910 e 1920, Casa

Colombo, Á Brasileira e Notre Dame de Paris, localizados respectivamente na Av. Central,

no Largo de São Francisco e na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, o Parc Royal excedia os

demais competidores em investimentos publicitários; apuramos 317 anúncios da loja

publicados no período, nos periódicos Careta, Frou-Frou, O Malho, Revista da Semana, D.

Quixote, Fon-Fon e almanaques Eu Sei Tudo e Tico-Tico, uma quantidade e um sortimento

de veículos expressivos, superiores aos encontrados dos outros magazines. Além das

propagandas em revistas, foram resgatados também reclames em capas de programas do

Theatro Municipal e no verso de partituras musicais, cartões-postais personalizados bem

como outras formas de divulgação que detalharemos no capítulo a seguir.

No presente momento, faz-se mister esclarecer os motivos da opção metodológica

que contempla o exame do material publicitário do Parc Royal como um meio capaz de

permitir a observação de uma época e a derivação de contextos, mormente o que diz respeito

ao entendimento do consumo de moda e acessórios de luxo como um processo sociocultural.

A investigação dessa produção de propaganda pode clarificar aspectos de uma lógica

cultural que orientava a reprodução daquela sociedade.

Ao promover um debate em torno das razões simbólica e prática, Marshall Sahlins

afirma que “a efetividade material somente existe na medida e na forma projetada por uma

ordem cultural” (SAHLINS, 2003: 184), e demonstra que produção e consumo não são

resultado somente de determinações objetivas, mas sim de uma razão cultural que incorpora

a esfera da intencionalidade subjetiva. Para além da influência de uma razão prática e

utilitarista, nossas formações sociais são atravessadas por nossos simbolismo, mitologia,

totens e magias (ROCHA, 2010: 194). O consumo nas sociedades modernas é uma questão

cultural: “[...] as chamadas necessidades básicas são inventadas e sustentadas na cultura.

Esse é o esclarecimento, a grande descoberta da antropologia” (DOUGLAS e

ISHERWOOD, 2009: 15).

Page 44: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

44

Além dos autores acima citados, Colin Campbell também promoveu investigações

teóricas acerca do consumo simbólico, desenvolvendo uma visão que associa consumo e

prazer; em função de atributos e significados intangíveis atribuídos aos produtos pela

publicidade, eles tornam-se capazes de provocar uma satisfação potencial e oferecer a

experimentação de prazeres criados pela imaginação: “(...) imagens e significados

simbólicos são tanto uma parte “real” do produto quanto os ingredientes que os constituem”.

(CAMPBELL, 2001: 74). Há uma manipulação viabilizada pela publicidade por meio da

emoção envolvida na compra, onde o aspecto afetivo passa a ser mais crucial para o

consumo do que uma decisão de cálculo. Para Campbell, o Romantismo proporcionou uma

dinâmica fundamental para o consumismo moderno, na medida em que a sensibilidade e a

imaginação puderam predominar sobre a razão. O desejo de adquirir um determinado objeto

pode então ser pensado não a partir de um espírito materialista, mas sim de um desejo de

experimentar, na realidade, emoções experimentadas em devaneios; é como se o produto

proporcionasse a possibilidade de realizar essa ambição, numa interação dinâmica entre

ilusão e realidade.

A publicidade favorece esse jogo onde o consumo seria uma forma de concretizar o

que se deseja ter e ser, criando um discurso associativo que reforça a ideia de recompensas,

tais como sensações positivas, satisfação do ego ou projeção social. Esse tipo de

comunicação baseia-se numa ficção narrativa que, além de transmitir informações objetivas

sobre os produtos, reflete valores, estilo de vida e sensibilidades reconhecíveis e desejáveis

pelo consumidor-alvo, alimentando suas fantasias enquanto ritualiza situações comuns e

complementa os acontecimentos, investindo em novos significados. Os anúncios

publicitários, um fenômeno típico das sociedades modernas, industriais e capitalistas, se

prestam a uma análise capaz de traçar paralelos com as categorias mito e ritual presentes nas

sociedades, evidenciando uma forma de se discorrer sobre a realidade com base nas práticas

sociais que correspondem a esse sistema conceitual.

Pretende-se realizar, assim, uma análise das mensagens contidas nos anúncios do

magazine, entendidas como manifestações de um sistema de significação que é estruturante.

Na medida em que as noções de utilidade, valor e função de produtos são relativas a um

esquema cultural, a comunicação publicitária do Parc Royal apresenta-se como um

indicador dos processos sociais ligados às escolhas materiais do público consumidor.

A publicidade, desenvolvida paralelamente à evolução do mercado urbano e dos

meios de comunicação, é uma estratégia que tem como objetivo primordial a venda de

produtos e a abertura de mercados; para isso, busca atrair e cativar seus receptores

Page 45: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

45

dirigindo-se a eles, falando deles, transmitindo mensagens e formulando conceitos que

corporificam um sistema simbólico. Sua capacidade de influenciar comportamentos vai

além do incentivo ao consumo, transformando hábitos, informando, educando, construindo

identidades e reforçando valores. Trata-se de um discurso alinhado ao sistema capitalista e

sua permanência, propagando o estilo de vida de forças dominantes. O universo dos

anúncios é calcado numa dimensão ideal da vida, um mundo “mágico”, onde as

experiências humanas são bem sucedidas, recompensadas, atreladas ao consumo como

projeto existencial. Não obstante esse caráter de idealização, as situações retratadas nos

reclames refletem aspectos da sociedade e, mais especificamente, do grupo ao qual se

dirigem, sacralizando momentos do cotidiano e manipulando símbolos, numa relação

complexa com a realidade na qual estão inseridos.

O antropólogo Everardo Rocha, ao empreender uma discussão sistemática da

publicidade, ressalta sua capacidade de contribuição para o conhecimento de certos sistemas

de ideias, representações e do pensamento de uma sociedade.36 Em seus próprios termos:

Os anúncios publicitários se constituem, pois, num foco de estudos rico de possibilidades como via de acesso a determinadas questões da sociedade que os produz. Neles, em imagens e textos, em seu discurso, enfim, abre-se um espaço que permite e incentiva toda uma grande especulação. Ali se apresentam certos problemas relevantes quanto ao papel e função do “mundo de ideias” que o anúncio carrega consigo e que fixa junto ao corpo social. (ROCHA, 2010: 31)

A produção publicitária do Parc Royal, volumosa e constante nas décadas que

compõem o recorte temporal dessa pesquisa, retrata uma série de representações, e remete a

padrões de interação, de ambições e sentimentos que podem ser depreendidos a partir de

uma análise que se propõe a surpreender certos fenômenos da sociedade.

Na primeira metade do século XIX surgiram as primeiras lojas de departamento na

França e na Inglaterra, estabelecimentos que vendiam não apenas tecidos, mas diversos

artigos manufaturados e acessórios diversos. Caracterizadas por vitrines de vidro, compras

por atacado e venda a preços mais baixos, preços fixos e divisão em setores, essas lojas

ampliaram o conceito da compra como uma aventura divertida para os ricos; a circulação

36 ROCHA, Everardo. Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da sociedade. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2010. p. 34

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46

naqueles espaços plenos de novidades e exibição esmerada de produtos tornavam a

aquisição de bens uma experiência de prazer.

O valor dos objetos não residia apenas no seu uso, mas no que representavam

socialmente; comprar determinada mercadoria seria, de certa forma, adquirir um passaporte

para o ingresso na esfera aristocrática. A vida elegante, identificada com padrões

nobiliárquicos, havia sido corporificada nas mercadorias à venda nas vitrines.

Walter Benjamin, analogamente ao conceito de fetichização de mercadorias

contemplado por Marx em sua crítica ao sistema capitalista, ressalta a fantasmagoria como

uma categoria inerente à cultura moderna derivada das abstrações da produção daquele

mesmo sistema (BENJAMIN, 2009: 23). Ao analisar a cultura material no século XIX, o

filósofo trata de temas como ruas, flânerie,37 lojas de departamentos, panoramas, exposições

universais, tipos de iluminação, moda e reclames, entre outras manifestações urbanas

surgidas à época. Benjamin fez uma apreciação da ambiguidade própria das relações e dos

produtos sociais da modernidade, ressaltando as ilusões e as promessas contidas nas formas

de vida condicionadas pela produção de mercadorias. A função de fantasmagoria descrita

por Benjamin seria uma função de transfiguração, pela qual o valor de troca, idealizado, se

sobrepõe ao valor de uso de um objeto. Em sua observação:

A multidão é o véu através do qual a cidade familiar acena para o flâneur como fantasmagoria. Nela, a cidade é ora paisagem, ora sala acolhedora. Ambas são aproveitadas na configuração das lojas de departamentos, que tornam o próprio flanar proveitoso para a circulação de mercadorias. A loja de departamentos é a última passarela do flâneur.(BENJAMIN, 2009: 47) Basicamente, a empatia pela mercadoria é a empatia pelo próprio valor de troca. O flâneur é o virtuoso dessa empatia. Leva a passeio o próprio conceito de venalidade. Assim como o grande magazine é seu derradeiro refúgio, assim sua última encarnação é o homem-sanduíche. (BENJAMIN, 1994: 53)

Ele chama atenção igualmente para o caráter ilusório do Novo como valor supremo

da modernidade por excelência, aliado à ideia do progresso. O Novo também seria uma

qualidade independente do valor de uso da mercadoria, “é a quintessência da falsa

consciência cujo agente infatigável é a moda” (BENJAMIN, 2009: 48). Ainda: “A moda

37 Ato de deliberadamente e descompromissadamente vagar pelo espaço urbano, em busca de detalhes escondidos ou imperceptíveis aos olhos mais apressados; perambulação.

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47

prescreve o ritual segundo o qual o fetiche, que é a mercadoria, deve ser adorado. (...) Ela

acopla o corpo vivo ao mundo inorgânico. O fetichismo que está assim submetido ao sex

appeal do inorgânico é seu nervo vital.” (BENJAMIN, 2009: 58)

Na virada do século XXI, à medida em que se consolidava o relacionamento

neocolonial entre o Brasil e as nações centrais do hemisfério norte, as instituições

domésticas indicavam uma crescente absorção dos paradigmas culturais europeus, atraentes

para os interesses da classe dirigente. O desenvolvimento do comércio de luxo e da moda

conforme esses padrões valorizados pela elite são indicadores desse processo, embora as

condições brasileiras deixassem marcas de incongruência entre desejos particulares e o

cenário social.

Nesse contexto do desenvolvimento capitalista, onde a moda assumia uma

importância cada vez maior na cultura burguesa, a publicidade passou a exercer um papel

crucial diretamente relacionado aos fenômenos da fetichização/fantasmagoria dos bens

produzidos pelo sistema econômico, contribuindo para a manutenção de sua engrenagem.

Vejamos de que forma.

O circuito mercantil é baseado em dois domínios fundamentais: produção e

consumo, cada qual com características próprias. No seu exame da economia burguesa,

Marx detectou no processo da produção uma exclusão da marca humana individualizada;

entre materiais e máquinas, qualquer força de trabalho pode ser aceita indiferentemente, e o

produto será indistinto independentemente de qualquer particularidade do trabalhador que

vendeu sua força de trabalho. É o conjunto da maquinaria que determina o ritmo, a ordem e

o movimento do processo de produção, e não o trabalhador que a opera. O homem, nessa

etapa, é uma mera força motriz facilmente substituível, e não deixa impressões pessoais

reconhecíveis no produto final, seriado e anônimo; ele (o produto) perde a propriedade

distintiva da humanização.

A outra fase da trajetória social do produto – o consumo – é oposta ao domínio da

produção, na medida em que os produtos deverão ser consumidos por seres humanos

particulares; deverão ter nome e identidade para encontrar um lugar em vidas singulares. No

domínio do consumo ocorre uma troca que envolve homens e objetos, produzindo

significações e distinções sociais. Através do consumo, os objetos passam a exercer uma

função de diferenciação dos homens entre si, como um sistema de classificações. Conforme

análise de Everardo Rocha:

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48

O consumo é, no mundo burguês, o palco das diferenças. O que consumimos são marcas. Objetos que fazem a presença e/ou ausência de identidade, visões de mundo, estilos de vida. (...) Enfeites e objetos os mais diversos não são consumidos de forma neutra. Eles trazem um universo de distinções. São antropomorfizados para levarem aos seus consumidores as individualidades e universos simbólicos que a eles foram atribuídos. (ROCHA, 2010: 85)

No universo econômico, as esferas de produção e consumo se complementam,

mantendo contudo suas diferenças e oposições caracerísticas. A função da publicidade é

justamente mediar esses dois campos, omitindo por um lado os processos de produção e a

história social do produto, enquanto reifica, por outro lado, o “bem de consumo”, atrelando

os objetos à venda a fantasias e imagens com força classificatória e distintiva. Jean

Baudrillard, em seu estudo sobre a publicidade (BAUDRILLARD, 1973: 184) constatou

essa dissociação entre o trabalho e o produto na sociedade industrial, percebendo a

publicidade como um elemento que corrobora essa separação. Em razão de sua operação, o

produto não só deixa de evocar a realidade contraditória da sociedade, como se transforma

num bem imerso em fábulas e sentidos que poderá ser adquirido para produzir diversas

distinções.

O discurso publicitário atua exercendo uma função nominadora, atribuindo

conteúdos, representações e significados aos produtos; através dessa categorização, opera

como um instrumento seletor do mundo, diferenciando grupos sociais. Essa ação de

individuação realizada pela publicidade remete a uma ação totêmica – uma articulação de

diferenças – no sistema cultural das sociedades industriais e capitalistas.

O totemismo pode ser definido como um sistema de significação que promove uma

complementaridade entre natureza e cultura a fim de exercer uma lógica distintiva; nas

sociedades tribais, o totemismo identificava os seres humanos com determinados elementos

da natureza, produzindo dessa forma uma diferenciação entre eles. Cada grupo social era

identificado a um animal ou planta distintas - como resultado dessa operação, num conjunto

onde todos são seres humanos, a sua associação a elementos da natureza diferentes entre si

servia para diferenciar os indivíduos. Conforme exemplo enunciado por Roberto Da Matta

(DA MATTA, 1981:134): numa sociedade, se o clã A é aliado do urso, o B, da águia e o C,

da tartaruga, na medida em que todos esses animais são diferentes entre si, os clãs a eles

associados também passariam a ser percebidos como diferentes uns dos outros. O totemismo

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49

é uma forma de classificar o mundo que permite, assim, que iguais sejam vistos como

distintos.

Nas sociedades moderno-capitalistas, o sistema totêmico é exercido, de certa forma,

pela publicidade, através da substituição de espécies naturais por espécies de objetos para

fins de associações distintivas:

A publicidade – enquanto narrativa do consumo – estabelece uma cumplicidade entre a esfera da produção com sua serialidade, impessoalidade e sequencialidade e a esfera do consumo com sua emotividade, significação e humanidade. (...) A publicidade, parafraseando Lévi-Strauss, pode ser vista como uma espécie bem verdadeira de “totemismo hoje”. Ela é o território do “simbólico” encravado no reino da razão prática. (ROCHA, 1995: 154)

As propagandas promovem uma complementaridade entre pessoas e produtos que,

aliados a nomes, identidades, situações sociais e estilos de vida, são classificados, nos

classificando. Trata-se de uma construção ideológica que permite a inserção do consumidor

numa determinada região simbólica a partir da aquisição de um determinado produto,

estabelecendo diferenças a partir da correspondência entre consumidores e as imagens e

personalidades atribuídas a esses produtos.

Desse modo, o exame do conjunto de anúncios do Parc Royal veiculados nas

décadas de 1910 e 1920 revela-se um tipo de interpretação que buscará determinar alguns

dos seus significados, a quais interesses serviam, quem eram e como viviam seus

destinatários, que associações entre pessoas e produtos promoviam, quais representações e

identidades reforçavam ou construíam. Os anúncios vinculam diversos atributos ao

nome/marca de um produto – no caso, aos produtos de um determinado estabelecimento -

visando à identificação de um público alvo com as definições de tais características. As

situações encenadas na propaganda particularizam emoções, atitudes, momentos, tipos de

pessoas, ora reforçando concepções pré-concebidas, ora sugerindo deslocamentos

significativos.

A publicidade, ao espelhar a cultura que a hospeda, também recria essa mesma

cultura a partir do modelo de seu conteúdo. Entendemos que a criação dessas representações

permite pensar a identidade do público a quem se dirigiam, seus desejos, aspirações e

valores, bem como as forças dominantes que orientavam suas escolhas. As mensagens

contidas nos anúncios do Parc Royal desvelam elementos do sistema de significações onde

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50

encontravam-se inseridos, e suscitam reflexões sobre o que simbolizam em termos das

relações entre fantasia e consumismo, que se estendem, em grande medida, à cultura de

consumo contemporânea.

Ressalte-se que no início do Século XX as revistas ocupavam papel preponderante

no universo editorial brasileiro, personificando o canal ideal para a divulgação publicitária.

A riqueza visual que ofereciam, aliada ao caráter incipiente da população em matéria de

cultura letrada,38 são alguns dos motivos que concorreram para a penetração dessas

publicações no imaginário brasileiro. Durante o vasto período de sua primazia, ocuparam o

posto de veículo de comunicação por excelência, lugar cedido posteriormente ao rádio e à

televisão. Com ampla distribuição e circulação, as revistas atingiam um considerável

público leitor, gozando um status privilegiado aliado à boa recepção de seu conteúdo. As

publicações eleitas pelo Parc Royal para a impressão de seus anúncios são exemplos da

longevidade desses periódicos: a Revista da Semana circulou entre 1900-1959, O Malho

entre 1902-1954, Fon-Fon! entre 1907-1958, Careta entre 1908-1960, Eu Sei Tudo entre

1916-1957, apenas para citar algumas.

Com conteúdo diversificado, as revistas de variedade abrangiam o cotidiano na

cidade, com artigos sobre comportamento, moda, ciência, comércio, política, literatura, artes

e esportes, entre outros. As charges, caricaturas, fotogravuras (posteriormente, fotografias) e

os reclames ocupavam espaço considerável nessas publicações, que valorizavam o humor e

a sátira irreverente para cativar o público, ao passo em que exerciam uma crítica social.

Algumas possuíam cunho mais elitista, como O Malho, Fon-Fon e Frou-Frou; outras mais

ecléticas, como a Careta, visavam um público mais variado, mas, na interseção de seus

leitores, todas atingiam a elite burguesa letrada carioca.

Inovadoras no plano gráfico e no modelo editorial, as revistas utilizavam-se dos

novos artefatos de impressão e ilustração, destacando-se por seu relevo literário,

iconográfico e informativo. Símbolos de modernização e representativas de uma nova

realidade técnica, versavam sobre a temática urbana, exaltando o progresso e o

cosmopolitismo. As revistas tratavam de forma favorável as transformações executadas pelo

poder público no início do século XX, bem como as civilidades importadas da Europa que

eram adotadas na metrópole, atuando como uma espécie de plataforma de divulgação da

modernidade.

38 MARTINS, Ana Luiza. Revistas na emergência da grande imprensa: entre práticas e representações. (1890-1930). In: ABREU, Márcia & SCHAPOCHNIK, Nelson (org.). Cultura letrada no Brasil: objetos e práticas. Campinas: Mercado de Letras/ALB, 2005. p. 248-251.

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51

Em que pesem suas características estéticas e literárias, o surgimento e a

consolidação das revistas ilustradas podem ser entendidos no contexto mais amplo da

reurbanização posterior à consolidação da República, onde verificava-se o crescimento da

sociedade burguesa, da população letrada e o aumento da disponibilidade dos bens de

consumo. Inseridas no sistema cultural da época, essas publicações eram porta-voz das

novidades ansiadas por um público ávido por um novo estilo de vida; Nicolau Sevcenko

informa como sua leitura tornou-se hábito entre as elites:

Novas técnicas de impressão e edição permitem o barateamento extremo da imprensa. O acabamento maisapurado e o tratamento literário e simples da matéria tendem a tornar obrigatório o seu consumo cotidiano pelas camadas alfabetizadas da cidade. Esse “novo jornalismo”, de par com as revistas mundanas, intensamente ilustradas e que são o seu produto mais refinado, torna-se mesmo a coqueluche da nova burguesia urbana, significando o seu consumo, sob todas as formas, um sinal de bom-tom sob a atmosfera da Regeneração. (SEVCENKO, 2003: 119)

Nas colunas que versavam sobre moda e comportamento, os jornalistas tratavam de

detalhes da vida cotidiana, determinavam quais eram os referenciais de elegância e

distinção, opinando sobre a vida mundana e demais questões ligadas à cidade. Havia uma

dimensão educativa e disciplinar nesse discurso, que também operava como difusor do

ideário da modernidade. As classes dominantes, por seu turno, valorizavam informações que

personificassem um estilo de vida consoante seus devaneios europeizantes, e consumiam

esse jornalismo incorporando os modelos de prestígio e de bom gosto por ele proclamados.

Obedecendo regras precisas, a correção na maneira de vestir era exposta por textos e

imagens impregnados de literalidade, que não exigiam de seus leitores um esforço de

interpretação adaptativa para traduzir “conceitos” em “roupas usáveis”; os modelos de

roupas, acessórios e penteados eram acompanhados por minunciosas instruções de uso - em

qual ocasião e local deveriam ser usados, sob qual condição, para qual faixa etária, gênero,

enfim – e serviam como matriz a ser copiada pelos leitores. As colunas faziam a crônica da

moda e dos modismos sociais, ditando parâmetros de “certo” e “errado” em matéria de

vestuário e comportamento.

Em meio a esse manancial de referências, figuravam nas revistas anúncios diversos

entremeados com o conteúdo editorial; na primeira década do século XX, os produtos

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52

divulgados com mais frequência eram alimentos, bebidas, remédios, mobiliário, pianos,

perfumaria, calçados e roupas – acrescidos, nos anos 1920, por reclames de automóveis,

máquinas fotográficas, máquinas de escrever e alguns aparelhos elétricos como

refrigeradores, fonógrafos, rádios e radiolas. O desenvolvimento econômico promovia um

crescimento urbano capaz de ancorar diversas atividades profissionais e setores de negócios

que necessitavam comunicar sua existência ao mercado.

Em relação à moda, a maior parte da publicidade era veiculada por empresas de

comércio varejista, geralmente localizadas nas Ruas Ouvidor, Uruguaiana, Largo de São

Francisco e Av. Central. Não havia anúncios de determinadas marcas de roupa; a indústria

nacional era ainda incipiente, e as lojas que faziam importação preferiam destacar seu

próprio nome, ao invés de alguma grife. Desse modo, o nome da loja era a própria marca a

ser consumida, e a frequência naquele lugar, onde poderia-se adquirir seus produtos

expostos, é o ato que seria capaz de aferir a seu adquirente os desdobramentos simbólicos

por ele almejados. O Parc Royal obedecia a essa lógica, e reforçava nos anúncios sua

identidade como “o” local onde se poderia comprar vestuário masculino, feminino e infantil,

fossem modelos importados de Paris ou confeccionados nas próprias oficinas com tecidos

estrangeiros, e também acessórios e artigos para a casa.

O conjunto dos reclames alinhava-se com as informações contidas nas publicações e

complementava o ideário de modernidade, oferecendo, na prática, produtos que seriam

utilizados pelos leitores que desejassem vivenciar aquele estilo. As formas de sociabilidade

eram documentadas nas páginas das revistas, e as propagandas que se seguiam ofereciam os

trajes apropriados para serem usados naquelas ocasiões.

Essa relação sintônica é ilustrada pelo Parc Royal; no período examinado na

presente pesquisa, encontrava-se reiteradamente no corpus editorial fotos de eventos

frequentados pela elite carioca, tais como bailes e chás dançantes em salões de clubes ou

hotéis (geralmente nos Hotéis Glória e Copacabana Palace), reuniões beneficentes,

flagrantes de footing na Avenida Central ou à saída da missa na Praça Duque de Caxias

(atual Largo do Machado). A “audiência elegante” marcava presença também nas

competições de esportes náuticos, como convidados, para assistirem as provas na barca do

Club Boqueirão do Passeio ou do Club Internacional de Regatas, além do Pavilhão de

Regatas, localizado na Praia de Botafogo; o turfe, outro esporte muito popular à época, era

igualmente acompanhado pelo desfile social dos espectadores no Jockey Club e Derby Club.

Fotos de banhistas na Avenida Beira Mar, e na década de 1920 também em Copacabana e

na Praia de Icaraí, contribuíam para difundir a praia como nova modalidade de lazer; e o

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53

Carnaval também era amplamente divulgado, tanto nas versões mais elitizadas dos bailes

fechados em clubes e do corso, como nos populares blocos de rua e banhos de mar à

fantasia.

As imagens dos hábitos sociais da alta sociedade ocupavam parte considerável das

revistas de variedade, que auxiliavam na propagação dos valores cultuados pela dominante

elite urbana e burguesa, atualizando constantemente mudanças estéticas e informando o que

seria considerado de bom gosto. Nesse contexto, o Parc Royal oferecia em seus anúncios

“tudo moderno e chic”,39 as “últimas novidades da moda”,40 um sortimento que “distingue-

se pela modicidade, elegância e variedade, inteiramente novo e notável pelo bom gosto, pela

qualidade e excepcional barateza dos preços”.41

Nos rol dos anúncios, as palavras “distinção” e “elegância” eram as que apareciam

com mais frequência, na medida em que o magazine reiteradamente lembrava a seu público

a necessidade de manter essas faculdades como meio de aprovação social e satisfação

individual no âmbito das classes abastadas. A elaboração da aparência, incluindo-se aí

roupas, acessórios, gestos e comportamentos, delineava o status pessoal, materializando uma

expressão do devaneio de identificação da elite em relação à cultura europeia.

No discurso das propagandas do Parc Royal, a tarefa de vestir-se “com elegância”

era equiparada a uma “batalha”42 ou “um difícil problema”43 que seria resolvido por aqueles

que comprassem mercadorias no magazine. Nesse sentido, os anúncios traziam uma

proposta de intervenção na vida de seus consumidores através da utilização de “objetos

mágicos” – os produtos comprados no Parc Royal – que teriam a capacidade de transformar,

positivamente, sua realidade. Essa “função mágica” conferida aos objetos corresponde à

ideia de mito, uma vez que há uma supressão da distinção entre natureza e cultura; um

produto inanimado é dotado de “poderes” para solucionar dificuldades, e o seu uso resultaria

na solução do impasse cotidiano retratado no anúncio. O paralelismo entre mito e

publicidade encontra-se também nas mensagens comerciais do magazine que não

apresentavam problemas a serem solucionados, mas sim uma narrativa de rotina ideal

nivelada pelos padrões da elite dominante, situações de felicidade e prazer numa plenitude

mágica que não apresentava imperfeições incômodas: “O anúncio é onde tudo se resolve.

