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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – LICENCIATURA EM HISTÓRIA LUCIANA RHODEN FREITAS A REPRESENTAÇÃO DA TRANSIÇÃO DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA NO BRASIL DO SÉCULO XIX, EM ESAÚ E JACÓ, DE MACHADO DE ASSIS. Trabalho de Conclusão do Curso de História apresentado ao Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em História. Orientador: Prof. Adolar Koch PORTO ALEGRE, NOVEMBRO DE 2010.

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA

    TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO LICENCIATURA EM HISTRIA

    LUCIANA RHODEN FREITAS

    A REPRESENTAO DA TRANSIO DA MONARQUIA PARA A REPBLICA NO BRASIL DO

    SCULO XIX, EM ESA E JAC, DE MACHADO DE ASSIS.

    Trabalho de Concluso do Curso de Histria

    apresentado ao Departamento de Histria da Universidade

    Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a

    obteno do grau de Licenciado em Histria.

    Orientador: Prof. Adolar Koch

    PORTO ALEGRE, NOVEMBRO DE 2010.

  • 2

    SUMRIO

    Introduo_____________________________________________________________03

    1. Relaes entre Literatura e Histria______________________________________06

    1.1 A Literatura como fonte histrica_____________________________________08

    1.2 Roger Chartier: O Mundo como Representao________________________10

    2. O contexto histrico da Proclamao da Repblica__________________________12

    2.1 A Expanso Cafeeira________________________________________________12

    2.2 A Abolio da Escravatura ___________________________________________14

    2.3 A Questo Militar__________________________________________________15

    2.4 A Questo Religiosa________________________________________________17

    2.5 A Proclamao da Repblica _________________________________________18

    3. A Representao da Transio da Monarquia para a Repblica, em Esa e Jac____21

    3.1 O Enredo_________________________________________________________21

    3.2 As personagens: rivalidade entre irmos________________________________23

    3.3 A Abolio________________________________________________________24

    3.4 Cenas da histria: Baile da Ilha Fiscal___________________________________25

    3.5 A Proclamao da Repblica_________________________________________26

    3.6 O Encilhamento___________________________________________________28

    3.7 Consideraes finais________________________________________________30

    3.8 Referncias bibliogrficas____________________________________________33

    3.9 Fontes___________________________________________________________35

  • 3

    INTRODUO

    Este trabalho mostrar de que forma o escritor Joaquim Maria Machado de Assis

    representou o fim da Monarquia e o incio da Repblica; este momento de transio poltica,

    que o autor retrata na obra Esa e Jc, o foco deste estudo.

    O romance Esa e Jac foi publicado no ano de 1904, portanto, catorze anos depois

    da Proclamao da Repblica. De acordo com Alfredo Bosi, o escritor, nascido no Morro do

    Livramento em 1839, filho de um pintor mulato e de uma lavadeira aoriana, ficou rfo

    ainda pequeno, tendo sido criado por sua madrasta, Maria Ins. Aprendeu as primeiras letras

    em uma escola pblica, recebeu aulas de latim e francs de um padre amigo da famlia, e, de

    forma autodidata, leu importantes escritores, o que lhe proporcionou uma cultura literria

    muito rica. Aos dezesseis anos, entrou na Imprensa Nacional como tipgrafo aprendiz; aos

    dezoito, na Editora Paula Brito. Depois trabalhou na redao do Correio Mercantil e no Dirio

    do Rio de Janeiro. Apesar de sempre ter escrito durante o tempo em que trabalhou, foi quando

    passou a ter uma carreira burocrtica, primeiro no Dirio Oficial ( 1867-1873) e depois na

    Secretaria de Agricultura, que Machado pde dedicar-se realmente ao mundo das letras.

    (BOSI, 1994, pag.174)

    Machado de Assis escreveu romances, peas de teatro, poesias, mas tambm escreveu

    artigos de jornal em que deixava transparecer sua opinio a respeito de questes que

    predominavam em sua poca. O Bruxo do Cosme Velho, como tambm era conhecido

    naqueles tempos do final do sculo XIX e incio do sculo XX, passou por uma fase

    romntica, em que publicou, entre outras obras, A Mo e a Luva (1874) e Helena (1876) e

    outra realista, em que publicou obras como Memria Pstumas de Brs Cubas (1881), Dom

    Casmurro (1900), Quincas Borba (1892) e Esa e Jac (1904), entre outras. A fase realista

    considerada pelos crticos literrios o auge da carreira do escritor, aquela em que ele produziu

    suas melhores obras.

