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VITTORIA SILVEIRA DE MOURA MORTE DIGNA: A EUTANÁSIA COMO ALCANCE À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

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VITTORIA SILVEIRA DE MOURA

MORTE DIGNA: A EUTANÁSIA COMO ALCANCE À DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Palmas -TO

2019

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VITTORIA SILVEIRA DE MOURA

MORTE DIGNA: A EUTANÁSIA COMO ALCANCE À DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Trabalho de Curso em Direito apresentado

como requisito parcial da disciplina de

Trabalho de Curso em Direito II (TCD II) do

Curso de Direito do Centro Universitário

Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA.

Orientador(a): Professora Mestre Andrea

Cardinale Urani Oliveira de

Morais

Palmas-TO

2019

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VITTORIA SILVEIRA DE MOURA

MORTE DIGNA: A EUTANÁSIA COMO ALCANCE À DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Trabalho de Curso em Direito apresentado

como requisito parcial da disciplina de

Trabalho de Curso em Direito II (TCD II) do

Curso de Direito do Centro Universitário

Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA.

Orientador(a): Professora Mestre Andrea

Cardinale Urani Oliveira de

Morais

Aprovado (a) em : ______/______/______

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Prof(a). [nome e titulação do Professor(a)]

Centro Universitário Luterano de Palmas

__________________________________________________

Prof(a). [nome e titulação do Professor(a)]

Centro Universitário Luterano de Palmas

__________________________________________________

Prof(a). [nome e titulação do Professor(a)]

Centro Universitário Luterano de Palmas

Palmas-TO

2019

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Dedico este trabalho aos meus pais e aos meus

avós maternos, pelo amor incondicional, pelo

carinho, força e compreensão, pois apesar da

perca e a saudade diária, me incentivaram a

não desistir apesar de todas as dificuldades

enfrentadas ao longo de todos esses anos.

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Agradeço primeiramente a Deus pela

sabedoria para lidar com os encalces da vida e

pela oportunidade de ter acesso a um ensino

como o da universidade, agradeço aos

familiares e amigos que de forma ou outra me

incentivaram e deram todo apoio e suporte.

Agradeço pela colaboração, paciência e

dedicação, de maneira especial a Ana Luíza,

Júlia, Matheus, Pedro, Ramon e Ronne por

estarem sempre ao meu lado me

proporcionando momentos de alegria e boas

risadas. Finalmente agradeço a orientadora

Andrea Cardinale pelo apoio, estímulo e

carinho que possibilitou a realização desse

trabalho.

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“O conhecimento exige uma presença curiosa

do sujeito em face do mundo. Requer uma

ação transformadora sobre a realidade.

Demanda uma busca constante. Implica em

invenção e em reinvenção”.

Paulo Freire

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RESUMO

Buscou-se por meio da revisão sistemática de literatura analisar direitos e garantias fundamentais que certificam a realização da eutanásia no Brasil como uma forma de alcance à dignidade para quem sofre de doença terminal e/ou incurável, estudando o choque de normas em virtude do bem maior vida. Estudou-se o real conceito da eutanásia, seus aspectos e distinções, seguidos da análise de conflitos no direito a cerca do tema, ainda objetivou-se tratar sobre o modo que o Brasil penaliza a realização da mesma. Discorreu-se sobre a relação eutanásia e biodireito, o direito comparado e projetos de leis para descriminalização da eutanasia. Constatou-se que apesar de não haver amparo legal para realização da eutanásia, por meio da hermenêutica e a utilização de princípios como o da dignidade da pessoa humana, seria possível haver a descriminalização no país. Todavia, por questões financeiras, seria inviável a realização do procedimento no Brasil.

Palavras-chave: Eutanásia – Dignidade da Pessoa Humana – Direito Comparado

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................91 – CONCEITOS E DIFERENÇAS NAS “EUTANÁSIAS”..............................................12

1.1 – Eutanásia e suas características....................................................................................121.1.1 - Ortotanásia, Distanásia e Mistanásia.....................................................................151.1.2 - Eutanásia X Suicídio Assistido..............................................................................18

2. CONFLITOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO ACERCA DO TEMA....................212.1 - Disposições que Asseguram Direitos Fundamentais e Entendimento Atual Adotado no Brasil................................................................................................................................212.2 Princípios e a Dignidade Humana em Face a Eutanásia.................................................26

3. EUTANÁSIA, BIODIREITO E O DIREITO COMPARADO......................................323.1 – Eutanásia e o biodireito................................................................................................323.2 Direito Comparado..........................................................................................................35

3.2.1 - Países que Permitem a Eutanásia...........................................................................353.2.2 - Europa Ocidental...................................................................................................353.2.3 - Suíça......................................................................................................................393.2.4 - Estados Americanos..............................................................................................403.2.5 - Argentina...............................................................................................................42

3.3 Projetos de Lei para Descriminalização da Eutanásia no Brasil.....................................43CONCLUSÃO.........................................................................................................................47REFERÊNCIAS......................................................................................................................50

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INTRODUÇÃO

O direito à vida é resguardado pela Constituição Federal, mas, da mesma maneira, a

referida Carta Magna garante a dignidade da pessoa humana que o deve seguir durante toda a

sua vida e também na morte.

A delimitação do presente tema teve como enfoque a eutanásia e a dignidade

propiciada por meio do instituto, qual seja transformar o fim da vida que não tem outra chance

senão a morte em um processo mais breve e indolor.

“Eutanásia” é uma palavra que deriva do grego, significa “boa morte”, que vem a ser

a condição de pôr fim a própria vida em virtude de um estado clínico incurável e suportando

um sofrimento desnecessário. O procedimento tem classificações, dentre elas, existe a

eutanásia ativa, em que é necessária uma ação de alguém para abreviar o fim da vida daquele

paciente terminal, como a aplicação de uma injeção letal. Há também a eutanásia passiva,

onde não é necessário uma ação, e sim uma inércia em relação à aplicação de medicamentos

ou uso de aparelhos que possam prolongar a vida. Além desse conceito, existem outros tipos

de eutanásia, como a ortotanásia, distanásia e mistanásia que serão trazidos a conhecimento.

Como problema de pesquisa buscou-se compreender de que forma a eutanásia

contribui para uma vida digna tendo o seu fim como extensão dessa dignidade, visando

elucidar o que realmente compreende este procedimento e o quão grave é proibir que a

dignidade buscada durante todo o fio da vida seja negada no leito de morte.

Cumpre esclarecer que o tema apresentado é um estudo polêmico, que divide

opiniões das mais variadas formas, e atualmente está em discussão e votação para que seja

aprovada a realização de forma descriminalizada no país. Nesse ponto, buscou-se deslindar

quanto aos direitos fundamentais e sociais trazidos pela Constituição Federal Brasileira em

seus artigos 5º e 6º, e o debate quanto à eficácia das normas e as possibilidades jurídicas em

relação ao tema.

Este estudo foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, o presente trabalho

apresenta-se o conceito de vida e morte, discorrendo sobre a teoria natalista. Noutro

momento, parte-se para a explicação da morte tanto civil quanto no que entende a ciência

médica, por meio da Resolução do Conselho Federal de Medicina. Analisou-se, ainda,

conceitos quanto a eutanásia e algumas de suas classificações, como eutanásia ativa e passiva

sob a perspectiva da doutrina brasileira. Posteriormente, houve o estudo sobre algumas

distinções que merecem atenção, quais sejam, ortotanásia, mistanásia e distanásia.

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Finalizando então a primeira parte da pesquisa, há o esclarecimento quanto a eutanásia e o

suicídio assistido.

O segundo capítulo foi direcionado para o conflito atual de normas e direitos na

legislação brasileira. A princípio foram trazidas a conhecimento as disposições que asseguram

os direitos fundamentais, como a Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, e posteriormente o entendimento que o Brasil adota hoje quanto ao assunto, qual

seja, a criminalização do procedimento por meio dos artigos 121 ou 122 do Código Penal.

Concluiu-se o capítulo com a análise de princípios com enfoque na dignidade da pessoa

humana em face à eutanásia.

No terceiro capítulo, a abordagem foi direcionada ao tema sob a perspectiva do

biodireito, abordando princípios como a autonomia, a beneficência, a não-maleficência e a

justiça, conforme o Relatório de Belmont. Posteriormente, observou-se como a eutanásia é

tratada e efetivada nos países em que se permite a conduta de por termo a própria vida, sendo

alguns países da Europa Ocidental, a Suíça, outros países da América do Norte e da

Argentina.

Nestes países, há a legislação que estrutura e organiza toda a condição em que a

eutanásia deve ser realizada, a quem compete, quais documentos devem existir, bem como a

criação de um órgão público único e exclusivo para análise dos casos de eutanásia realizados,

que subdivide-se em comarcas.

Ao término do terceiro capítulo, foram estudados os projetos de lei que existem

atualmente em tramitação no Brasil para que haja a possibilidade de descriminalizar a conduta

de por fim a vida de outrem. O primeiro deles é o Projeto de Lei nº 7/2018, que trata sobre o

direito dos pacientes em serviços de saúde, e o segundo é o Projeto Lei 236/2012, que trata

sobre o Novo Código Penal.

O tema justifica-se diante do debate necessário que deve haver para a parcela de

pessoas desamparadas pelo Estado que vivenciam a situação diariamente. Urge notabilizar

que o primeiro contato com o tema foi em uma das aulas de Direito Penal III, ministrada pelo

Prof. Abizair Paniago, no 5º período do Curso de Bacharel em Direito, bem como casos

próximos a família que poderiam e deveriam ter a assistência e respeito do Estado quanto ao

estado clínico crítico em que foram obrigados a passar para que finalmente chegassem à paz

da morte.

Com o fim de desempenhar o estudo sobre a temática eutanásia e a dignidade tanto

em vida quanto em morte, o presente trabalho utilizou como metodologia a revisão

sistemática de literatura onde foi pesquisado pelos descritores: eutanásia, direito à vida,

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direito de morrer, dignidade da pessoa humana, biodireito nas seguintes bases de dados:

google acadêmico, plataforma scielo, empório do direito, plataforma sucupira, Revista dos

Tribunais; bem como no acervo bibliográfico da biblioteca do CEULP/ULBRA em obras

publicadas nos últimos 20 anos.

Por fim, encerra-se o trabalho com a abordagem da eutanásia frente às normas

fundamentais que resguardam o direito do indivíduo, e a forma como é verdadeiramente

tratada no Brasil. A liberdade humana de escolha deve ser respeitada, vez que atualmente são

limitadas, ainda que não interfiram em direitos de terceiros.

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1 – CONCEITOS E DIFERENÇAS NAS “EUTANÁSIAS”

1.1 – Eutanásia e suas características

A vida e a morte estão automaticamente ligadas ao assunto tratado neste trabalho, é a

busca de morte para pôr fim à vida, vida essa que, diga-se de passagem, está necessariamente

cercada de dor e sofrimento. Pontuando conceitos, o Brasil adota no mundo jurídico, por

corrente majoritária e entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 3510, a

teoria natalista para o início da vida. Com base na análise de Ingo Wolfgang para Revista de

Direito da UNB:

[...] não haveria titularidade de um direito à vida antes do nascimento com vida! Com efeito, ao que tudo indica, o STF (aqui considerando que a maioria dos Ministros acompanhou o voto do Relator) partiu do pressuposto que a Constituição não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um bem jurídico autônomo assegurado na condição de direito (subjetivo) fundamental, mas apenas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porquanto nascida com vida, de tal sorte que a inviolabilidade da qual trata o art. 5º, “caput”, diz respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado. (2014, p.192).

Posto esse conceito, é significativo expor que para o mundo jurídico adota-se

juntamente com o fim da vida, o fim da personalidade civil, como estabelece o Código Civil

em seu art. 6º: “A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto

aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva” (BRASIL,

2002, s.p.). Por sua vez, para o Conselho Federal de Medicina, a morte é considerada pelo fim

da atividade cerebral do indivíduo, comprovada após uma série de exames. Essa consideração

é feita pela Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 2.173/17, que define os

diagnósticos da morte encefálica.  

Rotulado o marco inicial de vida e a morte, passa-se a análise inicial quanto à

eutanásia em todas as suas formas, tipos, modos, e condições necessárias para sua

caracterização.

O assunto eutanásia é tão longevo quanto a história, polêmico, divisor de opiniões,

mas necessário para o bem coletivo. A palavra eutanásia vem do grego eu (bem) e thanatos

(morte), traduzindo a morte simples, leve, calma e sem sofrimento, pôr fim a própria vida em

virtude de um estado clínico incurável e suportando um sofrimento desnecessário. (LEITE,

2018)

Na história do mundo, vários filósofos debateram sobre o assunto como Epicuro,

Platão e Plínio, entre outros. Segundo George Salomão Leite (2018) o filósofo Platão entendia

que a sociedade devia livrar-se dos enfermos, enquanto Sócrates entendia que uma doença

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demasiadamente dolorosa justificava o suicídio, ou seja, por vontade da pessoa. Já Aristóteles

debateu sobre o infanticídio e afirmava que acabar com a vida de crianças enfermas e

deformadas era um bem para elas e para a sociedade.

