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Gabinete do Reitor – Coordernadoria de Comunicação da UFRJ • Divisão de Mídias Impressas • Serviço de Jornalismo Impresso • Ano 2 – nº 16 • Maio de 2006 Pág. 24 Jornal da UFRJ http://www.jornal.ufrj.br Pág. 12 e 13 Entrevista Luiz Pinguelli Rosa CMYK Personalidade A crise do gás Mozart que ninguém quer ver Marco Fernandes A entrevista desta edição do Jornal da UFRJ, aproveitando a crise do gás da Bolívia, é com um dos maiores especialistas brasileiros em Energia, o professor Luiz Pinguelli Rosa, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ. Para Pinguelli Rosa, há um pacto de silêncio sobre a crise e a condição altamente explosiva da questão. Crise essa que remonta o Governo FHC e que o Governo Lula “prefere fingir que não vê”. O professor e físico, afirma, ainda, que não há solução tecnológica para o mundo e que essa tem que ter “caráter político”. As várias noites de largos bastões Já se vão 30 anos do golpe militar que derrubou o governo democrático de Arturo Illia, na Argentina. O Jornal da UFRJ relembra um pouco dos tempos sombrios pelos quais passaram nossos vizinhos argentinos. Nacional (In)segurança pública O terror se fez aparecer com maior nitidez na maior capital brasileira. Especialistas da UFRJ colocam um pouco de luz sobre o problema. Cultura Desconhecimento e preconceito É o que acontece, em muitos casos, com a Literatura Africana. Universidade Sejam bem-vindos, estrangeiros Fomos buscar alguns dos nossos estudantes e professores que escolheram o Brasil, e a UFRJ, para estudar e trabalhar. Pág. 10 e 11 Esforço na difusão científica Um pouco da saga dos que se propõem em editar uma revista científica. Pág. 14 e 15 Raízes de uma paixão nacional Vestimos a camisa, calçamos a chuteira. É o bom, velho e pentacampeão futebol que mobiliza o povo brasileiro Pág. 06 e 07 Pág. 03 Pág. 04 e 05 Pág. 20 Internacional A genialidade conservadora de

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Gabinete do Reitor – Coordernadoria de Comunicação da UFRJ • Divisão de Mídias Impressas • Serviço de Jornalismo Impresso • Ano 2 – nº 16 • Maio de 2006

Pág. 24

Jornal da

UFRJhttp://www.jornal.ufrj.br

UFRJUFRJ

Pág. 12 e 13

Entrevista

Luiz Pinguelli Rosa

CMYK

Untitled-1 9/9/2004, 18:291

Personalidade

A crise do gás

Mozart

que ninguém quer ver

Mar

co F

erna

ndes

A entrevista desta edição do Jornal da UFRJ, aproveitando a crise do gás da Bolívia, é com um dos maiores especialistas brasileiros em Energia, o professor Luiz Pinguelli Rosa, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ.

Para Pinguelli Rosa, há um pacto de silêncio sobre a crise e a condição altamente explosiva da questão. Crise essa que remonta o Governo FHC e que o Governo Lula “prefere fi ngir que não vê”.

O professor e físico, afi rma, ainda, que não há solução tecnológica para o mundo e que essa tem que ter “caráter político”.

As várias noites de largos bastõesJá se vão 30 anos do golpe militar que derrubou o governo

democrático de Arturo Illia, na Argentina. O Jornal da UFRJ relembra um pouco dos tempos sombrios pelos quais passaram nossos vizinhos argentinos.

Nacional

(In)segurança públicaO terror se fez aparecer com maior nitidez na maior capital brasileira.

Especialistas da UFRJ colocam um pouco de luz sobre o problema.

CulturaDesconhecimento e preconceito

É o que acontece, em muitos casos, com a Literatura Africana.

Universidade

Sejam bem-vindos, estrangeirosFomos buscar alguns dos nossos estudantes e professores que

escolheram o Brasil, e a UFRJ, para estudar e trabalhar.

Pág. 10 e 11

Esforço na difusão científi caUm pouco da saga dos que se propõem em editar uma revista

científi ca.

Pág. 14 e 15

Raízes de uma paixão nacionalVestimos a camisa, calçamos a chuteira. É o bom, velho e pentacampeão

futebol que mobiliza o povo brasileiro

Pág. 06 e 07

Pág. 03Pág. 04 e 05

Pág. 20

Internacional

A genialidade conservadora de

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2 Maio•2006UFRJJornal da

Maio•2006 3UFRJJornal da

Reitor: Aloísio Teixeira – Vice-Reitora: Sylvia da Silveira Mello Vargas – Pró-Reitoria de Graduação – PR-1: José Roberto Meyer Fernandes - Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PR-2: José Luiz Fontes Monteiro – Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento – PR-3: Carlos Antônio Levi da Conceição – Pró-Reitoria de Pessoal – PR-4: Luiz Afonso Henriques Mariz – Pró-Reitoria de Extensão – PR-5: Laura Tavares Ribeiro Soares – Superintendente de Graduação SG-1: Deia Maria Ferreira dos Santos – Superintendente de Ensino SG-2: Leila Rodrigues da Silva – Superintendente Administrativa SG-2: Regina Dantas – Superintendente SG-3: Almaísa Monteiro de Souza – Superintendente SG-4: Roberto Antônio Gambine Moreira – Superintendente SG-5: Isabel Cristina Azevedo – Superintendência Geral de Administração e Finanças – SG-6: Milton Flores – Chefe de Gabinete: João Eduardo do Nascimento Fonseca – Forum de Ciência e Cultura: Carlos Antônio Kalil Tannus – Superintendente do FCC: Marcos Maldonado – Prefeitura Universitária: Hélio de Mattos Alves – Escritório Técnico da Universidade /ETU: Maria Angela Dias – Sistema de Bibliotecas e Informação/SiBI: Paula Maria Abrantes Cotta de Melo

Expediente

Fotolito e Impressão – JORNAL DO COMMERCIO – 15 mil exemplares

Internacional

Andrei RosasEstudante do curso médico da Faculdade de Medicina

da UFRJ

Opus Dei I

Sou aluno da Faculdade de Medicina da UFRJ, do nono período, e lamento que o Jornal da UFRJ trate de um tema religioso – a matéria de Bruno Franco intitulada A Obra de Deus – de forma tão tendenciosa com apenas a versão de um ex-membro e de um outro professor, penso que bem intencionado, mas com uma visão sociológica da Igreja insufi ciente para compreender um fenômeno dessa natureza. Sem a fé – não somente a vocação à Opus Dei, mas qualquer vocação de entrega a Deus – não tem sentido.

Quem sabe o conselho do jornalista Malcom Muggerige possa servir: “considero com freqüência que (...) se tivesse sido jornalista na Terra Santa, no tempo

Sou estudante de Medicina da UFRJ e escrevo para manifestar o meu lamento frente à falta de critério na es-colha das fontes da reportagem “Obra de Deus”, assinada por Bruno Franco e publicada na página quatro da edição de abril de 2006 do Jornal da UFRJ.

Conheço um centro do Opus Dei e identifi co vários pontos falhos na reportagem. Além de o subtítulo ser bastante parcial e a ilustração ser ofensiva, questiono o próprio fato de se abordar um tema tão específi co num jornal universitário de maneira tendenciosa, sem ao menos consultar opiniões opostas sobre o assunto e nem ponderar a validade das fontes e a verossimilhança de seu discurso. O resultado é um texto no qual muitas das coisas citadas simplesmente não existem e outras são informações distorcidas a partir de exageros, omissões e generalizações.

Sei que uma boa parte dos jornalistas está ciente de que uma das fontes usadas é um daqueles casos passio-nais de alguém que desistiu de um plano e agora fala mal dele. Isto, por sua vez, não é muito diferente dos casais divorciados que brigam loucamente apesar de um dia terem gostado um do outro. Em ambos os casos, sabe-se muito bem que predomina a parcialidade e é difícil pra quem está de fora fi car bem informado sobre fatos de forma fi dedigna, o que é o motivo da existência de um jornal. A pergunta é: se jornalistas e editores sabem disso, então porque abrem as portas a esses relatos duvidosos? As hipóteses de resposta decepcionam qualquer leitor e alertam para a importância da responsabilidade e ética jornalística, principalmente num ambiente acadêmico.

Lembro também que sobre o assunto já escreveram algumas pessoas, com mais ou menos honestidade in-telectual e imparcialidade jornalística. De acordo com estes valores – e contrariamente às posturas dos ouvidos pela reportagem – considero nomes como Ali Kamel (jornalista de O Globo, diretor executivo da Rede Globo e editor-executivo da Central Globo de Jornalismo), Vi-nícius Mota (editor de Opinião da Folha de São Paulo) e John Allen Jr. (correspondente da CNN para o Vaticano e autor do recente livro ‘Opus Dei, um olhar objetivo por trás dos mitos e da realidade’). Sobre o Opus Dei, diz Ali Kamel: “criticá-la é um direito da imprensa, mas é nosso dever fazê-lo com isenção e sem preconceitos” (O Globo, 21/2/6). E Vinícius Mota: “para começar a compreender o impacto religioso e cultural da Obra, no contexto da explosão de movimentos católicos entre os leigos defl a-grada após o Concílio Vaticano II (1962-1965), é preciso recorrer a um segundo tipo de fonte, necessariamente mais distanciada do calor da polêmica. Trata-se de estu-dos como o do célebre vaticanista norte-americano John Allen Jr” (Folha, 3/4/5).

Sobre este terceiro autor que destaco, li seu livro e pude perceber como é a visão de alguém disposto a ouvir, de boa vontade, os dois lados de uma questão. Quando perguntado sobre seu objetivo ao escrever o livro, ele mes-mo responde: “De uma forma simples, foi pôr a história correta. Litros e litros de tinta foram gastos sobre o Opus Dei e o objetivo do livro é o de dar informação básica e uma análise a quem esteja interessado na realidade” (‘Di-ário de Notícias’, Portugal, 8/12/2005). Ali há até algumas impressões pessoais do jornalista que eu discordo, mas a maioria de seu conteúdo traz uma visão mais equilibrada e livre de julgamentos pessoais. Tanto é assim que quem ler o livro do jornalista Allen e o outro mencionado na reportagem fi cará impressionado com a discrepância entre eles. Enfi m, como diz o próprio subtítulo, ele carrega a reverência de uma investigação jornalística séria e não as incertezas de uns desabafos apaixonados.

Opus Dei II

Como já disse, freqüento um centro do Opus Dei há um certo tempo e, ao contrário do cenário montado pela reportagem, lá encontro um ambiente de incentivo à cultura e ao debate aprofundado de questões acadêmicas e sociais, tantas vezes com a presença de pessoas presti-giadas em suas profi ssões. É um lugar freqüentado por pessoas de diferentes áreas, diferentes religiões e ideolo-gias, e principalmente com algum vínculo universitário. Enfi m, lá percebo um clima constante de busca pelo co-nhecimento científi co e cultural que foge da alienação sob qualquer aspecto e que, portanto, neste sentido, faz eco aos objetivos da universidade.

Aliás, permito-me aqui uma única crítica (das muitas possíveis) acerca do conteúdo do discurso das fontes cita-das. Se todos os deméritos transcritos correspondessem à verdade, não lhes pareceria demasiado contraditório, por exemplo, o fato de haver a quantidade de simpatizantes ao redor do mundo, membros ou não, católicos ou não? E como seria possível ao mesmo tempo os supostos fatos de eles buscarem a elite intelectual e de quererem enganar estes mesmos que se aproximam? Essa contradição aponta para algumas conclusões: ou alguma dessas informações não é verdadeira, ou nenhuma delas é ou então a história foi mal colhida. Observações como essa só confi rmam que fontes passionais são recheadas de distorções e que abordar um tema unilateralmente traz riscos à própria credibilidade de um jornal.

Como leitor, penso ser muito mais proveitoso ler um texto de procedências mais isentas e que se dedique ao mesmo tempo em ter o mínimo de profundidade e rigor técnico para transcrever a realidade como ela é – e não como querem mostrá-la – e esmero em fazê-lo sem desrespeitar de quem se fala e quem o for ler. Como diz a reportagem, a instituição abordada recebe grande apoio de várias outras, dentro e fora da Igreja Católica e, por isso, a maneira como é tratada ali ofende não só a ela, mas sim a toda a Igreja. Ainda sobre estes pontos, é relevante comentar também um outr trecho, que diz que “confi ssões explicitamente dogmáticas” têm surgido num mundo “que se acredita cada vez mais laico e materialista”. Antes de ser “irônico”, como analisa a fonte citada, isso faz parte da realidade, o que é motivo sufi ciente para apro-fundar neste fenômeno com profundidade científi ca e imparcialidade jornalística. É isso que espera um leitor.

Como já disse, sou estudante desta universidade e leio o Jornal da UFRJ, mas fi quei desapontado de este ter assumido uma postura de porta-voz da desinformação quando trabalhou do modo acima criticado. Por isso, venho pedir sinceramente mais rigor na seleção das fontes e responsabilidade no que se escreve. Afi nal, estas são suas ferramentas de trabalho e vale a pena escolhê-las bem. Além disso, penso que seria muito interessante utilizar pontos de vista diferentes porque são exatamente as divergências que enriquecem um debate numa socie-dade plural.

Para atingir esses objetivos a cada fechamento de edição, imagino que seja um bom guia a consciência de que muitos de seus leitores fazem parte, direta ou indire-tamente, de suas reportagens e se sentem tocados por elas de maneira pessoal, negativa ou positivamente. Ao jornal, cabe optar entre arriscar ofender uns e agradar outros ou então transcrever os fatos com o máximo de fi dedignida-de. Ao leitor, cabe escolher qual veículo de informação lhe informa melhor sobre a realidade que o cerca.

Henrique de Sá R. CalEstudante do curso médico da Faculdade de Medicina

da UFRJ

de Jesus Cristo, teria me dedicado a averiguar o que se passava na corte de Herodes, teria tentado que Salomé me concedesse a exclusividade das suas memórias, teria descoberto o que Pilatos estaria tramando (...) e teria per-dido completamente o acontecimento mais importante de todos os tempos”.

Talvez, o autor do artigo, confiando apenas nas palavras do ex-membro não tenha percebido que caiu na armadilha.

Cartas

Professor de Física, com mais de vinte anos de experiência na rede pública e na rede particular de ensino, tenho observado com tristeza, ainda que não possa dizer que surpreso, o crescimento da infl uência entre meus jovens alunos de correntes fundamentalistas cristãs e católicas. Intolerantes e conservadoras em sua maioria, quando não abertamente reacionárias, tanto nos costumes como nas idéias sociais e culturais que difundem e praticam, são inconciliáveis com um espírito verdadeiramente científico contemporâneo. No limite, incompatíveis com a própria idéia moderna de universidade laica como um lugar onde se cultiva as ciências e se combate obscurantismos de toda sorte.

Sendo assim não poderia deixar de manifestar meu mais ardoroso aplauso à matéria intitulada “A Obra de Deus”, publicada na última edição do Jornal da UFRJ. Imparcial, rigorosa, elegantemente escrita e, acima de tudo, fartamente documentada, ela destoa dos lugares comuns que se vêm publicando na grande imprensa sobre esses e outros temas. Atual, relevante, constitui um convite à refl exão sobre as relações cada vez mais promíscuas entre política e religião, entre organizações religiosas e governos, entre Estados e Igrejas. Estão, pois, de parabéns o editor da publicação, pela qualidade da mesma e o repórter Bruno Franco, pela reportagem.

Como bem observa o professor Mário Guerreiro, citado na reportagem, constitui uma das ironias do nosso tempo que um mundo que pretenda estabelecer uma esfera pública laica autônoma dê origem a cada vez maior número de grupos, seitas e confi ssões religiosas dogmáticas. As razões para isso são várias. Sem dúvida uma das mais importantes é a aceleração, à sombra do fracasso das experiências stalinistas do Leste Europeu e da capitulação de alternativas socialistas democráticas, do processo de mundialização capitalista. Em um mundo construído cada vez mais à imagem e semelhança do capital as relações mercantilistas entranham todas as esferas das relações sociais desde as mais públicas às mais íntimas. O horizonte intelectual desse mundo é o da mediocridade satisfeita, já que todos, a partir de agora, são obrigados a se contentar com o acúmulo desmesurado de bens materiais ou trabalhar até morrer para adquiri-los. Consumidores, essa parece ser a única identidade permitida para as multidões vazias de sentidos profundos para as próprias vidas. O capital não se cansa de, a cada momento, anunciar a sua máxima existencial – única, aliás, que consegue formular: “tenho, logo existo!”. Afi nal como vou me sentir se não comprar uma televisão de plasma para assistir a Copa?

Um mundo de horizontes intelectuais e existenciais medíocres, em que tudo e todos são rebaixados à mesmice, esse é o legado a que parecemos condenados. Um mundo em que a cultura, a literatura e a artes mais

Eppur si muove

Eu sustento que a única fi nalidade da Ciência está em aliviar a canseira da existência humana.

Galileu, Bertolt Brecht

sofi sticadas são relegadas a um segundo plano, e em que os gibis da cultura de massa são tidos como o supra-sumo da criatividade, não poderia deixar de considerar “chatos” (esse, o único veredicto que conseguem balbuciar!) escritores fantásticos como Machado de Assis e Guimarães Rosa. Um mundo, enfi m, em que a verdade possível vem das antenas de TV ou piscam a 60 hertz nas telas dos computadores: na Internet, ansiosos, terabytes de lixo conectam insignifi câncias espalhadas pelo planeta.

Nesse mundo de multidões medíocres não parece estranho o crescimento de organizações como a “Opus Dei”, fi lha legítima de uma das mais brutais ditaduras que o século XX conheceu e tão bem analisada na reportagem. Incapazes de construir identidades globais e totalizantes, resta aos jovens submeterem seus corações e suas mentes a processos identificatórios que ressuscitam práticas obscurantistas de instituições religiosas que têm em seu passivo uma quantidade impressionante de barbaridades, monstruosidades e perversidades.

Os retrocessos no campo da cultura e do comportamento social são cada vez mais evidentes. Não o menor deles: a revalorização dos relacionamentos machistas tradicionais e do casamento de véu e grinalda. Por outro lado, o impacto sobre as práticas científicas e pedagógicas também começam a se fazer sentir. Em nome do pluralismo cultural e da democracia – valores que, deve-se enfatizar, não cultivam e aos quais são claramente antagônicos – cada vez mais setores fundamentalistas exigem que se incorporem nos curricula do Ensino Médio teorias superadas pelo progresso científi co. Pior, muitos parecem advogar o retorno a controles religiosos e teológicos estritos sobre práticas, teorias e experiências científi cas.

A Ciência Moderna se construiu afi rmando os valores da razão e combatendo o obscurantismo medieval de cunho religioso. Sem esse combate, ainda estaríamos ensinando que a Terra é o centro do universo; que os planetas e as estrelas giram ao redor dela e, mais, que o universo é imutável, posto que obra de Deus. Espero que jamais se repitam aqueles episódios do dia 22 de junho de 1633, no convento dominicano de Santa Maria Sopra Minerva, em Roma, em que o Tribunal do Santo Ofício impôs a Galileu Galilei, o fundador da Física Moderna, a renúncia às suas concepções científi cas. Para isso, é preciso que os homens de ciência não mais abjurem suas convicções, nem deixem de combater o obscurantismo, esteja onde estiver, já que as conseqüências poderão ser, hoje, ainda mais danosas. Apenas dessa forma estarão à altura do convite que nos faz o Galileu de Brecht.

Fernando PeixotoProfessor de Física

Caiu-me às mãos um exemplar do nº15 do Jornal da UFRJ que meu filho, estudante dessa Instituição de Ensino Superior, trouxe para casa. Não pude deixar de reconhecer com satisfação a qualidade editorial e gráfica da publicação que, por certo, dignifi ca uma das mais importantes universidades brasileiras. Equilibrado e instigante, ele destoa dos lugares comuns das publicações da grande imprensa e evidencia que as universidades públicas têm muito a oferecer ao país.

Todas as matérias apresentam alta qualidade. Como católico, porém, gostaria de destacar a justa homenagem feita a Dom Hélder Câmara. Para os que, como eu, viveram os tempos sombrios da ditadura militar cala fundo a lembrança daqueles que, contra tudo e contra todos, mantiveram elevados os valores do humanismo cristão de Jacques Maritan. Dom Hélder levou adiante o espírito

Dom Hélder da Paz e Opus Dei

do Concílio Vaticano II que reaproximou a Igreja dos que sofrem e dos que têm fome de justiça e pão. Numa época em que muitos católicos silenciaram, quando não se mostraram coniventes, aquele padre franzino, frágil de corpo, no Brasil e na Europa, ousou denunciar as torturas que praticavam os que nos usurparam a democracia.