39 Anúncio na Revista Frou-Frou Nº 3 – Agosto 1923 40 Anúncio na Revista Frou-Frou Nº 4 – Setembro 1923 41 Anúncio na Revista Careta Nº 210 – Junho 1912 42 Anúncio na Revista Careta Nº 469 – Junho 1917 43 Anúncio na Revista D. Quixote Nº. 78 – Novembro 1918

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54

Como no sonho, no mito, no conto de fadas, a lógica é a do desejo, (...), o registro o do

imaginário” (ROCHA, 2010: 173)

Em relação à sua recepção, a publicidade evoca ainda a noção de ritual; há uma

alteração na perspectiva das categorias presentes no mundo diário, combinadas de forma

particular de modo a produzir um momento ritualizado. Os anúncios da loja destacavam

aspectos específicos da realidade que, recontextualizados, eram imbuídos de novos

significados; para o público alvo do Parc Royal, comprar um produto naquele local

significaria ter acesso ao universo apresentado em seus reclames. Uma vez mais vale a pena

reproduzir a análise de Everardo Rocha:

(...) fica claro o tipo de trabalho e o esforço de conhecimento que a publicidade introduz de forma privilegiada na vida social. O que ela faz é classificar produtos conjugando-os com situações sociais, relacionamentos, lugares, estados de espírito (...). Todos estes elementos configuram tipos de pessoas, grupos sociais, desejos (...) no afâ de exercer o poder regulador do seu discurso e da sua função classificadora. Dessa maneira, seu papel de operador totêmico quer fazer ver a sociedade segundo uma certa ótica. Para fazer crer na verdade da classificação de objetos e pessoas, o sistema publicitário é constrangido a apresentar uma visão de mundo particular. (ROCHA, 2010: 181)

O consumo de moda era estimulado como uma ação que inscreveria seus agentes no

universo da civilização sob parâmetros estrangeiros; assim, o ato de fazer compras no Parc

Royal facilitaria distinções gratificantes, correspondentes a reprodução pública da vida

aristocrática franco-inglesa que reverberou entre as camadas sociais mais altas no Rio de

Janeiro.

O material publicitário do magazine, numa primeira observação, é capaz de ilustrar,

através da sua visualidade, mudanças estéticas, alterações nas composições imagéticas, nos

discursos, nos tipos, que remetem às transformações vertiginosas verificadas no Rio de

Janeiro nas décadas de 1910 e 1920. Um exame mais profundo, por seu turno, permite

descortinar um universo de significações e elementos próprios da estrutura social da época,

desvelando visões de mundo, instituições e formas de relações que de certa forma foram

sedimentadas em nós através de mecanismos de legitimação e retificação; contudo, o caráter

construtivo desses valores e relações vem à tona na análise dessa publicidade,

desnaturalizando modos de vida, favorecendo uma ótica de relativização e questionamento à

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55

medida em que percebemos a edificação de um modelo de comportamento atrelado ao

consumo.

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56

4 – Práticas de comércio do Parc Royal

4.1 As lojas de departamento

O Rio de Janeiro consolidou-se como principal entreposto comercial, porto de

escoamento da produção nacional e de entrada de mercadorias importadas, desde os

primórdios da colonização. A atividade mercantil foi fomentada na cidade com a

implementação da indústria açucareira nos séculos XVI-XVII e a extração do ouro, cujo

auge se verificou no século XVIII, fortalecendo sua posição como centro econômico e

administrativo do país.

Ainda no período colonial, a Rua Direita (atual Primeiro de Março), um dos

primeiros eixos da cidade, concentrava igrejas, residências, trapiches e armazéns de gêneros

alimentícios. Os hábitos de consumo no período colonial estavam, contudo, circunscritos às

necessidades básicas das famílias, que viviam enclausuradas e mandavam escravos ou

encarregados fazerem as compras; não havia o hábito de flanar pelas ruas para olhar

vitrines, tampouco o consumo era revestido de um cunho de sociabilidade ou lazer. Os

negociantes, por sua vez, acumulavam várias funções e não se empenhavam em reverenciar

ou cativar a freguesia. Não havia uma preocupação com a disposição das peças e dos

espaços de compra de modo a provocar a atração dos compradores; as mercadorias eram

expostas de forma atabalhoada e confusa, empilhadas em balcões, penduradas nas paredes,

ou “escondidas” em prateleiras protegidos da poeira e das mãos dos clientes, resultando num

visual pouco atraente, em espaços desconfortáveis e mal iluminados.

A vinda de D. João VI e sua entourage em 1808 foi decisiva para a ampliação do

mercado consumidor. A explosão populacional que se seguiu, a suspensão dos antigos

entraves tributários e proibições ao livre comércio impulsionaram o crescimento das

atividades mercantis, beneficiadas ainda pelo aporte de capital derivado da exportação do

café, da oferta de casas bancárias, da facilitação do crédito e do afluxo de imigrantes.

À medida em que os novos paradigmas de identificação cultural europeia eram

adotados pela elite carioca, o culto às mercadorias ganhava cada vez mais expressão, numa

sociedade que incorporava a aferição da aparência na determinação de posições sociais. A

cultura material se expandia na cidade, e o comércio de luxo que se estabeleceu inicialmente

na Rua do Ouvidor, recriava, nos trópicos, aspectos das “Passagens” parisienses. As lojas na

“galeria a céu aberto” obedeciam a formas estéticas mais elaboradas e atraentes do que os

velhos depósitos ou lojas “pé-de-boi”, ainda afeitos a modos coloniais de venda e exibição

de produtos. O espaço público, naquele trecho, ficava elevado à condição de cenário de uma

Page 57: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

57

nova subjetividade em afirmação no inconsciente da coletividade; mais do que apenas um

lugar para comprar, a rua do comércio de luxo passava a ser o local para ver e ser visto, para

a cobiça de bens materiais, para a averiguação de status social e para a construção de um

imaginário urbano inserido na nova ordem modernizante e cosmopolita.

O historiador americano William Leach, que integra atualmente o corpo docente da

Universidade de Columbia, é autor de diversas obras que investigam a formação da cultura

moderna de seu país, entre elas Country of Exiles: The Destruction of Place in American

Life (1999), True Love and Perfect Union: The Feminist Reform of Sex and Socitey (1980) e

Land of Desire: Merchants, Power, and the Rise of a New American Culture (1993). Essa

última particularmente nos interessa pela contribuição que pode oferecer à compreensão do

desenvolvimento e do modo de funcionamento das lojas de departamento. Nesse livro, o

autor investiga a formação de uma “cultura do desejo”, e para isso traz à tona a trajetória de

alguns comerciantes americanos como John Wanamaker e Marshall Field, proprietários de

grandes magazines, detalhando sua operação. Travamos conhecimento com obra de Leach

ao pesquisarmos a bibliografia utilizada por Maria Claudia Bonadio, Doutora em História

Social pela Unicamp, na sua Dissertação de Mestrado aprovada no IFCH da mesma

instituição: Moda: costurando mulher e espaço público. Estudo sobre a sociabilidade

feminina na cidade de São Paulo (1913-1929). Bonadio buscou demonstrar a importância

das casas de moda na ampliação do espaço aberto à presença e movimentação da mulher na

cidade de São Paulo, com foco nos anúncios do magazine Mappin divulgados à época no

jornal Estado de S. Paulo como fonte de sua pesquisa.

Nas décadas de 1870-1880, surgiram lojas de departamento não apenas na França e

Inglaterra mas também em outras capitais europeias como Berlim (Wertheim) e Amsterdã

(Bijenkorf); esse tipo de estabelecimento se desenvolvia ainda no Japão e nos Estados

Unidos e juntamente com as cadeias de varejo e as vendas por catálogo impulsionaram o

comércio no final do século XIX, ampliando um novo universo de fascínio consumista.

Inicialmente, era comum a integração de vários elementos do processo econômico, desde a

produção, a distribuição e o “marketing”, além da venda por atacado e varejo nas mãos de

um mesmo empresário; muitos reinvestiam o capital na atividade comercial ampliando os

negócios, oferecendo uma ampla gama de produtos sob o mesmo teto (LEACH, 1993: 20-

21).

As lojas de departamentos realizavam grandes pedidos de compra às fábricas, cuja

capacidade de produção havia aumentado na Segunda Revolução Industrial (circa 1850-

1870). Ao mesmo tempo em que estimulavam a atividade manufatureira, as lojas

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58

conseguiam abatimentos junto aos fornecedores em função da quantidade, o que lhes

permitia oferecer as mercadorias aos consumidores finais com preços mais atraentes,

acelerando a sua circulação. A moda, por sua vez, reforçava esse fluxo; o filósofo francês

Gilles Lipovetsky, professor da Universidade de Grenoble, demonstra em sua obra O

império do efêmero como um ciclo de semestralidade (inverno-verão) foi implantado no

início da segunda metade do século XIX pela alta costura (LIPOVETSKY, 2011: 71-72),

posteriormente popularizado pelos grandes magazines; estimulava-se o público a comprar,

usar, e comprar novamente, não por conta da utilidade ou da durabilidade dos produtos, mas

sim em função do seu apelo efêmero, decorrente do conjunto de associações e novos

sentidos impregnados às mercadorias. As novas tecnologias de comunicação – telégrafo,

telefone, rádio – permitiram a difusão de informações com maior celeridade, possibilitando

a propagação das novidades da moda proveniente de Paris, divulgadas também nas

propagandas das lojas.

A característica primordial dos grandes magazines era a venda de uma grande

variedade e quantidade de produtos com pequena margem de lucro, com preços fixos

claramente marcados (SENNET, 1993: 181-183). A utilização de vitrines de vidro, divisão

por seções em especialidades, oferta de serviços (roupas sob encomenda, por exemplo), a

venda por catálogo e o investimento em publicidade somavam-se àquela feição original e

propiciavam à prática do consumo uma aura de lazer. O conceito de compra assumia um

caráter de diversão, uma forma de sociabilidade que ecoava a fantasia sociocultural da elite

carioca de identificação ao padrão europeu de modernidade.

Na verdade, essas casas comerciais incentivavam a aproximação do público com a

mercadoria, sem necessariamente haver um compromisso de compra, uma prática até então

pouco comum (LEACH, 1993: 73); os clientes poderiam “namorar”, experimentar os

produtos e analisá-los antes da decisão pela sua aquisição (ou não), uma nova configuração

no modo de vender que incentivava o passeio pelas ruas de comércio como um hábito

prazeroso.

Novas táticas de apelo às compras eram desenvolvidas paralelamente – os cartazes,

os cartões-postais de propaganda, a decoração dos espaços, o design, a própria moda. Uma

estética própria baseada no uso de vitrines de vidro, luz e cor, favorecia necessidades de

mercado - exibir produtos em quantidades e variedades cada vez maiores - à medida em que

se dava a expansão do capitalismo. Os espaços internos destinados à atividade comercial

passavam a ser estruturados de uma nova forma; os negociantes começaram a fazer uso de

diversas inovações tecnológicas incorporando-as em seus estabelecimentos a fim de atrair e

Page 59: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

59

facilitar o movimento da clientela, como se trouxessem para dentro de suas lojas as

mudanças que ocorriam no exterior, no espaço público. Eles aprimoraram o caráter social do

meio comercial apropriando-se de estratégias teatrais na concepção, decoração e exibição

das peças, integrando o “cenário” do local de venda aos emblemas de significado que

imprimiam aos produtos e à própria atividade de consumo, para além das razões utilitárias; a

ordem era mitificar as mercadorias (SENNET, 1993: 184).

Gradativamente, a atenção, a aproximação dos consumidores e sua permanência na

loja eram cada vez mais incentivadas; dentre os novos métodos utilizados pelas lojas de

departamentos estavam a adoção de múltiplas entradas e janelas, a inclusão de elevadores e

escadas, o uso aprimorado de espelhos e iluminação, num ambiente alegre e agradável,

capaz de atrair os consumidores. A arquitetura dos magazines incorporou uma certa

magnitude, facilitando a livre circulação pelos espaços e a visibilidade dos produtos,

somados a uma impressão estética que causava admiração na clientela que desfrutava

daquele local.

As vitrines, incorporadas a partir da modernidade, provocaram impacto à época de

sua disseminação, no final do século XIX. Ao mesmo tempo em que criavam uma “barreira”

ao toque e ao olfato, ao contrário das barracas de feira, por exemplo, amplificavam o apelo

visual dos produtos, transformando os passantes em potenciais clientes - o desejo dos bens

passava a ser cada vez mais uma apelo democratizado, ainda que o acesso a eles fosse

restrito. Numa época em que não havia televisão ou computadores, as vitrines ocupavam o

lugar atrativo primordial com capacidade para capturar consumidores, eram indicadores

visuais das novas dimensões que a economia e a cultura do consumo passavam a assumir. O

arsenal de materiais e técnicas para exibição expandiu-se com a proliferação das vitrines,

incluindo-se pedestais, tecidos como veludo e seda, e a utilização de manequins de corpo

inteiro vestidas com as roupas à venda, em substituição gradativa aos manequins sem

cabeças, braços ou pernas utilizados no comércio (LEACH, 1993: 63-66).

As atividades de algumas publicações especializadas fortalecem a noção da

importância que esse tipo de exposição passou a alcançar daquele momento em diante; em

1889, a publicação nova-iorquina The Dry Goods Economist, até então especializada em

finanças, passou a dedicar-se a técnicas de venda a varejo, aconselhando seus leitores a

investir na exibição dos produtos. E em 1898 foi criada também nos Estados Unidos a

revista mensal The Show Window, que versava especificamente sobre um novo movimento

de design de vitrines com o objetivo de estimular as vendas durante o ano todo (LEACH,

1993: 56, 60).

Page 60: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

60

Uma outra inovação adotada pelo comércio varejista e pelas lojas de departamento

especificamente foi a construção de um “mundo das crianças” separado e independente em

relação aos adultos, como uma nova categoria de consumidores dentro da família, para os

quais os comerciantes indicavam produtos, simbologias e metáforas, definiam cores e temas

próprios. Essa mudança refletia o aumento na produção de toda uma nova linha de itens para

crianças, assim como o reconhecimento de suas necessidades peculiares pela psicologia e

outros campos do saber. É também a partir desse momento que a figura do Papai Noel

passou a ser explorada pelo comércio no período das festividades natalinas (LEACH, 1993:

85-88).

O Parc Royal reproduziu no Rio várias dessas mudanças que ocorriam no comércio

de varejo em capitais de países centrais do hemisfério Norte e protagonizou, na capital

brasileira, a implementação de um modelo de loja de departamentos num momento de

alteração no consumo, na sociabilidade e no modo de vida, concorrendo para a formação de

uma economia e de uma cultura imbricadas no culto à novidade, no investimento na

significação simbólica dos produtos e na legitimação da moda.

4.2 O Parc Royal: características de um modelo de varejo

À época de sua inauguração, no final do séc. XIX, os comerciantes do Rio de Janeiro

já constituíam um grupo forte, próspero e respeitado, que formava, com a burocracia

metropolitana e os proprietários rurais, a elite carioca (KESSEL, 2003: 13). A loja ficava

num local estratégico, no movimentado largo que delimitava o quadrilátero chique nas

cercanias da Rua do Ouvidor, descrito pelo historiador Luís Edmundo:

A parte de maior animação e maior vida é a que se fixa entre os quarteirões que se estendem do Largo do S. Francisco, que então se chama Praça Coronel Tamarindo, até a Rua dos Ourives. Aí estão as lojas de mais requintado luxo e aparato, de melhor clientela e consideração. Todo um bazar de modas. [...] Nesse trecho, [...] é que palpita a vida elegante da cidade, trânsito obrigatório dos que chegam dos arrabaldes à parte central da cidade, a compras ou a passeio.” (EDMUNDO, 2003: 40)

As lojas sofisticadas ofereciam itens importados, uma vez que não havia sido

desenvolvida, ainda, uma manufatura consistente de produtos de luxo nacionais. Mas,

embora houvesse algumas limitações impostas pelas circunstâncias materiais locais, a

Page 61: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

61

natureza das mercadorias vendidas demonstrava a sensibilidade carioca em relação à moda

europeia, principalmente no que dizia respeito ao vestuário:

“Este aspecto do fetichismo da mercadoria se desenvolveu de acordo com o cronograma parisiense, mesmo que apenas para uma fração mínima da população. Na belle époque, a paixão por estar “em dia” com a moda europeia tornou-se quase tão feroz no Rio quanto na Europa.” (NEEDEL, 1993: 192)

Vários concorrentes disputavam o mercado de moda de luxo com o Parc Royal. No

início de suas atividades, Mme. Berthe, Raunier e Notre-Dame já tinham conquistado fama

na Rua do Ouvidor. No Largo de São Francisco, À Brasileira era outro estabelecimento de

peso, assim como À La Maison Rouge, Maison Blanche, Au Palais Royal, Paraíso das

Crianças e Casa das Fazendas Pretas, situadas em endereços nas cercanias. Na Avenida

Central, as vendas eram disputadas nas décadas de 1910 e 1920 com Ao 1º. Barateiro e

Casa Colombo; além da Casa Sloper, outro renomado magazine. Para atrair os

consumidores, o Parc Royal adotou diversas medidas administrativas. “Ações de

marketing” originais provavelmente contribuiram para que alcançasse posição primordial

no varejo de moda.

A implementação da política do preço fixo, até então utilizada por apenas um

estabelecimento na cidade (FERREIRA DA ROSA, 1900: 246), foi uma dessas importantes

inovações. A prática do comércio carioca era não precificar as mercadorias e estipular o

valor conforme a aparência do freguês, o que provavelmente dava margem à arbitrariedade

do vendedor e à insegurança do comprador. Com o preço fixo, marcado em todos os

produtos, o Parc Royal oferecia a certeza do valor da mercadoria no momento da compra,

sem discriminações. E, por ser uma prática inovadora, era inclusive anunciada na sua

publicidade: “Todos os preços visivelmente marcados são reduzidos ao mínimo possível e

fixos”.44 Na fachada da loja ostentava-se a frase “Preços fixos sem competência”. O que,

numa leitura contemporânea, poderia sugerir preços “incompetentes”, significava, à época,

preços sem concorrência, sem competição.

44 Anúncio na Revista Fon-Fon Nº14 – Junho 1908

Page 62: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

62

Fig. 6. A primeira loja do Parc Royal, onde lê-se: “Preços fixos sem competência” Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

Em relação à organização espacial, havia uma preocupação em criar um ambiente no

qual as mercadorias ficassem expostas de modo ordenado, dividido em várias seções,

facilitando a visualização pelo cliente, numa nova concepção estética, o que fica

evidenciado nas imagens das áreas internas da loja-matriz no Largo de São Francisco:

Fig. 7. Interior do Parc Royal, com departamentos marcados por placas e sinalização do elevador

Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

Page 63: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

63

No anúncio mais remoto encontrado na pesquisa,45 a diversidade de produtos da loja,

que se auto-proclamava um “Importante Estabelecimento”, já era divulgado: “modas,

fazendas, armarinho, roupas brancas, artigos para homens, calçado, grandes exposições de

tecidos e artigos para verão”, o que reforça a noção da constituição sob a forma de

departamentos. No mesmo periódico, em outro anúncio posterior,46 as seções foram

descritas em detalhes; divididas em cinco categorias principais, cada qual contava com a

respectiva linha de produtos:

Senhoras – Tecidos de seda, lã algodão, roupas brancas, vestidos, chapéus, luvas, meias, calçados, blusas, saias, bolsas, golas, rendas, fitas, sombrinhas, leques, flores, plumas, echarpes, pentes, colletes, peignoirs, fourrures (casacos de pele). Homens – Alfaiataria, “casacos para automóvel”, manteaux, gravatas, colarinhos, punhos, roupas brancas, chapéus, binóculos de Lemaire, artigos para viagem, acessórios de toilette. Crianças – Vestidos, roupas para meninos, roupas brancas, calçados, chapéus, brinquedos. Noivas – Todo o enxoval. Casa – Roupa de cama e mesa, tapetes, cortinas, passadeiras, oleados, armações de bronze, reposteiros, brise-bise.

A arquitetura, os materiais e as técnicas utilizadas nos edifícios comerciais,

principalmente a partir da abertura da Avenida Central (1905), também estavam a serviço da

atmosfera de modernidade que se desejava impregnar aos estabelecimentos e colaboravam

para o exercício de sua função. A abertura daquela via pública colossal foi um marco do

projeto de embelezamento e reurbanização da cidade que aprofundou o reconhecimento das

vias do comércio de luxo como espaço de sociabilidade e eixo da vida mundana e cultural.

A aquisição de mercadorias adquiria cada vez mais um caráter de recreação das elites e da

emergente classe média, uma ocupação para seu tempo disponível. Frequentar os empórios

elegantes - lojas, cafés, confeitarias, livrarias e jardins - fazia parte de um ritual de diversão

urbana que se adequava ao desejo de espelhamento da metrópole carioca ao arquétipo

europeu. Grandes espaços livres, bem iluminados e mobiliados, enriquecidos por

ornamentos de ferro, constituiam a cenografia ideal para a circulação, a exibição pessoal e o

despertar do desejo consumista. As vitrines, com objetos minunciosamente dispostos,

45 O Malho - Nº 9 – Novembro 1902 46 O Malho - Nº 848 – Dezembro 1918

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ofertavam artigos importados para uma clientela ávida por novidades dernier bateau. Mais

do que a utilidade da coisa em si, os objetos possuíam a qualidade intrínseca de equiparar

seu possuidor à moderna sociedade europeia, e conferir aos consumidores o prestígio social

que almejavam.

Fig. 8. Vitrine do Parc Royal em mármore, vidro e estuque com manequins Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

A filial que o Parc Royal inaugurou na Avenida Central ocupava as lojas térreas do

prédio sede do jornal O Paiz, projetado pelo arquiteto espanhol Morales de Los Rios,47 que

participou intensamente do projeto de modernização republicana. E assim como a loja da

Avenida Central, a nova sede do Parc Royal inaugurada no Largo de São Francisco em

1911, com proporções monumentais, também se enquadrava no novo modelo de comércio

atualizado em relação ao que havia de “mais moderno” no velho continente. Dentre as

inovações oferecidas para o conforto de seus clientes e a facilitação da mobilidade no seu

interior, a loja contava com um elevador.

As instalações desses “templos de consumo” configuravam-se tão importantes

quanto as próprias mercadorias; havia um planejamento para criar um ambiente acolhedor

47 O arquiteto e urbanista Adolfo Morales de Los Rios y Garcia de Pimentel (Sevilha, Espanha 1858 - Rio de Janeiro RJ 1928) foi autor de vários projetos de edifícios residenciais, comerciais, institucionais, educacionais, religiosos e industriais nas cidades de Salvador, Recife, Maceió e Rio de Janeiro. Na então capital carioca, algumas de suas criações mais notórias são os edifícios do Supremo Tribunal Federal (atual Centro Cultural Justiça Federal), a Escola Nacional de Belas Artes (atual Museu Nacional de Belas Artes – MNBA) e o restaurante Assírio, no Theatro Municipal.

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65

que ajudasse a tornar o ato de comprar numa experiência de prazer. Nesse sentido, serviços

e comodidades eram oferecidos de modo a ampliar o tempo de permanência dos

consumidores na loja. No Parc Royal do Largo de São Francisco havia um salão de chá que

permitia aos clientes desfrutar daquele espaço exercendo outra atividade além da compra de

produtos - de certa forma, um precursor da praça de alimentação.

Fig. 9. Salão de chá do Parc Royal Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

Oferecendo outras possibilidades que extrapolavam a aquisição de produtos, o

magazine inclusive promoveu apresentações musicais dentro da loja, conforme registro na

seção “Notas Artísticas” da Revista Fon-Fon.48 Em duas fotografias publicadas durante uma

dessas ocasiões, percebemos que a loja assumia uma configuração teatral, com vasto público

sentado no primeiro e segundo andares, atento à exibição. Conforme descrição das duas

legendas: “Aspecto da matinée oferecida pelo Sr. Vasco Ortigão, proprietário do Parc

Royal, às freguesas dos seus vastos magasins, no domingo passado. Vê-se no tablado a

cantora Eugénie Buffet49 no último couplet de Les Grimaces”; “Outro aspecto do Parc

Royal, regorgitando de convidados, durante a bela matinée oferecida pelo Sr. Vasco Ortigão

às famílias que compõem a sua distinta e numerosíssima freguesia”.

48 Revista Fon-Fon - Nº 29 – Julho 1911 49 Cantora nascida na Argélia (1866-1932) e radicada na França a partir de 1886, onde alcançou popularidade. Durante sua carreira, apresentou-se em diversos países estrangeiros. Informações disponíveis em: http://www.dutempsdescerisesauxfeuillesmortes.net/fiches_bio/buffet_eugenie/buffet_eugenie.htm

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66

Fig. 10. Coluna Notas Artísticas da Revista Fon-Fon - Nº 29 – Julho 1911 Fotografia de Augusto Malta

A promoção de um evento como esse, uma récita exclusiva de uma notória cantora

francesa no próprio estabelecimento, para convidados, fortalece a construção da identidade

da loja como uma instituição elitista, promotora da cultura eurófila. Não obstante,

analisaremos na próxima seção uma certa ambiguidade no discurso publicitário do Parc

Royal, entre o exclusivismo - evidenciado na reiteração de um estilo “distinto”, acessível a

poucos – e a pretensa popularização desse mesmo estilo oferecido pela loja, que

apresentava-se como um bastião de elegância disponível a um público mais amplo em

função de seus preços baixos.

Comprar os produtos do Parc Royal, vestir-se no Parc Royal, visitar e frequentar o

ParcRoyal para conhecer as novidades ou checar os preços eram algumas formas de

participar daquele universo mitificado pelos seus anúncios, um mundo atrelado ao

estabelecimento e ao posicionamento de sua própria marca, seu próprio nome. Em relação

aos itens à venda, o magazine não anunciava marcas específicas de produtos; as únicas

exceções a essa regra encontradas na pesquisa foram os anúncios dos cosméticos Mme.

Selda Potoka, veiculados com escassez nos anos de 1914 e 1915 (shampoo, sabonete,

dentifrício, pó de arroz, loção adstringente, tônico para pele e cabelos, pó medicinal, pó e

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67

creme de massagem) e dos “lindos modelos de chapéus das casas Antoinette, Lewis, Blanche

Robert, Eliane, e de muitas outras que gozam da mais alta reputação em Paris”.50

A própria marca Parc Royal era construída em sua publicidade, como uma entidade

que refletia valores, imagens, sentimentos e símbolos associados aos produtos ali

adquiridos. A partir de 1914, figurou nos anúncios um logotipo composto pela letra “P”

ornamentada dentro de um círculo sob uma coroa, e a partir de 1921 esse logotipo foi

incorporado à logomarca e ao slogan “Parc Royal – A maior e a melhor casa do Brasil”

utilizada nos anos subsequentes. A utilização do logotipo coincide com o aparecimento dos

anúncios ilustrados assinados por Manoel de Mora (1884-1956), artista português que

trabalhava no estúdio publicitário do Parc Royal,51 elaborando o layout de anúncios e

catálogos do magazine até a década de 1930, daí porque podemos admitir que o logotipo e a

logomarca também tenham sido sua criação.

A valiosa contribuição de Mora foi um marco na identidade visual da loja, já que

suas imagens as destacavam em meio à publicidade das casas comerciais concorrentes; a

força e peculiaridade do seu traço eram reconhecíveis nas figuras e paisagens sofisticadas

que compunham os anúncios do Parc Royal. Além da produção dedicada ao magazine,

Mora ainda executou campanhas para outros clientes no final dos anos 1920 e 1930

(Quinado Constantino, meias Mousseline e sabonete Limol, por exemplo), ilustrou capas das

revistas O Cruzeiro, ParaTodos, Cinearte e Revista da Semana, convites de bailes de

carnaval do Theatro Municipal e cartões-postais, entre eles uma série em cores emitida pelo

Departamento de Turismo da Municipalidade do Rio de Janeiro em 1934 para divulgar a

cidade no exterior.

