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Lucas Fernandes Alvarenga

UM BRASIL EM REVISTA:

a representação da identidade brasileira a partir dos protagonistas de reportagensveiculadas entre 2007 e 2011 na Brasileiros

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)2011

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Lucas Fernandes Alvarenga

UM BRASIL EM REVISTA:

a representação da identidade brasileira a partir dos protagonistas de reportagensveiculadas entre 2007 a 2011 na Brasileiros

Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social doDepartamento de Ciências da Comunicação do Centro Universitáriode Belo Horizonte - UNI-BH, como requisito parcial para obtenção dotítulo de bacharel em Jornalismo.

Orientador: Murilo Marques Gontijo

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

2011

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................04

2 A IDENTIDADE BRASILEIRA E O PROTAGONISMO ................................................05

2.1 O surgimento do conceito de cultura e sua influência na sociedade .....................................05

2.2 O protagonismo e suas manifestações ...................................................................................09

2.3 A representação da identidade brasileira ...............................................................................12

3 UM NOVO JORNALISMO....................................................................................................20

3.1 Como surge a notícia .............................................................................................................203.2 O jornalismo para revista e a reportagem ..............................................................................23

3.3 O antropojornalismo e o novo jornalismo..............................................................................29

4 UM BRASIL E SEUS PROTAGONISTAS PELA REVISTA BRASILEIROS ...............34

4.1 Metodologia ...........................................................................................................................34

4.2 A revista Brasileiros ..............................................................................................................34

4.3 A identidade nacional e os protagonistas das reportagens da Brasileiros.............................364.3.1 A reportagem-perfil em evidência.......................................................................................36

4.3.2 Os brasileiros na Brasileiros ...............................................................................................38

CONCLUSÃO ............................................................................................................................57

REFERÊNCIAS .........................................................................................................................60

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1 INTRODUÇÃO

Ao conceituar a cultura em 1871, Edward Tylor suscita uma série de discussões acerca deste

elemento que midiaticamente assume valor estético, mas que neste trabalho é compreendido

como um conjunto de valores sociais transmitidos por meio do aprendizado. Tais valores não

são imutáveis. Pelo contrário, eles se formam, podendo se consolidar ou se renovar na medida

em que gerações estabelecem contatos entre elas e as outras sociedades.

As transformações ou a permanência de certos valores de uma cultura dependem, sobretudo, de

que em cada sociedade haja indivíduos capazes de questionar ou reafirmar o que já fora

estabelecido por seus antepassados. A estas figuras centrais, dá-se a denominação de protagonistas, atores que emergem socialmente devido à capacidade de enfrentar as

adversidades, modificando a condição socioexistencial daqueles que estão à sua volta.

A observação dos protagonistas na construção da realidade da qual fazem parte é o eixo central

do primeiro capítulo teórico,  Identidade brasileira e o protagonismo, que também versa sobre

os elementos constituintes da identidade nacional, estudada por antropólogos e balizada por 

sociólogos do século XX.

Para melhor compreender a exposição destes personagens centrais, analisar-se-á no segundo

capítulo teórico, Um novo jornalismo, conceitos básicos para o estudo do material de pesquisa

desta monografia. Neste sentido, discutir-se-á o que é acontecimento, notícia, reportagem e suas

técnicas, chegando ao ponto de aproximar o jornalismo da literatura e da antropologia, ao

 promover um debate sobre o jornalismo literário e o antropojornalismo.

Com o instrumental teórico desenvolvido, resta ao último capítulo verificar como a identidade

 brasileira é representada por meio dos protagonistas das reportagens veiculadas, entre 2007 e

2011, em 15 edições da revista  Brasileiros. O estilo jornalístico-literário empregado na

 publicação, a aproximação com a antropologia no tocante à observação dos sujeitos, a figura do

 protagonista e o conceito de cultura sustentam a análise, focada na reportagem-perfil. Um

gênero propício às histórias, que no periódico ganham forte acentuação identitária.

Afinal, não é à toa que a revista carrega no nome o adjetivo-pátrio que designa o que somos

 perante as demais culturas: brasileiros.

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2 A IDENTIDADE BRASILEIRA E O PROTAGONISMO

2.1 O surgimento do conceito de cultura e sua influência na sociedade

Instrumental básico da antropologia e motivo de divergência entre pesquisadores, o conceito de

cultura continua a romper as barreiras do tempo e se renova a cada tentativa de explicação do

termo. Ao empregá-lo em 1871, o antropólogo britânico Edward Burnett Tylor inaugurou uma

série de definições acerca da cultura que, para o estudioso, é um complexo capaz de incluir 

conhecimento, crenças, leis, moral, arte e demais capacidades adquiridas pelo homem em uma

sociedade. Este pensamento sintetizado sobre a cultura apareceu, porém, desorganizado desde a

época de iluministas como John Locke. Laraia (1999) esclarece que, a partir da decisãoconceitual de Taylor, o homem foi considerado como único ser possuidor de cultura, o que o

difere dos animais, dotados de instinto.

 No Brasil, nomes como o próprio Laraia (1999) não mediram esforços para analisar e

estabelecer uma definição sobre o tema. Para desenvolver o conceito, o autor debate o dilema da

conciliação da unidade biológica e a diversidade cultural da espécie humana pela ótica

iluminista e moderna. Baseado em observações históricas de diferentes sociedades, Laraia seesforça para indicar que tanto o determinismo biológico quanto o determinismo geográfico não

apontam para uma definição de cultura. Trabalho similar ao de Franz Boas, que segundo Mintz

(2010), ateve-se ao estudo da cultura sob uma perspectiva afastada do “Darwinismo social”, que

influenciou Taylor e outros pesquisadores no início do século XX. Os relatos etnográficos,

sobretudo de sociedades consideradas primitivas, apontaram durante décadas para a diversidade

como resultado de desiguais estágios nos processos evolutivos.

A fim de rebater o pensamento evolucionista, Laraia (1999) expõe que o determinismo

 biológico, a delimitação do homem por meio da configuração genética, não influi em suas

características culturais. Nem mesmo o dimorfismo sexual, a definição de sexo com base no

aparelho reprodutor, estabelece diferenças. Quem, segundo o autor, apresenta-as é a cultura. Por 

isso, o comportamento de cada indivíduo depende de um aprendizado, obtido por meio de um

 processo de endoculturação, termo elaborado pelo antropólogo estadunidense Melville

Herskovits. Mintz (2010) destaca a relevância do conceito ao propor que o homem só pode ser 

considerado humano na medida em que absorve o aprendizado social, com maior ênfase na

infância e na menoridade, tornando-se um produto “cultivado” em determinada sociedade.

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Se a variável biológica pouco influi na formação humana, o mesmo vale para a geográfica. De

acordo com Laraia (1999), pode haver em uma mesma região grande diversidade cultural,

exemplificada pelo pesquisador por meio da comparação entre o modo de vida dos esquimós,

que vivem no norte da América, e os lapões, habitantes do norte da Europa. Os ambientes são

 parecidos, no entanto, o comportamento deles se difere no que diz respeito à habitação e às

 práticas para a obtenção de alimentos. Fundamentado no trabalho do estadunidense Alfred

Kroeber 1 (1949 citado por LARAIA, 1999), o brasileiro ressalta que a cultura permite a

adaptação aos mais diversos ambientes ecológicos.

Conscientes da relevância do pensamento de Kroeber sobre cultura, Laraia (1999) e Mintz(2010) analisam a obra do americano com o propósito de apontar as contribuições para a

ampliação do conceito. Com base nos estudos do pesquisador estadunidense, Mintz salienta que

o comportamento humano não pode ser compreendido ao se analisar indivíduos isoladamente,

afinal seus atos e as consequências deles serão sempre sociais. Laraia, por sua vez, afirma que o

homem age conforme os padrões culturais adquiridos por meio da endoculturação. Tanto para

Laraia, quanto para Kroeber, a cultura é um processo acumulativo de experiências em que

aqueles considerados gênios aparecem como responsáveis pelo aprimoramento docomportamento e da capacidade profissional e artística dos indivíduos de sua sociedade.

Aliás, a própria cultura teria surgido concomitantemente ao desenvolvimento do equipamento

 biológico do homem, uma característica própria à espécie humana, assim como o bipedismo e a

adequação cerebral. Laraia (1999), em referência à obra do antropólogo estadunidense Clifford

Geertz2 (1966 citado por LARAIA, 1999), enfatiza que maior parte do desenvolvimento

cerebral ocorre posteriormente ao início da cultura, o que confere ao homem o caráter de produtor e produto cultural. O autor também alude aos teóricos modernos ao recordar que, para

estes pesquisadores, cultura é um sistema simbólico e de significados, evidente por meio do

 processo comunicativo. Afinal, a linguagem humana também é um produto cultural.

Antes de pensadores como Kroeber e Geertz, convencionava-se assumir que a cultura era um

modo de vida particular de um conjunto definido, enquanto a sociedade significava um grupo1 KROEBER, Alfred. PIERSON, Donald (org.). O Superorgânico: estudos de organização social. São Paulo

(SP): Livraria Martins, 1949.

2 GEERTZ, Clifford. TAX, Sol (org.). A transição para a humanidade: panorama da antropologia. Rio de Janeiro(RJ): Fundo de Cultura, 1966.

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contínuo organizado. Por meio deste esforço, associou-se durante anos a cultura a quaisquer 

grupos organizados. A mudança estabelecida pelos pesquisadores estadunidenses tornou cultura

e sociedade aspectos independentes, conforme recorda Mintz (2010). Desta forma, passou-se a

relacionar cultura à significação e sociedade aos objetivos dos atores de um sistema. Uma

separação conceitual que enterrou a ideia de que as sociedades menos complexas, ditas

 primitivas, não teriam cultura.

A dissociação apresentada por Mintz (2010) já compunha a literatura de Laraia (1999), na

medida em que o autor estabelecia as influências da cultura frente ao comportamento social.

Como a herança cultural atribuída ao homem acaba por condicioná-lo, este tende a discriminar 

quem age de forma desviante, não se conectando aos padrões estabelecidos. Para Laraia, oselementos necessários à diferenciação entre indivíduos se encontram na herança cultural.

Afinal, cada cultura reage de uma forma frente a determinadas situações. Por isso, quando

alterações são percebidas em um mesmo grupo, significa que há variações naquele padrão

cultural. O riso e a utilização do corpo, apesar do caráter fisiológico, estão condicionados a esta

herança.

Inspirado no austríaco Eric Wolf, Mintz (2010) novamente reforça os argumentos apresentados por Laraia (1999) ao apontar como um erro antropológico a ideia de que cada sociedade se

limita a uma cultura ou subcultura em cada segmento social. Para o autor, quaisquer grupos

humanos podem absorver mais de uma cultura, ampliando seus horizontes por meio de um

 processo de generalização, que contribui para diversificar a abordagem que aqueles nichos têm

acerca da vida. O contrário também pode acontecer e, neste caso, o grupo se especializaria,

restringindo seu olhar a um conjunto de padrões culturais, seja por falta de oportunidades ou por 

melhor atenderem a inclinações pessoais e grupais.

Laraia (1999) alerta para o perigo de se enxergar o mundo por meio da cultura na qual se está

inserido. Tal atitude possibilita que se assente a ideia de única expressão cultural. Imbuídos por 

este pensamento, os indivíduos deste modelo de sociedade podem adquirir feições

etnocentristas, assim imaginando ocupar o centro da humanidade. A projeção mais aguçada

deste olhar pode atingir situações extremas de xenofobia, caracterizada pela aversão ao

estrangeiro e à sua cultura. O avesso ao etnocentrismo também pode se manifestar. Neste caso,

considera-o como apatia, o que dissolve os laços entre o indivíduo e a sociedade. Permite-se

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assim com que a cultura influencie no plano biológico, propiciando o desenvolvimento de

doenças psicossomáticas e da capacidade de cura por intermédio da fé.

Proposta por Mintz (2010), a concepção do sistema cultural, como um produto histórico que

segue uma lógica própria, aparecia em Laraia (1999) com ressalvas acerca do perigo de os

indivíduos considerarem o sistema no qual estão inseridos como o único modo racional de se

enxergar o mundo. Para Laraia, cada cultura ordena as coisas ao seu modo e é essa classificação

a responsável por conferir sentido à vida em uma sociedade. A essa tentativa de entendimento

dos padrões culturais do outro através do olhar que se tem da própria cultura, o autor chama de

relativismo cultural.

Apesar de a cultura intervir fortemente na vida humana, seu aprendizado se dá de maneira

 particular e depende da vontade e da capacidade de aceitar determinados padrões em detrimento

de outros. Mintz (2010) defende que sempre haverá alternativas culturais a emergir de contextos

sociais específicos, embora os indivíduos majoritariamente ajam de acordo com um código

socialmente herdado de comportamento padronizado, cuja tradição prevalece frente aos novos

hábitos. Em função disso, Laraia (1999) sustenta que nas sociedades complexas são elevados os

níveis de especialização, propiciando a cada pessoa participar a sua maneira da cultura na qualse insere.

Devido ao grau de complexidade de alguns grupos, Laraia (1999) observa uma tendência de

ainda se considerar a cultura, principalmente nas pequenas sociedades, como algo estático. De

fato, as sociedades simples aparentam se esgotar culturalmente, conforme relata o autor. Só que

a capacidade humana de questionar seus hábitos e modificá-los renova a cultura, seja em ritmo

mais lento, como nas pequenas sociedades, ou mais acelerado, como nas sociedades complexas.Assim como o historiador britânico Edward Thompson, Mintz (2010) não acredita haver uma

cultura inteiramente coerente. Para o autor, a repetição e a transformação, mesmo que gradual,

são elementos fundamentais a qualquer cultura, que assim como as classes sociais, é um

 produto histórico dinâmico.

Certo de que toda cultura se transforma, assim como salientou Mintz (2010), Laraia (1999)

apresenta dois tipos de mudança possíveis de ocorrer. A primeira delas, interna, decorre da

dinâmica do próprio sistema que se atualiza com o passar do tempo. A segunda, externa,

acontece por meio do contato com indivíduos de outras culturas. Tais alterações culturais

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 podem desencadear, segundo o autor, conflitos entre aqueles que pretendem manter os hábitos

antigos e os que tencionam substituí-los. Por isso, entender a dinâmica desse sistema contribui

 para abrandar os choques entre gerações, bem como auxiliar na formação de uma determinada

cultura. Afinal, os padrões culturais nem sempre são criados, mas, sim, copiados de outros

sistemas, conforme observou Laraia em seus estudos antropológicos.

2.2 O protagonismo e suas manifestações

Ao discutir o conceito de cultura, Laraia (1999) se preocupa em apresentá-la como um processo

acumulativo de experiências em que determinados sujeitos são responsáveis pelo

aprimoramento técnico. Na mesma linha, há autores que discutem o fato de certos indivíduos,inseridos cada um em sua cultura, destacarem-se socialmente. A esse fenômeno, Ferretti, Zibas

e Tartuce (2004) denominam protagonismo, um conceito grego decorrente da etimologia da

 palavra protagonista que, escrita em grego como protagnistés, representava o lutador principal

de um torneio.

Com o passar dos tempos, o termo adquiriu outra conotação, diferente daquela atribuída na

Grécia antiga pelos helênicos. De acordo com Klein (2008), a figura central do protagonismoacabou sendo reconhecida como o ator principal de uma peça teatral ou personagem de uma

trama literária. Um conceito incorporado anos mais tarde pelas ciências sociais, política e

comunicação, com o objetivo de caracterizar os atores que determinam as ações de um

movimento social.

Em busca de uma definição consistente para o termo protagonismo, Klein (2008) expõe que em

 Poética, obra de Aristóteles, o termo aparece revestido por um conflito dramático que lheatribui o caráter transformador. Neste contexto, o protagonista assume papel de destaque frente

às ações cujo intuito é o de modificar a condição socioexistencial do indivíduo. Por isso, o autor 

evidencia a necessidade de se analisar as relações entre os sujeitos para melhor compreender o

significado do protagonismo.

Assim como Klein (2008), Ferretti, Zibas e Tartuce (2004) encaram o protagonismo como uma

alternativa capaz de atender às urgências sociais e angústias pessoais das personagens

envolvidas em uma trama. Por isso, os autores apresentam a experiência particular como algo

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que transcende as características do protagonismo, fazendo-se fundamental ao enfretamento da

realidade em sua forma mais ampla.

De acordo com Klein (2008), o protagonismo é uma força que se origina no interior de um

grupo social, cuja viabilização depende de autoconfiança e da valorização do éthos social3.

Sentido reafirmado por Ferretti, Zibas e Tartuce (2004), ao compararem o protagonismo ao

conceito de resiliência. Para estes autores, o termo proposto expressa o ato de resistir às

adversidades por meio das experiências pessoais. Desta forma, transfere-se a ação do campo

 político e social para o individual.

Sem se opor completamente a Ferretti, Zibas e Tartuce (2004), Fernandes (2006) dota o protagonismo de essência política ao sugerir que vontade, capacidade de decidir e de deliberar 

são virtudes necessárias a quem almeja ocupar um lugar de destaque frente a qualquer 

acontecimento. Por isso, a autora defende que protagonismo e política caminham lado a lado.

Para Fernandes, o ato de protagonizar envolve, inclusive, um esforço para marcar presença,

 principalmente por meio do pensamento.

