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As Contribuições de George Rosen e Michel Foucault Para Análise Do Discurso MédicoTRANSCRIPT
Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-
288-0061-6
Um balanço historiográfico: as contribuições de George Rosen e Michel Foucault para
análise do discurso médico
Gustavo Pinto de Sousa1
Uma breve introdução da questão:
O presente texto tem como objetivo analisar os estudos de George Rosen e Michel
Foucault para a historiografia da história da medicina. Resgatando as definições e horizontes das
práticas médicas. É interessante antes de discorrer sobre a temática, fazermos algumas
considerações. Esse texto surgiu das aulas no curso de Pós-Graduação em História das Ciências e
da Saúde na Fundação Oswaldo Cruz. Através da disciplina “História da Saúde Pública no
Brasil” tive contato com algumas noções teóricas, que atualmente balizam o campo da discussão
aqui proposta. Portanto, as obras levadas em consideração são “Da polícia médica à medicina
social” de George Rosen e o capítulo do livro “Microfísica do poder” sobre “O nascimento da
medicina social” de Michel Foucault.
No corpo do trabalho buscaremos problematizar a construção feita por Dorothy Porter na
introdução de seu livro “The history of public health and the Modern State”. A autora busca
qualificar os trabalhos de Rosen e Foucault como “heróico” e “anti-heróico”, respectivamente.
Objetivamos verticalizar a abordagem dela, percebendo que sua análise carece da apreciação de
outras noções de Foucault para analisar a questão da produção do discurso médico. Além de
introduzirmos a visão de que a medicalização da sociedade proposta pelos autores numa inter-
relação, não pressupõe exclusivamente um estudo dos discursos, como assevera uma parte da
História Social da Medicina.
Em linhas gerais, Rosen e Foucault traçam uma metodologia de comparativismo histórico
para descrever as transformações da ordem médica do século XVIII para o XIX. Na obra dos
autores é nítido o destaque das mostragem das práticas médicas nos países europeus, tais como
Alemanha, França, Inglaterra entre outros. Situar o contexto histórico é oportuno pois a
elaboração de medicalização da sociedade é construída pelos autores, no momento em que a
1 Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História Política da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Bolsista CAPES e pesquisador do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades Sociais
(LEDDES).
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
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medicina mantém diretamente um diálogo com as diferentes forças do Estado. E eles chamam a
atenção, que tal relação se concatena de diferentes maneiras, ou seja, de acordo com o processo
histórico.
Por fim, toda operação historiográfica como lembra Michel de Certeau merece ter
apontado os “lugares de fala” dos objetos. Em nosso caso, situamos George Rosen como um
historiador da medicina, tendo em suas especializações a preocupação com a história da saúde
pública e a medicina preventiva. Já Michel Foucault com seu corte tênue entre história e filosofia,
concentra sua formação na perspectiva em analisar as relações de poder produzidas a partir da
produção de discursos, como formas de saber.
Um balanço historiográfico: o desenvolvimento da medicina em Rosen e Foucault.