Por outro lado, têm-se os Estoicos, que segundo Melina Chagas (2014, p. 37),

considera que se o indivíduo não tem condição de viver uma vida próspera, ele pode cometer

o suicídio, e que “se a saúde física é negada a pessoa, por fim a sua vida não é imoral”. Por

fim, afirmam que o que realmente importa é a qualidade de vida, não importando quanto

tempo dure.

Por motivos alheios ou não à vontade do indivíduo havia a prática de pôr fim a vida,

seja por intuito da sociedade/Estado, seja por vontade própria e de forma desregulada, havia a

eutanásia, às vezes com pré-requisitos, outras não.

Entretanto, com o passar dos anos, o conceito de eutanásia vem sendo moldado,

estudado e caracterizado. Ainda há na linguagem popular um desfoque do seu real significado

como o ato de tirar a vida do ser humano que está com enfermidade, mas atualmente entende-

se como uma medida paliativa para evitar dor e sofrimento em função de uma doença

incurável e/ou terminal por meio da antecipação da morte. (BATISTA, et al., 2009)

Assim afirmou Lepargneur:

Na acepção moderna essa ausência de sofrimento é provocada pela antecipação voluntária da morte de uma pessoa que sofre além do normalmente suportável (concedendo à expressão seu peso de subjetivismo). A eutanásia é realizada com a ajuda de auxiliares benevolentes (único sentido que em um país onde reina o estado de direito possa discutir sua descriminalização) ou ‘antecipação do óbito, por compaixão, ocasionada por ação ou omissão de outra pessoa’ (LEPARGNEUR, 1999, s.p.).

Ou seja, nos termos do autor, a eutanásia é um bom ato, feito com compaixão e

bondade com o intuito de ajudar terceiro a não sofrer além do humanamente suportável, é o

meio para que essa aflição se estagne.

Conforme Iberê Anselmo Garcia (2007), o termo eutanásia deveria ser usado para

regulamentar exclusivamente às práticas dos profissionais de saúde quanto ao tratamento de

doentes graves que estejam em estado terminal, ou nas vítimas de grandes limitações e

sofrimentos físicos, mas de forma juridicamente regulada. Entretanto, esse conceito de forma

reservada não é bem quisto, no passo que a eutanásia não é realizada exclusivamente por

profissionais da saúde, ocorrendo também por familiares, amigos ou benfeitores excepcionais.

Mas, o verdadeiro conceito para eutanásia, adotado como base para diversos tipos de

pesquisas é “o ato deliberado de matar alguém que padece de uma enfermidade terminal.”

(SALOMÃO LEITE, 2018, p. 131).

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Tendo em vista a conceituação exposta, devem ser observados elementos necessários

para a caracterização da possibilidade da prática da eutanásia. É mister ressaltar que a mera

vontade de morrer por descontentamento com a vida não é causa que sirva de justificativa

para proceder a eutanásia.

Para caracterizar a possibilidade da realização da eutanásia devem ser observados os

pré-requisitos, que obrigatoriamente englobam a somatória de uma doença incurável e/ou

terminal, com expectativa de vida constantemente sendo reduzida, ou seja, a morte será

incontestavelmente o resultado. Outrossim, o indivíduo deve estar passando por dor e

sofrimento humanamente insuportáveis.

Além de pré-requisitos, a eutanásia tem várias classificações, e na analise de Elias

Farah estão a eutanásia:

voluntária, a pedido do paciente ou de representantes legais. A involuntária, sem consentimento, no pressuposto de que seria a decisão do paciente na concepção do executor. A pseudoeutanásia, praticada por quem não seja médico. A agônica, praticada em doente terminal não consciente. A lenitiva, praticada para aliviar sofrimento insuportável. (2011, p. 4)

Soma-se ainda ao classificar a eutanásia propriamente dita, ativa, passiva, terapêutica

e criminal, todas baseadas nas análises feitas por Adoni (2003) a alguns autores. A eutanásia

propriamente dita é a morte aplicada por pena de alguém que padece de uma enfermidade

incurável tendo o intuito de eliminar a agonia lenta vivida pelo enfermo. A ativa é aquela em

que se é necessária uma ação de alguém para abreviar o fim da vida daquele paciente

terminal, como a aplicação de uma injeção letal, um ato deliberado, misericordioso, que

objetiva o fim do sofrimento daquele indivíduo.

O autor ainda se refere à eutanásia passiva, que por sua vez, ocorre onde não se é

necessária uma ação, e sim uma inércia em relação à aplicação de medicamentos ou uso de

aparelhos que possam prolongar a vida ou a interrupção do uso dos mesmos. Já a eutanásia

terapêutica é geralmente praticada por médicos, que empregam ou omitem meios terapêuticos

para seu paciente com o intuito de causar a morte suave e sem dor. Por fim a eutanásia

criminal constitui nada mais do que ministrar a morte indolor a indivíduos que representam

perigo para sociedade.

Gisele Mendes de Carvalho (2002) traz a classificação de eutanásia libertadora, que

acontece quando o agente decide por fim a vida do paciente quando testemunha o imenso

sofrimento que padece. Quanto a eutanásia eugênica, a autora diz que a mesma é realizada

com o intuito de purificar a raça humana, erradicando de forma indolor as pessoas que tem

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deformidades ou doenças contagiosas ou incuráveis. Santos (1999) também esclarece sobre a

eutanásia eugênica: a morte aí dada, com características eutanásicas, não passava de eugenia, posto que,

faltava e m todos os casos o consentimento das vítimas. Os hindus que atiravam no

Rio Gangés os enfermos incuráveis após receberem u m pouco da lama sagrada na

boca e no nariz, os celtas e brâmanes que matavam ou abandonavam crianças

deformadas e velhos, os espartanos que matavam os doentes, o faziam não a pedido

das vítimas, mas no interesse do Estado. Essas pessoas eram u m obstáculo ao

enriquecimento da comunidade e uma carga inútil para os familiares. Nada havia de

humanitário nesse procedimento. (1999, p. 270).

Por ultimo, Carvalho (2002) explana sobre a eutanásia econômica, que visa por fim a

vida de quem a “sociedade” considera um peso a ser carregado, economicamente inútil.

Assim, esse tipo de classificação da eutanásia é aquela que põe fim a vida de anciãos loucos

irreparáveis, doente mentais e inválidos, e abrindo espaço então para que a sociedade cuide de

quem realmente tem como contribuir e somar.

1.1.1 - Ortotanásia, Distanásia e Mistanásia

Conceituada a eutanásia no seu entendimento popular e doutrinário, vale lembrar que

além das classificações expostas anteriormente, existem outras conceitos importantes que

merecem a distinção, como a ortotanásia, distanásia e mistanásia que serão esclarecidas.

A ortotanásia, por determinados doutrinadores também é conhecida como a eutanásia

passiva, nesse passo, esta é aquela em que simplesmente deixa-se acontecer o natural, sem

nenhuma ação que o possa impedir, dispensando os cuidados paliativos, Nesse sentido, afirma

André Luis Adoni:

O termo ortotanásia também tem origem grega, guardando o sentido de expressar morte correta - orto: certo; thanatos: morte. Implica a não aplicação, ou mesmo a interrupção, de um tratamento médico inócuo e sem qualquer vislumbre de resultado possível à luz das forças da ciência cognoscível ao homem ao tempo da situação concreta, de sorte a evitar a manutenção de uma vida artificialmente. Visa a elidir ou evitar a distanásia. (2003, p. 8-9).

O mesmo autor ainda afirma que a ortotanásia, eutanásia por omissão e paraeutanásia

têm o mesmo conceito, que é a omissão do uso de meios terapêuticos com a finalidade de

consumação da eutanásia. Segundo André Luis, o doente já se encontra em um estado

irreversível para que ocorra a ortotanásia, sendo essa a condição de morte encefálica, no passo

que a não aplicação ou interrupção de medicamentos ou aparelhos que sustentem e

prolonguem a vida, essa correrá seu trilho normal e chegará ao seu fim.

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No mesmo sentido, Nelson Hungria (1998, p. 01) concorda que “ortotanásia, que é,

no fim de contas, uma eutanásia por omissão, ou se confunde com a própria eutanásia

comissiva, quando importe em retirar o aparelho que esteja servindo ao sustento da vida em

declínio”. Garay afirma que:

a ortotanásia se concretiza com a abstenção, supressão ou limitação de todo tratamento fútil, extraordinário ou desproporcional diante da iminência da morte do paciente, “morte que não se busca (pois o que se pretende é humanizar o processo de morrer, sem prolongá-lo abusivamente) nem se provoca (já que resultará da própria enfermidade de que o sujeito padece) (2003, p.339)

Não há o que se vislumbrar a eutanásia passiva e a ortotanásia no mesmo conceito,

no ponto que na ortotanásia a vida tem o seu curso natural se completando, é a morte no seu

momento, sem interferência para acelerar o processo (eutanásia) ou para prolongar a vida

(distanásia), é o que afirma Carvalho. Ademais, afirma que na eutanásia passiva “provoca-se a

morte do enfermo terminal por omissão da prestação dos cuidados paliativos ordinários e

proporcionais destinados a evitar seu falecimento, ou seja, pela não aplicação de uma terapia

disponível e que poderia prolongar a vida do paciente.” (Gisele Mendes Carvalho, 2002, p.

03).

Quanto ao posicionamento médico da situação, o Conselho Federal de Medicina, na

Resolução nº1805/06 regulamenta sem por nomes a ortotanásia, afirmando que nas doenças

graves e incuráveis terminais, o médico pode limitar ou suspender os procedimentos e

tratamentos que prolonguem a vida do doente, desde que garantidos os cuidados necessários

para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento e que seja esclarecida e respeitada a vontade

do paciente ou seu representante legal. (online, 2019)

Ademais, a resolução mencionada sustenta ao paciente o direito de uma segunda

opinião médica, além de ser garantido ao doente os meios necessários para que não sinta dor

ou passe por algum sofrimento físico, psíquico, espiritual e social.

Segundo Miguel Reale Jr. (2016), a ortotanásia, não é considerada conduta ilícita

pelo Conselho Federal de Medicina, não é um menosprezo com o bem jurídico vida, não

confronta a vida, mas sim visa a dignidade do indivíduo, adere-se ao princípio da

benevolência.  Visa uma ação socialmente adequada para resguardar um bem jurídico lesando

outro, qual seja, viola a vida para atingir uma vida digna, que no caso compreende a morte

digna. Assim, conceituada a ortotanásia, proceda-se a análise da distanásia.

A distanásia, que vem do grego dis, afastamento, e thánatos, morte, é justamente o

total oposto da eutanásia, uma vez que essa medida consiste em exatamente chegar ao

extremo em decisões e procedimentos para que o paciente prolongue tanto quanto possível

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sua vida, por meio de medicamentos, aparelhos ou qualquer meio que o faça viver mais,

mesmo que de forma indigna. Comumente essa distinção da eutanásia é chamada de futilidade

médica e de obstinação terapêutica. (Carvalho, 2002)

É certo que a tecnologia atual permite essa ampliação às vezes criticável, onde

deveria ser usado nos casos em que ainda há a consciência ou a possibilidade de recobrá-la,

mas a despenalização de meios exagerados para sustentar a vida, sem ética ou obrigações

legais e profissionais que o imponham a usar o necessário, analisado cada caso

individualmente, permite médicos de agirem assim, motivo pelo qual há o aumento de vidas

vegetativas ou comas (Salomão Leite, 2018).

Nessa lógica, o autor prossegue e afirma que na maior parte dos casos a decisão fica

nas mãos dos médicos responsáveis, razão pela qual divide opiniões, pois parte pretende e usa

meios desnecessários e desproporcionais que em nada altera o resultado, enquanto outros não

usam por entender não resolver a situação, mas nesse caso pode ser acusado de má prática

médica, apesar de não ser obrigado a adotar esses meios ou não.