Enquanto Ferretti, Zibas e Tartuce (2004) expõem a ideia de enfrentamento à adversidade com base nas experiências pessoais, Klein (2008) se preocupa em manifestar o papel da linguagem

como ferramenta transformadora da condição social. Para o autor, a linguagem é um campo de

interesse humano que permite com que os atores envolvidos se oponham ao discurso, deixando

de reproduzir ideias prontas em detrimento de uma comunicação livre e composta por múltiplas

vozes. O oposto ao modelo funcionalista pregado no campo da comunicação após a Segunda

Guerra Mundial.

Em virtude do incentivo ao protagonismo dos indivíduos no processo de difusão da informação,

Fernandes (2006) e Klein (2008) reforçam que os protagonistas adquirirem cada vez mais

espaço na mídia. Entretanto, segundo os autores, é preciso que estas personagens consigam

legitimidade pública para que mereçam atenção. O que, em linhas gerais, Fernandes esclarece

ao explicar que o protagonismo somente se efetiva com a conquista da visibilidade de presença

 política por parte do indivíduo.

3 Conforme Kerstenetzky (2003), éthos social são as atitudes, preferências e disposições compartilhadas emmaior ou menor medida pela sociedade. Segundo a autora, o éthos social pode reforçar, por exemplo,comportamentos egoístas ou solidários de acordo com o modelo social desenvolvido no local analisado.

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Abordando a questão da legitimidade através da ótica midiática, Klein sugere que tais atores

caminhem em harmonia com os valores-notícia, necessários a qualquer indivíduo que almeje se

expor em um veículo de comunicação. Afinal, são estes valores que fazem da mensagem um

acontecimento e tornam os sujeitos envolvidos, figuras relevantes, dotadas de uma boa história

ou de informações úteis.

Seguindo esta lógica, Klein (2008) enaltece o fato de a exposição midiática ter aberto uma nova

frente de cidadania por meio da protagonização de sujeitos a representar, por exemplo, seu

grupo ou comunidade em reportagens e outras produções noticiosas. O autor ainda esclarece

que a abordagem do protagonismo na produção jornalística se torna mais evidente de acordo

com o gênero selecionado.

Segundo Klein (2008), dois tipos de reportagem caracterizam melhor as manifestações do

 protagonismo na imprensa. A primeira delas, antropológica, volta-se, sobretudo, à observação e

ao relato do observado. Já nas reportagens agonais, os sujeitos de uma sociedade qualquer 

emergem ao enfrentar algum problema, uma questão conflituosa que Ferretti, Zibas e Tartuce

(2004) já destacavam.

Por isso, seja envolvido por angústias que o levam a afirmar e a difundir suas experiências

 pessoais a fim de superar as adversidades, seja como ator principal de um enredo social, o

 protagonista precisa se abrir para a diversidade cultural. Neste sentido, Ferretti, Zibas e Tartuce

(2004) advogam que, por sua posição de destaque, esta personagem deve se valer do hibridismo

discursivo para melhor participar de sua sociedade, de forma a contribuir ativamente para a

resolução de problemas e na renovação de suas tradições.

Klein (2008) complementa o significado atribuído por Ferretti, Zibas e Tartuce (2004) ao

acentuar a identidade como característica daqueles que protagonizam um acontecimento ou

tomam a frente de algum grupo social. Por esta razão, este ator é capaz de afirmar seu grupo

social, ao passo que assume responsabilidades por seus atos e participa da construção da

realidade da qual faz parte.

2.3 A representação da identidade brasileira

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A herança cultural de um determinado grupo condiciona o homem que nele vive. O conceito,

 presente na obra de Laraia (1999), evidencia o indivíduo como resultado de um sistema

simbólico e de significados que acaba o tornando uma representação da cultura em que se

insere. Interessados em compreender a estrutura social do Brasil e o modo de ser e agir dos

 brasileiros, Holanda (1969) e DaMatta (2001) apresentam a identidade brasileira por meio de

uma lógica semelhante. Ambos alicerçam seus estudos na diversidade e se baseiam em opostos

 presentes em cada cidadão, em maior ou menor medida, com o intuito de definir características

 próprias aos sujeitos de nossa cultura.

Baseado em uma lógica dualista e relacional, DaMatta (2001) difere o brasil minúsculo do um

Brasil maiúsculo. Para o autor, o brasil minúsculo representa um conjunto subjugado, exploradodurante anos e sem condição de se efetivar como um sistema complexo. Diferente do Brasil

maiúsculo, que, de acordo com o antropólogo brasileiro, trata-se do país da cultura, das

miscigenações e das tradições que confrontam com os abusos autoritaristas e os “milagres”, a

exemplo do econômico, anunciado pelo governo do ex-ditador militar Emílio Garrastazu

Médici na década de 70 do século passado.

Sucessor de Holanda (1969) no que diz respeito ao estudo das origens culturais brasileiras,DaMatta (2001) ainda verifica na história do Brasil e no comportamento de seus cidadãos

características constituintes de uma identidade singular. Com base em sua análise, o autor afasta

o tipo brasileiro do norte-europeu e do estadunidense. Seu antecessor age de maneira similar,

 porém, ressalva o determinismo da herança ibérica para a consolidação das raízes da sociedade

aqui fundada.

Durante o processo de colonização brasileira, os portugueses transmitiram valores que searraigaram nesta cultura. Holanda (1969) destaca a importância conferida à autonomia de cada

homem se comparado ao seu semelhante e sua capacidade de superação como uma das heranças

ibéricas. A personalidade dos ibéricos, sobretudo dos portugueses, fez com que os últimos se

organizassem a fim de criar o primeiro estado moderno europeu com a Revolução de Avis

(1383 – 1385) e mais tarde saíssem de seus domínios em um movimento conhecido como

expansão marítima. Contudo, a mesma personalidade, de acordo com o autor, tornou frouxas as

estruturas sociais por lá existentes. Afinal, “Em Terra onde todos são barões não é possível

acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior respeitável e temida” (HOLANDA,

1969, p. 4).

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Com o prestígio pessoal, apontado por Holanda (1969), vieram os privilégios hereditários, o

espírito de organização espontânea e a repulsa ao trabalho com opção pelo ócio e pela vida sem

grande esforço. Uma conduta semelhante à dos indígenas que por aqui residiam. Interessado em

estabelecer uma visão brasileira acerca do trabalho, DaMatta (2001) analisa o modo como o

 protestantismo e o catolicismo encaram a atividade para assim atribuir a definição de batente ao

termo e sua atuação determinante na identidade brasileira. Neste exercício, o autor considera a

influência da Igreja Apostólica Católica na vida portuguesa. “E o nome diz tudo, pois a palavra

deriva do latim tripaliare, que significa castigar com tripaliu, instrumento que, na Roma

Antiga, era um objeto de tortura, consistindo numa espécie de canga usada para supliciar 

escravos” (DAMATTA, 2001, p.31).

Em virtude da aversão do português ao trabalho, Holanda (1969) promove uma distinção entre

o comportamento deles, tido como predominantemente aventureiro, e dos povos do norte da

Europa, cujo espírito trabalhador se sobressai. À luz deste dualismo, o autor analisa a

colonização brasileira como uma invasão mercantil baseada no enriquecimento fácil. Para

reforçar sua argumentação, o antropólogo lembra que os portugueses não carregavam consigo

experiências exploratórias além dos mares: ambiente de extração animal e rota mercantil. Por isso, ao promoverem o latifúndio monocultor, resumiram o trabalho nas lavouras à enxada e ao

saraquá, uma arcaica cavadeira de madeira.

Embora pareça inversa, a obediência pelo princípio da disciplina também surge como herança

 portuguesa para a cultura brasileira. No entanto, tal subordinação nada mais é do que a renúncia

à personalidade em virtude de um bem maior. Desta forma, segundo Holanda (1969), os jesuítas

da Companhia de Jesus conseguiram pregar seus ideais nas colônias portuguesas, erguendomissões e reduções, e também por meio deste princípio se abriu caminho para as ditaduras que

marcaram a história do Brasil.

Desde o período açucareiro, enxergava-se em uma parcela dos negros traços de obediência,

seguidos de proteção e solidariedade com seus senhores, que por sua vez os traziam para

 próximo de sua família. Para Holanda (1969), a forma como este núcleo fora desenvolvido

 pelos portugueses no Brasil já se vinculava aos princípios de submissão, uma herança romana.

“A própria palavra ‘família’, derivada de  famulus, se acha estreitamente vinculada à ideia de

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escravidão, e em que mesmo os filhos são apenas os membros livres do vasto corpo,

inteiramente subordinado ao patriarca, os liberi” (HOLANDA, 1969, p. 49).

A mentalidade patriarcal, comum a uma civilização de raízes rurais, fez com que predominasse

no Brasil um modelo de gestão em que o privado invadia o público. Assim, segundo Holanda

(1969), governou-se à luz da lei do latifúndio, em que a palavra de ordem vinha da casa grande.

Situação que adquiriu novos contornos com a supressão do tráfico negreiro em 1850 e a

 posterior abolição da escravatura em 1888. Uma época em que o rural literalmente invadiu a

urbe, conferindo à sociedade brasileira outra dualidade: o moderno entrelaçado ao tradicional, o

que a afasta da homogeneidade e dos códigos hegemônicos, conforme observa DaMatta (2001).

Devido à vinculação do Estado racionalizador ao mercado, a apropriação privada de recursos

estatais, denominada patrimonialismo, desenvolveu-se, segundo Sorj (2000). Para o autor, tais

traços culturais em sua versão moderna refletem uma estratégia de uso de poder por parte de

grupos sociais, geralmente dominantes, a fim de obter privilégios e/ou fundos se valendo do

sistema repressivo e jurídico contra grupos economicamente mais frágeis. O uso indevido dos

cartões corporativos, as negociações entre policiais e traficantes, a sonegação de impostos, o

nepotismo nas casas legislativas municipais, estaduais e no Congresso, além dosuperfaturamento das obras do Pan-americano de 2007, realizado no Rio de Janeiro, são

algumas das manifestações do patrimonialismo no Brasil.

Outro caso de despreocupação com o patrimônio público fora evidenciado na atitude de erguer 

e reerguer vilarejos e cidades nos tempos dos portugueses. Em Salvador, antiga capital dos

tempos de Brasil colônia, e em Vila Velha, no Espírito Santo, percebe-se o tradicional – tido

como velho – convivendo com o moderno – apresentado como novo. Dominava o que Holanda(1969) nomeou como a mentalidade do semeador em relação à do ladrilhador e, por isso,

cidades cujo apreço pela linha reta e pela ordem se faziam evidentes, como em Belo Horizonte,

somente vieram a aparecer já nos tempos da República. Nesta época, as vontades particulares

dariam, aos poucos, espaço para as questões gerais.

Historicamente, a valorização do privado em detrimento ao público está intimamente ligada ao

significado que a casa e a rua assumem para o brasileiro. De acordo com DaMatta (2001),

ambas vão além de um espaço geográfico, denotando um modo de compreensão da sociedade.

Para o autor, a casa é o espaço das plenas relações, onde o sujeito se sente protegido da

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violência externa. É na casa o lugar da moral, das tradições e da harmonia, simbolizada pela

família. Já na rua, prevalece a desconfiança e a insegurança. Por isso, dá-se o nome de “lugar de

 batalha” a este espaço (DAMATTA, 2001, p.29), local onde predominam também o trabalho e

o público.

Patrimonialista e personalista, o brasileiro apresenta por meio do trabalho outra face dual,

segundo Holanda (1969). Devido às características advindas do personalismo herdado dos

 portugueses, percebe-se entre os nativos desta terra certa inclinação às profissões liberais e ao

 bacharelismo, título valorizado socialmente desde os tempos de Brasil Colônia, quando os

senhores de engenho mandavam seus filhos estudarem na Europa. Complementando o espectro

dual da sociedade brasileira, outro tipo peculiar se destaca: aquele adepto às coisas materiais.Daí a opção pela estabilidade, conseguida por meio de empregos públicos.

Por este caráter materialista e apegado à terra, o brasileiro precisou transgredir o espaço

doméstico para assumir o papel de cidadão. Tal postura viria a acarretar sérias contradições e

desigualdades. O Estado, de acordo com Holanda (1969), carregava consigo a herança

 personalista ibérica, responsável por afastar de nossa política o espírito cooperador. Uma

virtude que os colonizadores não herdaram das insurgências burguesas, guiando-se primordialmente por sentimentos e agindo com prestância. Assim, prevalece o dano ou

 benefício proporcionado ao outro, a verdadeira legitimação do personalismo.

À postura identificada por Holanda (1969) se atribui o nome de cordialidade, sendo o brasileiro

a personificação do “homem cordial”. Ao distanciar-se do tipo japonês, polido, percebe-se que

o comportamento hospitaleiro, a generosidade e a candura no trato, nada mais são que um

transbordar de emoções e uma possibilidade de viver no outro. “No ‘homem cordial’, a vida emsociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo

mesmo, em apoiar sobre si próprio em todas as circunstâncias de sua existência” (HOLANDA,

1969, p. 108).

Rocha (1998) recorda que o homem cordial permanece na sociedade brasileira, diferente do que

 projetava Holanda (1969). Em sua observação, o autor verifica na literatura do romancista José

de Alencar representações das relações sociais cordiais como também traços que a aproximam

deste público, como o uso da primeira pessoa nos textos. “Deste modo, o homem cordial dribla

a ineficiência objetiva das instituições públicas, dado o predomínio da esfera privada, mediante

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um sistema para-institucional, baseado em contatos pessoais” (ROCHA, 1998, 171). É a ideia

do privado a determinar o tom das relações públicas.

 Na tentativa de familiarizar suas relações, o tipo brasileiro desconstroi a lógica dos negócios ao

manter com o freguês uma relação de amizade. A adoção do nome de batismo, ao mesmo tempo

em que procura nivelar indivíduos, afasta a possibilidade de torná-los superiores em virtude de

sobrenome. Na música, o intimismo assume graus acentuados ao final dos anos 50 do século

XX com a bossa-nova. Até os santos são tratados com intimidade, a exemplo de Santa Teresa

de Lisieux, popularmente chamada de Santa Teresinha. Aliás, para Holanda (1969) a utilização

do sufixo –inho e a atribuição de valor supremo à frase lapidar vêm de encontro a este

“jeitinho” brasileiro de falar e agir.

Entre o excesso e a ordem, DaMatta (2001) atualiza o pensamento de Holanda (1969) ao expor 

que o brasileiro opta pelo “jeitinho”: “(...) um modo simpático, desesperado ou humano de

relacionar o impessoal com o pessoal” (DAMATTA, 2001, p.99). Valendo-se dele resolve, com

originalidade e pacificamente, questões por meio da combinação entre a lei e a pessoa, algo

impensável nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França. Por sua vez, o “sabe como quem está

falando?” representa um apelo à hierarquização cujos fins são similares, embora sua abordagemcontraponha à anterior.

Representantes do “jeitinho” e do “sabe como quem está falando?”, o malandro e o

despachante, respectivamente, ilustram duas faces de uma mesma moeda. De acordo com

DaMatta (2001), tanto o malandro – no uso de artifícios como histórias, contos do vigário e

expedientes para ludibriar o outro – quanto o despachante – especialista em contatar com

repartições públicas – estabelecem uma mediação entre a lei, impessoal, e o sujeito, pessoal.Enquanto era comum a prática do tráfico negreiro, tanto a figura do malandro, quanto a do

despachante compunham um cenário de ilegalidade que sustentou a política imperial por quase

um século no Brasil.

Se o brasileiro transita entre a ordem e o excesso, a Igreja, sobretudo, a Católica Apostólica

Romana, contribui para este cenário, conforme propõe Holanda (1969). Durante séculos a

instituição se valeu do padroado, que lhe conferia poderes para intervir na política interna. Até

hoje a Igreja se revela influente, pois segue presente no preâmbulo da Constituição Federal de

1988, mesmo o Estado se assumindo como laico desde a proclamação da República em 1889.

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Em troca do poder, o catolicismo colaborou para conter as insurgências que se multiplicavam

com o passar dos tempos no Brasil.

DaMatta (2001) vai além ao propor um olhar sobre a religião no Brasil. Para o autor, nem

mesmo a variedade de religiões presentes no país impede a possibilidade de o brasileiro se

relacionar com os deuses, espíritos, orixás e/ ou ancestrais concomitantemente. O que uma

oferece em demasia, a outra proíbe. E assim, todas se complementam, o que torna normal um

 brasileiro frequentar mais de uma crença religiosa e manter ligações pessoais com o outro

mundo por meio de promessas, oferendas, orações ou milagres. Desde os tempos dos escravos

negros, o sincretismo se faz presente. Na época, os servos evocavam seus orixás por meio dos

santos na tentativa de manter suas crenças e profanar a fé católica, imposta pelos donos dosescravos, pela Igreja e pela metrópole. Um exemplo é Ogum, o senhor ferreiro dos ritos

africanos, representado por São Jorge da Capadócia.

A diversidade religiosa brasileira expressa, em parte, o triângulo de raças no qual nossa

sociedade, teoricamente, está fundada. Para DaMatta (2001), essa relação esconde um

 preconceito velado, que o autor chama de “racismo à brasileira”, algo abrandado pela

miscigenação multiplicadora das classificações de raças. Tal mestiçagem não impediu, porém,que o componente racial gerasse desigualdade social. Para Sorj (2000), os negros continuam

como o grupo mais desfavorecido da população por ser discriminado pelo Poder Judiciário, pela

Polícia e por empregadores. Quadro minimizado por políticas afirmativas para uns e paliativas

 para outros, como é o caso das cotas em universidades.