Da Polícia médica à Medicina Social é o livro de George Rosen produzido na década de
1950. O livro encontra-se dividido em 14 capítulos, que buscam tratar das práticas médicas e sua
relação com a História. Entretanto, em nosso texto analisaremos de forma mais direcionada o
capítulo 4 “o que é medicina social?”. Rosen como “filho de seu tempo” está escrevendo no
período da Guerra Fria, onde a História Mundial sofria com os resultados da II Guerra. Além dos
países envolvidos no jogo da Guerra Fria, que procuravam aglutinar seus determinados
interesses. Assim, podemos considerar o estudo do autor como pioneiro na área de História da
Saúde Pública. O mote do livro é examinar a afirmação da institucionalização da polícia médica –
coercitiva e controladora – para a moralização da medicina social. A construção socializante da
medicina assume em Rosen uma perspectiva de História Política. Nas palavras do autor: “ a
história da medicina social é, em grande parte, a história da política e da ação social em relação
aos problemas da saúde.”(ROSEN, 1979:1) Notamos nele, a preocupação com uma abordagem
histórica para se estudar às novas relações instauradas com a medicina social. Em sua obra, existe
a preocupação com a historicidade da medicina, ou melhor, há no livro uma perspectiva
historicista (MEINECKE, 1982: 12) para identificar as especificidades das práticas médicas de
acordo com o tempo histórico. Pois para Rosen: “O cuidado com a saúde sempre esteve
relacionado às condições políticas, econômicas e sociais de grupos específicos, mas em épocas
passadas estas relações não eram objeto de investigação sistemática.” (ROSEN, 1979: 2)
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Assim sendo, o foco do trabalho de George Rosen como Michel Foucault, está centrado
no apogeu da institucionalização da medicina no século XIX. Uma tríade relacional entre
“Medicina- Estado- Sociedade”. Para entender a ligação entre a doença e a saúde, Rosen
argumenta que a articulação dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes: social e
cultural. Para ele:
“A doença e a saúde são aspectos desta instabilidade onipresente, são expressões das
relações mutáveis entre os vários componentes do corpo, entre o corpo e o ambiente
externo no qual ele existe. Como fenômeno biológico, as causas da doença são procuradas
no reino da natureza; mas no homem a doença possui ainda uma outra dimensão: nele a
doença não existe como “natureza pura”, sendo mediada e modificada pela atividade
social e pelo ambiente cultural que tal atividade cria.” (ROSEN, 1979: 77)
Assim, a mudança na área da medicina inicia-se a partir do momento, em que a doença
assume um valor social. É dessa forma, que Rosen busca identificar a relação, que os diferentes
Estados europeus operacionalizam a adoção de políticas higiênicas. No caso alemão, o autor
analisa a constituição de uma ciência social no ano de 1848. Tal corte temporal é primordial para
compreender certas mudanças na Europa, principalmente no que tange aos projetos de
movimento nacionalista. Segundo Eric Hobsbawm o nacionalismo no século XIX assume uma
perspectiva governamental. Transformando e sistematizando as execuções dos projetos nacionais.
Assim nas palavras do autor observamos:
“As revoluções de 1848 deixaram claro que a classe média, o liberalismo, a democracia
política, o nacionalismo e mesmo as classes trabalhadoras eram, daquele momento em
diante, presenças permanentes no panorama político.”(HOBSBAWM, 1962: 50)
É evidente que em 1848 a Alemanha ainda não tinha sistematizado seu processo de
unificação. Porém, é fundamental compreender o “papel das juventudes” no bojo do processo de
construção nacional. Para tal, o autor concentra sua análise no Regulamento de Higiene de
Berlim em 1849. Em relação a tal regulamento Rosen aponta que em sua distribuição existiam
três diretrizes básicas: “I A Saúde Pública tem como objetivos; II A Saúde Pública deve
preocupar-se com; III A Saúde Pública pode atender a estes deveres.” (ROSEN, 1979: 86) O
autor quer mostrar como a medicina vai se apropriando do Estado, com finalidades de construção
de um ordenamento social.
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A preocupação da medicina em marcar seu espaço no cerne do Estado, vincula-se a
diferentes projetos e uso das práticas médicas. Para Rosen a industrialização e os conseqüentes
problemas sociais levaram vários investigadores a estudar a influência de fatores como pobreza e
profissionalização da medicina no estado de saúde. E como podemos notar na colocação de
Rosen, a questão urbana é primordial para as particularidades na concepção de uma política de
saúde pública. Chegamos à afirmação de que a medicina também assume um valor pedagógico,
pois para ele:
“Mas sendo a saúde e a educação condições de bem-estar, é tarefa do Estado providenciar
para que o maior número de pessoas tenha acesso, através da ação pública, aos meios de
manutenção e promoção tanto da saúde quando da educação... Assim, não é suficiente que
o Estado garanta a cada cidadão o necessário a sua existência e dê assistência a todo
aquele cujo trabalho não é suficiente para a obtenção do necessário. O Estado deve fazer
mais: deve assistir todos para que tenham as condições necessárias para gozar uma
existência saudável.” (ROSEN, 1979: 82)
Ao estudar a acessibilidade dos cidadãos ao serviço básico de saúde, nos aproximamos da
definição conceitual, que Virchow, médico estudado por Rosen, busca empreender sobre a Saúde
Pública em seu processo de legitimação. Para Virchow a Saúde Pública tinha como carro chefe o
estudo das várias condições de vida nos diferentes grupos sociais. Sendo assim, Rosen sintetiza
que o alcance da medicina social pode ser delimitado através de três aspectos sociológicos, a
saber: “saúde em relação à comunidade; saúde como valor social; e a saúde e política social.”