De acordo com Elias Farah, a distanásia é conceituada como:

[...] a adoção de técnicas médicas, pelas quais o processo agônico do paciente terminal é prolongado, indiferente aos efeitos atrozes ou dolorosos. Muito se assemelha à obstinação terapêutica ou tratamento inútil ou fútil. A distanásia é conceituada como a morte de doentes miseráveis, que vivem no terceiro mundo, internados em hospícios, asilos, prisões. A distanásia é acoimada como uma desfiguração da arte médica, porque atenta contra um relevante princípio ético da medicina: a não maleficência. A distanásia seria o avesso da ortotanásia, que admite a morte com lucidez, sob a perspectiva de que a morte não é uma doença a ser curada, mas um final previsto do ciclo vital; não apressá-la e nem prolongá-la, para aliviar os sofrimentos físico, espiritual e emocional. Dois princípios morais regem a medicina: a preservação da vida e o alívio do sofrimento. O juramento médico bem adverte: ‘Usarei meu poder para ajudar os doentes com o melhor da minha habilidade e julgamento; abster-me-ei de causar danos ou de enganar a qualquer homem com ele. Sem justificativa ética e moral a morte não deve ser apressada.’ (2011, p. 14)

Ou seja, apesar da distanásia ser o prolongamento da vida, há um conflito de

princípios internos médicos, pois ao mesmo tempo em que se é necessário preservar a vida,

prolonga-la e não aliviar sofrimento sabendo que de qualquer forma o resultado será morte,

não condiz com sua política.

Para Adoni (2003, p. 08) na distanásia pouco é levado em consideração as condições

de dignidade ou não ao que o paciente é exposto, passa-se a ser uma conduta cega e

desregulada pela mantença de uma vida que, não fosse a interrupção incansável por

procedimentos e a prisão a realidades tecnológicas, teria seguido seu curso natural.

Concluída a análise acerca da distanásia, inicia-se a ponderação quanto a mistanásia,

também conhecida como eutanásia social. Esta advém do grego mis + thanatos, que significa

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“morte infeliz”. Essa é a categoria praticada diariamente contra milhares de pessoas por

milhares de pessoas. Segundo Leonard M. Martin (2008), esse tipo de eutanásia pode focar

em três situações distintas causadoras.

A primeira, com a grande massa de doentes que por motivos de ordem políticas,

sociais e econômicos sequer chegam a ser pacientes, pois não adentram ao sistema de

atendimento médico; a segunda, em que os doentes conseguem ingressar no hospital, para

então chegar à morte por erro médico; e a terceira situação, onde os pacientes acabam sendo

vítimas de má-prática, seja por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos. Ainda

conforme Martin, essa categoria de eutanásia nos permite levar a sério a maldade humana e o

quanto a consequência de atos distantes implicam na vida social.

Luciana Datalto afirma que a recusa do médico em cuidar do paciente, também

configura a mistanásia, vez que não lhe dá um fim de vida digno, bem como o profissional

que impede que o doente escolha seu tratamento e declara que:

A morte miserável, proveniente da mistanásia, é fato condenável no Brasil sob o ponto de vista ético e jurídico. Ético porque configura infração às normativas do Conselho Federal de Medicina, e jurídico porque configura infração aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da autonomia privada e da proibição de tratamento desumano. (DADALTO, 2015, p. 6).

Apesar de pouco tratado em doutrinas, a mistanásia merece maior atenção e cautela

ao ser debatida e analisada, vez que a vida ceifada refere-se a uma pessoa com perfeitas

chances de cura, mas por motivos alheios a sua vontade não tem o atendimento merecido e

digno derivado de um sistema falho de saúde, que deixa a desejar quanto a procedimentos,

proporcionalidade de médico/pacientes e materiais. Definitivamente, é o agir ou não agir do

Estado que causa a mistanásia diariamente.

Não obstante, clarificado o conceito das três distinções da eutanásia, ainda faz-se de

extrema necessidade explanar a diferença entre a eutanásia e o suicídio assistido, no passo de

que, apesar de comumente serem colocados como sinônimos por leigos, não são.

1.1.2 - Eutanásia X Suicídio Assistido

Tendo conhecimento quanto ao que a palavra eutanásia significa, a como é feita e as

características que a mesma compõe, veja-se então de que se trata o suicídio assistido, o que o

mesmo implica e a forma que é realizado.

Inicialmente, é importante frisar que no suicídio assistido, não há o agir ou o não agir

de outras pessoas para a realização direta do ato. Aqui, o terceiro não pratica um ato

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benevolente para retirar a dor e sofrimento, pois o próprio interessado no fim da vida age e

comete o suicídio.

Neste caso, o terceiro age mais como um ser colaborativo, que auxilia ao prestar

informações ou com assistência e condições necessárias para a realização do ato e o fim

morte. Mas é importante frisar que “não se trata de induzir ao suicídio, onde há interferência

na vontade. No suicídio assistido o ato desenvolvido é apenas de assistência e auxílio”.

(ARAÚJO, 2015, p.12)

A principal distinção entre a eutanásia e o suicídio assistido está na forma com que o

profissional tem que lidar com a situação ali presente. Nos casos em que se há um doente

terminal, que depende de aparelhos para que esteja vivo, o ato do terceiro ao tirar a vida

daquele por piedade constitui a eutanásia, um terceiro pratica um ato letal, e não é necessário

que haja a consciência do paciente no momento da morte. Diferentemente dos casos de

suicídio assistido, ou morte assistida, em que o terceiro propicia o meio, um instrumento ou

medicamento para que o ser provoque a própria morte, por solicitação voluntária, e

logicamente neste caso, o paciente obrigatoriamente deve estar consciente. Ainda, é preciso

esclarecer que o auxílio propicia o meio para o pedido, enquanto que a instigação ao suicídio

interfere na vontade do paciente, vez que não houve o pedido desse pela morte. (FARAH,

ano).

As vezes podem ser confundidos suicídio assistido em paciente terminal com a

eutanásia ativa, pois nessa classificação de eutanásia, também há a solicitação da morte,

entretanto, o agir depende de pessoas diferentes.

Melina (2014) afirma que na Suíça, o suicídio não só é descriminalizado como tem

clínicas especializadas para realização do mesmo, como EXIT e a Dignitas. Na Holanda, o

suicídio assistido e a eutanásia vêm sendo praticados há anos, sendo o primeiro país a exercê-

la.

De acordo com André Luis Adoni tem-se o seguinte entendimento:

O suicídio assistido parte da premissa de que a pessoa não esteja sofrendo de qualquer doença incurável, e nem esteja sob a incidência de intensas dores físicas ou mentais e, mesmo que a estas esteja sujeito, inexista qualquer situação de patologia degenerativa. Não há a verificação, no mais das vezes, sequer de morte cerebral. Ocorre quando uma pessoa, não dispondo de meios para consumar, por si mesma, o próprio óbito, reclama auxílio, a participação material de outrem para levar a contento sua intenção. (ADONI, 2003, p.09)

Ainda conforme o autor, esse auxílio prestado por terceiros, pode ser realizado com a

prescrição de medicamentos ou o apoio a causa. Mas, ao contrário do que afirma Marilene, o

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presente autor entende que esse auxílio compreende influenciar na vontade do indivíduo com

uso da persuasão, pelo que incorre no art. 122 do CP, que trata sobre o auxílio ao suicídio.

O Mundialmente famoso Dr. Jack Kervokian, conhecido como Dr. Morte, é uma das

principais figuras do suicídio assistido, vez que ficou conhecido justamente por interessar-se e

apoiar a quem tivesse a vontade de pôr fim à vida, mesmo que ausente a dor e o sofrimento. O

Dr. Morte já auxiliou pelo menos 48 pessoas a cometerem o suicídio assistido e a eutanásia,

servindo-lhes o suficiente para tirar a vida, como remédios em seringa, independentemente de

haver uma doença em estado terminal que atingisse o paciente, e, apesar de processado

algumas vezes, em algumas foi inocentado da acusação, vez que somente era procurado pela

pessoa que realmente tivesse esse desejo apenas para consumá-la, não agindo como uma fonte

de incentivo ou não, apenas atendendo pedidos. (ADONI, p. 9-10)

Assim, compreendido no que difere a eutanásia, ortotanásia, distanásia e mistanásia

do suicídio assistido, sobrevém então um dos principais pontos de discussão do presente

trabalho, que é demostrar o choque de normas acerca do direito inerente a cada pessoa quanto

ao direito à vida e o direito de escolha e disposição da mesma.

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2. CONFLITOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO ACERCA DO TEMA

Dentre o ordenamento jurídico brasileiro, o enfoque dirige-se a análise de normas

que confrontam-se quanto às eutanásias e as garantias que o instituto busca trazer para o

indivíduo enfermo. Dessa forma, é necessária a exposição dos direitos preceituados e

fundamentais para a vida do ser humano no Brasil e no mundo, bem como a maneira que a

legislação atual brasileira trata o assunto.

2.1 - Disposições que Asseguram Direitos Fundamentais e Entendimento Atual Adotado no

Brasil

Atualmente um dos pilares no que tange a direitos é o direito a liberdade, fruto de

muitos anos de luta e de muitas conquistas, e que apesar da grande evolução que teve, ainda

enfrenta várias dificuldades, como intolerâncias dos mais diversos tipos.

O art. 5º da Constituição Federal é claro ao estabelecer que a liberdade é um direito

fundamental inviolável, ou seja, o brasileiro supostamente tem o direito de escolher a conduta

a ser realizada individualmente, desde que essa não seja ilícita. Da mesma maneira afirma que

é inviolável o direito à vida, assim, entende-se que a decisão livre e lícita que o indivíduo

toma quanto à sua vida, compete exclusivamente a ele.

George Salomão (2018), diz que o princípio da autonomia vem sendo vinculado ao

livre arbítrio da pessoa, ou seja, uma faculdade de autodeterminação, onde há a capacidade de

escolher e decidir condutas e ações. Todavia, esse princípio não vincula terceiros a aceitar sua

vontade pessoal. Explico. O autor explica que, o fato de determinado enfermo pretender a

realização da eutanásia, não obriga que o médico a realize, visto que é direito do médico a sua

própria autonomia, e “o paciente não pode lesionar a integridade do médico como pessoa, se,

por exemplo, este se opõe por razões morais à eutanásia” (2018, p. 72).

O autor retoma, e segue que a norma ética transcende a norma jurídica, em razão da

natureza dessa norma, que é enraizada nas pessoas, e arremata que “em decorrência disto,

tanto o médico quanto o paciente estão obrigados a respeitar a integridade da outra pessoa e

não é lícito a ninguém impor seus valores e convicções morais a outro” (2018, p. 73).

É relevante frisar que, a inviolabilidade de um direito é uma proteção contra atos que

venham a ser realizados por terceiros, enquanto a indisponibilidade de direitos diz respeito ao

indivíduo e as condutas pertinentes apenas a ele. Apesar de alguns doutrinadores afirmarem

que os direitos invioláveis são indisponíveis, há quem afirme que a Constituição Federal não

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prevê a indisponibilidade, assim, o cidadão pode se desprender de determinados direitos e

aplica-los da forma que melhor lhe convém (ARANTES, 2010). No presente assunto, o

direito à vida trata sobre a inviolabilidade, ou seja, há a proteção contra terceiros, mas, a

liberdade e o direito de disposição da vida permitem que o indivíduo escolha pôr fim a sua

vida.

Por outro lado, o art. 1º, III, da Constituição Federal preceitua que a República tem

como preceito fundamental a dignidade da pessoa humana, e conforme Gisele Mendes

Carvalho (2002, p. 1) o referido artigo “proíbe a submissão a tratamentos desumanos ou

degradantes e realça a liberdade e a autonomia moral do homem.”. Ainda, complementando o

entendimento, Luiz Regis Prado agrega que:

a liberdade, a dignidade pessoal do homem - qualidades que lhe são inerentes - e a possibilidade de desenvolver-se livremente constituem um limite infranqueável ao Estado. Não se pode esquecer jamais que a pessoa humana não é um objeto, um meio, mas um fim em si mesmo e como tal deve ser respeitado. (1996, p. 57-58)

Paralelamente, analisa-se o art. 6º da Constituição Federal, que compete aos direitos

sociais, sendo estes os que nos possibilitam, ou pelo menos tentam possibilitar a igualdade em

todas as garantias previstas no art. 5º. O mesmo dispõe que são direitos sociais a educação,

alimentação, lazer, saúde, entre vários outros, entretanto o enfoque necessário para a presente

discussão se direciona ao direito a saúde.

Progredindo, não se deve deixar de mencionar a Res. CMF 1.805/2006, que em seu

art. 1º afirma “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que

prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a

vontade da pessoa ou de seu representante legal” (online, 2019a), sendo esse o consenso que a

maior parte da população adota. No entanto, este consenso não é colocado na prática em

virtude da formação cultural maioritária brasileira, pois, segundo Farah (2011, p. 10) “a

oposição à eutanásia e à ortotanásia, no Brasil, se deve à formação da sociedade na cultura

cristã, que incute um acentuado apego à vida, à sua sacralidade, como fruto de uma obra

divina e, portanto, à prioridade da sua preservação”.