Infelizmente os ares benfazejos do Concílio enfrentam, hoje, retrocessos como os do crescimento de organizações conservadoras como a Opus Dei, retratada em outra magnífi ca e corajosa reportagem do jornal. Infelizmente, cada vez mais católicos se fecham ao contato franco com o mundo e retomam práticas que pensávamos superadas.

Que, ao fi nal, prevaleça a generosa vocação de Dom Hélder. Parabéns ao Jornal da UFRJ.

Álvaro CuriProfessor de História

Em 1966, na Argentina – dois anos após o início dos anos de chumbo no Brasil –, o governo democraticamente eleito de Arturo Illia foi derrubado por um golpe de Estado, que tinha se autopro-posto em superar o populismo peronista e alavancar um processo de industriali-zação baseado na participação do capital estrangeiro. O período que se seguiu foi chamado ironicamente de “Revolução Argentina”. Foi proibida a organização partidária, o estado de sítio vigorou de forma constante e foram cerceados direi-tos civis, sociais e políticos.

O início do regime militar e a arqui-tetura de seu aparato repressivo cou-beram ao general Juan Carlos Onganía, que governou até 1970. De acordo com o historiador Carlos Fico, do Instituto

Ditadura Argentina

Nos seus quatorze anos de duração, interrompidos por um curto interregno democrático, a ditadura militar argentina acabou marcada como uma das mais

brutais do continente

As várias noites de largos bastões

Bruno Francoilustração Jefferson Nepomuceno

de Filosofi a e Ciências Sociais (IFCS), da UFRJ, durante o chamado Onganiato desenvolveu-se entre os militares argen-tinos a concepção de que caberia uma gradação hierárquica na tática repressi-va: “os efetivos policiais seriam usados inicialmente; caso não lograssem êxito, seriam acionados os efetivos de seguran-ça da Gendarmería e Prefectura e, fi nal-mente, em caso de insucesso, deveriam ser empregadas as Forças Armadas”.

Noite dos cassetetesAs Forças Armadas passaram a ser

usadas com maior intensidade após ma-nifestações sociais vigorosas, sobretudo o Cordobazo (1969) e o Viborazo (1971). A perseguição aos “subversivos” atingiu também as universidades, que foram in-

vadidas pelas forças policiais na chamada Noite dos Bastões Largos, que desalojou estudantes e professores, destruindo la-boratórios e bibliotecas. A conseqüência natural à essa selvageria foi a emigração de muitos acadêmicos.

De acordo com Carlos Fico, ao con-trário do Brasil, a Argentina não optou por instituir um sistema excepcional de repressão, como o Doi-Codi brasileiro. “Os militares brasileiros da comuni-dade de segurança se orgulhavam da estrutura ágil do sistema Doi-Codi e envaideciam-se de tê-lo ‘exportado’ para o Uruguai e para o Chile, e julgavam ser essa a causa – segundo a avaliação de generais brasileiros – do ‘fracasso’ argentino no combate ao ‘terrorismo’”, revela o professor.

Quebrar a sociedadeO primeiro período di-

tatorial na Argentina, ain-da contou com mais dois presidentes: Roberto Mar-celo Levingston (1970-1971) e Alejandro Agustín Lanurse (1971-1973). As crescentes pressões po-pulares – incluindo ações armadas de grupos como Montoneros – levou a um novo pleito democrá-tico – em 1973, vencido pelo candidato da FreJuLi (Frente Justicialista de Li-beración), e representante do peronismo, Héctor José Cámpora.

A esperança democrá-tica não conseguiu resistir três anos completos, nos quais a Argentina teve também três presidentes: Cámpora, Perón e Isabeli-ta Perón. Nesse período, mais de mil e quinhentas pessoas faleceram viti-madas pelos constantes confrontos entre forças de esquerda e direita.

Com o retorno dos mi-litares ao poder, iniciou-se o período mais sangrento da ditadura argentina. Em menos de uma década, estima-se que mais de trinta mil cidadãos foram assassinados pela guerra súcia – guerra suja – (cerca de dois mil prisioneiros da Escola de Mecânica da Armada foram jogados vivos ao mar, segundo depoimento do capitão Adolfo Scilingo ao jornal Página 12). Conforme explica Carlos Fico, o re-

gime optou por uma repressão ampla, que “quebrasse” a sociedade, “pretendendo instaurar, através de uma catarse fundada no sofrimento e no medo, um novo tempo, sem espaço para a atuação da esquerda. Essa repressão criminosa não encontra paralelo com o que houve no Brasil – o que não signifi ca que a ditadura brasileira possa ser tida como ‘melhor’”.

Operação CondorO rotineiro intercâmbio de informa-

ções, que existe entre nações democrá-ticas, foi ampliado e confi gurou a cha-mada Operação Condor, na qual Chile, Argentina e Paraguai instituíram meca-nismos permanentes de consulta entre seus serviços de informações, resultando em mais prisões e assassinatos. “A Ope-ração Condor, porém, nunca sobrepujou as respectivas instâncias repressivas na-cionais. O Brasil teve participação quase episódica na Condor já que os militares brasileiros julgavam-se superiormente preparados e aparelhados”, ressalta Carlos Fico.

A repressão arregimentada pelos mi-litares argentinos (assim como por seus colegas brasileiros) inspirou-se na litera-tura militar francesa, posterior à Guerra da Argélia, segundo informa o historia-dor Carlos Fico. A Escola das Américas, criada nos EUA, e que formou recursos humanos para a atuação em diversas ditaduras no continente, não participou ativamente da repressão argentina.

A infl uência norte-americana, explica Fico, limitou-se ao terreno doutrinário, “a partir de conceitos como o de ‘segu-rança nacional’ e ‘inimigo interno’, isto é, a suposição de que os comunistas nativos seriam a principal ameaça à segurança nacional”.

Curiosamente – na opinião de Fico – o governo norte-americano, que apoiou entusiasticamente o golpe brasileiro de 1964, tudo fez para evitar a derrubada do presidente civil Arturo Illia, em 1966. “O embaixador dos Estados Unidos em Buenos Aires, Edwin M. Martin, atuou bastante nesse sentido, inclusive sugerin-do a hipótese de retaliações econômicas”, ilustra o professor.

Por mais inglória que tenha sido essa experiência, a Argentina enfrenta seu legado histórico. Tanto o governo quanto a sociedade civil. Uma mostra disso é a indicação da associação Avós da Praça de Maio ao prêmio Príncipe das Astúrias, de 2006, por seus esforços em compreender o destino de milhares de desaparecidos e seqüestrados, no período militar. Con-trapondo esse exemplo ao caso brasileiro, Fico considera que a Lei da Anistia não deveria ter perdoado torturadores e assas-sinos. “Creio que esse é o maior bloqueio para o enfrentamento desses ‘fantasmas’”, conclui o historiador.

JORNAL DA UFRJ É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO SERVIÇO DE JORNALISMO IMPRESSO DA DIVISÃO DE MÍDIA IMPRESSA DA COORDENADORIA DE COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – Av. Brigadeiro Trompovsky, s/n. Prédio da Reitoria - Andar Térreo - Cidade Universitária - Ilha do Fundão - CEP 21941-590 - Rio de Janeiro - RJ – Telefones: (21) 2598 1621 – Fax: (021) 2598 1605 – [email protected] – Editor Chefe/Jornalista Responsável: Fortunato Mauro – Reg. 20732 MTb – Pauta: Fortunato Mauro e Francisco Conte – Projeto Gráfi co: José Antonio de Oliveira – Ilustração: Jefferson Nepomuceno – Reportagem: Coryntho Baldez, Joana Jahara, Rafaela Pereira e Rodrigo Ricardo – Estagiá-rios de Jornalismo ECO/UFRJ: Bruno Franco, Carlos Eduardo Cayres e Juliana Rettich – Estagiários de Arte, Ilustração e Fotografi a: Anna Carolina Bayer, Juliano Pires, Patrícia Perez, Pina Brandi e Marco Fernandes (EBA/UFRJ) – Estagiária de Revisão de Texto: Daniele Robert (Faculdade de Letras/UFRJ) – Estagiário de Web: Virgílio Fávero Neto (Instituto de Matemática/UFRJ) – Resenhas: Francisco Conte - Colaboração: Márcia Carnaval

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4 Maio•2006UFRJJornal da

Maio•2006 5UFRJJornal da

UniversidadeNacional

Bruno Francofotos Cacalo Kfouri/ABr

UniversidadeNacional

A onda de terror que varreu o estado de São Paulo teve como estopim, na quinta-feira, 11 de maio, a decisão do Governo Estadual de isolar líderes da organização criminosa PCC (Primeiro Co-mando da Capital). Com isso, 765 presos foram transferidos para a penitenciária dois do município de Presidente Vences-lau (620 km à Oeste de São Paulo).

Em uma audioconferência feita por celulares, 40 detentos, em 30 diferentes presídios, articularam rebeliões e ofen-sivas simultâneas, motivados, conforme alegaram à revista Caros Amigos, pelo tratamento desumano durante a trans-ferência. O resultado foi uma sucessão de fatos estarrecedores que impactaram a opinião pública e um incremento da sensação de insegurança da população, tanto devido aos ataques como pelo evi-dente descompasso entre as autoridades públicas, de diferentes níveis.

A Polícia Militar endureceu a repres-são ao PCC, o Governo Federal ofereceu auxílio – recusado pelo governador Cláudio Lembo, do PFL (Partido da Frente Liberal) que, entretanto, destacou o alto nível das conversas, contraposto ao silêncio dos aliados do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) – e o Senado aprovou, em caráter terminati-vo, um conjunto de medidas na área de Segurança Pública.

Analisando essa questão, a diretora da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ), professora Juliana Neuenschwan-der acredita que medidas dessa natureza diminuem a sensação de insegurança, sem, contudo, reduzir efetivamente a vio-lência que a produz. “Cria-se, assim, uma ilusão da segurança e, ao mesmo tempo, um círculo vicioso: as medidas mais duras reproduzem o caráter violento das práticas violentas que visam combater”, destaca Neuenschwander.

Paula Poncioni, professora de Política Social da Escola de Serviço Social (ESS), da UFRJ, por sua vez, acredita que mais do que medidas de caráter emergencial, é imprescindível a melhoria da articu-lação efetiva entre os diversos órgãos de Justiça Criminal. Para tal, defende que a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) “seria um grande avanço”.

Para o professor Michel Misse, do Núcleo de Estudos em Criminalidade e Violência Urbana (Necvu), do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/

UFRJ), a solução não é o agravamento da pena, mas sim a certeza do cumpri-mento dela. “A elucidação de crimes tem taxas muito baixas no Brasil. No Rio de Janeiro, não ultrapassa 3% os casos de homicídio que são resolvidos, e em São Paulo, não chega a 10%. Na Inglaterra, contudo, a polícia resolve mais de 90%”, revela Misse.

Para o juiz Geraldo Prado, professor de Direito Processual Penal da FND, “esta é uma macro-crise que afeta todo o sistema penal, e é mais sensível na área penitenciária, onde temos super-população carcerária e métodos de encarceramento que são desumanos de um lado e permitem associações criminosas, de outro”.

De acordo com Prado, é preciso aten-tar para a questão penitenciária, o que não foi feito pelo Senado. “Ele (o Sena-do) desconhece que nos dois principais estados da federação (não em termos econômicos, mas em contingente carce-rário que, apenas em São Paulo, chega à 144 mil detentos), Rio e São Paulo, a Segurança Pública é tratada em uma se-cretaria e a administração penitenciária

em outra”, exemplifica o professor.Causas estruturais

Segundo Geraldo Prado, voltar o olhar somente à questão penal não resolve “absolutamente nada”. “Nossa sociedade se construiu de forma exclu-dente, que não convive com a mobili-dade social. Se os policiais e trafican-tes continuassem se matando, apenas nessas áreas, as pessoas não iam ligar nem um pouco. Como as mortes dos policiais extrapolam os limites, e é um sinal de que nós branquinhos de classe média podemos ser atingidos, aí há uma reação”, critica o juiz.

A segurança pública depende não somente de um aparato de repressão, mas da “salvaguarda de inúmeros di-reitos, da realização de inúmeras polí-ticas públicas”, acredita Juliana Neu-enschwander. O discurso – acrescenta – da distribuição das competências (no qual a segurança é uma prerrogativa dos estados) “representa, nesse passo, um mecanismo “auto-imunizador” para que as várias esferas do Poder Público possam se eximir de sua tarefa de, no âmbito de suas competências, darem

sua contribuição à construção de uma sociedade mais justa e menos desi-gual. Mais segurança pública significa menos desigualdade social”, destaca a diretora.

A eclosão sem precedentes de ações criminosas organizadas, no estado de São Paulo, tem raízes em problemas estruturais, que não estão restritos aos cidadãos paulistas. Conforme analisa Geraldo Prado, “em um ambiente de exclusão social, não é possível construir nenhum projeto de vida harmônica”. O achatamento da base da pirâmide social destrói laços de solidariedade social. Para ele, a proximidade das eleições traz outro desafio: a sua apropriação por um discurso fácil, simplista. “Quer um dis-curso que diga que o social resolve tudo, quer um discurso que diga que a repres-são resolve tudo”, enfatiza Prado.

Segundo Michel Misse, nos últimos 30 anos, “a política adotada, legal ou ilegalmente, foi a do confronto e o seu resultado, o aumento e o agravamento das taxas de criminalidade. Essa é uma política altamente ignorante dos efeitos (perversos) que ela produz”, explica.

Outro problema alegado por inter-locutores do PCC junto a diversos ve-ículos de comunicação, e que explica, sem, contudo, justificar os tristes epi-sódios de maio, é o desrespeito à Lei de Execuções Penais (LEP), que aponta para os deveres do Poder Público com os presos. Em relação a isso, Juliana Neuenschwander explica que a respon-sabilidade é do Ministério Público e do Juízo da Vara de Execução Penal. “No Rio de Janeiro, temos apenas uma Vara de Execução Penal, o que denota a pou-ca atenção dada a essa área”, ressalta Neuenschwander. Na visão da diretora, faz-se necessária uma política prisional que considere o preso como cidadão. “Uma mudança constitucional, com o fim da perda dos direitos políticos dos condenados, poderia já ser um bom começo. Um condenado não deixa de ser cidadão”, pondera a professora.

Michel Misse diz que “eles (os deten-tos) foram condenados à perda de sua liberdade, e não a dormir entre baratas, nem a serem estuprados no cárcere, a viverem sobressaltos com a possibilidade de serem mortos, nem a serem tortura-dos. Mas a sociedade fica indiferente a isso. Os direitos humanos ou são uni-versais ou não o são. Nós que não somos bandidos e que não queremos nos igualar a eles defendemos os direitos de todos. Inclusive os deles”.

Isso torna o ocorrido em São Paulo passível de ser repetido “em qualquer estado da federação que tenha um con-glomerado de penitenciárias, e que não desincumbam de cumprir uma série de deveres do Estado”, acredita a professo-ra Paula Poncioni. Esse problema passa despercebido nos veículos da grande imprensa, mas não constitui novidade alguma. Nem mesmo para observado-res internacionais, como demonstra o último relatório anual (publicado em maio) da Organização Não Governa-mental Anistia Internacional, no qual se afirma que “as condições nas prisões equivaliam a tratamento cruel, desuma-no e degradante (...). A superlotação, as más condições sanitárias e a falta de instalações de saúde contribuíram para a ocorrência de motins freqüentes e para os elevados índices de violência entre prisioneiros. Houve ainda relatos sustentados de comportamento violento e abusivo por parte dos guardas, incluin-do o uso de tortura e maus-tratos”.

De acordo com Paula Poncioni, a polícia, por ter como prerrogativa o monopólio da violência legítima, aca-ba fazendo uso, em primeira mão, da força. “Mas a polícia apenas reproduz o comportamento da sociedade, aquele que Roberto da Matta chamava de ‘você sabe com quem está falando?’”, acredita Poncioni. De acordo com a professora, “o que é socialmente constituído reflete a sociedade que o criou. Não se pode falar em polícia violenta sem remeter à sociedade na qual ela atua”.

Para Michel Misse, não há maneira de lidar com a violência – a não ser na guerra – que não seja com a negociação e a administração de conflitos. “A po-lítica de extermínio adotada por alguns agentes públicos apenas contribui para a acumulação social da violência”, ex-

(In)segurança públicaOs ataques contra as forças policiais em São Paulo causaram 44 mortes. Mais de 250 foram contra delegacias, bancos e universidades. A reação da polícia não foi menos violenta e os confrontos produziram 109 mortes, muitas das quais estão

sendo atribuídas a grupos de extermínio, que contam com a participação de policiais

plica o pesquisador. Segundo ele, esse conceito – acumulação social da violên-cia – designa um processo social pelo qual um conjunto de fatores gera uma espécie de espiral viciosa. Esses fatores se retroalimentam e produzem outros fatores que entram nessa espiral.

Não que os agentes de Estado não sofram eles mesmos com a crescente brutalidade, como ficou evidente com os ataques às delegacias, ocorridos no fatídico fim de semana. “O número de policiais mortos por bandidos no Brasil não tem paralelo em lugar algum do mundo – analisa Michel Misse – e o

pior é que parte da sociedade estimula a radicalização”.

E a imprensa com isso?A responsabilidade pela reprodução da

violência também recai sobre os veículos jornalísticos, que utilizam aproximações indevidas entre os crimes urbanos e os conflitos bélicos e adotam termos inade-quados e sensacionalistas, como “Estado paralelo”.

Esta espetacularização soma-se à espiral de violência, acredita Michel Misse, ressaltando que “o sentimento de insegurança produzido pela mídia a

respeito da criminalidade urbana é abso-lutamente desproporcional em relação à chance real de cada cidadão ser vítima dessa violência”.

A crítica é reforçada pela professora Juliana Neuenschwander ao afirmar que não se pode distinguir, num conflito urbano, os mortos “cidadãos” daqueles “não cidadãos”. “A monstruosidade dessa distinção, amplamente desfrutada pelos jornais nas duas últimas semanas, revela que a barbárie não é monopólio dos bandidos. Nós construímos a nossa barbárie. Criamos e reproduzimos nossos bárbaros”, conclui Neuenschwander.

Ruas de São Paulo na terça-feira após o início dos ataques criminosos da última sexta-feira, dia 12 de maio

No centro de São Paulo houve pouco movimento nos dias que sucederam os ataques

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Nacional

“Vai haver por aí uma excitação, um furor dos demônios, um entusiasmo de fogo de palha capaz de durar bem um mês”, disse Graciliano Ramos sobre o futebol, em 1921, que já era praticado em quase todos os estados brasileiros. O autor de Vidas secas (1938) “pegou mal na bola”, diriam os locutores esportivos, ao afirmar, no início do século XX, que a paixão dos brasileiros pelo futebol seria efêmera.

Em 1938, 17 anos depois das afir-mações de Ramos, o Brasil disputava pela primeira vez, com um time profissional, uma Copa do Mundo, a da França. A seleção canarinho conseguiu o terceiro lugar, mostrando um time bastante com-petitivo e um futebol alegre. “O Brasil se apresentou pela primeira vez na Copa do Mundo de 1938, na França, com um time de jogadores profissionais. Isso re-fletia a profissionalização do esporte no país. Aquela equipe contava com joga-dores oriundos das classes populares e negros, algo inédito no time principal da Seleção do Brasil”, afirma o antropólogo e professor José Sérgio Leite Lopes, do Departamento de Antropologia do Mu-seu Nacional da UFRJ.

A participação de jogadores das classes populares no futebol brasileiro não ocorrera nos anos anteriores a 1930, período em que o esporte estava sendo implantado no Brasil. Segundo José Sérgio, o futebol amador no Brasil, que vigorou desde a chegada do esporte ao país, no final do século XIX, até as duas primeira décadas do século XX, reproduziu as características do fute-bol na Inglaterra, constituindo-se dessa maneira em uma prática esportiva da elite.

A Inglaterra foi o berço de inúmer-as modalidades esportivas contem-porâneas, que surgiam nas instituições de ensino voltadas para as classes sociais mais abonadas, dificultando, assim, a participação das classes popu-lares nos esportes. Porém, o modelo de jogo implantado pelas escolas de elite inglesas acabou sendo copiado por diversos grupos, como o Exército e assossiações de bairros e religiosas, que montarem suas próprias equipes e campeonatos de futebol, acabando por popularizá-lo.