A venda por catálogo foi outro recurso utilizado pelo Parc Royal para incrementar

seus negócios. Desenvolvidos a partir de 1895,52 os catálogos de venda por correspondência

podem ser considerados um emblema central da modernidade. Por meio da representação

dos objetos, eles ofereciam a mercadoria “ausente” para espectadores que não teriam acesso

facilitado à flânerie nas ruas de comércio dos centros urbanos, ou, ainda que não houvesse

impedimento à visita presencial na loja, acenderiam o desejo dos receptadores, levando para

os lares a atividade normalmente pública de consumo.

50 Anúncio na Revista da Semana Nº 8 – Fevereiro 1921 51 Informações em: CADENA, Nelson. O ilustrador desconhecido do O Cruzeiro. In: Almanaque da comunicação, 2010. Disponível em: http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/o-ilustrador-desconhecido-do-o-cruzeiro. Acesso em 05 de setembro de 2011. 52 KELLER, Alexandra. Disseminações da modernidade: representação e desejo do consumidor nos primeiros catálogos de venda por correspondência. In: CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa. O cinema e a invenção da vida moderna. p. 185

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Os primeiros registros que encontramos sobre essa forma de venda realizada pelo

Parc Royal remontam a 1908: “Queiram reclamar o catálogo ilustrado para inverno a partir

de 15 de maio”;53 “O catálogo ilustrado de inverno contendo as novidades desta estação será

distribuído a partir de junho próximo. Pedimos às senhoras que lerem esta página e que não

recebam habitualmente os catálogos do Parc, o obséquio de nos remeterem o seu endereço

para lhes enviarmos diretamente pelo correio”;54 “Catálogo ilustrado para o inverno de

1908: está se distribuindo este magnífico catálogo ilustrado contendo todas as novidades.

Peçam o catálogo ilustrado especial de blusas – sucesso sem precedente – 20 mil blusas em

estoque, desde 3$900 a 25$000”.55 Essas referências ao catálogo de produtos da loja

encontravam-se em letras miúdas, na parte inferior dos anúncios ilustrados. Havia, ainda,

um direcionamento específico da venda por catálogo para os clientes do interior, em

anúncios textuais de página inteira, transcritos a seguir: “Aos nossos clientes do interior. O

Parc Royal convida V. Ex. a pedir ao: Parc Royal / Seção V / Rio de Janeiro todos os

catálogos que porventura possa desejar. Por eles se convencerá de que vale a pena comprar

no Parc Royal”;56 “Aos nossos fregueses do interior – Temos a satisfação de comunicar que

se acha em distribuição o nosso Catálogo de Verão, contendo todas as novidades da estação

e as mais populares e vantajosas ofertas que temos feito ao público. O catálogo não abrange

o nosso importante sortimento de tecidos, mas enviaremos amostras com prazer, desde que

nos comunique o gênero de tecidos desejado. O catálogo será também enviado sem demora,

mediante o respectivo pedido”;57 “É muito desvanecedor registrar que a reforma a que

acabamos de submeter a nossa Seção do Interior com o fim de dar-lhe uma amplitude

correspondente ao aumento constante da nossa freguesia dos estados, tem-nos trazido um

número considerável de encomendas dos nossos antigos fregueses e de muitos outros que

agora, pela primeira vez, iniciaram com esta casa as suas transações. A uns e outros, bem

como àqueles que porventura ainda não adotaram a mesma resolução, desejamos fazer

presente que acabamos de publicar e temos em distribuição gratuita o nosso Catálogo de

Verão, um folheto de cerca de 70 páginas nitidamente impresso, profusamente ilustrado e

com artística capa a cores, contendo além da enumeração dos milhares de artigos que

vendemos, com a designação dos seus preços, instruçõees claras sobre o modo de fazer

encomendas ao Parc Royal. Damos assim, a todos quantos o pedem, o catálogo da maior e a

53 Anúncio na Revista Fon-Fon Nº 4 – Maio 1908 54 Anúncio na Revista Fon-Fon Nº 6 – Maio 1908 55 Anúncio na Revista Fon-Fon Nº 7 – Maio 1908 56 Anúncio na Revista Careta Nº 222 – Agosto 1912 57 Anúncio n’O Malho Nº 739 – Novembro 1916

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69

melhor casa do Brasil, da que mais vende, uma casa que só considera vantajosas as

transações que satisfazem plenamente os seus clientes, uma casa, finalmente, cujas tradições

de integridade tem por alicerce um passado de trinta anos de transações honestas com o

público”;58 “Aos nossos fregueses do Interior – Nesta época, em que se renovam os

sortimentos de todas as nossas seções, lembramos aos nossos amigos do Interior a

conveniência de nos enviarem com a possível brevidade as suas encomendas do Natal, o que

oferecerá ocasião de atender a essas ordens com a maior brevidade e atenção”;59 “Acha-se

em distribuição gratuita o nosso Catálogo de Verão, com ampla discriminação de todas as

novidades da estação. Às pessoas do interior que desejarem recebê-lo, pedimos o obséquio

de nos enviarem, devidamente preenchido, o cupom abaixo, e imediatamente lhes faremos a

remessa desejada”.60 Lembre-se que a região do Vale do Paraíba vivenciou, até a década de

1930, uma pujança econômica derivada do ciclo do café, daí porque podemos supor que o

magazine se dirigisse a potenciais compradores no interior do Rio de Janeiro, além de outros

estados.

Em vários anúncios ilustrados veiculados nas décadas de 1910 e 1920, mantiveram-

se “janelas” de texto que incentivavam os pedidos de catálogos. Não encontramos nenhum

exemplar dos mesmos em nossa pesquisa, mas há anúncios que reproduzem páginas de

alguns deles. Nesses casos, havia na margem inferior do reclame o seguinte tipo de

informação: “É esta uma das páginas do catálogo ilustrado, de novidades para verão, que

está agora em distribuição”.61 Nos exemplos que encontramos, observamos uma divisão por

gêneros; ilustrados por Mora, os catálogos dispunham desenhos de várias mulheres ou

homens, vestidos com as peças de indumentária à venda, associadas a um breve texto

descritivo que fornecia informações sobre o tecido, os detalhes e o preço das mercadorias.

58 Anúncio n’O Malho Nº 800 – Janeiro 1918 59 Anúncio n’O Malho Nº 848 – Dezembro 1918 60 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº344 – Dezembro 1923 61 Anúncio na Revista Careta Nº 340 – Dezembro 1914

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70

Figs. 11 e 12. Reproduções de páginas de catálogos do Parc Royal publicados na Revista Careta Nº. 344 e na Revista Fon-Fon Nº. 3, ambas em Janeiro de 1915.

Havia ainda catálogos temáticos, destinados a ocasiões específicas; por exemplo,

apenas com artigos para casamento - “Peçam o catálogo especial de Noivas”62 -, roupas para

banho de mar63 ou produtos em remarcações – “Em distribuição, o catálogo especial de

saldos”.64

Uma vez “cadastrados”, os clientes passariam a recebê-los daquele momento em

diante, ainda que, de certo modo, à sua revelia: “Enviando-nos a sua direção, receberá

periodicamente os nossos catálogos”.65 Os catálogos eram gratuitos, e levavam o mundo dos

bens para a residência dos receptores, configurando uma arena propícia para a fetichização.

Assim como os anúncios, que também “invadem” o campo visual do espectador, os

catálogos propiciavam, por meio da sua propagação, a abordagem e a formação de um

público consumidor.

O destaque ao universo infantil, outra feição das lojas de departamento que já se

verificava em países centrais (LEACH, 1993: 85), embora não fosse um costume em terras

nacionais, foi encampado pelo Parc Royal; havia, na segunda loja do Largo de São

Francisco, uma seção específica de brinquedos. Os itens para crianças eram particularmente

anunciados: “Lembramos outrossim que estamos aparelhados com um sortimento monstro

62 Anúncio na Revista da Semana Nº 11 – Março 1921 63 Anúncio na Revista O Cruzeiro Nº 2 – Dezembro 1928 64 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 101 – Abril 1919 65 Anúncio na Revista O Cruzeiro Nº 22 – Abril 1929

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71

de Brinquedos e Artigos para Crianças, e que tudo foi objeto de preços excepcionais ao

alcance de todos”66 (grifos originais do anúncio); “Brinquedos modernos para crianças”.67

Fig. 13. Seção de brinquedos do Parc Royal Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

Com anúncios no Almanaque Tico-Tico, o Parc Royal atingia diretamente um

público leitor infanto-juvenil, que por sua vez teria poder para influenciar a escolha de

consumo dos seus responsáveis. Em reclames coloridos, de página inteira, investiam em sua

imagem como depositário de itens desejados pelos consumidores mirins: “Esta casa vem de

há muitos anos consolidando a sua reputação como o maior fornecedor de artigos para

crianças. A recente ampliação da seção consagrada a esta classe da sua freguesia teve por

objetivo conquistar, mediante boas ofertas e preços vantajosos, uma clientela cada vez maior

entre as crianças de todo o Brasil, e incutir-lhes o duplo gosto de se vestirem bem e de se

vestirem com economia. O ano de 1919 será consagrado a novos esforços com o fim de

corresponder cada vez mais à honrosa preferência conferida pelo público ao Parc Royal”.68

O magazine carioca, ao adotar a demarcação de preços fixos, a divisão por seções, a

arquitetura e a organização espacial de modo a facilitar a circulação de clientes e a

visualização das peças, a utilização de vitrines de vidro, a oferta de serviços, a venda por

catálogos e a caracterização de um universo infantil, implantou no Rio de Janeiro, de forma

pioneira, um modelo de comércio próprio das lojas de departamentos, num período onde

emergiram as bases formativas do consumo moderno.

66 Anúncio n’O Malho - Nº848 – Dezembro 1918 67 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 6 – Dezembro 1919 68 Anúncio no almanaque Tico-Tico de 1919

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72

5 – Imagens e representações na comunicação do Parc Royal

5.1 Referenciais de modernidade num projeto comercial

Percebe-se ao longo de toda a produção publicitária do Parc Royal a construção de

um discurso com base em certos emblemas identificados com a loja, sintetizados no trecho a

seguir: “A Moda - nas suas últimas criações; Os Sortimentos - na sua máxima variedade; Os

Preços - no seu mais baixo limite”.69 Transparece a valorização pelo magazine daquilo que

fosse a “última novidade”, com ênfase na moda, na originalidade, na diversidade de

produtos oferecidos e seus respectivos custos vantajosos.

O alarde dos preços baixos, constante na comunicação da loja, revela um apelo

popularesco, que manteve-se em dualismo à edificação de uma imagem elitista: “Últimas

novidades – Preços baratíssimos”,70 “O mais lindo e novo sortimento – Preços os mais

baratos”,71 “É esta a casa que possui o mais completo e melhor sortimento e

incontestavelmente, a que vende mais barato”;72 “A maior variedade, as melhores

qualidades, os preços mais convenientes”,73 “Os nossos preços intimam a comprar – Quando

deseja V. Exa. cumprir a intimação?”;74 “Tenha em mente que ninguém lhe pode fornecer

artigos mais elegantes nem mais baratos do que nós lhe oferecemos”;75 “Exposição

constante das últimas novidades marcadas pelos menores preços”,76 “Sortimentos enormes,

Preços inconfundíveis”;77 “O que oferecemos: (...) Preços que representam o valor exato dos

artigos que vendemos, e que assentam no nosso imutável propósito de trabalhar com uma

margem de lucro reduzido”;78 “Ofertas e realidades – Os anúncios pomposos, oferecendo

vantagens inverossímeis, só iludem os espíritos irrefletidos. As pessoas ponderadas, quando

precisam comprar, preferem casas de responsabilidade, com uma longa tradição de

honestidade, e que pela cifra das suas transações, estão naturalmente em condições de lhes

oferecer melhores negócios. Outro não é o motivo porque compradores de todo o Brasil se

abastecem no Parc Royal (...). Visitem os compradores as nossas vitrines e se certificarão de

69 Anúncio na Revista da Semana Nº13 – Maio 1921 70 Anúncio n’O Malho – Nº 9 – Novembro 1902 71 Anúncio na Revista Fon-Fon Nº 15 – Junho 1908 72 Anúncio na Revista Careta Nº 53 – Junho 1909 73 Anúncio na Revista Careta Nº 351 – Março 1915 74 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 34 – Janeiro 1918 75 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 84 – Dezembro 1918 76 Anúncio n’O Malho – Nº 888 – Novembro 1919 77 Anúncio na Revista da Semana Nº 51 – Janeiro 1920 78 Anúncio na Revista da Semana Nº 11 – Março 1922

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73

que, pela barateza e honestidade com que vendemos, cada vez mais fazemos jus ao favor

que o público sempre dispensou ao Parc Royal”.79

Na publicidade contemporânea, a insistência no baixo custo é comumente utilizada

por estabelecimentos de apelo popular, cujo alcance se extende às classes menos favorecidas

economicamente, enquanto os estabelecimentos de luxo não costumam divulgar o preço de

seus produtos. Para o seleto público desses últimos, o custo da mercadoria não seria um

inibidor, tampouco o fator que influenciaria na compra; os atributos metafóricos associados

aos produtos e à sua marca que seriam determinantes na aquisição dos bens. No discurso

comercial do Parc Royal, esses dois aspectos – a carga simbólica dos produtos e seus preços

vantajosos – coexistem.

De fato, a divulgação de preços vantajosos como chamariz para o público perpassou

a publicidade do magazine durante todo período objeto da presente pesquisa. Embora não

fosse uma regra, há vários anúncios em que os produtos são inclusive precificados,

sobretudo em épocas de “Saldos e remarcações”, mas não necessariamente apenas nessas

ocasiões. A demarcação de valores fixos, a constante referência aos preços baixos - que

seriam oportunos em relação aos concorrentes - e às vantagens da relação custo-benefício de

suas mercadorias, reforça a suposição que o magazine talvez se dirigisse a um público mais

amplo e não apenas à elite endinheirada da capital. O Parc Royal se apresentava como “a

maior casa do Brasil, é a única onde há de tudo e para todos, serve igualmente bem aos ricos

e aos remediados. No Parc Royal se vende desde o mais modesto vestido à mais luxuosa

toilette”.80 Para o amplo espectro de seu público-alvo, ressaltava que a loja seria o lugar

“onde encontrarão, a par de preços especialmente fixados para atender a todos os

orçamentos, uma variedade de sortimentos que nenhuma outra casas pode proporcionar à

sua freguesia”.81

Contudo, percebe-se também no exame do conjunto dos anúncios que a loja não

possuía um caráter essencialmente popular. O Parc Royal externava uma imagem de

requinte, beleza e sofisticação que o tornava atraente às elites, ao mesmo tempo em que

fazia um convite ao consumo extenso a todos.

O funcionamento do Parc Royal era baseado na feição primeva das lojas de

departamento – comprar grandes quantidades, marcar menores preços, vender mais – e seu

modus operandi era divulgado nos anúncios: “Se muito vendemos, muito temos de comprar,

79 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 313 – Maio 1923 80 Anúncio na Revista da Semana Nº 383 – Outubro 1915 81 Anúncio n’O Malho – Nº 744 – Dezembro 1916

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74

e as grandes compras – é bem intuitivo – permitem-nos fazer preços com que nenhuma

outra casa pode competir”;82 “Qual a razão por que o Parc Royal vende mais barato do que

as outras casas? Porque todas as mercadorias existentes nos seus grandes armazéns foram

compradas e pagas a dinheiro com todas as reduções no custo original e todos os grandes

descontos inerentes – Os fregueses do Parc Royal participam seguramente das

incontestáveis vantagens desta organização excepcional”;83 “Os nossos departamentos, nas

últimas semanas, tem regurgitado de freguesia. É que raras vezes nos é possível reunir

artigos tão vantajosos e atraentes como os que agora estamos oferecendo ao público. É de

grande utilidade para todos examinar os preços e conhecer os nossos grandes sortimentos de

vestidos finos da moda, chapéus modernos, roupas brancas, artigos para crianças, artigos

para homens”;84 “Levem as donas de casa as suas economias ao Parc Royal e ele as fará

frutificar sob a forma de excelentes artigos da última moda para senhoras, para homens e

para o lar, a preços que são o segredo do Parc Royal”;85 “Os nossos reclames batem as

teclas da economia, da elegância e da alta qualidade dos nossos artigos, mas o público não

tem obrigação de acreditar nos nossos reclames – Venha ver por seus próprios olhos”;86 “Os

nossos sortimentos são tão completos e os tecidos por si mesmos tão novos e cheios de

distinção, que não haverá quem, vendo os preços por que os vendemos, não se resolva a ser

elegante sem ser explorado”;87 “As criações deste ano são de grande originalidade. O meio

de realizá-las a preços módicos é há meses o objeto de um estudo especial do Parc Royal –

Queira V. Ex. visitar na seção de Toillettes os últimos modelos de chapéus e vestidos – Verá

a maneira sábia pela qual se consegue aliar a extrema elegância com a extrema barateza”;88

“Admirar os nossos artigos é uma prova de bom gosto. Comprá-los é uma prova de zelo

pela própria economia”.89

82 Anúncio n’O Malho – Nº 845 – Novembro 1918 83 Anúncio na Revista Careta Nº 285 – Novembro 1913 84 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 95 – Março 1919 85 Anúncio na Revista da Semana Nº 50 – Dezembro 1922 86 Anúncio na Revista Careta Nº 202 – Abril 1912 87 Anúncio na Revista da Semana Nº 42 – Novembro 1917 88 Anúncio na Revista Careta Nº 291 – Dezembro 1913 89 Anúncio na Revista da Semana Nº 44 – Dezembro 1917

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75

Fig. 14. Os estoques do Parc Royal Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

Proporcionar o consumo de produtos sofisticados a preços acessíveis era equiparado

a um ato de sabedoria. E o ato de comprar naquela loja, por sua vez, equiparado a uma

escolha de “bom gosto com economia”, um modelo a ser seguido: “V. Exa. Não se

arrependerá se imitar o bom exemplo que lhe dão milhares de pessoas: comprar no Parc

Royal”.90

Embora frisasse o proveito de seus preços, o Parc Royal reproduzia materialmente,

na arquitetura de suas lojas e nos tipos de produtos que vendia, os padrões estéticos

europeus que eram identificados pela elite carioca como ideais e desejáveis e em sua

comunicação publicitária reforçava valores indexados às matrizes estrangeiras de

modernidade, civilização e progresso almejados pelas classes dirigentes brasileiras. As

representações construídas na sua publicidade, os locais e situações retratados e a moda

adotada pelo Parc Royal estavam em sintonia com referenciais culturais admirados e

propagados pela elite.

“Elegância”, “Distinção” e “Beleza” afiguram-se como imperativos presentes na

comunicação da loja durante as décadas de 1910 e 1920. Tais atributos integravam o campo

perceptual do Parc Royal construído nos anúncios, identificados aos seus produtos e àqueles

que lá comprassem. Conforme alguns exemplos a seguir: “Homens e Senhoras em toda a

parte se fazem notar pela sua elegância quando se apresentam vestidos como sabe vesti-los o

Parc Royal”;91 “Elegância e Moda: nos nossos sortimentos, sempre variados, sempre

modernos, sempre renovados, congraçam-se a elegância feminina e masculina, proclamando

90 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 65 – Agosto 1918 91 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 79 – Novembro 1918

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a vantagem inexcedível de vestir no Parc Royal”;92 “Um encantador ambiente de distinção,

de beleza e de elegância envolve todas as senhoras que se vestem no Parc Royal”;93 “Parc

Royal: Um grande mercado de elegância, onde todos – senhoras, homens, crianças –

encontram o artigo de que precisam pelo preço que lhes convém”;94 “Para ser elegante visite

V. Exa. a grande exposição de vestidos de verão do Parc Royal”;95 “Ser elegante é bem

fácil, com o auxílio do Parc Royal”;96 “Senhoras e Homens elegantes, onde quer que

apareçam, proclamam a vantagem de vestir com distinção e economia como os veste o Parc

Royal”;97 “Dois focos para os quais convergem todas as atividades do Parc Royal: elegância

masculina – elegância feminina”.98 A escolha do vestuário adquiria uma grande importância

na exibição social, e exigia um saber específico - em conformidade com cânones

estrangeiros de moda e modernidade, propagados nos periódicos e nos anúncios – cuja

apreensão seria facilitada, com o auxílio do magazine.

Fig. 15. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 129 – Outubro 1919

92 Anúncio na Revista da Semana Nº 10 – Março 1921 93 Anúncio na Revista da Semana Nº 40 – Outubro 1921 94 Anúncio na Revista Careta Nº 798 – Outubro 1923 95 Anúncio na Revista da Semana Nº 7 – Março 1920 96 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 120 – Agosto 1919 97 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 127 – Outubro 1919 98 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 129 – Outubro 1919

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77

Fig. 16. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 127 – Outubro 1919

No que diz respeito ao seu público-alvo, “Parc Royal recebe diariamente a sociedade

elegante do Rio de Janeiro”;99 “Invariavelmente elegantes são as nossas freguesas que por si

mesmas proclamam em toda a parte o fino gosto, a novidade, a distinção, a modicidade das

criações da moda do Parc Royal”;100 “Não há uma rua no Rio de Janeiro onde não passe

uma senhora elegante. Não há uma senhora elegante que não seja freguesa do Parc

Royal”;101 “No Rio de Janeiro pode-se sempre apostar com segurança que em qualquer

grupo de senhoras elegantes metade pelo menos são freguesas do Parc Royal. Bem assim se

pode apostar que em qualquer reunião de elegância as senhoras que se apresentam com a

mais chic distinção são freguesas do Parc Royal”;102 “Senhoras e homens elegantes – onde

quer que apareçam, proclamam a vantagem de vestir com distinção e economia, como os

veste o Parc Royal”;103 “Vão ao Parc Royal porque são elegantes, são elegantes porque se

vestem no Parc Royal”.104 Ou seja, o Parc Royal dirigia-se à “sociedade elegante” que

recebia em suas lojas, e quem frequentasse suas lojas e comprasse seus produtos estaria

inscrito na “sociedade elegante”.

99 Anúncio na Revista Careta Nº 458 – Março 1917 100 Anúncio na Revista da Semana Nº 3 – Fevereiro 1918 101 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 82 – Dezembro 1918 102 Anúncio na Revista da Semana Nº 7 – Março 1918 103 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 127 – Outubro 1919 104 Anúncio na Revista da Semana Nº 39 – Setembro 1923

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78

A auto-qualificação da loja como um lugar único habilitado a oferecer aos

consumidores um determinado padrão de elegância vem à tona, ainda, num anúncio que

reproduz um diálogo entre um casal que observa e julga a aparência de dois homens à

distância:

“Dialogando...

Ela – Por que serão assim tão diferentes dois homens vestidos com o mesmo apuro:

um elegante com distinção, o outro ridicualamente elegante?

Ele – Não é difícil saber: é que o primeiro veste-se no Parc Royal, o outro...o outro

veste-se em qualquer parte...”.105

Fig. 17. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 124 – Setembro 1919

Ao passo em que alinhava-se com matrizes estrangeiras de modernidade e

refinamento, o magazine apresentava-se como disseminador dessas prerrogativas, como se

pudesse oferecer a um público amplo o estilo das elites: “Quereis ser elegantes? Vulgarizar

a elegância é a nossa função principal”;106 “Andam por toda a metrópole carioca, de braço

dado, a Elegância Feminina e a Elegância Masculina, atestado de sentimento estético que

distingue a população desta cidade. Quando V. Ex. se pretender aliar a essa corrente não se

esqueça de que o grande vulgarizador de elegância, entre senhoras, homens e crianças do

Rio de Janeiro, é e será sempre o Parc Royal”;107 “Parc Royal: uma imensa organização que

resolveu o problema de pôr a moda ao alcance de todos, e assim ganha milhões de clientes e

105 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 124 – Setembro 1919 106 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 120 – Agosto 1919 107 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 91 – Fevereiro 1919

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milhões de amigos”;108 “Glória à organização portentosa que em todo o Brasil democratiza a

moda, e a põe ao alcance de todos – ricos e pobres – indiferentemente!”;109 “Elegância

Masculina / Elegância Feminina – Duas correntes de beleza que se encontram a cada passo

nas ruas do Rio de Janeiro, impulsionadas pelas criações que vendemos, pela primorosa

produção de nossos ateliês e oficinas, os mais valiosos auxiliares da Elegância Feminina e

Masculina no tocante a artigos de vestuário para senhoras, homens e crianças”;110 “Um

maravilhoso distribuidor de elegância, de beleza e de alegria: o Parc Royal”.111

Observe-se o destaque ao Rio de Janeiro como “metrópole carioca”, um modelo de

cidade cosmopolita onde a população distingue-se por seus “sentimentos estéticos”, hábitos

e valores próprios, onde habitam e circulam “pessoas elegantes”. Muitos anúncios eram

ambientados em locais emblemáticos das reformas urbanísticas efetuadas na cidade: a

Avenida Central, a Praça Marechal Floriano, a Avenida Beira-Mar, o Jardim da Glória, a

balaustrada na Rua do Russel.

A loja colocava-se como democratizadora do acesso à “Elegância” e à “Distinção”,

como se pudesse oferecer, através da compra naquele estabelecimento, a possibilidade da

ampliação do número de quem poderia ascender socialmente; ainda assim, mantinha-se

norteada por referenciais de moda sofisticada e por uma maneira de viver vida adotada pelas

classes mais altas da sociedade.

A noção de “Elegância” estava relacionada às escolhas “corretas” da indumentária e

ao modo de vida que seriam determinantes no posicionamento social; para distinguir-se no

anônimo ambiente urbano, não bastaria apenas ser rico, o gosto é que poderia sugerir o

status dos indivíduos com aspirações de identificação cultural à elite europeia. (NEEDEL,

1993: 186).

A necessidade de ser elegante era descrita como “missão”, um “dever”, uma “lei”,

“obrigação”, um “difícil problema”, uma “batalha” e até “questão de saúde”. Nesse último

aspecto, os novos hábitos e a vestimenta que deveriam ser utilizados pelo público do Parc

Royal ecoavam o movimento higienista que ocorreu entre meados do século XIX e início do

XX no Brasil. Preconizando novas normas e propostas de intervenção, esse movimento

visava a melhoria das condições de saúde coletiva e individual da população. É de se notar

que, embora os referenciais de moda adotados no Rio de Janeiro desde a chegada da Corte

em 1808 fossem originários de países europeus, cuja indumentária muitas vezes revelava-se

108 Anúncio na Revista da Semana Nº 8 – Março 1918 109 Anúncio na Revista da Semana Nº 52 – Fevereiro 1918 110 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 87 – Janeiro 1919 111 Anúncio na Revista da Semana Nº 52 – Dezembro 1924

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80

inadequada ao clima tropical, há anúncios onde o Parc Royal faz uma inovadora menção

expressa às altas temperaturas cariocas e à necessidade de uma vestimenta adequada ao

calor em função da saúde: “O problema do vestuário é mais difícil de verão do que

d’inverno. É preciso vestir com graça, com elegância, com distinção e com muita leveza,

muito de acordo com a elevada temperatura que somos obrigados a suportar. O Parc Royal

este ano, mais do em nenhum outro, conseguiu um sortimento de artigos de verão onde se

avolumam as mais interessantes novidades, correspondendo tudo aos mais rigorosos

preceitos da graça, da elegância, da distinção, do conforto e da higiene”;112 “O dever da

elegância no verão – Ser Elegante, ser Bela, é uma imposição feita pelas convenções sociais

a todas as senhoras em geral. No verão, porém, essa imposição adquire força maior, porque

se alia então ao Dever de Elegância o dever de Higiene e de Saúde. Os nossos sortimentos,

os nossos preços, suavizam a todas as senhoras o cumprimento desses deveres”;113 “As

roupas frescas são um conforto no verão. Conforto ainda maior, é comprá-las no Parc

Royal”;114 “Para não sentir calor: visitem os homens elegantes a exposição de artigos de

verão no Parc Royal”;115 “Guerra ao calor! O Parc Royal oferece para a estação calmosa

uma série vastíssima de artigos interessantes pela sua atualidade, bom gosto e reduzido

preço, tais como: tecidos leves de algodão, bordados, cambraias e linhos de todas as cores,

sedas finíssimas em padrões modernos, sombrinhas e novidades diversas para senhora

(...).116

Embora os referenciais de moda masculina e feminina contemplassem o uso de

tecidos de lã, peles de animais e peças de roupa impróprias para o clima carioca, num uso

mimetizado que não vislumbrava críticas a modelos porventura inadequados às

circunstâncias materiais brasileiras, a preocupação com a saúde externada nos anúncios do

Parc Royal, relacionada ao clima e à vestimenta apropriada, denota uma incipiente iniciativa

de adaptação de padrões estrangeiros à realidade nacional. O magazine chamava atenção

para preceitos de higiene, para a importância do vestuário apropriado, e para a necessidade

de se levar em conta as condições e o clima do país.

