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Incentivo à Pesquisa Edital nº 002 - 2010
Instituto Arte na Escola
Relatório Final
Polo: Uberlândia - UFU
Nome do projeto: Afinal , o que os Alunos aprendem em Arte?
Nome do Responsável: Eliane de Fátima Vieira Tinoco
Data de Início da Pesquisa: Outubro 2010
Data do relatório: dezembro 2011
AFINAL, O QUE OS ALUNOS APRENDEM EM ARTE?
Eliane de Fátima Vieira Tinoco Léa Carneiro de Zumpano França
Marileusa de Oliveira Reducino
Resumo: O presente texto apresenta os resultados da pesquisa “Aprendizagem em Artes Visuais: uma pesquisa na Rede Pública Municipal de Uberlândia” desenvolvida pelo Polo UFU da Rede Arte na Escola entre os meses de outubro de 2010 e setembro de 2011 na cidade de Uberlândia-MG. Financiada pelo Instituto Arte na Escola, a pesquisa objetivou conhecer o que os alunos dos 5º anos das escolas municipais de Uberlândia demonstram saber sobre Artes Visuais, uma vez que nessa rede de ensino os alunos têm aulas com professores com formação nessa linguagem desde o primeiro ano do Ensino Fundamental. Conhecer os saberes acumulados nessa área pelos alunos tornou-se primordial por questões pedagógicas e por questões políticas. PALAVRAS-CHAVE: Artes Visuais. Aprendizagem. Ensino.
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1. Introdução: O(s) espaço(s), o(s) saber(es), o(s) fazer(es) e as
pessoas
Em numerosas situações somos surpreendidos por um questionamento: o que os
alunos aprendem em Arte? Tal pergunta esconde, ou às vezes vem acompanhada de
outra: qual a importância de se ter Arte no currículo? As respostas a essa segunda
questão estão em vários livros e sempre nos valemos de uma ou outra para justificarmos
nossa presença na escola. No entanto, as respostas à primeira pergunta são menos
visíveis e aparecem nos livros, na maioria das vezes, inseridas em textos sobre a prática
dos professores.
Os saberes e práticas dos professores de Artes Visuais da Rede Municipal de
Ensino, ou seja, conteúdos, metodologias, procedimentos, foram analisados em várias
pesquisas em nível de mestrado1. No entanto, as aprendizagens dos alunos ainda eram
uma incógnita. Afinal, o que esses alunos, com professores habilitados em Arte que
investem em formação continuada, aprendem? O que demonstram saber do universo de
conteúdos em Artes Visuais que lhes é apresentado?
Foram essas questões que deram origem à pesquisa “Aprendizagem em Artes
Visuais: uma pesquisa na Rede Pública Municipal de Uberlândia” desenvolvida pela
equipe do Polo UFU da Rede Arte na Escola, entre os meses de outubro de 2010 e
setembro de 2011 na cidade de Uberlândia MG, com verba do Instituto Arte na Escola.
No decorrer do texto as identidades dos sujeitos da pesquisa (alunos, escolas e
professores) não serão reveladas. Eles serão considerados como representativos do
grupo ao qual pertencem, sem que sejam identificados. Por esse motivo, os nomes das
escolas foram trocados por nomes de cores e as crianças foram denominadas por letras
do alfabeto.
Os parceiros teóricos e nossas conversas
Na construção e análise dos dados coletados trabalhamos com os conceitos de
aprendizagem, fazer artístico, concepção de desenho e compreensão de metodologias
1 BRAGA (2005), FRANÇA (2006), SOUSA (2006), SILVEIRA (2007), TINOCO (2010).
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para leitura de imagem. Apresentamos, então, os teóricos e os conceitos com os quais
dialogamos durante a execução da pesquisa.
Os processos de aprendizagem humana vêm sendo objeto de estudos há muitos
anos e têm em Vigotsky um dos grandes pesquisadores. Procurando responder a
questões sobre o modo como as pessoas aprendem, ele enfatizou em suas pesquisas as
influências culturais que estão presentes nos processos de aprendizagem. Seus estudos
tinham como fundamento o materialismo histórico-dialético em que o conhecimento
parte da relação do homem com o objeto. Para ele a aprendizagem possui um
significado decisivo para o desenvolvimento dos alunos e só pode ocorrer ao se
constituir como atividade condutora. A atividade condutora é aquela que conduz ao
desenvolvimento e permite novas formações no conhecimento.
Segundo Simons:
A educação constitui um processo social complexo e histórico concreto no que tem lugar a transmissão e apropriação da herança cultural acumulada pelo ser humano. Nesse contexto, a aprendizagem representa o mecanismo através do qual o sujeito se apropria dos conteúdos e das formas da cultura que são transmitidas na interação com outras pessoas. O papel da educação tem que ser o de criar desenvolvimento, a partir da aquisição de aprendizagens específicas por parte dos educandos. Mas a educação se converte em promotora do desenvolvimento somente quando é capaz de conduzir as pessoas além dos níveis atingidos num momento determinado de sua vida e propiciar a realização de aprendizagens que superem as metas já conseguidas. (SIMONS, 2001, p. 01).
Desse modo, as responsabilidades dos sistemas de educação com aquilo que os
educandos aprendem e da forma como aprendem são imensas e continuam sendo alvo
de pesquisas. É aí que aparecem outras questões: Em que medida estamos contribuindo
para o desenvolvimento de nossos alunos? As aprendizagens em Arte colaboram e/ou
propiciam desenvolvimento?