Futebol, política e questão social A Inglaterra também inventou o

Parlamento, pilar das democracias rep-

Raízes de uma paixão nacional

O Jornal da UFRJ vestiu o uniforme, calçou as chuteiras e entrou em campo para discutir uma das paixões brasileiras. Acabamos batendo uma bola com especialistas da UFRJ. Afinal, o assunto é deveras importante para passar em brancas nuvens pela universidade.

resentativas modernas. Sérgio Lopes vê semelhanças entre o jogo parlamentar e o que é praticado nos campos de futebol. Ambos são dotados de regras que têm que ser cumpridas para que possam funcionar corretamente. No parlamento, a disputa é verbal, retórica, que apenas pode se dar respeitando as regras pré-estabelecidas. Não muito diferente do que acontece no futebol, em que há uma disputa física, imposta pela dinâmica do jogo, que apenas será validada se estiver, também, de acordo com um conjunto de regras previamente estabelecidas pelos dirigintes dos campeonatos. “Para se ganhar no futebol, como no parlamento, tem que se estar dentro das regras. Essa é uma maneira indireta de relação entre essas duas esferas”, afirma José Sérgio.

A identificação que a população pas-sou a ter com o futebol levou vários gov-ernos a se apropriarem politicamente do esporte. Foi o que se deu na Itália de Mussoline, nos anos 1930, lembra José Sérgio, onde, em 1934, foi realizada uma Copa do Mundo”.Mussoline viu que o Mundial seria uma forma muito interessante de se incutir na população o nacionalismo”, diz o antropólogo. Naquela época, muitos jogadores de origem italiana, principalmente os que residiam em países sul-americanos, foram incentivados pelo governo a voltarem para a Itália. Isso impulsionou a profissionalização do esporte não apenas naquele país, mas também, de tabela, em outros da América do Sul, como o Brasil.

Getúlio Vargas (presidente da Repú-blica brasileira nos períodos de 1930 a 1945 e 1950 a 1954) também utilizou o futebol de maneira a difundir o senti-mento nacionalista e atingir a audiência de grandes massas populares. Em 1938,

um ano depois do golpe de Estado liderado por Vargas, o Brasil perdeu a semifinal do Mundial para a Itália, fi-cando em terceiro lugar. Sobre a derrota, o presidente anotou em seu diário: “O jogo monopolizou as atenções. A perda do team brasileiro para o italiano cau-sou uma grande decepção e tristeza no espírito público, como se se tratasse de uma desgraça nacional”.

Vargas, sempre que podia, relacion-ava seus atos de governo às práticas futebolísticas. Não foram poucas as vezes em que ele anunciou medidas e realizou encontros políticos em estádios de futebol. Exemplo disso foi em 1941, no Estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, onde o presidente anunciou a implantação do Salário Mínimo. “O Governo Vargas viu no futebol um fator de motivação nacional, de indentidade nacional e de mobilização de massa”, afirma José Sérgio.

O mundial de 1938 foi o primeiro a ter transmissão radiofônica, difundindo ainda mais o esporte no Brasil. Naquele ano, a Seleção contava com o reforço de jogadores oriundos de extratos popu-lares e alguns negros, como Leônidas da Silva (o “Diamante Negro”, inventor da “bicicleta”) e Domingos da Guia (o “Divino Mestre”), que eram os princi-pais jogadores do escrete canarinho”. O Brasil apresentou um futebol com um estilo corporal diferente do europeu. Os jogadores brasileiros mostraram descon-tração ao jogar, um futebol lúdico, alegre e bastante competitivo. O jogador Leôni-das da Silva foi eleito o melhor jogador da Copa”, lembra José Sérgio.

A mistura racial da Seleção forneceu material para um estudo que estava sendo elaborado à época pelo antropól-ogo Gilberto Freyre, que confrontava as

teorias evolucionistas racistas que afir-mavam ser a população missigenada inferior as demais. A cultura afro-bra-sileira, segundo Freyre, sempre esteve presente no estilo de jogo apresentado pela seleção em 1938. A dança, a ca-poeira e a música, elementos afro-bra-sileiros, caracterizavam a forma alegre com que jogavam os atletas brasileiros, o que encantou os europeus e a imprensa internacional.

A paixão brasileiraEm 1919, a Seleção Brasileira jogou

a final do Campeonato Sul-americano, que aconteceu no Rio de Janeiro, contra o Uruguai, vencendo por 1 a zero. O jogo aconteceu no Estádio das Laranjeiras (do Fluminense), que abrigou cerca 20 mil torcedores. Muitos dos que não conseg-uiram lugar na arquibancada, ocuparam o morro que ficava atrás do estádio para acompanhar a partida.

A participação do proletariado in-dustrial nascente também foi signifi-cativo para a popularização do esporte no país, assim como as fábricas foram importantes para a sua difusão. O Bangu Atlético Clube, por exemplo, era um clube de fábrica (Fábrica Bangu) que tinha um time de futebol composto por seus funcionários. A aproximação en-tre futebol e outras práticas populares esteve presente desde o seu início. Essa ligação foi muito utilizada por clubes e assossiações, principalmente as carna-valescas, para conseguirem a permissão da polícia para funcionar, segundo José Sérgio.

Futebol em época de Copa do MundoEx-jogador profissional, treinador,

supervisor de clubes e ex-dirigente da Seleção Brasileira de Juniores – para a

Luciana Campos e Geralda Alves,da Agência de Notícias UFRJilustração Jefferson Nepomuceno

Nacional

qual Ronaldo, o “Fenômeno”, foi um dos convocados –, Humberto André Rê-des Filho, professor do Departamento de Jogos, da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ, fala que, ao torcer durante os jogos da Copa do Mundo, constrói uma identidade cole-tiva. O clube, segundo ele, é regional, o adversário é o vizinho: “os ‘inimigos’ estão muito próximos e a gente carrega a emoção, própria dos relacionamentos.

As torcidas dos clu-bes são antagôni-cas. Em se tratando de Seleção vira uma torcida única e a gente se une mesmo. Na copa de 1958 fazíamos festa junina e soltávamos balões para comemorar. Hoje ninguém pensa em festa junina. A seleção tem sua festa própria, virou uma festa mun-dial”.

O futebol, uma das grandes paixões do povo brasileiro, tem a caracterís-tica de mexer com a emoção dentro e fora do gramado. “É um jogo coletivo, os gols são conquistados com muita dificuldade, o objetivo da partida traz muito sofrimento. Nas copas de 1970, 1974 e 1978, que ocorreram na época da ditadura militar, as torcidas eram mais educadas, mais contidas, embora eu acredite que a questão política em si não tenha influenciado nesse comporta-mento, o que havia era mais respeito ao ser humano”, rememora Rêdes Filho.

Para Rêdes Filho, as torcidas refle-

tem o que é a sociedade: “isso é o que existe de mais irracional, de mais emocional. E se tiver que matar o treinador, o jogador ou o juiz, vai matar mesmo, embora haja arrependimento depois. Não existe respeito, ninguém sabe o que é isso”.

O professor compara o fute-bol ao divã do analista, onde o in-consciente vem à tona. “Surgem as

coi-sas mais

primitivas. As ati-tudes de massa se concretizam”, aponta Rêdes Fi-lho. A necessida-de de pertenci-mento é outra questão levan-tada por Rêdes Fi-lho, para que os jovens se organi-zem em torcidas: “eles têm que se sentirem aceitos pelo grupo e por isso, praticam atos que se estivessem sozinhos não o fariam”.

Assim como a torcida, o futebol tam-bém sofreu transformações profundas, saindo do amadorismo (1890/1894) para o profissionalismo a partir de 1933, ganhando grande impulso nos anos seguintes, principalmente com

a eleição do brasileiro João Havelange para Presidên-cia da FIFA. “Foram 24 anos (1974/1998) de um presidente que revolucio-nou o futebol. Ele era um

empresário e deu ao futebol uma visão comercial. Tanto

que hoje o futebol deixou de ser esporte para ser um negó-

cio, pois tudo que acontece, faz

com que se pense mais em negócio do que em esporte. Ele tornou o futebol um bem eco-nômico valioso. Isso criou uma massificação ainda maior de um esporte que já despertava inte-

resse”, explica Rêdes Filho.Durante todos esses anos no poder

do futebol mundial, João Havelange visitou chefes de Estado e ofereceu os serviços da FIFA para criar times em seus países e, com isso, passou a criar, no mundo, possibilidades para o fute-bol. Dessa maneira, governantes come-çaram a ver o poder político do futebol. “Se os países árabes queriam fazer

futebol, ele estava lá filiando, e dando apoio, fazendo campeonatos. Hoje são 208 países filiados a FIFA (mais que a ONU), que é um órgão com um imenso poder. A gente tem que admitir que o Havelange tem um papel fundamental na velocidade dessas mudanças”, fala com admiração.

Outro fato transformador na história do futebol foi à extinção da lei do passe livre dando lugar à chamada Lei Pelé

(9.615/1998). “Hoje todos os jogadores são de aluguel. Antiga-

mente o atleta pertencia ao clube, havia pouca rotatividade. A própria

forma que evolui a nossa socie-dade, em torno do descartável, isso também se dá no futebol.

O jogador mal começa a se destacar já é vendido”. Essa comercialização fez com que aumentasse a procura pelo futebol. O jogador é um mito e os pais investem nisso, sobretudo nas camadas populares. Os clubes recebem por ano cerca de 200 crianças e adolescentes na faixa de 12 a 20 anos e poucos são aproveitados. “Es-ses clubes têm uma grande função social no desenvolvimento desses adolescen-tes. O governo deveria ajudar os clubes, pois eles têm dificuldades em manter o jogador e muitos não fazem parte da chamada elite, com salários baixos e até atrasados”, finaliza Humberto.

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O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) está com inscri-ções abertas até 26 de julho para financiar projetos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inova-ção nas áreas de geração, transmissão, distribuição e uso final de energia elétrica. Os R$ 11,5 milhões são provenientes do Fundo Setorial de Energia (CT-Energ) e destinam-se a desenvolver a cadeia produtiva do setor de energia elétrica. São elegíveis pesquisadores individuais ou grupos de pesqui-sadores formalmente vinculados a instituições de pesquisa.

Os projetos podem ser desenvolvidos em co-laboração com empresas de energia, fornecedores ou fabricantes de equipamentos eletroeletrônicos, ou ainda empresas residentes nas incubadoras e parques tecnológicos. No caso de empresas de pequeno e médio porte, é exigida contrapartida mínima de 20%, enquanto as de grande porte têm contrapartida de 30%.

O edital financia gastos com custeio, capital e bolsas de fomento tecnológico (Iniciação Tecnoló-gica e Industrial e Desenvolvimento Tecnológico e Industrial). Informações completas em: www.cnpq.br/servicos/editais/ct/2006/edital_0282006.htm.

O Ministério da Saúde (MS) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq/MCT) lançam edital para apoiar projetos de pesquisa com atividades direcionadas a estudos em populações expostas à contaminação ambiental. Será disponibilizado um valor global de R$ 3,5 milhões para financiar as propostas aprovadas. Os recursos são provenientes do De-partamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (Decit/SCTIE/MS). O edital prevê a aplicação, preferencialmente, de 30% do seu valor global para projetos desenvolvidos por pesquisadores vinculados a instituições sediadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

O principal objetivo do edital (24/2006) é apoiar atividades de pesquisas científicas, tecno-lógicas e de inovação que visem o estudo epide-miológico em populações expostas a contaminação ambiental em áreas específicas ou que visem ao estudo de avaliação de risco à saúde humana e à elaboração de protocolos de atenção e vigilância à saúde na população residente na Macro-região ambiental cinco (MRA5), a área de Exploração de Petróleo da Bacia de Campos/RJ.

As propostas podem ser apresentadas por pes-quisadores doutores, vinculados a uma Instituição de Ensino Superior, ou institutos e centros de

O Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI) da UFRJ estará promovendo, nos dias nove e 10 de agosto, o 8º Ciclo de Estudos em Ciência da Infor-mação (Ceci) com o tema Unidades de informação: idéias e ideais. Dentro desse tema, serão os seguintes sub-temas abordados: Memória e preservação; Acervos: do físico ao virtual; (Re)pensando a gestão; e Informação e Sociedade.

O evento possibilita a atualização dos profis-sionais da Informação com a apresentação de pa-lestras e trabalhos sobre o estado da arte dos temas abordados e pela troca de experiências com outros profissionais.

O 8º Ceci focalizará, também, as questões ine-rentes aos museus e arquivos, contribuindo para a integração, cada vez maior, dessas áreas com a Biblioteconomia e com a Ciência da Informação.

Mais informações, ficha para inscrição e chama-da de trabalhos podem ser colhidos no site www.sibi.ufrj.br/ ou pelo e-mail [email protected].

O evento será no Auditório Roxinho, no Centro Cultural Professor Horacio Macedo, do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), no Campus da Ilha do Fundão.

R$ 11,5 milhões para projetos em energia elétrica“Unidades de informação:

idéias e ideais”

No dia 17 de maio o Jornal da UFRJ recebeu o troféu de 3º colocado do “Destaque Andifes d e Jo r n a l i s m o d a s Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes)”. A premiação ocorreu durante a 58ª Reunião Ordinária do Conselho Pleno da Andifes, na sede da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Super ior (Andifes), em Brasília, e a equipe do jornal foi representada pelo editor, o jornalista Fortunato Mauro.

O Destaque foi criado em 2005 com o objetivo de estimular a mídia impressa das Ifes, reconhecendo e valorizando o trabalho realizado por profissionais de veículos de imprensa institucional, que estabelecem processo de comunicação entre a comunidade acadêmica e a sociedade.

Na oportunidade, foram anunciados, também, os vencedores da 6ª edição do “Prêmio Andifes de Jornalismo”, dirigido aos profissionais da grande imprensa. Em seguida, foi realizada a cerimônia de posse da nova Diretoria da Andifes para o biênio 2006/2007 (ver relação abaixo).

A Universidade de Brasília (UnB) ficou com a primeira colocação e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com a segunda.

Apoio para estudos em populações expostas à contaminação ambiental

Jornal da UFRJ recebe prêmio

Diretoria Executiva

Presidente: Paulo Speller, reitor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT);1º Vice-presidente: Lúcio José Botelho, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC);Suplente: Alan Kardek Martins Barbiero, reitor da Universidade Federal do Tocantins (UFT);2º Vice-presidente: Arquimedes Diógenes Cilo-ni, reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU);Suplente: Josivan Barbosa Menezes, reitor da Universidade Federal Rural do Semi-árido (Ufersa), em Mossoró/RN;

Demais membros do Diretório Nacional

Vice-presidente Região Sul: João Carlos Brahm Cousin, reitor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG/RS);Suplente: Éden Januário Netto, reitor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR);Vice-presidente Região Sudeste: Malvina Tânia Tuttman, reitora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio);Suplente: Rubens Sérgio Rasseli, reitor da Universidade Federal do espírito Santo (Ufes);Vice-presidente Região Centro-Oeste: Timothy Martin Mulholland, da Universidade de Brasília (UnB);Suplente: Edward Madureira Brasil, reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG);Vice-presidente Região Nordeste: Ana Dayse Rezende Dórea, reitora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)Suplente: Valmar Corrêa de Andrade, reitor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE);Vice-presidente Região Norte: Hidembergue Ordozgoith da Frota, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam);Suplente: Jonas Pereira de Souza Filho, reitor da universidade Federal do Acre (Ufac).

pesquisa e desenvolvimento, públicos ou priva-dos, sem fins lucrativos. Os projetos poderão ser enquadrados em uma das sete linhas de pesquisa definidas no edital.

As linhas se dividem entre os estudos epide-miológicos: em populações expostas à contami-nação ambiental em áreas de uso de agrotóxicos na Região Nordeste (NE); em populações expostas à contaminação ambiental em áreas de postos de combustíveis na Região Sudeste (SE); na população residente nos municípios da região da Bacia Carbo-nífera (SC); na população residente no município de Poconé (MT); na população residente nos mu-nicípios de Monte Alegre, Prainha e Alenquer (PA); na população residente no município de Porto Santana (AP); e no estudo de avaliação de risco à saúde humana e elaboração de protocolos de aten-ção e vigilância à saúde na população residente na Macro-região ambiental cinco (MRA5).

As inscrições poderão ser feitas exclusivamente via Internet até às 18h do dia 27 de julho de 2006. As propostas devem ser apresentadas sob a forma de projeto, anexadas ao Formulário On-line para Submissão de Propostas, disponível no endereço eletrônico http://efomento.cnpq.br/efomento/. Os resultados serão divulgados no dia 29/09 e as contratações estão previstas para acontecer a partir do dia 30/10.

O Conselho Universitário (Consuni) é o órgão máximo de decisão da UFRJ. Em suas reuniões importantes proposições, acerca da vida acadêmica e administrativa da instituição, são deliberadas.

Após quase dois anos de existência da TV Consuni, o responsável pela Divisão de Mídias Audiovisuais e Multimídias (DMAM), da Coorde-nadoria de Comunicação da UFRJ, Sérgio Duque Estrada, acredita que o objetivo da TV Consuni foi alcançado, já que os dados demonstram que o acesso ao site, após as sessões do Consuni, aumenta significativamente.

Giovani Borher, representante dos técnicos-ad-ministrativos no CEPG (Conselho de Ensino para Graduados), ressalta que a TV Consuni é impor-tante pelo fato de nem sempre poder estar presente às reuniões do Conselho e que, quando há alguma pauta de seu interesse, pode assistir as sessões e se interar do que está sendo decidido.

Segundo a professora Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, a im-portância da TV Consuni está em democratizar a informação e tornar transparente o que é decidido na mais importante instância da universidade. É o que também defende a decana do CCMN (Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza), Ângela Rocha dos Santos. “A TV Consuni dá transparência ao que é decidido pelos colegiados, fazendo com que a vida legislativa da universidade seja acessível para toda comunidade acadêmica”, avalia.

Inicialmente, a TV Consuni foi aprovada pelo colegiado em caráter experimental. Ainda no início, muitos conselheiros manifestaram certa resistência em ter de falar ao microfone, mas, atualmente, isso foi deixado de lado e há um consenso sobre a impor-tância desse instrumento para o meio acadêmico. “Antes da sala do Consuni ser sonorizada e de ser disponibilizado microfones para todos os membros, muitos não ficavam até o final das sessões por não conseguirem ouvir o que estava sendo falado”, revela Duque Estrada.

A TV Consuni começou com quatro estagiários, estudantes da Escola de Comunicação (ECO), da UFRJ, e hoje conta com oito. “Afora a importância institucional da TV Consuni, ela é um espaço bas-tante privilegiado de aprendizado, uma vez que os estudantes podem desenvolver atividades básicas, como operação de áudio, iluminação, direção de

TV Consuni

Com intuito de dar maior transparência à administração da UFRJ, em julho de 2004 foi criada a TV Consuni que, em colaboração com o Núcleo de Computação da UFRJ (NCE),

transmite, via Internet, as reuniões do Conselho Universitário (Consuni)câmeras e seleção de imagens que vão para o ar”, ressalta Duque Estrada. No entanto, a DMAM ainda não tem infra-estrutura para produzir tudo sozinha e conta com o apoio, além do NCE, da Escola de Belas Artes - que empresta equipamentos – e da Escola de Educação Física e Desportos – que cede o Laboratório de Vídeo-arte. Segundo Sérgio Duque Estrada, sem esses apoios o projeto não poderia se concretizar.

Nova política de comunicação para UFRJNo início, a TV Consuni fez o que Sérgio Duque

Estrada chama de “criar uma nova cultura”, ou seja, possibilitar que as pessoas soubessem da existên-cia desse instrumento de comunicação. Para isso, foram colocados telões em pontos estratégicos da universidade, lugares com grande fluxo de pessoas que, para Bernardo Figueiredo de Lima, represen-tante dos discentes no Consuni, foi uma iniciativa que ajudou a criar interesse nos estudantes, “já que

as reuniões do conselho são importantes para o movimento estudantil”.

O DMAM está estruturando um outro canal – o UFRJ Ima-gem – que, através de uma pági-na na Internet, transmitirá víde-os institucionais, matérias que a mídia veiculou sobre a uni-versidade e eventos ocorridos nas unidades e departamentos, possibilitando uma ampliação

da articulação entre diversos instrumentos e dando maior visibilidade ao que é produzido na UFRJ.

Ivana Bentes, afirma que na universidade já existe uma grande mídia espontânea, mas o que ela precisa é trabalhar a comunicação institucio-nal, tanto externa quanto interna, na qual todos estejam envolvidos, tanto dirigentes quanto técni-cos-administrativos, professores e estudantes.Trata de pensar como a universidade quer ser vista pela comunidade externa, já que essa a tem como uma instituição de ensino de qualidade, mas que muitas vezes é incapaz de transmitir ou dar visibilidade à relevância do que ela produz. No entanto, Ivana lembra que, atualmente, a Comunicação tem sido pensada como algo estratégico para a universidade, sendo, inclusive, discutida no Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento Institucional (PDI), e que “em relação à TV Consuni pensamos nela como passa-gem para uma outra política de Comunicação que envolva mais a todos”, disse a diretora, completando que “a Comunicação é cada vez mais estratégica na democratização do saber”.