Esse cuidado era extenso à esfera infantil, ensejando a oferta pelo Parc Royal de um

vestuário adequado às tamperaturas tropicais e à mobilidade das crianças, enquanto não

disfarçava a intenção de cativar, desde cedo, um potencial público consumidor futuro:

112 Anúncio na Revista Fon-Fon - Nº 50 – Dezembro 1915 113 Anúncio no Almanaque Eu Sei Tudo Nº 9 – Fevereiro 1918 114 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº43 – Março 1918 115 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº125 – Outubro 1919 116 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº344 – Dezembro 1923

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“Cuidai das crianças – A criança é a graça, é a esperança, é a alegria da vida. Vesti as

crianças com graça, com higiene, com alegria. O Parc Royal estuda continuamente o

problema de vestir as crianças. As roupas desse gênero que vendemos refletem o resultado

desse estudo: são fortes, resistentes, graciosas, higiênicas, adequadas ao nosso clima. As

mães que nos tragam seus filhos, queremos consagrar-nos desde agora aos freguesinhos de

hoje, aos nossos fregueses de amanhã”;117 “Todos querem seus filhos fortes e sadios – A

roupa só se torna um fator dessa condição física perfeita, quando é construída em atenção a

esse propósito. Por isso fazemos para as crianças roupas graciosas e elegantes, sim, mas

arejadas, talhadas de sorte a permitir a elasticidade de movimentos, feitas de materiais

resistentes, mas permeáveis ao ar e à luz. São roupas fabricadas para crianças, mas em que

se teve em consideração o que requerem seus hábitos e as condições do clima do país.

Roupas feitas no Brasil, para as crianças do Brasil”;118 “Estação de verão – Esta é a quadra

em que as mães se devem manter vigilantes por tudo que diz respeito à saúde e ao conforto

das crianças. A nossa seção de artigos para crianças, agora consideravelmente aumentada e

fornecida de estoques colossais, oferece às afetuosas mamães, por preços convenientes, tudo

que elas possam desejar em benefício da Elegância e da Saúde de seus filhos”;119 “Roupas

para crianças – Preservai a saúde das crianças. Defendei os entesinhos tenros que por si

mesmos não sabem se defender. Não vos esqueçais de que as boas roupas são a condição

essencial da saúde dos pequeninos, e de que em parte alguma há roupas melhores, mais

higiênicas, mais práticas e econômicas do que as vendidas pelo Parc Royal”;120 “Tempo de

calor – Na quadra de verão, mães extremosas, nunca protegereis demais a saúde e o conforto

de vossos filhos, de que são condição essencial as roupas próprias da estação. Para adquiri-

las nas melhores condições de bom gosto e economia, é de vosso interesse visitar a grande

seção de artigos para crianças do Parc Royal”;121 “A lição da experiência: - Mamãe ainda

não me comprou este ano as minhas roupas de verão! – Mas por quê? Lá em casa, Nhonhô,

mamãe não se cansa de repetir todos os dias que para a saúde, o conforto e comodidade das

crianças, não há como as roupas do Parc Royal”.122 A necessidade de se manter a

“elegância” continuava a ser ressaltada, mas a preservação da saúde passava a ser levada em

conta. Havia um apelo à comoção maternal e ao senso prático da dona-de-casa, na expressão

da noção de conforto aliado à economia.

117 Anúncio na Revista Careta - Nº 218 – Agosto 1912 118 Anúncio na Revista Careta - Nº 219 – Agosto 1912 119 Anúncio na Revista da Semana - Nº 34 – Outubro 1918 120 Anúncio na Revista da Semana - Nº 39 – Novembro 1918 121 Anúncio na Revista da Semana - Nº 36 – Outubro 1918 122 Anúncio na Revista da Semana - Nº 40 – Novembro 1918

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Fig. 18. Anúncio na Revista da Semana Nº 36 – Outubro 1918

Percebe-se, ao longo da verve publicitária do magazine, um caráter didático, que

informava ao público objetivamente o que e como fazer em relação ao uso do vestuário

feminino, masculino e infantil e também em relação à decoração do espaço privado – o lar –

em instruções capazes de atingir, contudo, camadas mais profundas da subjetividade do

receptor, moldando seu comportamento, formando um hábito de consumo, delimitando

valores e padrões a serem seguidos como balizas de vivência social.

A “elegância” é tratada ainda como uma “questão de princípios” incluída entre as

premissas que norteavam as atividades da loja: “A elegância do traje masculino, só a

complementam os seus acessórios (...) Os nossos artigos são escolhidos em obediência a

esse princípio. O artigo bom, fino, elegante, encontra-se sempre no Parc Royal. Se é artigo

que não reune esses predicados, o Parc Royal não o quer por preço algum. A perfeição da

nossa organização, as nossas avultadas compras no país e no estrangeiro permitem-nos

vender em condições que o público por força acolhe com simpatia. A comparação entre os

preços vulgares e os nossos bastará para convencê-lo da sinceridade do conselho: Comprar

no Parc Royal”.123

No entanto, ao mesmo tempo em que a “elegância” era considerada uma espécie de

regra a ser observada, saber o que seria considerado elegante e como seguir determinados

padrões de bom gosto não seria uma tarefa fácil, ao menos assim queria fazer crer o Parc

Royal. Nos seus anúncios, enquanto reforçavam a necessidade do cumprimento de uma

convicção prévia - “ser elegante” – apresentavam esse objetivo como uma função difícil e

123 Anúncio na Revista Careta – Nº216 – Julho 1912

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árdua, mas que poderia ser efetuada com a ajuda da loja: “O seu vestuário é um problema –

um problema que nós resolvemos para milhares de pessoas todos os dias”;124 “Problema

resolvido – Vestir-se com elegância é um difícil problema que quotidianamente se apresenta

a todas as senhoras e a todos os homens. Mas quem realmente deseja só vestir com

elegância, mas também com economia, encontra a dupla solução do problema, vestindo-se

no Parc Royal.”125 A equiparação das exigências do vestuário à ideia de um “problema”

aparece ainda em outros momentos do discurso comercial, como o “problema de vestir as

crianças”126 ou o “problema árduo” de encontrar colletes sob medida.127 Assim, o Parc

Royal colocava-se como um auxiliar poderoso, capaz de solucionar esses “problemas”; para

isso, o público deveria adotar a moda difundida pelo magazine, comprar produtos naquele

local e usar as roupas e acessórios lá adquiridos.

A competitividade no “desfile” social era ressaltada, na medida em que poderia ser

um impulso ao consumo. Em anúncio ilustrado que retrata um casal em frente ao Theatro

Municipal, um dos locais frequentados pela elite carioca, o texto incentivava a disputa:

“Prelúdio da estação: a batalha anual da Elegância será ferida em breve no Municipal.

Habilitem-se à Vitoria os combatentes dos dois sexos, sortindo-se no Parc Royal”.128

Adequar-se aos novos códigos e maneiras de se vestir seria um dever a cumprir para

o êxito, tanto individual – uma vez que seria uma “questão de saúde” - quanto na vida em

sociedade, uma verdadeira obrigação: “Prestigiar a Moda corrente é cumprir uma missão de

elegância, preservando a própria saúde”;129 “A abertura da Estação de Festas vai obrigar

todas as Senhoras Elegantes a alguma despesa com as suas toilettes”;130 “Suprema lei de

Elegância: vestir no Parc Royal”.131 (grifos da Mestranda)

124 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº64 – Julho 1918 125 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº78 – Novembro 1918 126 Anúncio na Revista Careta - Nº 218 – Agosto 1912 127 Anúncio na Revista Careta – Nº 221 – Agosto 1912 128 Anúncio na Revista Careta Nº 469 – Junho 1917 129 Anúncio na Revista Careta Nº 769 – Março 1923 130 Anúncio no Almanaque Eu Sei Tudo Nº 11 – Abril 1918 131 Anúncio no Almanaque Eu Sei Tudo Nº 3 – Agosto 1920

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Fig. 19. Anúncio na Revista Careta Nº 769 – Março 1923

Na figura do anúncio acima, a mensagem imperativa que associava a observância da

moda a um dever de elegância e saúde é acompanhada por uma ilustração do portal de

acesso da Exposição Internacional de 1922, promovida pelas elites do Rio de Janeiro em

homenagem ao Centenário da Independência do Brasil, visando a exibir os avanços do país

e afirmar a identidade da nação. Considerada o maior evento republicano do início do século

XX, a Exposição de 1922 atraiu visitantes nacionais e estrangeiros e motivou uma série de

transformações no espaço urbano; influenciou o movimento da modernidade brasileira,

realçando elementos capazes de reforçar uma noção de urbe cosmopolita higiênica e

ordenada, erigida sobre os princípios da razão e do progresso. Inspirada nas grandes

exposições do século XIX, tratava-se de uma feira onde se promovia o culto às mercadorias;

um espaço propício para a veneração do efêmero e a valorização das novidades técnico-

industriais. O Parc Royal, ao incorporar esse acontecimento em sua publicidade, atrelava o

consumo de moda naquele local a esses referenciais, ampliando o alcance de suas

proposições a um ideal modernista brasileiro. A utilização de outros “anúncios de

oportunidade” - inspirados em fatos que eram notícia - pelo Parc Royal será analisada mais

detalhadamente na próxima seção.

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A loja contava com um escritório próprio em Paris para proceder à negociação dos

produtos importados junto aos fornecedores: “Todas as fazendas, modas e em geral, todas as

mercadorias existentes nos armazéns do parc Royal são compradas pela sua sucursal de

Paris em condições excepcionais de novidade, qualidade e preço”;132 “O Parc Royal faz

todas as suas compras na Europa, diretamente dos fabricantes a dinheiro à vista e por

pessoal da casa (...)”; 133 “O sortimento que o Parc Royal expõe este ano, inteiramente

adquirido pela nossa casa de Paris, excede tudo quanto se fez nos anteriores, não só pela

variedade, bom gosto e alta elegância como pela extrema modicidade dos preços”;134 “O

sortimento que o Parc Royal expõe este ano, todo adquirido pela sua casa de Paris e os

preços marcados em todos os artigos justificam a sua fama tão legitimamente adquirida de

que é a casa em todo o Rio de Janeiro que tem o melhor sortimento e que vende mais

barato”.135

Paris ocupava, no início do século XX, o posto de capital cosmopolita mundial, um

polo irradiador de uma ideia de modernidade que incluía a moda entre seus mais expressivos

fenômenos; na qualidade de centro gerador de tendências, a cidade francesa era a matriz

onde o mundo da moda iria buscar coordenadas para suas ações. Correspondentes de

revistas especializadas e compradores de lojas de departamento dos Estados Unidos

viajavam comumente a Paris para importar ideias e sugestões, na medida em tudo o que

fosse parisiense era considerado uma garantia para consumidores interessados em moda

(LEACH, 1993: 99).

O afrancesamento desse universo ficava patente nos anúncios do Parc Royal, que

além de divulgarem, como trunfo, a existência e atuação de seu escritório em Paris,

reiteradamente utilizava expressões em francês no texto publicitário e incorporava, entre as

principais qualidades de seus produtos, sua origem importada daquele país; “Quando V.

Exa. quiser apenas um vestido, encontrá-lo-á em qualquer parte; mas quando V. Exa. fizer

questão de adquirir uma toilette que seja a expressão da última moda de Paris, e por preço

razoável e justo, não poderá deixar de comprar no Parc Royal”;136 “Paris eterno! Triunfando

em suas dores, Paris acaba de enviar-nos um primoroso sortimento de toilettes para baile e

para teatro, compreendendo as últimas novidades criadas para o triunfo da elegância

132 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 4 – Maio 1908 133 Anúncio no Almanaque Laemmert de 1908 134 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 6 – Maio 1908 135 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 5 – Maio 1908 136 Anúncio na capa do Programa do Theatro Municipal – Temporada oficial de 1918

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feminina”.137 Nesse último anúncio, note-se a referência às “dores” decorrentes da Primeira

Guerra Mundial.

Outros exemplos de exaltação aos produtos da capital francesa: “Vestidos e chapéus

recém-chegados de Paris para teatro, passeio, visita, etc.”;138 “Para as formosas cariocas:

vestidos de Paris, últimas improvisações da moda; chapéus-modelos, criações das grandes

modistas da cidade-luz”;139 “Robes de soir, chapeaux-modèles, um sortimento da mais fina

escolha em que colaboraram as mais reputadas costureiras e modistas de Paris”;140 “Adquira

V. Ex. uma das lindas criações da moda que acabamos de receber de Paris e inaugure assim

com distinção e elegância a sua estação de verão”;141 “Acabamos de receber de Paris artigos

supramente chics”;142 “Uma vez por semana partem da França grandes transatlânticos que

transportam as últimas novidades da moda destinadas ao Parc Royal”;143 “Continuamos a

fruir os benefícios de uma organização sistematizada com o objetivo de recebermos por

todos os vapores as últimas novidades da moda expressamente escolhidas em Paris para a

nossa elegante clientela feminina”;144 “Num vai-vem inalterável, todos os dias partem para

Paris novos pedidos, todos os dias chegam ao Rio novos vapores, trazendo as últimas

novidades da moda para os fregueses do Parc Royal”.145 Em 1926, a loja oferecia inclusive

uma Seção de Luxo “sob a direção de Mme. Yvonne Labriet com os mais elegantes modelos

dos grandes ateliês de Paris – luxuoso salão reservado no 1º. Andar”.146 O espelhamento

francófilo propagado pela loja era evidenciado inclusive em anúncios redigidos totalmente

em francês, como este a seguir: “Robes de théatre, toillettes de visite, manteaux et costumes

– modèles de haute couture – Chapeaux – modèles des grands maisons parisiennes, soieries

et draperies, porte-trésors, coilliers, bracelets et tous les mille petits riens qui complètent le

charme de la femme élégante. Nous désirons faire savoir à nos élégants clientes que nous

recevon de Paris, toutes les semaines, ces articles et les offrons a des pris sérieux”.147

Às roupas importadas de Paris, somavam-se peças de alfaiataria confeccionadas por

encomenda, sob medida, nas próprias oficinas do Parc Royal inauguradas em 1908,

conforme informações publicitárias: “Oficina Modelo de Tailleur de Dames: Acaba de ser

137 Anúncio na Revista da Semana – Nº 25 – Julho 1918 138 Anúncio na Revista da Semana – Nº 50 – Janeiro 1920 139 Anúncio na Revista da Semana – Nº 5 – Março 1920 140 Anúncio na Revista da Semana – Nº 28 – Julho 1921 141 Anúncio na Revista da Semana – Nº 41 – Outubro 1921 142 Anúncio na Revista da Semana – Nº 31 – Julho 1922 143 Anúncio na Revista da Semana – Nº 14 – Março 1923 144 Anúncio na Revista Frou-Frou – Nº 4 – Setembro 1923 145 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 132 – Novembro 1919 146 Anúncio na Revista da Semana – Nº 30 – Julho 1926 147 Anúncio na Revista Frou-Frou – Nº 2 – Julho 1923

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montada esta oficina sob a direção de um artista de primeira ordem e com pessoal

habilitadíssimo. Vestidos feitos e por medida. Modelos inéditos e exclusivos do Parc Royal.

A organização deste novo ateliê sendo a mais completa possível, autoriza-nos a garantir às

nossas clientes a perfeição absoluta dos trabalhos e a extrema modicidade dos preços,

sistema habitual da casa (...); Duas grandes oficinas de vestidos, uma servindo as nossas

clientes da seção da Avenida, outra fornecendo a extensa freguesia da casa do Largo de São

Francisco”;148 “Dois grandes ateliês de vestidos. Executa-se desde o mais rico até o mais

simples. Vestidos feitos. Modelos de Paris. Enxovais de casamento”;149 “Officina de

Tailleur – Alfaiate para as senhoras; Esta nova oficina, montada em grande escala, executa

por medida todo e qualquer modelo de vestidos ou confecções, gênero tailleur, garantindo-

se a perfeição absoluta na forma e na mão de obra. Modelos novos, já feitos, em drap,

casemiras, tecidos de lã e fantasia, desde 100$000 até...”;150 “Ateliê de 1ª. Ordem, montado

sob a direção de um hábil alfaiate para a execução de todos os gêneros de vestidos tailleur e

confecções de lã em geral. O sucesso desta oficina recentemente instalada, tem sido

absoluto. Todos os vestidos entregues têm correspondido plenamente ao desejo dos

clientes”;151 “O Parc Royal possui nove oficinas, perfeitamente organizadas, funcionando à

electricidade, com um pessoal de duzentas operárias, executando grande numero de artigos

que já são conhecidos nos mercados do Brasil pela sua perfeição”;152 “As nossas oficinas,

dispondo de um pessoal numeroso e hábil, executam qualquer encomenda de vestidos,

chapéus e confecções em geral, com toda a perfeição e grande rapidez”;153 “O ateliê de

tailleurs e vestidos sob medida do Parc Royal oferece todas as vantagens e garantias: 1º. É

dirigido por um francês da mais absoluta competência. 2º. O grupo de costureiras foi

escolhido entre as melhores e mais habilitadas. 3º. Executa qualquer figurino seguindo

sempre as indicações da moda. 4º. Emprega só tecidos e aviamentos de primeira qualidade.

Os preços são sempre moderados”.154

Note-se que inicialmente, em 1908, informou-se que havia duas oficinas, uma para

atender cada filial (Avenida e Largo de São Francisco), mas em 1909 o anúncio da loja

denotava uma ampliação, contabilizando nove oficinas e o número de funcionárias que nelas

trabalhariam. O Parc Royal divulgava a especialização dos ateliês, que poderiam atender

148 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 4 – Maio 1908 149 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 5 – Maio 1908 150 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 6 – Maio 1908 151 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 7 – Maio 1908 152 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 15 – Abril 1909 153 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 14 – Julho 1908 154 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 6 – Março 1915

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encomendas de chapéus ou colletes, uma espécie de modelador um pouco mais flexível que

o espartilho: “Oficina de chapéus de senhoras e meninas, dirigida por Mlle. Maillard,

modista de Paris, contratada recentemente para o Parc. Os chapéus do Parc conquistaram o

primeiro lugar nas rodas elegantes do Rio. Os modelos expostos nas vitrines da Avenida

Central, esgotando-se sucessivamente, tem sido preferidos pelas senhoras mais elegantes.

Os modelos são inéditos e não se reproduzem. Para facilitar às nossas clientes,

confeccionarem elas mesmas os seus chapéus ou transformarem-nos, vendemos todas as

guarnições, flores, plumas, formas, etc., por preços extremamente razoáveis”;155 “Atelier de

colletes: 50 modelos a escolher. Executa-se por medida qualquer modelo e garante-se a

perfeição absoluta na forma e na mão de obra”;156 “No nosso ateliê de colletes sob medida,

dirigido por uma hábil parisiense, executamos qualquer modelo, tendo sempre em vista a

elegância, a higiente, o conforto, a comodidade, a barateza, a qualidade. Colletes sob

medida, com prova, desde 30$000”;157 “Somos fabricantes, temos grandes oficinas de

colletes sob medida, fabricamos 6.000 colletes todos os meses e assim diariamente

resolvemos para milhares de outras senhoras, problemas tão árduos como o de V. Ex.

Respondemos pelo artigo que lhe vendemos: é duradouro, confortável e elegante. A

experiência de V. Ex. valerá, porém, mais que a nossa afirmativa. Experimente e então se

dará por convencida. Quando vem experimentar?”.158 A quantificação dos modelos

disponíveis e da produção confeccionada pela loja indicava uma comunicação de

superlativos capazes de impressionar os receptores dos anúncios e reificar a imagem do

Parc Royal como “maior e melhor casa do Brasil”.

Fig. 20. Ateliê de vestidos do Parc Royal Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

155 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 4 – Maio 1908 156 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 5 – Maio 1908 157 Anúncio na Revista Careta – Nº 189 – Janeiro 1912 158 Anúncio na Revista Careta – Nº 221 – Agosto 1912

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O magazine oferecia também o serviço de alfaiataria masculina: “Para a elegância

dos homens, alfaiataria modelar, provida dos mais amplos e variados sortimentos de

fazendas de todas as qualidades, com pessoal habilitadíssimo e oficinas que trabalham com

rapidez e perfeição”;159 “Oficina primorosamente montada, dispondo dos mais conceituados

cortadores. Encomendas executadas com a maior rapidez e perfeição. Visitem a alfaiataria

do Parc Royal”.160 E, por fim, a loja disponibilizava serviços para a casa: “Possui o Parc

Royal seções especiais de estofador e armador, atendidas por artistas peritos, capazes de

executar com elegância, perfeição e rapidez, qualquer modelo de decoração doméstica que

lhes seja indicado”;161 “Acabamos de ampliar o nosso departamento de móveis e tapeçarias

e de sorti-los com um formidável estoque de artigos desse ramo. Dispõe esse departamento

de excelentes artistas, aptos em todos os mistéres das profissões de armador, estofador e

decorador, e fornece gratuitamente orçamentos a todos os que desejarem embelezar suas

residências”.162

Numa certa medida, o diversificado serviço dos ateliês acompanhava a amplitude

dos produtos oferecida pela loja de departamentos, atendendo a homens e mulheres,

confeccionando modelos caros ou mais baratos de vestuário, incluindo a roupa de baixo

(colletes), oferecendo chapéus já prontos ou a matéria prima para que o cliente pudesse

fazê-lo, além dos serviços específicos referentes a decoração de ambientes; a moda

aplicava-se também ao interior do lar.

A grandiosidade das oficinas e a variedade do que se poderia encomendar são

aspectos destacados na verve persuasiva que clamava conceitos de rapidez, praticidade,

conforto, higiene, comodidade, organização e perfeição, noções emblemáticas próprias da

modernidade. Chamava-se atenção para o funcionamento elétrico como um avanço

tecnológico próprio daqueles “novos tempos”, assim como para o uso do telégrafo, outra

invenção que marcou a época. Em reclame no Almanaque Laemmert de 1908, o Parc Royal

informava seu endereço telegráfico no Rio (“PARC”) e em Paris (“PAROYJOS”),

externando o vínculo parisiense do qual se ufanava e a modernidade de suas comunicações,

impregnados da crença em uma ideia racional de progresso e civilização.

159 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 96 – Março 1919 160 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 98 – Março 1919 161 Anúncio na Revista Careta – Nº 456 – Março 1917 162 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 97 – Março 1919

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5.2 Estratégias de comunicação do Parc Royal

Percebe-se no vasto discurso comercial da loja uma reiteração de certas mensagens,

que comunicam pontos recorrentes: a vantagem de seus preços, divulgados como de baixo

custo; a referência aos padrões parisientes de moda e novidade; a necessidade de se atender

a padrões de “elegância” e “beleza” como parâmetros sociais distintivos; a acessibilidade a

essas prerrogativas através do consumo no Parc Royal.

Paralelamente, a autopromoção e a autoexaltação do magazine em relação às suas

atividades e êxitos fica patente na sua mensagem publicitária; o Parc Royal divulgava, com

detalhamento contábil, o número de funcionários, o número de clientes e o número de peças

vendidas em determinado período: “A administração do Parc Royal desejava poder dirigir-

se individualmente a todas as pessoas que frequentam este estabelecimento para lhes desejar

as Boas Festas e cumprimentá-las pela entrada do novo ano. Dá-se, porém, o caso que o

Parc Royal foi frequentado durante o ano fundo por 720 MIL fregueses da capital e serviu

28 MIL compradores em todos os Estados da República. Diante da fabulosa quantidade de

nomes que enchem os registros da casa, a administração reconheceu que lhe faltava o tempo

materialmente necessário para cumprir esse dever de cortesia e de amizade”;163 “Durante o

ano de 1912 visitaram o Parc Royal 1.610.000 pessoas, direta e indiretamente servidas por

um pessoal abrangendo 1.055 pessoas em toda a organização comercial da casa. A todos

esses nossos amigos que, uns e outros, têm poderosamente contribuído para o

desenvolvimento deste estabelecimento apresentamos os nossos mais vivos desejos de

prosperidade no ano de 1913”.164

Embora nossa pesquisa não tenha contemplado uma apuração estrita da veracidade

desses índices, interessa-nos a construção da autoimagem da loja como protagonista do

comércio na capital, como um estabelecimento de sucesso que propagava ideais de

modernidade adotados pela elite carioca.

Os anúncios do magazine ocupavam páginas inteiras das revistas; alguns deles

utilizavam apenas mensagens textuais, enquanto a grande maioria era ilustrada, valendo-se

de uma relação estreita entre a imagem representada e o texto que a acompanhava. Num e

noutro casos, a linguagem adotada era própria da publicidade, direta e acessível, uma

retórica com finalidade persuasiva e poder de convencimento do receptor. Levando-se em

conta que o objetivo primordial da publicidade é a venda de produtos, eram propagadas ad

163 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº1 – Janeiro 1909 164 Anúncio na Revista Careta – Nº240 – Janeiro 1913

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nauseam a qualidade e variedade dos mesmos, bem como sua vantajosa relação custo-

benefício. Havia, outrossim, uma preocupação em reforçar uma relação de proximidade,

credibilidade e confiança entre os clientes e a loja. Isso fica evidenciado, por exemplo, em

anúncio ilustrado pelo caricaturista Augusto Rocha, ainda sob a gestão da formação

societária anterior à Vasco Ortigão & Cia., onde uma mulher segura um cartão de visita

pessoal, com uma pequena dobra na ponta superior esquerda, onde lê-se: “Armazéns do

Parc Royal – M. Nunes & C. e os seus empregados saúdam os seus fregueses e amigos,

desejando-lhes Boas Festas e um novo ano feliz. Dezembro 1907”;165 nesse caso, não há

propaganda específica de qualquer produto ou vantagem comercial, mas sim uma

comunicação institucional onde a loja, representada pessoalmente por seus sócios e

empregados, externa desejos cordiais a seus “fregueses e amigos”, um hábito próprio de

relações interpessoais.