    Como se pode ver, pelos romances citados acima e sua cronologia, o mais prximo do

    fato histrico da Proclamao da Repblica Quincas Borba e no Esa e Jac. Porm, neste

    ltimo o autor procurou, de fato, transformar a prpria histria em protagonista, muito mais

    do que um pano de fundo. Todo o romance apresenta datas, acontecimentos histricos,

  • 4

    aluses a estes. A histria est contida de tal forma no romance, que John Gledson, ao analisar

    as relaes entre Histria e Fico presentes na obra de Machado, faz o seguinte comentrio, a

    respeito da impossibilidade de se ignorar o quanto Esa e Jac, diferentemente de outras obras

    do autor, deixa explcitos os fatos histricos:

    Um romance que comea em 1871 (o ano da Lei do Ventre Livre), com uma me

    recente que se chama Natividade e sobe o Morro do Castelo (onde o Rio de Janeiro foi

    fundado, em 1557, por Estcio de S, e onde os jesutas, liderados por Frei Manuel da

    Nbrega, mantiveram seu colgio), a fim de consultar uma cabocla chamada Brbara,

    sobre o destino de seus filhos, no pode ser considerado esquivo em seu convite ao

    leitor para se empenhar num jogo de interpretao histrica em nvel alegrico.

    (GLEDSON, 1986, pag. 194))

    Desta forma, este romance, diferentemente dos outros, prima pelo aspecto histrico;

    por isso que se pode dizer, sem exagero, que a Histria pode ser encontrada no enredo e nas

    personagens, alegoricamente; pois, de toda forma, o autor teve o objetivo de escrev-la,

    atravs de representaes.

    evidente, porm, que se h, por parte do autor, um interesse em escrever a Histria,

    atravs de um romance, ainda assim, trata-se de uma obra literria e, portanto, ficcional; alm

    disso, Machado, ao publicar Esa e Jac, est mostrando uma viso dos fatos histricos,

    melhor dizendo, a sua viso. No se pretende aqui querer provar acontecimentos atravs de

    um romance, mas mostrar como estes foram representados por algum que viveu no tempo

    em que ocorreram e que, por sua condio de intelectual, tinha condies de pensar sobre o

    seu prprio tempo ainda que seus pensamentos possam ser, de certa forma, um produto

    deste mesmo tempo.

    A fim de explicitar as representaes de Machado sobre o fim do Imprio e o incio

    da Repblica, o trabalho ser dividido em trs captulos, sendo que o primeiro tratar das

    relaes entre Histria e Literatura; procurar-se- mostrar que a Histria e a Literatura, apesar

    de suas bvias diferenas, tm pontos de encontro que podem e devem ser buscados , pois

    podem, sim, enriquecer o trabalho do historiador, lhe fornecendo dados que no poderiam ser

    encontrados em documentos mais tradicionais; assim, a importncia da Literatura est em

    mostrar algo que nenhum documento pode captar e, portanto, possui uma especificidade que a

    torna uma importante fonte para o historiador, conforme Sandra Jatahy Pesavento: A

    literatura , pois, uma fonte para o historiador, mas privilegiada porque lhe dar acesso

  • 5

    especial ao imaginrio, permitindo-lhe enxergar traos e pistas que outras fontes no lhe

    dariam...

    O segundo captulo mostrar o contexto histrico da Proclamao da Repblica; os

    antecedentes histricos, sociais e econmicos que tornaram fcil aos militares darem um

    golpe no dia 15 de novembro de 1889 e, de uma nica vez, colocaram fim Monarquia no

    Brasil. Neste captulo sero abordadas as dificuldades pelas quais passava a Corte no pas, as

    transformaes ocorridas a partir da expanso cafeeira, a Questo Militar e a Questo

    Religiosa, a problemtica da Abolio, ou seja, as questes que so mencionadas pela

    historiografia como causas da queda do Imprio no Brasil; por fim, a Proclamao da

    Repblica em si, como fato, tambm ser abordada neste captulo.

    Finalmente, o terceiro captulo mostrar o cenrio da Proclamao da Repblica em

    Esa e Jac, bem como as representaes construdas pelo romancista nesta obra, e a sua

    viso acerca de um perodo da histria que ele acompanhou de perto, por ser um leitor voraz

    no s de obras literrias, mas tambm jornalsticas e outras, e , tambm, por ser um morador

    do Rio de Janeiro na poca em que l estava a Capital do pas.

  • 6

    1. RELAES ENTRE LITERATURA E HISTRIA

    H muito tempo, filsofos indagam sobre o conceito de histria e o conceito de

    literatura e procuram compreender no apenas o que as diferencia, mas tambm o que as

    aproxima.