Instrumento de democratização

Juliana Rettich

Meio Ambiente

Joana Johara e Luciana Campos, do Olhar Virtual

Nos dias 11 e 12 de maio, a Casa da Ciência da UFRJ abrigou intensas dis-cussões sobre Meio Ambiente. Nesses dias, o local sediou o Seminário Con-flitos Ambientais no Estado do Rio de Janeiro – cartografia e análise, pesquisa resultante da associação entre o Projeto Brasil Sustentável e Democrático da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur/UFRJ), com apoio da Fundação Heirich Böll. O estudo reúne informações sobre 480 eventos, ocorridos em 68 municípios do estado do Rio de Janeiro, envolvendo população, empre-sas, poder público e meio ambiente, no período de 1992 a 2005.

Segundo o professor Henri Acselrad, do Ippur, um dos coordenadores da pes-quisa, o que há de substantivo na análise é o caráter público da informação, que an-tes ficava restrita aos arquivos de órgãos governamentais. Foi disponibilizada para a população levantamentos e pareceres técnicos acerca da complexa questão ambiental no estado. “O trabalho é muito mais o de criar uma amostra qualitativa do que produzir uma significação estatís-tica rigorosa. O objetivo era levantar uma amostra bastante diversificada desses conflitos”, afirmou o docente.

Ao final do estudo, elaborado a partir de informações cedidas por instituições governamentais, uma constatação im-portante: as esferas municipal, estadual e federal se mostraram extremamente fragilizadas e pouco democratizadas para lidar com os conflitos ambientais. Essa incapacidade das agências públicas para fazer com que sejam cumpridas as normas legais vigentes favorece a proli-feração destes embates.

Nos debates eleitorais em nível na-cional, os problemas ambientais ainda ocupam pouco espaço, ao contrário do que acontece com as administrações, que destinam uma parte significativa de suas agendas para essa questão. Exemplo disso foi a discussão, no ano passado, do projeto de transposição do Rio São Fran-cisco, o “velho Chico”. Na opinião de Henri, essa postura do governo brasileiro tem mais a ver com pressões internacio-nais – que cobram de governos locais políticas ambientais efetivas – do que um esforço para prestar contas à população ou para aportar soluções.

VítimasAs vítimas das agressões ambientais

são quase sempre moradores de perife-rias, pobres, trabalhadores de indústrias, de pedreiras etc. Os conflitos ambien-tais têm origens em diferentes fatores, o principal deles é a flexibilização da legislação ambiental brasileira. Isso por que, em nome da geração de empregos e do desenvolvimento econômico, são permitidos empreendimentos industriais poluentes ou que utilizam substâncias perigosas, se estabeleçam no país, segun-

Meio ambiente mapeadodo Henri Acselrad.

A temática ambiental, segundo Ac-selrad, tem sido apresentada de modo muito superficial. E isso, com o apoio da grande imprensa,que a trata como uma questão de luxo, de interesse exclusi-vamente de classes médias urbanas, e não como uma questão que envolve as condições de existência da maioria da população, destacou o professor.

Seminário Estiveram presentes ao seminário representantes das agências de controle e fiscalização ambientais públicas, pesqui-sadores e pessoas que tiveram suas vidas transformadas pela intervenção, maléfica, no meio ambiente onde vivem. Foi o caso de Maria Aparecida Silva Castro, presidente da Associação de moradores de Porto das Caixas, em Itaboraí, que descreveu as péssimas condições de vida dos moradores da Rua Acre, onde reside, após o vazamento de 60 mil litros de óleo diesel, em abril de 2005. “Morreram mais de 20 pessoas. Dentre elas, uma criança de três anos, com câncer no cérebro”, contou. Além de Maria Aparecida, outras pessoas relataram situações em que po-pulações de baixa renda foram atingidas por problemas ambientais sem terem tido, após o episódio, qualquer assistência por parte dos órgãos públicos. Cabe destacar tanto o interesse como o conhecimento que demonstraram sobre o meio ambiente. “Isso acontece porque antes estas pessoas não relacionavam a desigualdade social à desigualdade ambiental; entre baixo nível de renda e baixa condição ambiental de existência, pois o meio ambiente, até aquele momento, vinha sendo associado a uma questão de luxo, que diz respeito a futuras gerações ou às questões estéticas”,

lembrou Henri. Os 480 casos levantados mostram

uma tendência maior dos atores envolvi-dos em politizar a questão. Quando ende-reçam suas queixas ao Ministério Público ou a qualquer outro órgão ambiental do estado, percebem que essa é uma questão política. “A própria população acaba se politizando nesse processo de discussão, sugerindo propostas técnicas e alternati-

vas ao problema”, afirmou Henri. Foram enviados para os represen-

tantes do Poder Público – convidados para o seminário – a síntese das análises feitas. Com isso, se pretendeu que cada representante dessas instituições lesse e se pronunciasse a respeito, durante o seminário. Porém, não foi o que acon-teceu: “os representantes das agências públicas que compareceram ao seminário disseram apenas como funciona cada instituição. A interação com o material produzido ficou para uma outra ocasião”, lamentou Henri.

A importância da denúnciaA doutoranda Chélen Fischer de

Lemos, do Ippur, discutiu o papel da denúncia contra a agressão ao meio ambiente junto ao Ministério Público: “a denúncia tem, de um lado, o sentido de controle social, de vigilância e de controle do meio ambiente. O que pude observar no estudo de casos, foi o fato de como uma situação particular se torna coletiva, ou seja, a denúncia somente consegue ser aceita, e legitimada, na me-dida em que a construção do agravo passe a ser de caráter coletivo”. Mas, segundo a especialista, da denúncia ao espaço público, há uma série de dificuldades, isso, porque, apesar do reconhecimento do conflito, nem sempre há movimento

organizado. Os denunciantes, em geral, se con-

fundem com as vítimas. “O morador, da periferia urbana, a organização ou a as-sociação de moradores aparecem como o principal denunciante. O Ministério Pú-blico e os órgãos ambientais aparecem em seguida”, destacou Chélen Fischer. No caso dos denunciados, geralmente são identificados como empresas e mes-mo algumas instituições e indivíduos. “Há uma concentração na indústria, seja na mineração, na química, na de alimen-tos, na metalúrgica e na siderúrgica etc. O que me causou surpresa foi no setor de serviços, onde apareceram muitos casos de telefonia. Não é somente a indústria que polui e que causa danos ambientais e perda para as populações”, apontou a pesquisadora.

O Poder Público surge como um importante objeto de denúncias. Ele dá motivos em 129 casos como denuncia-do. Desse número, 95 correspondem à prefeituras. O poder que está mais próximo ao cidadão é também o que mais causa danos. E os órgãos que mais receberam denúncias foram o Ministério Público Estadual, o Federal e a Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente).

Burocracia como entrave para soluçõesJean Pierre Leroy, do Projeto Brasil

Sustentável e Democrático (BSD/Fase), aponta a burocracia para a demora na solução de problemas e como um dos grandes entraves: “a discussão começa com a seguinte questão: o meio am-biente é de quem? É de responsabili-dade federal, estadual ou municipal? Afirmo que não dá para dizer que o meio ambiente é de uma determinada competência. Claro que acontece de o envolvimento do órgão estadual, ou federal, trazer soluções, mas quando a posição de ação é desencontrada, isso gera um grande problema”.

Segundo Jean Pierre, os Termos de Ajuste de Conduta (TAC), que definem a concordância entre empresas e os órgãos públicos, por exemplo, muitas vezes são desrespeitados e, “se não há fiscalização do cumprimento do acordo, vai custar menos desrespeitar”.

Jean Pierre afirmou que o campo de estudo é amplo e convidou os professo-res e estudantes da UFRJ a se juntarem para fazer com que os mecanismos dos órgãos públicos sejam mais ágeis. Mes-mo que, em geral, haja uma agilidade em casos de emergência, como é o caso da Feema, o palestrante destacou os diversos empecilhos para impedir o contínuo dano ao meio ambiente: “faltam medidas para que a ação seja positiva, de dinheiro, carro, às vezes de funcionário qualificado, para conseguir passar por um caminho bloqueado, ou para dar um flagrante. O sucateamento dos órgãos aparece nitidamente. E adi-ciona-se a isso a burocracia, que para vítima se torna chocante, e a falta de informação suficiente da sociedade civil”.

da informaçãoRafaela Pereira

SiBI

Notas

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NacionalUniversidadeUniversidade

Rafaela Pereirailustração Anna Carolina Bayerfotos Marco Fernandes

Provando que a fama de hospitaleiro do povo brasileiro não é mera lenda, a UFRJ possui centenas de estudantes es-trangeiros em decorrência dos diversos convênios da universidade. Segundo a Pró-reitoria de Graduação (PR-1), mui-tos vêm de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe por meio de acordos existentes entre a UFRJ e países de Língua Portuguesa.

Atualmente os convênios - de Coo-peração Internacional – são promovidos a partir de instituições internacionais através das quais estudantes estrangei-ros vêm cursar, em geral, um ou dois semestres na UFRJ e podem levar os créditos aqui obtidos para a instituição de origem. Além desse, também há o Programa Estudante-Convênio (PEC), do

Ministério das Relações Exteriores, que possui modalidade tanto para gradua-ção como para pós-graduação. “Nossa proposta é trazer para a UFRJ as diver-sidades culturais, étnicas e lingüísticas. Isso é o que vai fazer a UFRJ se tornar uma universidade internacionalizada”, aponta Geraldo Nunes, responsável pelo Setor de Convênios e Relações Interna-cionais (SCRI), da Reitoria. Contudo, ele revela que ainda há falta de bolsas para os estudantes que chegam e inexiste um alojamento específi co.

Segundo Lays Bronstein Pássaro, da Coordenação de Intercâmbio da Facul-dade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFRJ, as disciplinas mais procuradas na unidade são as de Projeto de Arqui-tetura, Urbanização Alternativa (que

Sejam bem-vindos estrangeirosSair da terra natal para estudar ou lecionar em outro país, enfrentando diferenças culturais e, muitas vezes, a barreira do idioma: esses são alguns problemas que estudantes e professores estrangeiros

encontram quando aqui chegam

estuda as favelas e os assentamentos irregulares) e de Arquitetura Brasileira. “Essa troca gera interesse para os nossos alunos, inclusive comparativos. É buscar contextualizar a nossa própria escola em comparação as estrangeiras. É preciso que a universidade se abra para outros olhares e que os alunos questionem a sua própria formação e desenvolvam a curiosidade de conhecer outras cultu-ras”, analisa Lays.

António Jorge Souza, no 6º período da Faculdade de Direito, na UFRJ desde o segundo semestre de 2003, veio de Gui-né-Bissau para o Brasil através do convê-nio PEC-G (graduação). “A oportunidade de me inscrever veio da Embaixada do Brasil. Sempre quis estudar Direito e vir morar no Rio de Janeiro”, explica Antô-nio Jorge. Seus primeiros dias de aula ainda estão na memória. “Cheguei após o começo das aulas e professores e alu-nos fi caram curiosos com a realidade do meu país, ainda mais por eu ser o único estrangeiro do curso. Depois, os colegas fi zeram um cartaz de boas-vindas”, re-corda, animado, o aluno.

Satisfeito com os estudos, Antonio Jorge conta que a adaptação foi difícil devido ao sotaque e as diferenças de sen-tido de algumas palavras e expressões. “Fiquei um pouco perdido, mas, meus colegas de turma e os professores me ajudavam sempre. Apesar da diferença de realidades, a troca de experiências é muito valiosa e o intercâmbio de in-formações signifi ca muito para mim”, analisa o guineese.

E não é apenas a graduação que atrai estudantes estrangeiros. Fidel Pérez Flores veio do México para fazer mes-trado em Ciência Política no Instituto de Filosofi a e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ (IFCS) através do Programa de Estudantes-Convênio para pós-gradua-ção (PEC-PG). “Eu conhecia pouco da UFRJ, mas sabia que queria freqüentar um mestrado em Ciência Política e morar num grande país da América Latina que não fosse o meu. Quando me decidi pela cidade do Rio de Janeiro, encontrei na UFRJ a única universidade pública que oferecia o programa de pós-graduação que me interessava”, explica.

Pérez Flores revela, ainda, que esse intercâmbio contribui muito para a for-mação de profi ssionais, pesquisadores e agentes culturais que são fundamentais para manter a viabilidade e projetar aca-demicamente o país. “A experiência que a gente adquire conta muito. Se conside-rarmos que o meu objetivo é estudar os processos políticos latino-americanos em combinação com experiências de vida que, de alguma maneira, estão ligadas

a esse interesse, a minha passagem pela UFRJ tem sido fundamental. Para mim este é o momento da troca, momento no qual o que eu sou entra em contato com o que o Brasil e os brasileiros são numa troca de sensibilidades da qual eu tiro muitas coisas boas. A universidade, como ambiente e cenário privilegiado dessa adaptação, tem sido fundamental, pois ela me oferece os recursos acadêmi-cos que eu preciso e também as pessoas que me acompanham e apóiam nesta par-te da minha vida”, analisa o mexicano, para quem, o processo de adaptação não foi complicado, uma vez que a cultura de seu país apresenta grandes semelhanças com a cultura brasileira. Pérez Flores diz que está experimentando “um diá-logo muito empolgante com a cultura brasileira”.

Jorge Orlando Calvo, argentino, procu-rou a UFRJ para fazer seu doutorado em Zoologia no Museu Nacional. “A escolha recaiu na diferença em relação aos cur-sos do gênero na Argentina. E a relação entre os diferentes grupos acadêmicos é importante para melhorar os trabalhos, as pesquisas, as técnicas utilizadas etc”, destaca o aluno, que está no Brasil desde agosto de 2004 e faz sua tese se dividindo entre o Brasil e a Argentina.

Professores também vêm de foraA UFRJ não atrai apenas estudantes

estrangeiros. Muitos professores também a escolhem para exercer atividades do-centes e de pesquisa e elegem a cidade do Rio de Janeiro para viver. Miguel Monné é um desses. Professor do Departamen-to de Entomologia do Museu Nacional (MN), ele veio do Uruguai com a família para fazer doutorado na Universidade de São Paulo e, em 1976, foi trabalhar no MN a convite do diretor, concorrendo ao cargo de professor adjunto. “Desde 1991 me naturalizei brasileiro por opção. No início eu tinha difi culdades pela timidez e pelo sotaque, mas nunca no sentido de ser um estrangeiro. Pelo contrário, a rela-ção com os alunos e funcionários sempre foi muito boa”, conta Monné.

Roberto Segre, professor titular apo-sentado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), e atualmente profes-sor titular visitante no Programa de Pós-graduação em Urbanismo (Prourb) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), também veio de terras estran-geiras, mais precisamente de Milão, na Itália. “Estou no Brasil desde 1994. Era o chefe do Departamento de História da Arquitetura na Faculdade de Arquitetu-ra de Havana, em Cuba, e desde 1986, quando foram reiniciadas as relações diplomáticas entre Brasil e Cuba, fui um

dos primeiros professores daquele país que foram convidados a participar em eventos e congressos. Até que fui con-vidado, em 1994, para integrar a equipe de professores do Prourb”, recorda Se-gre. Segundo ele, não existe nenhuma diferença cultural significativa entre Brasil e Cuba, que resulte em mudanças na sua dinâmica como docente. “Acho que os be-nefícios foram mútuos, para a UFRJ e para mim, já que consegui contribuir com a minha experiên-cia, como professor e pesquisador, no desenvolvimento do Prourb e da FAU. Desde que cheguei no Brasil, tenho publicado, aqui e no exterior, mais de 10 livros so-bre a Arquitetura e o Urbanismo brasileiros, da América Latina e o Caribe. A permanência na UFRJ permitiu-me aprofundar o meu conhecimento sobre a Arquitetu-ra brasileira e carioca”, sublinha Roberto Segre.

Silvina Galizia é argentina e está no Brasil desde 1992. Profes-sora do Departamento de Política Social e Serviço Social Aplicado, da Escola de Serviço Social (ESS), ingressou na UFRJ como mestran-da em Serviço Social. Além das raízes profi ssionais, Silvina criou vínculos afetivos em terras brasi-leiras. “Casei com um brasileiro, irmão de uma amiga brasileira, e a decisão de fi car com ele infl uen-ciou, e muito, para que eu fi casse aqui após concluir meu doutora-do”, revela a professora. Para ela, a

escolha pela UFRJ foi porque “acredito e defendo, por princípio, o ensino público de qualidade. E a UFRJ é expressão disso. Sem contar que a Escola de Serviço So-cial é muito bem conceituada em nossa profi ssão”, explica Silvina Galizia.

Quem é seu conterrâneo, e está há 30 anos no Brasil, é Pablo Benetti, profes-sor da FAU e ex-diretor da faculdade. Ele veio para fazer mestrado em Planejamento Urbano e Regio-nal no Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano e Regional (Ippur). “Depois comecei a traba-lhar para o Sérgio Bernardes, que me fez acreditar que eu havia sido brasileiro desde sempre. Escolhi o Brasil pela sua diversidade, música e raiz africana. Além do que eu tinha familiares em São Paulo, para onde fui inicialmente, e colegas no Rio que me ajudaram muito”, relembra Benetti. Segundo ele, o intercâmbio de estudantes de graduação é fundamental. “Os alunos que aqui chegam trazem para as salas de aula novos questionamentos. E o in-tercâmbio de professores, que acontece mais na pós-graduação, é também muito salutar”, explica o professor.

Africanos e latinos têm uma chan-ce maior de estudar nas univer-sidades brasileiras. Desde abril o Ministério da Educação, em conjunto com o Ministério das Relações Exte-riores, começou a destinar bolsa de um Salário Mínimo para estudantes estrangeiros que fazem parte do Programa de Estudante-Convênio de Graduação (PEC-G), que existe des-de os anos 1970 no Brasil e é aberto apenas para africanos e latinos. Essa é a primeira vez que eles receberão uma ajuda fi nanceira para estudar no país.

Entre 2000 e 2006, o programa recebeu 2.886 estudantes da África e 838 vindos de países da América Latina.

Bolsa para alunos estrangeiros

O complemento fi nanceiro, que levou o nome de Programa Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promisaes), da Secretaria de Ensi-no Superior (SESu), Ministério da Educação - fomentar a cooperação técnico-científi ca e cultural entre os países com os quais o Brasil mantém acordos, em especial os africanos - é uma maneira de atrair mais interessados ao PEC-G. Neste ano, havia 1.886 vagas em universidades federais e particulares parceiras e somente 1.286 alunos estrangeiros se inscreveram.

A seleção é realizada por um gru-po de professores independentes e os candidatos se inscrevem nas respec-tivas embaixadas de seus países.

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na época, não houve muito alarde. Alguns dizem que a reação à lei boliviana representa, na verdade, uma defesa dos interesses e ganhos de acionistas privados estrangeiros, que deteriam 49% das ações da Petrobras. Você concorda?Luiz Pinguelli Rosa: De fato, a Petrobras tem mais de 50% de ações em bolsas, uma parte no Brasil e outra no exterior. E ela se comporta, de certo modo, como empresa privada, embora o controle seja do governo. Mas acho que a Petrobras tem tido uma orientação interessante. Voltou a fazer as plataformas basicamente no Brasil, incrementando as encomendas à indústria nacional. E, além disso, segurou o preço dos combustíveis. Quando houve a disparada do preço do petróleo, ela amorteceu o impacto para os consumidores. E também chegou à auto-suficiência. Agora, há o lado da empresa, o lado dos acionistas, que desejam lucro. A empresa é dual e temos que conviver com isso. Dos males o menor porque, pelo menos, a Petrobras vai bem e atua no país de modo a contribuir para o seu desenvolvimento. A construção do gasoduto, de fato, foi uma decisão de governo que a Petrobras teve que acatar. Na época, não era o melhor negócio. Mas isso são águas passadas. O gasoduto contribui para a integração sul-americana e acho que não devemos desenterrar cadáveres. O gasoduto foi feito e, hoje, tem um papel importante.