Noutro caso, o anúncio faz crer na intimidade e na inserção da loja no cotidiano de

suas clientes; sob uma ilustração requintada de uma jovem, que escreve uma carta numa

escrivaninha de madeira, lê-se parte do texto da missiva:

“Rio, 27/12/17 Querida Hortência, Sinto muito que ainda não pudesses vir passar uns dias comigo. Se soubesses o que estás perdendo! O Rio está lindo, a Estação em pleno apogeu. Por toda a parte homens afáveis e mulheres elegantíssimas. Os vestidos da moda são um enlevo. O Parc Royal tem os tido em tal quantidade que se tornou o templo predileto das mil novidades da moda. E que beleza de modelos! Que preços convidativos! É uma pena não aproveitares. Vê se podes...”166

A uma só vez, a loja reforça a noção da oportunidade do consumo, que não deve ser

desperdiçada; a fruição da moda como atividade prazerosa; a imagem do Rio de Janeiro

como um centro de beleza, requinte e civilidade; a presença do magazine na vida diária de

seu público.

Percebe-se também uma difusão acentuada do papel e da posição da loja como “a

mais famosa”, “a preferida”, “a mais importante” e, como seu próprio slogan definia, “a

maior e melhor casa do Brasil”. A loja definia, nos anúncios, as bases e os objetivos

próprios de sua atuação, em transmissões detalhadas, edificando sua imagem perante o

165 Anúncio n’O Malho – Nº 276 – Dezembro 1907 166 Anúncio no Almanaque Eu Sei Tudo – Nº 8 – Janeiro 1918

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consumidor: “Seriedade: O Parc Royal, cujas transações são sujeitas aos mais rigorosos

preceitos da mais absoluta seriedade, ocupa, como o mais importante estabelecimento que é,

o lugar de destaque que o público lhe destinou / Confiança: O Parc Royal, cuja organização

inspira a mais absoluta confiança, é o estabelecimento preferido, sempre pronto a atender,

da melhor vontade, a qualquer reclamação, trocando por outro ou restituindo a importância

de qualquer artigo que não agrade / Superioridade: O Parc Royal deve à superioridade dos

artigos que expões à venda, o grande desenvolvimento que atingiu, que é a compensação

oferecida por o público a uma soma tão grande de esforços e a um trabalho tão aturado e

persistente / Barateza: O Parc Royal é reconhecidamente a casa que vende os melhores

artigos aos preços mais baratos, razão porque atingiu um elevado grau de simpatia, da parte

do público, que nenhuma outra casa pôde conseguir”;167

Sem qualquer modéstia, o magazine apresentava-se como um estabelecimento de

sucesso ímpar, numa argumentação expressa, por vezes fazendo uso de um tom exagerado.

A própria loja repisava seu poder como como difusora da moda, do “bom gosto” e de novos

hábitos de consumo. Como um reconhecimento recíproco, o magazine demonstrava respeito

pelo espírito de economia e pragmatismo de seus clientes, e seu empenho para conquistá-los

e oferecer-lhes motivos de satisfação: “Pelo lado prático, o Parc Royal só tem um meio

significativo e eloquente de agradecer aos seus freguezes a amável preferência que lhe tem

dado. Este meio consiste em servil-os cada vez melhor. De resto, a administração, vivendo

na estreita intimidade do publico, bem conhece as difficuldades, cada vez mais pesadas que

lhe oneram a economia doméstica, e faz tudo quanto pode para lhe facilitar os artigos do seu

comércio, pelos mais baixos preços”;168 “Os nossos esforços pela conveniência do público

visam conquistar tantos amigos quanto fregueses tem o Parc Royal”;169 “Todos os esforços

da administração do Parc convergem para este duplo objetivo – oferecer à venda

mercadorias da melhor qualidade possível pelos preços mais baratos. O resultado obtido tem

sido do mais evidente sucesso. O Parc Royal é hoje a casa mais popular do Brasil pela

grande extensão do seu sortimento e pela extrema barateza de seus preços”.170

Havia uma expressão de empatia pelo consumidor, um posicionamento de afinidade

e compromisso visando ao consumo como um benefício para todos. No afã de cativar o

público, o Parc Royal externava sua filosofia, por vezes adotando um quê de modéstia, com

167 Anúncio na Revista Careta – Nº 188 – Janeiro 1912 168 Anúncio na Revista Fon-Fon - Nº 1 – Janeiro 1909 169 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 63 – Julho 1918 170 Anúncio na Revista Fon-Fon - Nº 15 – Abril 1909

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feição moralista: “Quem tudo quer, tudo perde. Por nos contentarmos de pouco, foi que

conquistamos a grande freguesia de que muito se ufana o Parc Royal”.171

Em relação aos seus concorrentes, a loja não se intimidava e lançava provocações

publicitárias: “A concorrência ao Parc Royal vai aumentando sempre e com isso todos

podem lucrar porque assim vão aumentando as vantagens que ali são oferecidas aos seus

fregueses”.172 Conforme o comércio de moda se expandia na metrópole, o magazine

buscava consolidar seu lugar como o mais atraente e proveitoso.

A loja oferecia aos seus clientes certos benefícios, como a possibilidade de troca ou

até mesmo a devolução da mercadoria, numa valorização do cliente como aquele que “tem

sempre razão”, a quem devem ser oferecidas “vantagens e garantias”. Os consumidores

eram mimados com brindes exclusivos - como o espelho de bolsa com gravura em alto

relevo -, sorteios de mercadorias e distribuição de cupons de desconto: “Grande sorteio do

parc Royal. Condições do seu funcionamento: a firma Vasco Ortigão & C., proprietária dos

grandes armazéns Parc Royal, ao Largo de S. Francisco, no Rio de Janeiro, resolveu

instituir, de acordo com o decreto n. 12.475 de 23 de Maio de 1917, que regula a

distribuição de prêmios por sorteios, um grande prêmio diário no valor de CEM MIL RÉIS

em mercadorias, que será sorteado entre a clientela do PARC ROYAL por meio da Loteria

da Capital Federal e na falta desta pela do Estado do Rio de Janeiro. Este sorteio é composto

de 1.000 cupons devidamente numerados e autenticados, conforme o presente exemplar, os

quais são distribuídos gratuitamente aos primeiros mil fregueses do PARC ROYAL no ato

do pagamento de suas compras. Também são distribuídos estes cupons aos fregueses dos

Estados que fazem suas encomendas por meio de correspondência, catálogos e amostras,

acompanhando seus pedidos da respectiva importância. Os cupons consideram-se premiados

quando o seu número equivaler à terminação do primeiro prêmio, interessando para este

caso somente as terminações compreendidas entre 001 e 1.000. Não serão aceitos os cupons

dilacerados ou defeituosos, cuja legitimidade não possa ser verificada”.173 Essas estratégias,

a distribuição de brindes e a execução de sorteios, provavelmente contribuíam para fidelizar

a clientela e estimular o consumo; e, provavelmente por esses motivos, são expedientes

ainda adotados por redes de varejo nos dias atuais.

Um outro tipo de promoção, também utilizada na contemporaneidade, é o patrocínio

de times esportivos para divulgar a marca e associar sua imagem à competitividade e,

171 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 37 – Janeiro 1918 172 Anúncio na Revista Careta - Nº 377 – Setembro 1915 173 Anúncio na Revista da Semana - Nº 10 – Março 1923

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preferencialmente, à vitória. Em sintonia com o despertar nacional pelos esportes e o

processo de disseminação e popularização do futebol na década de 1910, o Parc Royal

manteve um time próprio, que chegou a disputar o Campeonato Carioca de 1916 na 3ª

divisão.174 No uniforme do time, havia a logomarca da loja, com a letra “P” sob uma coroa,

inserida num escudo.

Fig. 21. Time de futebol do Parc Royal Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

Ritos e momentos de passagem também foram incorporados pelo Parc Royal em

seus anúncios; batizados, casamentos, ano novo e Natal eram temas de alguns reclames, que

aproveitavam-se da potencialidade desses momentos para atrair consumidores: “Noivas! No

dia que assinalar o termo de vosso noivado, oferecei à vossa juventude triunfal, à vossa

explêndida beleza, a moldura de uma toillete que torne a vossa recordação imperecível no

espírito daquele que houverdes preferido. E se desejardes enxovais de todo o gênero,

enxovais de qualquer gosto, enxovais de qualquer preço, não procureis noutra casa o que só

encotrareis no Parc Royal”;175 “Recepção do Ano Novo – A Moda recebe em seu templo as

homenagens de todos os seus fiéis, a quem promete redobrar de vigilância no novo ano para

que Senhoras, Homens e Crianças possam continuar a afirmar a tradição da Elegância

Carioca, mediante a cooperação do Parc Royal”.176

O jornalista, publicitário e escritor Nelson Cádena, autor do livro Brasil, 100 anos de

propaganda e responsável pelo sítio www.almanaquedacomunicação.com.br confere à

174 Disponível em: http://www.vascodagama.com.br/campanhas/segtercdiv.htm 175 Anúncio na Revista da Semana – Nº 11 – Março 1921 176 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 138 – Dezembro 1919

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campanha publicitária do Parc Royal as primeiras representações gráficas no Brasil da

figura do Papai Noel criadas por Manoel de Mora, provavelmente inspiradas num modelo

estético americano popularizado pela revista Harper’s Weekly. Com efeito, o registro mais

remoto da utilização desse personagem, pelo magazine, data de 1915, quando a sua

propaganda começou a dar forma e substância a rituais natalinos: “Extraordinária exposição

de brinquedos, caixinhas com bonbons e artigos de fantasia para presentes de Natal e Ano

Novo”;177 “Quantas contrariedades nesta ocasião de festas de Natal e Ano Novo para quem

não sabe onde encontrar qualquer artigo, chique e gracioso, para fazer um presente. No

entanto nada mais fácil, bastará para resolver esse difícil problema, percorrer as diversas

seções do Parc Royal onde em belas exposições se pode ver tudo quanto há de mais novo e

interessante”.178 Nos anúncios, havia um enaltecimento à religião cristã e uma certa

manipulação do seu discurso: “Disse o Padre Eterno ao novo ano: - Recomendo-te muito

especialmente o Parc Royal, sê para com ele muito carinhoso, porque ali se trabalha para a

felicidade, o bem estar de muita gente! – Os proprietários do Parc Royal agradecem ao

público a sua preciosa colaboração no engrandecimento desta casa e aproveitam o ensejo

para comunicar que o ano de 1916 será um novo período de 366 dias, durante os quais o

Parc Royal trabalhará pela defesa e confirmação de sua divisa: Para bem servir”.179 Em

outro reclame de Natal, a figura do Papai Noel aparece sobre o edifício monumental do

magazine, rodeada por novidades tecnológicas, próprias daquele período, que acentuavam

um ideário de modernidade, como bondes, automóveis, aeroplanos e postes de iluminação

elétrica. O cenário fantasioso, rodeado por anjos, incluía também os presentes importados

oferecidos pelo Papai Noel: carros e aeroplanos de brinquedo, bonecas, palhacinhos,

cavalinhos e bolas, tudo isso diante de crianças embevecidas. No canto inferior esquerdo,

havia ainda a figura de um peru; comê-lo no Natal era um hábito da cultura americana, que

aparece aqui introduzido na publicidade nacional: “Nesta quadra de folguedos, as florinhas

infantis, tem sonhos que são segredos das suas almas gentis...Já com nevados dedos, borda a

aurora o seu matiz, que inda elas sonham brinquedos, de Nova Yorque e Paris! Papai Noel,

nestes dias inspira-se em alegrias ao ditar as suas leis, comprar no Parc os presentes e a

todos os inocentes faz felizes como reis!”180

177 Anúncio na Revista Fon-Fon – Nº 52 – Dezembro 1915 178 Anúncio na Revista da Semana – Nº 45 – Dezembro 1915 179 Anúncio na Revista da Semana – Nº 47 – Janeiro 1916 180 Anúncio n’O Malho – Nº 797 – Dezembro 1917

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96

Fig. 22. Anúncio n’O Malho – Nº 797 – Dezembro 1917

A instituição “Família Brasileira” era enaltecida no texto publicitário, e com ela a

loja buscava estabelecer uma aliança: “Este arco triunfal comemora os louros que colhemos

em 1918 como grandes introdutores da Moda e foi nos levantado pela Família Brasileira, em

benefício de quem criamos o gosto do bem vestir, a comodidade no comprar, a satisfação de

gastar com economia”;181 “Quanto mais cresce uma família, mais crescem as vantagens que

ela pode auferir, mantendo a sua freguesia ao Parc Royal”;182 “Oferecemos os serviços desta

seção (de móveis e tapeçarias) em condições de preço que nenhuma outra casa pode igualar,

e assim trabalhamos não só pelo conforto, mas também pela alegria e economia da família

brasileira”.183

Há uma associação direta entre alegria e consumo, enquanto o Parc Royal assumia

um papel quase paternal, de quem trabalhava pela satisfação e conforto de seus entes

queridos. O magazine colocava-se como o gerador do interesse dos consumidores em vestir-

se com bom gosto e o propulsor do consumo como uma atividade cômoda e satisfatória. E

quando manifestava o “sacrifício” que fazia “em benefício do público”, por vezes a loja

assumía, em seu discurso, um caráter de instituição pública, uma orientação altruísta, quase

como se não fosse uma empresa com fins lucrativos.

Na sua comunicação com o público, a loja ainda tomava para si uma

“responsabilidade” árdua e o dever moral da economia, quase adotando o papel de um chefe

181 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 86 – Janeiro 1919 182 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 38 – Janeiro 1918 183 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº 97 – Março 1919

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de família burguês: “Sobre os nossos ombros pesa a responsabilidade de vestirmos as mais

elegantes Senhoras e Homens do Rio de Janeiro. Daí a necessidade de termos sempre

grandes sortimentos de tudo quanto aparece de mais bonito, de mais moderno, de mais chic.

O público encontra porém neste estabelecimento, reunida a essa vantagem, a dos preços

módicos que cobramos, obedecendo a norma básica da economia, sempre praticada pelo

Parc Royal”.184

Algumas finalidades máximas a serem alcançadas pelo público eram enunciadas:

“Para a beleza das senhoras, para a elegância dos homens, para o bem estar das crianças,

para o conforto do lar”;185 frequentar e consumir naquele local eram ações descritas como

praticadas em proveito próprio: “Legítima Defesa: é em benefício de si mesma que V. Exa.

deve neste momento visitar a grande exposição de artigos de inverno no Parc Royal.

Adquirindo qualquer daqueles artigos, V. Exa. prestará a si mesma quatro valiosos serviços:

1) Protegerá a sua saúde, 2) Garantirá o seu conforto, 3) Acrescerá à sua elegância e 4)

Defenderá a sua bolsa”.186 Ao enumerar, de modo cartesiano, as razões pelas quais deveria-

se comprar no magazine, equiparando o consumo a um ato praticado em “legítima defesa” e

a uma “questão de saúde”, o Parc Royal deixava entrever o alcance que desejava imprimir a

suas pretensões.

O investimento em “marketing” e na formação de opinião de seu público incluiu um

recurso utilizado comumente por grifes da moda atual: a edição de uma revista própria, a

Parc Royal Magazine, na década de 1920; em nossa pesquisa, encontramos dois exemplares

no acervo da Biblioteca Nacional. Com tiragem quinzenal, a revista continha artigos de

variedades sobre esportes, vida familiar e, naturalmente, moda, e contava com outros

anunciantes. Alguns de seus textos eram de autoria do próprio dono da loja, José Vasco

Ramalho Ortigão.

O Parc Royal também veiculou anúncios na própria capa de outros dois veículos, a

Revista da Semana e os programas do Theatro Municipal. Nos anos de 1922-1923, Manoel

de Mora criou algumas capas da Revista da Semana; sob sua ilustração, na borda inferior,

uma “caixa” retangular exibia um breve texto publicitário assinado pelo Parc Royal, que

fazia menção à imagem da capa. Pelo volume dos anúncios criados por Mora veiculados em

diversos periódicos, é provável que os leitores já identificassem seu traço com o Parc Royal;

utilizar uma ilustração de sua autoria na capa da revista, já seria uma forma de trazer o

184 Anúncio na Revista da Semana – Nº 1 – Fevereiro 1919 185 Anúncio na Revista da Semana – Nº 39 – Setembro 1921 186 Anúncio na Revista D. Quixote – Nº106 – Maio 1919

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magazine à imaginação dos leitores. Somado a isso, um breve texto publicitário assinado

pela loja, na própria capa, destacava seu nome e sua mensagem, em local nobre e de maior

visibilidade possível.

A variedade dos temas não obedecia regras determinadas; a grande maioria das capas

possuía ilustrações de mulheres em situações diversas, outras celebravam datas específicas

(o Carnaval, o Centenário da Independência do Brasil, a primeira travessia aérea do

Atlântico Sul, a criação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino). Na medida em

que o conteúdo publicitário fazia referência ao assunto da capa da revista, o Parc Royal

ligava sua imagem aos acontecimentos notórios destacados pela Revista da Semana, ou à

imagem feminina que desejava ajudar a construir.

Os textos que figuravam sob as ilustrações, na capa, tinham seu caráter publicitário

“disfarçado”, mesclavam-se ao próprio conteúdo editorial da revista, e assumiam a força de

um posicionamento que parecia externado pelo próprio periódico, com grande poder de

influência sobre os leitores. Para se ter uma ideia da expressividade dessa comunicação,

enumeraremos algumas delas: “Não há duas opiniões, porque não há duas verdades: todos

devem comprar no Parc Royal”;187 “Cada dia um bom pensamento, cada dia uma boa ação:

comprar no Parc Royal”;188 “Conforto - Elegância – Distinção: prerrogativas que usufruem

todas as boas clientes do Parc Royal”;189 “Riem uns e choram outros – Para rir sempre,

vestir-se no Parc Royal”.190 Percebe-se a edificação de noções absolutas de “verdade”,

“bondade”, “bom comportamento” e “felicidade” aliadas ao consumo naquela loja,

divulgadas na capa de um dos semanários brasileiros de maior influência naquele período.

187 Anúncio na capa da Revista da Semana - Nº 19 – Maio 1922 188 Anúncio na capa da Revista da Semana - Nº 14 – Abril 1922 189 Anúncio na capa da Revista da Semana - Nº 33 – Agosto 1922 190 Anúncio na capa da Revista da Semana - Nº 7 – Fevereiro 1923

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Fig. 23. Capa da Revista da Semana Nº 38 com anúncio do Parc Royal - Setembro 1922

Na figura acima, um exemplar da Revista da Semana com capa ilustrada por Manoel

de Mora e anúncio do Parc Royal. Em homenagem ao Centenário da Independência, a

imagem reproduz parte da bandeira nacional, com figuras de mulheres inseridas sobre as

estrelas. Consoante o tema, o texto publicitário glorificava o sentimento nacionalista e,

numa combinação simbólica, extendia o brilho das estrelas da pátria às clientes da loja: “Os

luzeiros do céu iluminam o pendão glorioso da pátria e até lá se eleva, refulgente e linda, a

imagem de outras estrelas – as elegantes freguesas do Parc Royal”.

Os programas do Theatro Municipal, por sua vez, eram uma publicação interna,

dirigida ao público seleto que frequentava seus espetáculos. Com a mesma estratégia

utilizada na Revista da Semana, algumas de suas capas foram ilustradas por Manoel de

Mora, e continham espaço destacado para o texto publicitário do Parc Royal. O magazine

atrelava-se àquele universo cultural sofisticado e propagava àquela audiência elitista sua

imagem como o local ideal para adquirir o que fosse necessário para a vivência de um estilo

próprio da modernidade, que incluía as apresentações teatrais entre seus rituais de

sociabilidade: “Duas artes - Na cena, a arte de representar em que é insuperável a França

gloriosa; na sala, a arte de bem vestir em que é mestre o Parc Royal”;191 “Os grandes

espetáculos de arte fazem da vida um sorriso consolador; é o mesmo sorriso que está nos

lábios de todas as senhoras que se vestem no Parc Royal”.192

191 Anúncio na capa do Programa do Theatro Municipal – Temporada oficial de 1920 192 Anúncio na capa do Programa do Theatro Municipal – Temporada oficial de 1919

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Fig. 24. Capa do progama do Theatro Municipal - Temporada oficial de 1920

Um outro recurso também utilizado pela loja, de forma pioneira, foram os chamados

“anúncios de oportunidade”, inspirados em fatos que eram notícia. Em 1908, o Parc Royal

dedicou um anúncio ao público de outros estados que vinham ao Rio de Janeiro visitar a

Exposição Nacional organizada pelo Governo Federal em comemoração ao 1º. Centenário

da abertura dos portos no Brasil: “Lembramos a todos os nossos fregueses que vierem ao

Rio de Janeiro visitar a Exposição Nacional que os armazéns do Parc Royal estão

preparados para os servir com um sortimento colossal de todos os artigos de vestuário e de

uso. (...) Os viajantes que nesta ocasião vierem visitar a Capital Federal e que não conheçam

o Parc Royal têm todas as vantagens em preferi-lo para as suas compras. (...) Solicitamos

dos visitantes da Exposição Nacional a fineza de visitarem, no Palácio das Indústrias, a sala

do Parc Royal”.193

O Centenário da Independência do Brasil e a Exposição Internacional de 1922, um

evento de grandes proporções ocorrido no Rio de Janeiro em homenagem à efeméride,

também foram tema de alguns reclames: “Quando a Pátria Brasileira se cobre de láureas ao

completar cem anos de vida independente e livre, esta casa atinge brilhantemente cinquenta

193 Anúncio na Revista Fon-Fon - Nº 14 – Junho 1908

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anos de labor interiamente consagrado a bem servir a grande massa de seus clientes,

disseminados por todos os recantos desse incomensurável Brasil. Salve, Centenário! Salve,

Brasil Glorioso e Eterno!”.194 A loja alinhava-se com uma ideia nacionalista de progresso da

pátria e reconhecimento internacional. Feitos como a visita do Rei Alberto I da Bélgica ao

Rio de Janeiro em 1920 e a primeira travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro, realizada por

Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em 1922, foram temas de cartões-postais emitidos pelo

Parc Royal. A terceira travessia aérea do Atlântico Sul - a primeira realizada sem escalas,

efetivada no hidroavião Jahu por João Ribeiro de Barros - foi igualmente homenageada pela

loja, em anúncio que elencava grandes aviadores brasileiros e portugueses: “Bartholomeu de

Gusmão, Santos Dumont, Augusto Severo, Edu Chaves, Pinto Martins, Ribeiro de Barros –

Homenagem do Parc Royal aos nautas gloriosos do Jahu pelo seu heróico valor!”.195 Os

grandes reides transoceânicos eram, à época, desafios com alto grau de periculosidade,

devido à precariedade da aviação, de seus meios e equipamentos. Quando bem sucedidas, as

travessias desfrutavam de uma glorificação proporcional ao risco que haviam enfrentado. O

Parc Royal, nesses anúncios, conectava a imagem da loja com acontecimentos ligados à

ideia de conquistas heroicas e racionalistas.

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a loja abordava as ocorrências

mundiais em seus anúncios e posicionava-se frente ao público através de recados diretos e

contundentes, buscando demonstrar uma empatia pelas dificuldades provocadas pela

situação, bem como um esforço realizado para não cessar seu funcionamento comercial e a

consequente relação oferta-demanda de produtos e consumidores: “A nossa casa de Paris,

apesar da grande crise industrial provocada pela guerra, conseguiu mandar executar uma

grande parte dos artigos indicados para constituirem a moda para esta estação”;196 “Graves

consequências da guerra! Indústrias paralisadas! Fábricas destruídas! Comércio agonizante!

Navios mercantes a pique! Apesar de todas estas calamidades o Parc Royal continua a

manter em todas as suas seções completos sortimentos de todos os artigos”;197 “O Parc

Royal é a única arma com que se pode contar para vencer a crise: todas as suas munições

são de seguro efeito”;198 “A Guerra, que de dia a dia vai tomando proporçoes mais

extraordinárias, a cada momento provoca novas dificuldades para o comércio...Os artigos

escasseiam! Os preços sobem! O Parc Royal, fiel ao seu programma, de combinação com a

194 Anúncio na Revista da Semana - Nº 39 – Setembro 1922 195 Anúncio na Revista da Semana - Nº 29 – Julho 1927 196 Anúncio na Revista Careta - Nº 333 – Novembro 1914 197 Anúncio na Revista Careta - Nº 354 – Abril 1915 198 Anúncio na Revista Careta - Nº 357 – Abril 1915

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sua casa de Paris, põe em pratica todos os seus recursos para continuar a manter, em todas

as seções, os mais completos sortimentos de todos os artigos a preços sem competência.”199

Novamente a loja apresentava-se, em sua publicidade, como a solução de um

problema. As ilustrações desses anúncios acompanhavam essa ideia, e possuíam uma carga

metafórica que, na atualidade, seria provavelmente percebida como ingênua: num reclame,

por exemplo, o prédio da loja é a base de um canhão, rodeado por mísseis nomeados “bons

artigos”, “grande variedade”, “sortimentos completos”, “todas as qualidades”, “preços

baratos”. O canhão atira um míssil nomeado “saldos” em direção a um monstro, por sua vez

nomeado “a crise”. Ou seja, o Parc Royal, com suas características e recursos, valendo-se de

um discurso populista, mostra-se capaz de enfrentar e alvejar a crise provocada pela guerra.

Fig. 25. Anúncio na Revista Careta Nº 357 – Abril 1915

Nos reclames das lojas concorrentes veiculados nos mesmos periódicos, verificamos

algumas características semelhantes àquelas encontradas nos anúncios do Parc Royal, tais

como a conjunção de ilustração e texto, a sazonalidade da moda em função de temporadas

de Inverno e Verão, o aviso sobre a abertura de liquidações (denominadas à época “saldos”

ou “remarcações”), o chamariz para preços competitivos dos seus produtos; mas nenhum

outro varejo de roupas demonstrou, naquele período, no Rio de Janeiro, uma atuação

publicitária com a mesma constância, o mesmo volume, a mesma diversidade de mídias,

tampouco o discurso prolixo construído na publicidade do Parc Royal, entre outras práticas

que provavelmente cooperaram para o seu êxito comercial.

199 Anúncio na Revista Careta - Nº 362 – Maio 1915

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103

6 – Concepções de gênero, indumentária e rituais de sociabilidade

na publicidade do Parc Royal

6.1 Moda e gênero

O fenômeno da moda, adaptando-se à realidade, evoluiu a partir das profundas

mudanças que ocorreram em ritmo vertiginoso no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do

século XX. Os papeis feminino e masculino, a imagem do corpo, os estilos de vestimenta,

bem como a noção de “bom gosto”, acompanharam, num processo de transformação, as

alterações mais vastas e complexas do modo de sentir e pensar da sociedade carioca. De

acordo com os ideais da elite urbana e burguesa que substituía os valores de uma sociedade

rural e patriarcal por outros, individualistas e cosmopolitas, influenciado por matrizes

europeias, verificou-se uma alteração radical na estrutura das roupas, em sintonia com novos

hábitos e comportamentos.

Os parâmetros de distinção de classes e diferenciação dos gêneros, iniciados no

século anterior, foram mantidos. Desde o século XIX, as vestimentas de homens e mulheres

se distinguiram na forma, no tecido e na cor, num dimorfismo estético bem marcado.