É necessário compreender que existe uma interdependência entre fatores
internos e externos ao educando, ao professor e ao sistema educacional, para que as
aprendizagens sejam efetivas e contribuam para a formação de indivíduos com
capacidade de investigar, questionar, observar, analisar, teorizar, tirar conclusões e traçar ações, no intuito de desenvolver o pensamento investigador, crítico, criativo e transformador tão necessários para o processo de mudanças sociais, visando a construção de um novo mundo, mais crítico e mais humano. (UBERLÂNDIA, 2003, p.29).
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A arte é uma linguagem da qual o homem sempre fez uso; é dinâmica, mutável e
propicia transformações na sociedade, bem como registra, denuncia e questiona valores.
Nesse movimento ininterrupto revela caminhos, inovações e inquietações vividas por
nós. A escola enquanto instituição social participa, produz e reflete esse contexto.
Assim, a presença da Arte no espaço escolar possibilita ao aluno espaço de
discussão, expressão e construção em uma ampla dimensão na formação humana.
Para a efetivação das capacidades criadoras destacamos o fazer artístico do aluno
na dimensão da expressão e da construção do conhecimento em arte por meio de
vivências e experimentações diversas: matéricas, visuais e técnicas.
No universo do fazer artístico o desenho é referência para várias outras
linguagens. O traço, a linha, o gesto, muitas vezes, são o início do processo de criação,
na perspectiva de desejo, projeto, materialização de uma ideia, construção; um desenho
que requer investimento, pensamento, que pode se concretizar por meio de diferentes
materiais e suportes, que é registro e representação.
O desenho é linguagem artística, forma de expressão, conhecimento. Desenhar
objetos, pessoas, situações e animais, coloca o sujeito em postura de observá-los e
percebê-los para ser capaz de representá-los e, portanto, possibilita conhecer e
apropriar-se do que se está desenhando, sendo que nessas ações interagem o sentir –
perceber – pensar.
Em um dos momentos da pesquisa abordamos o desenho com temática livre, no
entanto em outra perspectiva, visto que no espaço escolar e no cotidiano do aluno é
comum a proposta de desenvolver ou elaborar um desenho com temática livre. Essa
proposta em sala de aula, que já foi confundida com um laissez faire, pode ser utilizada
com diferentes objetivos, lembrando sempre o desafio que se torna uma folha em branco
para a construção de desenhos. Nessa pesquisa tal proposta foi abordada como desenho
de criação, entendendo que “[...] a criatividade se faz ver através de uma manifestação
singular de um sujeito competente em seu discurso autoral e contextualizado num
tempo e num espaço”. (FRANGE, 2001, p. 229). Esse desenho pode ser motivado pelo
professor, com o intuito de trazer as lembranças à mente do aluno favorecendo um fazer
peculiar impregnado de suas vivências e conhecimentos, mas dependerá das
experiências e do repertório da criança a sua produção plástica visual: a singularidade
de cada um estará ali impressa.
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A linguagem do desenho por sua característica de sintetizar formas resultantes
de gestos rápidos e simples também sustenta a forma elaborada e a cor. Segundo o
crítico de arte Frederico Morais, “o desenho permite viajar entre mitos e arquétipos,
percorrer paraísos antes intocados pelo homem, serve para reencontrar a infância e tudo
o que ela significa [...] permite todas as virtualidades – puras e impuras” (MORAIS,
1995. N.1) e, acompanhando esse pensar, dizemos que, o desenho permite a viagem do
aluno em seu próprio tempo, e que na leitura dos seus traços e gestos percebemos a
criação de lugares imaginados, lúdicos e emocionais.
Nos diálogos com os autores que respaldaram nosso pensar dizemos da
instrumentalização do aluno para a compreensão e verbalização da produção plástica e
visual da História da Arte, nesta pesquisa particularmente, a contemporânea e a dos
discentes. Vale ressaltar que uma grande parte dos professores trabalha com a leitura de
imagens, proposta no Brasil por Ana Mae Barbosa, ainda na década de 1980.
No entanto, nossas ações partiram da compreensão de que as leituras das
imagens necessitam extrapolar o universo formal e considerar que o espectador, no
nosso caso o aluno, segundo Hernandez (2000, p.15), ao ler uma imagem, retira de sua
intimidade experiências vividas que exterioriza oralmente, contribuindo com sua
interpretação na organização de sentido da imagem lida.
A leitura de imagem é favorecedora do conhecimento do mundo em que
vivemos à medida que instrumentaliza o aluno para conhecer e entender as imagens
com as quais convive no dia-a-dia. Sejam imagens da televisão, do computador, da
produção em massa, da produção artesanal ou da comunidade em que vive, o que se
procura é que o aluno seja ativo no processo de compreender as imagens que o cercam.
O aluno deverá ser incentivado em uma leitura pessoal, com base em seu contexto
cultural, sendo mediado pelo professor.
Nesse sentido, a compreensão de metodologias para leitura de imagem2 é parte
integrante das aulas de Arte em todos os níveis de ensino, sendo inserida
gradativamente desde a Educação Infantil.
Nessa linha de pensamento, as Diretrizes Curriculares Básicas do Ensino de Arte
propõem
2 Alguns autores como Feldman, Ott, Saunders e Parsons propõem metodologias especificas para a análise e leitura de obras de arte; ver mais em BARBOSA (1991); MARTINS et al. (1998); PILLAR (2002); RIZZI (2002); SOUSA (2006).
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uma leitura de imagem que envolva questionamentos, que busque a construção da capacidade crítica do aluno, pressupondo conhecimento e reflexão de valores estéticos para a leitura das diversas imagens: de obra de arte, do cotidiano, das diferentes mídias, das distintas culturas, bem como da própria produção do aluno (UBERLÂNDIA, 2010, p. 36).