    A teoria da histria to antiga que remonta aos gregos, sobretudo a Herdoto,

    conhecido como pai da histria. Entre os historiadores, h dvidas se essa paternidade deve

    recair sobre Herdoto ou sobre Tucdides; de acordo com Jeanne Marie Gagnebin Herdoto

    ficou, na tradio, como o pai da histria, enquanto se fazia de Tucdides o primeiro

    historiador crtico. Tais denominaes repousam sobre atribuies posteriores, caractersticas,

    alis de qualquer cincia em busca de seu certificado de origem... de conhecimento popular

    que a histria conta fatos ditos reais ou verdadeiros e que a literatura conta fatos irreais ou

    fantasiosos. Apesar de ser apenas uma simplificao, a ideia corrente, que perpassa na

    mente daqueles que no se detm a estudar teoricamente a respeito destas duas disciplinas.

    Aristteles diferencia da seguinte maneira o poeta do historiador: O historiador e o

    poeta no se distinguem um do outro, pelo fato de o primeiro escrever em prosa, e o segundo

    em verso (pois se a obra de Herdoto fora composta em verso, nem por isso deixaria de ser

    obra de histria, figurando ou no o metro nela). Diferem entre si porque um escreveu o que

    aconteceu, e o outro, o que poderia ter acontecido. Diz ainda o filsofo grego: Por tal

    motivo a poesia mais filosfica e de carter mais elevado do que a histria, porque a poesia

    permanece no universal e a histria estuda apenas o particular.1

    Assim, segundo Aristteles, o que diferencia a histria da literatura no est na forma,

    pois assim como a literatura pode ser narrada, tambm a histria pode ser; entretanto, o

    contedo diferente porque a histria, em tese, tem um compromisso com aquilo que de fato

    aconteceu, com a verdade, enquanto a literatura tem um compromisso no com aquilo que

    aconteceu, mas com aquilo que poderia ter acontecido. Aristteles quem cunha o conceito

    de verossimilhana, ou seja, a obra literria deve ter uma coerncia interna, em que mesmo

    que a histria contada no seja real ou verdadeira, o leitor possa nela ver uma verdade, algo

    que, se no aconteceu de fato, ao menos poderia ter acontecido.

    A histria e a literatura esto, entretanto, to intimamente ligadas, que se entrecruzam

    e que se perpassam; no h histria sem literatura, nem h literatura sem histria. H muito

    1 ARISTTELES. Potica. So Paulo: Ars Potica, 1993.

  • 7

    tempo, os historiadores tomam conhecimento sobre os gregos atravs da Ilada e da Odissia,

    bem como toda a literatura existe dentro de um tempo, e, por mais livre ou filosfica, como

    afirmou Aristteles, pertence a um tempo especfico, a uma poca histrica.

    Roberto Aczelo de Souza define a literatura de duas formas: lato sensu e scrito sensu:

    1. Literatura lato sensu: conjunto da produo escrita, objeto dos estudos literrios segundo a

    orientao positivista do sculo XIX; 2. Literatura scricto sensu: parte do conjunto da produo escrita e,

    eventualmente, certas modalidades de composies verbais de natureza oral ( no-escrita), dotadas de

    propriedades especficas, que basicamente se resumem numa elaborao especfica da linguagem e na

    constituio de universos ficcionais de imaginrios. (SOUZA, 1986, p. 46-47)

    Nesse sentido, a esto contidas a produo escrita e a produo oral de um texto que,

    tendo como fonte um mundo imaginrio e no a realidade, considerado literrio no s por

    causa disso, mas sobretudo por sua preocupao com a natureza esttica, ou seja, com a

    elaborao da palavra.

    Dessa forma, o importante a ser percebido nos conceitos mencionados anteriormente

    no diz respeito ao escrito ou oral, mas questo de a Literatura no ter uma preocupao ou

    um compromisso com a realidade ou com a verdade, pois sua fonte a imaginao.

    Porm, se as duas narrativas so diferenciadas por um discurso, em que se pretende

    encontrar apenas o que for verdadeiro e factual por parte da histria, e, por parte da

    literatura, buscar a verossimilhana, mas no a verdade; de que modo essas duas

    disciplinas, que, aparentemente, esto to fortemente diferenciadas desde o princpio, podem

    ser entrecruzadas? De que forma possvel ocorrer um dilogo, levando em considerao

    suas diferenas?

