um breve histÓrico da fotografia em aracaju · popularizou no final dos oitocentos e início do...

16
IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR 2726 UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU Renaldo Ribeiro Rocha * RESUMO Este artigo aborda aspectos da história da fotografia em Aracaju, inserindo-a num contexto nacional, para tanto, um levantamento bibliográfico mais amplo e voltado para a realidade local foi realizado, buscando explicar as mudanças de ordem espacial experimentadas pela capital sergipana, evidenciada em imagens como os cartões postais. Para entendermos a produção imagética em Aracaju nos idos dos oitocentos e na primeira década século XX, foi necessário entender como se processava a atuação dos profissionais retratistas, tanto aqueles radicados na cidade, quanto aqueles que por aqui passaram, vindos das cidades mais desenvolvidas, como, Recife, Salvador e Fortaleza. Palavras-chave: História da fotografia; História cultural; Sergipe República. ABSTRACT This paper discusses the historical aspects of photography in Aracaju, including it in a national context. For that, a wide bibliographical survey focused on the local reality was made- searching to explain the social spatial changes occurred in the capital of Sergipe- highlighted in images such as postcards. In order to understand the imagistic production in Aracaju around 1800 and the first decade of the 20 th century it was necessary to understand how the professional portrait painters action developed itself, not only the ones rooted in the city but also those who went away- coming from more developed cities like Recife, Salvador and Fortaleza. Keywords: History of photography; Cultural history; Sergipe Republic. 1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO IMAGÉTICA Na segunda metade do século XIX, entre Londres e Paris, ocorreu uma verdadeira transformação na forma como a sociedade lidava com os novos bens de consumo, dentro de um vasto processo de industrialização, urbanização e generalização da economia de mercado. Pela primeira vez, graças à tecnologia e à ciência foi possível a reprodução de imagens, * Professor Mestre em Geografia (Formas e processos tradicionais de ocupação territorial: estudos arqueológicos) – Universidade Federal de Sergipe – [email protected]

Upload: nguyenduong

Post on 12-Nov-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2726

UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU

Renaldo Ribeiro Rocha *

RESUMO

Este artigo aborda aspectos da história da fotografia em Aracaju, inserindo-a num contexto nacional, para tanto, um levantamento bibliográfico mais amplo e voltado para a realidade local foi realizado, buscando explicar as mudanças de ordem espacial experimentadas pela capital sergipana, evidenciada em imagens como os cartões postais. Para entendermos a produção imagética em Aracaju nos idos dos oitocentos e na primeira década século XX, foi necessário entender como se processava a atuação dos profissionais retratistas, tanto aqueles radicados na cidade, quanto aqueles que por aqui passaram, vindos das cidades mais desenvolvidas, como, Recife, Salvador e Fortaleza.

Palavras-chave: História da fotografia; História cultural; Sergipe República.

ABSTRACT

This paper discusses the historical aspects of photography in Aracaju, including it in a national context. For that, a wide bibliographical survey focused on the local reality was made- searching to explain the social spatial changes occurred in the capital of Sergipe- highlighted in images such as postcards. In order to understand the imagistic production in Aracaju around 1800 and the first decade of the 20th century it was necessary to understand how the professional portrait painters action developed itself, not only the ones rooted in the city but also those who went away- coming from more developed cities like Recife, Salvador and Fortaleza.

Keywords: History of photography; Cultural history; Sergipe Republic.

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO IMAGÉTICA

Na segunda metade do século XIX, entre Londres e Paris, ocorreu uma verdadeira

transformação na forma como a sociedade lidava com os novos bens de consumo, dentro de

um vasto processo de industrialização, urbanização e generalização da economia de mercado.

Pela primeira vez, graças à tecnologia e à ciência foi possível a reprodução de imagens,

* Professor Mestre em Geografia (Formas e processos tradicionais de ocupação territorial: estudos arqueológicos) – Universidade Federal de Sergipe – [email protected]

Page 2: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2727

através de um processo físico-químico denominado fotografia. No início, a fotografia era cara

e acessível, apenas, a um número restrito de pessoas, desejosas de terem a sua imagem

perpetuada. Tal possibilidade era, até 1839, um privilégio dos mais abastados e das elites, que

podiam permitir-se chamar um pintor para serem retratados.

No entanto, as técnicas de produção associadas a uma rápida modernização tornaram

aquele objeto de desejo cada vez mais acessível ao grande público. Um dos responsáveis por

esse feito foi o fotógrafo francês André Adolphe Eugène Disdéri, criador do cartão de visita,

assim chamado em virtude do pequeno formato da imagem: cerca de 9,5 X 6 cm, montada

sobre suporte de 10 X 6,5cm. Apesar de simples e pouco oneroso, o cartão de visita tinha

aparência elegante em virtude da montagem em cartões-suporte rígidos, de boa gramatura.