Volvendo ao art. 5º da CF, o inciso III afirma que “ninguém será submetido à tortura

nem a tratamento desumano ou degradante”, assim, em conformidade com a resolução acima

mencionada, que permite que o médico limite ou suspenda os procedimentos para extensão da

vida, ninguém deve ser obrigado a sobreviver contra a sua vontade (liberdade de escolha),

bem como não deve ser submetido a tratamento desumano ou degradante, que é exatamente o

que ocorre quando o indivíduo é obrigado a continuar a vida mediante dor e sofrimento sendo

que a única certeza que se tem adiante é a morte, obrigatoriamente cercada por dor.

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Já diz George Salomão Leite (2018) que o aludido inciso III do art. 5º garante a

integridade psíquica e moral além da física, e que para o assunto de discussão, deve o termo

“tortura” ser percebido no contexto do processo de morrer com dignidade, não havendo a

submissão aos tratamentos desumanos. O autor clarifica:

O bem jurídico protegido pelo direito à integridade física, moral e psíquica é a inviolabilidade do ser humano, é dizer, a crença de que este sempre merece respeito, não se devendo profanar seu corpo e seu espírito. Trata-se, pois, de direitos fundamentais vinculados à dignidade da pessoa humana. O direito à integridade física, moral e psíquica compreende, pois, dois âmbitos de proteção: o direito à não sofrer tortura nem tratamentos desumanos ou degradantes e o direito a não ser objeto de intervenções na esfera física ou psíquica sem o consentimento do titular do respectivo bem juridicamente protegido. (2018, p. 93)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) traz em seu preâmbulo o

seguinte entendimento, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os

membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento

da liberdade, da justiça e da paz no mundos”. (online, 2019b)

Por sua vez, o artigo 1º do diploma legal traz que “todos os seres humanos nascem

livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em

relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (Assembleia Geral da ONU, 1948 s.p.).

Analisando o referido artigo, é explícito que o ser humano deve agir com fraternidade, com

união e afeto pelo outro, desse modo, não é possível diante do estado em que determinada

pessoa se encontra, em constante sofrimento, não agir para retirar a dor daquele que sofre, o

humano existente dentro de cada indivíduo emana diante da situação.

Veja-se que, trata-se de “ser humano”, de humanidade, benevolência, piedade,

misericórdia, sensibilidade, e não de “pessoa humana”, vez que segundo Leite (2018) o

pensamento cristão conceituou que a todo homem seria atribuído o tributo de pessoa, não

podendo ser retirado em hipótese alguma.

Ainda nos termos da DUDH, a segunda parte do artigo 7º afirma que todos tem

direito a proteção contra qualquer discriminação que viole a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, assim, novamente, obrigar qualquer pessoa a viver a vida de maneira que

esteja em sofrimento insuportável em virtude de uma doença incurável e/ou terminal, viola a

Declaração Universal dos Direitos Humanos.

É mister ressaltar que os direitos fundamentais são a base constituinte das leis e

preceitos no Brasil, e tiveram suas origens trazidas dos princípios que regem a sociedade

como um todo. Dessa forma , não há o caráter absoluto de um sobre o outro, ou seja, havendo

conflito entre princípios, busca-se o que melhor trata a situação. Marmelstin (2008) afirma

que no entendimento do Supremo Tribunal Federal, quando passou por análise a limitação dos

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direitos fundamentais, decidiu que no ordenamento brasileiro não há direitos ou garantias

absolutas.

Entendimento Atual Adotado no Brasil

Embora a discussão tenha um viés conservador, com as considerações acima, para os

doutrinadores que defendem a descriminalização da eutanásia, estes entendem o ato como

fraternal, e que a eutanásia não deve ser punida, pois visa inibir o sofrimento além do

humanamente suportável, além de atribuir dignidade à pessoa enquanto ser vivo, que não

merece passar por essas circunstâncias. Criteriosamente o ato é demarcado por um estado de

irreversibilidade do quadro clínico (incurabilidade), a piedade do agente e o consentimento

prestado pelo moribundo.

Entretanto, na atual legislação brasileira a conduta é enquadrada nos termos do art.

121 ou 122 do Código Penal, qual seja, homicídio e induzimento, instigação ou auxílio ao

suicídio. Veja-se: Art. 121. Matar alguem:

        Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

[...]Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:        Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. (BRASIL, 1940, s.p.).

Via de regra, há na maior parte dos casos, a consideração que o ato é um homicídio

privilegiado ou piedoso, que nos termos da lei é o cometido “por motivo de relevante valor

social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção” (BRASIL, 1940, s.p). Nesses casos, a

pena imputada ao agente pode ser reduzida de um sexto a um terço, uma atenuante, e

usualmente não há a efetiva pena prisão do agente. Assim Farah afirma que no direito penal

brasileiro:

a eutanásia já tem sanção mitigada, na qualificação de privilegiada, em homenagem ao valor social ou moral, contido na sua compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima. [...] Os debates sobre eutanásia, incriminadora ou permissiva, revelam dissenso entre os autores, dificultando a formulação de legislação própria. (2011, p. 5)

O autor ainda afirma que passa por debate a qual área a questão “eutanásia” deve ser

debatida, vez que no ordenamento penal a sanção foi mitigada, mas não trata tão somente da

questão penalista do assunto, envolvendo princípios e moralidade do enfermo. E prossegue,

certificando que “a doutrina penal sobre a eutanásia, dentro do livre arbítrio judicial, admite a

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tese do perdão judicial, ou de inculpabilidade, ou escusa absoluta”. (FARAH, 2011, p. 5).

Para Marilene Araújo (2015, p.15), o Código Penal brasileiro de 1940, quando versa

sobre homicídio privilegiado, considera-se como causa de diminuição da pena o motivo

social, ou moral, posto que “por ‘motivo de relevante valor social ou moral’, o projeto

entende significar o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por

exemplo, a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso do homicídio

eutanásico)”.

Nesse sentido, apesar do Código Penal vigente dispor do homicídio eutanásico como

atenuante (art.121, §1º), o mesmo não regula a situação particular da vítima, que deve padecer

de doença terminal incurável, irreversível, em situação de invalidez irreversível

(CARVALHO, 2002). Neste norte, Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro (2016, p.7) traz

que o homicídio privilegiado tratado no Código Penal “dispõe acerca dos interesses

particulares do agente e não faz referência à manifestação de vontade da vítima, sendo esta

irrelevante para descaracterizar a tipicidade da conduta”, e ainda explana que a redução do art.

121, §1º é facultativa, e deixa uma passionalidade em sua interpretação.

Ainda, a autora integraliza que o anteprojeto de Código Penal de 1999 tentou

disciplinar a eutanásia ativa como homicídio privilegiado em razão de doença grave e em

estado terminal, mas o correto seria doença incurável, e não doença grave. Adiante, também

foi proposta a especificação de homicídio privilegiado para ortotanásia, e prescrevia que a

morte deveria ser “iminente e inevitável”, mas pecou o legislador ao não abranger os

vegetativos crônicos, que não tem uma morte iminente, e podem prolongar a vida por longos

períodos desde que em suportes.

Dentre alguns doutrinadores que lançaram obras com vários argumentos em defesa

da eutanásia, houve em 1884 uma publicação com nome sugestivo, publicada por Enrico Ferri

chamada de “L’omicidio-suicidio”, defende que a impunidade daquele que mata outrem por

piedade, assim, desde que se tenha a presença do consentimento do paciente, há a existência

de um direito próprio e verdadeiro de morrer, permitindo então a descriminalização.

(CARVALHO, 2002).

O Conselho Federal de Medicina, conforme mencionado anteriormente,

discretamente regulou a ortotanásia na Res. 1805/06. Além disso, o novo Código de Ética

Médica, Res. 2.217/18, em seu Capítulo I, inciso XXII, afirma que “as situações clínicas

irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e

terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados

paliativos apropriados.”. (online, 2019c)

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No mesmo Código, o art. 41 do Capítulo V afirma que é vedado ao médico abreviar

a vida do paciente, mesmo que a pedido desse ou de representante legal. No entanto, o

parágrafo único do mesmo artigo versa sobre os casos de doença incurável e terminal e a

conduta a ser realizada em específico:

Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal (CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, 2018, s.p.).

Seguindo, a Res. 1.995/2012 dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos

pacientes, a mesma determina em seu art. 2º, §1º que as “decisões sobre cuidados e

tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de

maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas

antecipadas de vontade”, e que ainda deve-se observar a vontade do representante legal do

paciente, caso o mesmo tenha designado algum. (online, 2019d)

Já o §2º do referido artigo, afirma que o médico deixará de levar em consideração as

diretivas tanto do paciente quanto do representante legal se as mesmas estiverem em

desacordo com as normas do Código de Ética Médica, assim, abre espaço para que sejam

adotados os preceitos do Capítulo I, inciso XXII, se assim for a vontade do paciente, a não

obstinação terapêutica.

Ainda na análise do art. 2º da Res. 1.995/2012, o §3º consolida que “as diretivas

antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive

sobre os desejos dos familiares”. Assim, ainda que familiares pretendam prolongar a vida do

paciente de forma a levar a obstinação terapêutica inútil, e essa não seja a vontade do

paciente, não será adotada.

Verifica-se o avanço do Conselho Federal de Medicina ao regular mais sobre a

ortotanásia no estado de São Paulo, com a Lei 10.241/1999, art. 2º, VII, XXIII, XXIV, que

permitem ao paciente consentir ou recusar de forma livre procedimentos a serem realizados

nele, recusar tratamentos dolorosos e extraordinários na tentativa de prolongar a vida e optar

pelo local da morte, respectivamente. (online, 2019e).

2.2 Princípios e a Dignidade Humana em Face a Eutanásia

Inicialmente, é necessário entender o que princípios compreendem, para então

debater sobre quais são pertinentes a cada situação. Segundo Robert Alexy, os princípios são:

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normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. (2006, p. 90).

Com o presente tema, elucida-se quais direitos e princípios serão tratados no presente

capítulo. De um lado, tem-se o direito mais valioso, que é a vida, advindo do então princípio

fundamental do direito a vida. Por outro lado, tem-se o direito e princípio fundamental da

dignidade da pessoa humana, que se complementa com o direito fundamental e inviolável a

liberdade.

Segundo Leslei Lester dos Anjos Magalhães em o Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana e o Direito à Vida (2012), ao falar sobre o humano, afirma que o ser humano tem

inclinações naturais e a primeira dela e sua própria preservação, e afirma que essa

conservação humana a vida é pertencente a lei natural. Por isso, o instinto de quem vê por

fora, os levam a sustentar que o correto é impedir de toda maneira que o bem vida seja ferido,

ainda que por vontade do próprio indivíduo, entretanto, somente quem passa por essa

situação, é quem pode transmitir o quanto é doloroso, e se deseja ou não por fim a essa fase.

Todos os dias, nas mais diversas partes do mundo, há a solicitação de pessoas para

que lhes seja permitido à morte, ou que alguma pessoa lhe ponha fim a vida, algumas já em

estado de sofrimento, outras com sintomas iniciais de severas doenças incuráveis. A título de

exemplos, tem-se Janet Adkins, que aos cinquenta e quatro anos sabia estar nos estágios do

mal de Alzheimer, e preferia morrer enquanto ainda tinha condição de tomar essa escolha por

si. Por outro lado, tem-se Lilian Boyes, uma mulher inglesa que sofreu por anos de uma grave

artrite reumatoide, e controlava a doença com acompanhamento do médico Nigel Cox, até o

dia em que teve uma grave recaída, razão pela qual teve úlceras, abcessos nos braços e pernas,

fraturas vertebrais e uma lesão retal profunda, tudo em virtude da condição que a doença lhe

colocava, assim, solicitou ao médico que lhe colocasse fim a vida, o qual atendeu ao pedido,

visto que as altas aplicações dos mais fortes remédios para dor conhecidos não surtiam efeito.

(LEITE, 2018).

Analisando os dois exemplos, nota-se a complexidade que o assunto tem, e a

necessidade da regulamentar a situação dos indivíduos que estão nessas condições, mas

principalmente, deve-se chamar a atenção para os direitos que são feridos diariamente quando

uma pessoa passa por uma situação em que avalie que a vida que está vivendo no presente

momento não é digna de ter continuidade.

Conforme mencionado, a base jurídica do Brasil é executada nos arquétipos dos

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princípios que regem o direito, assim, tem-se a dignidade da pessoa humana como um dos

mais abrangentes. É fato que uma vida digna não depende de um único direito, mas de um

conjunto deles, como a liberdade, a saúde, o lazer, a educação, e a vida. Na realidade, o

direito e garantia fundamental à vida só a torna digna quando presentes todos os outros.