Compreender como os alunos realizam as leituras de imagens foi um dos
objetivos específicos traçados para a pesquisa sobre a aprendizagem em Artes Visuais.
Nesse sentido, para a análise das leituras de imagens produzidas pelos alunos,
examinamos as teorias de Abigail Housen, Michael Parsons e Maria Helena Wagner
Rossi. Escolhemos trabalhar com a classificação feita por Abigail Housen, por trazer
informações mais próximas às que foram construídas durante a pesquisa de campo.
Housen identifica a existência de cinco estágios do desenvolvimento do processo de
leitura de imagem (desenvolvimento estético) que estão articulados ao grau de convívio
com a arte. Desse modo, pessoas nas diferentes faixas etárias podem estar no mesmo
estágio de desenvolvimento estético por terem pouca ou muita convivência com a
produção em Artes Visuais. Os cinco estágios são: Descritivo, Construtivo,
Classificativo, Interpretativo, e Re-criativo.
Na análise das leituras realizadas pelos alunos dos quintos anos das escolas da
Rede Pública Municipal de Uberlândia foram apresentadas características de mais de
um estágio pelos mesmos alunos, fato também averiguado nas pesquisas de Housen.
Após apresentarmos os conceitos que fundamentaram as análises dos dados
construídos na pesquisa de campo, passamos a relatar a metodologia e os caminhos
percorridos, para chegarmos às conclusões a respeito do que demonstram saber sobre
Artes Visuais os alunos dos 5ºs anos das escolas da Rede Pública Municipal.
2. Os caminhos da pesquisa
A pesquisa teve seu início com a contratação de dois estagiários do curso de
Artes Visuais da UFU: Júlio César da Silva3 e Arissandra Cristina de Medeiros4 que
acompanharam e desenvolveram todo o processo teórico/prático da pesquisa. Para o
desenvolvimento da pesquisa esses estagiários receberam orientações quanto à
bibliografia necessária para embasamento de suas ações teórico/práticas e também no
3 Graduando do curso de Artes Visuais – IARTE/UFU - Bacharelado 4 Graduanda do curso de Artes Visuais – IARTE/UFU - Licenciatura
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que diz respeito às formas de convívio com as crianças, com a direção das escolas e
com o material da pesquisa.
O projeto foi apresentado aos professores de Arte em reunião no CEMEPE,
momento em que foram escolhidas as escolas municipais, organizadas de acordo com a
localização geográfica e com a disponibilidade dos professores para contribuírem com a
proposição desta pesquisa. Posteriormente foram confeccionadas as cartas de
apresentação sobre o projeto de pesquisa, a serem entregues aos diretores das escolas
selecionadas. Para isso procuramos na Secretaria Municipal de Educação o respaldo
oficial.
Optamos por trabalhar com os alunos no extra-turno tendo como orientação o
conhecimento da realidade escolar que, com muitos conteúdos a serem trabalhados, não
dispõe de um turno completo para desviar-se da ação pedagógica planejada.
Em nossa primeira visita, conversamos com os alunos explicando a pesquisa e
escolhemos entre 13 e 15 alunos que pudessem comparecer no extra-turno para a
construção dos dados. Aos alunos que se disponibilizavam em participar foram
entregues os “Termos de consentimento livre e esclarecido5” para serem assinados pelos
responsáveis e entregues à equipe proponente da pesquisa no dia combinado. Os
gestores permitiram que utilizássemos um espaço, por eles organizados, em cada uma
das escolas.
Desse modo, para a construção dos dados na pesquisa de campo, trabalhamos
durante um turno, manhã ou tarde, em acordo com a disponibilidade da escola, com os
alunos do 5º ano das escolas municipais escolhidas, nas seguintes ações:
1. Resposta ao questionário com três perguntas;
2. Criação de um desenho livre;
3. Escolha livre de uma imagem da pasta arte br (2003) e resposta às perguntas
que orientaram a leitura de imagem, em seguida leitura oral registrada por meio
de filmagens;
4. Criação de um desenho com o tema: quando estou em casa eu...;
5. Leitura dos desenhos produzidos, registrada por meio de filmagens.
Durante a realização desta pesquisa todo o material foi organizado em pastas
individuais, etiquetadas com o nome da escola e a data da execução das atividades.
5 Trata-se de um documento disponibilizado pela Comissão de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal de Uberlândia que trata de esclarecer os indivíduos ou, no caso de crianças, seus responsáveis, quanto à pesquisa que está sendo realizada e ao que será feito com os dados coletados. Assegura que as identidades dos sujeitos não serão divulgadas.
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Também foram criadas tabelas para melhor visualização, compreensão e análise dos
dados.
Após o período de pesquisa de campo demos início às análises dos questionários
respondidos, com três perguntas: 1 - Algumas pessoas dizem que arte é criação, outras
dizem que arte é emoção e outras dizem que é conhecimento. Um autor disse que a arte
é um fazer que enquanto está sendo feito, inventa o que está por fazer. E você? O que é
arte para você? 2 - Desde quando você tem aulas de arte? Há muito tempo, não é? O
que você costuma fazer nas aulas de arte? 3 - Nesses anos todos você deve ter tido
vários professores de arte. Ou talvez tenha um (a) professor (a) que te acompanhou por
todas as séries. O que você aprendeu com esses professores nas aulas de arte? Para a
análise das respostas obtidas construiu-se uma tabela onde as perguntas foram colocadas
do lado esquerdo e as palavras-chave das respostas do lado direito. Cada vez que a
palavra se repetia em outros questionários era marcada nessa tabela.