(ROSEN, 1979: 138) Dessa maneira, a ligação política da medicina com o Estado como propõe
Rosen faz parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno, a fim de melhoras as condições
higiênicas da população européia. Pois como assevera Dorothy Porter a perspectiva de Rosen é
considerada heróica, pela seguinte definição:
“Rosen, então observa que partir do século XVIII para o século XX,as medidas tomadas
no sentido social e cultural do Iluminismo, estabeleceram a saúde como um direito de
cidadania democrática. Conduzido em um processo acelerado e por sanções de uma
urbanização e industrialização estimulada, que foi radicalmente pelo desenvolvimento de
laboratório com base experimental da ciência. A história da saúde pública foi, para Rosen,
um triunfo do conhecimento ao longo de ignorância, barbárie e esclarecimento cultural
sobre a emancipação da sociedade moderna, a partir da primitiva relação com
doença."(PORTER, 1994: 2) [tradução livre]
É a partir da idéia de vitória entre “civilização” e “barbárie”, que Porter enxerga o caráter
heróico da medicina em Rosen. Entretanto, Porter ao criticar Rosen leva em consideração apenas
a análise no longo tempo histórico, como definia Fernand Braudel. Essa mesma definição de
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crítica empregada por Porter em relação a Rosen, é utilizada para criticar Michel Foucault, tema
que trataremos adiante. Podemos sintetizar, que Rosen é de fato um historicista, no sentido
empregado por Friedrich Meinecke, no qual todo objeto deve ser analisado dentro de sua
especificidade. Pois ao analisar a introdução da medicina social alemã relacionado a formação do
Estado, ele busca correlacionar às forças políticas em torno do processo nacionalista germânico.
No caso francês, o fio condutor reside nas condições de cidadania, que o Estado oferece a
população. Já na perspectiva da Inglaterra, no decorrer do século XIX e XX as políticas de saúde
pública estão associadas ao interesse econômico da latente Revolução Industrial. Sendo assim,
George Rosen ainda é fortuito para análise da questão médica, pois o autor, apesar de não se
definir dessa maneira, apresenta um historicismo muito caro como ferramenta do historiador. E
não apenas heróico como define Dorothy Porter.
Agora outra possibilidade de se pensar a relevância da medicina para a análise do discurso
histórico, está em Michel Foucault. Diferente de Rosen, Foucault mantém seus escritos a
ambiência da dita crise da História. Na França, da década de 1960/1970 surge no cenário dos
estudos historiográficos a ruptura entre um modelo sociológico-estruturalista para uma análise
político-cultural, onde os hospitais, as prisões, as escolas, a morte, os “indesejáveis” vão assumir
a elaboração de objetos da História. Foucault, portanto, propõe uma nova maneira de se pensar a
relação da medicina com a Sociedade e o Estado.
Assim sendo, a tese de Michel Foucault para analisar a aproximação da medicina com
Estado parte da idéia da medicalização da sociedade. Esse processo pode ser compreendido
quando as relações médicas extrapolam a concepção individualista do corpo e do tratamento
médico e passam a valorizar a aproximação do médico com o doente. O enfermo passa ser objeto
da medicina e não o contrário, a medicina como objeto do enfermo. Pois para ele, em termos de
economia o capitalismo contribuiu para a divulgação das práticas de uma medicina oficial.
