um brasileiro honesto

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m:,çnfffilifgfil RuthdeAquino e colunista de POCA raquino@ edglobo.com.br STAVAALI, NA POLTRONA 13 DO ÔNIBUS que faz a rota Friburgo-Rio. Um celular esquecido pelo passageiro. Entre a poltrona e o vidro, havia algo mais. O motorista Joilson Chagas, de 31 anos, abriu o "pacote rústico" e tomou um susto. Nunca tinha visto tanto dinheiro junto: R$ 74.800. Não passou aos superiores. tentador. Nessa hora, nem nos colegas a gente confia." Por sorte ou destino, Ioilson conseguiu devolver tudo ao dono. "O dinheiro não era meu. É bom ficar com o que é nosso." Joilson levou o dinheiro de volta a Friburgo. Ao chegar ao ponto final, na Ponte da Saudade, avistou um senhor humilde chorando na porta da padaria. "Perdi um celular", drzía ele, "deve ter sido no cen- tro do Rio." foilson perguntou: "O celular é este?'l O senhor, agricultor de 80 anos, emocionou-se: esse mesmo. Não tinha mais nada no ônibus?'1 |oil- son disse que ele precisava explicar direitinho o que perdera. E ele falou: "Eram R$ 74.800 para pagar o transplante de minha filha, que não é coberto pelo SUS". Joilson entregou o pacote e não aceitou recom- pensa. "O inheiro estava contado para a cirurgia e em Friburgo, |oilson perdeu a casa, os móveis, e mora de favor na casa da irmã. A escola onde sua mulher era professora também foi levada pe- las águas. Agora, ela costura. Joilson constrói uma nova casa. Trabalha 16 horas por dia como motorista, faz duas viagens de ida e volta no ôni- bus da Viação 1001, tem uma folga por semana. "Cai na segunda ou na terça." O primeiro ônibus sai às 5h30 de Friburgo. Ganha R$ 1.000líquidos por mês, mas paga R$ 500 ao pedrei- ro que ergue sua "casinha". Joilson faz biscates de pintura:'A necessidade faz o sapo pular". Seu único bem hoje é uma "motinha". as ele con- fia que "Deus está abrindo portas" e se preocupa com muita gente em Friburgo ainda abandonada em abri- gos. Seu sonho é ter negócio próprio. Uma loja de autopeças. "Sempre vesti a camisa das empresas em que trabalhei, mas queria ter uma lojinha." Depois da enchente, a empresa deu a ele "uma cama de solteiro para o filho, um guarda-roupa de três portas e um sofazinho". Joilson gosta de diminutivos. Porque a vida sempre correu assim. Da casa para o trabalho, a estrada, os engarrafamentos, a paciência com passageiros mais estressados. A igreja e a beira do rio, onde pesca de an- zol. "Meu lazer é ver televisão com a família comendo uma pipoquinha." A atitude de foilson não the rendeu alegria. uando descansava no dormitório empresa, alguns colegas joga- ru O motorista que devolveu os R$ 75 mil que achou no ônibus ganha R$ I.OOO por mês de salário e perdeu a casa nas chuvas Ksx§§x de,&qex§xxry I-lrnbrasllelro honeslo para a passagem. Eu não po- dia aceitar nada", ele me disse. "Também sou pai de família." A história de Joilson aconte- ceu no dia 19 de abril e correu mundo. No Facebook, ele rece- beu mensagens da Holanda, da Espanha, dos Estados Unidos, do iapão. Foi a programas de televisão. Ganhou plaqueta da empresa elogiando seu ato. Foi homenageado na semana passada no Palácio Guana- ram seu crachá no vaso sanitário e escreveram na bara, do governo do Estado. Recebeu cartas de alunos parede do banheiro "Chagas otário". "Me chama- da2a à 5a série de uma escola do Rio, dizendo: "Mo- ram ainda de babaca, palhaço, puxa-saco. Meu filho torista, foi lindo o que você fez,você foi meu herói". virou motivo de chacota no colégio. Mas não teve Num dos envelopes, havia R$ 2 e um bilhete: "Descul- vergonha, entiu orgulho de mim. A gente vive num pe não dar mais, era o que eu tinha no bolso". Joilson mundo estranho. Perderam os valores", diz. treme a voz. Quer encontrar e beijar essas crianças. Eu queria que |oilson pudesse estar na lista da "Oque eufizeraparaserumacoisanormal.Oserhu- ÉpOCe desta semana dos 40 brasileiros com me- mano é repleto de valores, mas não põe em prâticil' nos de 40 anos que representam o futuro do país. Ele começou a dirigir em transportadora quando "Educação hoje é uma coisa rara. Mas é tudo na tinha 18 anos. Concluiu segundo grau. É casado, vida. Tento passar para o meu filho. Fazer o bem seu filho Gabriel tem 14 anos e sua mulher está grávi- faz bem. Acho que eu servi de exemplo para muitos da de cinco meses, de outro menino. Nas enxurradas políticos, muita gente." a l7O ) ÉPocÀ,30 de o de 2ol1

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8/3/2019 Um Brasileiro Honesto

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m:,çnfffilifgfil

RuthdeAquinoe colunistade EPOCA

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STAVAALI,NA POLTRONA13 DOÔNIBUSque faz a rota Friburgo-Rio. Umcelular esquecidopelo passageiro. Entre a poltrona e o vidro,havia

algo mais. O motorista Joilson Chagas, de 31 anos, abriu o"pacote rústico"e tomou umsusto. Nunca tinha visto tantodinheirojunto:R$ 74.800.Não passou aos superiores. "Étentador. Nessa hora, nem noscolegas a gente confia." Porsorte ou destino, Ioilsonconseguiu devolvertudo ao dono."Odinheiro não era meu. É bom ficarcom o que é nosso."