No tocante a vida nas qualidades de doença incurável, mediante dor e sofrimento

humanamente insuportável, Dworkin (2003) relata que na mesma proporção que se tem os

indivíduos que tem muito medo da morte, há quem tem o mesmo sentimento por viver de

forma sofrida, incapacitados física ou psicologicamente, entubados, presos a um corpo em que

não conseguem mais transmitir a terceiros a sua vontade ou sentimento, e nesse sentido o

referido autor versa:

Os médicos dispõem de um aparato tecnológico capaz de manter vivas – as vezes por semanas, em outros casos por anos – pessoas que já estão a beira da morte ou terrivelmente incapacitadas, entubadas, desfiguradas por operações experimentais, com dores ou no limiar da inconsciência de tão sedadas, ligadas a dúzias de aparelhos sem os quais perderiam a maior parte de suas funções vitais, explorada por dezenas de médicos que não são capazes de reconhecer e para os quais já se deixaram de ser pacientes para tornar-se verdadeiros campos de batalha. Situações desse tipo nos aterrorizam a todos. Também temos muito medo – alguns mais que outros – de viver como um vegetal inconsciente, mas escrupulosamente bem cuidado. Cada vez mais, nos damos conta da importância de tomar uma decisão com antecedência: queremos ou não ser tratados desse modo? (2003, p. 252)

Assim, o quanto antes deve ser dado a cada sujeito o direito de escolher qual situação

atende-lhe melhor, seja viver a vida sem interrupções até seu fim, seja evitar sofrimento

desnecessário.

Immanuel Kant (2008, p.58), filósofo, foi um dos primeiros a ousar conceituar a

dignidade humana, e reafirma o quão intrínseca é a relação pessoa e dignidade humana, a

autodeterminação do ser, que o homem, como todo ser racional “existe em si mesmo, e não

apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade”.

Kant (p. 65) ainda considera que a dignidade não tem valor ou comparação, dessa

forma, não pode ser substituída por algo equivalente, e que “a coisa que se acha acima de todo

preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”.

Segundo George Salomão Leite (2018) o conceito de dignidade da pessoa humana é

disseminado, e segue duas correntes, a depender da situação. A primeira, afirma que a

dignidade humana é um bem intrínseco, que resiste a todo ataque externo e não se degenera

em sua essência, já a segunda corrente traz que é uma qualidade humana ligada à humanidade,

mas geralmente é adotado o conjunto de ambas, vez que a dignidade na análise estrita de

moral:

não se perde por ataques externos precisamente por ser uma qualidade intrínseca do

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ser humano e que reside em sua própria condição humana. [...] revelado no uso da linguagem e da filosofia moral, não parece admitir que a dignidade possa ser destruída por outro indivíduo, precisamente porque é um núcleo moral íntimo fechado a ingerências externas (LEITE, 2018, p. 63-64).

O autor ainda traz a seguinte análise, de que é:

É possível que haja uma separação entre corpo e vida, restando, neste caso, o que se denomina cadáver. Todavia, não se pode separar a vida do corpo. Inexiste vida sem corpo. Disto resulta a ideia de que a vida é um bem que merece e exige respeito e proteção. Todavia, como se pode respeitar a vida sem respeitar o corpo? (2018, p. 65).

Neste norte, se a corporeidade é atacada, a integridade também é, e havendo

destruição do corpo, a vida desaparece. Está necessariamente entrelaçado um ao outro, em

dependência simultânea, ao passo de que o corpo entra em corrupção, em desonra,

automaticamente a vida digna tem seu âmago afetado.

No entendimento de Cavalheiro (2016), a possibilidade de definir sobre como

conduzir o final da vida após o diagnóstico de doenças incuráveis é vista como uma forma de

conforto por alguns, e essa possibilidade de abrandar ou exterminar o sofrimento interminável

deve ser conhecido como um fato relativo a dignidade da pessoa humana. É imperioso

ressaltar que, o fato de haver a possibilidade de escolha quanto ao fim da vida, esse fato não

se torna obrigatório, vez que quem não concorda com a ideia, não irá pedir pela prática da

eutanásia.

O Professor Fernando Capez leciona que “qualquer construção típica, cujo conteúdo

contrariar e afrontar a dignidade humana será materialmente inconstitucional, posto que

atentória ao próprio fundamento da existência de nosso Estado”. (CAPEZ, 2009, p. 07). Já

segundo Érico de Pina Cabral (2004, p.2), a dignidade está ligada a liberdade de escolha,

dessa forma, “a vontade torna-se a expressão da liberdade humana. Ninguém podia se obrigar

senão por sua vontade livre e espontânea.”, posto isso, não é possível vislumbrar que a

dignidade seja comtemplada em seu total, quando não se é disponibilizado o direito de

liberdade de escolha, bem como respeitada a autonomia individual.

No presente assunto, há um conflito de princípios, vez que de um lado tem-se a vida

e do outro a dignidade humana. Quanto aos conflitos, Alexy (2006) doutrina:

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem - o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido-, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. (2006, p. 93).

É de estrema relevância frisar que o fato de a dignidade humana ter uma ocupação

central quanto aos demais direitos, isso não a torna hierarquicamente maior que outro direito

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fundamental, apenas um alicerce, a estrutura para que os demais direitos funcionem em

perfeito estado no âmbito jurídico, complementando então a dignidade humana. (LEITE,

2018).

Robert Alexy (2006) analisa o art. 1º, §1º da Constituição Alemã, que trata sobre o

princípio da dignidade da pessoa humana, bem como sua inviolabilidade. Versa o autor que o

princípio é tão indeterminado quanto o conceito de dignidade humana, que geralmente e de

forma genérica é trazido a conhecimento que o ser humano não pode ser tratado como objeto,

mas que de fato o “conceito de dignidade humana pode ser expresso por meio de um feixe de

condições concretas, que devem estar (ou não podem estar) presentes para que a dignidade da

pessoa humana seja garantida. Sobre algumas dessas condições é possível haver consenso” (p.

355).

O mesmo segue afirmando que a dignidade humana é garantida desde que o ser não

seja degradado ou humilhado, mas que é fato que a cada pessoa e em cada situação traria o

conceito de dignidade humana de formas diversas a depender das condições de cada

indivíduo. Assim, o autor prossegue que, as diferentes situações a que cada um é exposto, não

complementam o conceito, e exemplifica:

Acerca de outras condições é possível haver controvérsias, como, por exemplo, no caso de se saber se o desemprego de longa duração de alguém que tenha vontade de trabalhar ou se a falta de um determinado bem material violam a dignidade humana. [...] Por outro lado, é possível constatar que tais feixes não são completamente diferenciáveis. (ROBERT, 2008, p. 355)

Outra forma de conceituar a dignidade humana seria que o agir tem sua própria

finalidade e que é a autonomia que concede ao humano a dignidade, e a dignidade é um fim

em si, não um meio para que algo seja alcançado, a dignidade que é sempre buscada e

alcançada. (ARAÚJO, 2015).

Carvalho (2002, p. 1) ao delinear sobre a proibição a tratamentos desumanos arrebata

ao afirmar que “nesse particular enfoque, condutas que impliquem a instrumentalização da

pessoa humana ou desafiem sua faculdade de autodeterminação devem ser veementemente

rechaçadas, porque não condizentes com o imprescindível respeito devido ao homem em um

Estado de Direito que se pretenda verdadeiramente democrático e social.”. Não se pode

esquecer que o humano é intrinsecamente digno ou em busca da sua dignidade dentro da

realidade a que é exposto, e em hipótese alguma pode ser tratado como objeto.

A autora excele ao ponderar que:

A acolhida desse princípio, ao mesmo tempo em que afirma a superioridade do homem em relação a todos os demais seres e objetos da natureza, consigna sua condição de igualdade perante todos os seres humanos. Essa igualdade impede todo

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tipo de discriminação ou de instrumentalização da pessoa humana para lograr fins que lhe são alheios, por mais valiosos que sejam. De outro lado, a condição de ser racional do homem conduz à sua autonomia moral, que equivale à liberação de quaisquer interferências ou pressões alienantes e manipulações coisificadoras. (CARVALHO, 2002, p. 8)

A integralidade da pessoa humana constitui valor pleno, e não se deve deixar ser

ultrapassado pelo Estado, ainda que em favor de nenhum interesse coletivo, tendo em vista

que o assunto tema do trabalho não depende da coletividade, mas unicamente da pessoa

incuravelmente doente. Estabelecida à frente de todos os direitos fundamentais, a dignidade

humana é um eixo, um suporte e informa seu conteúdo, resultando uma fonte ética que

confere sentido, valor e concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, e sem ela,

não se chegaria a lugar nenhum.

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3. EUTANÁSIA, BIODIREITO E O DIREITO COMPARADO

3.1 – Eutanásia e o biodireito

Rememorando o conceito de eutanásia, constitui-se então o ato de tirar a vida de

outra pessoa, que sofre de forma inimaginável em virtude de doença incurável e/ou terminal.

Há casos em que existe a solicitação do paciente para proceder a esse ato, e outros não, mas

em todas as formas, considera-se eutanásia. Posto à frente de dois princípios maximus da

Carta Magna, quais sejam, o direito fundamental à vida e a dignidade da pessoa humana o

assunto provoca ainda mais. Neste norte, o biodireito traz alguns entendimentos acerca da

vontade do paciente que merecem a devida atenção, bem como a conduta médica e ética em

relação à estes.

Para entender o biodireito, deve-se entender a bioética, que segundo a Revista

Médica de Minas Gerais (2014, p. 265), é um estudo que foi moldado “num ambiente de

grande desenvolvimento científico e tecnológico e de profundas mudanças sociais, políticas e

culturais”. Ou seja, estuda quaisquer problemas despertados por pesquisas científicas que são

relativos à moral, e quando esse estudo é utilizado no direito, torna-se o biodireito.

O Relatório de Belmont diante dos abusos e torturas que aconteciam com

experimentos em humanos, surgiu para estabelecer critérios para pesquisas, e assim, trouxe

princípios bioéticos que surgiram no ano de 1978, compostos por autonomia, beneficência e

justiça. Posteriormente, em 1979 fez-se necessário a criação do princípio da não-maleficência

para que fosse compreendido a beneficência. (LOPES, 2014).

Para que haja a melhor compreensão quanto aos princípios, serão explanados e

relacionados ao direito do humano voltados à eutanásia.

Quanto ao princípio da autonomia, inicialmente era conhecido como o princípio de

respeito pelas pessoas, assim, no direito de privacidade e autonomia das pessoas, tem-se o

seguinte fundamento:

a) quando o paciente estiver incapaz de tomar decisões sobre o próprio tratamento, alguém pode exercer esse direito em seu nome – criou-se a figura do mandato duradouro; b) os pacientes têm o direito de recusar um tratamento, mesmo que essa recusa pudesse levá-lo à morte. (LOPES, 2014, p. 271).

O princípio da autonomia, que segundo WANSSA (2011, P. 111), etimologicamente é

conceituado pela “condição de uma pessoa ou coletividade autônoma; quer dizer que

determina, ela mesma, a lei a que se submete”, pode e deve ser somado ao direito fundamental

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à liberdade, sendo assim, o paciente constitui o comando de sua própria vida, privilegiando a

decisão do ser.

A palavra autonomia advém do grego auto + nomos , que conclui própria lei ou regra, assim,

o indivíduo autônomo age nos planos que delibera como melhor, liberto de governos e

interferências controladoras quanto a si. Para a possibilidade dessa autonomia são observados

dois itens essenciais: a liberdade e a qualidade do agente. A liberdade compreende a

independência da influência de terceiros, enquanto que a qualidade do agente refere-se a

capacidade de agir sem a supervisão de outros, de forma intencional. (BEAUCHAMP e

CHILDRESS, 2002).

Segundo os referidos autores, deve haver a compatibilidade da autonomia, autoridade

e a tradição moral na relação médico – paciente, entretanto, nem sempre a autonomia do

paciente coincide com a autoridade do profissional, havendo o choque quanto às decisões.

Alguns críticos chegam a ponderar que a autonomia é excessivamente relacionada a

independência em relação a terceiros, que subestima relações íntimas e dependentes, e as

tradições religiosas se vinculam ao pensar que os apelos por autonomia tornariam o indivíduo

independente de um poder transcendente, além de alguns pensamentos filósofos que

ponderam que a vontade racional ignora a vida em comunidade. Esse choque de pensamentos

se dá em virtude da não delegação ou não aceitação da autoridade, quando essa choca-se com

a vontade particular e pessoal do ser quando a situação pessoal em que se encontra não

depende da sociedade para seu desenvolvimento.