Apresentando sua hipótese de trabalho, podemos atentar:
“Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina
coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrário: que o capitalismo,
desenvolvendo –se em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou um
primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de trabalho. O controle
da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela
ideologia, mas começa no corpo, com o corpo.”(FOUCAULT, 2002: 80)
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Antes de avaliarmos as palavras do autor, é pertinente situar o lugar de fala e espacial de
onde a análise de Michel Foucault se concentra. No estudo o autor está pensando as sociedades
européias, que passaram ou estão em fase de desenvolvimento de práticas industriais e
capitalistas consolidadas. Essa observação, já evita de antemão a generalização da aplicação de
suas noções sobre a medicina. A partir dessa explicitação, podemos redigir que o epicentro de
estudo do autor está em perceber a construção de mecanismos ou dispositivos de poder, que
façam valer as orientações da medicina. Pois como pode a figura do médico ganhar notoriedade,
em relação à mudança dos hábitos e habitus (ELIAS, 2001: 85-86) na sociedade contemporânea?
O discurso médico se constrói para Foucault de diversas maneiras, não sendo propriedade
do Estado “iluminar” a classe médica a partir da valorização dos cursos e faculdades de medicina.
Da medicina popular, praticada por diferentes ordens, à medicina social podemos notar que existe
a produção de mecanismos, que buscaram consolidar a última forma de medicina no século XIX.
Foucault, assim como Rosen, limita a discutir o caso da afirmação da medicina social em
três países europeus: Alemanha, França e Inglaterra. A partir do estudo desses três lugares,
Foucault mostra as especificidades e singularidades da afirmação médica dos espaços, hábitos e
práticas sociais. Apresentando a linha de raciocínio do autor, colocamos as três noções para
formação da medicina social, a saber:
1. Medicina de Estado – Alemanha
2. Medicina Urbana – França
3. Medicina da Força de Trabalho - Inglaterra
A partir da orientação proposta acima, buscaremos mostrar as peculiaridades do saber
médico, que inter-perpassam a realidade político-social. Em relação à Alemanha, Foucault não
negligência a contribuição de George Rosen, ao afirmar, que na Alemanha do oitocentos existiu
uma estatização da medicina. Como nas obras de Foucault o Estado não é revestido de poder
concentrado, o autor argumenta que a construção do saber médico estatal produziu a gênese de
diferentes micro-poderes. Para ele:
“Com a organização de um saber estatal, a normalização da profissão médica, a
subordinação dos médicos a uma administração central e, finalmente, a integração de
vários médicos em uma organização médica estatal, tem-se uma série de fenômenos
inteiramente novos que caracterizam o que pode ser chamada a medicina do
Estado.” .”(FOUCAULT, 2002: 84)
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Como vemos, a medicalização da sociedade, não define, a priori, uma ditadura dos
médicos contra as artes de curar vigentes da sociedade. A medicalização da sociedade é a
maneira institucional do segmento médico da sociedade sobrepor seu saber sobre as demais artes
de curar. Nesse ponto, a medicina do Estado planeja instaurar “quadros de verdade”, como forma
oficial de se implantar a profilaxia de uma época. Em linhas gerais, nas sociedades onde ocorre
um processo de legitimação da medicina e do ofício do médico preexiste a vontade de verdade,
criada pelos médicos em desautorizar as práticas não oficiais.
Já em relação ao ambiente francês, a medicina social está atrelada essencialmente as
transformações urbanas, no século XVIII. Em sua concepção as modificações da urbe são fatores
das esferas econômicas e políticas, respectivamente. Para compreendermos o desenvolvimento de
tal prática médica na França, propomos a seguinte indagação: Para que serve uma medicina
urbana dentro do modelo francês? Para facilitar a visão do autor, apresentamos três conjunto de
respostas para a problemática, a saber:
1. “Analisar os lugares de acúmulo e amontoamento de tudo, que no espaço urbano,
pode provocar doença, lugares de formação e difusão de fenômenos epidêmicos ou
endêmicos.” .”(FOUCAULT, 2002: 89) Notamos nas palavras do autor, que para a
medicina urbana, a doença passa a ter lugar, fortalecendo a teoria da doença pela
concepção miasmática. Onde a exemplo, a criação dos cemitérios deve ser controlada,
para que não contamine o ambiente social. Muito semelhante as políticas dos leprosários
estudada por Jacques Le Goff na Idade Média, que ficavam numa estratégia de “nem tão
longe, porém não perto”, para criar no imaginário coletivo o medo da doença.