Joilsonlevou o dinheirode voltaa Friburgo. Aochegar ao ponto final,na Ponte da Saudade, avistouum senhor humildechorando na porta da padaria."Perdi um celular",drzía ele, "deve ter sido nocen-tro do Rio."foilsonperguntou: "O celular é este?'lO senhor, agricultorde 80 anos, emocionou-se:"Éesse mesmo. Não tinha mais nada no ônibus?'1 |oil-son disse que ele precisava explicardireitinhoo queperdera. E ele falou:"Eram R$ 74.800para pagar otransplante de minha filha,que não é coberto peloSUS". Joilson entregou o pacote e não aceitou recom-pensa. "Odinheiroestava contado para a cirurgiae

em Friburgo, |oilson perdeu a casa,os móveis,e mora de favor na casada irmã.A escola onde sua mulherera professora também foilevada pe-las águas. Agora,ela costura. Joilsonconstróiuma nova casa. Trabalha 16horas por dia como motorista,fazduas viagens de ida e volta noôni-bus da Viação 1001, tem uma folgapor semana. "Caina segunda ou naterça." O primeiroônibus sai às 5h30

de Friburgo. Ganha R$ 1.000líquidospor mês, mas paga R$ 500 aopedrei-ro que ergue sua "casinha". Joilson faz biscates depintura:'Anecessidade faz o sapo pular".

Seu único bem hoje é uma "motinha".Mas ele con-fia que "Deus está abrindoportas" e se preocupa commuitagente em Friburgoainda abandonada em abri-gos. Seu sonho é ter negóciopróprio.Uma loja deautopeças. "Sempre vesti a camisa das empresas emque trabalhei, mas queria ter uma lojinha."Depois daenchente, a empresa deu a ele "uma cama de solteiropara o filho,um guarda-roupa de três portas e umsofazinho". Joilson gosta de diminutivos.Porque avida sempre correu assim. Da casa para o trabalho,

a estrada, os engarrafamentos,a paciência com passageirosmais estressados. A igrejae abeira do rio,onde pesca de an-zol. "Meu lazer é ver televisãocom a famíliacomendo umapipoquinha."

A atitudede foilsonnão therendeu só alegria. Quandodescansava no dormitóriodaempresa, alguns colegas joga-

ruO motorista quedevolveuos R$ 75 milqueachou no ônibus ganha

R$ I.OOOpor mês de salárioe perdeu a casa nas chuvas

Ksx§§xde,&qex§xxry

I-lrnbrasllelrohoneslo

para a passagem. Eu não po-dia aceitar nada", ele me disse."Tambémsou pai de família."

A históriade Joilson aconte-ceu no dia 19 de abrile correumundo. No Facebook, ele rece-beu mensagens da Holanda, daEspanha, dos Estados Unidos,do iapão. Foi a programasdetelevisão. Ganhou plaqueta daempresa elogiando seu ato. Foihomenageado na semana passada no Palácio Guana- ram seu crachá no vaso sanitárioe escreveram nabara, do governo do Estado. Recebeu cartas de alunos parede do banheiro "Chagas otário"."Mechama-da2a à 5a série de uma escola do Rio, dizendo:"Mo-ram ainda de babaca, palhaço, puxa-saco. Meufilhotorista, foilindoo que você fez,você foimeu herói".viroumotivode chacota no colégio. Mas não teveNumdos envelopes, havia R$ 2 e um bilhete: "Descul-vergonha, sentiu orgulhode mim.A gente vivenumpe não dar mais, era o que eu tinha no bolso".Joilson mundo estranho. Perderam os valores", diz.treme a voz. Quer encontrar e beijar essas crianças. Eu queria que |oilson pudesse estar na lista da"Oque eufizeraparaserumacoisanormal.Oserhu-ÉpOCe desta semana dos 40 brasileiros com me-mano é repleto de valores, mas não põe em prâticil'nos de 40 anos que representam o futurodo país.

Ele começou a dirigirem transportadora quando "Educação hoje é uma coisa rara. Mas é tudo natinha 18 anos. Concluiuo segundo grau. É casado, vida.Tento passar para o meu filho.Fazer o bemseu filhoGabriel tem 14 anos e sua mulherestá grávi-faz bem. Achoque eu servi de exemplo para muitosda de cinco meses, de outro menino. Nas enxurradas políticos,muitagente." a

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