Jornal da UFRJ: A indústria paulista, de fato, é dependente do gás boliviano a tal ponto que se houvesse a interrupção do fornecimento ela correria o risco de parar?Luiz Pinguelli Rosa: A indústria paulista se adaptou ao gás porque foi feita uma oferta vantajosa de venda do combustível, particularmente para o setor de maior porte. O preço do gás ao consumidor final, às vezes, é muito caro. O consumidor residencial chega a pagar US$ 50,00 por milhão de BTU (British Thermal Unit – unidade internacional de medida do gás). E a Petrobras vende o gás por US$ 5,50 por milhão de BTU para distribuidoras como a Companhia Estadual de Gás do Rio de Janeiro (CEG) e a Companhia de Gás de São Paulo (Congás), que foram privatizadas. Já a indústria, não. Algumas grandes empresas pagam US$ 7,00 por milhão de BTU, embora outros segmentos industriais menores cheguem a pagar US$ 40,00. Portanto, a grande indústria, principalmente porque compra em grande quantidade, se valeu muito de um gás barato que lhe foi ofertado. E se tornou dependente dele, embora possa voltar ao óleo combustível. Mas acho que o gás é um bom combustível industrial e o que o governo tem que fazer é equacionar o seu fornecimento, não apenas do gás boliviano como também do gás brasileiro, através da expansão da sua produção.Jornal da UFRJ: O nó da questão, agora, deve ser a negociação do preço do gás boliviano. Se houver um aumento, há o risco de o gás se tornar pouco competitivo e a indústria buscar outras opções?Luiz Pinguelli Rosa: Eu não saberia dizer o valor mágico. O GNL deve estar chegando ao Brasil por cerca de US$ 7,00 por milhão de BTU, fora o investimento

com instalações para a regaseificação. Esse valor seria um teto. Não é lógico que o gás que vem da Bolívia atinja esse teto porque é contratado por gasoduto, em fornecimento contínuo, e tende a ser mais barato. Então, acho que o Brasil deve ter que acertar um preço com a Bolívia abaixo desse valor. Vamos fazer as contas. O preço hoje é de US$ 3,60 por milhão de BTU, mais cerca de US$ 1,70 com transporte. Então, o gás boliviano sai por cerca de US$ 5,30 para o Brasil. Se houver aumento de cerca de US$ 2,00 na Bolívia, ele vai ultrapassar o preço do GNL. O Brasil deveria, então, buscar um preço na negociação que fique abaixo desse patamar.

Jornal da UFRJ: Mas para a Bolívia o preço hoje é aviltante e a Petrobras afirma que ela já se encontra em uma faixa que, se ultrapassada, deixaria de ser vantajoso continuar comprando o gás boliviano. Isso pode gerar um impasse?Luiz Pinguelli Rosa: Não acredito. O gasoduto está pronto e as duas partes têm que se entender. Não se pode jogá-lo fora ou entortá-lo. É natural que o governo boliviano tente puxar o preço para cima, inspirado no preço do barril do petróleo, que está muito caro. Mas a Petrobras é bem competente para tratar do problema e essa briga tem que haver. Não podemos simplesmente pagar qualquer preço que o governo boliviano fixar. Isso não tem sentido porque também há o aspecto econômico nesse processo. Caso contrário, como você disse, a indústria vai buscar outro combustível e não comprar mais gás natural.

Jornal da UFRJ: Risco de déficit imediato de fornecimento de gás natural não há?Luiz Pinguelli Rosa: A não ser que haja necessidade, por questões hidrológicas, de utilizar todas as termelétricas. Elas existem para ficarem desligadas mesmo, dão segurança ao sistema. Mas se o nível dos reservatórios baixar e for preciso ligá-las, aí então haverá déficit. Não haverá gás para todas as usinas. Isso veio do governo Fernando Henrique e o governo Lula prefere fingir que não vê o problema. É um pacto do silêncio.

Jornal da UFRJ: Em caso de urgência, o governo deve lançar mão da importação de GNL?Luiz Pinguelli Rosa: Sim, o GNL talvez possa ser a solução porque o seu fornecimento é ininterruptível, vem por meio de navios. Agora, o que não tem sentido é fazer um gasoduto, que exige um alto investimento, e deixar ele parado.

Jornal da UFRJ: O GNL é alvo de preocupações por causa da segurança ambiental. Por quê?Luiz Pinguelli Rosa: É um gás comprimido 600 vezes e, por isso, um acidente qualquer pode provocar uma explosão muito forte. Nunca houve um acidente desse tipo no mundo, mas o risco é real. É bom que terminais de GNL fiquem distantes de regiões habitadas, preferivelmente mar adentro.

Jornal da UFRJ: O Brasil chegou à auto-suficiência na produção de petróleo, mas o cenário que se apresenta é o de

esgotamento do petróleo, em médio prazo. E isso já preocupa algumas potências cujas economias dependem enormemente desse insumo, como a dos Estados Unidos. Alguns especialistas afirmam que o Brasil reúne as condições para fazer uma revolução energética e inaugurar a civilização da biomassa. Esse é um caminho viável, de fato, para o Brasil?Luiz Pinguelli Rosa: O Brasil já usa o álcool e, agora, a Petrobras acaba de anunciar um programa para estimular o biodiesel. Mas essa saída, no fundo, é um mecanismo para escoar a produção excedente de soja no país, que é resultado de uma crise internacional. Da mesma forma, a crise no mercado mundial do açúcar foi preponderante para que o Brasil lançasse o programa nacional do álcool. Encontrou-se um destino para a cana fazendo álcool. Também não dizem que Dom Pedro I proclamou a Independência por problemas pessoais? Então, o que conta na história é o resultado e não a intenção. O biodiesel já é uma prova, e o álcool mais ainda, de que o Brasil tem alternativas nesta área.

Jornal da UFRJ: E as outras fontes, especialmente a hidroeletricidade, como entram nessa matriz energética que se desenha para o futuro?L u i z P i n g u e l l i R o s a : E s t a m o s abandonando a hidroeletricidade por razões ambientais e também porque interesses privados preferem a termoeletricidade para ganhar mais dinheiro. Acho ainda que o Brasil tem chance de usar outras fontes, como a eólica. Temos muitas alternativas energéticas, mas não vejo como nos libertarmos dos combustíveis fósseis, que ainda têm um papel muito grande no padrão atual de organização

da sociedade. Esse é o verdadeiro problema. Essa sociedade perdulária, de intensíssimo consumo energético e de materiais, de estímulo ao uso de automóveis, de grandes disparidades sociais, é que deve ser mudada. É um pouco ingênuo achar que o mundo vai mudar por uma alteração do padrão de geração de energia. É uma grande bobagem achar que a energia solar, por exemplo, vai salvar a humanidade. Claro, se houver uma decisão para usar mais a energia solar, ela está aí, mas custa caro. Vamos ter que pagar por isso. O mundo deve ser transformado por outras razões, incluindo também um padrão melhor de geração de energia.

Jornal da UFRJ: Não há solução tecnológica para o mundo?Luiz Pinguelli Rosa: Não. A solução para o mundo tem um caráter político, de soluções de problemas sociais. Sob esse ponto de vista, é muito mais grave o que o Brasil está assistindo com a crise urbana, a violência em São Paulo, uma insegurança que, no fundo, se origina de uma sociedade muito injusta, de muitas diferenças sociais e de acirrada competição. Então, não vejo uma revolução energética isolada. O que tem que acontecer é uma verdadeira revolução social e não se tem mais coragem de tocar nesse tema. Mas se isso não acontecer, caminhamos para uma guerra. A quantidade de conflitos em todo o mundo será insuportável. É claro que dificuldades com combustíveis fósseis estimulam no mundo todo, e no Brasil também, um esforço maior em busca de alternativas. Isso é correto e desejável. Apenas não acho que seremos um paraíso energético. Não é esse o grande problema. O grande problema é sermos um paraíso social.

Entrevista

Coryntho Baldezfotos Marco Fernandes

Luiz Pinguelli Rosa

A crise do gás Entrevista

que ninguém quer verHá um pacto de silêncio em torno de uma crise latente e de alto teor explosivo

relacionada ao uso do gás no país. É uma crise oculta, anterior ao episódio da

nacionalização das reservas naturais bolivianas, que pode eclodir caso o Brasil seja obrigado

a ligar as termelétricas para suprir a demanda por energia. O alerta é do coordenador do

Programa de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação

e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa. Ele adverte para o risco

– sempre possível – de o fornecimento hidrelétrico ser afetado pela falta de chuvas. “Não

haverá gás para ligar todas as termelétricas e o governo Lula prefere fingir que não vê o

problema”, afirma Pinguelli, ex-presidente da Eletrobrás e atual secretário-executivo do

Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia.

O físico também fala sobre a nacionalização dos campos de petróleo e gás da Bolívia e não

vê risco de impasse nas negociações para a definição de um novo preço do gás boliviano.

Embora considere correta a busca de energias alternativas, Pinguelli afirma também que

o programa recém-lançado pela Petrobras de estímulo ao uso de biodiesel representa, no

fundo, uma maneira de escoar as sobras da produção nacional de soja. Para ele, é ingênuo

pensar que uma revolução energética, baseada em matriz alternativa aos combustíveis

fósseis, possa salvar a humanidade.

Jornal da UFRJ: O senhor tem dito em palestras, embora isso não venha tendo grande repercussão, que há uma crise oculta do gás, anterior à nacionalização das reservas naturais bolivianas. Que crise é essa?Luiz Pinguelli Rosa: É uma crise especificamente do gás, mas que é também do setor elétrico. O Brasil não tem gás natural suficiente para todas as suas termelétricas. Há uma verdadeira e profunda crise relacionada ao déficit de gás que, de fato, é anterior ao episódio da Bolívia. Antes dele, já havia um Plano Emergencial da Petrobras de importação possível de Gás Natural Liquefeito (GNL) e também de introduzir um sistema bicombustível em usinas termelétricas da empresa a fim de que elas pudessem operar com óleo diesel no caso da falta de gás. Isso mostra que a crise já existia antes do problema com a nacionalização das reservas de petróleo e gás da Bolívia. O curioso é que tenho dito isso e a imprensa não toca nesse assunto. Ela bate sempre na tecla da crise com a Bolívia, mas não fala dessa crise oculta, que foi o resultado das privatizações mal feitas, levando à construção de termelétricas, mais lucrativas, e ao abandono da expansão do setor hidrelétrico.

Jornal da UFRJ: E a medida adotada pelo governo boliviano torna mais aguda essa crise?Luiz Pinguelli Rosa: Em relação a esse episódio é necessário separar duas questões. Uma delas diz respeito à Petrobras como empresa. A medida implica em risco para os ativos que a Petrobras comprou na Bolívia durante o processo de privatização da estatal petrolífera daquele país. Há um problema relativo à indenização e a Petrobras tem o direito de reivindicar o valor que considera justo. O investimento da Petrobras foi produtivo. Fez o gasoduto e implantou o sistema de produção de gás na Bolívia. Assim, o governo boliviano vai defender, de modo legítimo, os interesses do seu

país. A outra questão diz respeito ao suprimento do gás para o Brasil e o governo Lula, de forma correta, vem tratando desse tema separadamente. O Brasil e a Bolívia têm interesse em chegar a um acordo nessa área. Seria um nonsense completo, por exemplo, a Bolívia interromper o fornecimento de gás para o Brasil, já que essa atividade representa 18% do seu PIB.

Jornal da UFRJ: Houve forte reação de boa parte da mídia e de alguns setores políticos e empresariais à nacionalização dos campos de petróleo e gás da Bolívia, sob o argumento de que a medida fere os interesses do Brasil, especificamente da Petrobras, naquele país. Criticou-se, também, o governo Lula por uma suposta reação branda no episódio. O que vem motivando esse tipo de discurso?Luiz Pinguelli Rosa: Uma ideologia neoliberal muito intensa. Encara-se a nacionalização como um mau exemplo. Essa é uma questão de política interna da Bolívia e não podemos querer que o Brasil deixe de respeitar o princípio da autodeterminação dos povos. A atitude do governo Lula foi de flexibilidade, buscando o caminho da negociação. Houve momentos também de endurecimento desnecessário por parte do governo boliviano. Mas os setores que criticaram são aqueles ligados aos interesses do grande capital e que, de certo modo, torcem contra governos como o de Evo Morales. E há um jornalismo oficial da grande mídia que tem influência ideológica muito grande. Algo curioso é que, antigamente, os donos dos jornais eram reacionários, mas boa parte dos jovens repórteres era progressista. Hoje já não há mais essa diferença.Jornal da UFRJ: Na década de 1990, o custo da construção do gasoduto foi imposto à Petrobras, que também foi obrigada a comprar gás caro e vendê-lo barato. Contra esse prejuízo aos interesses nacionais,

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14 Maio•2006UFRJJornal da

Maio•2006 15UFRJJornal da

UniversidadeUniversidade

Rafaela Pereira

Revistas acadêmicas

Esforço na difusão científicaMelhorar a comunicação entre pesquisadores e disseminar a produção acadêmica, são as principais finalidades dos periódicos científicos publicados por diversos grupos da UFRJ. Contudo, a edição de revistas e publicações acadêmicas enfrentam, no Brasil, graves empecilhos

Na UFRJ são muitos os exemplos de revistas científicas e acadêmicas produzidas nos campi. Impressos ou virtuais, esses periódicos vêm cumprindo um papel relevante como veículo de comunicação de qualidade e muitos alcançam reconhecimento internacional.

Para Luiz Fernando Dias Duarte, editor da revista Mana – Estudos de Antropologia Social –, produzida pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional, essas publicações funcionam como peça fundamental do processo de conhecimento científico. “Organizar uma revista é participar mais ativamente desse processo em seu nível intermediário: o da divulgação e da circulação dos resultados”, explica o professor.

Soma-se a isso, segundo professora Victoria Brant, editora do Caderno CE – Caderno de Currículo e Ensino –, do Laboratório de Currículo e Ensino do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (Nutes), a importância da difusão nacional do que é produzido nas diversas unidades acadêmicas.

Para o leitor da revista Mana, Federico Neiburg, professor do PPGAS, do Museu Nacional, essas revistas são veículos preciosos para a produção e difusão do conhecimento. “A publicação de revistas dinâmicas e inovadoras tem uma função pedagógica muito importante, não apenas divulgando textos de ponta entre os estudantes, mas também, e talvez de forma ainda mais importante, refletindo o que está sendo feito numa determinada área do conhecimento, funcionando como estímulo para as novas gerações”, sublinha o professor.

Barreiras na produçãoA lista de dificuldades enfrentadas

pelas equipes editoriais das revistas, porém, é extensa. Recursos escassos, distribuição deficiente e falta de pessoal especializado podem ser colocados no

topo da lista. Para combater isso, é preciso ter “jogo de cintura” e a convicção de que o resultado compensa.

A revista Praia Vermelha – Estudos de Política e Teoria Social, produzida pelo Programa de Pós-Graduação de Serviço Social (PPGSS) da Escola de Serviço Social (ESS) é um exemplo. Com duas edições por ano e tiragem de 500 exemplares, a revista recebe recurso do Proap (Programa de Apoio à Pós-Graduação), da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), mas está com edições atrasadas. “Estamos terminando a segunda edição de 2005 e ainda nem começamos a desse ano. Infelizmente esse processo ainda é muito demorado e precário”, conta Myriam Lins de Barros, professora da ESS e editora da revista.

Myriam revela ainda ser a distribuição o maior problema da Praia Vermelha.

“A venda da revis ta paga

nossos gastos com o envio de

exemplares para a s bibliotecas de pós-g r a d u a ç ã o em Serviço Social”, explica a editora. Mesmo assim, segundo ela, a revista mantém a qualidade característica e conquistou o respeito de professores e estudantes da área.

N a r e v i s t a M a n a , q u e t e m periodicidade bianual e tiragem de mil exemplares, as dificuldades elencadas pelo editor, Luiz Fernando, vão do crescimento dos custos de produção e da diminuição dos recursos disponíveis, passando pela necessidade de mão-de-obra especializada de pesquisadores em todos os níveis, chegando à problemas de manutenção de assinaturas. “Isso sem falar da dificuldade de distribuição eficiente no território nacional, dado o desinteresse das maiores editoras comerciais e a desorganização do comércio livreiro em geral. E, também, a obtenção dos recursos. Hoje uma parcela da verba vem através do Edital

MCT/CNPq anual e a outra é deslocada de outros projetos de pesquisa ou de apoio institucional. Contudo, a situação é particularmente grave porque o sistema CNPq vem disponibilizando recursos cada vez menores para a manutenção das revistas”, analisa o editor de Mana.

Segundo Victoria Brant, do Caderno CE, com tiragem de cerca de 200 exemplares semestralmente, a s b a r r e i r a s e n c o n t r a d a s são as mesmas. “As publicações i m p r e s s a s s ã o c a r a s , exigem equipe especia l izada, o t r a b a l h o d e c a p t a ç ã o d e m a t é r i a s , a v a l i a ç ã o e d i a g r a m a ç ã o implica dedicação quase exclusiva e a distribuição onera muito o orçamento. Outra dificuldade diz respeito à falta d e v o n t a d e , s o b r e t u d o política, de algumas unidades para assumir uma publicação e mantê-la viva”, aponta a editora, afirmando, ainda, que os três primeiros números do Caderno CE “foram produtos de um ideal. Do número três ao número cinco tivemos financiamento da Finep. O número seis, com tiragem de apenas vinte exemplares, foi uma tentativa doméstica de manter a periodicidade. Em 2005 tivemos, como

afirmei, nosso projeto de retomada do Caderno aprovado pela Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB) e os próximos números serão disponibilizados eletronicamente e poderão ser adquiridos, por encomenda, diretamente à Editora BookLink, responsável pelo produto final”, explica Brant.

Apesar de ter conseguido a classificação máxima do Qualis/Capes (Sistema de Classificação de Periódicos, Anais, Jornais e Revistas) – nível A Internacional – a revista Topoi, produzida pelo P r o g r a m a d e Pós -g raduação e m H i s t ó r i a Social (PPGHIS), do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), também encontra d i f i c u l d a d e s para a obtenção d e r e c u r s o s . Criada em 2000, hoje ela circula semestralmente

com uma tiragem de mil exemplares, todos produzidos em uma editora comercial, que se incumbe das etapas de produção (desde o projeto gráfico até a editoração). “É muito difícil conseguir recursos para projetos como esse. Atualmente, afora os recursos do próprio PPGHIS, apenas o CNPq apóia esse tipo de iniciativa em fluxo contínuo”, destaca o editor, professor Manolo Florentino, do

PPGHIS.Quem faz coro

c o m M a n o l o Florentino é o professor Hélder Queiroz Pinto Júnior, edi tor d a R e v i s t a d e E c o n o m i a Contemporânea, p r o d u z i d a pelo Inst i tuto de Economia e criada em 1997. A revista, uma p u b l i c a ç ã o quadrimestral e com tiragem de mil exemplares, possui , nesse

ultimo ano, recursos oriundos da FUJB. “Passamos por uma época em que não recebíamos recursos da Fundação, mas o Instituto de Economia fez um esforço enorme para manter os recursos necessários”, recorda o professor.

Na Academia, estudantes têm espaçoCom um importante diferencial, a

revista Academia, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), abre espaço para os alunos exponham seus trabalhos práticos e suas idéias. Além disso, há também o incentivo para que estudantes e professores divulguem, de forma sistemática, o que fazem em sala de aula, dando visibilidade dos resultados do investimento público em Ensino Superior de qualidade. Com uma periodicidade anual e tiragem de 500 exemplares, segundo a professora Vera Tângara, editora da revista, ela recebe financiamento de diversas fontes, tais como da Reitoria da UFRJ e de empresas privadas, como a General Electric – “que

financiou os números quatro, cinco e seis – já os recursos obtidos junto à FUJB, financiaram as edições sete7 e oito”, enumera a editora.

Internet como soluçãoFrente aos inúmeros obstáculos, a

Internet foi uma solução encontrada por alguns grupos. O mundo virtual se tornou um terreno fértil para as revistas acadêmicas.

A revista Matéria (www.materia.c o p p e . u f r j . b r ) é um bom exemplo. Editada pela Rede Latino-Americana de Materiais, foi criada em 1996 no Brasil e é considerada a p r ime i ra r ev i s t a científ ica virtual d e d i c a d a a o desenvolvimento científico da área d e m a t e r i a i s , englobando a Física, a Q u í m i c a e a Engenharia de Novos Materiais e Materiais C o n v e n c i o n a i s . “ A p o s t a m o s n a I n t e r n e t p r i m e i r a m e n t e como uma opção tão abrangente quanto a rede se mostra atualmente. Depois pela cultura da divulgação especializada de ciência

gratuitamente e pela questão do custo”, explica Paulo Emílio Valadão de Miranda, editor da revista e professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe).