Novamente recorremos a Gilda Mello e Souza, que demonstra a acentuação desse conjunto

de desigualdades:

O século XIX, porém, será um divisor de águas e o princípio de sedução ou atração, que é o princípio diretor da roupa feminina, estará nestes últimos cem ou cinquenta anos, quase inteiramente ausente da vestimenta dos homens. Enquanto o traje feminino (...) se lançou numa complicação de rendas, babados e fitas, a indumentária masculina partiu, num crescente despojamento, do costume de caça do gentil-homem inglês para o ascetismo da roupa moderna. (MELLO E SOUZA, 2009: 60) Eis em traços rápidos um apanhado da evolução da moda no século XIX. Mais do que nas épocas anteriores, ela afastou o grupo masculino do feminino, conferindo a cada um uma forma diferente, um conjunto diverso de tecidos e cores, restrito para o homem, abundante para a mulher. (MELLO E SOUZA, 2009: 71)

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Essa oposição refletia a segregação dos grupos feminino e masculino na divisão do

trabalho, na atribuição de tarefas e no duplo padrão de moralidade que os regia. Para a

mulher do século XIX, o casamento era a única oportunidade de realização permitida, o que

levou a um desenvolvimento da arte de sedução, que se valia da indumentária como

ferramenta essencial; os homens, por outro lado, possuíam outras formas de afirmação

social e prestígio que dependiam menos da vestimenta e mais das qualidades pessoais e do

talento individual. O despojamento da roupa masculina não significava, no entanto, um

completo abandono do cuidado com a aparência; ao contrário, elementos como chapéus,

luvas, bengalas e charutos eram valorizados como sinais sutis de poder e erotismo,

dignidade e competência.

O Parc Royal, conforme sua divisão em departamentos, veiculava em seus anúncios

itens de moda masculina, feminina e infantil; alguns reclames possuíam destinação

específica a apenas um desses grupos, e detalhavam as peças de vestuário, calçados e

complementos oferecidos pela loja que seriam necessários para a elaboração de um figurino

completo, no rigor da “última moda”. Os anúncios sugeriam, também, características,

particularidades e qualidades desejáveis a um e outro gêneros, explícita ou tacitamente,

através de representações das identidades feminina e masculina, retratadas em diversas

situações.

6.2 O traje é o homem

Embora a moda trilhasse caminhos opostos para cada um dos gêneros, o magazine

reforçava para todos a exigência do cuidado com o apuro visual, o que tornaria o consumo

de moda indispensável para ambos os grupos. Nos anúncios que se dirigiam ao público

masculino, evidenciava essa necessidade: “O traje é o homem - A elegância do traje

masculino, só a completam os seus acessórios; uma gravata, um par de luvas de mau gosto,

estragam o efeito da melhor toilette”;200 “Detalhes da toilette – As roupas brancas, a gravata,

os suspensórios, etc. são pequenos acessórios que, não sendo bem escolhidos, comprometem

toda a toilette masculina. Todos os homens de gosto encontrarão porém com que satisfazer

as exigências frequentando a grande seção de artigos para homens do Parc Royal”.201

Ainda que voltados a um público específico, os anúncios mantinham características

presentes em toda a comunicação publicitária da loja, como o destaque aos preços

200 Anúncio na Revista Careta - Nº 217 – Julho 1912 201 Anúncio no almanaque Eu Sei Tudo - Nº 15 – Fevereiro 1918

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competitivos, aos catálogos de produtos, à ampla gama de itens oferecida e à noção de

“Elegância” como objetivo primordial a ser atingido. A representação do universo

masculino destacava ainda o “bom gosto”, “bom senso”, “inteligência”, “exigência” e “ser

chic” como virtudes assertivas, diretamente entrelaçadas ao consumo no Parc Royal: “Não

esquecer que o Parc Royal é o grande abastecedor da Elegância Masculina, ao serviço da

qual tem os maiores sortimentos de artigos para homens que existem no Rio de Janeiro. A

nossa alfaiataria, pelo seu lado, trabalha para milhares de pessoas de bom gosto, mas que

zelam os seus interesses e não gostam de pagar o que compram senão pelo preço

equitativo”;202 “O calçado e o chapéu são os dois pontos extremos da Elegância Masculina.

Visitem os homens de gosto e de bom senso os nossos mostruários, e neles encontrarão uma

infinita variedade desses artigos para todos os usos e em todos os modelos, e marcados por

preços que são uma prerrogativa exclusiva do Parc Royal”;203 “Vestir no Parc Royal é uma

afirmação de inteligência. Nenhuma outra casa veste a sua freguesia com mais elegância

nem com mais economia”.204 Comprar e usar as roupas do magazine equivaleria a obter um

benefício, um ganho: “Para se vestir com vantagem escolha, sem hesitação, o Parc

Royal”.205

Fig. 26. Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 130 – Novembro 1919

A vestimenta masculina destacava-se menos pela variação das formas e mais pelo

corte, acabamento, tecido e bom caimento, além dos acessórios. Assim, o serviço de

alfaiataria sob medida e os detalhes complementares eram o que se salientava nos anúncios:

202 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 81 – Novembro 1918 203 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 88 – Janeiro 1919 204 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 130 – Novembro 1919 205 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 117 – Agosto 1919

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106

“Alfaiataria modelar, provida dos mais amplos e variados sortimentos de fazendas de todas

as qualidades, com pessoal habilitadíssimo e oficinas que trabalham com rapidez e

perfeição. Acessórios da toilette de todo o gênero, com artigos do último rigor da moda e

sortimentos especiais em roupas brancas, colarinhos, punhos, gravatas, meias, chapéus –

numa palavra, tudo quanto para a sua toilette um homem não pode dispensar. Visitem os

Homens Elegantes o Parc Royal”;206 “Corte elegantíssimo, confecção perfeita, durabilidade

garantida, sob medida”;207 “É pela visita habitual ao nosso estabelecimento e pela consulta

cotidiana do nosso catálogo que os homens elegantes se podem melhor convencer de que 1º.

Temos os melhores sortimentos da cidade; 2º. Oferecemos as mais sólidas garantias aos

nossos fregueses; 3º. Vendemos a preços mais baixos do que ninguém”.208

Perfeição, rapidez, durabilidade e garantia eram aspectos valorizados no serviço

disponibilizado pelo magazine que, nos moldes de sua ampla comunicação publicitária, se

posicionava como um local para “solução de problemas” relativos, no caso, ao vestuário

masculino: “Na toilette masculina, a gravata representa papel importantíssimo: exige bom

gosto no comprar, arte no dar o laço, harmonia com o vestuário etc. Mas a escolha desse,

como de qualquer outro acessório da toilette do homem chic, facilmente se resolve quando

se têm `a disposição os sortimentos enormes, variados e vantajosos oferecidos pelo Parc

Royal”.209

Para os homens, a imagem de austeridade que emergia sob várias camadas de lã,

calcada no uso do fraque, da casaca, do colarinho e da cartola, começou a ser substituída,

nos primeiros anos do século XX, por uma composição menos rígida, o terno, usado com

acessórios, conforme a ideia de velocidade dos novos tempos, que exigiam agilidade e

rapidez de movimentos. Os tecidos escuros de casimira inglesa continuavam a ser

considerados sinônimo de elegância, apesar do desconforto que causavam em pleno clima

carioca, mas o paletó claro passou a ser aceito, enquanto os sapatos adotaram formas mais

largas e bicos mais arredondados, no “estilo americano”. Em 1910, o fraque ainda

configurava-se o peça fundamental do traje a rigor masculino, mas o paletó também passava

a ser contemplado entre as opções elegantes; os artigos masculinos oferecidos pelo Parc

Royal já incluíam “costumes de linho, chapéus de palha, camisas mousseline, gravatas de

seda e colarinhos de linho.”210

206 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 96 – Março 1919 207 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 111 – Março 1919 208 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº108 – Junho 1919 209 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 9 – Junho 1919 210 Anúncio na Revista Careta - Nº 200 – Maio 1912

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107

O conforto das peças e o reconhecimento do clima tropical apareceram destacados

em alguns anúncios: “Uma camisa ideal – Excelente na qualidade, elegantíssima no corte,

perfeita no acabamento, agradável pelo conforto, admirável pelo preço”;211 “Para não sentir

calor: Ternos de “Palm Beach” inglês, artigo delicado e agradável; chapéus panamá,

diversos modelos; sapatos modernos, fôrma americana; camisas de seda, padrões

variadíssimos, com 2 colarinhos”;212 “Homens! Não suporteis o calor: visitai a exposição de

verão do Parc Royal”.213

Não obstante, a obediência ao padrão estrangeiro fazia com que os tecidos e peças

oferecidos incluíssem “casemira de pura lã”,214 “camisetas de flanela e de lã”,215 “smoking

de casemira de lã para quarto, ceroulas francesas de pura lã, sobretudos de lã, gaberdines de

lã, capas de tecido quimicamente impermeabilizado”,216 e tudo “aquilo que de mais

moderno se cria em Londres, Paris e Nova Yorque para complemento da toilette do homem

elegante”.217 Em anúncios sazonais da temporada de inverno, há imagens que remetem ao

frio do hemisfério Norte, com homens e mulheres diante da loja na Avenida Central em

meio à neblina e penumbra, portando longos casacos, luvas e chapéus escuros.

Mantendo um padrão publicitário, o Parc Royal revestia seus produtos masculinos

com feições simbólicas de modernidade e distinção, enquanto insistia na democratização

daqueles atributos, possibilitada através do consumo na loja: “vulgarizar a elegância é nossa

função principal”, oferecendo “todos os artigos, desde o mais fino ao mais vulgar, desde o

mais dispendioso ao mais barato”,218 “de tudo para o uso de todos”.219

211 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº119 – Agosto 1919 212 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº125 – Outubro 1919 213 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº126 – Outubro 1919 214 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº111 – Junho 1919 215 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº112 – Julho 1919 216 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº321 – Julho 1923 217 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº115 – Julho 1919 218 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 120 – Agosto 1919 219 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 115 – Julho 1919

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Fig. 27. Os provadores de roupa masculina do Parc Royal Augusto Malta – Museu da Imagem e do Som/RJ

Num anúncio prolixo, o magazine enuncia uma fórmula de sucesso: “Elegância: a

aspiração e a conquista. Não é preciso gastar uma fortuna para ser elegante, ao contrário

pode-se ser elegante com muito pouca coisa. Havendo discernimento na escolha do alfaiate,

um pouco de intuição natural, o homem conquista a elegância sem sacrifício algum. O Parc

Royal, justamente pela sua organização democrática moderníssima, faculta a todos a

Elegância e destrói a lenda de que ela tinha de ser fatalmente a prerrogativa de um reduzido

número de indivíduos. Para isso montou uma alfaiataria onde trabalham os mais

conceituados profissionais do Rio de Janeiro. Para isso tem sempre em estoque uma

variedade infinita de fazendas de toda a espécie, adequadas a qualquer obra. Para isso

estipula seus preços pelo mínimo por que se pode vender, um mínimo de que só se pode

concentrar uma grande casa como o Parc Royal”.220

Novamente a “Elegância” é manifestada como um ideal a ser alcançado pelo

homem, uma tarefa facilitada pela loja que, “democrática” e “moderníssima”, exerceria um

papel condutor, disponibilizando aquele estilo de vida a todo o público que lá consumisse.

Há um duplo sentido implícito na “aspiração” e na “conquista”, que tanto pode ser da

“Elegância”, quando do sexo oposto. A ilustração desse anúncio mostra um homem vestido

formalmente com fraque, colete, gravata-borboleta e luvas, numa ambientação que sugere

um salão, com ampla janela e coluna grega ao fundo; o homem ajeita o monóculo e olha

numa direção fixa, enquanto duas mulheres aparecem sentadas em poltronas, com vestidos,

colares e leques, numa sugestão de que seriam o alvo do interesse do homem.

220 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 77 – Outubro 1918

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Fig. 28. Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 77 – Outubro 1918

Embora a grande maioria dos anúncios do Parc Royal utilizasse a mulher como

tema, orientados à audiência feminina, há uma quantidade significativa deles dirigidos ao

público masculino, e a própria loja frisava a atenção que lhe destinava: “Não esquecer que o

Parc Royal é também o grande abastecedor da elegância masculina, ao serviço da qual tem

os maiores sortimentos de artigos para homem que existem no Rio de Janeiro. A nossa

alfaiataria trabalha para milhares e milhares de pessoas de bom gosto, mas que zelam os

seus interesses e não gostam de pagar o que compram senão pelo preço equitativo”;221 “É

um erro pensar que o Parc Royal só procura especializar-se em artigos de senhora. A nossa

seção de artigos para homens tem tudo quanto se pode desejar e ao melhor preço que se

pode desejar. Quem precisar qualquer desses artigos visite-nos e verificará que ninguém nos

suplanta em artigos para homens”.222

Fig. 29. Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 79 – Novembro 1918

221 Anúncio na Revista da Semana Nº 50 – Janeiro 1918 222 Anúncio na Revista D. Quixote - Nº 79 – Novembro 1918

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110

E, por vezes, dirigia-se diretamente aos “chefes de família”, como responsáveis pelas

compras: “Para os tradicionais presentes de festas da quadra corrente, lembramos a todos os

chefes de família uma visita ao nosso estabelecimento (...)”.223

Nas ilustrações dos reclames orientados a esse universo, os indivíduos são retratados

em poses altivas, com ar garboso, em locais públicos (na Avenida Central, por exemplo),

privados (em frente ao espelho ajeitando a gravata, lendo numa poltrona) ou sem

ambientação espacial determinada, mas sempre vestidos de modo formal, com paletós ou

fraques, portando vários acessórios - bengalas, chapéus, gravatas, suspensórios...

Há uma série de reclames que apresentavam situações sociais onde homens e

mulheres interagiam em vários contextos, ampliando a capacidade de atração da mensagem

publicitária para ambos os grupos. As circunstâncias encenadas eram diversas, assim como

as relações entre gêneros: ora havia casais aprumados que, juntos, usufruíam possibilidades

de socialização e lazer no Rio de Janeiro, ora havia cenas de sedução entre homens e

mulheres, com ênfase no poder de atração de ambos. Num anúncio intitulado “Duplo

palpite”, a ilustração retrata uma mulher ricamente vestida com chapéu, echarpe de pele,

luvas, salto alto, caminhando com seu cachorrinho na rua; ela olha para um homem que a

observa, também vestido requintadamente, com terno, bengala, gravata, lenço e chapéu.

“Quando acaso acontece cruzaram-se uma dama e um homem elegante em qualquer rua

desta capital, logo, pelo trajar, um ao outro conhece. E diz: uma toilette assim, tão

deslumbrante, só podia sair do Parc Royal”.224 A situação é footing e flirting; vislumbra-se a

possibilidade de um encontro sedutor nas ruas do Rio do Janeiro - ao fundo, percebe-se o

morro do Corcovado, enquanto o poste de iluminação elétrica dava o tom de modernidade

metropolitana. Pela mensagem publicitária, vestir-se no Parc Royal seria um modo de

tornar-se elegante, e uma chave para aproximar-se de alguém do sexo oposto com os

mesmos atributos valorizados.

223 Anúncio n’O Malho - Nº 744 – Dezembro 1916 224 Anúncio na Revista da Semana- Nº 19 – Junho 1918

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Fig. 30. Anúncio na Revista da Semana Nº 19 - Junho 1918

O cumprimento do beija-mão, a troca de olhares, amabilidades de salão ou flertes

propiciados pelo footing ilustravam os reclames; a utilização do galanteio masculino e da

corte homem-mulher na construção simbólica efetuada pela propaganda da loja

contemplava a sedução como mais um motivo que justificaria o investimento na vestimenta.

É de se frisar que, à época, isso não era uma prática comum; a publicidade até então exibia

produtos ou pessoas isoladamente, mas a incorporação de situações onde a fascinação com o

sexo oposto aparecia, às claras, era ainda incipiente.

Fig. 31. Anúncio na Revista da Semana Nº 10

Março 1921

Fig. 32. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 109

Junho 1919

Page 112: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

112

Nos anúncios anteriores, percebe-se insinuações de sedução: no primeiro, o homem

cumprimenta a mulher numa ocasião formal, tomando-lhe a mão; no outro, o homem

escolhe gravatas no Parc Royal e parece fitar os olhos da mulher, que ocupa o posto de

balconista.

A popularização de novas atividades recreativas no hemisfério norte (passeios de

bicicleta, barco e automóveis) e dos esportes como natação, remo, tênis e vela,

impulsionavam o desenvolvimento do vestuário em direção a menos formalidade e mais

leveza; o reflexo desses hábitos repercutia na capital carioca e reconfigurava modos de vida,

regidos sob ares de modernidade. Nas ilustrações dos anúncios do Parc Royal veiculados na

mídia impressa nas décadas de 1910 e 1920, podemos acompanhar o desenvolvimento da

moda durante o período e perceber a diferenciação na escolha de formatos, tecidos e cores

que ocorreu paralelamente às alterações no comportamento e no cotidiano.

6.3 A moda é a beleza da mulher, a mulher é a beleza da vida

Se durante o século XIX os padrões de vestimenta obedeciam a uma oposição entre

os gêneros, no início do século XX a indumentária feminina experimentou mudanças

notáveis que a conduziram em direção à redução desse antagonismo de formas; foi nesse

período de transição que ocorreu o início da modernização do vestuário da mulher e a

adoção de estilos que se parecem com os feitios reconhecíveis da moda contemporânea.

Desde a década de 1850, as preocupações com saúde e higiene atingiram o uso do

espartilho, conforme relato da historiadora Maria do Carmo Teixeira Rainho em seu livro A

cidade e a moda (RAINHO, 2002), onde a autora caracteriza a evolução dos modos de

vestir-se da “boa sociedade” do Rio de Janeiro desde a chegada da Corte portuguesa até o

final do século XIX. Jornais de moda e manuais de etiqueta e civilidade divulgavam

informações sobre os efeitos nocivos da “armadura” feminina, entre eles problemas

respiratórios, aborto e até morte. E a partir dos anos 1890, silhuetas volumosas e pesadas

sustentadas por armações como a crinolina, a “meia-crinolina” e a anquinha225 também

começaram a cair em desuso. Assim como a cidade, a mulher passava a adotar ares mais

cosmopolitas, e para isso necessitava de novas vestimentas que, ao invés de confinamento,

permitissem algum movimento.

225 Armação de sustentação que proporcionava volume e estufava a parte traseira das saias das mulheres, utilizada no final do Século XIX.

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113

Por volta de 1900, o estilo Art Nouveau influenciou a silhueta feminina, que assumiu

uma forma em “S”, com o busto projetado para a frente e os quadris para trás. NJ Stevenson,

formada pelo London College of Fashion, demonstra em seu livro Cronologia da Moda: de

Maria Antonieta a Alexander McQueen o visual sinuoso, obtido sob o efeito de um

espartilho curvado que a princípio era considerado saudável por retirar a pressão do abdome.

A estrutura servia de base para roupas repletas de adornos, que estendiam-se aos chapéus e

penteados, além de volume nas mangas e na bainha (STEVENSON, 2012: 72).

O anúncio do Parc Royal ilustrado por K. Lixto226 demonstra como essa tendência

foi absorvida pelo magazine:

Fig. 33. Anúncio n’O Malho - Nº 9 – Novembro 1902

Um novo tipo de modelador corporal, conhecido como “espartilho científico” ou

“anatômico”, reforçado com tecidos elásticos, oferecia um pouco mais de conforto do que o

espartilho tradicional, e passou a substituí-lo. O Parc Royal anunciava, como novidade, o

collete “Phrynêa”, também conhecido como Devant Droit-Erect Form: “Este novo collete

(...) é de forma comprida, mas graças ao seu corte especial e a um novo sistema de

colocação de barbatanas e principalmente ao tecido elástico de que é feita a parte inferior,

226 Calixto Cordeiro (1877-1957) ou K. Lixto, como costumava assinar suas obras, foi um ilustrador e caricaturista que participou da fundação do periódico O Malho e colaborou com inúmeras publicações no início do século XX, entre elas Tico-Tico, Ilustração Brasileira, Kosmos, Gazeta de Notícias e D. Quixote.

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114

torna-se próprio para todos os tailles e todas as idades. É evidente que a moda atual impõe

os coletes compridos, mas se esta nova forma não tiver qualidades excepcionais de leveza e

flexibilidade, o seu uso terá sérios inconvenientes. O collete Phrynêa realiza

admiravelmente este sonho de todas as senhoras verdadeiramente elegantes, conservar aos

órgãos e aos movimentos toda a sua liberdade, assegurando-lhes todavia a soberana

perfeição das linhas e o sedutor cachet da moda atual (...), pode ser usado com perfeita

comodidade e bem estar. Confeccionado em linho liso nas cores rosa, azul e branco, o tecido

da parte inferior é de tricô de fio d’Escócia muito consistente, tem 4 ligas”.227 Em outro

anúncio, é oferecida “nova série de colletes fabricados nas nossas oficinas – Modelos

americanos. No nosso ateliê de colletes sob medida, dirigido por uma hábil parisiense,

executamos qualquer modelo, tendo sempre em vista a elegância, a higiene, o conforto, a

comodidade, a qualidade, a barateza”.228

Embora prometesse liberdade, comodidade, conforto e bem estar, a imagem dos

colletes contradiz essas propostas, ao menos para os padrões atuais:

Fig. 34. Revista Fon-Fon Nº 12 – Março 1908 Fig. 35. Revista Careta Nº 189 – Janeiro 1912

A criação de novas formas e novos espaços de sociabilidade acompanharam as

reformas urbanas verificadas no Rio de Janeiro no início do século XX. A mulher passava a

ter outras opções de circulação, exibição e lazer além dos compromissos religiosos: nas ruas

227 Anúncio na Revista Fon-Fon - Nº 12 – Março 1908 228 Anúncio na Revista Careta - Nº 189 – Janeiro 1912

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de comércio elegante, nos salões de chá, em eventos beneficentes, teatros, cinema... A

preocupação com a aparência feminina como capital simbólico, representativo de status, era

crescente, e impulsionou a difusão da cultura da beleza. Durante a década de 1910, ombros e

colo passaram a ser exibidos, as saias subiram até os tornozelos (com rodas muito amplas) e

a maquiagem passou a ser usada: pó de arroz e anilina, sem pintura nos lábios. O Parc

Royal era revendedor dos produtos cosméticos Mme. Selda Potocka, destinados à pele e ao

cabelo. Apliques de tranças e cachos também poderiam ser adquiridos para compor um

visual requintado:

Fig. 36. Revista Careta Nº 254 – Abril 1913

Fig. 37. Revista Careta Nº 205 – Maio 1912

No anúncio acima, à esquerda, lê-se: “O espelho é a imagem da Verdade. Nós somos

a imagem da Moda. Este olhar de satisfação, de desvanecimento, de vaidade, é o que

diariamente lançam ao seu espelho as senhoras que se vestem no Parc Royal, as que

souberam comprar bom, comprar bonito, comprar barato”. A aquisição de produtos no Parc

Royal seria o caminho - eficiente e econômico - para a obtenção da beleza, uma combinação

entre consumo e resultados estéticos que promoveriam uma sensação de contentamento.

A alteração de paradigma que liberou a mulher do uso do espartilho deveu-se tanto a

mudanças de atitudes ocorridas numa sociedade urbana e cosmopolita - que contrastava com

a geração anterior, rural e patriarcal -, quanto à influência dos estilistas franceses, por sua

vez permeados pelas inovações artísticas de sua época. Em Paris, a chegada dos Ballets

Russes de São Petersburgo em 1909 repercutiu sobre diversos movimentos, contagiando

pintores, escritores e costureiros com suas novas matrizes visuais (STEVENSON, 2012: 78-

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79). O estilista francês Paul Poiret (1879-1944) captou as tendências de vanguarda e

afrouxou os contornos da silhueta feminina, acenando com uma forma mais fluida e solta,

em vestes retas e alongadas, impregnadas de elementos orientais; suas criações

estabeleceram novos parâmetros que ecoaram na moda em âmbito global. Numa observação

comparativa entre anúncios do Parc Royal de 1908 e 1912, é possível perceber a flagrante

mudança no estilo e nos contornos da roupa feminina; da cintura marcada pelo collete,

usado com saia de roda ampla, aos chamados “Costumes de Tussor”, mais retos, a mulher

parece ganhar espaço para se mover.

Fig. 38. Revista Fon Fon Nº 4

Maio 1908

Fig. 39. Revista Careta Nº 237

Dezembro 1912

Note-se que o anúncio à direita obedece à distinção sazonal, oferecendo modelos

para o verão; o leque, um acessório próprio da estação, é utilizado no layout como moldura

para as mulheres que ilustram o anúncio. O referencial de moda europeu determinava

mangas compridas e saias longas para a temporada solar carioca. Para a “estação calmosa”,

recomendava-se “vestidos de nanzouc, com entre-meios de bordados, golas de mol-mol,

corpinho e saia guarnecida de cassa bordada, gola de renda de Irlanda, bordados à mão [...]

com jaquetinha guarnecida a cores e rendas”.229 Nos anúncios do Parc Royal, a seguir, todos

veiculados na Revista Careta entre setembro e novembro de 1912, transparece a influência

exótica nos trajes ofertados às clientes cariocas. A rigidez do espartilho dá lugar a modelos

mais amplos no torso, com túnicas e casacos em forma de casulo ou blusas mais frouxas

229 Anúncio na Revista Careta Nº 233 – Novembro 1912

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117

utilizadas sobre saias afuniladas, de comprimento longo; sob os chapéus, cabelos mais

curtos e anelados.

Fig. 40. Anúncios publicados na Revista Careta entre Setembro e Novembro, 1912.

O magazine se dirigia ao público feminino, enaltecendo a primazia de sua escolha:

“Vistam com graça, vistam no Parc Royal. Falamos às senhoras que ainda não se vestem no

nosso estabelecimento. As outras, as que já nos preferiram uma vez, nunca mais deixaram

de ser nossas freguesas”.230 Em anúncios textuais, sem ilustrações, a publicidade tecia

associações diretas entre a beleza e o uso da indumentária adquirida na loja: “Que linda

moça! É uma interjeição que se ouve frequentemente. Quantas vezes, entretanto, o que faz a

moça bonita é principalmente o chapéu! Os chapéus saídos dos ateliês do Parc Royal

distinguem-se por um toque de graça, de elegância, de novidade, que os tornam

inconfundíveis”.231

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) provocou alterações de grandes extensões

no âmbito do vestuário feminino. Nos países do hemisfério norte a mulher passou a ocupar

os postos de trabalho vagos pelos homens enviados à luta, assumindo diversas tarefas

masculinas, o que exigia roupas mais práticas e confortáveis, criando novos padrões

estéticos que repercutiram internacionalmente. Excessos e luxos foram substituídos por

cortes e tecidos mais simples, em sintonia com a austeridade prescrita pela guerra; tornou-

230 Anúncio na Revista Careta Nº 224 – Setembro 1912 231 Anúncio na Revista Careta Nº 291 – Dezembro 1913

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se comum para as mulheres o uso do tailleur, um conjunto inspirado no vestuário

masculino, formado por saia e casaco com gola.

O Parc Royal exortava, para as mulheres, “os preceitos da graça, da elegância, da

distinção, do conforto e da higiene”,232 buscando atender “os gostos mais variados, os

desejos mais exigentes das Senhoras Elegantes do Rio de Janeiro”.233 O magazine se dirigia

“às nossas elegantes”, inscrevendo suas clientes nessa camada exclusiva, enquanto atribuía à

mulher um papel bem específico: “A mulher nasceu para ser elegante. Essa inspiração, nós a

facilitamos pondo à disposição de todas as senhoras o que se cria de mais elegante, e

vendendo-lhe por preços conscienciosos”.234

A combinação entre a propagação de um padrão europeu esmerado de “elegância” e

a indicação de que esse modelo poderia estar ao alcance dos seus consumidores devido aos

preços vantajosos que oferecia era característica do magazine. Para as mulheres, essas

recomendações atingiam seu paroxismo: “A ambição da Elegância é essencialmente

feminina. Mas de sobra se justifica essa ambição quando simultaneamente se podem obter

ELEGÂNCIA e ECONOMIA como as faculta o Parc Royal”.235 (grifos originais) Nessa

mensagem, há um reforço de que a ambição máxima da mulher seria “ser elegante”. A união

do consumo ao valor da poupança é apresentada como um “salvo-conduto” que moralmente

defenderia o desejo de adquirir produtos naquele local, necessários para atingir o objetivo

visado.