Com a tabulação dos dados dos questionários concluída realizamos a leitura dos
desenhos dos alunos. Esse trabalho foi considerado pelos estagiários como o mais
difícil, pois era preciso eleger alguns critérios de análises. Por esse motivo definimos
quais seriam os dados a serem observados nos desenhos com base nos livros de Edith
Derdik (1989, 1990), Maria Letícia Rauen Vianna (2010) e Ana Angélica Albano
Moreira (2002). Colocamos uma série de desenhos espalhados sobre a mesa e
começamos uma seleção visual, visando apontar as características comuns entre eles.
Ao fim, chegamos aos seguintes itens: esquema corporal, estereótipo, ocupação
espacial, rebatimento, representação de planos, proporção, tratamento da figura e fundo.
Também foi organizada uma tabela a partir das respostas registradas no
instrumental que orientou a leitura de imagens da pasta arte br (2003) que continha
quatro perguntas: Qual o nome do artista e da obra que você escolheu? Por que você
escolheu essa obra? O que essa imagem desperta em você? Quais os elementos
artísticos que você reconhece nessa imagem? Sabemos que não se configuram como
leitura de imagem apenas as questões que foram colocadas, mas, por conta do tempo
escasso que tínhamos, não havia condições de ampliar o número de questões.
Por último analisamos os vídeos produzidos durante as pesquisas de campo.
Essa ação soma-se às outras no sentido do registro das conversas individuais com os
alunos em um tempo sobre seus desenhos e sobre as imagens da pasta arte br (2003)
apresentadas ao grupo de alunos no início de cada atividade. Na análise desses vídeos os
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estagiários foram orientados a buscarem na fala dos alunos as palavras ou as expressões
que identificassem seu aprendizado em Arte.
3. Revelando e analisando os dados construídos
a- Quanto aos conceitos
Os conceitos trabalhados foram apresentados primordialmente nas respostas ao
primeiro questionário6. Assim, analisando as respostas dadas à questão um, que
perguntava sobre o conceito de arte, como especificado acima no texto, as crianças se
manifestaram da seguinte forma7:
Pra mim arte é pintar, desenhar, criar uma forma, uma textura, formar um desenho, uma pintura, é ter um grande conhecimento necessário e preciso sobre a arte, a arte é uma criação, a arte é fazer linhas retas, diagonais, horizontais, é criar sua própria invenção. (Aluna A, Escola Vermelha). A arte para mim é o desabafo, expressa o que estamos sentindo, a arte também é o conhecimento e criação, você descobre as artes que você tem, e descobre vários desenhos como: mula sem cabeça, saci pererê, curupira entre outros. A arte também pode ser uma leitura onde você descobre o que o pintor está sentindo, como o rosa, o rosa é a alegria, você está sentindo a alegria dentro de você, o azul é quando o autor está triste, sentindo saudade de alguém ou alguém se foi alguém importante. A arte também expressa as formas geométricas que você vê quando está pintando ou desenhando. (Aluno K, Escola Marrom). Arte para mim é um trabalho que desenvolve o nosso conhecimento, nossa emoção, nossa criatividade, nossa sabedoria e também nós podemos conhecer autores, desenhistas e também os artistas. (Aluno L, Escola Rosa).
Observa-se nas três respostas escolhidas que os alunos estão construindo um
saber pertinente em arte, pois é de grande relevância para o ensino de arte, bem como
para nós – pesquisadores – constatar que as crianças estão compreendendo que arte é
conhecimento, que para se fazer arte é preciso saber sobre arte, que ela os ajuda em seu
desenvolvimento. Nesse sentido vem ao encontro do que entendemos como a função da
arte na escola que se refere à formação do aluno e sua aprendizagem por meio da
6 Escolhemos apenas as que consideramos mais representativas, mas nosso banco de dados tem uma série de respostas que ainda precisarão ser publicizadas, devido à riqueza de informações presentes. 7 As respostas foram transcritas literalmente.
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educação do sensível, do intuitivo e do cognitivo. Ressaltamos que nenhuma criança
repetiu o enunciado ao responder à questão, e quando colocavam as ideias lá presentes,
explicavam seu contexto.
Os alunos elencam entre os fazeres a leitura de imagem que consideramos um
exercício primordial para desenvolver a capacidade de observação, de interpretação, de
análise, para se compreender o que se vê.
O aluno K da Escola Marrom cita ainda a questão das cores azul e rosa no
sentido de exprimirem tristeza e alegria. Em outras respostas dessa mesma escola
concluímos que o aluno compreendeu tais relações a partir do estudo das fases rosa e
azul de Picasso.
Destacamos ainda as respostas:
Arte para mim é parar e imaginar e depois passar tudo o que você imaginou para o papel, arte é a cultura, pensar, arte é a criação. (Aluno L, Escola Rosa). Arte pra mim é inspiração de algo, expressão, conhecimento criação, invenção obra prima, as cores misturadas, os tons das cores, a forma que desenha o formato. Arte pra mim é uma coisa criativa que a gente cria e inventa e lembra das coisas que já existe no nosso dia a dia, porque arte é desenho, arte é pintura, arte é dobradura. A arte pra mim é um conhecimento de cores, pinturas, coloridos diferentes, misturas de tintas e tudo mais. A arte para mim também é um conhecimento que te ensina do começo da vida até o fim. (Alunos da Escola Vermelha).
Como vimos acima, alguns alunos apontam para o entendimento de arte como
imaginação, criação, inspiração, expressão, projeto (colocar uma ideia no papel),
realmente arte é expressão, requer imaginação, criatividade, é a arte produzida para o
prazer estético, para o convívio com o fazer e experienciar o belo, para a fruição.