Outra revista que já está na rede é a Arquivos Brasileiros de Psicologia (www.psicologia.ufrj.br/abp), produzida pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, do Instituto de Psicologia. “Ela é a mais antiga publicação brasileira de Psicologia. Foi criada em 1949 por Emilio Mira Y López, fundador do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (Isop). Nosso objetivo foi sempre o de acolher e difundir a diversidade das produções científicas e profissionais da Psicologia e áreas afins sejam elas teóricas, metodológicas ou empíricas”, explica, em nota à última edição, o comitê editorial que é formado pelos professores Ângela Arruda, Francisco Portugal e Hebe

Signorini Gonçalves. Segundo eles, mesmo estando no mundo virtual, a maior dificuldade continua sendo a de manter os canais de financiamento. “Estamos investindo bastante na reestruturação da revista de modo a retomar os canais de financiamento como o da Capes e do CNPq. E, nesse esforço, temos encontrado a colaboração da UFRJ, através da Reitoria, da FUJB e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ”, explicam os

editores.As revistas Topoi

(www.ifcs .ufr j .br/~ppghis/topoi.htm), Mana (http://ppgasmuseu.etc.br/mana.html) e Praia Vermelha ( h t t p : / / w w w .e s s . u f r j . b r /publicacoes.htm) t a m b é m e s t ã o na grande rede. Além da versão impressa, Topoi e Mana possuem versões eletrônica em língua inglesa, v i n c u l a d a s a B i b l i o t e c a Dig i ta l Scie lo . Já a publicação

Cadernos CE, do Nutes, segundo Victoria Brant, terá as suas edições disponíveis na Internet a partir dos próximas edições.

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16 Maio•2006UFRJJornal da

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UniversidadeUniversidadeAula Magna Universidade

As duas reuniões seguiram o mesmo roteiro básico: o reitor, professor Aloí-sio Teixeira, iniciou as discussões com a apresentação do PDI e explicou cada um dos itens da proposta. Logo depois, os presentes tiveram espaço para suge-rir mudanças no texto do documento. O reitor anotou todos os comentários e respondeu às questões mais polêmicas.

Aloísio Teixeira salientou o caráter inovador do PDI da UFRJ. De acordo com o professor, a proposta segue um certo padrão, mas busca introduzir ele-mentos novos para as práticas de pla-nejamento universitário que se observa nos PDI de outras Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes). “Não nos in-teressa elaborar um PDI burocrático. Boa parte dos planos são meras discussões formais. Nós queremos mais”, enfatiza o reitor.

Integração como metaO tema central dos debates foi a

fragmentação. A discussão em torno da necessidade de superar a estrutura de-partamental e alcançar maior integração entre as unidades universitárias serviu de ponto básico para os encontros. O assunto dividiu opiniões. A Reitoria fez questão de destacar o caráter fragmentá-rio histórico da UFRJ e ressaltou os as-pectos negativos dessa realidade. Alguns professores concordaram. Outros não.

Entre os dissonantes, está Roberto Faria,

professor do IQ. O pesquisador ela-

Discutindo o desenvolvimento da UFRJO compromisso assumido pela Reitoria de se reunir com as

congregações de unidades da UFRJ para discutir o Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento Institucional (PDI) começou a ser cumprido.

No dia nove de maio, o Instituto de Química (IQ) recebeu o reitor e outros membros da Administração Central. No dia 16, foi a vez do

Instituto de Geociências (Igeo) sediar o encontro. Por cerca de três horas, vários pontos do plano foram debatidos com a direção e com

os professores dos institutos

Aline Durães, do Olhar Virtual borou um documento com sugestões próprias para a versão fi nal do PDI, onde faz críticas ao que chama de “escravidão científi ca”. Segundo Faria, professores renomados usam a estrutura da univer-sidade para arregimentar docentes me-nos conhecidos, o que impede a abertura de novas linhas de pesquisa.

Faria defende os departamentos por acreditar que eles freiam esse processo. Por ser democrática – afi rma ele – a es-trutura departamental dá voz tanto aos professores experientes como aos nova-tos. “Da forma como está sendo proposto, o PDI vai fortalecer os pesquisadores de prestígio. Cada docente vai ser um departamento e não haverá regras ou democracia. O mais poderoso vai deci-dir e outros vão obedecer. A integração pode acontecer mesmo com os depar-tamentos”, enfatiza o professor, para quem, a decisão sobre o fi m da estrutura departamental deveria ser sujeita a um plebiscito.

O reitor Aloísio Teixeira, no entanto, entende ser o departa-mento um conceito problemático por compartimentalizar em de-masia áreas de saber e atravancar a interdisciplinaridade. “Estou convencido de que a cultura da frag-mentação deve ser combatida. O mo-delo departamen-tal esgotou suas potencialidades. Não se trata ape-nas de destruir o departamento, mas sim de pensar uma

estrutura melhor para substituí-lo”, ex-plica o reitor.

A decana do Centro de Ciências Ma-temáticas e da Natureza (CCMN), Ân-gela Rocha dos Santos, esteve presente nas duas reuniões e, assim como vários docentes, tem a opinião parecida com a do reitor. Para ela, a estrutura depar-tamental representa um entrave ao de-senvolvimento da UFRJ. “A divisão em departamentos não apenas provoca como também estimula a duplicação de esfor-ços em muitas áreas. A meta do PDI de superar essa forma de gestão acadêmica é urgente”, afi rma a decana.

Preocupação ambientalO Igeo e o IQ são institutos do CCMN

e, em vista disso, a preocupação com o destino dos resíduos pela universidade é mais aguda. Vários professores defendem a criação de uma política de tratamento que possa administrar adequadamente

o destino dos rejeitos produzidos pela UFRJ.

O Departamento de Meteoro-logia do Igeo discutiu o PDI e foi representado, no encontro, pela professora Ângela Pineschi. Ânge-la questionou o impacto ambiental das obras realizadas na Ilha do

Fundão e afi rmou que a uni-versidade é uma vilã quando o assunto é a poluição da Baía de Guanabara, pois grande parte dos detritos gerados nas dependên-cias da instituição é lançada nos rios e espelho d’água

da área.

Luiz Maia, coordenador do Labo-ratório de Estudos em Poluição do Ar (Lepa) desde sua criação, em 28/10/86, não pôde comparecer ao evento, mas foi o responsável pelas indagações do Departamento de Meteorologia. O pro-fessor liderou a Comissão de Gerência Ambiental da UFRJ, órgão que, durante o mandato de Nelson Maculan como reitor (1990–1994), identifi cou e propôs soluções para os problemas ambientais do Campus da Ilha do Fundão.

À época, Maia verifi cou muitas ir-regularidades na universidade. O lixo queimado ao ar livre, os resíduos hospi-talares, os efl uentes lançados diretamen-te na Baía de Guanabara pela lavanderia e garagem, os laboratórios que lançavam metais pesados e material radioativo em bicas comuns e a degradação dos man-guezais foram algumas das anomalias ambientais identificadas. “O quadro parece não ter se alterado muito. O cam-pus universitário do Fundão tem sofrido uma maior ocupação; ampliou suas ati-vidades; houve um aumento no número de laboratórios; e instituições, como o Cenpes (Petrobras), estão crescendo. É uma dúvida muito grande saber para onde todos os resíduos e efl uentes estão indo”, disse, preocupado o professor.

O PDI surge, na opinião de Luiz Maia, como uma oportunidade de resgatar, de forma organizada, a discussão acerca dos impactos ambientais provocados pela UFRJ e de criar um efetivo plano

de gestão. “Não adianta lutar indivi-dualmente. Um projeto ambiental institucionalizado teria maior

capacidade de ação. Eu sei que existem outras prioridades, mas sem vontade política o processo fi ca ainda mais difí-cil”, assegura o pesquisador.

A Administração Central da UFRJ está ciente da urgência das melhorias no setor e considera a possibilidade de estudar os locais onde são lançados os detritos. O reitor assegurou a existência de pro-jetos de reorganização e de preservação do espaço dos campi universitários e salientou que essa não é uma questão importante apenas para a universidade, mas também para todo o estado do Rio de Janeiro.

Aumento no número de cursos e de estu-dantes

O PDI apresenta em uma de suas me-tas mais ousadas o aumento do número de cursos oferecidos pela UFRJ e a dupli-cação do quantitativo de estudantes no prazo de cinco anos da vigência do pla-no. O Igeo já mostrou a intenção de abrir cursos nas áreas de Oceanografi a Física, Turismo e Biofísica. Josefa de Moura, diretora do instituto, garante que os de-partamentos têm potencial para realizar as criações, atendendo à demanda de mercado existente para essas carreiras.

A polêmica atraiu a atenção dos pro-fessores, receosos das conseqüências que esse progresso poderia trazer ao ensino universitário. Apesar de serem favoráveis às mudanças, muitos docentes apontam a falta de estrutura física para acolher os novos cursos e alunos e a carência de professores e recursos para a realização do trabalho de campo como os principais entraves à efetivação das transforma-ções. “A expansão implica mais meios pecuniários. Além disso, não teríamos como colocar tantos estudantes em sala de aula”, ressalta Paulo Menezes, chefe do Departamento de Geografi a.

João Graciano, professor de Geolo-gia, teme que o acréscimo no número de estudantes comprometa o ensino no departamento, famoso pelo bom índice de aprovação em avaliações externas. Se-gundo ele, algumas turmas precisam ser subdivididas em quatro grupos nas aulas práticas, o que denuncia o despreparo do curso para receber novos discentes. “Apesar de todas as difi culdades, temos uma boa graduação e, por isso, nossa preocupação é manter a qualidade de ensino”, alerta Graciano.

Aloísio Teixeira ressaltou, porém, que

a expansão e a qualidade de ensino não são incompatíveis. O reitor tranqüilizou os docentes ao assegurar que a expansão será devidamente planejada e que nem todas as unidades terão a quantidade de alunos dobrada. “Essa meta é ambiciosa, mas temos o dever de sermos ousados. A UFRJ precisa pensar um novo modelo de ensino público para o país”, destacou o reitor.

Ainda em relação ao ensino univer-sitário, Aloísio manifestou o desejo de investir em uma variedade maior de pro-gramas de pós-graduação. Esse seria um passo fundamental para o cumprimento da meta do PDI que pretende fazer da UFRJ a melhor universidade brasileira: “queremos mais programas de pós-gra-duação com nível seis ou sete na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do Ministé-rio da Educação). Alcançar os postos hoje ocupados pela pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP) e da Unicamp (Universidade de Campinas) é hoje a nossa meta”.

Extensão UniversitáriaDurante muito tempo, a Extensão

Universitária fi gurou em segundo plano nas prioridades da UFRJ. Nos últimos anos, os projetos ganharam mais incen-tivos e, hoje, cerca de 500 bolsas são concedidas aos estudantes que se dedi-cam a essas atividades. A fl exibilização curricular, prevista no Plano Nacional

Calendário das próximas reuniões:

Os interessados em participar dos debates não precisam esperar pelo encontro com o reitor. No endereço www.ufrj.br/pdi, existe link para o fórum de discussão da proposta. Ali, professores, alunos e funcionários podem enviar comentários e suges-tões para o plano.

Estudantes, Técnicos-administra-tivos e professores que desejarem obter mais cópias da versão impressa da proposta de PDI podem entrar em contato com a Divisão de Relações Públicas, da Coordenadoria de Co-municação da UFRJ, através do e-mail [email protected] ou pelo telefone 2598-1622.

Página na Internet

o reitor.

Integração como metaO tema central dos debates foi a

fragmentação. A discussão em torno da necessidade de superar a estrutura de-partamental e alcançar maior integração entre as unidades universitárias serviu de ponto básico para os encontros. O assunto dividiu opiniões. A Reitoria fez questão de destacar o caráter fragmentá-rio histórico da UFRJ e ressaltou os as-pectos negativos dessa realidade. Alguns professores concordaram. Outros não.

Entre os dissonantes, está Roberto Faria,

professor do IQ. O pesquisador ela-

plebiscito.O reitor Aloísio Teixeira, no

entanto, entende ser o departa-mento um conceito problemático por compartimentalizar em de-masia áreas de saber e atravancar a interdisciplinaridade. “Estou convencido de que a cultura da frag-mentação deve ser combatida. O mo-delo departamen-tal esgotou suas potencialidades. Não se trata ape-nas de destruir o departamento, mas sim de pensar uma

o destino dos rejeitos produzidos pela UFRJ.

O Departamento de Meteoro-logia do Igeo discutiu o PDI e foi representado, no encontro, pela professora Ângela Pineschi. Ânge-la questionou o impacto ambiental das obras realizadas na Ilha do

Fundão e afi rmou que a uni-versidade é uma vilã quando o assunto é a poluição da Baía de Guanabara, pois grande parte dos detritos gerados nas dependên-cias da instituição é lançada nos rios e espelho d’água

da área.

pus universitário do Fundão tem sofrido uma maior ocupação; ampliou suas ati-vidades; houve um aumento no número de laboratórios; e instituições, como o Cenpes (Petrobras), estão crescendo. É uma dúvida muito grande saber para onde todos os resíduos e efl uentes estão indo”, disse, preocupado o professor.

O PDI surge, na opinião de Luiz Maia, como uma oportunidade de resgatar, de forma organizada, a discussão acerca dos impactos ambientais provocados pela UFRJ e de criar um efetivo plano

de gestão. “Não adianta lutar indivi-dualmente. Um projeto ambiental institucionalizado teria maior

de Educação (Lei 10.172/2001), exige que uma porcentagem da carga horária do currículo de graduação de alguns cursos seja utilizada em trabalhos de Extensão.

Em função disso, o fortalecimento da relação entre Ensino, Pesquisa e Extensão se tornou fundamental. A diretora do IQ, Cássia Turci, acredita ser possível essa articulação, mas afi rma: para que ela seja levada adiante é necessária uma maior participação dos professores e dos técnicos-administrativos, além da efetiva colaboração entre as pró-reitorias de Gra-duação (PR-1) e de Extensão (PR-5).

Laura Tavares, pró-reitora de Exten-são, tem consciência dessa necessidade enfatizando, na reunião do último dia 16, o desejo de criar um colegiado único para gerir as diferentes atividades dessa área na UFRJ. “Entendemos que a Extensão é parte do processo de formação do estu-dante, por isso investimos na integração. Essa é uma forma de começar a construir o futuro”, arrematou Laura.

Balanço das reuniõesA discussão do PDI é um momento

ímpar na história da UFRJ, não apenas porque possibilita traçar as diretrizes que guiarão as decisões da instituição nos próximos cinco anos, mas também pelo caráter democrático do planejamento. A comunidade universitária pode se mani-festar e contribuir para a construção de uma universidade melhor.

As duas reuniões já realizadas tradu-zem bem isso. A Reitoria interagiu com o corpo docente da universidade, ouvindo

sugestões e reivindicações, e buscou conscientizar os professores e demais se-tores da comunidade universitária acerca da importância das mudanças a serem implementadas com o plano. “Devemos pensar na UFRJ que queremos ter nos próximos dez ou quinze anos”, disse o reitor Aloísio Teixeira. As direções do IQ e do Igeo se comprometeram a fomentar o debate em torno do PDI em seus insti-tutos, mesmo após as reuniões.

Novos encontros estão previstos em outras unidades para os meses de ju-nho, julho e agosto. A reitoria pretende também se reunir com estudantes e téc-nicos-administrativos para debater as metas do PDI.

06/06 – Coppe09/06 – Instituto de Microbiologia (IMPPG)12/06 – Escola de Educação Física e Desportos (EEFD)14/06 – Instituto de Psicologia (IPUB)28/06 – Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN)29/06 – Faculdade de Medicina (FM)30/06 – Centro de Ciências Jurídi-cas e Econômicas (CCJE)03/07 – Centro de Filosofi a e Ciên-cias Humanas (CFCH)06/07 – Instituto de Economia (IE)

10/07 – Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN)11/07 – Faculdade de Educação (FE)12/07 – Instituto de Biofísica (IBC-CF)24/07 – Núcleo de Tecnologia Edu-cacional para a Saúde (Nutes)26/07 – Escola de Belas Artes (EBA)27/07 – Escola de Serviço Social (ESS)28/07 – Escola de Química (EQ)17/08 – Faculdade de Odontologia (FO)22/08 – Instituto de Física (IF)

fotos Juliano Pires

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Saúde

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Saúde

A arte de saber envelhecerEspecialistas explicam porque é tão difícil envelhecer e quais as medidas a serem adotadas para uma terceira

idade com boa qualidade de vida

Taísa Gambôa, da Agência de Notícias da UFRJilustração Patrícia Perez, baseada em foto de Manuel Gonçalves

Inutilidade, solidão, doença, incapa-cidade e infelicidade. Esses são apenas alguns dos termos comumente associa-dos ao envelhecimento. A aposentadoria, o afastamento dos fi lhos e a debilidade do organismo são fatores que agravam a situação de um número cada vez maior de brasileiros. Mas afi nal, envelhecer é um problema?

Por defi nição e consenso estabeleci-do pelos especialistas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e geriatras brasileiros, uma pessoa é considerada idosa a partir dos 60 anos. Mas esse é um dado arbitrário e varia em alguns países, para 65 anos. Segundo pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), no Brasil, o número de indivíduos com mais de 60 anos já aumentou 29 vezes desde 1940. A fai-xa-etária compreendida entre os 60 e os 69 anos, concentra 56,3% desse grupo. Entre as capitais, Rio de Janeiro e Por-to Alegre se destacam com as maiores proporções de idosos, representando, respectivamente, 12,8% e 11,8% da

população total nesses municípios. Em contrapartida, as capitais do Norte do país, Boa Vista e Palmas apresentaram uma proporção de idosos de apenas 3,8% e 2,7%.

O crescimento da população de ido-sos, em números absolutos e relativos, é um fenômeno mundial e está ocorrendo a taxas sem precedentes. Em 1950, eram cerca de 204 milhões de idosos no mun-do e, já em 1998, quase cinco décadas depois, este contingente alcançava 579 milhões de pessoas, um crescimento de quase oito milhões de pessoas idosas por ano.

As projeções indicam que, em 2050, a população idosa será da ordem de 1,9 milhão de pessoas, montante equivalen-te à população infantil de 0 a 14 anos de idade. Uma das explicações para esse fenômeno é o aumento, verifi cado desde 1950, de 19 anos na esperança de vida ao nascer. Os números mostram que, atu-almente, uma em cada dez pessoas tem 60 anos de idade ou mais e, para 2050, estima-se que a relação será de uma para

cinco em todo o mundo, e de uma para três nos países desenvolvidos.

Ainda de acordo com as pesquisas do IBGE, o número de pessoas com 100 anos de idade ou mais aumentará 15 vezes, passando de 145.000 pessoas em 1999 para 2,2 milhões em 2050.

De acordo com Carlos Paixão, médico geriatra do Hospital Universitário Cle-mentino Fraga Filho (HUCFF) da UFRJ, “saber envelhecer é a solução para viver mais. A pessoa que envelhece bem ao longo dos anos, considerando todos os aspectos naturais inerentes ao processo, aumenta as suas chances de viver du-rante mais tempo”. Para ele, o problema maior é viver. Principalmente quando se vive no Brasil.

A questão dos idosos se insere na situação geral do país. A desatenção e o desrespeito à organização social atingem principalmente os setores mais frágeis, onde se encontram os idosos. Essa pro-blemática se refl ete na forma como os idosos são encarados e auxiliados pela sociedade. “Antes de ajudar aos outros,

a sociedade precisa se corrigir. Tudo pode começar pelo cumprimento das leis. Entre 1999 e 2002, inúmeras leis foram criadas especifi camente para os idosos, mas boa parte delas não é cum-prida”, destaca o geriatra. Envelhecimento e infelicidade

Além disso, a base social e familiar na qual o idoso está inserido deve ser fortalecida. Pela própria fragilidade natural do organismo, o risco de ser aco-metido por doenças aumenta com a ida-de. Sem o respaldo adequado, pode-se vir a sofrer fortes abalos emocionais. “É comum ouvirmos a associação entre o envelhecimento e a infelicidade, mas a questão é que muitas doenças típicas da terceira idade comprometem o humor”, afi rma o geriatra. Doenças crônicas, em geral as neurológicas, o diabetes, as reumatológicas e até o uso de algumas medicações favorecem esse quadro. Muitas dessas doenças são fatores de risco para os casos de depressão.

De acordo com Carlos Paixão, a infe-

licidade pode até ser estudada como um desencadeador de problemas de saúde ao longo prazo, mas a questão funda-mental é outra. É preciso distinguir tristeza de depressão. A infelicidade é decorrente de um fato triste que ocorreu na vida de uma pessoa, mas que não a impede de viver normalmente. Por outro lado, a depressão é uma doença que con-fere riscos à vida. “O que muitas vezes as pessoas chamam de infelicidade, é a depressão mal diagnosticada ou mal tratada”, detalha o especialista.