A partir de 1917, verificamos o uso da cor nos anúncios ilustrados, inicialmente

naqueles veiculados no almanaque Eu Sei Tudo, conferindo novo poder de impacto e atração

à mensagem publicitária. A representação da mulher assume também uma nova

configuração, com um ar sensual, portando profundos decotes, em poses enigmáticas:

“Triunfando pela elegância, formosura, ela afirma a incontestável soberania das criações de

moda do Parc Royal”.236

232 Anúncio na Revista Fon-Fon Nº 291 – Dezembro 1915 233 Anúncio na Revista Careta Nº 449 – Janeiro 1917 234 Anúncio na Revista da Semana Nº 27 – Agosto 1918 235 Anúncio na Revista da Semana Nº 25 – Julho 1919 236 Anúncio no almanaque Eu Sei Tudo Nº 4 – Setembro 1917

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Fig. 41. Anúncio no almanaque Eu Sei Tudo Nº 4 – Setembro 1917

À mulher caberiam as qualidades de “formosura” e “elegância” para que “triunfasse”

na sociedade, mas o recato das décadas anteriores é substituído por um poder de atração. A

“soberania incontestável” enunciada no texto publicitário poderia induzir a uma dupla

aplicação, ainda que implícita: não somente as “criações de moda” do Parc Royal se

valeriam dessa condição, mas a própria mulher - antes submissa, agora soberana.

Os encantos femininos eram comparados às maravilhas das estações, da natureza e

do Rio de Janeiro, em reclames ricamente ilustrados por Manoel de Mora, onde as mulheres

apareciam ao ar livre, em parques e jardins: “As galas da natureza mais se realçam pela

cooperação da formosura feminina que lhes empresta vida e alegria. Nestes dias de sol,

concorra V. Exa. com o seu quinhão para o encanto da deslumbrante cidade em que

vivemos (...)”;237 “Verão: dias claros de sol, dias palpitantes de vida e alegria! Dias que são

um incitamento ao deleite da existência e que nos fazem viver vibrante e intensamente no

quadro das maravilhas que a estação multiplica em volta de nós! Mais perfeita de todas as

maravilhas, a Mulher, flor dileta da Criação, sempre sedutora e diversa na transfiguração

constante que lhe emprestam as Modas! E mais brilhantes, entre todas as Modas, as que

encerram as extasiantes coleções da exposição de verão do Parc Royal”;238 “Nestes dias

dourados, em que o sol é um grande estímulo de vida e empresta às próprias coisas um

relevo novo, tornando-as mais belas nas suas formas, mais atraentes nas suas cores, a

mulher é sempre a mais aquinhoada como fonte de eterna beleza e graça inexaurível. Estes

237 Anúncio no almanaque Eu Sei Tudo Nº 5 – Outubro 1917 238 Anúncio no almanaque Eu Sei Tudo Nº 7 – Dezembro 1917

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dotes preciosos, que as damas patrícias possuem em tão elevado grau, com pouco custo se

emolduram agora no rigor da moda, mediante uma simples visita às grandes exposições de

verão do Parc Royal”;239 “Prenúncios da primevara – Março, o mês que serve de prelúdio,

em cada ano, à grande quadra em que mais se enaltece a Natureza pela pompa das flores,

pela beleza das mulheres! O mês em que as Senhoras Elegantes preparam para o enlevo dos

nossos olhos os deslumbramentos prodigiosos da Moda (...)”;240

O papel feminino, “flor dileta da Criação”, seria o de se exibir com o vestuário

disponibilizado pelo Parc Royal, fazendo uso do consumo de moda para serem notadas e

apreciadas em espaços públicos por sua beleza e sedução. A mulher é representada como

um objeto de culto, equiparada à paisagem e à vegetação, como um ser passível de

contemplação.

Além das relações com a natureza, a crença religiosa e um certo ufanismo

nacionalista também eram utilizados nas mensagens comerciais visando a associações que

culminavam na promoção da mulher brasileira - e consumidora do magazine – que,

obedecendo aos parâmetros de beleza, formosura, elegância e distinção, seriam glorificadas:

“Quando Deus criou a luxuriante Natureza do Brasil, foi para que tivessem condigna

moldura a Elegância e a Distinção das formosas Senhoras do nosso país – clientes habituais

do Parc Royal”;241 “O culto da beleza – Honrai, Senhoras, as tradições da beleza brasileira,

praticando a elegância com o concurso do Parc Royal”.242

Em relação à sua indumentária, desenvolveu-se uma especialização das roupas, que

deveriam ser trocadas inúmeras vezes durante o dia conforme a ocasião em que seriam

usadas. Ao acordar, um robe de chambre seria indicado, e os compromissos que porventura

surgissem – um passeio, um almoço, o footing pela cidade, a atividade das compras, uma

visita, um jantar, uma soirée no teatro – exigiam modelos apropriados.

O Parc Royal incentivava essa diferenciação, oferecendo nos anúncios roupas para

circunstâncias específicas; quanto maior a especialização, maior a necessidade de consumo.

E, ao trazer para sua comunicação publicitária as atividades de sociabilidade e lazer que

passavam a integrar o modo de vida da elite e das camadas médias cariocas, como “a

Estação de Festas - bailes, teatros, soirées”,243 o magazine ampliava seu poder de empatia

239 Anúncio na Revista da Semana Nº 41 – Novembro 1917 240 Anúncio no almanaque Eu Sei Tudo Nº 10 – Março 1918 241 Anúncio na Revista da Semana Nº 1 – Janeiro 1921 242 Anúncio na Revista da Semana Nº 12 – Março 1921 243 Anúncio no almanaque Eu Sei Tudo Nº 11 – Abril 1918

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junto ao público, enquanto reforçava paralelamente, através de suas representações, a

inserção desses rituais na sociedade.

Os acessórios acompanhavam essa adaptação, e seguiam códigos de moda que

determinavam as variações possíveis para cada momento: “Pomos à disposição de todas as

Senhoras Chics do Rio de Janeiro uma infinita coleção desses pequenos “nadas” que são o

complemento de uma toilette elegante. São mil coisas diversas, de um poder de sedução

irresistível, e que marcamos por preços ao alcance de todos”.244

A crescente popularização dos esportes e das danças de salão demandavam roupas

mais leves e maleáveis, contribuindo para a valorização do corpo e suas formas, da

aparência saudável, do aspecto jovial. Paulatinamente, a ideia de contenção da mulher,

impregnada na sua vestimenta, era substituída pela facilidade de movimentos, mais

adequadas à rotina das mulheres mais abonadas da capital. Passear de carro, bicicleta ou

subir num bonde exigia roupas menos pesadas e limitantes.

O desenvolvimento da indumentária no Rio de Janeiro se manteve condicionado ao

espelhamento do modelo de moda estrangeiro. Esse aspecto tornava-se ainda mais manifesto

durante a estação de inverno carioca, quando as lojas comercializavam itens de vestuário

próprios dos países de clima temperado e continental. O Parc Royal propiciava às

consumidoras as “últimas novidades da moda para o inverno (...), peles e fourrures, casacos

e manteaux, chapéus-modelo, tecidos de lã”.245 Na capital tropical, era comum o uso de

casacos e acessórios de pele de animais, importados das nações com clima temperado.

Fig. 42. Anúncio na Revista da Semana Nº 21 – Maio 1921

244 Anúncio no almanaque Eu Sei Tudo Nº 14 – Julho 1918 245 Anúncio na Revista da Semana Nº 21 – Maio 1921

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Nos anúncios divulgados durante o verão, contudo, o Parc Royal demonstrava uma

constatação do desconforto causado pelas temperaturas extremas, dirigindo-se ao público e,

nesse caso, às mulheres, com empatia: “Em pleno verão – Não se esqueça V. Exa. de que no

Parc Royal há de tudo com que atenuar o sofrimento destes dias de rigoroso verão. De tudo

moderno, de tudo elegante, de tudo bom, de tudo barato”;246 “O footing é o grande refrigério

das senhoras elegantes do Rio de Janeiro nestes dias caniculares de agora. Mas o footing é

incomparavelmente mais agradável com os lindos vestidos de verão – leves, confortáveis,

elegantes, modernos, à venda por preços tão convidativos no Parc Royal”.247 Mantendo sua

permanente retórica, na aliança “elegância-preço”, a loja adaptava-se às condições cariocas

e desenvolvia peças específicas para os tempos de calor, utilizando o reconhecimento das

especificidades do verão para atrair o consumo.

No período pós-guerra, uma atmosfera de entusiasmo, otimismo e vivacidade

contagiou a sociedade brasileira como reflexo de um fenômeno global; o espírito do tempo

era iconoclasta e desafiador de convenções. O papel da mulher ainda estava atrelado ao

dever-ser esposa/mãe/dona de casa, sem acesso a voto, mas algumas pioneiras do feminismo

no Brasil começavam a sair em campo pleiteando igualdade de direitos.

A imprensa e o cinema exerceram influência decisiva na alteração dos padrões de

comportamento; alguns periódicos, como A Revista Feminina, abriam cada vez mais espaço

para questionamentos e ampliavam a defesa dos direitos da mulher. E o cinema, cada vez

mais disseminado com a energia elétrica gerada em larga escala, era uma janela para novas

possibilidades de identidade feminina, onde personalidades exibiam-se em papeis urbanos e

arrojados, valorizando o corpo, ao invés de negá-lo e escondê-lo.

Os anos 1920 anunciavam uma época de prosperidade e liberdade, com tendência a

atitudes mais informais, embalada pelo som do jazz, charleston, fox-trot, shimmy, ragtime e,

no Rio de Janeiro, também por modinhas, valsa brasileira, chorinhos e maxixe. A dança

exigia liberdade de movimentos tanto no vestuário feminino quanto no masculino; paletós

mais amplos e calças mais frouxas para eles, saias mais curtas para elas.

A mulher já se permitia a ousadia de mostrar parte das pernas, o colo, as costas e a

nuca, usando saias acima dos joelhos, grandes decotes e cabelos curtos, à la garçonne. Os

vestidos, leves e confortáveis, possuíam estrutura tubular, com cintura baixa, facilitando os

movimentos; a boca, os olhos e as sobrancelhas bem marcadas, emolduradas por chapéu

cloche, enterrado até os olhos, completavam o charme da melindrosa, modelo dessa persona

246 Anúncio na Revista da Semana Nº 9 – Janeiro 1918 247 Anúncio na Revista da Semana Nº 45 – Dezembro 1917

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123

feminina livre e desimpedida típica da segunda metade da década de 1920, personificada no

traço de caricaturistas nacionais como Belmonte e J. Carlos.

As ilustrações dos anúncios do Parc Royal evidenciam a mudança da imagem, do

lugar e do conjunto de reações que diziam respeito à mulher na sociedade, desde o recato e a

imobilidade típicos do século XIX até a persona sedutora em evidência nos anos 1920; um

contraste entre a passividade e o confinamento no lar e um papel um pouco mais ativo nas

relações de gênero, aliado a uma maior mobilidade.

Essa nova concepção de feminilidade externada nos reclames não significava um

abandono dos ideais de beleza e elegância baseados em matrizes estrangeiras; foram

mantidos os parâmetros referenciais de moda e estética, bem como a preocupação com a

aprovação social, permeada pelo uso de determinada indumentária.

A imagem das clientes projetada nos anúncios do Parc Royal eram de mulheres

sofisticadas, sedutoras, com olhar desafiante, cujo poder de sedução era reconhecido e

incentivado pelo magazine. À essa mulher, projetada nos reclames, eram concedidas novas

formas de se tornar atraente e fascinante ao sexo oposto.

A expressão dessas novas representações pode ser percebida no texto do anúncio a

seguir: “Onde quer que apareçam, as formosas senhoras que nós vestimos ratificam o triunfo

do seu sexo e submetem a dura prova a fragilidade do coração do homem”.248

O Parc Royal tratava as relações entre gêneros, em certa medida, como uma

competição; a mulher que consumisse e usasse seus produtos “triunfaria” sobre o sexo

masculino, submisso pela fraqueza de suas emoções diante de figuras femininas tão

poderosas: “Onde quer que ela aparece, escraviza o coração dos homens, acorda a inveja das

mulheres, impõe-se à admiração de todos! É uma freguesa do Parc Royal”.249 À

consumidora da loja eram garantidos, pelo anúncio, um domínio dos homens e uma

ascendência sobre outras mulheres; o discurso de propaganda que cobrava delas atributos

ideais de beleza e elegância, lhes autenticava a potência da sedução nas relações entre

gêneros.

248 Anúncio na Revista da Semana Nº 25 – Junho 1921 249 Anúncio na Revista da Semana Nº 31 – Julho 1921

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124

Fig. 43. Anúncio na Revista da Semana Nº 25 – Junho 1921

A representação feminina calcada na aparência, no apuro da estética, no cultivo dos

padrões de “distinção” disseminados entre as elites, no uso da vestimenta adequada para

cada momento de sua vida, tudo isso através do consumo dos produtos oferecidos pelo Parc

Royal, perdurou durante as décadas de 1910 e 1920. “Arte, Elegância, Beleza, Moda. As

fadas bemfazejas dos encantos femininos têm o seu dourado abrigo no Parc Royal”;250 “A

joia singela e nua – Para seu engaste esplendoroso, as lindas novidades de Paris

apresentadas pelo Parc Royal”;251 “A moda é a beleza da mulher, a mulher é a beleza da

vida. Lindas senhoras, as que vestem as lindas modas do Parc Royal”;252 “Criações da moda

do Parc Royal – São elas o sonho, o enlevo das lindas Senhoras Cariocas que se tornam,

elas próprias, um enlevado sonho de beleza, quando vestem as lindas criações da moda do

Parc Royal”;253 “Escrínio permanente da Moda, ele é o servo da Mulher Elegante, a quem

patenteia, nas suas vitrines e rayons, tudo quanto cria o espírito humano para glorificar a

beleza da Eterna Rainha da Criação”;254 “A beleza é uma força soberana na mulher. Mais

ainda, quando a realça uma das lindas criações do Parc Royal”;255 “Para as senhoras

250 Anúncio na Revista da Semana Nº 26 – Junho 1922 251 Anúncio na Revista da Semana Nº 34 – Agosto 1922 252 Anúncio na Revista da Semana Nº 41 – Outubro 1922 253 Anúncio na Revista Careta Nº 805 – Novembro 1923 254 Anúncio na Revista da Semana Nº 33 – Agosto 1927 255 Anúncio na Revista da Semana Nº 37 – Setembro 1927

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125

elegantes, o Parc Royal é um templo, onde a beleza se requinta, a graça se sublima e a

distinção se consagra”.256

Conforme a descrição publicitária acima, à mulher caberia o papel de “rainha da

criação”, e para desempenhá-lo deveria investir no seu poder de atração. Beleza, moda,

elegância e distinção apresentavam-se como manifestações que concorreriam para o alcance

do objetivo máximo feminino: a conquista masculina e a reprodução. As ilustrações desses

anúncios caracterizavam-se pelo requinte da figura da mulher, representada geralmente com

o rosto levemente levantado, em pose de quem olha “de cima para baixo”, com ar sensual,

“glorificada” como diva, objeto de contemplação e culto.

Delas esperava-se “Simplicidade, elegância, graça, distinção. Atrativos que as

Senhoras invariavelmente conquistam, quando as favorece a colaboração de elegância que

oferece a todas as freguesas o Parc Royal”;257 “Crisálidas radiantes, as senhoras surgem

deslumbrantemente transformadas quando vestem as lindas modas de Paris importadas pelo

Parc Royal”258; “Em qualquer estação do ano, em qualquer estação da vida, triunfam as

senhoras de bom gosto que se vestem no Parc Royal”.259

Conforme o arquétipo construído nas peças publicitárias da loja, a mulher deveria

exibir-se portando as últimas novidades da moda, reforçando um estilo próprio de um

estrato “elegante”: “É às senhoras que cabe a responsabilidade em manter bem altas, em

todas as reuniões da moda, as brilhantes tradições da elegância carioca”.260

Ressaltava-se o caráter de competitividade e demarcação social vinculado ao uso da

moda, como um jogo que exigia da mulher um empenho para afirmar seu posicionamento:

“Ser chique é vencer a cada dia uma nova batalha de elegância, ser chique é vencer a cada

dia uma nova batalha de distinção, ser chique é bem mais fácil às freguesas do Parc

Royal”.261. Ou seja, “ser chique” não deveria ser tarefa simples, e a loja se apresentava como

aliado das mulheres na construção da persona que, através do consumo, da utilização de

certa indumentária e da exibição de uma aparência estudada, se revestiria de atributos

simbólicos de pertencimento e valorização em determinado grupo, numa determinada

cidade.

A representação feminina como uma figura quase mitológica, em poses refinadas,

remete a uma ideia de mulher cujo papel seria ser alvo de admiração e reverência - desde

256 Anúncio na Revista O Cruzeiro Nº 22 – Abril 1929 257 Anúncio na Revista Frou-Frou Nº 6 – Novembro 1923 258 Anúncio publicado na Revista Frou-Frou No. 5 – Outubro, 1923 259 Anúncio publicado na Revista da Semana No. 41 – Outubro, 1921 260 Anúncio publicado na Revista da Semana No. 30 – Agosto 1919 261 Anúncio publicado na Revista da Semana No. 4 – Janeiro 1922

Page 126: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

126

que adotasse modos, modas e gostos próprios de um ideário de elegância. Se, por um lado,

essa função reforça o caráter distintivo de uma parte da sociedade que não precisaria

executar tarefas laborais, devendo dedicar-se ao consumo e ao aprumo da sua visualidade,

por outro traz à tona o constrangimento a que as mulheres dessa mesma classe estavam

sujeitas para ocupar o lugar a elas reservado.

Embora a atmosfera sofisticada e elitista fosse predominante nos reclames dedicados

à mulher, alguns também demonstravam uma preocupação como o espírito de economia das

clientes, novamente reforçando a ideia divulgada pelo Parc Royal de que a loja seria um

“democratizador de elegância” para todos: “Onde comprar? Levem as donas de casa as suas

economias ao Parc Royal e ele as fará frutificar sob a forma de excelentes artigos da última

moda para Senhoras, para Homens, para o Lar, a preços que são o segredo do Parc

Royal”.262 Nesse anúncio, a mulher não é retratata em pose voluptuosa; ao contrário, aparece

sentada com os cotovelos apoiados numa escrivaninha, com a mão no rosto, pensativa,

como se tomasse uma decisão sobre onde comprar.

Na série de propagandas do Parc Royal veiculadas nas capas da Revista da Semana,

boa parte delas foi direcionada à representação feminina, algumas em alusão ao momento

histórico que porventura fosse tema das publicações. Na comemoração do Centenário da

Independência: “Rendem os potentados do mundo, oficialmente, suas homenagens ao

Brasil. Mas a homenagem mais íntima e vibrante é a que os seus corações rendem à mulher

brasileira, cuja beleza se ostenta, radiosa e fascinadora, graças à brilhante cooperação do

Parc Royal”.263 Noutra capa, o Pão de Açúcar se transforma em um corpo de mulher:

“Mulher! Eterno ideal dos poetas! Sonho constante dos artistas! Visão perturbadora das

almas contemplativas! Existes na terra, na montanha, no mar, no céu! Palpitas no espírito

dos que te amam e adoram! Vives no Parc Royal”.264

262 Anúncio na Revista da Semana Nº 50 – Dezembro 1922 263 Anúncio na capa da Revista da Semana Nº 42 – Outubro 1922 264 Anúncio na capa da Revista da Semana Nº 47 – Novembro 1922

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127

Fig. 44. Capa da Revista da Semana Nº 47 – Novembro 1922

A imagem de mulher, bela e adorada, confunde-se com própria imagem do Rio de

Janeiro, ambas valorizadas por seus encantos estéticos; essa mulher-cidade têm sua

existência vinculada a um local de consumo, a loja do Parc Royal. Noutra capa, mais um

exemplo de associação entre uma ideia de beleza das cariocas e o consumo naquele local:

“Qual a mais bela das cariocas? A mais distinta e assídua cliente do Parc Royal”.265

Nos demais exemplares da Revista da Semana que possuíam ilustrações de mulheres

na capa, somadas à propaganda do Parc Royal, as mensagens repercutiam as mesmas

construções simbólicas dos anúncios do magazine publicados no interior dos periódicos,

dotados de uma aura de sofisticação, uma valorização da aparência, da obediência à moda, e

uma exaltação daquelas que se vestissem na loja: “A cada passo uma admiração, um elogio,

um galanteio: é o que ganham as senhoras chiques que se vestem no Parc Royal”;266 “E

assim vestida no rigor da moda, onde ela passa fica o perfume, o chique, a graça

incomparável das criações da moda do Parc Royal”.267

Há uma edição daquele veículo que se destaca pelo tema e pelo posicionamento

político do magazine: a Revista da Semana que trata, em sua capa, da questão do voto

feminino. Nas primeiras décadas do século XX, o sufrágio feminino era a principal bandeira

feminista; com a fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino em 9 de Agosto

de 1922, liderada pela líder brasileira Bertha Lutz, a luta pela igualdade de direitos ganhou

265 Anúncio na capa da Revista da Semana Nº 28 – Julho 1922 266 Anúncio na capa da Revista da Semana Nº 17 – Abril 1923 267 Anúncio na capa da Revista da Semana Nº 50 – Dezembro 1923

Page 128: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

128

maior repercussão. A Revista da Semana do mês de Dezembro daquele mesmo ano exibia,

em sua capa, uma imagem de mulher colocando o voto na urna, com expressão sorridente e

triunfante. Sob a ilustração, o texto publicitário: “Primeira aplicação do voto feminino:

proclamar por grande maioria a superioridade imensa e soberana dos artigos de moda do

Parc Royal”.268 A um só tempo, a loja apoiava a reinvindicação política feminina,

reforçando a conquista da simpatia daquele público e posicionando sua própria imagem

como entidade moderna, favorável a atitudes revolucionárias; ainda, apropriava-se das

noções democráticas de soberania e superioridade da maioria para proclamar a valorização

dos seus produtos.

Fig. 45. Capa da Revista da Semana Nº 49 – Dezembro 1922

A instituição do voto feminino no Brasil ocorreu somente em 24 de fevereiro de

1932, através do Decreto-Lei No. 21.076, assinado pelo então Presidente Getúlio Vargas.

268 Anúncio na capa da Revista da Semana Nº 49 – Dezembro 1922

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129

6.4 Moda e sociabilidade

O Parc Royal introduziu em sua publicidade uma série de práticas de sociabilidade

que passaram a integrar o cotidiano das elites nas primeiras décadas do século XX,

aproveitando-se do surgimento de novos espaços de circulação e exibição pessoal para

transmitir sua mensagem de incentivo ao consumo. Cada uma das novas ocasiões sociais

exigiria uma indumentária apropriada - conforme o manancial de informações de moda que

incluíam regras, críticas ou elogios divulgados na imprensa e na própria publicidade - e a

loja apresentava-se como o melhor local para sua aquisição.

O banho de mar foi uma das atividades que ganhou novo alcance na época,

impulsionado pela abertura de túneis e pela urbanização da orla efetuadas por Pereira

Passos, tornando-se um hábito mais corriqueiro entre as elites. Inicialmente vislumbrado

apenas com fins medicinais e terapêuticos, o uso da praia como espaço público de lazer e

opção de convívio social foi incorporado pela sociedade carioca, ainda que regulamentado

por códigos de postura municipais, obedecendo horários restritos e exigindo vestimentas

apropriadas. Os trajes das banhistas consistiam em touca, roupão, sapatos de tecido

amarrados no tornozelo (usados às vezes com meia três-quartos preta) e vestidos feitos de

sarja escura com comprimento no joelho, bem folgados para não marcar o corpo; no início

da década de 1920 surgiram os primeiros maiôs, um pouco mais curtos e colantes, feitos de

malha de lã.

O Parc Royal dedicou boa parte de seus anúncios a essa temática, se presentificando

no momento praiano: “Nas praias – A moda exige elegância mesmo nos banhos de mar.

Mas esse despotismo da moda é fácil de se obedecer. Vejam os lindos e vantajosos

sortimentos que temos à venda de artigos para banho de mar. Para Senhoras: costumes de

banho, últimos modelos importados diretamente de Paris e New York, toucas

elegantíssimas, sandálias, roupões de banho e todos os demais artigos indispensáveis. Para

Homens: camisolas de todos os modelos e cores, calções, cintos, chapéus de lona”.269 O rol

de peças de moda-praia incluíam ainda “costumes de tafetá de seda e cetim impermeáveis,

capas de felpo, alpaca e cetim, sapatos de banho”,270 “costumes em sarja, maiôs em malha

de algodão e de lã, capas de tecido felpudo, botas, salva-vida de cortiça e de borracha,

camisas em malha de algodão e de lã, calções”,271 “camisolas lisas ou listradas com as cores

269 Anúncio na Revista D. Quixote Nº 90 – Janeiro 1919 270 Anúncio na Revista da Semana Nº 9 – Fevereiro 1921 271 Anúncio na Revista Careta Nº 761 – Janeiro 1923

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130

de todos os clubes”.272 As competições esportivas de esportes aquáticos como remo,

natação e saltos ornamentais eram as mais populares no Rio de Janeiro e contavam com

ampla audiência, num período anterior à disseminação do futebol como preferência

nacional; os clubes a que se referem o anúncio provavelmente seriam os Club de Natação e

Regatas, Club Internacional de Regatas, Club de Regatas Boqueirão do Passeio, Club de

Regatas Guanabara, Club de Regatas do Flamengo ou Club de Regatas Botafogo, cujas

cores seriam estampadas nas roupas de banho listradas.

Fig. 46. Anúncio na Revista D. Quixote Nº 90 – Janeiro 1919

O Carnaval foi outra manifestação cultural da cidade que teve destaque na

propaganda do magazine. A festa momesca assumia diversas configurações, com bailes

elitizados nos clubes e hotéis, o corso carnavalesco nas ruas (carros que desfilavam com

pessoas fantasiadas igualmente), a batalha das flores e o popular carnaval de rua, que incluía

o banho de mar à fantasia. O Parc Royal anunciava “pierrôs de cetim de seda pura, belos

modelos franceses, em todas as cores, para homens e senhoras; pierrôs e pierretes de cetim

de algodão, de 2 a 12 anos; lança-perfumes Rodo, confete, etc etc”;273 “quimonos japoneses

272 Anúncio na Revista da Semana Nº 51 – Janeiro 1920 273 Anúncio na Revista Careta Nº 449 – Janeiro 1917

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131

de crepom, padrões vistosos”,274 “lindas fantasias que acabamos de receber de Paris, para

senhoras, para meninas, para meninos”.275

Reiterando sua proposta de “democratização” do estilo que vendia, a loja abrangia

em sua comunicação carnavalesca uma amplitude de possibilidades, oferecendo desde os

modelos de fantasia importados, mais caros, até peças e acessórios mais em conta. Havia

reclames dirigidos especificamente aos foliões que visavam uma comemoração mais

popular: “Carnaval de rua! Divertir-se muito...gastando pouco! Para senhoras: pierrôs

originais, vários tecidos, todas as cores, pierrôs de seda, feitios modernos, quimonos de

crepom japonês, golas de filó em cores, máscaras diversas. Para homens: pierrôs de cetineta,

camisas carnavalescas, calças de brim branco à americana, pijamas de zefir, bonés brancos.