2. “A medicina urbana tem um novo objeto: o controle da circularização. Não da
circularização dos indivíduos, mas das coisas ou dos elementos, essencialmente a
água e o ar.” .”(FOUCAULT, 2002: 90) Outro imperativo da teoria miasmática, é que as
cidades precisam de “pulmões” para respirar. O fechamento, as pequenas ruelas são
obstáculos para o bem-estar da saúde pública. Vejamos, que o século XIX adere os
hábitos dos boulevard, ou seja, grandes avenidas para que a cidade respire de forma
adequada. Novamente, a doença passa ter um caráter de climatério e mesológico.
3. “Outro grande objeto da medicina urbana é a organização do que chamarei
distribuição e sequências.” .”(FOUCAULT, 2002: 91) Nessa visão, abordaremos a
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distribuição dos espaços na cidade. Como projetar os meios hidráulicos potáveis longe
dos espectros infectos do meio? Essa indagação é o fio condutor das políticas higiênicas
do século XIX, pois logo, não esqueçamos que a idéia de miasma é prova epistemológica
para asseverar a propagação de doenças.
Em suma, podemos concluir em relação a medicina urbana, que seu escopo reside em se
preocupar com os impactos que o meio social, físico e urbano podem acarretar a saúde da
população. O que faz com que medidas, como a criação de uma medicina de caráter policial,
passem a vigorar no controle das populações da cidade. Por fim, passamos a apresentar a
medicina do modelo inglês.
A medicina da Força de Trabalho terá como objeto a pobreza. Segundo Michel Foucault a
pobreza na segunda metade do século XIX passa ser vista como perigo. São as “classes
perigosas” como conhecemos na historiografia dos “excluídos” da história. Para analisar a
questão da pobreza, tomamos como base a idéia de controle estudada por Jeremy Bentham. A
idéia do panóptico esboçada por Bentham, ainda no século XVIII, mostra como o conceito de
vigilância é instrospectada no sujeito. Segundo Bentham como função pragmática o panóptico se
apresenta com a seguinte desempenho:
“A moral reformada; a saúde preservada; a indústria revigorada; a instrução difundida; os
encargos públicos aliviados; a economia assentada, como deve ser, sobre uma rocha: o nó
górdio da Lei dos Pobres não cortado, mas desfeito – tudo por uma simples idéia de
arquitetura.” (BENTHAM, 2000: 15)
Retomando as palavras do utilitarista Bentham, os pobres passam a ser vigiados pelo
Estado, como uma forma de controle, que se dá através de diferentes mecanismos. Para Foucault
a partir do advento da medicina social por meio da força de trabalho, uma nova relação é criada
entre médicos e enfermos. Segundo o autor cria-se um sistema de assistência da medicina para a
população menos abastada. Numa assistência que permite e objetiva a sujeição dos corpos aos
vários controles do médico.
Por fim, a medicina da força de trabalho cria as condicionantes do que poderíamos
estabelecer como um incipiente dispositivo para o favorecimento de uma medicina do trabalho,
onde a pedagogia não está centrada de fato na saúde para o trabalhador, mas no trabalhador com
saúde para o trabalho. A mão-de-obra deve está apta para a produção, sem fornecer prejuízos aos
avanços da lucratividade e deficiência do mercado. É por isso, que o Foucault afirma, que a
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medicina da força de trabalho foi a mais profícua entre as demais, pois tem a figura do
proletariado se afirmando ao longo do século XIX. Sendo assim, podemos sintetizar, que a
medicina proposta pelo modelo inglês tinha como interesse o controle da saúde e do corpo das
classes pobres, para persuadi-los e domesticá-las para o trabalho.
Considerações Finais
Resolvemos concluir nosso texto, a partir das problematizações que Dorothy Porter faz ao
identificar as noções de Rosen e Foucault como heróico e anti-heroíco. Para isso colocaremos a
interpretação do historiador André Luiz Vieira de Campos, que se insere nos estudos da Saúde
Pública no âmbito das relações internacionais. Campos estuda em seu trabalho a atuação do
Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), no qual insere a questão da saúde e medicina no plano
internacional. Mas o que nos interesse nessa análise é a sua leitura das colocações da Porter.