No que diz respeito ao que fazem ou aprenderam nas aulas de arte, respostas às
questões dois e três, os alunos escreveram:
Desde quando eu era criança, sim, nas aulas de arte eu sou acostumada a fazer desenho, a pintar, trabalhar com massa e papel que a professora ensinou a fazer, trabalhar com linhas diagonais, verticais, horizontais, a trabalhar também com colagem de papel crepom. (Aluno A, Escola Vermelha).
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Desde a primeira serie em 2005, sim há muito tempo, desenhar, pintar, escrever texto sobre artes, usamos pintura natural (tinta natural) colagens, recortagens, dobraduras, projetos com garrafas, leitura de imagens, entre outros. (Aluno B, Escola Marrom). Eu aprendi sobre folia de reis, simetria central, fase azul e rosa, festas, cores primarias e secundárias, cores quentes e frias, simetria, formas geométricas, dobraduras, desenho, reciclagem, etc. (Aluno E, Escola Marrom).
Eu aprendi sobre a artista Tarsila do Amaral, sobre leitura de imagem, figura geométrica, simetria, dobradura, culturas indígenas, trançados indígenas, auto-retrato, carimbos que você mesmo faz, pinturas, sobreposição da figura. (Aluno B, Escola Azul). Eu aprendi o que é artes, como se faz artes, como se entende e sente artes e também aprendi como se desenha, como se faz sombreados e se esboça artes, eu também aprendi a pintar, modelar varias formas com massinha. (Aluno B, Escola Cinza).
Eu aprendi arte barroca, imaginaria, abstrata, de observação, arte verossímil, etc. Arte barroca é arte de movimento, emoção, contraste claro e escuro a arte que você desenha o que você quer, que você pode esbanjar fazer tudo. (Aluno A, Escola Rosa).
Buscando o referencial de conteúdos proposto no material pedagógico da
DVDteca Arte na Escola podemos dizer que nessas respostas estão presentes os
conceitos ligados ao conhecimento de Forma e Conteúdo (linhas, textura, cores),
Linguagens Artísticas, Patrimônio Cultural, Materialidade, Processos de Criação e
Saberes Estéticos e Culturais.
Destacamos a resposta da aluna B da escola Azul que nos conta dos conteúdos
estudados e menciona a cultura indígena enfatizando os trabalhos com os trançados. De
igual modo o aluno F da escola Laranja que acrescenta à cultura indígena a cultura
africana. Ainda sobre cultura(s) o aluno E da escola Marrom relata o que aprendeu
sobre a Folia de Reis. Na fala desses alunos pontuamos que o trabalho dos professores
de Arte na perspectiva da diversidade de culturas consta das Diretrizes Curriculares para
o ensino de Arte8 desde 1996 (na forma de Proposta Curricular), portanto antes de se
tornar uma exigência por meio das leis 10.639/03 e 11.645/08.
Na análise das tabelas a frequência de respostas sobre a modelagem, a
dobradura, o desenho, a pintura, atividades que propiciam experiências enriquecedoras
nessa fase de desenvolvimento, nos dão a dimensão de aulas com diferentes técnicas.
8 Ver em UBERLÂNDIA (2003 e 2010).
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b- Quanto à produção dos desenhos
Durante a construção dos dados da pesquisa os alunos foram convidados a
realizarem dois desenhos: um com tema livre e outro com o tema direcionado pelos
pesquisadores: quando eu estou em casa eu... Nosso objetivo em requisitar o desenho
com temática livre era o diagnóstico sobre o repertório de imagens que esses alunos
poderiam apresentar. Nossa surpresa foi de percebermos que os alunos se sentiam
acuados frente à folha de papel em branco. Podemos pensar que a falta de intimidade
com os pesquisadores pode ter contribuído para esse impacto.
Na Escola Verde, em que a construção dos dados foi realizada no laboratório de
informática, os alunos estavam sentados de frente para as paredes, durante a realização
do desenho livre, o que possibilitou que três dos oito alunos presentes copiassem
desenhos que estavam nelas fixados. Nas demais escolas um ou outro aluno copiou
formas dos colegas. Já no desenho com tema a cópia não existiu.
Nosso objetivo com o desenho a partir de um tema era perceber as relações dele
com o desenho livre, e os modos como os alunos apresentariam o ambiente interno.
Para a análise dos desenhos foram realizadas algumas tabelas onde os
estagiários, em uma análise quantitativa, anotavam quantas vezes cada um dos
elementos escolhidos por nós como representativos apareciam em cada desenho. Ao
final eles tabularam os dados de todas as tabelas em uma só. Esclarecemos que a barra
entre os números separa os obtidos nas leituras dos desenhos livres (DL) e Desenhos
com tema (DT).
Tabela 1 - Dados quantitativos dos desenhos realizados
Escolas Municipais. 08 escolas
Total de desenhos avaliados
Categorias de analise
Frequência de resultado Temática Desenho livre
Total = 139 D.T = 70 D.L = 69 A representação de esquemas corporais apareceu em 83 desenhos, sendo 21 d.l e 62 d.t
Presença de estereótipos.
22/23 = 45 32% Paisagem 18 Estereotipia total.
8/0 = 8 6% Flor 09 Carro 05
Representação de planos.
32/46 = 78 56% Paisagem fig. 05
Tentativa de perspectiva.
2/10 = 12 8% Futebol 04 Arvore 03
Tratamento figura e fundo.