Assim, no Brasil a partir de 1870 um número considerável de profissionais passou a

atuar, tornando a fotografia, uma possibilidade acessível a uma maior quantidade de pessoas,

sobretudo àquelas que viviam nos centros urbanos mais populosos. O tipo de imagem que se

popularizou no final dos oitocentos e início do século XX é o cartão de visita e os cartões

postais, que, além do seu baixo custo e fácil circulação, disseminavam uma visão idealizada

da realidade, compartilhada por aqueles que ficavam distantes e recebiam souvenirs de locais

significativos das cidades, cenas típicas e pitorescas, além das imagens plasmadas no papel

para quem estava distante.

No Brasil, os fotógrafos passaram a prestar seus serviços em regiões cada vez mais

longínquas dos grandes centros urbanos, onde a aceitação da nova moda levou esses

desbravadores a percorrer diversas capitais menos populosas e cidades no interior das

províncias e ou futuros estados, difundindo a técnica juntamente com o gosto pela fotografia.

Seguindo a trilha desses flaneurs, ao mesmo tempo idealistas e com senso de oportunidade,

pretendemos entender como se processou, em Sergipe, a construção de um discurso de

civilidade e modernidade a partir das lentes de profissionais que registraram as imagens na

capital, compondo um corpus documental passível de análise na sua conjuntura social e

cultural. Para a realização da pesquisa, tomamos como parâmetro os procedimentos da Nova

História Cultural. O principal conceito empregado tem sido o de representação, partindo das

leituras e interpretações de obras de Roger Chartier. Para ele, ao criarem representações, seus

artífices descrevem a realidade tal como pensam que ela é ou como gostariam que fosse.

Deixam entrever interesses pessoais e de grupo. A análise das fontes tomará esse conceito

como um dos elementos norteadores na elaboração do presente artigo, percebendo ser

Page 3: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2728

fundamental no ofício do historiador a identificação do modo como em diferentes lugares e

momentos uma determinada realidade social é construída, pensada e interpretada.

Um segundo pressuposto teórico de ordem histórico-semiótico contribuirá de forma

decisiva para uma análise da mensagem fotográfica, como um fenômeno de produção de

sentido e, para tanto, dois conceitos históricos são fundamentais: cultura e ideologia. Tais

conceitos revelam tanto o quadro cultural, no qual a mensagem foi concebida, quanto as

escolhas efetivamente realizadas, de acordo com a dinâmica social do momento.

É justamente compreendendo o comportamento humano como comunicação que a

cultura adquire sua dimensão semiótica, ou seja, o comportamento humano, enquanto forma

comunicativa, deverá transmitir mensagem, que por sua vez, exige a utilização de códigos.

Segundo Eco (2009, p. 16), assumir o ponto de vista semiótico para a análise da cultura não

“significa reduzir o conjunto da vida material a puros eventos mentais, significa, acima de

tudo, que estudar a cultura como fenômeno de comunicação baseado em sistemas de

significação (códigos), permite esclarecê-la em seus mecanismos fundamentais”.

Se a cultura comunica, a ideologia estrutura a comunicação. Para Verón (1980, p.

199), não existe um nível ideológico separado dos outros níveis da sociedade. A ideologia

corta todo o social verticalmente: “não existe superestrutura ideológica porque sem ideologia,

isto é, sem produção social de sentido não haveria nem mercado, nem capital, nem mais

valia”. Portanto, a ideologia funciona como uma categoria historicamente determinada.

Tanto em Verón (1980) como em Eco (2009), cultura e ideologia são dois conceitos

complementares e necessários para uma compreensão mais profunda da produção de sentido

ao longo da História. Nesse sentido, segundo Mauad (1990, p. 18):

ao compreendermos a fotografia como uma forma comunicativa e um documento passível de análise, levando em conta a totalidade do seu processo produtivo, desde o clic da máquina até a veiculação, circulação e consumo da imagem fotográfica, poderemos perceber as implicações de ordem cultural e ideológica, presentes na elaboração de uma dada fotografia como uma escolha realizada num conjunto de escolhas possíveis, que testemunham um quadro de percepção da realidade de uma época. Para tanto, alguns autores constituem-se como elementos norteadores dessa construção histórico semiótica dada a sua relevância teórica.

A fotografia, como fruto do desenvolvimento tecnológico, exerceu uma profunda

influência nos hábitos da sociedade contemporânea. Autores como Barthes (1984)

contribuíram, de maneira decisiva, para a análise da fotografia enquanto um signo, passível de

interpretação, carregado de significado. Desse modo, o autor francês, atuou como um

intérprete das imagens, realizando uma análise de caráter histórico-semiótico fundamental

Page 4: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2729

para entendermos os meandros inerentes a tais elementos culturais, fruto de um conjunto de

regras convencionais específicas.

O historiador inglês Burke (2004) constitui, também, uma leitura obrigatória para os

que pretendem compreender e trabalhar com a história cultural, como demonstrado na obra

“Testemunha ocular: história e imagem”, na qual o autor revisa gráficos, fotografias, filmes e

outros meios de comunicação e examina seus usos pragmáticos. Construindo uma defesa

completa e apaixonada da produção imagética como fonte histórica, Burke (2004) argumenta

que as imagens não devem ser consideradas simples espelhamentos de suas épocas e lugares,

mas, sim, extensões mais complexas dos contextos sociais em que elas foram produzidas.