É por isso que o médico não deve trabalhar sozinho, especifi camente com os pacientes idosos. Seu valor na orien-tação médica relacionada às questões de diagnósticos, tratamentos, prevenção de doenças e manutenção de saúde é inquestionável. Mas a pessoa idosa tem distúrbios que ultrapassam a dimensão biomédica. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os problemas que afetam a terceira idade alcançam também as esferas social, psicológica e nutricional.

Um médico pode ajudar muito, mas certamente uma equipe multidisci-plinar será mais efi caz. Em conjunto, os profissionais poderão contribuir para organizar melhor a vida, e even-tualmente tratar e acompanhar aquele paciente e sua família de forma muito mais efi ciente. Além disso, a faixa-etária idosa demanda certa especialização dos profi ssionais. “Esses pacientes são os adultos mais experientes de uma socie-dade. Sua carga de vida e de história é tão grande, que não permitem que um profi ssional pouco especializado e pou-co experiente atue com eles”, analisa Carlos Paixão.

Iguais desiguaisSegundo Paixão, outro fator que

deve ser destacado é que os idosos não são todos iguais. Os mais jovens, até 75 anos, têm, por exemplo, um perfi l dife-rente. Até porque, quanto maior a idade, maior a suscetibilidade aos problemas de saúde. Contudo, se a pessoa tem um suporte social adequado, uma família bem estruturada e uma rede de amigos, sua capacidade de superar as limitações será bem maior do que em comparação com quem vive sozinho.

Há, entretanto, um outro fator impor-tante para um envelhecimento saudável: o trabalho. A desigualdade de renda é uma característica marcante de toda a sociedade brasileira e é encontrada, também, entre os idosos. Segundo a PNAD/2001 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, 41,4% dos idosos brasileiros estão em famílias com renda per capita inferior a um sa-lário mínimo. Essa proporção é ainda maior na Região Nordeste (63,3%). É por isso que muitos idosos se vêem obrigados a trabalhar para sobreviver, excedendo muitas vezes os limites da própria saúde.

Mas quando o trabalho é realizado por prazer, o indivíduo tem a possibili-dade de entrar em contato com muitas pessoas e consegue, assim, estabelecer uma sólida rede de relacionamentos. Dessa forma, ele se sente integrante de um grupo e esse o auxilia caso sofra algum percalço sócio-emocional. Além disso, trabalhando, a pessoa permanece ativa e isto favorece a atividade cerebral

Taísa Gambôa, da Agência de Notícias da UFRJilustração Patrícia Perez, baseada em foto de Manuel

e o desenvolvimento do organismo como um todo, o que facilita um enve-lhecimento saudável.

Envelhecer aprendendoTânia Guerreiro é professora da

Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que foi criada em 1993, consti-tuindo-se como um progra-ma vinculado ao Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ). De acordo com a professora, a sociedade ocidental cria pessoas para o mercado de trabalho. A clássica pergunta “o que você vai ser quando crescer?”, dá conta de que, desde criança, o indivíduo confunde seu valor social com o fato de estar traba-lhando ou não, e, quando se aposenta, sofre por se sentir inútil.

Esse processo é mais fa-cilmente visível entre os ho-mens. Suas relações sociais provêm do emprego e ao se aposentarem fi cam sem su-porte social para superar o rompimento com o ritmo de vida anterior. Resistentes a se lançarem a um novo desafi o, os homens se aposentam para a vida.

Ao contrário, a mulher, que foi re-primida no passado, conseguiu alcan-çar postos de trabalho mais fl exíveis. Dessa forma, ela consegue com mais facilidade manter outras atividades conjuntas com o emprego e encarar com mais naturalidade questões como a aposentadoria. “É preciso preparar as pessoas para assumirem novos papéis. E é fundamental que o ser humano tenha outras atividades sociais, profi ssionais e de lazer, que não sejam atreladas ao em-prego. Quanto mais laços emocionais o indivíduo tiver, mais respaldo ele terá para superar a perda de outros vínculos”, afi rma Tânia Guerreiro.

Segundo a professora, tende-se a associar a posição que se ocupa no mercado de trabalho com a felicidade, mas esse é um caminho cons-truído ao longo de sua trajetória. Obviamente, quem tem mais condições fi nanceiras, tem mais chances de se cui-dar, não apenas na velhice, mas durante toda a vida. Além disso, sem a pressão social, a pessoa consegue viver melhor e desfrutar de um envelhecimento mais tranqüilo.

A partir das suas experiências, Tânia Guerreiro percebeu também que a ma-nutenção da situação de aprendizado durante toda a vida é fundamental para um envelhecimento saudável. Apren-der é um elemento essencial para o desenvolvimento do cérebro e deve ser uma atividade constante: “o indivíduo começa a envelhecer, no sentido nega-tivo da palavra, quando pára de crescer intelectualmente”.

Além disso, tendemos a reproduzir os modelos com os quais convivemos. Nas sociedades onde o indivíduo se expressa melhor e se exprime mais, seus idosos são percebidos como cidadãos úteis no

meio onde vivem. “O ser humano neces-sita ser ouvido em relação à sua própria história. E é importante que a sociedade ofereça aos idosos uma abordagem es-pecializada, criando oportunidades para ligá-lo ao corpo social, fortalecendo-o”, completa a professora.

“Devemos lembrar que as sociedades

antigas tradicionais possuíam um ritmo de vida mais tranqüilo, o que permitia que os idosos tivessem um espaço mais defi nido. As mudanças que ocorreram nas últimas décadas, principalmente em relação à tecnologia, criaram uma vida mais ágil, com ritmos diferentes, inclusive na família. Hoje, todos têm a possibilidade de envelhecer do jeito que quiserem”, constata Tânia, afi rman-do que tudo depende da percepção de controle que a pessoa tem sob o próprio desenvolvimento, o que pode infl uenciar sua vida, com um melhor desempe-nho. O perfi l psicológico determi-

na a relação da pessoa com a realidade, a vida e

seus desafi os.

Esportes e atividades variadas

É com essa perspectiva que m u i t o s i d o s o s praticam esportes e buscam por mais ati-vidades. As concorridas aulas de hidroginástica e natação do Projeto Água Vida, que a Escola de Edu-cação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ oferece aos idosos nos campi da

Praia Vermelha e da Ilha do Fundão, desde meados da década de 1980, é um bom indicador.

O Projeto Água Vida existe há 22 anos, mas foi somente em 1986 que Eliete Souza Aguiar Motta Cardoso, professora do De-partamento de Corridas da EEFD, perce-beu que não havia pesquisas, publicações e práticas específi cas sobre as atividades físicas voltadas para os idosos. Segundo ela, os estudantes tinham medo de que o idoso fosse acometido por um ataque súbito durante a aula. Ela deu conta da ne-cessidade de mais estudos sobre a questão e da inclusão desses no projeto.

De acordo com a professora, em fun-ção da própria idade, das limitações do corpo e dos riscos à saúde, os idosos devem praticar diferentes modalidades esportivas com intensidade variada, o que depende de suas condições físicas. Para avaliar essas informações, o projeto realiza um exame geral e pede a avaliação de um cardiologista antes do início de cada semestre.

As atividades aquáticas permitem um exercício aeróbico cíclico, excelente para o coração e demais músculos. O fato de as atividades serem realizadas na água merece destaque por anular o impacto do corpo com o solo. “Outro detalhe importante é que, nessas condições, não é possível ver o corpo das pessoas. Ou seja, mesmo quem tem vergonha do próprio corpo pode participar”, comenta Eliete Motta.

Além das aulas na piscina, o projeto, conta com caminhadas que contribuem igualmente para o condicionamento físi-co e qualidade de vida. É importante des-tacar que, embora a maioria dos alunos da terceira idade freqüente as aulas por indicação médica, as atividades também funcionam como lazer e meio de conví-vio social, o que é fundamental para a manutenção da saúde como um todo.

Os números mostram que, atualmente, uma em cada dez pessoas

tem 60 anos de idade ou mais e, para 2050, esti-

ma-se que a relação será de uma para cinco em

todo o mundo, e de uma para três nos países de-

senvolvidos.

de lazer, que não sejam atreladas ao em-prego. Quanto mais laços emocionais o indivíduo tiver, mais respaldo ele terá para superar a perda de outros vínculos”, afi rma Tânia Guerreiro.

Segundo a professora, tende-se a associar a posição que se ocupa no mercado de trabalho com a felicidade, mas esse é um caminho cons-truído ao longo de sua trajetória. Obviamente, quem tem mais condições fi nanceiras, tem mais chances de se cui-dar, não apenas na velhice, mas durante toda a vida. Além disso, sem a pressão social, a pessoa consegue viver melhor e desfrutar de um envelhecimento mais

A partir das suas experiências, Tânia Guerreiro percebeu também que a ma-nutenção da situação de aprendizado durante toda a vida é fundamental para um envelhecimento saudável. Apren-der é um elemento essencial para o desenvolvimento do cérebro e deve ser uma atividade constante: “o indivíduo começa a envelhecer, no sentido nega-tivo da palavra, quando pára de crescer intelectualmente”.

Além disso, tendemos a reproduzir os modelos com os quais convivemos. Nas sociedades onde o indivíduo se expressa melhor e se exprime mais, seus idosos são percebidos como cidadãos úteis no

desenvolvimento, o que pode infl uenciar sua vida, com um melhor desempe-nho. O perfi l psicológico determi-

na a relação da pessoa com a realidade, a vida e

seus desafi os.

Esportes e atividades variadas

É com essa perspectiva que m u i t o s i d o s o s praticam esportes e buscam por mais ati-vidades. As concorridas aulas de hidroginástica e natação do Projeto Água Vida, que a Escola de Edu-cação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ oferece aos idosos nos campi da

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20 Maio•2006UFRJJornal da

Maio•2006 21UFRJJornal da

Cultura

Juliana Rettichfotos Marco Fernandes

Embora as raízes étnicas do Brasil sejam, em larga medida, africanas, o desconhecimento em relação ao continente faz com que proliferem visões estereotipadas e preconceituosas sobre ele. E esse é um grande desafi o enfrentado pelo corpo docente da Faculdade de Letras da UFRJ que leciona a disciplina Literatura Africana de Língua Portuguesa.

Incluída há treze anos como optativa no currículo do curso de Português-Literaturas, a disciplina se iniciou com a professora Carmen Tindó, do Departamento de Línguas Vernáculas, t e n d o q u e

Literatura africana: desconhecimento e preconceito

driblar o preconceito, até mesmo de seus colegas. Atualmente ela é disciplina obrigatória na grade curricular do sexto período, com

apenas dois tempos semanais e quatro tempos ainda como disciplina eletiva, o que, segundo a professora, é muito

pouco para falar da Literatura dos cinco países do continente que têm como língua ofi cial o português

(Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde

e S ã o To m é e Príncipe).

As literaturas africanas são t ã o p o u c o estudadas no Brasil que há

t e n d o q u e

driblar o preconceito, até mesmo de seus colegas. Atualmente ela é disciplina obrigatória na grade curricular do sexto período, com

apenas dois tempos semanais e quatro tempos ainda como disciplina eletiva, o que, segundo a professora, é muito

pouco para falar da Literatura dos cinco países do continente que têm como língua ofi cial o português

(Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde

e S ã o To m é e Príncipe).

As literaturas africanas são t ã o p o u c o estudadas no Brasil que há

sérios problemas. Um deles é a falta de professores especializados. Tanto que o quadro da faculdade conta com apenas quatro docentes, dos quais dois são substitutos.

EstereótiposPara dar conta das características

dessa literatura, as professoras utilizam o método de comparar a produção dos cinco países, já que a carga horária é pequena e, segundo Norma Lima, especialista em Literatura de Cabo Verde, é preciso grande parte do tempo para desconstruir a visão estereotipada que os estudantes têm, para depois discutir, efetivamente, o assunto. Norma conta que nas primeiras aulas ela tem, inclusive, que levar um mapa, pois muitos não sabem onde fi ca a África e alguns acham que ela é um país e não um continente.

Carmen e Norma ressaltam que não é raro as pessoas perguntarem se vão discutir uma “literatura de tambor” ou se vão falar da questão do negro ou de questões politicamente engajadas. Essa última característica foi marcante na literatura africana dos anos 1960, como se pode ver nos poemas de Agostinho Neto, poeta angolano. Mas isso dentro de um contexto em que os países de língua portuguesa lutavam pela independência de Portugal. E, após conquistá-las, muitos autores buscam aproximação do Brasil, tendo como principais infl uências Guimarães Rosa e Jorge Amado. Assim, libertam-se, também, da imposição

portuguesa de uma literatura puramente européia. Carmen defi ne isso como uma atitude de “seguir o irmão mais velho” (o que se tornou independente de Portugal antes deles).

Porém, ho je , mui tos au tores da literatura africana se mostram preocupados em reescrever a sua história, dando voz a personagens marginalizados pelo colonizador, mas também falando de questões existenciais, de amor, do poético e do ser humano, nas quais “a cor não vai condicionar o tratamento dado às personagens”, constata Norma Lima.

A África no Ensino brasileiroA curiosidade e a busca das raízes

étnicas e nacionais condicionavam estudantes na procura pela disciplina. Atualmente, Carmen Tindó acredita que o aumento do interesse pela África está relacionado à Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do tema nos ensinos Fundamental, Médio e Superior. Isso faz com que professores busquem se especializar, o que refl ete no aumento do número de inscritos nos cursos de Extensão realizados pela Faculdade de Letras.

Contudo, Carmen e Norma continuam com a preocupação em elaborar um ponto de vista sobre a África que sirva para que os estudantes se estabeleçam como multiplicadores. “Minha preocupação é de minimizar os estereótipos ou essa leitura preconceituosa que se tem da África”, destaca Norma.

Cultura

Kadu Cayresfoto Juliano Pires

Cantores, poetas, contistas, ao mesmo tempo alunos ou professores, são também, produtores de um movimento cultural para-institucional que anima os campi da UFRJ, como é o caso de Eucanaã Ferraz, poeta e professor do Departamento de Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da UFRJ.

Graduado e pós-graduado pela UFRJ, Eucanaã, que tem quatro livros publicados, já fazia poesia antes de passar no Vestibular. Segundo ele, a opção pela Faculdade de Letras foi decorrência de sua produção e de desejar conviver em um lugar onde o contato com a escrita pudesse se prolongar e se aperfeiçoar. Acabou decepcionado, em parte, com o que viu. “Como todo mundo que escreve poesias, vim para cá buscando algo que me aprofundasse. Fiquei um pouco decepcionando porque percebi que não havia nada direcionado para quem escreve. Pensei que aqui todos escreviam, eram poetas, contistas. Isso foi num primeiro momento. Depois descobri que de fato, aqui, existe muita gente que produz literatura”, diz Eucanaã.

O professor segue dizendo que sua

formação de poeta foi se desenvolvendo aos poucos. Vários cursos lhe possibilitaram matéria prima para a escrita. Tanto um conhecimento mais específico da língua quanto dos procedimentos estilísticos. Na sua visão, determinadas disciplinas foram decisivas. “Lembro-me de uma professora chamada Marlene de Castro, com quem fiz cursos sobre Carlos Drummond de Andrade, na graduação e depois na pós. Sempre digo que ela me alfabetizou como leitor de poesia. Contei essa história toda para dizer que se você quer ser um bom escritor, terá, primeiramente, que ser um bom leitor” — explica Eucanaã dizendo que graças à Marlene aprendeu a esmiuçar o poema e a entender o que o escritor sugere nas entrelinhas.

Em relação à contribuição da universidade para a sua produção literária, Eucanaã Ferraz afi rma que o objetivo da Faculdade de Letras não é fomentar a formação de poetas ou contistas, mas, sim, de críticos-teóricos-educadores, ou seja, pessoas capazes de se debruçar sobre a produção alheia e analisar. “No meu caso, mesmo não tendo na Faculdade de Letras um curso de escritores, ela foi fundamental. Graças a ela perdi aquela

ingenuidade do escritor que acredita que escrever poemas é fácil, e que não tem ciência. Não estou dizendo que aprendi as regras da poesia, até porque não existem. O trabalho do poeta é um trabalho sem normas, onde cada escritor tem a sua linguagem, a sua característica peculiar”, esclarece o poeta que, no próximo semestre, estará ministrando ofi cina de poesia onde será discutida e analisada a criação de estudantes: “o estilo e as peculiaridades de cada um serão, impreterivelmente, respeitadas”.

Além de Eucanaã, outros poetas foram e estão sendo formados na Faculdade de Letras. O estudante Maurício Chamarelli é um exemplo. Ele está concluindo o 7º período da graduação e lançando o seu primeiro livro de poesias.

Criado numa família de letrados, Maurício desenvolveu o prazer pela leitura muito cedo. “Minha mãe sempre me contava histórias e, aos poucos, fui tomando gosto pela leitura. Segundo ela, desde pequeno juntava os livros ao meu redor e dizia que seria escritor quando crescesse” — conta explicando que aos 13 anos começou a produzir de forma tímida, ainda muito calcado no que estava vivendo na época (crises da adolescência como, por exemplo, o que

vai fazer da vida, por que a namorada o largou etc).

Quando fez vestibular para Letras, tinha a certeza de que não seria escritor. Pensava que se quisesse seguir essa carreira, teria que fazer outra graduação, ou até mesmo fi car em casa escrevendo. O primeiro contato com a faculdade foi desastroso, mas aos poucos percebeu, assim como Eucanaã, que a Faculdade de Letras não tem como objetivo principal formar poetas, até porque isso não se forma.

Mas não é apenas do Centro de Letras e Artes que surgem artistas. Carlos Leandro Camejo, publicitário formado pela Escola de Comunicação da UFRJ, desenvolveu, paralelamente a faculdade, a atividade de músico. Compôs várias canções nesse período e agora está lançando um CD pela gravadora Trama.

Carlos afi rma que a universidade foi importante para a sua forma de escrever. “Não apenas me tornei uma pessoa mais madura na faculdade, como aperfeiçoei minha forma de escrever e aprender a transformar algo poético em produto vendável ou comercial”, confessa o publicitário apoiando, diferente dos outros, a criação de um curso para escritores.

Os poetas dos campi

A universidade também é celeiro para a formação de grandes poetas, escritores e músicos

Elementos da cultgura africana no acervo do Departamento de Línguas Vernáculas da Faculdade de Letras

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22 Maio•2006UFRJJornal da

Maio•2006 UFRJJornal da 23

CulturaPara ler

Notas

Trabalho e moeda hoje: a chave para o pleno emprego e a estabilidade dos preços.L. Randall Wray.Co-ed ição Edi tora UFRJ e Contraponto Editora, 2003248 páginas.

O legítimo homem de pensamento não se encerra em torre de marfi m e daí contempla sobranceiro o mundo. Foi o que disse Caio Prado Junior – com o peso de sua coerência exemplar – ao receber, em 1966, o Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano, conferido pela União Brasilei-ra de Escritores. Autor de uma das teorias mais fecundas e originais sobre a nossa “inconclusa” nação, integrante da galeria de intérpretes clássicos do Brasil, Caio Prado Junior mereceu a distinção pela publicação, naquele ano, de um livro polêmico e engajado: A Revolução Brasileira (Brasiliense, 1ª ed. 1966).

A obra, que completa 40 anos, produziu ecos políticos em várias direções. De um lado, era um corajoso desafi o à ditadura militar. Mas também comprava uma briga das grandes com o modelo de análise que, até então, era a âncora da estratégia revolucionária do Partido Comunista Brasilei-ro (PCB), do qual Caio Prado Junior era ativo militante. O historiador considerava “inaplicável” à realidade brasileira a fórmula unívoca e clássica de interpretação do processo revolucionário – uma evolução quase mecânica de modos de produção – difundida pela III Internacional Comunista e assumida pela direção do PCB. Para ele, “foi em grande parte o desconhecimento (...) das verdadeiras condições do país que explica os desacertos cometidos e revezes sofridos no passado.” Esta crítica à derrota política experimentada pela esquerda, em 1964, teve ampla repercussão à época e, até hoje, é considerada uma obra seminal da análise política sobre o Brasil. O capitalismo no campo

De acordo com o cientista político Carlos Nelson Cou-tinho, professor da Escola de Serviço Social da UFRJ, em oposição ao modelo interpretativo dominante, Caio Prado Junior afi rma, em A Revolução Brasileira que o Brasil jamais foi feudal ou semifeudal. Em conseqüência, parecia ilusão imaginar que o país carecia ainda de uma “revolução demo-crático-burguesa”, que deveria ser feita com a participação de uma “burguesia nacional” supostamente antiimperia-lista, antilatifundiária ou antifeudal. Caio Prado Junior rompe com essa visão. Para ele, o Brasil contemporâneo era plenamente capitalista e já teria experimentado uma revolução burguesa. Contudo, “uma revolução burguesa de tipo não clássico, e é isso que torna a sua obra tão signi-fi cativa, inclusive no quadro do nosso marxismo”, afi rma Carlos Nelson – autor do ensaio A Imagem do Brasil na obra de Caio Prado (Cultura e Sociedade no Brasil, DP&A, 3ª ed., 2005).