40/29 = 69 49% Borboleta 03 Herói/ninja 03
Rebatimento. 3/26 = 29 21% Animal 03 Esquema
Palito. 2/19 = 21 25% Juras de amor 02 Fig. Humana 02
Geométrico. 5/24 = 29 35% Retrato 02
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Obs. A barra separa os números obtidos nas leituras dos desenhos Livres e/ Desenhos com tema.
corporal. Balão 01 Orgânico. 18/45 = 63 76% Estereótipo 01
Personagem TV 01 Problemas de proporção.
9/18 = 27 19% Bandeira 01 Casamento 01
Ocupação espacial.
Total. 51/36 = 87 62% Castelo 01 Localizada.
Central.
5/5= 10 0,7%
Beijo 01 Fogo 01
Margens.
4/11=15 1%
Abstração 01 Índio 01
Centro – margem.
9/18 = 27 2%
Religião 01
Videogame 01 Luta/cinema 01 Natureza 01 Cotidiano 01
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Para o entendimento da tabela acima é necessário especificar que em um mesmo
desenho apareciam formas diferenciadas de representação de um mesmo assunto.
A presença de estereótipos foi considerada por nós como pequena,
principalmente porque a maioria dos alunos, no momento da leitura das imagens,
explicava que havia colocado o estereótipo pela falta de tempo para fazer uma imagem
mais elaborada. Somente 6% dos desenhos foram considerados como estereotipia total
por apresentarem estereótipos em todas as formas desenhadas.
Na representação dos planos fizemos uma distinção para os alunos que já
começam a realizar a tentativa de representação em perspectiva. Nessa lógica também
se inserem os desenhos com rebatimento das figuras. As crianças, ao tentarem
representar os ambientes internos, primordialmente nos desenhos com o tema quando
estou em casa eu... usavam as três formas de representação para dar a ideia de
profundidade. No caso abaixo a cozinha que a partir da sala é vista através de uma
porta, apresenta a distinção dos planos. No móvel da sala de jantar há uma tentativa de
perspectiva e nos aparelhos de jogar está presente o rebatimento: “aqui sou eu, ah eu fiz
a porta, a sala de jantar e a cozinha, a cozinha não dá pra ver, tá em longa distância”.
(Aluno A, Escola Verde).
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Figura 1 - Desenho do aluno A da Escola Verde
O tratamento da figura e fundo em 49% dos desenhos e a ocupação espacial total
em 62% são os maiores testemunhos do trabalho do professor de Artes Visuais até essa
faixa etária, conforme fica explícito nas falas de vários alunos. Dentre elas, escolhemos
a seguinte: “quando sobra espaço o professor pede para desenhar mais”. (Aluno B,
Escola Verde).
No que diz respeito ao esquema corporal, os denominados ‘palitos’ foram
contados também como estereótipos. Visualiza-se então no gráfico a grande
porcentagem de desenhos orgânicos, onde a figura humana era representada com formas
arredondadas, curvas e em movimento.
Os problemas de proporção da imagem apareceram nas comparações de
tamanho dos objetos, ou na relação com a imagem real. Como exemplo, podemos citar
o alongamento de corpos para caberem em móveis, a relação entre os tamanhos de casas
e árvores, ou ainda entre pessoas e carros.
Assim, percebemos que as crianças se encontram em diferentes níveis de
aprendizagem quanto ao desenho, o que também pode significar que os professores
respeitam tais individualidades.
c- Quanto à leitura das imagens
Foram realizados dois momentos de leituras de imagens. O primeiro com as
imagens da pasta arte br (2003), acompanhada de um instrumental, em que os alunos
escreviam o que viam. O segundo, uma leitura comparativa entre o primeiro desenho
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que eles realizaram e o segundo. Essa segunda foi feita oralmente e os registros foram
filmados.
Percebemos por meio da análise dos documentos resultantes que tanto no
momento de leitura das imagens do arte br (2003) quanto nas leituras dos próprios
desenhos, a maioria dos alunos se limitou a descrever as imagens.
Nas questões da folha que mediava a leitura das imagens do arte br (2003), os
alunos sentiram dificuldades em compreender o enunciado da quarta questão: Quais os
elementos artísticos que você reconhece nessa imagem? Diante dessa dificuldade os
pesquisadores explicavam ou pediam que outros alunos dissessem o que haviam
compreendido. Para esse questionamento tivemos as seguintes respostas: “Os elementos
artísticos são as cores.” (Aluno D, Escola Violeta); “São as coisas que estão na
imagem.” (Aluna A, Escola Violeta); “É o jeito que o artista se expressou. O jeito de
desenhar as pessoas.” (Aluno B, Escola Azul).
Apesar de termos utilizado nessa questão um vocabulário próximo ao que está
presente nas Diretrizes Curriculares da Rede Municipal de Ensino (2003) - elementos de
linguagem e elementos de composição -, os alunos ainda não estão familiarizados com
ele.
Durante a análise das leituras das imagens atentamos para a singularidade com
que cada aluno tratou a questão referente aos elementos artísticos que reconhece na
obra. Um deles escreve sobre a obra Retirantes de Raimundo Cela9 “Um homem, uma
mulher um barco e um galho e todas as figuras são desenhos e tem linhas e não tem cor
e o artista usa mais linhas para fazer objetos poucas linhas para fazer os detalhes e
nenhuma linha para fazer o fundo da obra”. (Aluno G, Escola Cinza).
Outro aluno sobre a mesma imagem “Uma árvore, duas pessoas e um bebê, um
rio, navio e um desenho ele rabiscou a roupa a pintura e para ser parecido com uma
sombra”. (Aluno A, Escola Verde).