Embora emergentes, as mulheres também sofrem com a desigualdade4, conforme verifica Sorj

(2000). Situação que se agrava ante outros componentes como o povoamento e o acessodiferenciado a bens de consumo coletivo. Em sua análise, o autor relata as discrepâncias sociais

entre Norte e Nordeste em relação ao Sul e Sudeste do Brasil. Nestas porções do país, conforme

o sociólogo, os circuitos da economia mercantil se desenvolveram mais que naquelas. Um fator 

4 O Brasil ocupa 82º lugar do ranking de desigualdade de sexos elaborado pelo World Economic Forum, atrás daAlbânia, Gâmbia, Vietnã e da República Dominicana. A queda de 15 posições em cinco anos reflete as poucasiniciativas de se combater esta disparidade no campo político e econômico, mesmo com a eleição de Dilma

Rousseff. A pesquisa ainda aponta que no Brasil as mulheres chegam a receber metade que os homens por umamesma função. O país ainda aparece em 103º e em 111º lugar levando em conta mulheres em cargos ministeriaise no Congresso, respectivamente. Ver Estadão (http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,brasil-esta-na-82-posicao-em-ranking-de-desigualdade-entre-os-sexos,90527,0.htm). Acesso em 01 de novembro de 2011.

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determinante para o acesso a serviços básicos como saneamento básico, educação e saúde, além

de influenciar na proteção e na estrutura de emprego encontrada.

Envolvido em práticas clientelistas e corporativistas, o sistema político brasileiro até hoje

emperra a construção de projetos fundados na cidadania, necessários para que as barreiras entre

as classes sociais possam diminuir. Aliás, a sociedade brasileira, de acordo com Sorj (2000),

tem baixa identificação com símbolos políticos do Estado, uma faceta que se deve ao grau de

instrução, ainda precário no país. Holanda (1969) registra que o número de graduados no Brasil

foi dez vezes menor que na América Espanhola entre a segunda metade do século XVIII e a

 primeira metade do século XIX 5. Durante centenas de anos, jovens saíam do Brasil para estudar 

nas melhores universidades europeias e dos Estados Unidos, fato permanente.

Conseqüência da baixa instrução, a informalidade se disseminou na sociedade contemporânea

 brasileira, segundo Sorj (2000), o que contribuiu para a valorização dos traços igualitários,

facilmente detectados no futebol, primeiro esporte nacional em popularidade. DaMatta (2001)

reforça este cenário ao comparar o trabalho com as festas. Para isso, o autor escolhe o carnaval,

evento que fomenta o mito da desobrigação, da ausência de miséria, de pecado e de deveres. No

carnaval, as regras de inversão simulam uma espécie de catástrofe às avessas, em que a noite étrocada pelo dia, a labuta pelo prazer e o uniforme pela fantasia, em seu duplo sentido. Neste

esforço, a casa dá lugar à rua, a ordem à compreensão e os agrados e a submissão são postos em

xeque pela competição.

 Na tentativa de explicar o Brasil por meio das relações sociais e de um pensamento dual,

DaMatta (2001) explora também o inverso ao carnaval: os ritos de reforço. Nestes rituais, os

valores tradicionais e a hierarquia são cultivados. Nos atos militares, por exemplo, a patente e a posição política, econômica e social determinam quem é ator e quem é espectador do rito. Já

nas festas religiosas, o topo sagrado se distingue da base profana. A própria contenção corporal,

além da ideia do dever e da devoção, acompanha as festas de ordem, que também se

caracterizam pela regularidade e pela centralidade destes ritos. Neste quesito, destaca-se o

5 A precária situação educacional brasileira relatada por Holanda (1969) em  Raízes do Brasil cruzou os séculos econtinua a rondar nossa sociedade. Conforme dados do censo 2010, apurado pelo Instituto Brasileiro deGeografia Estatística (IBGE), o analfabetismo atinge 14,6 milhões de brasileiros, 9% da população com mais dedez anos – idade considerada como ideal para a conclusão da alfabetização. As mais elevadas taxas foram

registradas nas regiões Nordeste, com 17,6%, e Norte, com 10,6%. Em dez anos, a porcentagem de analfabetossofreu redução de 4%. Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo IBGE em 2009,informa que um em cada cinco brasileiros é analfabeto funcional, ou seja, acumula menos de quatro anos deestudo. Ver IBGE (http://www.ibge.gov.br ). Acesso em 31 de agosto de 2011.

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aniversário. Em tal manifestação, mesa e bolo surgem como protagonistas. As velas

representam os anos vividos pelo aniversariante, que, simbolicamente, é “comido” ou

comungado pelos convidados por meio do bolo.

Valendo-se da representação do bolo, DaMatta (2001) esclarece o papel da comida na sociedade

 brasileira, que para o autor, institui um elo entre o ato de comer e a mulher. Levando em conta

as características do cozido, um símbolo da mistura na alimentação, o antropólogo explica que o

 brasileiro concebe a sexualidade como um modo de absorção e não um encontro entre iguais e/

ou opostos. Partindo deste princípio, colocam-se as diferenças de lado para “hierarquizá-las no

englobamento de um comedor e um comido” (DAMATTA, p. 60, 2001).

DaMatta (2001) recorda que, para o brasileiro, comer admite um significado superior ao de

alimentar-se, um ato de sobrevivência em detrimento das relações de satisfação e de troca

estabelecidas pela comida. Por meio desta elaboração, o autor propõe que as comidas cozidas

representam a sofisticação ante o lado primário e selvagem do alimento cru. Talvez por isso se

conecte o cru ao ambiente da rua e do trabalho, enquanto o cozido é diretamente ligado ao lar,

onde as relações ocorrem de forma harmoniosa. Partindo do mesmo princípio, DaMatta (2001)

expõe que as comidas mantêm relação direta com a miscigenação, uma vez que a determinaçãode gradientes que vão do líquido ao sólido pode ser comparada à classificação racial: do branco

 para o negro, do índio para negro e do branco para o índio. A aceitação do intermediário – o

cozido e o miscigenado – é o que difere o brasileiro dos demais povos.

3 UM NOVO JORNALISMO

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3.1 Como surge a notícia

Elementos da realidade e matéria-prima do jornalismo, os acontecimentos fazem parte do

cotidiano dos jornalistas, que os percebem e selecionam diariamente, transformando-os em

notícia. Rodrigues (1999) considera-os como o ponto zero da significação. Por isso, segundo o

 pesquisador português, quanto menor a previsibilidade da ocorrência, maior a possibilidade dela

se tornar notícia. Neste sentido, o autor apresenta os registros de notabilidade do acontecimento,

situações que rompem com a previsibilidade, a regularidade e a monotonia.

O excesso, entendido como o funcionamento anormal dos fatos, é um dos registros de

notabilidade apontados por Rodrigues (1999). Enquadra-se nesta categoria, por exemplo, omassacre a uma população. Outro registro apresentado é a falha, situação de insuficiência no

funcionamento das coisas. Representam este caso fatos como os acidentes de trânsito ou o

término de uma sociedade e/ ou de um casamento. O autor ainda expõe o registro da inversão,

ocorrência em que o fato se volta contra o sujeito emissor. Neste caso, cabe a frase que

consagrou o jornalista estadunidense Charles Anderson Dana: “se um homem morder um cão,

isto é notícia”.

Rodrigues (1999) complementa a ideia de notabilidade com os meta-acontecimentos, registros

motivados pelas regras do mundo simbólico, em que um detalhe captado em uma cobertura

 pode render um novo acontecimento. Este ato ilocutório, cuja ação promove o discurso, deve,

segundo o autor, seguir os parâmetros necessários à noticiabilidade, que incluem clareza,

coerência, satisfação, coesão, credibilidade e sinceridade. Complementar, embora inverso, o

relato perlocutório, exemplificado por uma declaração de desvalorização de uma moeda,

também pode gerar notícia, segundo o autor.

Por estabelecer critérios que vão do registro da notabilidade até a organização dos fatos,

Rodrigues (1999) afirma que o relato objetivo e factual abarca a subjetividade do jornalista.

Hipótese que afasta a possibilidade de existência de um comunicador neutro. Afinal, para

Traquina (1999), o jornalista é um participante ativo no processo de construção da realidade,

aproveitando-se do acontecimento para criar a notícia, geradora de novos acontecimentos. Por 

atuar ao seu modo como um observador da realidade, Rodrigues admite que ao jornalista mais

valha a credibilidade que a tentativa de ser objetivo, um mito dos dias de hoje.

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Tanto Traquina (1999) como Rodrigues (1999) lembram que a objetividade nasce em uma

sociedade de valores positivistas que derruba o verdadeiro mito, antiga forma de organização

dos fatos e de identidade social. Neste contexto, surge o jornalismo informativo, praticado,

sobretudo, pelas agências de notícias. Mais tarde, o próprio conceito de objetividade vem à

tona, a fim de minimizar os impactos da propaganda e das relações públicas na abordagem

 jornalística, questionada durante a Primeira Guerra Mundial. Segundo Lustosa (1996), o

discurso pela objetividade se aplica até hoje nas redações, sobretudo, graças a uma parcela da

imprensa que o utiliza a fim de conquistar a credibilidade de seu público com a ideia de que o

 produto oferecido está isento de opinião.

Hoje, porém, trabalha-se com a ideia de notícia como a técnica de relatar um fato, conformeLustosa (1996). Por isso, Traquina (1999) a apresenta não como um relato objetivo, mas como

um índice do real. Para o autor, cabe aos veículos de comunicação oferecer notícias julgadas

como significativas e interessantes, mesmo que encontrem dificuldades espaciais e temporais

 para exercer tal tarefa, necessária por se tratar de um negócio em que a qualidade precisa o

valor do produto. Aliás, o conceito de atualidade é um critério de noticiabilidade, por ser um

dos requisitos necessários para que o acontecimento adquira existência pública, de acordo com

Wolf (1995). Neste sentido, a factualidade também surge como um valor-notícia, pois qualificao acontecimento, tornando-o digno de pertencer ao produto final do jornalismo.

Estes valores-notícia provêm de pressupostos como os critérios substantivos que, segundo Wolf 

(1995), estão fundados na importância e no interesse do cidadão pela notícia. A importância é

definida, por exemplo, pelo grau e nível hierárquico dos envolvidos no acontecimento; pelo

impacto de um fato sobre a nação e seu interesse nacional; pela quantidade de pessoas em torno

do acontecimento e pela força do significado vinculado ao acontecimento. Com relação aointeresse chamam atenção histórias de pessoas comuns a viver em condições incomuns; homens

 públicos em conflito com sua vida privada; casos de inversão de papeis; histórias de feitos

grandiosos ou de interesse humano.

Entre os outros critérios expostos por Wolf (1995), há aqueles relativos ao produto e que dizem

respeito à disponibilidade de materiais e às características específicas do bem de consumo

informativo, tais como o espaço reservado à notícia; a frequência dos acontecimentos; o

equilíbrio de matérias ao serem dispostas em um jornal; a qualidade de uma história, que deve

conter ação, ritmo, clareza de linguagem e diferentes pontos de vista; e a atualidade. Por causa

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deste pressuposto, o tempo está intimamente ligado à prática jornalística, promovendo a tirania

do fechamento, também conhecido com deadline. Para combatê-la, Traquina (1999) salienta

que o jornalista utiliza técnicas narrativas e literárias que transformam o acontecimento em

notícia.

A corrida contra o cronômetro carrega consigo, porém, consequências penosas ao jornalismo,

segundo Traquina (1999). Acostumado a trabalhar com uma agenda de eventos, o profissional

da área apresenta dificuldades ao transcender a cobertura dos fatos e discutir problemas sociais.

Como resultado, quase sempre não confere aprofundamento a estas questões. Em função do

tempo e da necessidade da matéria, o jornalista estabelece uma relação aproximada com

algumas fontes, que frequentemente ganham espaço na mídia, seja por sua posição ou por estarem habituadas a tratar com a imprensa. Uma rotina que propicia o aparecimento de

factoides, pois a fonte deseja que sua versão dos fatos adquira relevo dentro da matéria.

Além do tempo e da estratificação das fontes, Traquina (1999) elenca a disponibilidade espacial

como outro entrave à produção noticiosa. A distribuição geográfica de uma empresa de

comunicação, sobretudo as menores, delimita o campo de matéria-prima do jornalista. Já o

tratamento conferido a uma determinada organização, como o Congresso e estatais do calibre daPetrobras ou a especialização por editorias ao mesmo tempo em que direcionam o profissional

da área, acabam por tornar rotineiro seu trabalho, setorizando a cobertura e seus atores – aqui

entendidos como fontes e personagens.

A repetição de práticas acaba por nivelar a cobertura dos veículos, que, de acordo com Wolf 

(1995), nutrem nos profissionais destas redações a expectativa de dar o furo na concorrência e

atrair o leitor. Para isso, o autor enumera outros valores-notícia relacionados ao meio decomunicação. A fim de conquistar o leitor, as publicações investem em um bom material visual,

capaz de entreter e fornecer informação ao consumidor da notícia. Já pensando nele, os

 jornalistas procuram prestar serviços e apresentar textos noticiosos que sejam capazes de fazer 

com que o público se identifique neles. Em virtude disso, Lustosa (1996) propõe que a notícia

seja um bem de consumo simbólico, que atenda às exigências do mercado, assim como

quaisquer outros produtos.

3.2 O jornalismo para revista e a reportagem

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A análise da notícia como um produto que busca responder às necessidades informativas de um

indivíduo ajuda a entender a razão pela qual existem inúmeros títulos de revista espalhados

mundo afora. Conforme Vilas Boas (1996), a revista semanal postula preencher os vazios do

 jornalismo diário com análises e interpretações do fato, expressos, sobretudo, por meio da

reportagem, gênero nobre do jornalismo. Lustosa (1996) reforça o caráter interpretativo do

veículo e ainda salienta seu cunho recuperativo e analítico, capaz de ampliar a notícia ao

interligar fatos e dados. Algo bem diferente da opinião, segundo Vilas Boas. Afinal, para este

autor “interpretar é dar a informação sem opinar, expondo ao leitor o quadro completo de uma

situação atual” (VILAS BOAS, 1996, p.77).

Embora, hoje, a revista sirva também à atividade jornalística, em sua concepção predominavamoutras preocupações, tais como a educação e o entretenimento. Scalzo (2004) recupera esta

história ao se lembrar da publicação pioneira deste veículo, a alemã  Erbauliche Monaths-

Unterredungen ou  Edificantes Discussões Mensais, lançada com aparência de livro em 1663.

Focada em teologia, tal experiência em revista já nasceu segmentada, uma característica comum

a esta forma de publicação, segundo a pesquisadora.

Entretanto, a revista no formato em que se conhece hoje, bem como o termo magazine, surgiuem Londres. De acordo com Scalzo (2004), a partir da The Gentleman’s Magazine, publicada

em 1731 e inspirada nas lojas que vendiam variedades, o conceito passou a representar revista

tanto em inglês, quanto em francês. Desde então, estas publicações conquistaram espaço,

devido ao uso de ilustrações, à diversidade dos assuntos pautados e ao avanço da indústria

gráfica. Com a maior tiragem, conforme a autora, os anunciantes se viram atraídos a investir 

naquele segmento informativo.

A primeira experiência brasileira do gênero ocorre com  As Variedades ou Ensaios de

 Literatura, em 1812, na cidade de Salvador. Vindas com a família real portuguesa, as revistas

sofreram mutação semelhante à estrangeira no Brasil até adquirirem as formas atuais. Ao longo

deste período, já na segunda metade do século XX, surgem revistas importantes tais como O

Cruzeiro, no final da década de 20 do século passado, e  Realidade, inaugurada em 1966 sob o

comando de Roberto Civita. Esta se destaca por ter sido uma revista crítica, especializada em

reportagens, que “[...] ajudou o país a descobrir-se” (SCALZO, 2004, p.17).

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Aliás, a ideia de revista como veículo informativo adquire contornos mais latentes após a

 primeira metade do século XX, sem abandonar sua vocação ao entretenimento, vista até hoje,

em maior proporção, nas revistas especializadas e ilustradas. Para Scalzo (2004), tal

característica qualifica este produto impresso como um veículo de comunicação multifacetado

negociável e capaz de prestar serviço à sociedade por meio da informação. A pesquisadora

acrescenta, no entanto, o formato de prático manuseio e transporte, a valorização das imagens e

a variedade de assuntos como diferenciais a permitir com que a revista seja até mesmo objeto a

ser colecionado. Não é a toa que Vilas Boas (1996) compreende a capa de uma revista como

uma embalagem, na qual o acontecimento surge de forma aparente e cuja estética busca atrair o

leitor a adquirí-la.

A fim de atingir uma porção deste mercado, as revistas tiveram de estabelecer seus nichos,

necessários à sua afirmação e manutenção como empresas. Efeito que, na análise de Scalzo

(2004), aponta para tipos comuns de segmentação, como de gênero, idade, geografia e temática.

Uma vez direcionadas, as revistas se tornaram capazes de dialogar com grupos selecionados, de

modo a consolidar a identidade de seu público por meio da informação. Vilas Boas (1996)

esclarece que quanto mais amplo for o público-alvo de uma revista, maior será o uso das formas

convencionais de jornalismo.