Faz parte também do trabalho desse autor, uma obra fundamental para entender os

caminhos percorridos pela história cultural, ao longo das últimas décadas. O livro “O que é

história cultural” (BURKE, 2005), que apresenta de maneira sintética, mas profunda, as

principais correntes ligadas ao que ele denominou de “virada cultural”, fato ocorrido a partir

dos anos 70 do século XX, quando os estudos históricos passaram a se voltar na direção de

grupos particulares, em locais e períodos específicos, nos quais as distinções culturais

assumem uma importância maior que os elementos políticos e econômicos. Há, a partir de

então, uma valorização da dimensão simbólica e de suas interpretações como área privilegiada

na qual os historiadores passaram a atuar, multiplicando, dessa forma, os objetos ou campos

de estudo.

Autores como Benjamin (Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política, 1994);

Sontag (Sobre fotografia, 2004); Freund (La fotografia como documento social, 2002) e; no

Brasil: Kossoy (A fotografia como fonte histórica: introdução à pesquisa e interpretação das

imagens do passado, 1980a; Origens e expansão da fotografia no Brasil: século XIX, 1980b;

Fotografia e história, 2001; Realidades e ficções na trama fotográfica, 2002a; Dicionário

histórico brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910), 2002b; Fotografia

e memória: reconstituição por meio da fotografia. In: O fotográfico, 2005).

Também convém mencionar Fabris (Fotografia: usos e funções no século XIX, 1998.

Identidades virtuais: Uma leitura do retrato fotográfico, 2004), Mauad (Sob o signo da

imagem: a produção da fotografia e o controle dos códigos de representação social da classe

dominante, no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX, 1990; Posses e flagrantes:

Ensaios sobre história e fotografias, 2008a; Fotografia e história: possibilidades de análise. In:

A leitura na pesquisa social. 2008b). Turazzi (Poses e trejeitos: A fotografia e as exposições

na era do espetáculo (1839-1889), 1995). Vasquez (Postaes do Brasil: 1893-1930, 2002; O

Page 5: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2730

Brasil na fotografia oitocentista, 2003), dentre outros, que desenvolveram importantes estudos

acerca da natureza da imagem fotográfica, suas mudanças e modismos, além dos impactos

culturais na sociedade.

No Brasil, os paradigmas estabelecidos pela Nova História Cultural só serão

percebidos mais claramente a partir dos anos 80, quando houve um significativo aumento na

tradução de obras de referência provenientes da Europa e dos Estados Unidos. As mesmas

passaram a instigar novos trabalhos acadêmicos, desbravadores de uma seara, onde tudo

estava por fazer. Desse período são as primeiras incursões de Boris Kossoy, ao sistematizar

manuais que trouxessem a lume um vasto campo de pesquisa, com uma expressiva produção

intelectual, fornecedora de subsídios para o aprimoramento das pesquisas que aproximaram a

história e a fotografia, como um elemento sujeito ao escrutínio do historiador, na busca de

uma construção teórica capaz de redimir o ostracismo ao qual a fotografia estava legada no

Brasil.

As obras de Boris Kossoy apresentam uma clareza de proposta e uma linguagem que

não se perde no artificialismo vazio de alguns intelectuais, preocupados em mistificar a

produção historiográfica, afastando eventuais neófitos do campo da pesquisa histórica. A

partir de suas obras, os pesquisadores passaram a dispor de uma nova ferramenta para

desvendar antigos circuitos, fotógrafos esquecidos, modos de confecção de fotografias e até

mesmo o inusitado pioneirismo da produção fotográfica no Brasil, através do estudo seminal

sobre a vida e a descoberta da fotografia, por Hercule Florence, em 1833, na atual cidade de

Campinas.

Os demais autores supracitados contribuíram de forma decisiva para a produção do

conhecimento da história da fotografia no Brasil, das suas múltiplas ramificações, como o

cartão postal, as grandes exposições nacionais e internacionais, onde imagens de paisagens do

Brasil e sua exuberante natureza compunham uma das especialidades dos antigos fotógrafos.

Além disso, elucidaram uma gama de representações imagéticas de cidades e tipos humanos,

trazidas ao público por um variado número de profissionais ou amadores, atuantes nas cidades

mais populosas, como também nas recônditas cidades de um país de proporções continentais

como o nosso.

Em meio a essas considerações acerca do papel que a fotografia pode desempenhar

como importante fonte documental na elaboração do conhecimento histórico, alguns trabalhos

acadêmicos em Sergipe contribuíram para a sistematização de informações presentes nas

coleções de instituições particulares e públicas, carecendo, porém, de uma maior análise

Page 6: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2731

crítica e histórica de tais acervos trabalhados por alguns precursores(as) no trato com a

fotografia sergipana.

O fotógrafo Andrade (1989), ao produzir de forma pioneira o trabalho “Fotografia:

aspectos da evolução em Sergipe”, trouxe a lume uma série de nomes de fotógrafos que

atuaram em Aracaju no final dos oitocentos e início do século XX, realizando um

levantamento no acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), pouco

explorado até então. A obra tem o mérito de elencar, mesmo de forma parcial, através dos

anúncios de jornais, a atuação e o surgimento dos primeiros estabelecimentos comerciais

ligados à venda de fotografias e seus produtos de fabricação.