Percebemos que esses alunos começaram suas leituras descrevendo as imagens e
depois inseriram dados sobre as características formais e o modo de fazer, de construí-
las, o que pode ser classificado como estágio construtivo.
9 Raimundo Cela, Retirantes, s/d, Água Forte sobre papel, 28,2 x 40,5 cm - Disponível em: <http://www.artena escola.org.br/midiateca/imagens2/Raim undo_Cela_Retirantes.jpg> Acesso em: 22 mar. 2012.
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E, sobre a xilogravura Malabarismo de Rubem Grilo10 “Os elementos artísticos
que eu reconheço nessa imagem são a linha e cor que se forma o desenho”. (Aluno G,
Escola Vermelha). Tal aluno priorizou as questões formais presentes na imagem, o que
caracteriza o estágio construtivo.
Vejamos a gravura “Rio” de Lívio Abramo11. O aluno afirma que escolheu esse
trabalho porque gostou do desenho e “por causa do contraste, a linha e do desenho
abstrato” continua respondendo que a imagem lhe desperta “novos tipo de pensamento e
várias ideias para fazer um desenho” e ainda, que reconhece como elementos artísticos
na gravura “Elementos de contraste, desenhos arquitetônico, muitas linhas, formatos. A
intensidade de certas linhas e a finura de outras”. (Aluno C, Escola Rosa). Esse aluno já
percebe que a imagem pode trazer informações para a sua poética pessoal, e traz a
escolha pelo gosto pessoal, o que caracteriza um leitor do estágio classificativo.
Portanto, mais uma vez se confirma a importância para o aluno de ter contato com
reproduções de trabalhos plásticos na aula de Arte, fazer leitura de algumas imagens
para enriquecer seu repertório e estimular para novas ideias.
As três imagens acima, escolhidas como exemplo, são gravuras: a de Raimundo
Cela uma água-forte, as de Rubem Grilo e Livio Abramo – xilogravuras. Ressaltamos
que nenhum aluno apontou para a linguagem da gravura. Para todos as reproduções se
tratavam de desenhos, ou desenho e pintura, fato que provavelmente se justifique pela
faixa etária dos estudantes e por ser a gravura pouco trabalhada na escola devido às suas
especificidades técnicas associadas à falta de um laboratório (sala equipada para as
aulas de Arte) para a produção dos alunos.
Em outras situações a escolha é feita pelos objetos e materiais presentes na
imagem. O aluno escolhe “A-doração” de Nelson Leirner12 “Porque as duas fotos são
iguais, mas uma tem roleta e a cortina também é bem interessante” A fotografia lhe
desperta “O interesse pela arte e que cada parte dessa obra é feito com elementos
diferentes". Por fim aponta como elemento artístico “A pintura parece que eles tiraram
10 GRILO, Rubem. Xilogravura, 1984, 23x33 cm, 31/100. Museu da Gravura Brasileira, Bagé, RS, doada pelo projeto arte br. Foto: Romulo Fialdini. - Disponível em: <http://www.artenaescola.org.br/midiateca/imagens2 /Rubem_Grilo_Malabarismo.jpg> Acesso em: 22 mar. 2012. 11 ABRAMO, Lívio. Xilogravura, 1951, 25x13 cm. Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP, doada pelo artista. Foto: Romulo Fialdini. Disponível em: <http://www.artenaescola.org.br/midiateca/imagens2 /Livio_Abramo_Rio.jpg> Acesso em: 22 mar. 2012. 12 LEIRNER, Nelson. Painel com oleografias, pintura e néon em ambiente cortinado circular, com roleta em frente, 1966, 201x160x260 cm. Museu de Arte de São Paulo-Masp, SP, doação do artista. Disponível em: <http://www.artenaescola.org.br/midiateca/arquivos/06B_Imaginario.jpg> Acesso em: 22 mar. 2012.
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uma foto de uma roleta e colaram”. (Aluno E, Escola Laranja). Esse aluno percebe a
diversidade de materiais presentes e sabe que está diante de fotos do trabalho. Por conta
da tridimensionalidade, ele não consegue compreender como a roleta se insere na
imagem. Ao se preocupar com o modo com que a imagem foi construída, demonstra
característica do estágio construtivo.
Constatamos lendo e analisando as respostas às leituras de imagens que as
escolhas não foram feitas aleatoriamente, mas que os alunos observaram a imagem que
pretendiam escolher, debruçaram sobre a mesma, perceberam aspectos relevantes como:
tema, material, objetos, desenhos, entre outros, que lhes despertassem o interesse
facilitando a seleção.
Diferentemente da pesquisa de Rossi (2003) nenhum aluno verbalizou que uma
imagem fosse ruim devido ao seu conteúdo temático. Pelo contrário, dois alunos
escolheram a imagem “Salvai nossas almas”13 por saber se tratar de ‘alguma coisa ruim
que aconteceu. Parece que foi uma epidemia”. O desconforto maior foi causado por
Ceia Eucarística, pela presença de formas humanas geometrizadas.
É preciso salientar que os adjetivos belo, feio, ruim, mau dentre outros, são
desaconselhados pelo professor de Arte no cotidiano das aulas na Rede Municipal.
Nesse sentido, tais palavras não apareceram no decorrer da pesquisa. As leituras dos
alunos partiram do pressuposto de que todas as imagens, sejam as realizadas por eles ou
por artistas, são expressões artísticas, carregadas de sentido.