Para meninas: quimonos japoneses, bailarinas cetim e tarlatana, sombrinhas japonesas,

carapuças com as cores dos clubes. Para meninos: pierrôs de cetim, calças de brim branco,

camisas de esporte, pijamas de zefir. Tecidos e artigos carnavalescos de todos os gêneros,

lenços alcobaças, lança-perfumes, confete, serpentinas, bolinhas, grande variedade de

fantasias confeccionadas para senhoras, homens e crianças. Entregaremos em 24 horas

qualquer modelo de fantasia que nos seja encomendado”.276 Todos os itens nesse reclame

eram precificados, o que fortalece a hipótese de que o custo das mercadorias seria atraente

para o público.

O Parc Royal retratava o universo momesco com ênfase no aspecto da sedução,

conforme a atmosfera da ilustração do reclame abaixo, onde se lê: “Convidamos todos os

devotos de Momo a visitarem-no no Parc Royal, onde ele neste momento se ostenta com

sua ruidosa corte de pierrôs, odaliscas, clowns e dominós. Aproveitem ao mesmo tempo a

nossa grande venda de artigos de carnaval com 20% de desconto sobre todos os preços

marcados”.277

274 Anúncio na Revista da Semana Nº 1 – Fevereiro 1920 275 Anúncio na Revista da Semana Nº 6 – Fevereiro 1921 276 Anúncio na Revista da Semana Nº 9 – Fevereiro 1922 277 Anúncio na Revista da Semana Nº 4 – Janeiro 1921

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132

Fig. 47. Anúncio na Revista da Semana Nº 4 – Janeiro 1921

A “estação teatral” motivou uma outra série de reclames do Parc Royal. A

frequência aos espetáculos, sobretudo àqueles encenados no Theatro Municipal, era

retratada como um momento propício ao desfile social e à exibição de aparências, que por

sua vez resultariam num incremento ao consumo. Recomendava-se as “últimas criações

parisienses das grandes modistas de Paris, vestidos de baile, chapéus-modelo, meias de seda,

calçados de luxo”,278 além de leques, colares, pulseiras, sombrinhas, bolsas, echarpes, golas

e ornamentos para penteado.

278 Anúncio na Revista da Semana Nº 13 – Março 1922

Page 133: PARC ROYAL: UM MAGAZINE NA MODERNIDADE CARIOCA

133

Fig. 48. Revista da Semana Nº 23

Junho 1921

Fig. 49. Revista da Semana Nº 13

Março 1922

Fig. 50. Revista da Semana Nº 50

Janeiro 1920

Fig. 51. Revista Careta Nº 469

Junho 1917

A atividade de olhar vitrines nas ruas de “comércio elegante”, flanar pelas lojas e

consumir seus produtos passou a integrar o rol de ações prazerosas praticadas pela elite e

camadas médias da sociedade, aumentando as oportunidades de socialização. Houve um

incremento nos lazeres associados ao consumo, impulsionado pelas alterações urbanas e

pela ampliação do comércio de moda no Brasil, aliadas às novas concepções de

feminilidade. A “mulher-mãe-dona-de-casa” passava a ser também consumidora, e fazer

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134

compras se tornava, cada vez mais, um costume cotidiano para o grupo feminino, que

aumentava sua participação no espaço público.

A propaganda do Parc Royal inseriu em suas representações a atividade do

consumo, como uma metalinguagem publicitária; a situação encenada no anúncio para

estimular a compra dos produtos é a própria compra dos produtos. Na imagem do reclame,

abaixo, há associações que ilustram a aquisição de objetos no Parc Royal como uma prática

inerente a um ideário de modernidade. Elementos que ressoam uma urbe cosmopolita

aparecem, ao fundo – o bonde, o poste de iluminação elétrica, os transeuntes – destacando-

se o automóvel vermelho onde um casal passeia pela Avenida Central. Sorridentes, levam

consigo caixas e porta-chapéus da loja, como se tivessem acabado de fazer um programa

familiar agradável, deslocando-se repletos de bens e de alegria.

Fig. 52.O Malho Nº 888 – Setembro 1919

Em seu material de propaganda, a loja parecia desejar imprimir um “ar de

modernidade” à sua imagem e ao exercício do consumo, apregoando um estilo de vida que

seria capaz de legitimar um estatuto moderno e metropolitano almejado pelas elites cariocas,

em ressonância aos hábitos das grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos.

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7 – Considerações Finais

Na capital remodelada por Pereira Passos, a multiplicação de lugares de encontros e

apresentações incentivou novas formas de socialização. Nas duas primeiras décadas do

século XX, ver e ser visto tornavam-se práticas cada vez mais comuns; nos parques, nos

teatros, nos bailes, salões de chá, nas competições aquáticas e corridas do Jockey Club e nas

ruas de comércio elegante, os membros da “boa sociedade” integravam o desfile de

aparências calcado no apuro estético de sua vestimenta e seus acessórios, nos seus modos e

maneiras, no gosto e no gesto.

O Rio de Janeiro, então centro político e administrativo do país, afirmava-se também

como centro da moda, ancorando suas estruturas de divulgação, produção e

comercialização. As revistas de variedade e os catálogos das grandes lojas atuavam como

elementos essenciais da propagação de informações com instruções codificadas sobre o que,

onde e como vestir. Num início de século em plena mutação e aceleração do movimento e

da percepção do tempo, a atividade dos “bazares de novidade” conheceram um

desenvolvimento sem precedentes. A mecanização e o aperfeiçoamento da máquina de

costura aumentou a capacidade de produção têxtil, enquanto novos meios de locomoção

permitiam o transporte das peças de maneira mais rápida e barata. A queda nos preços das

roupas permitiu que um grupo maior de pessoas tivesse acesso a itens que se pareciam com

os artigos caros executados por alfaiates ou estilistas particulares. A ascensão do grande

comércio, protagonizado pelas lojas de departamento, ocorreu em meio ao nascimento da

sociedade industrial-capitalista, introduzindo um sistema de vendas até então inédito; o

florescimento desse novo comércio ocorreu em grandes metrópoles onde havia uma

concentração burguesa com apego às aparências, interesse pelo que fosse novo e moderno, e

uma permeabilidade à sedução publicitária que incitava o consumo.

O escritor francês Èmile Zola, em seu romance O Paraíso das Damas, faz um relato

documental-romanceado sobre o nascimento desses estabelecimentos que “vendiam barato

para vender muito, vendiam muito para vender barato”. O autor faz uma descrição do

mecanismo que movimentava o grande comércio moderno no final do século XIX:

(...) o capital incessantemente renovado, o sistema de acúmulo de mercadorias, os preços baixos que atraem, a marcação em cifras conhecidas que tranquiliza. Era a mulher que os magazines disputavam, a mulher que capturavam na armadilha de seus preços, depois de tê-las

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136

atordoado diante das vitrines. Os grandes magazines haviam despertado novos desejos na carne feminina, eram uma tentação constante, à qual a mulher sucumbia fatalmente, cedendo inicialmente a suas compras de boa dona de casa, conquistada em seguida pela vaidade, e finalmente devorada. Ao decuplicar suas vendas, ao democratizar o luxo, essas lojas se tornavam um terrível agente de gastos (...), tirando proveito da loucura da moda, cada vez mais cara. (ZOLA, 2008: 112)

Na ficção de Zola há uma oposição entre o velho comércio de rua e os grandes

magazines, a derrocada de um modelo como consequência exclusiva do sucesso de outro.

Essa visão não considerava a percepção de que o sopro de virada nas direções ocorre em

meio a um processo, que entre continuidades e rupturas sente o pulsar de aspectos

tradicionais ou inovadores em teias mais complexas do que substituições simplistas. Ao

invés de uma relação antagonista entre duas formas de mercantilização, percebemos as

boutiques de pequena escala como representantes de um estágio de comércio anterior ao

desenvolvimento das lojas de departamento que se sucedeu na modernidade.

Embora o escritor “carregasse na tinta” maniqueísta, vale a pena reproduzir as

intenções do personagem Mouret, dono da loja de departamentos cujo nome dá título ao

livro:

A única grande paixão de Mouret era triunfar sobre a mulher. Ele a desejava rainha em sua casa, e erguera esse templo para tê-la à sua mercê. Toda a sua tática era inebriá-la de atenções galantes, extasiá-la em seus desejos. (...) Mas sua ideia mais inusitada era para a mulher sem vaidade: conquistar a mãe pela criança; ele não perdia nenhum impulso, especulava sobre todos os sentimentos, criava seções para meninos e meninas, parava as mães que passavam oferecendo a seus bebês imagens e balões. (...) O grande poder do magazine era sobretudo a publicidade. (...) Era uma superabundância de mercadorias, o Paraíso das Damas saltava aos olhos do mundo inteiro, invadia os muros, os jornais, até as cortinas de teatro. Ele professava que a mulher não tinha forças contra o reclame, que acabava fatalmente seguindo a agitação. Além disso, (...) ele lhe preparava armadilhas inteligentes. Assim, descobrira que ela não resistia a um desconto, que comprava sem necessidade quando pensava estar fazendo um negócio vantajoso e sob essa

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137

observação ele baseava seu sistema de diminuição de preços, baixando progressivamente artigos não vendidos, preferindo vendê-los com perda, fiel ao princípio de renovação rápida das mercadorias. Então ele penetrara ainda mais fundo no coração da mulher ao imaginar o sistema de “devoluções”, uma obra de arte da sedução jesuítica. (ZOLA, 2008: 283)

As estratégias publicitárias utilizadas pelo protagonista se assemelham bastante às

técnicas utilizadas hoje por grandes cadeias varejistas, supermercados e shopping centers.

Mais do que mercadorias, o magazine oferecia um reino de ilusões. No romance de Zola, há

uma opção explicitada pela mulher como público-alvo do Paraíso das Damas. Se, por um

lado, esse exemplo não contempla a revolução no consumo que, em escala maior ou menor,

atingiu a todos os gêneros, por outro traz à tona a profunda mudança que o comércio operou

na esfera feminina, acelerando o processo de exteriorização da mulher, enquanto

corporificava uma nova possibilidade de lazer e sociabilidade. A loja do Sr. Mouret ocupava

um lugar considerável na vida cotidiana de mulheres com índoles variadas, desde aquela

com sanha de gastar, comprando tudo o que via na frente, até aquela apertada de dinheiro,

torturada pela cobiça; a que passeava horas sem jamais fazer uma compra sequer ou aquela

prática e sensata, que tirava proveito das promoções; a elegante, que só comprava artigos

selecionados, e até mesmo uma cleptomaníaca, que realizava furtos reiteradamente.

Recorreremos uma última vez à obra do escritor francês, que faz menção ao consumo como

uma “nova religião”, substituta de antigos hábitos e costumes que exigiam fidelidade

feminina:

Graças à sua renovação contínua de mercadorias, sua baixa de preços e suas devoluções, sua galanteria e sua propaganda (...) ele conquistara até as mães, ele reinava sobre todas com a brutalidade de um déspota cujos caprichos arruinavam lares. Sua criação trazia uma nova religião. As igrejas, que a fé vacilante fazia desertar pouco a pouco, eram substituídas por seu bazar nas almas doravante desocupadas. A mulher vinha passar em sua loja suas horas vazias, as horas intensas e inquietas que vivia outrora no fundo das capelas: gasto necessário de paixão nervosa, luta renascente de um deus contra o marido, culto sem cessar renovado do corpo, com o além divino da beleza. Se ele fechasse as portas, haveria uma insurreição na calçada, o grito desesperado das beatas às quais

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estariam suprimindo o altar e o confessionário. (ZOLA, 2008: 485)

Na caracterização de seu enredo, o escritor faz um diagnóstico severo dos grandes

magazines tece previsões apocalípticas decorrentes do novo comércio; mas, de modo até

otimista - ao contrário da maioria de seus outros romances - externa também, através da

personagem Denise, a aceitação de uma nova ordem, da “festa urbana” e do imperialismo

comercial como uma “força que varria tudo”, como uma “obra invencível da vida, que quer

a morte para a nova semeadura”. (ZOLA, 2008: 446)

O ponto que mais nos interessa nessa obra de Zola, para além das descrições

pormenorizadas das configurações e atividades dos grandes magazines e do comportamento

das mulheres, é a percepção da estreita ligação entre o novo modelo de comércio e de

consumo e o processo de urbanização e modernização das cidades à luz do modelo de

progresso europeu. Charles Baudelaire, outro escritor francês que versou sobre a

modernidade na segunda metade do século XIX - e talvez tenha sido o mais influente –

abarcou o fenômeno da moda como inerente à qualidade de transitoriedade que

caracterizava a experiência urbana moderna. Para ele, as mudanças da moda espelhavam a

variação dos ritmos de vida na capital, as alterações nas convenções culturais e sociais,

numa movimentação constante em função da natureza própria da modernidade, marcada

pela instantaneidade. (BAUDELAIRE, 2010)

Ao escolhermos o Parc Royal como objeto de nossa investigação, vislumbramos um

potencial para iluminar um contexto. A partir da investigação dos dados históricos

referentes à sua atuação e da análise do conjunto de sua comunicação publicitária, é possível

empreender uma reflexão sobre a cidade naquele momento e trazer uma discussão acerca da

urbe, da elite e dos estilos de vida de pessoas destacadas por certo padrão de vida.

Nas duas primeiras décadas do século XX, o Rio de Janeiro viveu um momento de

efervescência, enquanto a nação buscava os rumos do moderno e da modernização. A

cidade portuária ganhou ruas largas e iluminadas, com construções que tiravam proveito das

estruturas de metal, do barateamento dos vidros e espelhos, e de invenções como o elevador.

O surgimento de lojas com aparência luxuosa, que exteriorizavam riqueza em suas fachadas

e investiam na decoração de seus interiores, fez parte de uma evolução econômica ligada às

mudanças urbanas e financeiras ocorridas em escalas mais amplas, no caminho da

modernização técnica do Ocidente.

José Vasco Ramalho Ortigão, proprietário do magazine, se achava inscrito numa

rede ascendente de empreendedores comerciais que operavam num contexto de transição

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sendo, eles mesmos, atores dessa passagem. É notória a influência exercida por

comerciantes portugueses na economia e na sociedade do Rio de Janeiro na virada do século

XX. O Parc Royal não foi o único estabelecimento do ramo que se sensibilizou com as

mudanças que se insinuavam. No entanto, é evidente sua marca no movimento de renovação

ocorrido no varejo carioca, onde introduziu um tipo inédito de comercialização, baseada no

modelo das lojas de departamento europeias. Se a expansão do transporte público, a

influência da imprensa popular e as reformas urbanas propiciaram a formação de uma “nova

era de compras”, o Parc Royal se mostrou bem sucedido na elaboração de um discurso

publicitário convincente sobre consumo envolvendo a cidade, sociabilidades, sedução e

novidades.

A partir da leitura do magistral Mozart - Sociologia de um gênio, do filósofo social

Norbert Elias, vislumbramos alguns caminhos possíveis de investigação. Percebemos como

o estudo de um caso específico se torna revelador do conjunto, permitindo entrever a

constituição daquela sociedade - e como a análise de certo padrão e estilo de vida se torna

reveladora de uma época.

O Parc Royal é uma boa lente para decifrar a moderna experiência cultural na capital

da República e observar a malha de um mercado de consumo de moda em construção. Se

adotarmos a adequação social como parâmetro para avaliação de suas ações, perceberemos

como suas iniciativas, muitas delas pioneiras, foram executadas em entrosamento com a

vida cultural e política da cidade. Seu administrador pôde dar curso a um espírito

empresarial com sensibilidade para a cultura moderna carioca; no encontro entre suas

qualidades subjetivas e uma determinada figuração de mundo, teve a oportunidade de

empreender novos rumos ao seu tipo de comércio, ampliando seu campo de atuação mais

além daqueles que baseavam suas condições de sobrevivência apenas na reprodução do

passado.

Num universo urbano em ebulição, a cultura das aparências e a propagação dos

reclames abriam espaço na ordem estabelecida. Sobre esses aspectos, João do Rio, cronista

carioca de seu tempo, fez um “retrato” contundente:

- O reclame, meu caro, é o aproveitamento de um mal contempoâneo – o mal de aparecer. É o mal devorador, é a epidemia, é o flagelo açoitando todos os nervos, todos os cérebros, como um castigo dos céus. Que queres tu que se faça na ânsia da vida moderna, na neurose da concorrência, no desespero de vencer? Aparecer! Aparecer! (...)

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Vê o mundo. O trabalho duplicou, decuplicou, centuplicou. O esforço para a evidência, para a personalização na grande feira humana, chupa os ossos, rasga os músculos, arranca os nervos, (...), mas a onda continua, impetuosa, irresistível, para além das forças concebíveis, atirando aos píncaros os vitoriosos – os vitoriosos de um instante que conseguem aparecer. (DO RIO, 2006: 67) Observa a sociedade, o torvelinho, o caos, o sorvedouro, o fiorde humano que é uma grande cidade. Vês aquele cavalheiro? É um valdevinos admiravelmente bem vestido. Não o era antes. (...) Conheces Mme. Praxedes, a mulher mais elegante do Rio? Tem trinta e cinco anos e um filho de dezoito. Suicidar-se-ía, se a proibissem de ir a uma soirée fashion, se faltasse a uma festa, a um raout qualquer de gente bem lançada. É preciso aparecer, não ser esquecida, conservar no público a ideia de sua beleza.” (João do Rio, 2006: 70)

Na emergência de uma sociedade de massa mais igualitária, tributária dos valores da

aristocracia, o Parc Royal perpetuava matrizes de refinamento e moda europeias, ao mesmo

tempo que buscava promover a difusão desse estilo de vida. Afinal, desde o fim da

aplicação das leis suntuárias, as escolhas individuais não eram mais subordinadas pelos

laços sanguíneos aristocráticos; na sociedade individualista e de mercado, a ausência de

códigos formais que determinassem status e estilo de vida equalizou os grupos sociais em

termos de consumo. Status e modo de vida passaram a depender da renda, não mais da

origem social. Todos podem ser consumidores – desde que possuam recursos financeiros

para isso.

Na ausência de grupos aristocráticos que servissem de inspiração para os segmentos

de base na pirâmide social, o magazine cumpria um papel de referência e transmitia, em sua

publicidade, uma mensagem de como a “sociedade refinada” deveria se portar. As

representações de seus anúncios primavam pela permanência do caráter “distinto”, mas

sinalizavam que o padrão poderia ser democratizado. O magazine insistia na formação de

um modelo de “elegância” – por sinal, era essa a palavra mais repetida em seus anúncios –

obedecendo a regras e exigências cuja dificuldade se resolveria com o auxílio da loja, que se

apresentava como o lugar que dominaria esses critérios, e onde o consumo seria a maneira

de atendê-los. A insistência nos preços baixos e a autopromoção como disseminador dessas

prerrogativas demonstram que o Parc Royal não era restritivo na mensagem que

manifestava a possibilidade do acesso a esse estilo de vida a todos que lá comprassem.

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Em meio a um caos urbano em formação, era preciso chamar atenção na multidão;

uma crescente cultura de exibição e afirmação social a partir de atributos estéticos e aferição

de “índices de modernidade” nutria um terreno fértil onde o consumo germinou sua

propagação, como forma de lazer, como meio de diferenciação social, como alavanca da

economia liberal-capitalista que se tornou parte de uma maneira de sobreviver.

José Vasco Ramalho Ortigão contribuiu para a construção de uma cultura pública

voltada para o consumo, explorando os meios de comunicação de massa para divulgar o ato

de comprar e se vestir como uma necessidade social e cultural, associando uma extensa

gama de prazeres e obrigações ao consumo. O Parc Royal usou a imprensa e a publicidade

de uma forma nova, utilizando em larga escala tecnologias de impressão e divulgação

disponíveis, a exemplo dos americanos John Wanamaker e Gordon Selfridge, proprietários

de lojas de departamento nos Estados Unidos e na Inglaterra, conforme relatado em “Uma

nova era de compras”: a promoção do prazer feminino no West End londrino, 1909-1914

pela historiadora Erika D. Rappaport (CHARNEY e SCHWARTZ, 2004).

Além de anunciar maciçamente utilizando reclames de página inteira que se

beneficiaram da identidade visual criada pelo ilustrador Manoel de Mora e do original uso

da cor, o Parc Royal também usou estratégias publicitárias que disfarçavam a distinção

entre os anúncios e as seções editoriais, por exemplo divulgando sua mensagem na capa da

Revista da Semana e dos programas do Theatro Municipal, além dos cartões-postais

emitidos pela loja e da sua própria publicação, o Parc Royal Magazine.

Conforme se ampliava a presença imagética na vida cotidiana moderna, o Parc

Royal estabelecia uma parceria entre seu comércio varejista e nascentes publicações de

massa, numa combinação que fazia amplo uso do apelo visual dos anúncios para reforçar

suas mensagens, criando uma narrativa convincente. E na própria loja, o uso da arquitetura,

da decoração e de técnicas teatrais nas vitrines a transformavam num ícone cenográfico

imponente, onde as mercadorias eram revestidas de significados associados àquela imagem

atraente, alterando o modo como as pessoas viam e percebiam os produtos.

Uma cultura comercial em expansão interferia na redefinição das compras como

atividade legítima e no lugar das mulheres no ambiente urbano e na sociedade. As

representações do magazine promoviam uma nova noção da mulher, mais sedutora e ativa

socialmente, autêntica representante da beleza, associada aos encantos naturais da cidade e

do país, responsável por manter, através do consumo, os padrões desejáveis de “elegância”.

A loja reiterou uma ideia de feminilidade que, mais tarde, o feminismo iria criticar, mas ela

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própria pode, em algum momento, se alinhar com as reinvindicações pela igualdade de

direitos ao apoiar na sua publicidade o sufrágio feminino.

O Parc Royal personaliza uma face do processo de construção de uma sensibilidade

moderna, como um pretexto que permite visualizar questões mais amplas. Por este

estabelecimento comercial, buscamos reconstruir o ambiente do Rio de Janeiro nas duas

primeiras décadas do século XX, destacando pontos que pudessem contribuir para uma

sociologia de gênero, de elite e da metrópole moderna carioca.

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8 – Epílogo: Em chamas

A empresa prosseguiu com suas atividades nas décadas seguintes, até o fatídico

incêndio que, em 9 de Julho de 1943, destruiu totalmente a sede da Rua Ramalho Ortigão.

Eram os anos finais da Era Vargas, durante o período do Estado Novo. De acordo com o

relato de Charles Dunlop (1963), às oito e meia daquela noite teve início o fogo que

rapidamente se alastrou e tomou conta de todo o prédio. Às dez horas a fachada desabou,

obstruindo completamente a Rua Ramalho Ortigão. Os veículos de mídia impressa deram

destaque à notícia, entre eles a revista Careta:279

Era uma das casas comerciais de maior tradição na cidade, por isso o gigantesco incêndio que a destruiu, pelas suas trágicas proporções, agitou a população que, num gesto de irresistível curiosidade, se movimentou para ver as chamas que devoravam o conhecido “magazin”. A enorme fogueira era vista de quase todos os pontos do Rio. E porque se revestiu de circunstâncias dramáticas, o sinistro do Parc Royal foi o assunto da semana nesta capital.

O periódico A Noite Ilustrada produziu uma extensa matéria sobre o assunto, com

fotos documentais. Sob o título O incêndio do Parc Royal, lia-se o seguinte texto:

O pavoroso incêndio irrompido sexta-feira, dia 9, no Parc Royal, tradicional estabelecimento do comércio carioca, destruindo totalmente o estabelecimento, é considerado um dos maiores, senão o maior já verificado no Rio de Janeiro. Cerca de quinze soldados, entre bombeiros e de outras corporações, foram atingidos durante o combate às chamas, tendo resultado todo esse heroico trabalho em vão. O estabelecimento foi destruído e o prédio em que funcionava igualmente, tendo ruído a frente que formava a Rua Ramalho Ortigão, o Largo de S. Francisco e a Rua Sete de Setembro. A gravura mostra o local do sinistro em uma visão impressionante, abrangendo toda a rua citada, desde o Largo de S. Francisco até a Rua da Carioca. Aí se pode apreciar a obra do fogo em toda a sua extensão. Texto e gravuras na página 8. (A Noite Ilustrada, 13/07/1943)

279 Revista Careta, Nº 1828, 17/07/1943, p. 22.

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Fig. 53. Foto do incêndio, em matéria na Noite Ilustrada - 13/07/1943

Conforme noticiado pela A Noite Ilustrada, quando ocorreu o incêndio o Parc Royal

não estava mais sob o comando da família Ramalho Ortigão, pois José Vasco R.O. havia

falecido em 1932 e seu filho José Duarte R. O. Junior, que chegou a assumir a loja, também

havia falecido, em 1942. Os donos do magazine em 1943 eram José Leite Cerqueira e José

Ferreira Barcelos; suspeitos de provocarem o incêndio deliberadamente, os últimos sócios

foram detidos para averiguações, e José Ferreira Barcelos autuado em flagrante como autor

do ato criminoso. A seguir, a reprodução de outro trecho do relato do periódico:

Às primeiras horas da noite de sexta-feira, 9 do corrente, verificou-se um dos maiores incêndios, senão o maior, e talvez mais trágico. Ardeu o Parc Royal, que era uma tradição do comércio da cidade e que fora até há pouco da família Ramalho Ortigão, estabelecida há longos anos na antiga travessa de São Francisco. Os prejuízos materiais são incalculáveis e há vítimas a lamentar, e, o que é pior, notícias corriam insistentes entre a grande multidão, que era contida a custo nas imediações, entre os inúmeros policiais presentes e até mesmo entre os bravos soldados do fogo, que o incêndio tinha tido origem criminosa, isto é, fora ateado propositadamente. (A Noite Ilustrada, 13/07/1943)

A loja, que se autodenominava “a maior e melhor do Brasil”, protagonizou, segundo

a imprensa, “o maior e talvez mais trágico” incêndio do Rio de Janeiro até então.

O sinistro causou prejuízos aos proprietários e a terceiros. O calor das chamas partiu

muitos vitrais do século XIX da Igreja de São Francisco de Paula. Foram atingidas também

as fachadas das Casas Cruz e Mattos, além de uma confeitaria próxima. No segundo andar

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do prédio, funcionava a sede da Sociedade Nacional de Agricultura e da Sociedade

Brasileira de Química desde 1936; ambas perderam todo o seu acervo arquivístico e

bibliográfico, que continha raridades como o livro Elementos de Química, escrito por José

Coelho Seabra da Silva Telles em 1788.280

O terreno pertencia à Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula mas,

diante da catástrofe, o então prefeito Henrique Dodsworth providenciou a sua aquisição,

tornando-o logradouro público e possibilitando a retomada do controle de tráfego na área.

Ari Barroso e Raul Brunini transmitiram, ao vivo, pela Rádio Tupi, os acontecimentos que

mobilizaram o Rio de Janeiro, na sua primeira reportagem radiofônica direta.281

De acordo com o depoimento de José de Barros Ramalho Ortigão Junior - neto de

Joaquim da Costa, que foi um dos sócios do Parc Royal e tio de José Vasco Ramalho

Ortigão – o magazine encerrou suas atividades após o sinistro ocorrido na sede em 1943 e

seus sócios seguiram adiante utilizando reservas pessoais.

280 O Incêndio da Sociedade Brasileira de Química, Rev. Soc. Bras. Quím., 1943, 12, 190. 281 Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001

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