    A literatura no conta histrias reais, mas conta algo que poderia ter acontecido; por

    isso to importante o conceito de verossimilhana, pois se algo no parece ser possvel

    dentro daquele contexto literrio, ento no tem a coerncia necessria para ser crvel nem

    mesmo como fico. J a histria deve preocupar-se, no em ser verossmil, mas com os fatos,

    com a verdade. De qualquer forma, o fato que as duas disciplinas tm preocupaes

    distintas; mas, se assim, o que as aproxima?

  • 8

    1.1 A Literatura como fonte histrica

    O historiador Mrio Maestri lembra que a literatura e a histria nasceram como um ser

    nico e indistinto, mas que, lentamente, foram se distanciando: Espcie de gmeos idnticos,

    literatura e histria lutaram por se separar, e andar independentemente; o autor refere-se,

    com isso, aos mitos, contados em torno de fogueira, a fim de explicar a origem de tudo2.

    Maestri relembra que Aristteles, ao refletir sobre as diferenas entre as duas

    disciplinas, propunha que a poesia fosse mais filosfica e mais elevada do que a histria,

    pois contaria de preferncia o geral, e a ltima, o particular. De acordo com o autor, esse

    processo de distanciamento aumentou ainda mais na Idade Mdia, porque a Literatura no

    tinha qualquer preocupao com o passado e a histria era uma espcie de crnica do que j

    havia acontecido; foi, porm, no sculo XIX, em que se registra o nascimento do romance que

    Literatura e Histria voltaram a se aproximar para, depois, tornarem-se a se separar

    novamente.

    O autor lembra que o Positivismo influenciou no apenas a Histria, mas tambm a

    Literatura; basta que se pense em duas correntes literrias do sculo XIX, tais como o

    Realismo e o Naturalismo. As duas pretendiam mostrar a realidade e, segundo o historiador,

    mile Zol, importante romancista francs, ligado ao Naturalismo, percorreu bairros

    populares de Paris, entrevistando peixeiros, comerciantes, gigols e marafonas, a fim de

    recolher dados que lhe possibilitasse escrever Le Ventre de Paris e Nana; de acordo com

    Maestri, os livros de Zol deveriam dar uma demonstrao prtica das teorias sociolgicas

    cientficas da poca. E, de fato, toda pessoa que tem a oportunidade de ler obras naturalistas,

    pode enxergar ali a viso cientificista do sculo XIX, sem que haja, contudo, como

    relembra o autor, a discusso acerca das contradies inerentes a esse pensamento.

    Contudo, segundo o autor, a literatura constitui-se como importante fonte documental

    por expressar, de forma poderosa, cenrios, linguagens, personagens, concepes, vises de

    mundo, preconceitos de uma poca. Assim, a fico apresenta uma viso de mundo pertinente

    poca em que o livro foi escrito, e que pode ser percebida atravs de todos os elementos da

    narrativa; mesmo quando um determinado escritor elabora aquilo que escreve, ele no est

    2 MAESTRI, Mrio. Histria e Romance Histrico: Fronteiras. Novos Rumos, Ano 17, n 36, 2002.

  • 9

    solto no tempo, ele est preso sua poca e, portanto, deixa transparecer em sua obra

    pensamentos e ideias correntes no perodo em que viveu.

    Para a historiadora Sandra Jatahy Pesavento, a aproximao entre histria e literatura

    tem um sabor de dej vu; a autora argumenta que a sociologia da literatura j h muito

    tempo tem essa preocupao e que a histria quase sempre usou a literatura para ilustrar a

    cultura da poca. Entretanto, essas posturas j esto ultrapassadas, no entender da autora;

    segundo ela, esto ultrapassadas, no por considerarem-se erradas, mas por causa das novas

    questes que so colocadas aos intelectuais neste sculo.

    Para a historiadora, a melhor forma de enfocar as relaes entre histria e literatura

    est nos estudos sobre o imaginrio que, segundo ela, abriram uma janela para a recuperao

    das formas de ver, sentir e expressar o real dos tempos passados.