Para Caio Prado Junior, a luta no campo deveria ser, basicamente, pela generalização de direitos trabalhistas. A luta direta pela terra teria caráter localizado e não deveria sobrepujar a prioritária defesa da valorização do trabalho em um quadro de relações capitalistas que já prevalecia no meio rural.

Para Carlos Nelson Coutinho, é possível até que Caio Prado, em alguns casos, tenha “superestimado a possibi-lidade de assimilar determinadas formas de remuneração do trabalho rural, como a parceria, ao assalariamento”. Mas considera de particular importância, em A Revolução Brasileira, a sua clara afi rmação de que tanto a formação econômico-social em geral, como a estrutura agrária do Brasil é de natureza capitalista. “Caio Prado defi niu com muito mais rigor do que os defensores da tese dos restos feudais a real natureza da moderna estrutura agrária bra-sileira”, realça.

Um livro desafi ador

A Revolução Brasileira, de Caio Prado Junior, faz 40 anos e ainda é fonte imprescindível para

entender o país

Revolução à americanaO cientista político Raimundo Santos, professor da Uni-

versidade Federal Rural do Rio do Janeiro (UFRRJ), também concorda que o livro de Caio Prado foi lido como uma desconstrução das teses da “feudalidade” e do “antiimpe-rialismo”. E isso, na ocasião, daria ao historiador audiência em círculos radicalizados que viam em suas formulações amparo à proposta de uma frente de esquerda para resistir ao regime de 1964 – conta Raimundo Santos, autor de Caio Prado Júnior na Cultura Política Brasileira (Mauad, 2001). Tal frente – ressalva – era “muitíssimo mais estreita do que aquela que se tentara organizar em torno das reformas de base no decênio 1954-64”. Mas, para ele, a interpelação de Caio Prado tinha um outro sentido. “Ele radicava a con-tradição fundamental da formação social na debilidade do nosso capitalismo em relação aos grandes contingentes de não-incluídos do mundo rural”. Na verdade – acrescenta – a sua fórmula de uma revolução “nacional e agrária” su-gere um processo ao modo americano: um oeste–mercado interno (mundo rural) complementar ao leste–industrial. Caio Prado não via no antiimperialismo base sustentável para o então chamado processo revolucionário brasileiro, de acordo com Raimundo Santos. E também negava atri-butos de classe produtiva à burguesia nacional, além de desqualifi car os precários “dispositivos partidários” – PSD e PTB – que dominavam a cena pública e dissimulavam a existência de um capitalismo de baixa incorporação social e avesso à institucionalização democrática. “Na leitura de Caio Prado, era esse o cenário que ensejava o populismo e a aventura janguista, como ele dizia, às vésperas de 1964, alertando para a falta de apoio político para sustentar as reformas de base”, assinala.

Com tal imagem de uma modernização inconclusa e de classes frágeis, o historiador – segundo Santos – não enveredaria por messianismos, mas divisaria a vontade transformadora da sociedade a partir de atores sociopolíti-cos cujo campo de ação seria dado pela dinâmica da vida nacional.

Raimundo Santos sugere alguns temas aos quais se deve dar atenção especial, ainda hoje, como a ânsia do historia-dor em dar substância produtiva ao industrialismo e a sua persistente idéia de reestruturar o capitalismo brasileiro.

Teoria do BrasilO professor titular da Escola de Serviço Social da UFRJ e

vice-diretor da unidade, José Paulo Netto, considera o livro A Revolução Brasileira uma “dupla resposta ao golpe de 64: teórica e política”. Segundo ele, dando continuidade à sua interpretação da particularidade histórica brasileira, Caio Prado Junior reforçou a crítica teórica às concepções que boa parte da esquerda – “e não apenas o PCB” – sustentava acerca das relações econômico-sociais predominantes no campo e do papel da burguesia nacional no processo que então se designava como a “revolução brasileira”. O Caio Prado historiador – havia também o fi lósofo, distingue José Paulo Netto – desenvolveu, sem qualquer dúvida, uma teoria do Brasil, original e criativa, alheia às genera-lizações da III Internacional acerca dos “países coloniais e semicoloniais”.

No plano político – continua o professor – Caio se inclinava claramente para aquilo que os seus críticos da época, especialmente Assis Tavares (pseudônimo do diri-gente comunista Marco Antônio Tavares Coelho) e Paulo Cavalcante, qualifi cavam como “esquerdismo”. Ele observa que, hoje, há uma falta de atenção acadêmica para tais crí-ticas, cuja releitura considera extremamente interessante. “Mas estou convencido de que a importância desta obra de Caio, situada no seu preciso contexto histórico e político, reside menos nas soluções que sugeria do que no fato de colocar questões teórico-políticas que, a meu juízo, ainda permanecem em aberto” frisa.

José Paulo Netto crê que a releitura de A Revolução Brasileira será sempre útil para todos os que se propõem a decifrar teoricamente o “enigma Brasil”. E – insiste ele – menos por suas respostas do que por suas interpelações. “Não transformaremos progressistamente este país se não tivermos dele uma análise precisa e rigorosa”, adverte o professor.

Coryntho Baldez

desafi adorA Revolução Brasileira, de Caio Prado Junior, faz

40 anos e ainda é fonte imprescindível para

“Manter um décimo da população na ociosidade por um período inde-finido é totalmente inverossímil – o tipo de coisa em que nenhum homem poderia acreditar se não tivesse a cabeça entulhada de idéias insensatas durante anos e anos”. A citação de Keynes, pos-

ta como epígrafe à obra de Randall Wray, mostra-se, hoje, ainda mais atual do que há três quartos de século. Entretanto mais que advertência, a referência a Keynes denuncia a retomada de cer-tos pressupostos conceituais acerca dos fundamentos da teoria econômica e o resgate de determinadas preocupações quanto às fi nalidades das políticas públicas. Na contramão do pensamento neoliberal, Wray, que é professor de Economia na Universidade do Missouri, EUA, sustenta ser necessário e factível compatibilizar pleno emprego e controle da infl ação.

O livro, que apesar de discutir temas de grande relevância teórica, assume um caráter de divulgação e tem o mérito, entre outros, de chamar a atenção para certos autores esquecidos ou pou-co conhecidos por nós. Entre eles Innes e Abba Lerner. De Innes, Wray retoma a idéia heterodoxa de que a moeda seria na verdade, sempre, uma relação de débito e crédito, sendo que o Estado, por suas próprias dimensões, alcançaria um papel preponderante no conjunto dessas transações. Assim, a aceitação da moeda estatal se originaria mais da necessidade de se pagar tributos do que da imposição de leis que lhe consegue o curso forçado. Uma das con-seqüências importantes dessa argumentação é que, ao contrário do que se sustenta com freqüência, a situação usual da Economia seria apresentar desequilíbrios fi scais. A partir de Lerner, talvez a principal fonte da obra, Wray retoma a teoria das fi nanças funcio-nais que sustenta que as políticas fi scal e monetária do governo devam ser avaliadas exclusivamente com base nos seus resultados econômicos e não em doutrinas que prescrevam, de antemão, o que é ou não saudável. Este tipo de abordagem defende a deter-minação de um défi cit público que induza a economia à utilização máxima dos recursos produtivos, já que, deixada a seu livre curso, a poupança privada seria insufi ciente para tal.

A partir desses pressupostos, Wray retoma políticas públicas de pleno emprego, onde o Estado recupera as funções keynesianas de empregador de última instância e de impulsionador do conjunto das atividades econômicas. Embora muitas dessas propostas pa-reçam mais adequadas às economias desenvolvidas, não deixam de fornecer importantes aportes aos que, abaixo do equador, se recusam a insensatez de condenar segmentos crescentes dos seus contemporâneos ao desemprego e à marginalidade.

Relatório de uma campanha, assim o defi ne, não sem alguma ironia, seu autor, Márcio Tavares d’Amaral, pro-fessor emérito da UFRJ, em cuja Escola de Comunicação exerce o magistério em nível de pós-graduação e coordena o Laboratório de História dos Sistemas do Pensamento(Idea). E Comunicação e diferença é bem isso, rescaldo de um combate contra a objeti-vidade, a funcionalidade, a utilidade e a efi cácia que, instauradas no seio do pensamento do Ocidente e, em larga medida, o funda-mentando, silenciam sobre tudo o que humanamente vale a pena falar. Ao mesmo tempo, passando em revista uma constelação de conceitos, como o de Estado e o de Nação, que são cruciais para o pensamento moderno e contemporâneo, fornece munição in-telectual para intervenções no terreno da ordem social atual e de sua cultura pós-moderna.

Tecendo uma escritura instigante, as vezes poética, outras provocadora, porém, sempre, visceralmente pessoal, o livro parte de uma diagnóstico bastante sombrio; o de que ao permanecer a tendência globalizante de anulação da alteridade, o mundo cor-re o risco de morte. Não se espere, entretanto, em suas páginas qualquer aceitação resignada do status quo. Ao contrário, a aguda consciência da guerra vem acompanhada de uma inaudita alegria de combater pela vida, predisposição que se assenta na convicção de que, nas palavras do autor, “o paradoxo constitui a matéria da vida, e o mais é artifício, amnésia, violência pulsão de morte que modela o corpo do Ocidente”.

Contra o paradigma contemporâneo calcado na mídia e no consumo, que patrocina a unidimensionalização do pensamento e está, na raiz do sofrimento do mundo, Tavares d’Amaral convida o leitor a assumir uma atitude generosa de fraternidade e de gentileza, enfi m de com-paixão, que signifi ca sofrer-junto com a pobreza, o abandono e a morte. Um apelo que ultrapassa as fronteiras da instituição universitária e que se dirige ao homem comum; pois, como observa o autor sem nenhum sentimento de perda, a fi losofi a é menor que a vida e um livro que não seja capaz de ser lido com prazer por seus contemporâneos talvez tenha deixado de lado o mais importante, aquilo que merece, verdadeiramente, ser dito e pensado.

Uma obra, como se vê, plena de desafi os, ao mesmo tempo em que, a seu modo, também de esperanças.

Márcio Tavares d’Amaral.Editora UFRJ, 2004280 páginas.

Comunicação e diferença: uma filosofia de guerra para uso de homens comuns.

Cultura

Anísio Teixeira é considerado um dos educadores brasileiros mais importantes e seu legado para os debates educacionais atuais é inestimável. Considerando a im-portância de suas obras a Editora UFRJ reeditou, em 1990, alguns de seus livros. E o torna a fazer, unindo todos na Coleção Anísio Teixeira, sob a coordenação de Clarice Nunes, pesquisadora do Conselho Nacio-nal de Desenvolvi-mento Científi co e Tecnológico (CNPq) e associada ao Pro-grama de Pós-gradu-ação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Fundação Anísio Teixeira e com a UFRJ, através da Editora UFRJ. “Uma das priorida-des iniciais da Fundação Anísio Teixeira foi a reedição da obra do seu patrono, cujos livros estavam esgotados há cerca de 20 anos. Pensou-se, então, em formar, em reedição crítica, cada volume trazendo o texto original e uma apreciação desse conteúdo por algum edu-cador da atualidade”, explica Babi Teixeira, presidente da Fundação.

De acordo com Clarice Nunes, a idéia da coleção surgiu há cerca de dois anos, quando os desafios apresentados por algumas questões da educação contemporânea – como a política de avaliação dos cursos supe-riores, a elaboração dos projetos políticos pedagógicos das instituições escolares e a política de cotas – fez emergir a neces-sidade de reedição da obra, agora sim em uma única coleção. “Seu objetivo é apresentar uma perspectiva atualizada da reflexão desse educador, situando no âmbito das diferentes conjunturas históricas as polêmicas que se fi zeram presentes por meio dos seus livros”, analisa Clarice Nunes.

E por que a escolha da Editora da UFRJ? Para Babi Teixeira a resposta não

poderia ser outra: “Anísio Teixeira tinha uma ligação muito forte com esta uni-versidade, onde lecionou nas décadas de 1950 e 1960

(cadei-ra de Administra-

ção Escolar) e da qual recebeu o título de Professor Emérito”.

Resposta dos leitoresA resposta do público para

essa nova coleção não poderia ser melhor. De acordo com Babi Teixeira, as pessoas querem conhecer o pensamento e a obra do educador: “o interessante é que não são apenas os profi ssionais da Educação, mas também intelectuais em geral, jornalistas e políticos”. Para Clarice Nunes o interesse refl ete o inte-

resse das novas gerações em redescobrir o autor. “Quando você começa a ler os livros geralmente se encanta. Aliás, essa é a palavra que ouço recorrentemente por conta da atualidade da refl exão ali apresentada e da lucidez com que, não apenas a Educação, mas os principais problemas sociais e culturais do nosso país, são abordados”, destaca a coorde-

nadora da reedição.

Importância da obra para o ensinoFalar de Anísio Teixeira é lembrar que

sua trajetória foi marcada pelo esforço por reformar a educação pública e para consolidar a democracia no país e, dessa

Coleção Anísio Teixeira

“Ensino superior no Brasil: análise e interpretação da sua evolução até 1969” e “A Educação e a crise brasileira” são lançados pela Editora UFRJ.

As edições fazem parte do esforço em pôr à disposição de leitores contemporâneos uma das refl exões mais agudas acerca da Educação produzida entre nós

Rafaela Pereira

Revisitando um grande educador

e seu legado para os debates educacionais atuais é inestimável. Considerando a im-portância de suas obras a Editora UFRJ reeditou, em 1990, alguns de seus livros. E o torna a fazer, unindo todos

Coleção Anísio

nal de Desenvolvi-mento Científi co e Tecnológico (CNPq) e associada ao Pro-grama de Pós-gradu-ação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Fundação Anísio Teixeira e com a UFRJ, através da Editora UFRJ. “Uma das priorida-des iniciais da Fundação Anísio Teixeira foi a reedição da obra do seu patrono, cujos livros estavam esgotados há cerca de 20 anos. Pensou-se, então, em formar, em reedição crítica, cada volume trazendo o texto original e uma apreciação desse conteúdo por algum edu-cador da atualidade”, explica Babi Teixeira, presidente da Fundação.

De acordo com Clarice Nunes, a idéia da coleção surgiu há cerca de dois anos, quando os desafios apresentados por algumas questões da educação contemporânea – como a política de avaliação dos cursos supe-riores, a elaboração dos projetos políticos

décadas de 1950 e 1960

(cadei-ra de Administra-

ção Escolar) e da qual recebeu

é a palavra que ouço recorrentemente por conta da atualidade da refl exão ali apresentada e da lucidez com que, não apenas a Educação, mas os principais problemas sociais e culturais do nosso país, são abordados”, destaca a coorde-

forma, forjar uma nova nação. Suas obras são valiosas tanto pela análise crítica que empreendem como pelas proposições que apresentam. Segundo Clarice Nu-nes, no livro Ensino Superior no Brasil, por exemplo, o papel central do Ensino Superior no conjunto das políticas públi-cas é destacado, assim como se enfrenta o debate teórico acerca das funções da

universidade e da criação de insti-tuições universitá-rias ousadas e ino-vadoras. “Nessa obra, os estudantes poderão perceber, como adverte Hél-gio Trindade, como Anísio antecipou alguns dos efeitos perversos da re-forma universitá-ria da década de 1960: o crescimen-to desordenado do ensino privado, a inflação dos di-plomas superiores sem nenhuma hie-rarquia e controle, banalizando o tí-tulo da graduação e a generalização excessiva da pós-graduação. É uma leitura obrigatória para pensarmos, hoje, os desafios da inclusão social, que não se esgota na expansão das matrículas, mas exige novas formas de inclusão dos excluídos”, apon-ta a coordenadora da Coleção Anísio Teixeira. Ela adian-

ta ainda que mais três obras estão sendo preparadas, são elas: Educação e o mundo moderno, cuja primeira edição é de 1969, Aspectos americanos da Educação, publi-cação original de 1928 e Em marcha para a democracia, originalmente um relatório de excursão pelos EUA, de 1928.

Page 13: UFRJ Jornal da · Governo FHC e que o Governo Lula “prefere fi ngir que não vê”. O professor e físico, afi rma, ainda, que não há solução tecnológica para o mundo e

24 Maio•2006UFRJJornal da

Personalidade

Joana Jaharailustração Jefferson Nepomuceno

MozartA genialidade conservadora de

Wolfgang Amadeus Mozart despertou a atenção do pai, Leopold Mozart, aos quatro anos, quando ainda menino, disse estar escrevendo um concerto para cravo, que ainda não estava terminado. Leopold tentou ler a partitura, mas riu ao ver a quantidade de notas que

ele havia colocado no papel, ao mesmo tempo em que chorou emocionado quando percebeu que

havia na composição concepções muito superiores à idade do jovem. Antes

de completar o 6º aniversário Mozart já apresentava

Um homem que viveu e marcou o seu tempo e permanece ainda hoje, após seus 250 anos de nascimento, como um símbolo da genialidade artística

o seu primeiro concerto, em Viena, Áustria. O crescimento artístico foi adquirido por diversas viagens feitas à Itália, França, Inglaterra, Baviera e Prússia.

Considerada a mais popular de suas obras, A Flauta Mágica (Die Zauberflöte), cuja estréia ocorreu três meses antes de sua morte, em 1791, foi composta sob encomenda de um irmão da Maçonaria, Emmanuel Schikaneder, autor do libreto de mesmo título. “No caso específico de A Flauta Mágica, Mozart abordou um gênero que não é exatamente uma ópera, já que a obra apresenta a música todo o tempo, seja na forma de áreas, duetos, conjunto, ou na forma recitativa. Essa espécie de opereta intercala a parte musical com diálogos e o intuito foi escrever para o teatro popular da época”, afirma o professor de Regência e Prática de Orquestra da Escola de Música da UFRJ, André Cardoso.

Schikaneder era ator, escritor e, também, empresário de uma companhia que se

apresentava nos teatros populares da época. O seu pedido foi feito em

um momento muito difícil para Mozart. “Eram seus

últimos meses de

vida, período que estava compondo o Réquiem (música que ficou inacabada), a ópera La Clemenza di Tito e A Flauta Mágica. Devido ao atraso de Mozart, Schikaneder teve que trancá-lo numa casa aos arredores de Viena para que ele ficasse isolado e pudesse terminar a obra. E, praticamente na estréia, quando faltava apenas três dias, a abertura ainda estava sendo composta”, conta André Cardoso.

História fantástica, A Flauta Mágica tem um libreto sem pé nem cabeça, utiliza personagens folclóricos, como homem-pássaro, rainha, serpente, príncipe, ao mesmo tempo em que trabalha os princípios maçônicos inscritos na lógica filosófica do Iluminismo do século XVIII. A Batalha do bem e do mal, da luz e das trevas, do saber e da ignorância, se passa diante de personagens que, a princípio, parecem ser desimportantes, pela sua pureza, como a figura do Papagueno. “Pode-se até fazer certa crítica à Mozart em relação a parte dramática, com a utilização de personagens absolutamente inverossímeis, e uma seqüência sem muita lógica. Mas, isso é muito pequeno se comparado ao que A Flauta Mágica representa no que diz respeito ao pleno domínio alcançado da arte de compor”, afirma André Cardoso.

Conservador e genialAndré Cardoso afirma que Mozart, na música,

não foi especialmente inovador, assim como alguns de seus companheiros. Ao contrário, “do ponto de vista das inovações musicais, pode-se chamá-lo de conservador, sem nenhum demérito, porque nesse conservadorismo ele fez coisas geniais, levando determinadas composições e formas musicais, ao seu apogeu. A Flauta Mágica se tornou obra prima que é, atravessando os séculos, por causa de sua música. Há momentos nessa obra, com trechos que se tornaram mais famosos, como o da Rainha da Noite, que já foram gravadas de diversas maneiras. Uma área extremamente difícil que requer um tipo de voz muito especial para ser cantada, porque explora os extremos

da voz do soprano”, explica Cardoso.

TransgressorCrítico da sociedade austríaca?

Não. Mozart não foi propriamente um crítico no sentido stricto, mas, talvez, um transgressor da sociedade em que vivia. Como transgressor e subversivo Mozart foi relegado à marginalidade. Como compositor, marca a transição

para a carreira de músico profissional. Foi um dos primeiros a tentar uma carreira autônoma. Com ele apareceram os primeiros concertos pagos e seu pioneirismo causou-lhe problemas pessoais e financeiros.

Em seu catálogo, estão reunidas mais de 600 obras, muitas delas feitas por encomenda, e que, apesar disso, não deixam de ser excepcionais.