Ainda que haja a impossibilidade de decisão e autonomia, deve haver sempre a

proteção e assistência com dignidade: De qualquer forma àquele a quem faltarem as condições para uma decisão própria e responsável – especialmente na esfera da bioética e da biomedicina – poderá até mesmo perder (pela nomeação eventual de um curador ou submissão involuntária a tratamento médico e/ou internação) o exercício pessoal de sua capacidade de autodeterminação. Não obstante esse fato, resta-lhe – sempre – o direito a ser tratado, protegido e assistido com dignidade. (MAY e MAY, 2014).

Faz-se relevante ponderar que o princípio da autonomia não é o mesmo que o

princípio do respeito à autonomia. Nota-se:

Ser autônomo não é a mesma coisa que ser respeitado como um agente autônomo. Respeitar um agente autônomo é, no mínimo, reconhecer o direito dessa pessoa de ter suas opiniões, fazer suas escolhas e agir com base em valores e crenças pessoais. Esse respeito envolve toda ação respeitosa, e não meramente uma atitude respeitosa. Ele exige também mais que obrigações de não-intervenção nas decisões das pessoas, pois inclui obrigações para sustentar as capacidades dos outros para escolher autonomamente, diminuindo os temores e outras condições que arruínem sua autonomia. (BEAUCHAMP e CHILDRESS, 2002, 151).

Posto isso, não basta que ao ser seja conferido o direito de ser autônomo em suas

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decisões, mas sim viabilizar que ao exercer sua autonomia, não seja de forma limitada ou com

a intervenção de outros, mas com o devido respeito. Esse respeito também deve ser estendido

e somado a dignidade:

A dignidade humana deve ser respeitada a todo custo; o homem deve morrer com dignidade, não importando suas qualificações. É um direito inerente à sua condição, que se deve cumprir. Se hoje a ciência oferece melhores condições de vida ao homem para que viva bem, ela também deveria se preocupar em lhe possibilitar um fim sem percalços. (MAY e MAY, 2014).

Já o princípio da beneficência foi desenrolado posteriormente ao princípio da não

maleficência para que a prática atingisse o objetivo correto, vez que são imputados aos

profissionais da saúde na relação com o paciente.

O princípio da beneficência constituía fazer o bem ao paciente, não causar nenhum

tipo de lesão ou prejuízo a mais. Conforme Maria do Carmo Demase Wanssa (2011), o

princípio tem a obrigação de ajudar outras pessoas, possibilitando seus interesses intrínsecos e

importantes, uma grande norma da conduta médica. Entretanto, existem limites a serem

observados, e são avaliados os profissionais da saúde para que não exerçam o princípio da

beneficência de modo absoluto.

A partir daí, a obstinação a todo custo que fazia com que o excesso tivesse um

sofrimento adicional, ainda que não notado pelo agente. Dessa forma, foi instituído o

princípio da não maleficência, que traz exatamente o dever se não causar um mal ainda maior

ao paciente. Segundo Beauchamp e Childress (2002) o princípio da não maleficencia é mais

rigoroso que o da beneficência, tendo em vista que causar danos a qualquer pessoa, não

somente a pacientes, é moralmente proibido.

Ao tratar sobre a não maleficência, Wanssa (2011) explana o pensamento de David

Ross:

Muitos autores acreditam que o princípio da não maleficência é um elemento do princípio da beneficência, pois deixar de causar o mal intencional já é fazer o bem. A esse respeito, David Ross, em sua obra The right and the good, de 1930, estabeleceu o conceito de dever, propondo que nos casos de conflito entre a beneficência e a não maleficência deve permanecer a não maleficência 17. Ainda, segundo Frankena 18, devemos promover o bem e evitar o mal (2011, p. 112-113)

Quanto a justiça que traz o Relatório, essa subdivide-se em duas linhas, a do risco e a

do benefício. E pode ser compreendida pela “distribuição equitativa dos benefícios e a

segurança do que é razoável, não explorando as pessoas e garantindo cuidadosos

procedimentos de pesquisa.” (Kovacs, 2003, p. 62), assim, o princípio da não-maleficência

veio para ponderar as condutas médicas, visto que, não é por causa da impossibilidade de se

defender dos tratamentos que o médico pretende aplicar, que o paciente está a mercê desse.

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Ainda quanto ao princípio da justiça, a autora versa que o mesmo complementa ao

tratar com equilíbrio todos os indivíduos, com autonomia plena ou reduzida, com seus

benefícios e malefícios, tratando iguais como iguais e desiguais como desiguais, na proporção

de suas desigualdades.

A aplicação dos referidos princípios bioéticos no tema do presente trabalho encaixa-

se perfeitamente. A busca pela liberdade de escolha e autonomia do ser que encontra-se em

determinada situação deve ser respeitada, vez que não depende de toda a coletividade esse

direito tão intrínseco e particular. A beneficência pode ser aplicada até o momento em que o

paciente permite, possibilitando a rejeição ao tratamento em qualquer momento. Bem como a

não maleficência deve ser aplicada nos casos em que há a obstinação terapêutica, tratando

todo e qualquer ser humano de forma justa e digna, nos termos dos direitos e garantias que

amparam o brasileiro em sua Carta Magna.

3.2 Direito Comparado

Apesar de ser uma conduta ainda criminalizada no Brasil, há vários países em que a

eutanásia é uma conduta lícita frente ao Estado, competindo somente à pessoa que está

naquela situação decidir qual caminho adotar. E ainda que descriminalizada em vários países,

cada um tem sua peculiaridade, suas normas, seus custos, cada um a sua maneira e em seus

costumes, como adiante é explanado.

A primeira parte deste capítulo do trabalho, foi elaborada com base nos autores

Roberto Chacon Albuquerque (2008), George Salomão Leite (2018), Melina Chagas Barroso

(2014) e Ana Clara Diniz (2018), vez que são os autores que tratam sobre o assunto

pertinente.

3.2.1 - Países que Permitem a Eutanásia

3.2.2 - Europa Ocidental

A análise dos países da europa ocidental deu-se predominantemente por meio do

autor Roberto Chacon Albuquerque, 2008, que fez um estudo sobre a lei que regula o direito

de por termo a vida na região.

Dentre os países em que há a liberdade de escolha no processo da morte, o primeiro a

permitir a conduta foi a Holanda. Em abril de 2001 o país aprovou a “Lei de 12 de abril de

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2001, relativa ao Término da Vida sob Solicitação e Suicídio Assistido e alteração do Código

Penal e da Lei de Entrega do Corpo”, que diferentemente do comum, tem um nome, e não um

número de lei.

Não é carregado o termo “eutanásia” no corpo da lei, apesar de tratar sobre o assunto,

em razão do cuidado ao trazer o nome que é visto com certo receio pela população, ficando

então um nome mais brando, que trata sobre a vida e a escolha do indivíduo. Diferentemente

do conceito do Brasil, tem diferenças quanto às classificações, vez que na Holanda, a

eutanásia passiva passa a ser aquela em que se é solicitado pelo paciente o procedimento, e a

ativa em que não há a solicitação do mesmo.

De toda forma, é necessário esclarecer que apesar de comumente os Países Baixos

serem conhecidos como o primeiro país a regular a eutanásia, mas, para surpresa de muitos, a

eutanásia ainda é criminalizada no país, quando de forma desobrigada. O que houve foi uma

exclusão da criminalidade da conduta quando praticada por médicos, ou seja, qualquer outra

pessoa que pratique o fato será penalizada nos termos do Código Penal do país

(ALBUQUERQUE, 2008).

Costumeiramente, a imagem de que a eutanásia é permitida nos Países Baixos a

décadas é a predominante, mas não é exatamente isso que ocorre. Há uma tolerância quanto a

realização por médicos, com a excludente de ilicitude que os mesmos adquiriram, mas não há

liberdade para que a eutanásia seja praticada em qualquer lugar e por qualquer pessoa, que

obviamente, não é a forma correta, vez que para a caracterização da eutanásia é necessário

que haja certos critérios que são concluídos por médicos.

Albuquerque (2008) prossegue trazendo a conhecimento a forma que é caracterizada

a eutanásia no país, pois o paciente deve solicitar voluntariamente, o médico tem que estar

convencido do seu sofrimento insuportável e sem solução, informando ao paciente de sua

condição e tendo o apoio de um colega de profissão independente em seu laudo. Os pacientes

podem fixar em que circunstancias desejam ser submetidos à eutanásia, que serão adotadas

mesmo quando não houver mais a consciência do paciente. Entretanto, se a eutanásia

realmente vai ser realizada ou não, cabe ao médico decidir e não ao paciente, nesse caso, o

médico pode caso entenda por bem, mas nos casos em que não há diretrizes do paciente, o

mesmo não poderá proceder ao ato, vez que depende da voluntariedade.

A Lei ainda prevê que a morte não natural tem que ser comunicada ao Instituto

Médico Legal, onde uma comissão vai verificar se a eutanásia foi cuidadosa e ocorreu dentro

dos conformes e preceitos da lei, aí então o médico não sofrerá a sanção penal, havendo a

excludente de ilicitude do mesmo.

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É mister demonstrar que o país desenvolveu um órgão público exclusivamente

competente para analisar a eutanásia (leia-se tanto término da vida sob solicitação como o

suicídio assistido), dividido em regiões que analisam os casos de seus arredores, se

obedeceram os parâmetros previstos ou não, assim, a própria sociedade passou a analisar se a

conduta dos médicos justificava a eutanásia ou não.

Cada região é composta por uma comissão, que deve sempre conter um médico, um

jurista e um especialista em ética, e em casos de dúvidas a lei prevê que podem ser

questionados o médico legista e o assistente social do caso, funcionando como uma

intervenção de terceiros, um amicus curiae, demonstrando como foi milimetricamente

organizada a constituição da norma, bem como o procedimento a ser adotado, sua

competência e todos os detalhes.

Quanto a idade para realização da eutanásia, é permitida apenas acima dos 12 anos

de idade, e até os 16 anos é necessária a aprovação dos pais para que o procedimento seja

realizado, mas de toda forma, o paciente é quem deve solicitar. Nos casos em que o paciente

não tenha perspectiva de mais duas semanas de vida, o procedimento pode ser autorizado por

ele mesmo, por familiares ou profissionais da saúde.

Outro país que aderiu a permissão de suicídio mediante solicitação foi a Bélgica,

usando como um espelho a legislação dos Países Baixos, desde setembro de 2002, tornando-

se o segundo país a legalizar a eutanásia e o suicídio assistido.

A Legislação, assim como na Holanda, prevê que o paciente é quem deve pedir para

morrer, ter um sofrimento insuportável e não lhe restar outras opções. Ademais, outro médico

independente deve ser consultado e um terceiro médico deve acompanhar nos casos não

terminais. O paciente deve ainda ter ciência de todo procedimento e debate a ser realizado

sobre seu caso e o debate com quem quer que tenha vontade, e nos casos em que o enfermo é

menor, deve ser consultado também por pediatra e psicólogo, reservada ainda a possibilidade

de fazer um testamento vital.

Para que a prática não seja criminalmente penalizada, o médico deve estar seguro de

que o paciente é maior de idade, e caso não seja, deve ter a capacidade de discernimento, o

pedido pela morte deve ser voluntário e reiterado sem interferência de terceiros, estar seguro

de que nenhum tratamento médico é capaz de aliviar o sofrimento causado pela enfermidade,

seja ele físico ou psíquico, bem como observar todas as condições previstas em lei para

proceder ao ato.

No país também foi instituída uma comissão para avaliar todos os casos de eutanásia

realizados. Caso os pressupostos da lei não tenham sido obedecidos, depois da análise de

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todos os relatórios e laudos, um dossiê é elaborado e enviado ao órgão competente para julgar

o crime. Dessa forma, a comissão tem um caráter de controle das eutanásias, mas não as

previne.

Tanto na Holanda como na Bélgica, o médico pode invocar a cláusula de objeção de

consciência para não realizar o ato eutanásico, caso não esteja a vontade com a conduta ou ao

seu entendimento o paciente tenha outras saídas. Mas, diferentemente da Holanda, na Bélgica

não se permite o suicídio assistido.

Por tanto, tanto nos Países Baixos quanto na Bélgica, a eutanásia é permitida no

âmbito médico, em consonância com a lei e de forma estrita, sendo que, quando praticada por

outra pessoa que não seja um médico, ou por médico que não realize nos termos da lei, será

condenado por homicídio.

Tornando-se o terceiro país a normatizar a eutanásia, em 2006, por uma pequena

maioria de 30 votos de 29, Luxemburgo aderiu às duas leis, a primeira que trata sobre

cuidados paliativos, diretivas antecipadas e acompanhamento no final da vida, e outra sobre

eutanásia e o suicídio assistido. Quanto a primeira lei, George Salomão Leite afirma que:

dispõe sobre a ortotanásia e a distanásia, consagra, em seu artigo 1.º, o direito à universidade no âmbito dos cuidados paliativos, é dizer, o direito inerente a toda pessoa que padeça de uma enfermidade grave ou incurável, de ser cuidada de forma ativa, coordenada e continuada, viabilizado por uma equipe multidisciplinar em atenção à sua dignidade, cujos propósitos consistem em atenuar a dor e o sofrimento físico e psíquico, qualquer que seja a sua causa. (LEITE, 2018, p. 277).