Em virtude desta relação com o leitor, Scalzo elucida que “Uma boa revista começa com um

 bom plano editorial e uma missão definida – um guia que vai ajudá-la a posicionar-se

objetivamente em relação ao leitor e ao mercado” (SCALZO, 2004, p.61). Nele, está a síntese

da visão do setor jornalístico sobre o periódico e sobre quem será e qual a relação com seu

 público-alvo, conjunto de consumidores cujas necessidades informativas devem ser atendidas.

Afinal, de acordo com Lustosa (1996) e Vilas Boas (1996), quem consome informação em umarevista está à procura de um texto mais profundo, capaz de formar opinião e repercutir 

tendências nas entrelinhas.

Centrado, sobretudo, na diferenciação entre os produtos jornalísticos notícia e reportagem, Vilas

Boas confere densidade à discussão sobre o texto de revista. “A notícia muda de caráter quando

demanda uma reportagem. A reportagem mostra como e por que uma determinada notícia

entrou para a história” (VILAS BOAS, 1996, p.43). Por isso, o autor expõe este gênero, comum

ao veículo revista, como algo mais documental e interpretativo que a redação dos jornais,

embora menos avançado e histórico que os livros-reportagem. Para tal resultado, os jornalistas

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se utilizam de algumas das técnicas da literatura e do seu background cultural para enriquecer o

texto. E com isso, obtêm um produto intensivo, que busca a profundidade ao invés da

informação pura, encontrada nos demais veículos de imprensa, sobretudo, naqueles focados na

 produção diária de notícias.

Em relação ao desenvolvimento da reportagem para a revista, Vilas Boas (1996) desmitifica o

fato de que neologismos, coloquialismos, ambiguidades e gírias não devem ser usados.

Conforme o autor, seu emprego é permitido, desde que moderadamente e adequado ao projeto

da matéria, que também deve zelar pelo ritmo, sonoridade, pontuação, além da variação do

tamanho das frases e pelo valor conotativo conferido a certas palavras. Ainda segundo Vilas

Boas, o texto de revista admite, entre outros recursos, exemplos, confrontação de ideias,analogias, lembranças, enumerações, detalhes, comparações, testemunhos e contrastes. Neste

contexto, até a correta utilização do verbo dicendi – tal como alfineta – se faz necessária, uma

vez que expressa as ações da personagem ou mesmo da fonte da maneira mais real possível.

Sem a obrigação de responder as seis perguntas básicas da prática jornalística (o que, quem,

quando, onde, como e por que) logo na abertura, o jornalista de revista pode se apropriar de

diversos recursos para começar suas matérias sem amarras. De acordo com Sodré e Ferrari(1986), o repórter pode realçar a visão ao propor ao leitor uma abertura fotográfica,

cinematográfica ou descritiva. Também pode valorizar a audição com o uso de citação e de

declaração real ou imaginada. Realçar a inventividade é outro recurso, que visa, neste caso,

apresentar uma abertura comparativa ou imaginativa. Já a valorização da pessoa ocorre quando

se conta uma história de uma personagem, colocando-se na situação proposta ou pondo o leitor 

na cena. Sodré e Ferrari (1986) sugerem também o jogo com fórmulas, quando se usa de frases

feitas e clichês a fim de retê-los ou alterá-los, provocando novos sentidos; além do jogo com as palavras, em que é possível usar trocadilhos, paradoxos e anedotas para abrir as matérias.

Muito além do emprego destes recursos textuais, Vilas Boas (1996) defende a originalidade

como condição fundamental ao texto de revista. Diferente da notícia, a reportagem se afasta do

modelo da pirâmide invertida ao apresentar uma narrativa linear com começo e fim, este a ser 

definido pelo esgotamento de conteúdo da matéria. Um fechamento delimitado por uma espécie

de moral da história, que segundo o autor, circunda esta forma de redação, motivada pela

angulação ou rumo que a reportagem terá de tomar conforme o roteiro.

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Por carecer de unidade e coerência, a reportagem na revista valoriza a correção mais que no

 jornal diário, onde o tempo é o imperativo. Por isso, Vilas Boas (1996) sugere que os excessos,

tais como adjetivos e advérbios em demasia, sejam retirados da redação. Tão importante quanto

este cuidado é a leitura atenta do texto a fim de eliminar possíveis vozes contraditórias e

aglutinação de ideias que comprometam a compreensão do que o repórter pretende expressar.

Por isso, o autor propõe que a matéria seja apresentada ao leitor em doses homeopáticas,

capazes de oferecer pequenas parcelas informativas a cada parágrafo.

O controle e a devida conexão dos fatos ao longo da reportagem não se limitam à técnica. A

capacidade de improvisação ajuda a despertar no leitor o interesse pelo texto. Um cenário que,

segundo Vilas Boas (1996), evidencia o estilo do jornalista, algo influenciado diretamente pelotempo, pelo espaço e pela bagagem cultural do repórter envolvido com a matéria. Apesar disso,

outras formas de estilos contribuem para que o texto encontrado nas revistas cumpra o seu papel

de informar e de entreter um nicho específico. Destacam-se o estilo da empresa; o veículo

revista, uma forma de estilo jornalístico, e; o jornalismo, modo peculiar de comunicação.

Por sua linguagem predominantemente narrativa, a revista se diferencia dos demais veículos.

Para Sodré e Ferrari (1996), tal estrutura exige que o repórter elabore o texto com base nasações dos personagens e nos ambientes em que se configuram estas cenas, podendo humanizar 

o relato, mesmo que narrando de forma objetiva. Sobre este tipo de reportagem, a narrativa, os

autores enumeram três formatos. O primeiro deles se volta aos fatos e respeita o modelo

americano da pirâmide invertida. Já a reportagem de ação, que começa pelo fato mais atraente e

desenrola acontecimentos; e a reportagem documental, que melhor se aproxima da pesquisa,

encaixam-se no formato comum aos romances, com introdução, desenvolvimento e conclusão.

Com um enfoque mais amplo que a análise de Vilas Boas (1996), Coimbra (1993) propõe uma

definição de modelos de reportagem e também desenvolve um pensamento acerca da narração.

Conforme o autor, o gênero se divide em três com textos de caráter descritivo, dissertativo e

narrativo. A reportagem descritiva, segundo Coimbra (1993), parte de um tema-chave e passa a

detalhá-lo ao apresentar seus subtemas, qualidades e ações. Já a matéria dissertativa também

 pode ser compreendida como argumentativa. No caso da reportagem narrativa, o autor a elenca,

 primeiramente, por categorias e depois a classifica de acordo com o foco narrativo.

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Dentre as categorias elencadas por Coimbra (1993) estão a exposição, que presume interpretar 

os fatos; a compilação, ação de reunir diferentes visões ou informações, e; a resolução, o ato de

apresentar uma conclusão acerca de um possível evento. Complementam tais funções a

avaliação e uma moral, elementos comuns ao narrar em revista. Afinal, segundo Vilas Boas

(1996), a reportagem para periódicos deste formato carrega consigo um ponto de vista, que

 junto à angulação, direcionam a narrativa, modelo imprescindível ao jornalismo de revista.

Em relação ao foco narrativo, Coimbra (1993) dispõe a reportagem em quatros tipos. A

 primeira é quando há o narrador-testemunha, personagem secundário da matéria, que se limita a

reproduzir o que presenciou e ouviu. Com o narrador-protagonista, porém, as impressões,

sentimentos e pensamentos do repórter chegam ao texto, seja por meio do relato de suaexperiência particular ou pelo depoimento do entrevistado, que adquire  status de escritor da

matéria. Algo comum às reportagens-perfil. Há também o narrador-onisciente, aquele que tem

conhecimento do desenlace dos acontecimentos e pensamentos, interferindo neles ou não. Por 

fim, Coimbra (1993) apresenta o modo dramático, limitado à fala e às ações das personagens.

O desenrolar narrativo também exige uma compreensão sobre as marcas temporais de um

tempo jornalístico. Por isso, Coimbra, baseado em obra de Benedito Nunes6

  (1988 citado por COIMBRA, 1993), traça quatro modalidades de expressão do tempo narrativo. A primeira

delas, psicológica, funde o passado com o presente ao ser delimitada pelos estados internos, e

 por isso, individuais dos personagens. Já o tempo físico é demarcado por elementos da natureza,

a exemplo do sol e do momento dele raiar ou se pôr. O tempo cronológico, por sua vez, é aquele

socialmente convencionado, definido pelo relógio e pelos calendários. Por fim, Coimbra (1993)

apresenta o tempo lingüístico, exemplificado pelo presente histórico, situação em que fatos do

 passado são narrados como se tivessem acontecendo no presente.

Vilas Boas (1996) se vale de outras marcas, que complementam a compreensão sobre o tempo

na narrativa, iniciada por Coimbra (1993). Para o autor, atitudes como retardar o desenlace do

clímax, evocando momentos anteriores ou antecipando sequências posteriores ao plano do

tempo do acontecimento, podem ser úteis à reportagem em revista. Além dela, Vilas Boas

(1996) destaca o seu inverso, a aceleração, que pode ser conseguida ao se aproveitar as falas das

 personagens; junto ao que denomina como figuras de duração. Elas são, segundo o autor, o

sumário, o alongamento, a cena, a pausa e o corte, todas, elementos que interferem diretamente

6 NUNES, Benedito. O tempo da narrativa. São Paulo: Ática, 1988.

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no andamento do discurso, seja por pormenorizar, por resumir ou por mudar o enfoque em um

dado momento.

Ainda centrado no tempo da narrativa, Vilas Boas (1996) esclarece um conceito importante: a

diferença entre a história e o discurso. Conforme o autor, história vem a ser uma sucessão de

acontecimentos, personagens e cenários que tendem a ser mostrados no texto narrativo. Logo, a

história é o conteúdo da narrativa, cuja unidade de medida é temporal. Já o discurso é a própria

narrativa. Por isso, sua unidade de medida está vinculada ao espaço ocupado em linhas, colunas

e páginas.

Elementos fundamentais ao discurso, as personagens também são particularizadas, assim comoo tempo. Segundo Vilas Boas (1996), pode-se evidenciar nestes entrevistados, que na

reportagem cumprem a função exemplificar e dar vida à narrativa, traços universais ao homem,

além de aspectos físicos, pessoais e emocionais. Sodré e Ferrari (1986) aprofundam a discussão

ao propor três modelos de personagem: o indivíduo, retratado por suas atitudes e

comportamento psicológico; o tipo, que expressa formas comuns como o esportista, o cantor, o

milionário; além da personagem-caricatura, como tendência à exibição.

É bem verdade que qualquer reportagem pode incorporar um perfil, sem que, necessariamente,

dedique toda uma discussão a uma personagem. A esta interrupção da narrativa para apresentar 

uma determinada pessoa, Sodré e Ferrari (1986) denominam como mini-perfil. Algo diferente

do perfil, que se volta exclusivamente a um indivíduo ou coisa. Os autores ressaltam, porém,

que devido à multiplicidade de narrativas a engendrar a argumentação da reportagem, este tipo

de perfil pode ser compreendido como um multi-perfil. Um exemplo é a homenagem de

Armando Nogueira a Garrincha, na época de sua morte. Um relato que trazia muito da essênciado que vem a ser o brasileiro, em uma reportagem costurada com diferentes discursos.

3.3 O jornalismo literário e o antropojornalismo

Por explorar o instrumental da narrativa em seu gênero nobre, a reportagem, alguns autores

 brasileiros aproximam o jornalismo da literatura. Diferentemente de Alceu Amoroso Lima e de

Edvaldo Pereira Lima, pesquisadores aos quais recorre, Vilas Boas (1996) propõe que o

 jornalismo, principalmente em revista, seja uma espécie de literatura sob pressão, um exercício

de inspiração e muita transpiração condicionado a um deadline. A mesma discussão ganha

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outros contornos na Espanha. De acordo com Pena (2006), aquele país admite duas formas de

 jornalismo literário: o  periodismo de creación, cujas publicações impressas são puramente

literárias, e o  periodismo informativo de creación, com seus textos informativos dotados de

estética narrativa apurada.

Em seus estudos sobre jornalismo literário, Pena (2006) resgata as origens desta interação entre

o relato jornalístico e do escritor ao recordar da eclosão do jornalismo popular europeu, entre

1830 a 1840. Organizadas como empresas capitalistas, estas publicações permitiram com que

escritores preenchessem páginas com suas narrativas, o que aumentava as vendas, a tiragem, o

número de leitores e de anunciantes e, por consequência, diminuía o preço do produto. Por isso,

grandes nomes do gênero romance e do movimento realista social como Victor Hugo, Balzac eDickens dedicaram sua arte aos jornais do Velho Continente. Lima (2003) acrescenta que suas

histórias tinham como base uma observação detalhada da realidade, que incluía anotações sobre

a linguagem, tipos humanos, ambientes e costumes.

Percebe-se, hoje, principalmente no jornalismo de revista, a utilização de técnicas literárias que

acabam por aproximar a reportagem do conto. Vilas Boas (1996) lembra que ambos os gêneros

são predominantemente narrativos. Além do mais, carregam suspense e novidade de formacondensada e, necessariamente, clara. Já Sodré e Ferrari (1986) chamam atenção para a relação

entre a crônica e a reportagem pelo fato de as duas explorarem a ambientação e particularidades

que obedecem a certos critérios antes de serem relatadas. Por isso, Pena (2006) define os

gêneros – sejam eles jornalísticos ou literários – como algo relativo e transitório, capaz de se

renovar constantemente.

Apesar deste histórico de aproximação, Vilas Boas (1996) esclarece que o jornalismo trabalhacom fatos, enquanto a literatura pode se enveredar pela ficção. O que não impede, conforme

Pena (2006), a apropriação por parte da atividade jornalística de técnicas literárias para

aprimoramento das redações veiculadas nos jornais e, sobretudo, nas revistas. Neste sentido,

enumera sete pontos comuns ao jornalismo literário, conceituado pelo autor como a “linguagem

musical de transformação expressiva e informacional”, responsável por abarcar subgêneros

como o romance-reportagem e o New Journalism (PENA, 2006, p.14).

O primeiro ponto comum ao jornalismo literário seria reforçar a apuração, observar atentamente

um fato, expressar-se com clareza e de maneira ética. Assim, segundo Pena (2006),

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 potencializar-se-iam os recursos jornalísticos. Em segundo lugar, deve-se romper com a

 periodicidade e a atualidade, indo além dos limites do acontecimento diário. Uma das formas de

ultrapassar as barreiras do cotidiano seria conferindo a maior profundidade interpretativa

 possível à matéria, resgatando informações e buscando o contexto, o terceiro ponto, segundo o

autor. Ter espírito público e propor pautas que contribuam socialmente, além de fugir do círculo

vicioso da repetição de fontes e enfoques também são marcas desta prática jornalística.

Completa o plano de propostas a ruptura com o lead e a conseqüente busca pela criatividade,

além da perenidade do texto, que no jornalismo diário logo se esgota.

Todos estes critérios que se tornam ainda mais tênues quando se trata do  New Journalism,

movimento em que a subjetividade da repórter assume o lugar da pretensa objetividade.Segundo Vilas Boas (1996), com o advento do Novo Jornalismo o modus operandi de alguns

repórteres de feature7 dos periódicos dos Estados Unidos se transformou. Inaugurada no início

dos anos 60 do século passado, a nova prática, que contou com nomes como Truman Capote,

Gay Talese e Tom Wolfe, permitiu a estes jornalistas gozar de maior liberdade de

experimentação nas redações estadunidenses. Devido ao maior tempo e a possibilidade de

 planejar suas pautas, estes repórteres narraram e documentaram os movimentos sociais e de

contracultura que emergiam na Guerra Fria por meio de um jornalismo de exaustão.

Tal profundidade tem como base alguns mandamentos do Novo Jornalismo, elencados por 

Wolfe (2004). Uma das expressões do movimento, o autor destaca o emprego de reconstruções

simbólicas cena a cena, assim como no cinema, além a utilização de diálogos completos como

forma de alicerçar a interpretação e a legitimar, característica também observada por Vilas Boas

(1996) e Santos (2005). Wolfe (2004) ressalta ainda outras características como o uso da

terceira pessoa, a fim de apresentar a cena por intermédio do olhar da personagem; e o registrodo comportamento, das manias e gostos do entrevistado. Para o autor, o vestuário ou a mobília

de uma residência carregam informações importantes sobre quem é a personagem e por isso não

 podem ser desprezadas pelo repórter em campo.

Em Abaixo jornalismo bege, posfácio da obra de Wolfe (2004), Joaquim Ferreira dos Santos

transcende os mandamentos do jornalista estadunidense ao propor dez particularidades7  Feature é, de acordo com o Pequeno glossário de comunicação jornalística da Unesp, a reportagem que parte de

um fato e busca contextualizá-lo de forma mais abrangente. Por isso, este tipo de matéria é considerada especial por necessitar de maior tempo para a apuração e de maior espaço editorial. Ver Faac Unesp(www.faac.unesp.br/graduacao/di/downloads/produ%e7%e3o%20grafica/Pequeno_glossario.doc). Acesso em30 set. 2011.

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discursivas e estilistas do  New Journalism. Para Ferreira dos Santos, o repórter deve superar a

ideia de olhar único do relato. À luz desta situação, o jornalista tem de buscar entrevistas

aprofundadas, além de diferentes pontos de vista e abordagens. Modelos e padrões editoriais

não devem ser levados em conta. Afinal, para o autor, o Novo Jornalismo prescinde de maior 

tempo e da utilização de recursos literários mais sofisticados, tais como monólogos interiores.