Barboza (1992) desenvolveu um amplo levantamento fotográfico, evidenciando uma

variedade de imagens que o público leigo não tinha acesso, por se tratar de um tipo de suporte

distribuído de forma irregular nas instituições de guarda da memória sergipana, além de

constituir um acervo pouco explorado no universo acadêmico. O trabalho tem como

propositura uma análise pormenorizada da vida social aracajuana – lazer, atividades

produtivas, transporte, moda, religiosidade e paisagem urbana – nas décadas de 20 e 30 do

século passado. A obra, porém, atem-se a uma sequência descritiva das estruturas construtivas

do centro de Aracaju, estabelecendo um diálogo com fontes secundárias que complementam

as informações não contidas nas fotografias. O presente trabalho tem o mérito de ter sido o

primeiro a constituir um corpus documental sequenciado temporalmente.

No trabalho monográfico de Campello (2004) realizou-se uma meticulosa catalogação

do acervo da Biblioteca Pública Epifânio Dória (BPED), quanto aos Cartes de visite,

disponibilizando um material de significativa relevância para a pesquisa imagética em

Sergipe. Elaborou um mecanismo classificatório, cujas informações técnicas das fotografias

estão coerentemente elencadas, e trouxe informações precisas que facilitarão o bom

andamento do processo investigativo.

Na dissertação de Diniz (2009), verifica-se a utilização de farta amostragem imagética,

garimpada em acervos particulares e públicos, com o objetivo de evidenciar as transformações

urbanas verificadas em Aracaju ao longo do século XX, a partir da junção de fotografias e

cartões-postais em um conjunto representativo da forma pela qual a imagem da cidade foi

sendo construída. No referido trabalho, o processo de desenvolvimento urbano é bem

evidenciado, porém, a fotografia entra como um acessório, tendo em vista a superficial análise

que a autora faz das mesmas.

Page 7: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2732

Portanto, em função do exposto, faz-se necessário um estudo mais abrangente da

produção fotográfica em Aracaju e do seu contexto social e cultural, enfatizando como a

sociedade local se percebia nessa época e materializava imageticamente a sua representação,

propiciando, desse modo, a construção de um status de cidade que se pretendia moderna e

próspera, em consonância com os ditames provenientes dos grandes centros brasileiros.

Entretanto, tal construção tinha um forte apelo ideológico, perpetuador das exclusões sociais,

visíveis numa produção de fotografias e postais, na qual se evidenciava de forma majoritária o

que era considerado belo e monumental, em detrimento de uma cidade que não era composta

apenas pelo seu centro histórico e ruas adjacentes.

1.1 A Produção Fotográfica em Aracaju (1875-1915)

Para uma melhor compreensão da produção imagética em Aracaju nos idos dos

oitocentos, algumas considerações são oportunas no que se referem aos seus primeiros

decênios, ainda como uma jovem cidade, recém-implementada e fruto da ação determinada do

Presidente da Província Inácio Joaquim Barbosa e do Barão de Maroim. A esse respeito,

Cardoso (2002, p. 232) menciona:

A nova capital foi concebida para ser um modelo de cidade portuária, geométrica e arborizada – para facilitar a livre circulação; uma vanguarda da higiene urbanística frente à colonial São Cristóvão, antiga capital, com ruas estreitas, topografia irregular e porto precário. Aracaju seria um símbolo da ideia de progresso liberal disseminada pelo Império, embora numa sociedade escravista.

Vencida a resistência dos que advogavam à manutenção da capital de Sergipe em São

Cristóvão, as primeiras décadas de implantação dessa nova capital trouxeram consigo uma

situação de inegável provincianismo, só relativamente superado nos anos de 1920, quando

obras de maior envergadura começaram a ser efetivadas em Aracaju. Porto (1991, p. 22-3)

apresenta uma visão da administração provincial, ao afirmar:

Aracaju enchafurdou-se na lama durante o período monárquico, às mãos de uma Câmara Municipal paupérrima e de um Governo Provincial desinteressado. Outro resultado não se poderia esperar de uma Província que, durante 44 anos de 1855 a 1889, foi administrada efetivamente por 30 presidentes e interinamente por 31 vice-presidentes. Impossível obter-se continuidade de ação com administrações relâmpagos e presidentes estranhos ao nosso meio. Tivemos que esperar o período republicano para assistirmos a trabalhos de vulto no melhoramento das condições da capital.