Na referida lei, o enfermo é tratado como “paciente em fim de vida”, e dessa forma,

compete ao Estado cuidar desse ser com cuidados paliativos, bem como profissionais

competentes à situação, que consiga dar o apoio e zelo necessário. Ao médico, compete cuidar

do paciente com todos os meios ao seu alcance, entretanto, se o tratamento implica na

aceleração do processo de morte, é necessário que o paciente tenha ciência disso e concorde

com a continuação do tratamento, entretanto, assim como nos países supracitados, o médico

não é obrigado a por termo a vida do paciente, podendo recursar-se ao ato.

Quanto às vontades do paciente, é previsto que cada um tem a liberdade de firmar

nas diretivas as condições, limitações e interrupções de tratamentos, bem como uma pessoa de

confiança, valendo as disposições constantes nesse testamento vital, desde que o mesmo tenha

sido feita de forma válida. Assim, ausente a consciência do paciente e nos casos necessários, a

pessoa de confiança designada pelo mesmo, será buscada pelo médico para que determine sua

vontade presumida.

Por todos os lados, há a previsão da lei, seja para conduta de médicos, seja para

conduta do próprio paciente, ou seja, para conduta de terceiros. Dessa forma, sempre

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propiciando ao indivíduo o seu direito de escolha, seja com decisões ou indicações de pessoas

que por ele responda.

Já a segunda lei, que versa sobre a eutanásia e o suicídio assistido, há a excludente

de ilicitude desde que os atos sejam realizados em consonância ao que a mesma preceitua.

Logo, assim como os demais países, não é penalizado o médico que realize o ato que foi

solicitado pelo paciente e conforme a lei.

Em Luxemburgo, para proceder ao ato também deve haver a maioridade do paciente,

a consciência e a capacidade no momento da solicitação, bem como ser voluntário, refletido e

continuado sem pressão de terceiros, e haver um estado de incurabilidade na ciência atual,

além de ser registrado de forma escrita e juntado ao dossiê do paciente. De toda forma, ainda

que completamente válido o testamento vital sobre as diretrizes escolhidas, pode o paciente a

qualquer momento revogar seu pedido, assim, o documento é retirado e devolvido ao

paciente.

O paciente ainda pode consignar seu pedido, ficando como uma ressalva nos casos

em que o médico concorde que o mesmo “padece de uma lesão acidental ou patológica grave

e incurável; está inconsciente; a situação é irreversível à luz do estado atual da ciência”

(LEITE, 2018, p. 281). Nesse caso de declaração, ainda é facultado à pessoa escolher a forma

que deseja ser sepultado e a cerimônia de seu funeral.

Por fim, a lei versa que o médico que seguir todos os preceitos, como ter uma

consulta com outro médico que terá total conhecimento do caso e concorde com a conduta, e

dessa forma não terá sanção penal ou civil. Bem como que haverá instituição de uma

Comissão Nacional de Controle e Análise, que tem a finalidade de fiscalizar a aplicação

correta da lei.

3.2.3 - Suíça

O estudo sobre o direito de por termo à vida na Suíça deu-se predominantemente por

meio do livro do autor George Salomão Leite, 2018, que trata também de demais assuntos

relativos a realização da eutanásia em outros países do mundo.

A Suíça, primeiro nome que vem a mente quando o assunto é eutanásia,

surpreendentemente, não tem a descriminalização do ato de forma específica. O

acontecimento é que os Tribunais, por entendimento, ao analisar o art. 115 do Código Penal

do país, que versa “aquele que, por razões egoístas instiga alguém a cometer suicídio ou

empresta-lhe ajuda, será punido com detenção de até cinco anos ou com multa monetária,

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caso o suicídio tenha sido consumado ou tentado.” (LEITE, 2018, p. 274), entendeu que ao

não se tratar de razões egoístas, o agente não faz jus a pena aplicada, como seria o caso de

uma pessoa que ao realizar o ato teria uma herança do enfermo.

Entretanto, para a Suíça, isso constitui a morte assistida. Ou seja, a eutanásia e o

suicídio de enfermos em que se há razão egoísta, ainda que seja um extremamente doente,

constitui crime. Por outro lado, a pena para a realização da eutanásia, que é prevista no art.

114 do Código Penal da Suíça, seria prisão de até três anos ou multa para as condutas daquele

que “por razões honradas, especialmente por piedade, causa a morte de uma pessoa a seu

pedido, sério e insistente” (LEITE, 2018, p.274). Logo, veja-se que não são penas

cumulativas, seriam até três anos de prisão ou uma pena pecuniária.

Em virtude desse entendimento que exclui a criminalidade de quem presta auxílio ao

suicídio assistido, existem algumas entidades que praticam o suicídio de pessoas de diversos

lugares do mundo, como a DIGNITAS e EXIT, que são compostas por profissionais da área

de saúde prontos a realizar a vontade do paciente, claro que, de forma registrada e controlada

pelo país, mas não necessariamente praticado por um médico, vez que a lei não preceitua que

seria excluído apenas o médico que procedesse ao ato.

Entendido o motivo de o suicídio assistido ter sua ilicitude excluída, passa-se então a

um ponto importante da realização da conduta no referido país. Para que um paciente enfermo

que sofre com sua doença ou não, proceda ao suicídio assistido, custa em média £ 10.000, que

no ano de 2019 custa em torno de R$43,976,00.

Por essa razão, é notório que apenas quem tem uma condição financeira próspera e

abonada consiga ter sua autonomia e direito de escolha respeitado e cumprido. Assim, o dever

de cumprir com o papel de respeito a dignidade humana que se busca com a escolha pela

morte, não é devidamente alcançado no país, vez que afasta essa possibilidade de quem é

despossuído financeiramente.

3.2.4 - Estados Americanos

A compreensão quanto aos direitos dos americanos a por termo a vida se deu

predominantemente por meio da publicação de Melina Chagas Barroso, 2014, sendo esta a

única autora que trouxe a conhecimento os presentes estados de forma clara e objetiva.

A autora traz a conhecimento alguns estados americanos que iniciaram a pratica da

morte assistida. Inicialmente, destaca-se Oregon, que teve a lei que permite a eutanásia

aprovada em 1997, entretanto, foi questionada na Suprema Corte dos Estados Unidos da

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América, mas novamente foi considerada constitucional por 6 a 3 votos em 2001.

Para que seja possível a realização do ato, a lei “Death With Dignity Act”, que

traduzida é a lei da Morte com Dignidade, preceitua que deve haver a elegibilidade, que

significa um adulto capaz, sem distúrbios psicológicos, que foi diagnosticado por médicos e

consultoria estar em sofrimento e com expectativa de vida em seis meses ou menos; a

residência, vez que somente pessoas que residem em Oregon podem praticar a eutanásia,

podendo ser comprovado por licença de motorista ou registro de voto em Oregon, por

exemplo. Há também a imunidade aos profissionais da saúde, que tem o direito de recusar

participar, e o efeito sobre testamentos, contratos e seguros, que não serão afetados pelo fato

do ser ter escolhido por fim a própria vida.

Desde a criação da lei, em 1997, morreram 525 pacientes ao ingerir medicamentos

prescritos por médicos, sendo no ano de 2010, houveram 96 solicitações de medicamentos,

entretanto, 59 pacientes ingeriram o medicamento, somados a seis pacientes que tiveram

prescrição no ano anterior mas apenas concluíram no ano de 2010, totalizando 65 mortes com

dignidade no estado. Desse total de pacientes, a idade média das mortes foi aos 72 anos, e da

mesma forma que aconteceram em anos anteriores, a maioria dos pacientes eram brancos

(100%), com educação superior, e tinham câncer. (BARROSO, 2014)

Washington também teve o ato de morte com dignidade aprovado, via referendo

popular assim como Oregon, passando a ser o segundo estado a adotar o ato. A lei começou a

vigorar apenas em março de 2009, modelado nos termos da legislação de Oregon. No ano

subsequente a aprovação, 87 pacientes solicitaram a medicação, sendo que 72 vieram a

falecer, mas 51 desses pacientes faleceram depois do uso da medicação.

Em Montana, Melina (2014) afirma que uma juíza firmou consentimento no sentido

de dar a quem for mentalmente competente, o direito constitucional de privacidade e

dignidade humana, assim sendo, os pacientes tem o direito de auto administrar medicamentos

para acelerar o processo de morte sem dor e sofrimento, sem julgamento, e que assim os

médicos poderiam prescrever os medicamentos sem medo da opinião externa. Dessa forma,

Montana foi o terceiro estado a permitir a morte assistida, sendo que, aos médicos seria dada a

liberdade de apenas prescrever o remédio, para que o próprio paciente aplicasse.

Geórgia, no mesmo sentido de Montana, não teve lei que regulasse o assunto,

entretanto, tem entendimento do Supremo Tribunal de que os pacientes tem o direito a

escolher por termo a vida quando nas condições que caracterizem a possibilidade, além do

direito de privacidade da decisão do paciente. O estado ainda proíbe a morte assistida nos

casos em que o agente divulga publicamente a realização do ato, por tanto, desde que o

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médico não faça nenhuma menção a realização do ato publicamente, poderá prescrever o

remédio para que o paciente escolha morrer em seu momento, sem que a conduta seja

criminalizada.

Por todo o exposto, tem-se então a Europa Ocidental, em que não se é

descriminalizada a eutanásia, mas há excludente de ilicitude para o médico que, nos termos da

lei, seguir e registrar todo o processo, não ser civil e criminalmente punido posteriormente.

Por outro lado, a Suíça criminaliza a eutanásia de forma branda, e por entendimento,

considera que o suicídio assistido, quando não realizado por motivo egoísta, não constituirá

crime. E por fim, nos Estados Unidos da América mencionados, tem-se em Oregon e

Washington, que tiveram a aprovação da legislação da morte assistida, e Geórgia e Montana,

em que os Tribunais tem entendimentos para que o direito do paciente seja respeitado e que a

escolha de ministrar o remédio ou não é inteiramente sua.

No Brasil, conforme mencionado no capítulo anterior, tanto a eutanásia como o

suicídio assistido, apesar de não tem uma tipificação específica para o caso, ainda são

considerados condutas criminosas, sendo penalizada como homicídio privilegiado ou

induzimento ao suicídio, nos termos do Código Penal de 1940.

3.2.5 - Argentina

O entendimento quanto a realização da eutanásia na Argentina foi explanado por Ana

Clara Diniz, 2018, que trouxe a conhecimento o que realmente foi permitido no país e sob

quais circunstâncias.

Em 2012, entrou em vigor na Argentina a lei 26.742, a qual Diniz (2018) representa

com sabedoria. No país não foi descriminalizado o suicídio assistido, entretanto, a lei

aprovada por unanimidade permite que o paciente ou sua família interrompam o tratamento

ou desligue aparelhos que sustentam a vida do paciente, e da mesma forma, permite que

voltem atrás na decisão e peçam para que seja feito de tudo para que o enfermo seja salvo.

Com a explicação acima, é notório que foi regulamentada a ortotanásia, que consiste

em cessar o tratamento, e a distanásia, que ao momento em que se volta atrás na decisão, há a

aplicação de medidas para que aquela vida se prolongue o máximo, a chamada obstinação

terapêutica.

A decisão tomada pelo país tem por base o direito de autonomia do paciente,

valorizar sua vontade e deixar que o mesmo julgue o que acha melhor e o que suporta com a

atual condição que se passa. A dor, o sofrimento, a debilitação que o enfermo sofre cabe

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somente a ele como ser humano, com dignidade e autonomia sobre sua vida escolher.

A Argentina, apesar da proximidade com o Brasil, tanto em distância, como em

alguns conceitos e costumes, infelizmente não influenciou o Brasil para que ao menos fosse

dada a devida atenção ao assunto. Há projetos de lei em andamento há anos para que seja

reformado o Código Penal Brasileiro vigente, entretanto, mesmo com o avanço ainda que

pequeno em relação ao assunto, não houve o aproveitamento do momento de inspiração para

fomentar o debate com a população brasileira, que pode a qualquer momento da vida, estar na

mesma situação.

Adentrando ao assunto, analisa-se no capitulo subsequente os projetos de lei que

estão tramitando no Senado Federal e Câmara dos Deputados, os quais pretendem

descriminalizar a conduta da eutanásia no Brasil.