Para isso, Ferreira dos Santos também aponta como necessária à ousadia discursiva, a ruptura

com os gêneros jornalísticos e literários e a observação do cotidiano.

Embora tenha sido inventivo e seja motivo de estudo e culto até os dias de hoje, o  New

 Journalism perdeu fôlego no final da década de 70 do século XX. Apesar disso, o movimento

iniciado nos Estados Unidos deixou uma importante herança ao jornalismo literário. Para VilasBoas (1996), a melhor expressão brasileira daquelas práticas pôde ser encontrada em  Realidade.

A extinta revista do Grupo Abril se dedicou a empreender em suas páginas textos que

assumissem uma perspectiva mais individual, envolta pelas vivências e pela visão de mundo do

repórter. Atualmente, é comum encontrar reportagens com esta marca de literalidade nas

edições das revistas Brasileiros, piauí e Trip.

Vilas Boas (1996) manifesta outro aspecto particular ao New Journalism. Trata-se da dualidadeentre os aspectos objetivos e subjetivos, que acaba por aguçar, no repórter, percepções e

impressões acerca da realidade que o cerca. É neste contexto, de maior subjetividade aplicada

aos processos da reportagem, que Santos (2005) reforça o fato de o jornalismo literário se valer 

da verossimilhança para descrever de maneira crível a realidade, reproduzindo o real, como

complementa Vilas Boas (1996).

À tentativa de se vivenciar o ambiente das personagens, atribui-se o nome de observação participante, um recurso comum à antropologia incorporado ao jornalismo. Travancas (2002)

elucida, porém, que a análise de um fato in loco – o estudo de campo ou observação direta da

unidade social – pode expor os responsáveis por relatar os acontecimentos aos perigos da

“participação observante”, lesando desde grupos emergentes até a sociedade por inteiro.

Embora esta seja uma latente peculiaridade que aproxima o jornalismo literário da antropologia,

Travancas (2002) e Santos (2005) discorrem sobre outras, de forma a construir um panorama do

que vêm a ser o antropojornalismo.

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Assim como o jornalista, o antropólogo produz relatos – embora científicos – que acabam

situando os leitores acerca do lugar e da interpretação da realidade analisada devido à sua

 particularidade. A análise de Travancas (2002) se assemelha ao que fora proposto pelos teóricos

do jornalismo literário. A autora compreende que tanto os profissionais da antropologia, quanto

do jornalismo, são, por essência, mediadores e leitores do mundo, expressando os valores do

observador e da sociedade do observado. Ambos também buscam sintetizar suas pesquisas de

forma geográfica, histórica e sistemática, descrevendo o ambiente, resgatando fatos e

delimitando o assunto abordado.

Com base na Antropologia Interpretativa desenvolvida pelo estadunidense Clifford Geertz,

Travancas (2002) expõe que o antropólogo segue a lógica ficcional ao desenvolver o textoetnográfico, mais outro ponto relacionar o seu ofício ao dos adeptos do jornalismo literário. A

razão está no fato de seu relato ser uma segunda ou terceira interpretação, algo construído a

 partir da apreensão subjetiva da cultura a ser estudada e com base na verossimilhança, algo que

Santos (2005) já alertava.

A apreensão subjetiva de um acontecimento é, aliás, uma prática bem-vinda ao jornalismo,

conforme Travancas (2002) e Santos (2005). Por particularizar a realidade, ela tende aminimizar a superficialidade comum aos textos jornalísticos, sobretudo, aqueles que seguem os

manuais das empresas ou são submetidos a fechamentos curtos. Depois, por aproximar o

acontecimento de seu leitor por meio da interpretação do jornalista, sujeito que tem de se

 preocupar em escrever em função do seu público-alvo. Além do mais, a apreensão subjetiva da

cultura possibilita, segundo Travancas (2002), maior riqueza de detalhes e informações.

A busca pela objetividade, algo distante do antropojornalismo e do jornalismo literário, teriaocultado o significado e o significante, partes do signo, ressaltando apenas o referente. Esta

supressão, conforme argumenta Santos (2005), fez com que os fatos ocorressem por si só, não

conectando o objeto em si à sua representação. Daí a razão para a superficialidade apontada por 

Travancas (2002). Santos (2005) observa que tal visão de jornalismo cria uma ilusão da

 presença do objeto, inatingível em sua totalidade. O autor reforça ainda que, embora aparentem

objetividade, até mesmo os dados referenciais são interpretados.

 Neste modelo estritamente informativo, os espaços de subjetividade quase sempre se restringem

às colunas. A interpretação, porém, deveria ter espaço na reportagem. Para Travancas (2002), o

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 problema para o predomínio de textos rasos na imprensa se relaciona aos valores burgueses

atribuídos às sociedades complexas. Desta forma, a autora infere que o anonimato, as relações

transitórias e a superficialidade tomaram a imprensa e colaboraram para a mecanização de suas

atividades. Tal influência, segundo Travancas (2002), determinou o modo como o jornalista

reporta algum fato e como colabora para que seu relato reflita a cultura na qual se insere. Além

do mais, a autora leva em conta que esta consciência sobre o que cerca o repórter é tarefa

comum ao antropólogo.

Tanto, que ao considerar a comunicação como um sistema social, em que a cultura desempenha

importante papel, Batista (2008) entende que o jornalismo e a antropologia estão mais próximos

do que aparentam. Para o autor, a investigação do comportamento, dos objetos e deacontecimentos são nada mais que valores comunicativos. Por isso, é comum, segundo Batista

(2008), que ambos mirem em semelhantes objetos de estudo, busquem angulações próximas ou

até mesmo relatem o cotidiano dos mesmos atores sociais. Afinal, interessa a jornalistas e

antropólogos criar extensões da realidade por meio de reportagens, relatos etnográficos e da

fotografia, produtos capazes de ampliar os conhecimentos temporais, espaciais e culturais do

seu público.

4 UM BRASIL E SEUS PROTAGONISTAS PELA REVISTA BRASILEIROS 

4.1 Metodologia

Desenvolvido o referencial teórico deste estudo, neste capítulo será analisado como a identidade

 brasileira é representada por meio dos protagonistas das reportagens veiculadas em 15 edições

da revista  Brasileiros, publicadas entre o ano de fundação do periódico, 2007, até o atual. A

opção por tal modelo de reportagem tem a ver com a proposta de se analisar a representação da

identidade brasileira por meio de seus protagonistas, entendidos por Laraia (1999) como os

responsáveis por renovar ou cultivar os hábitos de uma determinada cultura. De acordo com

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Vilas Boas (1996) e Sodré e Ferrari (1986), o perfil aparece em uma narrativa como forma de

dar relevo a certa personagem, realçando seus hábitos, características marcantes ou um

arquétipo.

Por sua vez, a escolha das edições se deve à tentativa de, em primeiro lugar, mensurar a

representatividade das reportagens-perfil ao longo dos anos em Brasileiros. Depois, a opção de

15 edições espaçadas entre 2007 e 2011 atende a necessidade de verificar se a presença de

características comuns à identidade brasileira acompanha a revista desde sua criação até as

edições mais recentes ou se ela se concentra apenas em um dado período da publicação.

Em virtude destes objetivos, optou-se tanto pela análise quantitativa, quanto pela qualitativa.Por isso, textos, fotografias, títulos, chamadas de capa, legendas e critérios editoriais serão

descritos. Afinal, pretende-se compreender como a revista dá visibilidade aos personagens

 postos em destaque e como é o brasileiro para a publicação. Na execução desta tarefa, os

conceitos de cultura, protagonismo, identidade brasileira, jornalismo de revista, reportagem,

 jornalismo literário e antropojornalismo também estabelecerão o que é reportagem-perfil e

ajudarão a identificar o emprego de traços inerentes ao tipo brasileiro nas narrativas

 jornalísticas, foco desta pesquisa.

4.2 A revista Brasileiros

“Brasileiros, revista mensal de reportagens, tem como foco o Brasil, seus grandes temas, seus

grandes desafios e, principalmente, seus habitantes e suas histórias” (MELLO, 2007). A frase

de abertura do primeiro editorial da então noviça publicação de reportagens, assinado pelo seu

diretor de redação, Hélio Campos Mello, sintetiza a missão do periódico. Lançada em 2007, a Brasileiros fez da saga por personagens que compõem o imenso quebra-cabeça chamado Brasil

um compromisso editorial que perdura até hoje. Aliás, Vilas Boas (1996) argumenta que a

 busca incessante por personagens deveria ser um dos elementos a diferenciar o texto de jornal

daquele veiculado na revista.

Por carregar no nome o adjetivo pátrio que une os nativos deste país, Brasileiros tem de ir além,

abrangendo as diferentes representações que constituem a identidade brasileira. É neste

contexto multicultural, quase sempre dual como já apontava DaMatta (2001), que Mello garante

a pluralidade de perfis que adquirem ares de protagonismo nas páginas da publicação.

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“Qualquer morador do Brasil, qualquer brasileiro fora do País, qualquer um que tenha uma boa

história para contar nos interessa. Célebre ou anônimo, bonito ou feio, rico ou pobre, alegre ou

triste, morador dos Jardins, de Ipanema ou dos grotões, conservador ou revolucionário”

(MELLO, 2007).

Idealizada por seu diretor de redação e ex-fotógrafo de Veja e IstoÉ , junto ao seu amigo e ex-

correspondente internacional, Nirlando Beirão, a  Brasileiros se diferencia das demais

 publicações nacionais por ter se notabilizado como uma revista de grandes reportagens e perfis

que se vale de técnicas da literatura de realismo social, pilares do jornalismo literário, conforme

Lima (2003). Aliás, está em uma das primeiras reportagens do periódico, Aprendendo a ser Gay

Talese, o atestado em favor do New Journalism. Na matéria, o correspondente da  Rede Globonos Estados Unidos, Jorge Pontual, é categórico: “Este senhor é um dos maiores jornalistas de

todos os tempos. Faz o tipo de trabalho que  Brasileiros valoriza e pretende retomar”

(PONTUAL, 2007, p. 116).

A opção por “reportagens de fôlego”, expressão usada em um dos antigos  slogans da revista,

 prescinde de maior tempo para a produção das matérias. A periodicidade mensal vem, neste

caso, reforçar esta intenção. Com o fechamento mais prolongado,  Brasileiros pôde se dedicar aoutras questões além da ênfase textual e da narrativização das histórias, como o fotojornalismo,

ferramenta complementar ao texto impresso. Em entrevista a Rafael Rodrigues (2009), editor de

 Entretantos, Mello esclarece que a Brasileiros é a realização de um desejo de trabalhar em uma

revista com espaço para grandes reportagens que se valessem da observação em campo, que

explorassem boas fotografias e aberturas e que, ainda por cima, prezassem pelo texto. O diretor 

de redação do impresso cita a extinta  Realidade, de Roberto Civita, e a  National Geographic

como referências.

Como resultado desta empreitada, obteve-se uma revista cuja produção acentua aspectos da vida

social dos nativos na seção 30 dias na vida dos brasileiros e que se preocupa em discutir os

 problemas do país nas demais seções, seja por meio de reportagens ou por um dos espaços de

interação com o leitor, o Você acredita no Brasil?. A promover estas discussões estão nomes

como Ricardo Kotscho, Alex Solnik, Marcelo Pinheiro e Eduardo Hollanda. Em pouco mais de

quatro anos de existência, estes repórteres e editores junto a tantos outros colaboradores fizeram

com que a editora homônima à revista atingisse a marca de 35 mil exemplares rodados e

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livros, espetáculos em cartaz e crônicas. Ou seja, transformam o acontecimento, ponto zero da

significação, segundo Rodrigues (1999), em conteúdo informativo-jornalístico pronto para ser 

consumido pelos leitores da publicação.

Excluída da análise a primeira metade da revista, a seção 30 dias na vida dos brasileiros, ao

verificar o conteúdo restante das 15 edições se pode encontrar 69 perfis dentre um total de 139

reportagens que seguem os critérios sugeridos por Sodré e Ferrari (1986), Coimbra (1993) e

Vilas Boas (1996). Tal proporção representa 49,64% de reportagens-perfis ao longo da segunda

metade da  Brasileiros. Números que acentuam o discurso de Hélio Campos Mello, que

apresenta sua criação como uma publicação focada em histórias de brasileiros.

O destaque positivo fica por conta da edição 33, publicada em abril de 2009, em virtude dos 10

 perfis encontrados em um total de 13 reportagens. Um aproveitamento de 76,92% do gênero,

sobretudo, devido ao Especial Brasília. Já a edição 40, de novembro de 2010, aparece tão

somente com um perfil dentre oito reportagens publicadas nas demais seções da revista. Esta

edição da revista  Brasileiros foi distribuída com a presidente eleita Dilma Rousseff na capa e

com foco nas eleições de 2010.

Dentre estas 69 reportagens-perfil, percebe-se o predomínio da observação in loco, anunciada

textualmente pelos repórteres em diferentes situações. Além disso, evidencia-se a utilização de

documentos e relatos a fim de reconstituir histórias sobre brasileiros. As reportagens  No

caminho, de Antonio Torello para a edição 40, e  Patrícia das Antas, de Liana John para a

edição 36, valem-se da observação participante, recurso que, assim como a apuração no local,

aproxima o jornalismo da antropologia, segundo Travancas (2002). Por meio desta técnica, o

repórter pode interpretar os fatos se colocando mais próximo da realidade do entrevistado, o que permite uma maior profundidade ao relato jornalístico, conforme advoga Santos (2005).

Ao quantificar o material empírico desta pesquisa, observou-se nas reportagens evidências do

 protagonismo, conceito abordado por Ferretti, Zibas e Tartuce (2004), além de Fernandes

(2006) e Klein (2008). Neste exercício, procurou-se detectar personagens que foram capazes de

se afirmar socialmente, difundindo experiências e adquirindo projeção para seu grupo ou

história. Como resultado, obteve-se, em todos os casos, reportagens antropológicas, tipo em que

 predomina a observação e o relato do observado, e agonais, matérias em que os sujeitos

emergem ao encarar algum conflito, segundo Klein (2008).

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A fim de viabilizar a pesquisa, não serão analisadas as 69 reportagens-perfil que aparecem nas

15 edições selecionadas. Em virtude do tempo disponível, 40 matérias do gênero servirão de

material empírico para esta pesquisa, o equivalente a 57,97% de toda a amostra.

4.3.2 Os brasileiros na Brasileiros

Personagens ativos na construção da realidade social, os brasileiros retratados nas páginas da

revista homônima ao adjetivo-pátrio, terão, neste item, suas histórias analisadas sob o ponto de

vista dual e relacional que tece o arcabouço teórico sobre a identidade brasileira. Tanto para

Holanda (1969), quanto para DaMatta (2001), há uma brasilidade que acentua o comportamentodos nativos, na medida em que os protagonistas de nossa história reforçam determinadas

heranças culturais.

 Na reportagem O “enciclopédia” e suas histórias, publicada na primeira edição da Brasileiros,

em 2007, o repórter Darcio Oliveira aclara algumas características do brasileiro apontadas por 

Holanda (1969) a partir de documentos e memórias sobre Nilton Santos, elaborando assim, uma

reportagem em certa medida descritiva, em outra, narrativa, conforme conceitos de Sodré eFerrari (1986), Coimbra (1993) e Vilas Boas (1996). Considerado o maior lateral-esquerdo da

história pela revista France Football , a narrativa acerca do sucesso do ex-botafoguense Nilton

Santos deixa ressaltar sua capacidade de superação por meio do futebol, o seu espírito

aventureiro ao apostar no seu talento, além da renúncia ao individual em favor do (jogo)

coletivo e a inclinação às profissões liberais.

De maneira similar, o jornalista Nirlando Beirão, na reportagem literária O auditório é uma arte(ver anexo 1), capa da edição 50 de  Brasileiros, interpreta que a coragem da apresentadora

gaúcha Fernanda Lima em abandonar o seio familiar, em favor da sua carreira de modelo já aos

14 anos, evidencia o espírito aventureiro da então jovem. Eis que por meio da interpretação, um

recurso do jornalismo de revista, conforme Vilas Boas (1996), Beirão faz ressaltar tal traço

identitário nacional, uma das heranças portuguesas. Basta lembrar que os patrícios instauraram

o primeiro estado-nação europeu e cruzaram oceanos com o objetivo de empilhar riquezas.

Em outra reportagem, Tainá quer dizer estrela, publicada na edição de lançamento da

 Brasileiros, em 2007, Thiago Lotufo também enfatiza o espírito aventureiro de sua personagem.

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Conforme relato do autor, a conterrânea de Fernanda Lima, Tainá Müller, demonstrou coragem

ao largar o jornalismo e se enveredar pela vida artística, primeiro como modelo e depois

estrelando o premiado filme Cão sem dono, de Beto Brant. Ao dispor tais elementos, Lotufo

(2007) interliga fatos e promove o que Lustosa (1996) expõe como cunho recuperativo e

analítico, buscando o contexto, algo comum ao veículo revista e ao jornalismo literário,

segundo Pena (2006).

Audaciosa, assim como Fernanda Lima e Tainá Müller, a família Coser conseguiu sair da

condição de simples de lavradora para proprietária da maior rede de churrascaria do mundo. A

 prova disso está na história da filial paulista da Fogo de Chão, descrita por Carlos Eduardo

Oliveira, na matéria Carne forte, da edição 46 de Brasileiros. “Graças a empréstimos bancáriose à venda de dois dos três pontos gaúchos, a filial foi aberta, em 1986, em Moema, bem

 próxima ao aeroporto de Congonhas - a aposta foi no fenomenal fluxo diário de carros na via.”