Page 8: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2733

Diversos autores propuseram interpretações variadas quanto à vida na capital de

Sergipe durante o século XIX, porém, alguns jornais da época nos fornecem um quadro das

preocupações de antanho. Santos (2008, p. 22-3) coligiu momentos representativos das

demandas aracajuanas:

Aracaju é uma cidade toda oficial. Sua população cresce lentamente. Uma localidade das mais insalubres da Província, cujas condições higiênicas pouco têm melhorado. Deveria ser uma cidade que convidasse os homens ricos da Província ter aqui suas casas e pudessem atrair os habitantes de outros pontos (A Liberdade, nº 44, 28/12/1874). A comissão de engenharia mede, torna a medir, dá alinhamento, cobra-os e as casas aí estão para quem quiser ver passar o olho. Umas para dentro e outras para fora, janelas grandes, pequenas, quadradas e de todo feitio (A Liberdade, nº 9, 26/04/1874). Dentre os diversos animais que freqüentavam as ruas desta capital há um burro pertencente ao Sr. Paulino Bomfim, que costuma correr atrás do transeunte para mordê-lo. Para prevenir qualquer acidente lamentável, convém que o semelhante quadrúpede, com honras de cão, seja cassado o direito de cidade, e neste sentido nos dirigimos à Câmara Municipal (O Diário Popular, 1879). Os despejos são feitos diariamente das sete do dia até as duas horas da tarde atravessando os vasos de matérias fecais pelas ruas e praças mais públicas desta capital transformadas em pasto de bovinos, muares e cavalares (O Matinal, 1897).

Diante desse cenário pouco lisonjeiro e condições econômicas pouco atraentes,

podemos constatar, que diversos profissionais e ou amadores da produção fotográfica,

deixaram evidências materiais dessa época, atestando uma produção relativamente fecunda.

Os acervos do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e da Biblioteca Pública

Ephifânio Dória (BPED) comprovam que esses fotógrafos andaram por diversas cidades de

Sergipe.

A itinerância foi a primeira modalidade de atuação desses profissionais da imagem,

que ofereciam os seus serviços em jornais locais a partir dos anos 70 do século XIX. Percebe-

se um elemento comum nesses anúncios, ou seja, a forma como eram direcionados. Todos os

profissionais passavam exíguas temporadas na cidade e deviam ser procurados com urgência,

caso desejassem ter contato com o que existia de mais moderno na arte da fotografia. O apelo

à modernidade e ao uso de novas técnicas constituíram o trunfo desses profissionais que se

diziam experimentados em seu ofício.

A respeito dessa itinerância, também verificada em Sergipe, Kossoy (2002a, p. 25),

informa:

Foram os pequenos fotógrafos – anônimos, itinerantes, ‘volantes’, ambulantes, vários deles exercendo diferentes ofícios para sobreviver, percorrendo longas distâncias a vapor, de trem ou sobre o lombo de animais, viajando de vila em vila pelos mais afastados rincões deste país em busca de clientes – que contribuíram para

Page 9: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2734

a fixação da imagem do homem brasileiro. Foram esses desconhecidos viajantes que, com suas pesadas câmaras e estranhos equipamentos, captaram a imagem do indivíduo e do grupo familiar: suas fisionomias, seus ritos de passagem, seus eventos mais representativos. Representações que, gravadas nos diferentes suportes fotográficos, são vestígios documentais de múltiplas existências: deles próprios enquanto retratistas e de seus retratados. Dentre esses fotógrafos, muitos se anunciavam nos periódicos das cidades por onde passavam.

Ao contrário do que possa parecer, essa modalidade de trabalho com a fotografia não

ficou limitada ao final dos oitocentos, mas enveredou-se, também, nas primeiras décadas do

século XX, em Aracaju, passando a contar com fotógrafos residentes na capital e com aqueles

que nela ficavam curtas temporadas, como se evidencia nos seguintes anúncios:

PHOTOGRAPHIA LEOBARDO Rua de Santo Amaro Maria Izabel da Rocha previne ao público, que em substituição a seu falecido pae, e achando-se competentemente habilitada a exercer a arte photographica, tem resolvido adoptar esta profissão, continuando com o mesmo atelier e pedindo aos dignos freguezes do seu finado pae a continuação de sua preferência e protecção. Garantem-se a máxima perfeição, e maior cuidado nos trabalhos que lhe forem confiados, em vista da pratica e conhecimento adquiridos como auxiliar do seu pae. Modicidade nos preços. Atelier – Rua Santo Amaro. (Correio de Aracaju, p.4, 20/12/1908).

PHOTOGRAFO Está n’esta capital o distincto photographo Sr. Moura Quineau que vem tnentar o seu moderno “atelier” brevemente. Na livraria Brazileira estão em exposição diversos retractos para os quaes chamamos a atenção dos nossos leitores. (Correio de Aracaju, p.2, 24/01/1909).

PHOTOGRAFIA NORTE DO BRASIL A rua de Laranjeiras, é a única que satisfaz o bom gosto de sua numerosa clientela. É a única que dá provas de retratos, antes de entregar a encomenda, ficando assim o cliente convicto do que vai receber. É a única que tem o privilegio de fazer um feio bonito, elegente e sympathico, sem desaparecer o retratando: só isso é de um valor incontestável. Todo o material empregado na manipulação de retratos, é de primeira ordem, tratando-se de retratos tirados em nosso estabelecimento. Todos os vestidos brancos ou de cores claras, são próprios para um bom retrato, fazendo-se excepção dos vestidos pretos, que matão a photographia. Horário – das 10 horas da manhã as 3 da tarde, todos os dias. O Director Moura Quineau. (Correio de Aracaju, p. 3, 24/10/1909).