3.3 Projetos de Lei para Descriminalização da Eutanásia no Brasil

Conforme posto no presente trabalho, a eutanásia é tipificada atualmente nos termos

do art. 121 ou 122 do Código Penal, mas mais precisamente no homicídio privilegiado do §1º

do art. 121. Entretanto, no entendimento de alguns doutrinadores, a aplicação não deveria ser

essa, vez que a previsão dos referidos artigos não apresenta a figura do sofrimento do

indivíduo ou a vontade que o mesmo tenha de acabar com a própria vida.

Atualmente no Brasil estão em trâmite dois projetos de lei, e no caso de aprovação de

algum dos dois projetos, haveria a possibilidade da realização da eutanásia sem que haja a

penalização do agente.

O primeiro Projeto de Lei tem como foco exclusivo a vida dos pacientes no sistema

de saúde do país, onde o código teria algumas alterações, como a forma em que a relação

médico – paciente deveria ser regulada, os procedimentos nos casos em que o paciente não

puder expressar sua vontade, bem como alguns acréscimos ao corpo da lei.

O outro projeto visa refazer todo o Código Penal, tanto que é intitulado como o Novo

Código Penal, e dentro dessa nova lei, seria incluído a exclusão de ilicitude para a prática da

eutanásia. Ambos serão explanados neste presente capítulo, respectivamente.

O Projeto de Lei do Senado nº 7 (PLS 7) de 2018, tem o foco na vida dos pacientes, e

já em seu preambulo deixa clara a intenção do projeto

Dispõe sobre os direitos dos pacientes em serviços de saúde; altera o Decreto-Lei nº

2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para isentar do crime de omissão

penalmente relevante a falta de instituição de suporte de vida ou a não realização de

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tratamento ou procedimento médico recusados. (BRASIL, 2018, p. 1)

Já no art. 1º, é esclarecido que a lei irá disciplinar sobre as relações medico –

paciente. O art. 2º do projeto de lei assegura ao paciente no Brasil o atendimento acolhedor,

direito de esclarecimentos acerca do tratamento além de informações claras e objetivas, dentre

vários outros. O art. 3º trata sobre pacientes inconscientes, que nestas circunstancias será

representado respeitada a seguinte ordem: mandatário constituído por documento; cônjuge ou

companheiro, salvo se houver separação ainda que de fato; responsável legal judicialmente

constituído; e por fim por parentes em linha reta ou colateral até o segundo grau.

Adiante, o art. 6º do PLS 7 de 2018 acrescenta o §3º ao art. 13 do Decreto Lei nº

2.848/40, qual seja, Código Penal:

‘§ 3º Não se considera omissão penalmente relevante a falta de instituição de suporte de vida ou a não realização de tratamento ou procedimento médico ou odontológico recusados expressamente pelo paciente ou, nos casos em que o paciente não possa expressar sua vontade, por seu representante legal. ’ (BRASIL, 2018, p. 4)

Para que o entendimento seja concluído, o Art. 13 do CP trata sobre a relação de

causalidade, e prevê que o resultado do crime somente pode ser imputado a quem deu causa,

sendo a causa qualquer ação ou omissão que se não ocorresse, não teria o resultado. O §2º do

Art. 13 legisla que a omissão será penalmente punida quando o omitente ao agir evitasse o

resultado, que no presente contexto, seria a morte do paciente que se encontra com dor e

sofrimento sem que haja expectativa de vida.

Assim, a inclusão do §3º tornaria irrelevante a omissão nesse caso, versando assim

sobre a ortotanásia, que seria a interrupção do tratamento que ora estava mantendo aquela

vida, mesmo que cheia de sofrimento. E nos casos em que o paciente não pudesse

compartilhar seu pensamento, o representante legal constituído nos termos do art. 3º do PLS

Nº 7 tomaria a decisão. Ainda, a inclusão do §3º estaria em conformidade com a Res. Nº

1805/06 do CFM, que traz a possibilidade do médico suspender o tratamento, desde que

assegurado ao paciente os cuidados paliativos para alívio da dor.

Como justificativa ao Projeto Lei do Senado nº7/2018, o Senador Pedro Chaves

explica que pretende:

dirimir os conflitos ainda existentes na relação médico-paciente. Acreditamos, de um lado, que tal medida oferecerá maior proteção aos pacientes, os quais, ao conhecerem melhor os seus direitos, poderão participar ativamente das decisões a respeito de seu tratamento. De outro lado, cremos também que o projeto, caso aprovado, será um importante instrumento de amparo à atividade do médico, visto que, ao tornar claras as responsabilidades dos pacientes quanto às suas escolhas terapêuticas, respaldará o médico na hipótese de eventuais questionamentos. (BRASIL, 2018, p. 6).

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Com a aprovação do projeto de lei, a relação médico – paciente seria mais

independente e pacificada, vez que dependeria da vontade do paciente a conduta que o médico

realizasse. Assim, respeitando então a autonomia do indivíduo, bem como sua dignidade que

é violada constantemente ao ser obrigado a manter-se vivo vez que como já dito, sempre que

há a violação do corpo, há a violação do intrínseco do paciente, da sua dignidade humana.

Há a esperança de que o presente projeto tenha mais facilidade de aprovação, apesar

de ser mais recente, por tratar sobre uma menor quantidade de assuntos e ser de ímpar

importância para a sociedade que anda desamparada pelo estado quando o assunto é saúde.

Já o segundo Projeto de Lei do Senado nº 236/12, trata da reforma de todo o Código

Penal Brasileiro – PLS 236/2012 – e nesse caso haveria a real alteração de praticamente todo

o código bem como a matéria que tratam. A título de exemplo, o art.123 trataria então do

induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio e não mais o art. 122, e o art. 128 trataria sobre

a exclusão do crime de aborto nos casos já previstos, bem como a possibilidade do aborto por

vontade da gestante até a 12ª semana de gestação.

O art. 122 trataria, de acordo com o novo projeto de lei, exclusivamente sobre

eutanásia, e passaria a ter a seguinte letra. Verbis:

Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: (BRASIL, 2012, s.p.)

Com a nova redação do artigo, a eutanásia ou o suicídio assistido passariam então a

ser devidamente regulamentados no ordenamento jurídico brasileiro. A pena prevista para a

ação seria prisão de dois a quatro anos. Há ainda os parágrafos do referido artigo. O parágrafo

1º observa que “o juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem

como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.” (BRASIL,

2012, s.p.), assim, caso fosse de entendimento particular do juízo, a pena não seria aplicada

aos parentes e pessoas próximas que tivessem algum tipo de afeição com o ser em sofrimento.

Já o §2º do art. 122 do Novo Código Penal trataria sobre a excludente de ilicitude:Exclusão de Ilicitude

§2º Não há crime quando o agente deixa de fazer uso dos meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. (BRASIL, 1940, s.p.)

Assimilado a outros países que já realizam a conduta, o Brasil também contaria com

a exclusão da ilicitude quando deixa-se de usar meios artificiais desde que haja a situação de

sofrimento insuportável em virtude de doença grave incurável, que essa situação seja

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comprovada por dois médicos, além da vontade do paciente, ou nos casos de impossibilidade

desse, seus parentes mais próximos, como ascendente, cônjuge ou irmão.

De toda forma, a possibilidade da realizar a eutanásia deve atingir a sociedade como

um todo. A dignidade quando atingida só por uma parcela destes em virtude de seus

privilégios, torna o direito de liberdade de escolha, junto a autonomia do indivíduo ainda mais

indigno.

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CONCLUSÃO

Pelo estudo realizado no presente trabalho, houve o conhecimento do que realmente

significa a eutanásia em vários casos, e ainda o suicídio assistido, que enquadra-se como um

dos tipos de eutanásia, que significa por fim a vida cercada de sofrimento de forma indolor.

O balancear entre os bens jurídicos tutelados, qual seja, a vida e a dignidade da pessoa

humana apesar de intenso é perfeitamente possível de haver consenso, vez que correlato com

a eutanásia o direito não depende ou interfere numa coletividade.

As garantias que os próprios direitos fundamentais brasileiros preveem, como as

várias liberdades, a autonomia, a inviolabilidade, a integridade física e moral e a dignidade

humana tem como consequência o direito de não submissão a tratamento desumano, podendo

também ser ilícita a intervenção médica contra a vontade do paciente que tem plena

capacidade de decidir todos os seus atos e tratamentos possíveis.

Nessa parte do estudo, foi possível entender que a ortotanásia de fato acontece no

Brasil, vez que compreende a suspensão de tratamentos ou a interrupção destes. Assim,

somando ao Art. 5º, III, é o único meio que hoje encontra-se viável para que um indivíduo

escolha pela morte.

Por meio das análises realizadas no presente trabalho, é possível visualizar o pleno

amparo a realização do ato de por termo à vida, seja por meio das garantias e direitos

fundamentais, seja pela real ausência da função do Direito Penal quanto a conduta, sob a ótica

de um direito racional. Ainda que de forma mitigada o entendimento quanto a eutanásia seja o

homicídio privilegiado, o agente piedoso teria uma ficha criminal e uma condenação, ainda

que não fosse de fato preso, o que não condiz com a soberania de possibilitar a dignidade de

terceiros.

É visível que se busca punir por punir, embora seja de forma irrelevante tendo em

vista que a conduta tem um condão diferente do previsto no artigo em que se é enquadrada.

Há a viabilidade constitucional para a eutanásia, e o assunto torna-se cada dia mais

crescente e aceito socialmente, bem como o fato da não punição do agente que a realiza não

ser enxergado como um assassino, mas sim como um alguém piedoso o suficiente para que

pudesse com sabedoria por fim ao sofrimento de terceiro que de forma ou outra chegaria

brevemente ao fim de sua vida. Esse aumento da popularidade do assunto se dá em virtude da

tecnologia de hoje, onde os casos são divulgados, bem como o sofrimento de parentes junto

ao doente que pede por sua própria morte.

Contudo, o fato de que existe a base jurídica e de garantias fundamentais para a

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realização da eutanásia não a torna deveras suficiente para toda uma sociedade. Nos países em

que se há a possibilidade de findar a própria vida há uma estruturação desde a criação da lei

até a execução de fato.

Via de regra, não há a descriminalização da eutanásia, e sim a possibilidade do

suicídio assistido e a excludente de ilicitude ao médico que realiza a eutanásia, desde que

obedecidas às regras previamente estabelecidas. Suas leis descrevem quais documentos

devem ser preenchidos ao longo do processo com o paciente, as diretivas que podem ser

aceitas, e quem vai analisar o processo por inteiro para decidir quanto à exclusão da ilicitude

do médico ou não. Com essa finalidade, países criaram um órgão para que fiscalizasse a

realização de todas as eutanásias, divididas em comarcas, assim como no judiciário, cada uma

com uma região.

Esse ponto é crucial para que o sistema realmente funcione e não haja a eutanásia de

forma desregulada, sem que seja realmente necessária e que orne com a vontade do paciente,

havendo no fim então a eugenia e afastando a dignidade que a eutanásia busca trazer a quem

dela precisa.

Entretanto, a obrigação de viabilizar esse sistema compete ao Estado, e não se deve

ater ao realizado na Suíça, onde a dignidade alcançada por meio da morte é possível apenas

para quem ter uma condição econômica transcendente aos demais. Com esse tipo de ação,

seria mais uma falha a qual a sociedade brasileira estaria exposta, tendo em vista que hoje a

vida já é mais digna a quem tem melhores condições financeiras.

Um dos objetivos do presente trabalho era analisar a condição que o Estado tem de

propiciar a eutanásia. Assim, viu-se que o Estado hoje não pode possibilitar a eutanásia a

quem precisa, por questões financeiras, haja vista direitos básicos e já garantidos

expressamente por meio da Constituição Federal de 1988, como a educação estão quase em

colapso.

Nessa conjuntura, entende-se que submeter alguém a esse tipo de conduta,

fundamentado em submissão a tratamento desumano, que seja contrário a sua vontade afeta

em nível inimaginável o ser quanto a sua dignidade, quanto a seus direitos, seja ele de vida ou

de liberdade de escolha, o que é justamente a base para criação da Constituição do país.

Diante da situação, direitos continuarão a ser diariamente violados, mesmo que , em

virtude do despreparo que o Estado tem em lidar com a sociedade, para mais em particular

com a situação dos doentes em estados terminais, que são vistos como algo que

economicamente não vale a pena desgastar-se.

A eutanásia deve ser observada como uma medida de justiça, dado que ela é a medida

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certa de dignidade que um doente incurável e/ou terminal busca e pode alcançar.

Apesar de inicialmente ter-se colocado o princípio fundamental do direito à vida e a

dignidade da pessoa humana como em lados opostos, em seu real sentido, exercer o direito a

vida que é assegurado ao indivíduo tem sua continuidade na escolha pela morte, um integra-se

ao outro, no passo de que sem a vida, não há o que se falar em morte.

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