(OLIVEIRA, 2011, p. 97). O fato de 22 funcionários terem embarcado rumo ao Texas, nos

Estados Unidos, só com passagem de ida para a loja de lá e de os donos da empresa não falarem

inglês são outras amostras do espírito aventureiro dos brasileiros.

Outra a ressaltar tal tendência brasileira à aventura é Liana John, em  Leontino da cana verde,reportagem da edição 50 da revista. Nela, a jornalista relata como Balbo conseguiu convencer a

família a investir na Native, empresa pioneira em açúcar orgânico. O agrônomo ainda se

destacou mundialmente pela invenção de implementos agrícolas para o plantio, tratamento e

colheita da cana-verde. Leontino é um típico caso de superação e de espírito aventureiro,

comum ao brasileiro estudado por Holanda (1969). O ambiente onde a narrativa acontece

também ajuda a aproximar o exemplo à história brasileira, pois se trata de um canavial,

comprovado pela fotografia de abertura da matéria, retirada pela própria Liana John. Travancas(2002) e Batista (2008) lembram que interessa a antropólogos e jornalistas produzir relatos e

que a fotografia é dos recursos para se descrever uma pessoa, grupo ou sociedade.

Por ser uma atividade, sobretudo, coletiva, em que o talento ainda abre portas para uma rápida

ascensão social, é que o futebol atinge a popularidade que tem entre os brasileiros. O sonho de

se tornar um craque deste esporte alimenta muitos jovens, que vêem nele uma possibilidade de

ascensão social rápida. Nomes como o do ex-centroavante Romário reforçam esta máxima.

Afinal, o atleta tinha aversão a treinamentos.

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Contudo, a repulsa ao trabalho com opção pelo ócio e pela vida sem grande esforço,

observações de Holanda (1969) e DaMatta (2001) sobre o brasileiro, não é uma máxima. Beirão

descreve a global Fernanda Lima como uma workaholic assumida. Ricardo Kotscho, em O

monge da notícia, reportagem da edição 8 da revista, é outro a mostrar o inverso por meio do

 perfil de Heródoto Barbeiro e sua jornada, que começava às 6 da manhã na CBN e terminava

 por volta das 11 da noite no Jornal da Cultura. A pergunta “Como ele aguenta?”, repetida seis

vezes no texto, ajuda a reforçar a opção pelo trabalho em lugar do ócio.

O uso da interrogação por parte de Kotscho (2008) também instiga o leitor a buscar no texto

uma das seis perguntas básicas do jornalismo que, geralmente, é deixada de lado no jornalismo

diário: o como, conforme ressalva Vilas Boas (1996). São o como e o porquê os responsáveis por conferir maior descritivismo ao texto, atributo comum ao jornalismo literário, segundo Pena

(2006). Além disso, a subjetividade contida na pergunta “Como ele aguenta?”, evidencia o fato

de o relato do repórter de O monge da notícia ser uma segunda interpretação da realidade, o que

a aproxima da etnografia e da reportagem literária, já que tanto jornalistas, quanto antropólogos

expressam os valores do observador e da sociedade do observado, conforme Travancas (2002).

Para Holanda (1969), o espírito aventureiro e a obediência pelo princípio da disciplina podemconviver em um mesmo brasileiro, afinal, a identidade dos nativos do Brasil se constitui na

relação e no dualismo entre elementos aparentemente opostos. Eis que Patrícia Medici,

 personagem da narradora-protagonista Liana John para a matéria Patrícia das Antas, publicada

na edição 36 da revista, encaixa-se na situação proposta por Holanda (1969). Engenheira

florestal, mestre em Ecologia e doutora em antas – o maior mamífero terrestre brasileiro –,

Medici se embrenha no Pantanal em busca do animal, ao passo que se recolhe em frente ao

computador para estudá-lo diariamente. Algo relatado em detalhes devido, em certa medida, àobservação participante explicada por Travancas (2002). A técnica permitiu John se envolver 

com o trabalho de Medici a fim de entendê-lo melhor. Situação comum ao jornalismo literário e

ao antropojornalismo.

A renúncia à personalidade em favor de um bem maior também é reportada. Ela aparece

entrelaçada à desigualdade social, verificada na obra de Sorj (2000) por meio de elementos

como o acesso anômalo a bens de consumo coletivo, expressos na reportagem de Deborah

Giannini,  Poder de mobilizar . Espólio ibérico investigado por Holanda (1969) em suas

 pesquisas, o ato de abrir mão do personalismo se aclara na figura de Maria Elena Johannpeter 

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na medida em que a repórter narra a história da ONG Parceiros Voluntários e mostra como a

mobilizadora social age com prestância, outra atitude brasileira, segundo o autor. A

organização, criada por Johannpeter e relatada na edição 50, surgiu com o objetivo de aguçar 

nos sujeitos o espírito cooperador, que se contrapõe ao materialismo que persegue o brasileiro

desde os tempos de submissão à metrópole, mercantilista durante séculos.

Evando da Vila Penha, no Rio de Janeiro, é outro a agir com prestância. Analfabeto até os 18

anos, segundo detalhes contidos na matéria da edição 29, O homem-livro (ver anexo 2), de Lina

Albuquerque, o pedreiro leitor, após aprender a ler, organizou uma biblioteca pública por 

vontade própria e ajudou a erguer outras 36 com os livros que arrecadou e posteriormente doou.

Uma informação que surge logo no bigode da reportagem-perfil. Seu desprendimento materialchega ao ponto de o pedreiro inaugurar regras nada convencionais, que são reforçadas pelo

autor por meio do verbo dicendi, elemento importante no jornalismo literário, segundo Vilas

Boas (1996). “‘Se o leitor se encanta com uma obra a ponto de querer tanto, que fique com ela.

A leitura cumpriu assim o seu papel’, filosofa.” (ALBUQUERQUE, 2009). Novamente, um

exemplo de espírito cooperador em oposição ao materialismo.

A história do pedreiro bibliotecário ainda chama atenção por outro aspecto. Evando fez de suaresidência, no bairro da Penha, na cidade do Rio de Janeiro, a sua biblioteca. Aliás, a biblioteca

de todos, já que seu projeto sempre foi abarcar a comunidade e proporcionar o que lhe foi

subtraído até a juventude: o direito e o prazer em ler. Por isso, pilhas de livros praticamente

roçavam seu colchão à espera de quem quisesse, na hora e no dia que pudesse ir à sua casa,

escolher e tomá-los emprestados. Um exemplo de entrelace entre o privado e o público, possível

de se observar com nitidez graças à função social deste tipo de pauta que, geralmente, carrega

fontes não rotineiras, de acordo com Pena (2006).

Em virtude do entrelace entre o público e o privado, o depoimento do ex-lateral alvinegro

 Nilton Santos revela o que Holanda (1969) denomina como a familiarização das relações, algo

comum ao tipo brasileiro, que humaniza, por exemplo, objetos. “‘A bola compreendeu meu

cuidado com ela e sempre me tratou com muito carinho. Nunca dei bicão e, por isso, ela foi

minha fiel amiga durante anos. Ainda hoje acordo no meio da noite sorrindo, lembrando de

lances, gols, títulos, dribles’, diz Nilton Santos.” (OLIVEIRA, 2007). A informalidade com a

 bola, seu instrumento de trabalho, evidencia como o privado motiva o tom das relações

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 públicas, manifestação do nativo conceituada por Holanda (1969) e por Rocha (1998) como

traço do “homem cordial”.

Aliás, a cordialidade é um dos atributos mais significativos do brasileiro, segundo os

 pesquisadores. Arlinda Rocha e Silva, brasileira, disputada por uma clientela ávida por seus

serviços, diarista, que viu um elevador pela primeira vez aos 14 anos e calçou seu primeiro par 

de sapatos aos 16 anos, é, segundo suas patroas, o perfeito exemplo da cordialidade brasileira.

Dentre suas chefes, está a repórter e autora da reportagem,  A diarista (ver anexo 3), publicada

na edição 5 da  Brasileiros. Marta Góes, jornalista, após entrar em contato com as demais

 pessoas que tomam os serviços de Arlinda, reporta. “‘A primeira vez que a vi, ela carregava

duas sacolas pesadíssimas e um antúrio para mim’, diz Andrea, mulher de Macau e mãe deTom, sua patroa às sextas-feiras.” (GÓES, 2007, p. 58).

A fidelidade do relato se torna ainda mais latente devido ao narrador-protagonista, conceituado

 por Coimbra (1993) e explorado por Marta Góes, patroa de Arlinda. Além dos testemunhos das

outras quatro patroas, somam-se à reportagem os seus, na tentativa de descrever de maneira

crível a realidade da diarista. Para isso, Góes (2007), vale-se ainda da caracterização do

comportamento da personagem e de enumerações, como a quantidade de pessoas querequisitam os serviços de Arlinda, recursos típicos do jornalismo de revista, segundo Coimbra

(1993), Vilas Boas (1996) e Scalzo (2004), e também do New Journalism, de acordo com Wolfe

(2004).

Outros “homens cordiais” descritos pela revista se juntam ao lutador, como o pedreiro e

 bibliotecário Evando da Vila Penha ou mesmo Cândido Rondon, o desbravador brasileiro que,

na reportagem da edição 29, Sobraram 300, de Fernando Granato, surge como o homem que procurava ser gentil com os índios. Tanto que ao ser atacado pelos nambiquaras, preferiu dar-

lhes presentes ao invés de revidar o ataque, uma forma encontrada por esta personagem para

vivenciar seus antepassados, em parte de origem indígena.

O músico Tom Zé é mais um “homem cordial”. Na reportagem Tom Zé nu & cru (ver anexo 4),

escrita por Marcelo Pinheiro para a  Brasileiros de número 26, o baiano de Irará confessa ter 

vivido alguns de seus anos em função do convite de Caetano e Gil para seguir e propagar a

Tropicália, movimento artístico cujas bases estavam no ideal modernista. A divisão desta

matéria em quatro atos, algo típico das encenações teatrais, fez não só que se maximizasse o

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drama, como também se adiasse o clímax da reportagem por meio do uso do tempo

cronológico, ambos, elementos comuns à literatura e ao jornalismo, conforme Coimbra (1993) e

Vilas Boas (1996). Tal escolha faz ressaltar o “homem cordial” que ao passar do tempo deixou

sua individualidade se sobrepor, emergindo novamente após anos de ostracismo.

 Na amostra selecionada para este trabalho, percebe-se este a presença do “homem cordial”

também em Gigantes (e perseverantes) do ringue, de Leonardo Fuhrmann, matéria elaborada

 para a edição inaugural da revista. Michel Serdan, ícone da luta livre coreografada, deixa a

aparência rígida de lado para viver no outro. Melhor, nos outros lutadores. Hoje, o sucesso

daqueles que aderem ao seu clube, o Gigante do Ringue, transforma-se em realização mais do

que profissional, pessoal, para Michel Serdan. Desta forma, ele deixa de ser a personagemcaricatural descrito por Sodré e Ferrari (1986) e passa a ser considerado uma personagem-

indivíduo, aquele que expressa o comportamento psicológico e as atitudes do entrevistado.

Outro exemplo de invasão do privado no público se encontra na reportagem  Bela mulher, bela

empresa, publicada na edição 36 da  Brasileiros por Giedra Moura. Nela, a personagem

Mariângela Bordon, uma empreendedora de sucesso, não esconde sua predileção por contar 

com a mãe por perto em seu negócio no ramo estético, especificamente de produtos capilares.“Mariangela não tem sócios e seu braço direito nos negócios é sua mãe, Eny Bordon, uma

senhora de 79 anos que acorda às 6 horas da manhã, trabalha todos os dias até o final da tarde e

que possui uma agenda de executiva quase tão intensa quando a da filha.” (MOURA, 2010, p.

94). Já na reportagem Joyce, a dama hype, de Maria Ignez Barbosa, publicada na edição 15 da

 Brasileiros, Joyce Pascowitch revela que fez de seus negócios, a revista JP e o site Glamurama,

“empresas de família”, já que seu marido abandonou o emprego que tinha para assumir toda a

 parte burocrática.

Já em Terras férteis, mentes mais ainda, a reportagem de Wilhan Santin para a edição 50 de

 Brasileiros apresenta a história da família Steidle, que insistiu durante anos em um modelo de

administração patriarcal para a Fazenda Bimini. Uma aposta que perdurou até a descendência

cultura cafeeira. Diferente deles, Leontino Balbo fez questão de abandonar o modelo patriarcal,

desafio ao tipo brasileiro apontado por Rocha (1998). No perfil  Leontino da cana verde, a

 personagem se mostra bastante diferente do tipo brasileiro descrito por Holanda (1969). Afinal,

o agrônomo deseja eliminar as práticas tradicionais à agricultura canavieira, que tanto

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esgotaram o solo no Brasil. Pressupõe-se que a implantação destas práticas não seja fruto de

organização espontânea, outra herança portuguesa.

Este sentido de organização espontânea e a despreocupação com o patrimônio público,

registrado por Holanda (1969) quando este discute a mentalidade do semeador e do ladrilhador,

também incomodava o ex-presidente Juscelino Kubitschek. Tanto que a reportagem-perfil de

Ronaldo Costa Couto,  Brasília de Brasileiros, baseada em um de seus livros e publicada na

edição 36 da revista, expressa a necessidade de se construir uma nova capital para o país. “O

Juscelino era apaixonado por esse projeto. Estudava muito o assunto. Não se conformava com o

Brasil ainda com cara de colônia, atrelado ao litoral, desprezando a vastidão do interior e suas

 potencialidades.”, garante Affonso Heliodoro dos Santos, subchefe da Casa Civil na época(COUTO, 2010).

A fala de Heliodoro dos Santos é postada na reportagem em travessão, entremeada a outras, o

que sugere diálogo. Um recurso do  New Journalism que rompe com a estrutura do relato

 jornalístico, fundamental à construção da reportagem literária, segundo Wolfe (2004). Além

disso, o autor acredita, junto a Vilas Boas (1996) e Santos (2005), que a utilização de diálogos

 baliza a interpretação e a legitima. Ainda em  Brasília de Brasileiros, evidencia-se o multi- perfil, que confere maior amplitude de visões sobre a personagem, segundo Sodré e Ferrari

(1986), e supera a ideia de relato único, combatido por Joaquim Ferreira dos Santos no posfácio

da obra de Wolfe (2004).

 Novamente em Bela mulher, bela empresa, percebe-se outro traço identitário nacional. Nela, o

sentido de organização espontânea se aclara com uma fala da própria personagem, Mariângela

Bordon. Em uma viagem à França, a empresária conheceu os benefícios de um creme preparadocom tutano de boi para o cabelo. “‘A OX surgiu sem grandes planos no início, na cozinha da

fazenda, com a minha mãe me ajudando e a minha filha participando como se fosse uma

 brincadeira’, recorda.”. (MOURA, 2010, p. 92). A lembrança de Mariângela também colabora

 para reforçar a importância da casa como ambiente de realizações prazerosas.

A desvalorização do público ante o privado é característica brasileira, relacionada àquilo que

DaMatta (2001) expressa ser o significado que a rua e a casa assumem para o brasileiro. Na

narrativa jornalística literária de Roberto Benevides,  Aqui vive um brasileiro indignado, da

 primeira edição da Brasileiros, esta relação assume contornos nítidos. Afinal, o fato de o ator 

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Walmor Chagas se recolher em sua casa e confessar cansaço em ter que conviver com 60

 pessoas de um elenco revela o quão seguro é o ambiente da casa. Por isso, o experiente artista

 procurou e encontrou na Vila Pirutinga, uma fazenda de 33 alqueires, situada na Serra da

Mantiqueira e a 1.200 metros de altitude, o local ideal para fugir da atmosfera perversa da rua e

dos problemas do Brasil, como admite o entrevistado. Eis que neste caso, o repórter toma os

números para construir no imaginário do leitor, e por meio da interpretação, o tumulto da cidade

e o ambiente do campo: grande, distante e acolhedor.

A familiarização das relações, algo abandonado por Leontino, embora ainda perene entre os

Steidle, segue expressa na reportagem de Heitor e Sílvia Reali,  Lampião, 70 anos da morte de

uma lenda, veiculada na edição 12 da  Brasileiros. Os jornalistas recuperam detalhes sobre avida de Lampião e ouvem de Arlindo dos Santos, um dos membros do bando do histórico

cangaceiro, uma frase reveladora do “jeitinho” brasileiro de expressar e agir, composta por um

codinome e por um palavra precedida pelo sufixo –inho. “Conta-se que, quando o bando

chegava, a pergunta era: ‘Tem macaco na Várzea (em referência aos policiais)? Não! Então era

uma festa só. A mulherada vinha toda. Quase furavam o chão de tanto dançar. Sanfoneiro

tocando, uma beleza, música miudinha e valsa’”. Na sequência, Santos completa com a frase

lapidar: “Quando indagado sobre o que achava de Lampião, não hesita: ‘Era um bandido bom.’” (REALI E REALI, 2008, p. 111).

Da mesma forma que os diminutivos representam o modo com o brasileiro busca intimidade, o

seu inverso, os superlativos, podem expressar tal atributo. Na reportagem  Joyce, a dama hype,

de Maria Ignez Barbosa, veiculada na Brasileiros de número 15, o tratamento próximo releva o

quão distante é o brasileiro dos povos norte-europeus, menos invasivos. “O celular toca, ela

atende, mas não se estende: ‘Você é uma fofa. Já, já estou aí de volta nos teus braços.Beijãosão’. Joyce é assim: superlativa.” (BARBOSA, 2008, p. 83).