PHOTOGRAPHIA O Professor Flavio de Barros,conhecido photographo na capital da Bahia, achando-se de passeio nesta cidade deseja ter o prazer de photographar-vos e a Exma. Familia. Retratos de todos os tamanhos, desde para medalhas até tamanho natural. Grupos , vistas, pic-nics, etc. Retratos coloridos ou não em porcelana ou em vidro para quadros, etc. ESPECIALIDADES PARA FESTAS. Retratos em cartão postal, tanto para homem, como para senhoras ou creanças, grupos, etc, quer em papel electro-bromo simples ou colorido. Ensina o processo de electro-pintura, pelo qual ,qualquer creança pode sem mesmo saber desenho, colorir qualquer retrato. Preços ao alcance de todas as bolsas.Trabalho garantido

Page 10: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2735

Aceita chamados para casas particulares. (A Razão, p. 3, 06/02/1910).

F. DU BOCAGE PHOT. IND. E ART. Perfeita execução de retratos por processos de sua exclusiva propriedade. Ampliações a crayon, sépia, pastel e sépia-pasteline. Riquissimas molduras e passe-partout. Importação directa de camaras photographicas, chapas, films, papeis e productos chimicos dos melhores fabricantes.

RESIDENCIA: HOTEL BRASIL Aceita chamados para residência das pessoas que desejam photographar-se. ( Diario da Manha, p.4, 20/03/1912).

PHOTOGRAPHIA BARRETTO O proprietario d’este estabelecimento encarrega-se de quaesquer trabalhos concernentes á arte photographica. Prepara ampliações com passe-partout e moldura, que para isto dispõe de um grande sortimento de cartões simples e de phantasia; dá provas antes da entrega dos retratos, e offerece todas as vantagens em preços. Uma visita á PHOTOGRAPHIA BARRETTO, rua de S. Cristovão, 35. ( Diário da Manhã, p.4, 16/03/1912). ARACAJU

PHOTOGRAFIA BARRETTO Acaba de receber um grande sortimento de molduras, podendo vender por preços baratíssimos. Encarrega-se de preparar quadros. Previne ao povo aracajuano que tendo o seu atelier photographico passado por uma grande reforma, e estando preparado pelo sistema mais moderno, pode executar qualquer trabalho com perfeição. Inclusive as apreciadas ampliações. O salão do povo acha-se aberto das 8 horas da manhã as 5 da tarde. Os preços são os mais rasoaveis da actualidade. Rua de S. Christovam, 35. (Correio de Aracaju, p. 2, 04/01/1914).

A capital comportava um número mais expressivo de fotógrafos nos primeiros

decênios do século XX, período em que experimentou os lampejos de uma urbanização tardia,

porém, efetivada em diversas administrações, cujas realizações dotaram-na de uma melhor

aparência. Segundo Dantas (2004, p. 35-6):

José Siqueira de Menezes, o novo presidente estadual, eleito sem competidor para o período 1911/1914, apresentou-se com programa ambicioso: obras de saneamento (esgoto e drenagem) de Aracaju, serviços d’água e de iluminação elétrica, construção de prédios públicos. Ao final não realizou tudo que planejou, mas inaugurou o trecho da Estrada de Ferro que chegava a Aracaju, assim como a iluminação elétrica.

Aracaju carecia de uma série de benfeitorias urbanas capazes de dotá-la de ares mais

modernos, tornando-a, de fato, uma cidade urbanizada e próxima das suas congêneres. Porém,

ao analisar os postais dessa época, o que fica patente é um discurso calcado na ideia de

grandiloquência, que expõe preferencialmente os maiores prédios públicos: como igrejas,

praças e jardins, dentre outras expressões do poder oficial. Esse alinhamento da produção

imagética aracajuana remete a um ideário em conformidade e sintonia com o padrão estético e

Page 11: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2736

cultural daqueles produtores de imagens, cuja atuação legou uma herança de uma cidade que

insistia em dar as costas para o seu passado, apresentando-se como uma capital atenta apenas

ao seu futuro. A respeito desse modelo de produção imagética tão em voga no início do século

passado, Vasquez (2002, p. 65) esclarece:

[...] A República Velha não foi de forma alguma a época de idílica tranqüilidade que pode ser imaginada com base na contemplação descontextualizada dos cartões-postais. Fotografias antigas mentem, cartões-postais fotográficos mentem mais ainda, pois são feitos a partir de fotografias que, longe de exibir a realidade tal como ela é, oferece uma visão idealizada desta, mostram um panorama “aperfeiçoado”, que não chega a ser falso – posto que baseado em dados concretos, visíveis, reproduzíveis -, mas não inteiramente real, pois só tem focalizado a melhor faceta. Postura por sinal perfeitamente compreensível, pois, assim como ninguém vai ao fotógrafo para retratar-se quando barbado, suarento e maltrapilho, também ninguém desejaria adquirir cartões-postais excessivamente realistas, mostrando as zonas sórdidas, esburacadas e em ruínas de uma cidade. Mesmo em cidades menos conhecidas ou em localidades periféricas, existia o sentimento dominante de orgulho e otimismo indispensável à produção de cartões-postais paisagísticos.