Tabela 2 - análise das leituras de imagens dos desenhos das crianças
Desenhos
Comentários
Aluno A
Escola Verde
Eu gosto muito de desenhar imagens, eu fiz esse desenho, assim, imagens naturais, daí eu desenhei essa árvore, assim, não quis fazer contorno, acho que não existe árvore com contorno, coloquei bastante criatividade nele,
13FRANCO, Siron. Técnica mista: lona com roupas coladas e radiografias, 1999, 200x300 cm. Museu de Arte de Joinville, SC, doada pelo artista. Foto: Romulo Fialdini. Disponível em: <http://www.artenaescola.org.br/midi ateca/arquivos/09B_Natureza.jpg> Acesso em: 22 mar. 2012.
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D. L
aqui eu coloquei várias cores misturados, depois amarelo, vermelho (...) a nuvem não é azul é branca, porque é o céu que é azul...
Aluna B
Escola Azul
O primeiro desenho que fiz foi um auto-retrato com algumas cores misturadas tentando representar mais o jeito do corpo humano. O auto retrato fala sobre agente, este desenho fala sobre performance, o jeito de se construir.
D. T
Aluno G
Escola Rosa
Aqui eu fiz um homem e um pássaro e aqui eu coloquei um Sol para destacar a sombra e essas flores, essa montanha para destacar.
D. L
Aluno J
Escola Marrom
Eu desenhei um desenho de formas geométricas, comecei pelo triangulo da casa, a cerca, a casa...
D. L
Fonte: Elaborada pelas autoras
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Assim, constatamos que os alunos em sua maioria fazem a leitura descritiva das
imagens e percebem também como se deu a construção dos desenhos, suas escolhas e
histórias a contar, e que conseguiram relacionar alguns dos conceitos estudados em sala
de aula. A aluna B da Escola Azul apresenta o conceito de performance mas não usa de
forma correta. Já ao falar sobre autorretrato, consegue explicar do que se trata. Os
demais alunos utilizam conceitos referentes à Forma e Conteúdo: linhas, cores, sombra,
luz, harmonia, equilíbrio, formas geométricas. Nesses exemplos é possível perceber
características dos estágios descritivo e construtivo.
Arrematando
Após o término do período de análise de todos os dados construídos na pesquisa
foi possível perceber que os alunos dos 5º anos das Escolas Públicas Municipais
possuem conhecimentos sobre Artes Visuais que vão além do simples fazer. Como os
professores trabalham na perspectiva de que Arte é conhecimento e de conjugar o fazer,
a leitura de imagens e a contextualização, os alunos demonstram compreender esse
universo.
Nossa hipótese, ao propormos a pesquisa, era de que os alunos dos 5º anos, com
histórico de aulas de Arte nos anos escolares anteriores, apreendessem melhor as
questões do fazer arte do que as questões conceituais. No entanto tal hipótese não se
confirmou. Os estudantes demonstraram conhecer conceitos como linha, forma, textura,
materialidade, arte barroca, arte contemporânea que foram citados em diferentes escolas
em vários dos documentos construídos. Desse modo, eles aprenderam o fazer e os
conceitos a ele relacionados, evidenciando um efetivo aprendizado nas Artes Visuais.
No que diz respeito aos níveis de aprofundamento desses conceitos percebemos
que alguns alunos conseguiam explicar verbalmente do que se tratavam. Outros
utilizavam exemplos nas imagens para suas explicações e outros conseguiam verbalizar
os conceitos em assuntos diferenciados. Poucos utilizaram conceitos que não
conseguiram esclarecer.
Esse fato evidencia um conhecimento ao nível mental, interiorizado pelo aluno a
partir das ações do professor em sala de aula.
Nos desenhos, a maioria já consegue a representação de planos conscientemente,
e alguns já começam a identificar as formas em perspectiva. O desenho do homem-
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palito como de outros estereótipos, foram realizados em grande parte em virtude da falta
de tempo, fato verbalizado pelos alunos durante as leituras de imagens.
Quanto à leitura de imagens, a maioria dos alunos apresentou características do
estágio descritivo (leitura baseada no tema com a descrição do que é visto), sendo que
alguns as do construtivo (relaciona partes com a totalidade e interesse pelas
propriedades formais e técnicas) e somente quatro crianças apresentaram característica
do estágio classificativo (busca informações na obra e seu contexto). No entanto, todos
os alunos percebem que podem existir interpretações diferentes, característica do
estágio interpretativo detectada nas leituras.
Os estudantes reconheceram as imagens da pasta arte br (2003) e alguns
confirmaram que seus (suas) professores (as) já trabalharam com elas em sala de aula.
Nas leituras dessas imagens alguns demonstraram reconhecer as diferenças entre o
original e sua reprodução, a imagem que é pintura e a que é fotografia e as que são
fotografias de pinturas. Desse modo, acreditamos que a leitura de imagem é o item que
precisa ser aprimorado pelos professores nas aulas de Arte da Rede Pública Municipal.
Como as aprendizagens são individuais, identificamos diferentes
aprofundamentos na construção dos conhecimentos. No entanto, acreditamos que o
ensino de Arte nas escolas de Ensino Fundamental em todos os anos escolares, neste
caso de 1º ao 5º ano, contribuem de forma significativa para ampliar o repertório do
aluno, fato que repercute em seu aprendizado, nas suas leituras de mundo, nas leituras
das imagens fixas e em movimento do seu entorno.
Nesse sentido, cumprimos o objetivo da pesquisa que era o de conhecer o que
demonstram saber sobre Artes Visuais os alunos dos 5º anos das Escolas Públicas
Municipais de Uberlândia com uma grata surpresa: eles demonstram saber mais do que
imaginávamos. Isso só é possível pelo trabalho árduo dos professores, o investimento na
formação continuada e a troca de saberes entre eles.
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