    A literatura, de acordo com Pesavento, uma fonte privilegiada para o historiador,

    pois d a este um acesso ao imaginrio que nenhuma outra fonte capaz:

    A literatura , pois, uma fonte para o historiador, mas privilegiada porque

    lhe dar acesso especial ao imaginrio, permitindo-lhe enxergar traos e pistas que

    outras fontes no lhe dariam. Fonte especialssima, porque lhe d a ver, de forma s

    vezes cifrada, as imagens sensveis do mundo. A literatura narrativa que, de modo

    ancestral, pelo mito, pela poesia, ou pela prosa romanesca, fala do mundo de forma

    indireta, metafrica e alegrica. Por vezes, a coerncia do sentido que o texto literrio

    apresenta o suporte necessrio para que o olhar do historiador se oriente para outras

    tantas fontes e nelas consiga enxergar aquilo que ainda no viu.3

    De acordo com a autora, a fonte literria tem uma especificidade que a faz diferente de

    outras; assim, no se pode esperar ou desejar que provenha dela fatos ou personagens reais; a

    importncia desta fonte outra: O texto literrio expresso ou sintoma de formas de pensar

    e agir. A historiadora diz tambm que a literatura fonte de si mesma, pois a escrita da

    sensibilidade de homens em um dado tempo; a literatura registra, segundo ela, a vida, ou,

    antes, uma impresso da vida, o que uma meta da Histria Cultural: capturar uma impresso

    de vida presente no passado.

    3 Sandra Jatahy Pesavento, Histria & literatura: uma velha-nova histria , Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Debates, 2006, [En lnea], Puesto en lnea el 28 janvier 2006. URL :

    http://nuevomundo.revues.org/index1560.html. Consultado el 15 octobre 2009.

  • 10

    1.2 Roger Chartier: O Mundo como Representao4

    O Mundo como Representao o nome do ttulo de um artigo escrito pelo historiador

    Roger Chartier para a Revista Annales; neste texto, ele fala de uma srie de questes que

    importam histria, mas, o que interessa mais a este trabalho, discusso que o autor faz

    sobre o conceito de representao.

    De acordo com o dicionrio Aurlio, o termo representao, entre vrias acepes,

    significa o ato ou efeito de representar-se, sendo que a ltima palavra citada, tambm entre

    vrias possibilidades de significado, quer dizer ser a imagem ou a reproduo de. Assim,

    pensando sobre isso, pode-se imaginar que a representao diz respeito a algo que, no

    podendo estar presente de alguma forma, faz-se estar atravs de uma representao que, por

    sua vez, pode ser entendida como uma imagem ou uma reproduo.

    Depois dessa ideia inicial sobre a palavra representao, pode-se partir para o seu

    uso dentro dos estudos histricos. Chartier evoca duas acepes da palavra no dicionrio

    Furetire, em uma edio de 1727, que, para o autor tem um sentido, pelo menos

    aparentemente, contraditrio. Na primeira, a representao supe uma ausncia; preciso

    representar algum ou algo que no pode estar em determinado lugar como as efgies,

    representaes dos prncipes mortos; e a outra acepo supe uma presena, a apresentao

    pblica de uma coisa ou pessoa. De acordo com o autor, na primeira acepo, a

    representao o instrumento de um conhecimento imediato que faz ver um objeto ausente

    substituindo-lhe por uma imagem capaz de rep-lo em memria e de pint-lo tal como ele .

    Para o historiador, algumas representaes so materiais como o caso das efgies mas

    outras tm um carter simblico e cita mais uma vez o dicionrio de Frutire: a

    representao de algo de moral pelas imagens ou pelas propriedades das coisas naturais e

    exemplifica com alguns animais, que simbolizam determinadas coisas, como o leo, que

    simboliza o valor, entre outros.

    Desse modo, no apenas o concreto pode ser representado, como o caso das efgies

    que ficam no lugar dos prncipes mortos, mencionado em pargrafo anterior; tambm o

    abstrato pode ser representado atravs de algo concreto; a Histria em si, uma disciplina

    dentre os saberes, portanto, algo que no concreto, mas abstrato, pode ser representada por

    uma musa grega, Clio, entidade concreta; uma estrela de determinada cor pode representar um

    4 CHARTIER, Roger. O Mundo como Representao. Estudos Avanados, v.5, n 11, So Paulo, Jan./Abril, 1991.

  • 11

    partido poltico; alguns termos histricos podem utilizar-se de representaes; o que dizer da

    expresso Idade das Trevas que, por muito tempo, designou a Idade Mdia?

  • 12

    2. O CONTEXTO HISTRICO DA PROCLAMAO DA REPBLICA

    A proclamao da Repblica no Brasil ocorreu em meio a um processo de

    transformaes sociais e polticas, ocasionados, sobretudo, por modificaes no cenrio

    econmico; a cultura do caf provoca um grande desenvolvimento urbano e industrial no pas,

    gerando uma nova elite e um ambiente propcio para que outras ideias, consideradas mais

    progressistas, pudessem efervescer, como o abolicionismo e o republicanismo.