Com o intuito, de exemplificar a atuação desses homens e de uma mulher, no cenário

fotográfico sergipano, Rocha (2004, p. 134), propôs a tabulação de alguns dados referentes a

um período de 40 anos, no qual destacaram-se os seguintes profissionais:

Quadro 1: A Fotografia em Sergipe (1875-1915)

FOTÓGRAFO PERÍODO DE ATUAÇÃO

PROPAGANDA EM JORNAIS

TRABALHO DESENVOLVIDO

Benjamim Francisco Brandão

1873-? - Jornal do Aracaju -O Cansanção

- Permanente (1873-?) * Rua de Maroim, Aracaju

João Goston 1873-1876 - Jornal do Aracaju

- Itinerante (1873-76) * Rua de São Cristóvão

Francisco Vidal Pratas 1877-1881 - Diário de Sergipe - Echo Liberal

- Itinerante (1877-80) * Rua de Japaratuba, Aracaju - Permanente (1881-?): * Rua São Cristóvão, Aracaju

Ignacio Fernandes Mendo

1881-1884 - Echo Sergipano - Itinerante (1881-84) * ?

Manoel Leobardo Rodri-gues da Rocha

1881-1908 - Correio de Sergipe - Gazeta de Sergipe - Folha de Sergipe

- Itinerante (1881-?) * Rua São Cristóvão, Aracaju - Permanente (1890-1908) * Rua Japaratuba, Aracaju * Rua Santo Amaro, Aracaju

Adolpho Lindemann 1885- ?

- Diário de Aracaju

- Itinerante (1885) * Rua São Cristóvão, Aracaju.

Renato Bastos 1906-1915 - Correio de Aracaju - Permanente (1906-15) * Rua S. Cristóvão

Maria Izabel da Rocha (filha de Manoel Leobardo Rodrigues da Rocha)

1908-1911 - Correio de Aracaju - Folha de Sergipe

- Permanente: * Rua Santo Amaro * Rua São Cristóvão, Aracaju

Moura Quineau 1909-1913 - Correio de Aracaju - Itinerante (1909-1913)

Page 12: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2737

*Rua de Laranjeiras Augusto Flavio de Barros 1910-? - Correio de Aracaju

- A Razão - Itinerante (1910) * Rua S. Cristóvão

Francisco Du Bocage 1912-? - Diário da Manhã - Itinerante (1912) * Praça Fausto Cardoso (Hotel Brasil).

Fonte: Rocha (2004, p. 134).

Percebendo a marcante presença de fotógrafos representativos no cenário regional,

quer seja como típicos produtores de cartões de visita ou cartão postal, alguns nomes

merecem uma menção particular, pois notabilizaram-se nas suas trajetórias profissionais, de

modo particular: João Goston, fotógrafo e relojoeiro, foi um dos pioneiros na daguerreotipia

soteropolitana, como também na produção de cartões de visita. Desde 1862, atuou

seguidamente em Maceió (1876-1881), assim como em Aracaju, por um período mais curto.

Um retratista por definição, produziu belos exemplares de cartões de visita em Aracaju (Fotos

1 e 2).

Foto 1: Cartão de visita (frente e verso) – Juvenal de Oliveira Andrade. Fonte: Acervo da Biblioteca Pública Epifânio Dória.

Foto 2: Cartão de visita (frente e verso) – Brício Cardoso. Fonte: Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

Augusto Flavio de Barros deixou a sua marca graças a uma série de sessenta e oito

fotografias, intitulada “Álbum de Canudos”, um conjunto de imagens relativas à Guerra de

Canudos, afinal, Barros havia sido contratado pelos comandantes militares para fotografar a

sua vitória perante os insurgentes do sertão baiano. A sua passagem por Aracaju esteve

vinculada à produção de retratos e cartões-postais (Fotos 3 e 4).

Segundo Vasquez (2003, p. 78-9), o fotógrafo Francisco Du Bocage

teve a oportunidade de fotografar a cidade quando ela ainda mantinha intacta a beleza urbanística iniciada no período de Maurício de Nassau, que fez do Recife das

Page 13: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2738

mais belas localidades do Brasil imperial, e, por outro lado, começava a sofrer um intenso processo de modernização, do qual ele foi um observador privilegiado.

Em Recife, foi proprietário da empresa Centro Photographico de Pernambuco, onde

pôde registrar os costumes pernambucanos, velhas ruas, belas igrejas, tudo sujeito à

inclemente ação modernizadora tão em voga no Brasil, no início do século XX. Atuou

também em Aracaju, como atestam os anúncios do período (Foto 5).