Ao se apresentar como Pelão, o produtor João Carlos Botezelli é outro a aderir ao intimismo e à

informalidade, características brasileiras referenciadas por Rocha (1998). Em  Por trás das

obras primas, matéria de Fernando Pessoa Ferreira para a 22ª edição, o produtor que lançou

 Nelson Cavaquinho, Adoniran Barbosa e Cartola, descendente de italianos, 1m87 de altura,

 barbudo e com vasta cabeleira, admite que escolheu o apelido Pelão por este ser único. Tal

 pensamento evidencia mais um atributo do brasileiro apontado por Holanda (1969), o

 personalismo. Diferente da informalidade, esta atitude visa a particularização das relações ao

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invés de nivelá-las. Outro exemplo está na narrativa jornalística de Nirlando Beirão, O avalista

da utopia, publicada na edição 36. Nela, o jornalista lembra que o ex-presidente era tratado

apenas pelo nome, Juscelino, por sua abreviatura, JK, ou pelo apelido, Nonô.

A predileção pela informalidade, segundo Rocha (1998), faz com que alguns personagens

recorram ao “jeitinho brasileiro”. Sebastião Machado Oliveira, o Sibá, senador pelo Estado do

Acre, encaixa-se neste quesito, conforme relato de Felipe Recondo na matéria  De cobrador a

 senador , da primeira edição da  Brasileiros. O jornalista descreve que a personagem não tinha

dinheiro para locomover o corpo do pai, morto, para a cidade mais próxima. Então, enterrou-o

 próximo à sua casa, inaugurando posteriormente, e de forma espontânea, um cemitério para

Uruará, no Pará, onde sepultara outros tantos mortos, que lhe renderam seu sustento por algumtempo.

Em Nilton Santos, a malandragem, predicado de DaMatta (2001) ao tipo brasileiro, aparece na

descrição de uma história do atleta antes de ter tomado o futebol como sua profissão. De acordo

com a reportagem de Oliveira, nos tempos de Aeronáutica, o futebolista sempre dava

assistências, o último passe para o gol, a um major que apregoava ser o centroavante goleador 

do time das Forças Armadas. Entretanto, em troca de cada assistência em benefício do milico, Nilton recebia um dinheiro para ajudar o pai pescador e a mãe dona-de-casa. O resgate

histórico, recurso comum à reportagem, segundo Vilas Boas (1996), é artimanha para que o

repórter consiga, neste caso, descrever quem foi Nilton Santos além das quatro linhas. Desta

forma, promove-se uma nova discussão, inovando a pauta, o que para Pena (2006) é algo típico

do jornalismo literário.

Deive Pazos, hoje blogueiro, é outro a confirmar a tendência brasileira a esperteza,característica considerada por Holanda (1969) e, sobretudo, por DaMatta (2001). Em Nerds do

mundo, uni-vos, reportagem de Deborah Giannini, Pazos rememora a época em que lidava com

a administração de motéis na Baixada Fluminense. “É um trabalho estressante porque é preciso

lidar com muita malandragem. Para se ter uma ideia, na época em que a luz negra foi lançada e

era uma coqueluche nos motéis, houve um cliente que roubou a lâmpada e colocou no lugar 

uma berinjela para ninguém notar” (GIANNINI, 2011, p. 91).

Mesmo sem ter certeza da veracidade de sua história, Almiro de Paulo Filho, o Ico do Violão,

também usa da malandragem para prender o repórter Ricardo Kotscho à entrevista para a

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matéria. A tentativa de pautá-lo com uma declaração reveladora, algo comum ao jornalismo

diário, que de acordo com Traquina (1999) sofre com o vício da repetição de fontes, abre a

matéria, antecipando o clímax proposto pelo título. Ao terminar seu relato em O segredo do

Violeiro (ver anexo 5), publicada na edição 22, o antigo abridor de poços e hoje artista confessa

ser neto do ex-presidente Wenceslau Braz. Seu pai seria fruto de uma relação entre o nono

 presidente da República Federativa do Brasil e sua avó, de quem ele não sabe o nome. Aliás, a

única coisa que sabe é que esta senhora teria trabalhado na casa de Wenceslau. Ico nem

documentos tem. Só o relato de seu pai, que asseverou a ele ter sido entregue a um amigo do

 político, o coronel Afonso Ribeiro, que o repassou ao fazendeiro Afonso Rebelo, de Ouro Fino,

em Minas Gerais.

Mais um a agir malandramente é o baiano Tom Zé. Segundo o próprio em entrevista para a

matéria de Marcelo Pinheiro, sua obra não se parecia com aquilo que se convencionou chamar 

de música. Por isso, sua estratégia era provocar a reflexão para que sua arte, de pouco apelo

 popular, pudesse ser compreendida. “‘Eu ia falar do seu trabalho, da roupa que você está

vestindo, da maneira que você se pinta, dos objetos que você usa, de forma que você se sentisse,

imediatamente, identificado, como uma personagem dentro da música e incapaz de ver que eu

não era cantor.’” (PINHEIRO, 2009, p. 43).

O repórter Paulo H. Faria, por sua vez, assiste à sua personagem confessar arrependimento por 

não ter sido malandro no momento da queda do World Trade Center, em Nova Iorque. Na

reportagem Resgate de um herói, publicada na edição 50 de Brasileiros, o paulista Wellington

Canova, paramédico naquele acontecimento, surge depois de ter retornado ao Brasil após duas

décadas nos Estados Unidos. Hoje, o bombeiro vive como segurança de executivos estrangeiros

e convive com traumas do ataque terrorista. Além disso, sequer recebeu a indenização a que temdireito pelo trabalho desenvolvido no exterior. ‘“Não tem nada a ver com tirar vantagem da

desgraça alheia. Se hoje temos imagens disponíveis, é porque alguém filmou. E não há nada de

errado com o que foi feito.”’ (FARIA, 2011, p. 113).

A malandragem é, porém, extirpada pelo sentimento de justiça em  A batalha do voo 1907 , de

Luiz Rebinski Jr., publicada na edição 50 da  Brasileiros. Rosane Gutjahr, esposa de uma das

154 vítimas fatais do acidente que envolveu, em 2006, um boeing  da Gol e um Legacy a

sobrevoar o espaço aéreo mato-grossense, não quer saber de ressarcimento. A empresa

responsável pelo voo chegou a oferecê-la uma indenização muito superior à determinada nestes

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casos. Porém, a quantia de R$ 400 mil foi recusada pela viúva, que criou uma organização para

ver os pilotos estadunidenses do Legacy e os demais culpados punidos pela Justiça. O

contraponto, porém, evidencia a renúncia do personalismo em virtude de uma causa maior,

herança de nossos patrícios arraigada na cultura brasileira, conforme Holanda (1969).

Em alguns casos, a malandragem expõe o materialismo, um apego a coisas concretas, comum

ao tipo brasileiro, segundo Holanda (1969). Em matéria de Pedro Venceslau para o número 46

de  Brasileiros,  Da “boca” para fora, o projecionista José Henrique Cirilo tenciona dar um

destino digno ao seu acervo de filmes. Ao comentar sobre uma proposta da Cinemateca de São

Paulo, o jornalista caracteriza a materialista e malandra personagem entre o personalismo e o

 busca pelo bem comum. “‘Eles querem tudo como doação. Você acha o quê? Dar de graça paraos caras? Tem filme ali que paguei caro.’ Seu sonho é montar um centro cultural no bairro.

Talvez seja mais fácil sua história virar um filme.” (VENCESLAU, 2011, p. 107). Em O

 segredo do Violeiro, sinais de materialismo e malandragem também vêm à tona. “Feliz com a

 primeira entrevista que deu na vida, Ico do Violão agradece e brinca comigo: ‘Quem sabe agora

começo a ganhar um dinheirinho...’” (KOTSCHO, 2009). Aliás, tais atributos foram alongados

 por Kotscho durante a reportagem, o que reforça a narrativa, segundo Coimbra (1993) e a

aproxima do romance, de acordo com Pena (2006).

O apego pelas coisas materiais se exacerba em  Ilegais em Madri, texto assinado por Simone

Duarte para a edição 12. Nela, histórias de brasileiros sem visto residentes em terras espanholas

dão o tom de como a acumulação de bens, típica dos portugueses na era mercantil, permanece

em nossa cultura. Leila, “a moça das caipirinhas”, segundo a repórter, acumulou em oito anos

na Espanha três casas no Brasil, um lote, carro, moto e reservas financeiras. Suas filhas e o

marido já retornaram a Goiás, mas ela continua. O motivo: “‘Cada vez que se consegue algo, sequer mais. Queríamos uma casa, já temos três... É a ambição, quanto mais se tem, mais se

quer.’” (DUARTE, 2008, p. 84). Marciano, emigrante de Rondônia, lembra que em seis meses,

trabalhando 12 horas por dia, juntava-se dinheiro de sobra: cerca de 2.400 euros retirados na

lida como peão de obra. À época da reportagem, Marciano já estava com casa comprada em

Rondônia, sua terra, mas pensava migrar para os Estados Unidos, visando melhores

rendimentos.

Materialista e personalista, o tipo brasileiro acentua um dualismo quando o assunto é a atuação

 profissional. Segundo Holanda (1969), percebe-se clara inclinação às profissões liberais e à

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estabilidade, geralmente por meio de concursos. Em O avalista da utopia, reportagem de

 Nirlando Beirão para a 36ª edição, especial sobre Brasília, o jornalista traça um perfil do ex-

 presidente JK, que acaba por enfatizar tal relação dual. Pobre, o mineiro de Diamantina estuda

com padres lazaristas e logo presta um concurso. Passa e começa a trabalhar como telegrafista.

A estabilidade o permitiu tentar o vestibular para Medicina. Holanda (1969) ressalta o quão

valorizado é o título de bacharel para o brasileiro. Nos tempos de colônia, os senhores já

mandavam seus filhos estudarem na Europa para virarem “doutores” (entenda-se aqui como

 pessoa importante). O fato é que, aprovado no vestibular, JK troca a estabilidade pelo trabalho

liberal, típico de quem carrega também como herança o espírito aventureiro dos portugueses.

Outro a reforçar este dualismo é o senador Sibá. Após ter se aventurado em atividades comoroceiro, cobrador de ônibus, comerciante, sindicalista e até coveiro, o piauiense, que ganhou

força política no estado do Acre, aproveitou-se da amizade com Marina Silva para conseguir 

uma vaga como seu suplente na disputa ao Senado Federal. Ela ganhou e logo foi chamada por 

Lula para assumir o Ministério do Meio Ambiente. Sibá admitiu ao repórter Felipe Recondo

que sabia desta provável saída de Marina e, esperto que é, conseguiu um emprego sem grande

esforço, e, sobretudo, estável. A opção por tantos trabalhos informais foi, segundo relato do

 próprio senador contido na matéria, uma saída para os anos que teve de se manter afastado daescola a fim de ajudar a família e bancar a si próprio durante a juventude.

As dificuldades da educação brasileiras apontadas por Holanda (1969) e Rocha (1998) e

atualizadas pelo Censo 2010 do IBGE acabam por disseminar a informalidade em todos os

campos. Em virtude do abandono dos estudos, muitos dos personagens analisados acabam

optando por trabalhos não registrados. É o caso dos irmãos Coser, que envolvidos com grelhas e

espetos, nunca mais retornaram a um banco de escola, especializando-se apenas no seu campode atuação. Tal atitude lhes conferiu, segundo comparação do jornalista Carlos Eduardo

Oliveira, conhecimentos assimilados dia após dia e mais do que suficientes para discutir se com

PhD sobre contabilidade à genética e à veterinária bovina. Um contraste, que de acordo com

Vilas Boas (1996), acrescenta valor à narrativa e à história, revelando o protagonismo destas

figuras, conforme expõe Klein (2008).

Tom Zé, na reportagem Tom Zé nu e cru, lembra os tempos em que era namorado de uma

 professora e que o salário dela foi instituído em três mil cruzeiros por João Goulart, o Jango. Na

sequência, porém, o músico completa o cenário e argumenta como o Brasil chegou à situação

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exposta por Holanda (1969), por Rocha (1998) e quantificada no Censo 2010. “‘As pessoas de

capacidade estavam convidadas a ser professoras, salário nenhum pagava aquilo. Estavam

 privilegiando o pensamento, o desenvolvimento das crianças. E o que foi que a ditadura fez? O

contrário! Degradou os professores.’” (PINHEIRO, 2009, p. 44).

A precária instrução no Brasil acaba, conforme Holanda (1969) e Rocha (1998), por disseminar 

a informalidade em todos os campos. Em virtude do abandono dos estudos, muitas das

 personagens analisadas acabam optando por trabalhos não registrados. Ico do Violão, o abridor 

de poços que se tornou cantor, simboliza isso. “Como não havia escola por perto da fazenda, e a

cidade ficava a 21 quilômetros, Ico não tem ‘nem primeiro ano’. Aprendeu a escrever o nome

com uma vizinha, Angelina de Oliveira, que não era professora, mas procurava ensinar algumacoisa aos meninos da fazenda.” (KOTSCHO, 2009, p. XX). Suas músicas, por tempos, tinham

apenas a parte instrumental, devido ao seu semianalfabetismo.

Os Coser, exemplos de nossa formação racial, não são os únicos a carregar no sobrenome

marcas de sua descendência. O interesse do repórter Thiago Lotufo em relação ao nome da atriz

e modelo Tainá Müller ressalta a diversidade racial por meio da miscigenação, aclarada na

 premiada protagonista do filme Cão sem dono e revelação das artes cênicas brasileiras. Tainá é bugrina, ou seja, descendente de índios do Sul do país. Ainda por cima, carrega o sobrenome

Müller, notoriamente europeu. Prova de que as relações entre as três matrizes raciais – negra,

indígena e europeia – continuam latentes na figura do brasileiro. Lotufo (2007) sua de seu

background cultural para inferir tal miscigenação e, a partir de então, questionar a moça, junção

de situações que esmiúçam quem é a personagem, conforme Lustosa (1996).

Tanto, que em Terras férteis, mentes mais ainda, Wilhan Santin narra a história da famíliaSteidle, de ascendência alemã, que oferece em aulas de educação ambiental o aprendizado da

 pintura para os índios kaingang, antes arredios com os imigrantes. Tal fato reforça as diferenças

daquele relacionamento se comparado ao convívio estabelecido entre portugueses e nativos

durante aos tempos de Brasil Colônia, amplamente citado por Holanda (1969). O exemplo, ao

mesmo tempo em que revela evolução nesta relação étnico-racial, também ressalta o aspecto

mutável da cultura, algo confirmado por Laraia (1999) e Mintz (2010).

Se a relação entre matrizes raciais demonstra evolução por meio das reportagens, com o papel

da mulher acontece o mesmo, embora as dificuldades continuem latentes, algo observado por 

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Sorj (2000). Não é à toa que, hoje, o Brasil tem uma presidente em seu comando. Na

reportagem  Futebol de batom, veiculada na edição 50 da revista, o repórter Diogo Mesquita

relata o cotidiano das jovens jogadoras do Santos, que apesar das conquistas e da estrutura da

instituição, padecem com o semiamadorismo do esporte e com o preconceito. Quem garante é

Babi, uma das “sereias” do Santos e personagens da reportagem. ‘“Só porque você está no

meio, acham que você é macho. Hoje, isso melhorou bastante, mas sempre tem os 'cabeça fraca'

que acham que futebol é só para homem. Muitas mulheres jogam melhor que os homens e

continuam sendo femininas”’ (MESQUITA, 2011, p. 64).

A discriminação presente no futebol, atividade predominantemente masculina, também

 perdurou durante anos na esfera política. O jornalista Ricardo Antunes traz na edição 46 darevista a matéria  Nossa mulher na Argentina, uma reportagem-perfil com a cônsul-geral do

Brasil em Buenos Aires, Gladys Ann Garry Facó, que confessa ao repórter o preconceito que

havia em um dos mais importantes órgãos federais do país: o Ministério das Relações

Exteriores. “No Palácio do Itamaraty, era comum as mulheres trabalharem mais que os homens

e terem o mesmo salário. Casos vários de uma diplomata cuidando de dois setores, enquanto

aos homens era reservado apenas um. Hoje, isso não existe mais.” (ANTUNES, 2011, p. 79). A

narrativa do jornalista apesar de rememorar o histórico de preconceito contra as mulheres,confirmado em pesquisa do World Economic Forum, abre uma importante observação para o

avanço delas em diversos setores produtivos.

Tal possibilidade de afirmação da mulher brasileira não passa em branco nas páginas de

 Brasileiros. A reportagem As eleitas, de Eduardo Hollanda para a edição de estreia da revista, é

 pontual ao esmiuçar o que levou quatro jovens de 18 a 20 anos de idade a encarar a aventura de

ingressar na Academia da Força Aérea (AFA) e pilotar aviões de caça. Uma carreiramajoritariamente masculina e que exige da piloto dedicação em tempo integral. Ao utilizar estas

informações na abertura do texto, o jornalista promove uma abertura quase fotográfica, o que,

segundo Sodré e Ferrari (1986) e Vilas Boas (1996), é um dos recursos da reportagem

incorporados do cinema. Por isso, tende a conferir um tratamento estético superior ao texto.