    Alm disso, havia as dificuldades da prpria Monarquia, que precisava equilibrar-se

    entre as presses da Inglaterra para acabar com o trfico de escravos, ao mesmo tempo em

    que faz-lo iria desagradar os fazendeiros, que tinham os cativos como base de sua mo-de-

    obra. Ademais, o Imprio tinha que administrar problemas com o Exrcito, com o clero, e as

    dificuldades financeiras pelas quais o pas estava passando, desde que se endividara por causa

    da Guerra do Paraguai.

    Sendo assim, a Proclamao da Repblica pde ocorrer porque houve toda uma

    conjuntura que lhe tornou propcia.

    2.1 A Expanso Cafeeira

    Aps a Independncia, o Brasil entrava numa crise devido dificuldade na exportao de

    seus produtos; um produto, entretanto, fazia o caminho inverso, o caf.

    O problema brasileiro consistia em encontrar produtos de exportao em cuja produo entrasse como

    fator bsico a terra. Com efeito, a terra era o nico fator de produo abundante no pas. Capitais praticamente

    no existiam e a mo-de-obra era basicamente constituda por um estoque de pouco mais de dois milhes de

    escravos, parte substancial dos quais permaneciam imobilizados na indstria aucareira ou prestando servios

    domsticos.

    Pela metade do sculo, entretanto, j se definia a predominncia de um produto relativamente novo,

    cujas caractersticas de produo correspondiam exatamente s condies ecolgicas do pas. O caf, se bem que

    fora introduzido no Brasil desde comeos do sculo XVIII e se cultivasse por todas as partes para fins de

    consumo local, assume importncia comercial no fim desse sculo, quando ocorre a alta de preos causada pela

    desorganizao do grande produtor que era a colnia francesa do Haiti. No primeiro decnio da independncia o

    caf j contribua com 18 por cento do valor das exportaes do Brasil, colocando-se em terceiro lugar depois do

    acar e do algodo. E nos dois decnios seguintes j passa para primeiro lugar, representando mais de 40 por

    cento do valor das exportaes. ( Furtado, 1963, p. 142)

    O surto do caf ocorre em meados do sculo XIX, primeiramente, no Vale do Paraba e,

    posteriormente, no Velho Oeste paulista, por ocasio da decadncia do primeiro em funo do

    rpido empobrecimento do solo.

  • 13

    De acordo com Jos R. do Amaral Lapa, havia muitas diferenas entre o Vale do

    Paraba e o Velho Oeste Paulista, e que cooperaram para a estagnao de uma e para o

    progresso da outra. Ele enumera as diferenas do seguinte modo:

    Vale do Paraba: formas tradicionais de ocupao e uso da terra; fracionamento dos latifndios;

    estagnao econmica; mentalidade tradicional na administrao da fazenda; investimento improdutivo dos

    lucros.

    Velho Oeste paulista: formas capitalistas de ocupao e uso da terra; predomnio da grande propriedade;

    progresso; mentalidade empresarial capitalista; investimento produtivo dos lucros. (LAPA, 1983, p. 23)

    O autor mostra claramente, atravs destas caractersticas bem marcadas, as razes da

    decadncia do Vale do Paraba, por um lado, e do progresso do Velho Oeste paulista, por

    outro; enquanto a primeira era bastante atrasada em relao gerncia dos seus recursos

    naturais e administrativos, a segunda estava se adequando aos novos tempos e, sobretudo,

    lgica capitalista.

    A proibio do trfico negreiro, em 1850, atravs da Lei Eusbio de Queirs, tambm

    foi um dos motivos pelo qual o caf pde se expandir, pois o dinheiro anteriormente utilizado

    na compra de escravos passaria a ser investido na cultura cafeeira.

    Assim, os emprstimos aos governos imperial e republicano entraram no pas de

    diversas formas, tais como implantao de ferrovias, modernizao de portos, melhoramentos

    urbanos, tambm atravs de equipamentos que pudessem melhorar os empreendimentos

    industriais que surgiam nos fins do sculo XIX. ( Neto, Jos Miguel Arias. Primeira

    Repblica: economia cafeeira, urbanizao e industrializao. In: O Brasil Republicano. )