Segundo ele:
“A crítica tanto da tradição roseniana quanto da foucaultiana também se faz nos Estados
Unidos e Europa e recentemente foi sistematizada por Dorothy Porter numa coleção de
ensaios cujo objetivo era exatamente “testar” algumas teses fundamentais de Rosen e
Foucault em diferentes tempos e realidades histórico-geográficas. Tais ensaios mostram
que certas teses de Rosen – [...] - não são verdades que possam “aplicar” a qualquer
época ou realidade cultural 2 . Da mesma forma, a noção foucaultiana [...]”(GOMES, 2000:
196)
A crítica que fazemos ao trabalho de Porter é que nenhuma teoria pode ser aplicada a
qualquer época, para isso existe a noção de historicidade dos objetos da História. George Rosen
tanto como Michel Foucault analisaram localidades delimitadas – Alemanha, França e Inglaterra.
Logo a idéia de medicina instaurada pelo século XIX não dará conta dos objetos de uma História
da Medicina e dos discursos médicos do século XX. Foi carente na abordagem da autora não
considerar a historicidade dos objetos, o que acabou produzindo uma generalização. Como
colocamos na introdução de nosso artigo, Rosen e Foucault foram apontados aqui, como
possibilidades de construção para o campo epistemológico de composição de análises do discurso
médico. Assim ainda temos, a contribuição dos historiadores da História Social da Medicina, que
levam em consideração as práticas ou artes de curar dos médicos oficiais e dos praticantes de
uma medicina não oficial. Em termos de historiografia brasileira, ressaltamos o estudo de Tânia
Salgado Pimenta no artigo, “Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro
2 Grifos nossos
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durante a primeira metade do Oitocentos”, ao analisar a atuação dos terapeutas não-oficializados
exercendo sua arte de curar, em pleno momento de normatização da prática médica oficial. Ainda
sem esquecer a relevância dos trabalhos de Sidney Chalhoub e Flávio Edler em relação a
contribuição da profissionalização da medicina no Brasil.
Por fim, o objetivo desse artigo é chamar a atenção de que a utilização de George Rosen e
Michel Foucault deve implicar para o trabalho do historiador uma série de precauções
metodológicas, para não cair na crítica – infundada ou não – de que o estudo de Rosen é visto
como a vitória do moderno, civilizado contra a barbárie criada antes do Estado Moderno.
Enquanto as leituras a partir de Foucault são taxadas como privilégio do discurso perante a
prática. O que nesse ponto, consideramos infundado, pois só existe saber e disseminação de
conhecimento se ele é praticado. Chamamos atenção aos críticos de Foucault, que façam uma
arqueologia do seu texto, é perceber que suas obras possuem fases, ou melhor dito, lugares de
fala: um momento arqueológico, genealógico e um estudo aprofundado do bio-poder. É preciso
situar, portanto, de que Michel Foucault está se trabalhando.
Referências Bibliográficas:
Referências utilizadas na elaboração do artigo:
BENTHAM, Jeremy. O Panóptico; organização e tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Belo
Horizonte,2000.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.
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1994.
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ROSEN, George. Da polícia médica à medicina social. São Paulo: Unesp-Hucitec/Abrasco,
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FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2002.
CAMPOS, André. Políticas internacionais de saúde na era Vargas: o Serviço Especial de Saúde
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FGV, 2000.
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HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1972.
LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.
MEINECKE, Friedrich. El historicismo y su génesis . México: Fondo de Cultura
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RÉMOND, René. Por uma História Política.. Rio de Janeiro: Editora FGV,2003.
CHALHOUB, Sidney. A Cidade Febril: Cortiço e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Cia
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PIMENTA, Tânia Salgado. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro
durante a 1ª metade do Oitocentos. História, Ciência e Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.11
(supl.1), 2004
Referências complementares para reflexão.
BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1983
LUZ, Madel. As instituições médicas no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
MACHADO, Roberto et alli. Danação da norma: Medicina Social constituição da Psiquiatria no
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