Foto 3: Ruínas da Igreja Velha de Santo Antônio, 1897 – Flávio de

Barros. Fonte: http://www.girafamania.com.br

Foto 4: Autorretrato de Augusto Flávio de Barros, 1897. Fonte: http://www.girafamania.com.br

Foto 5: Demolições no bairro do Recife, 1910 – Francisco du Bocage. Fonte: Coleção da Secretaria de Educação e Cultura do Município do Recife – Disponível em: http://gisakika.blogspot.com.br

Page 14: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2739

Outro exemplo de atuação regional foi aquela empreendida pelo fotógrafo e

projecionista Moura Quineau, cuja presença foi atestada em anúncios de jornais, em cidades

como: Teresina, Fortaleza, Sobral e, por quatro anos, em Aracaju, com a sua Photographia

Norte do Brasil. Nos seus anúncios evidenciavam-se as mais variadas técnicas para a

realização dos melhores retratos (Foto 6).

Foto 6: João da Silva Melo – Moura Quineau. Fonte: Acervo da Biblioteca Pública Epifânio Dória.

A partir do exposto, verifica-se que a ação desses profissionais não foi de todo irrisória

em terras de Sergipe, mesmo em atuações temporárias, como foi o caso de muitos retratistas.

Eles legaram um acervo que ainda pode e será devidamente esquadrinhado e analisado em

futuras pesquisas, compondo um quadro mais abrangente desses profissionais que

perpetuaram uma realidade não mais existente, apresentando-nos um passado repleto de

significado.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Jairo. Fotografia: aspectos da evolução em Sergipe. Aracaju: Ótica Santana, 1989.

BARBOZA, Naide. Em busca de imagens perdidas: centro histórico de Aracaju – 1900-1940. Aracaju: fundação cultural cidade de Aracaju, 1992.

Page 15: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2740

BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru-SP: EDUSC, 2004.

_______. O que é história cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

CAMPELLO, Lorena de Oliveira Souza. Catálogo do acervo fotográfico da Biblioteca Pública Estadual Epifânio Dória. 385f. 2004. São Cristóvão Monografia (Graduação em História), Universidade Federal de Sergipe, 2004.

CARDOSO, Amâncio. Aracaju no tempo do cólera (1855-1856). Revista de Aracaju, Aracaju, v. 1, n. 9, FUNCAJU, 2002, p. 231-241.

CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Bertrand; Rio de Janeiro: DIFEL, 1990.

_______. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietude. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

DANTAS, Ibarê. História de Sergipe República (1889-2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.

DINIZ, Dora Neuza Leal. Aracaju : A construção da Imagem da cidade. 270f. 2009. Dissertação (Mestrado em Arquitetura), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2009.

ECO, Umberto. Tratado geral de semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2009.

EDGAR, Andrew; SEDGWICK, Peter. Teoria cultural de A a Z: conceitos chaves para entender o mundo contemporâneo. São Paulo: Contexto, 2003.

EHRLICH, Richard. Dicionário de fotografia. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1986.

FREUND, Gisele. La fotografia como documento social. 10. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2002.

KOSSOY, Borris. A fotografia como fonte histórica: introdução à pesquisa e interpretação das imagens do passado. São Paulo: Museu da Indústria, Comércio e Tecnologia, 1980a.

_______. Origens e expansão da fotografia no Brasil: século XIX. Rio de Janeiro: Funarte, 1980b.

_______. Fotografia e história. 2 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

_______. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2002a.

_______. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e oficio da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Sales, 2002b.

Page 16: UM BREVE HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA EM ARACAJU · popularizou no final dos oitocentos e início do ... desbravadores a percorrer diversas capitais ... conhecimento da história da fotografia

IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

2741

_______. Fotografia e memória: reconstituição por meio da fotografia. In: O fotográfico. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 2005.

MAUAD, Ana Maria. Sob o signo da imagem: A produção da fotografia e o controle dos códigos de representação social da classe dominante, no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX. Rio de Janeiro: UFF, 1990.

PORTO, Fernando. A cidade do Aracaju (1855-1865): Ensaio sobre a evolução urbana. Aracaju: Governo de Sergipe/FUNDESC, 1991.

ROCHA, Renaldo Ribeiro. O engenho sergipano na sua materialidade: Escurial, um estudo de caso (1850-1930). 176f. 2004. Dissertação (Mestrado em Geografia), Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2004.

SANTOS, Maria Nely. Aracaju : Um olhar sobre sua evolução. Aracaju: Triunfo, 2008.

SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

TURAZZI, Maria Inez. Poses e trejeitos: a fotografia e as exposições na era do espetáculo (1839-1889). Rio de Janeiro: Rocco, 1995.

VASQUEZ, Pedro Karp. Postaes do Brasil (1893-1930). São Paulo: Metalivros, 2002.

_______. O Brasil na fotografia oitocentista. São Paulo: Metalivros, 2003.

VERÓN, Eliseo. Produção de sentido. São Paulo: Cultive/EDUSP, 1980.

Fontes impressas:

A Razão (1910).

Correio de Aracaju (1906-1915).

Diário da Manhã (1912).

Diário de Sergipe (1877).

Echo Sergipano (1881-1884).

Echo Liberal (1881).

Folha de Sergipe (1908-1909).

Gazeta de Sergipe (1890).

Jornal do Aracaju (1873-1876).