Outro sinal de enfrentamento do preconceito com relação a atividades dominantes entre os

homens é o fato de as jogadoras do Santos Futebol Clube terem posado para um calendário,

demonstrando feminilidade mesmo com meiões e chuteiras, algo reportado por Diogo Mesquita

em Futebol de batom por meio do texto e das fotografias, que mostram as jogadoras em poses

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com o instrumental básico de trabalho delas: a bola de futebol. Neste sentido, o título também

vem contribuir para aflorar a sensualidade das “sereias”, que o repórter pretende aclarar a fim

de impor um basta ao machismo.

Outro exemplo de afirmação da mulher está Em  Iansã, Evita e Frida da Bahia, reportagem da

edição 43 da revista. Nela, a jornalista Katherine Funke valoriza uma colocação da esposa do

governador da Bahia, Jorge Wagner, que, ao responder a um e-mail – prática pouco usual ao

 jornalismo literário –, escreveu mulher com M maiúsculo. As evidências coletadas pela repórter 

são as cobranças públicas à gestão do marido, algo incomum às suas antecessoras no posto de

 primeira-dama, todas, mais comedidas. “‘Eu acho que todo mundo ficou surpreso, porque nunca

uma mulher de governador se expressou’, disse ela sobre o caso” (FUNKE, 2011, p. 56).

Diversa como as matrizes raciais no Brasil e latente tal qual a desigualdade no país é a religião.

Ao se aproveitar de ícones da televisão brasileira para reforçar o perfil de Fernanda Lima,

 Nirlando Beirão acaba por realçar o dualismo formado pelo religioso e pelo profano, enfatizado

 por DaMatta (2001) em sua obra. As fotografias de Ale de Souza e o bigode da matéria são

evidências desta relação, ao apontarem os apresentadores Chacrinha, Sílvio Santos, Xuxa e

Hebe Camargo como “padroeiros” da gaúcha.

O complexo quadro religioso brasileiro se esclarece no perfil de Maria de Fátima Carneiro

Mendonça. Ao explorar a figura da primeira-dama baiana, Katherine Funke constrói por meio

da narrativa um discurso balizador do sincretismo no Brasil. Afinal, apresenta sua personagem

como cristã batizada, e seu marido, o governador Jacques Wagner, como judeu, que a levou três

vezes a Jerusalém. Na sequência, a repórter qualifica a primeira-dama. “Em casa, tem imagens

de Santa Bárbara, São Jorge, Cristo na cruz. Em terreiros de candomblé, pelas mãos de MãeCleuza, Augusto César e Mãe Stella de Oxóssi, descobriu nos búzios que é de Iansã, orixá

capaz de provocar tempestades, se quiser” (FUNKE, 2011, p. 56).

Outra a transparecer a forte religiosidade do brasileiro é a designer de joias, Carla Amorim, de

45 anos. Em Carla brilha na capital , da edição de número 36 da revista, a artista confessa ao

repórter Eduardo Hollanda que pediu a Deus discernimento para que guiasse seu futuro, e, em

1992, veio a certeza – segundo a personagem, a luz divina – de que teria que trabalhar com arte,

começando pela ourivesaria. “Todo o sucesso e o reconhecimento ainda intrigam Carla. ‘Eu

nunca pensei que aquelas joias que desenhei como um exercício de fé, arte e criação virariam a

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minha profissão, meu modo de vida. Acho que Deus me iluminou’, garante a católica

 praticante.” (HOLLANDA, 2009).

Apesar da aceitação religiosa, há culturas que, por mais que convivam entre os brasileiros,

ainda são consideradas estranhas. Pelo menos é o que evidencia a reportagem de Alex Solnik,

7708, escrita para a edição 43. Nela, o repórter da Brasileiros, apesar de conferir ao caso certo

grau de impessoalidade ao tratar a personagem por meio de um número, justificável pelo fato de

este ser um bandido, registra impressões de que o jovem assassino do episódio – passado em

uma escola no Realengo, Rio de Janeiro – era um muçulmano, dado sua barba e as instruções

 para um futuro enterro, não respeitado segundo as tradições islâmicas.

Outro caso que se opõe às características identitárias trabalhadas está na reportagem Cidadã

exemplar , de Rosa Guglielminetti, veiculada na edição 19. Nela, a jornalista conta a história da

 professora aposentada Maria Aparecida de Souza Ferreira Fulfule, de 67 anos. A senhora é

conhecida na Câmara Municipal de Campinas por acompanhar o trabalho dos vereadores

 presencialmente. “Ela chega antes do que muitos vereadores e é mais assídua do que muitos

deles. Temida entre os 33 legisladores de Campinas, Cida não se intimida em dar-lhes puxões

de orelhas e, se preciso for, escreve ofícios exigindo uma resposta por escrito às suasreclamações.” (GUGLIELMINETTI, 2008, p. 66). Neste sentido, a aposentada se difere daquilo

que Holanda (1969) e Sorj (2000) apontam como baixa identificação com símbolos políticos,

um elemento inerente ao tipo brasileiro explorado pelo autor.

Instruída, dona “Cida Fulfule”, como é chamada pelos vereadores campinenses surpreende pelo

seu grau de conhecimento sobre o ambiente político. Tal saber e habilidade com aquilo que é

formal, porém, esbarram no apelido carinhoso conferido pelos vereadores campinenses e seacentua na expressão “puxão de orelha”, ambos reveladores de um comportamento passional,

que se projeta naquilo que é público, conforme expôs Rocha (1998).

Diferente da aposentada, os membros do cangaço expressam exatamente o que os teóricos

aludiram. Na reportagem Lampião, 70 anos da morte de uma lenda, o casal Reali reconstrói por 

meio da narrativa jornalística um cenário de privação moral política, dominada pelo

coronelismo e pelas trocas de favores, o clientelismo. Segundo os repórteres, na tentativa de

combater a injustiça, Lampião e seu bando se tornaram produto do comportamento

inescrupuloso dos políticos da época e promoveram justiça com as próprias mãos, muitas vezes

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se colocando no papel do Estado. Daí as histórias de expropriação de bens e penas de morte,

exemplos de subversão à ordem. Já o jornalista José Trajano, descrito por Sílvio Lancelotti em

Trajano, o guerrilheiro da ESPN , perfil da edição 26, evidencia outro brasileiro movido por tal

indignação, mas que diferente de Lampião usa seu ofício para buscar respostas para as mazelas

que afligem a sociedade.

A baixa identificação com os símbolos políticos também é evidente em  Brilhante, família Teles,

texto de Joel dos Santos Guimarães para a edição de estreia. Na reportagem, o repórter narra a

história de tortura a que foram submetidos César e Maria Amélia, vítimas da ditadura militar e

do coronel Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi paulista na época. A família – o que

inclui os filhos Edson e Janaína – não deseja a prisão de Ustra, nem indenização. Os Telesquerem apenas uma ação de efeito político, que gere um efeito cascata capaz de revelar detalhes

obscuros daquela época. Ocorrido há 35 anos, o ato de tortura a César e a Maria Amélia, assim

como tantos outros, ainda não foram reconhecidos pelo Estado brasileiro.

A instrução precária, segundo Sorj (2000), acabou por reforçar os traços igualitários entre os

 brasileiros. Pois, conforme DaMatta (2001), está nas festas, a possibilidade desta situação se

exacerbar, já que pessoas de diferentes camadas sociais podem inverter papéis ou se nivelar por alguns instantes. Aliás, a inversão de papéis, é um dos critérios de noticiabilidade expressos por 

Wolf (1995). Pois, é a inversão e o nivelamento dos sujeitos que acontece em parte no  Brazil 

 Day Festival , evento a reunir os brasileiros residentes nos Estados Unidos, sobretudo, na cidade

de Nova Iorque. O festival também pano de fundo da reportagem de Osmar Freitas Jr., O folião

de Nova Iorque, publicada na edição 26 da revista. Organizador da festa que ocorre na Little

Brazil, em meio à ilha de Manhattan, o empresário João Matos, além de arrecadar mais de US$

70 milhões anuais com suas empresas e com o evento, também promove o encontro de 1,5milhão de brasileiros com suas origens: a música, representada por ícones do MPB, do  pop, do

sertanejo e do axé, além da pratos típicos, como o acarajé vendido durante o festejo.

A ideia de comida também é trabalhada por Nirlando Beirão na reportagem de capa da edição

50, O auditório é uma arte. Nela, o jornalista utiliza a expressão “guisado picante de

intimidades” para qualificar o Amor e Sexo, programa da apresentadora Fernanda Lima na Rede

Globo. Novamente, faz-se uma alusão a uma reflexão de DaMatta (2001), que já aproximava a

comida da mulher e das relações sexuais, ao ligar os alimentos cozidos à sofisticação, ao lar e à

sedução. Ressalta-se neste ponto que a simbologia criada pelo autor para discutir o papel da

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casa para o brasileiro também ajuda a compreender o entrelace entre o feminino e os pratos,

 principalmente os cozidos.

Ao explorar o conceito de comida e diferenciá-lo de alimento, Holanda (1969) promove

teoricamente o que Kotscho reporta por meio de sua narrativa jornalística: o prazer em viver 

ante a necessidade de ingerir alimentos para sobreviver, endossado pela observação da cena,

algo típico do jornalismo literário, segundo Vilas Boas (1996) e Wolfe (2004). “Tinha de tudo:

galinhada, churrasco, feijão gordo, pernil e maionese, aquela farta misturança que nunca falta

nas festas dos brasileiros mais humildes”. Uma sensação que se completa na presença de antes

queridos e na combinação de gradientes sólidos e líquidos. “Só foi difícil ajeitar para tirar a foto

o monte de parentes, vizinhos e amigos, umas 70 pessoas para 40 quilos de carne, na sala devisitas e em torno da mesa no puxadinho da entrada da casa.” (KOTSCHO, 2009).

Aliás, durante O auditório é uma arte, Nirlando Beirão faz questão de destacar a sexualidade

não apelativa da gaúcha Fernanda Lima, que se firmou de vez enquanto apresentadora de TV. O

mesmo sugere em O avalista da utopia tal enfoque ao traçar um perfil sobre Juscelino

Kubitschek e os construtores de Brasília, dentre eles, o arquiteto fluminense Oscar Niemayer,

aproveitando-se do seu background  cultural, recurso apontado pelos autores do jornalismoliterário e por Lustosa (1996). Ao ser convidado para construir a Pampulha na gestão de JK 

enquanto governador de Minas Gerais, este carioca torna a região remota e infectada em um

“deslumbramento de formas e contornos”. Traços, que o próprio admitira, várias vezes, serem

inspirados nas “formas e contornos” das mulheres brasileiras.

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5. CONCLUSÃO

Perene. Esta é a melhor definição para o aparecimento de elementos da identidade brasileira ao

longo das edições analisadas de  Brasileiros. Não é à toa que a revista, idealizada por Hélio

Campos Mello, carrega na marca o adjetivo pátrio que qualifica todos os nascidos no Brasil e, porque não, aqueles que aqui se estabeleceram e se sentem como tal: brasileiros. Das 40

reportagens-perfil analisadas, 38 apresentam atributos elencados por Holanda (1969), Rocha

(1998), Sorj (2000) e DaMatta (2001) como pilares de nossa identidade, que podem se

manifestar de modo relacional, dual, em maior ou menor medida.

Ao longo da análise, percebe-se, por exemplo, como a herança ibérica continua a influir no

comportamento dos brasileiros. Basta ver quantas reportagens trazem personagens capazes dese superar, de agir de forma autônoma, cordial, íntima, de se organizarem de maneira

espontânea e de optarem pela vida sem grande esforço. O “enciclopédia” e suas histórias e

Tainá quer dizer estrela são algumas a se enquadrar nestas características. O personalismo,

típico de nossos patrícios, serve de pano de fundo para quase uma dezena de reportagens

analisadas, enquanto os privilégios hereditários aparecem apenas na história dos irmãos Coser e

de Leontino Balbo.

Outros elementos, como o princípio da disciplina e o espírito aventureiro, a casa e a rua, o

 privado e o público são descritos pelos repórteres da Brasileiros tanto isoladamente, quanto de

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maneira dual, assim como DaMatta (2001) atenta em suas teorias.  Patrícia das Antas é um

destes exemplos. A ocupação desordenada, a estrutura patriarcal, além do apreço pelo

 bacharelismo, pelas profissões liberais e pela estabilidade compõem este quadro, em que cada

contraponto emerge nas reportagens.

O avesso às teorias também aparece. O desapego do pedreiro Evando com seus livros, que

devem servir a todos, segundo o próprio, além do espírito cooperador de Maria Elena

Johannpeter, criadora da ONG Parceiros Voluntários, revela que nem todos seguem à risca

aquilo que os antropólogos, sociólogos e linguistas discutiram sobre identidade brasileira.

Outros elementos, tais como a baixa identificação com símbolos políticos e a aceitação à

diversidade religiosa, também vêm acompanhados de seu contraponto.

 Nenhuma figura, porém, é tão explorada quanto a do malandro, a tipificação do “jeitinho

 brasileiro”, uma personagem caricatural que continua presente em nossa cultura. Seja na figura

de Nilton Santos, que vendia assistências por alguns trocados. Seja na esperteza de seu Ico do

Violão, o homem que jura ser neto de Wenceslau Braz. Ou ainda, no arrependimento de

Wellington Canova, paramédico que, diferente dos seus colegas, não tirou fotos ao socorrer as

vítimas dos ataques as Torres Gêmeas, em Nova Iorque, 2001. A malandragem, conforme aanálise, parece perseguir o brasileiro.

Outro elemento relevante nesta leitura crítica aparece sob a figura do homem cordial, que longe

do senso comum, surge nas páginas da Brasileiros assim como Holanda (1969) e Rocha (1998)

o apresentaram, em uma espécie de “viver no próximo”. Exemplos como o lutador Michel

Serdan, que projeta a ressurreição da luta livre coreografada na geração treinada por ele; além

de Tom Zé, seguidor dos tropicalistas; e da diarista Arlinda, que vive a propiciar o bem-estar desuas patroas, deixam claro este conceito.

Apesar disso, elementos como o patrimonialismo, o “sabe com quem está falando”, o racismo à

 brasileira, o corporativismo e os ritos de reforço não puderam ser contemplados pela amostra.

Diferente da ordem, do excesso, da diversidade racial e religiosa, do clientelismo, da baixa

instrução educacional e política do brasileiro, da informalidade e da relação da comida com a

mulher. Pontos estudados com afinco por teóricos e detectados na análise das 15 edições.

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Apenas em duas reportagens não foi possível observar tais elementos identitários. Trata-se de

 No Caminho e de  Projetos de futuro. Muito pouco, o que não retira o mérito da revista em

registrar os brasis de DaMatta (2001) – maiúsculo e minúsculo – para os brasileiros, sem

somente exaltá-los ou focar em denegri-los. Daí o cuidado dos repórteres, que se valeram de

técnicas literárias e antropológicas em suas reportagens-perfil para balizar as histórias, o que

 permitiu que esta análise pudesse captar em textos e fotos os atributos que os teóricos

conferiram à sociedade brasileira.

É claro que boa parte destes elementos são critérios de noticiabilidade, expressos por Wolf 

(1995) e outros teóricos. O impacto de um fato sobre a nação e seu interesse nacional, as

histórias de pessoas comuns a viver em condições incomuns, homens públicos em conflito comsua vida privada, casos de inversão de papéis, histórias de feitos grandiosos ou de interesse

humano merecem destaque no noticiário. Contudo, há de se ressaltar que, embora tais histórias

sejam um prato farto para as redações, o fato de o brasileiro “dar um jeitinho” sempre que

 possível ou mesmo confessar o quão espontâneas nascem algumas de suas mais inventivas

iniciativas as tornam típicas de um povo que carrega o gene do personalismo. Neste sentido, o

ócio, tão prezado por figuras como Dorival Caymmi, mostra-se mais do que criativo no

 brasileiro. Torna-se quase um elemento predominante para o sucesso, embora o estigma deaversão ao trabalho não pareça tão latente como proposto pelos pesquisadores.

Por tais razões, aos responsáveis pela produção das reportagens, cabe a tarefa de registrar os

acontecimentos, segundo Rodrigues (1999), e dar tratamento noticioso aos fatos, conforme

Wolf (1995) e Traquina (1999), respeitando tempo e espaço. E estes, ao enfocarem a figura do

 protagonista, conseguem demonstrar os verdadeiros responsáveis por renovar a cultura

nacional, e, assim, colaboram para que sejam difundidos valores junto ao seu produto básico: anotícia, tratada ao longo da análise sob o gênero nobre do jornalismo, a reportagem. Nobre, por 

 permitir a apropriação de técnicas diversas absorvidas da literatura, que conforme Sodré e

Ferrari (1986), Coimbra (1993), Vilas Boas (1996), Wolfe (2004) e Pena (2006),

contextualizam o fato ao ponto de aproximá-lo do real, segundo Travancas (2002) e Santos

(2005).

Por fim, percebe-se que, por mais que o Brasil tenha evoluído economicamente desde os

 primeiros estudos sobre identidade brasileira, sua cultura expressa muitos dos valores dos

colonizadores portugueses, tendo neste processo contínuo, reforçado uma parcela destes laços.

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Por isso, a importância de compreender a atividade jornalística como promotora de registros

histórico-sociais de uma sociedade, tarefa comum à antropologia e que a  Brasileiros, em seus

cinco anos de existência, demonstra apreço e capacidade de cumprir.

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