    De acordo com Eni Casalecchi os efeitos da expanso cafeeira so os seguintes: para

    resolver os problemas de transportes, era preciso que se implantasse e se desenvolvesse o

    sistema ferrovirio; depois, para resolver os problemas do beneficiamento e ensacamento do

    produto, era preciso dinamizar as atividades industriais de mquinas de beneficiar caf e

    sacaria, e ao mesmo tempo incentivar a indstria txtil, de modo que os trabalhadores

    pudessem, tambm, vestir-se ( escravos primeiramente e, depois, assalariados; a fim de

    resolver os problemas de comercializao, financiamento e abastecimento, era preciso que as

    atividades do comrcio, de exportao e de importao tornassem-se mais dinmicos, bem

    como o sistema bancrio. Alm disso, havia ainda a questo do convvio urbano que

    propiciava o desenvolvimento das cidades. E, finalmente, para resolver os problemas de mo-

    de-obra, utilizava-se primeiramente de escravos e, depois da extino do trfico em 1850, de

    trabalhadores assalariados. (CASALECCHI, 1992, P.18-19)

  • 14

    Ou seja, o caf provocou uma srie de transformaes, porque, para a sua cultura, era

    necessrio impulsionar uma srie de outras coisas que tambm que, por sua vez,

    impulsionaram outras. Dessa forma, levaram modernizao, pois surgiram com ele

    indstrias, transporte ferrovirio, crescimento das cidades e, o surgimento, sobretudo, de

    novas elites e de outras correntes de pensamento, consideradas mais progressistas.

    2.2 A Abolio da Escravatura5

    Em 1888, a Princesa Isabel assina uma Lei, chamada Lei urea, que determina que, a

    partir daquela data, 13 de maio de 1888, a escravido est extinta no Brasil. Esse o ltimo

    ato em relao a essa questo, tomada pela Monarquia, mas no o nico. Desde 1850, com a

    Lei Eusbio de Queirs, que extinguia o trfico negreiro no pas, os senhores de escravos

    comearam a ter problemas para conseguir mo-de-obra para trabalhar em suas fazendas;

    apesar da lei ter uma relao muito mais forte com a questo econmica do que com qualquer

    ideal humanitrio, pois surge a partir de presses da Inglaterra no sentido de proibir o

    trfico e, com isso, aumentar o seu mercado consumidor, ela atingia diretamente os setores

    agrrios.

    Entretanto, as leis abolicionistas so anteriores a 1850, pois desde 1831 j havia uma lei

    que coibia o trfico negreiro; era, porm, totalmente ignorada, pois as culturas mantinham-se

    graas ao trabalho escravo e os fazendeiros no viam outra soluo que no essa. A lei de

    1831, que fazia parte de um acordo com a Inglaterra, previa severas penas aos traficantes de

    escravos; alm disso, de acordo com a mesma lei, deveriam ser considerados livres todos os

    negros que chegassem a terras brasileiras a partir daquela data. No entanto, ela no teve xito

    e tornou-se uma lei para ingls ver, nas palavras de Bris Fausto (2010). Ou seja, o trfico

    continuou, entraram ainda mais escravos no pas a partir daquela data, mas a lei existia para

    satisfazer os interesses ingleses. Estes fiscalizavam, naturalmente, as embarcaes, que, por

    sua vez, utilizavam uma srie de recursos para burl-la.

    Vrios recursos foram adotados pelos negreiros para burlar a lei. Escravos eram

    desembarcados em praias remotas onde no havia nenhuma fiscalizao. Bandeiras falsas eram

    hasteadas nos navios negreiros com o objetivo de confundir os perseguidores britnicos e as

    autoridades brasileiras. A conivncia das autoridades era assegurada mediante propinas ou

    5 Para o estudo deste tema, recomenda-se a leitura da obra De Costa a Costa, do historiador Jaime Rodrigues.

  • 15

    ameaas. Quando tudo isso falhava e algum juiz mais cioso de suas funes pretendia exercer

    seu papel, punindo os contrabandistas, verificava que a maioria da populao acobertava o

    contrabando. Uns o faziam por interesse, outros por razes de famlia ou amizade, outros ainda

    por receio de represlia ou at mesmo por indiferena. (Costa, 2008, p. 26 e 27).

    Porm, se a lei continuava a ser desrespeitada, e o trfico continuava sendo considerado

    legtimo pela maioria da populao, por outro lado, o fato de ser ilcito comeou a torn-lo

    questionvel no decorrer dos anos seguintes. Assim, em 1850, com a Lei Eusbio de Queirs,

    a lei teve maior fora do que anteriormente, apesar de, ainda assim, continuar havendo o

    contrabando de escravos.

    2.3 A questo militar

    De acordo com Jlio Jos Chiavenato6, o Brasil praticamente no tem Exrcito at a

    guerra do Paraguai: O Exrcito, quase nulo, um amontoado de bbados, vagabundos e

    negros imprestveis para a escravido, que Pedro II chama de fora bruta. De acordo com o

    autor, entrar para o Exrcito era desonroso at a Guerra do Paraguai. Este conflito exige,

    porm, um Exrcito verdadeiro. O Imprio busca ento voluntrios, atravs do decreto 3371,

    de 7 de janeiro de 1865, que cria o corpos para a guerra, chamados Voluntrios da Ptria.

    Apesar da tentativa, poucos se oferecem e outros tipos de recursos so utilizados, como

    sequestros, por exemplo. So oferecidas terras e alforria aos escravos que se disponham a

    lutar voluntariamente. Chiavenato acrescenta que o prprio Joaquim Nabuco sugere que haja

    uma libertao em massa de todos os escravos para transform-los em soldados. Entretanto,

    isso no funciona, e somente sequestros do resultados. ( CHIAVENATO, 1996, p. 51.)

    Os pobres fugiam como podiam da guerra, deixando vilas e cidades inteiras

    abandonadas. Os ricos, porm, tinham como safar-se de modo mais cmodo, pois, atravs do

    decreto 3513, de 12 de setembro de 1865, os homens de posse poderiam livrar-se pagando

    uma determinada quantia, ou apresentando em seu lugar outra pessoa. Assim, muitos

    escapavam mandando em seu lugar dois, trs ou at mais escravos. ( CHIAVENATO, 1996,

    p. 53 e 54)

    6 Para um estudo apurado sobre a Guerra do Paraguai, recomendam-se obras mais atualizadas.

  • 16

    A questo militar, de acordo com Celso Castro, o nome dado a uma srie de eventos

    iniciados em agosto de 1886 e que se prolongaram at maro de 18877. Segundo o autor, ela

    comeou quando o coronel Cunha Matos, do Partido Liberal, em viagem de inspeo pela

    provncia do Piau, registrou irregularidades administrativas cometidas pelo capito da

    companhia de Infantaria desta provncia, ligado ao Partido Conservador. Em junho de 1886,

    um deputado piauiense, amigo e correligionrio do capito, atacou, em discurso na Cmara,

    Cunha Matos. As acusaes contra ele diziam que ele teria trado o pas na Guerra do

    Paraguai; em artigos de jornal, o coronel defendeu-se das acusaes, e o Ministro da Guerra,

    deputado Alfredo Chaves, informou-o que os oficiais estavam proibidos de discutir questes

    polticas ou militares sem o seu consentimento prvio. Por isso, mandou-o prender por dois

    dias. (CASTRO, 1995, p.85-87)

    Um amigo de Cunha Matos, general e senador liberal pelo Rio Grande do Sul, Jos

    Antnio Correa da Cmara, o visconde de Pelotas, ao proferir um discurso no incio de 1886,

    criticou o ato do ministro e o considerou uma ofensa a todos os oficiais do Exrcito. A

    questo militar ainda teve outros episdios e o importante a ser ressaltado, que ela tornou as

    relaes entre o Imprio e o Exrcito ainda mais tensas, aumentando o descontentamento dos

    militares com a Monarquia. 8 (CASTRO, 1995, p. 85 -87)

    7 Pela primeira vez na histria brasileira, grupos de militares afirmaram publicamente, e com fora, a existncia de uma classe militar opondo-se aos atos do governo. A questo da honra, to acionada pelos militares,

    revela as contradies de status que eles acreditavam viver no Imprio; louvados em um plano por sua honra

    social especfica os sacrifcios nos campos de batalha discriminados e inferiorizados em outro a vida

    normal, cotidiana atravs da pouca importncia atribuda pelo governo instituio. ( CASTRO, 1995, p. 97)

    8 Os ressentimentos militares contra a forma como os gabinetes civis tratavam a instituio vinham de longa data. Ainda estava presente na memria a humilhao sofrida aps o 7 de abril de 1831, quando o Exrcito

    teve seus efetivos reduzidos e toda nfase foi dada recm-criada Guarda Nacional. Entretanto, quando

    quiseram fazer a guerra contra o Paraguai, Exrcito e Marinha foram chamados e muitos dos seus efetivos

    pereceram nos mangues e matas daquela regio, em grande parte devido s pssimas condies de vesturio,

    baixo nvel tcnico e carncia de apoio logstico...

    Os militares, no satisfeitos com o tratamento discriminatrio , queriam que as questes inerentes s

    foras armadas fossem s por elas tratadas.

    Em 1886, o Visconde de Pelotas ( Marechal Cmara), na condio de senador do Imprio, pronuncia

    um longo discurso na tribuna daquela casa, na qual trata desse problema. Fala do descaso dos ministrios que

    no atendiam s reivindicaes militares: pssimas eram as condies dos quartis, a legislao em vigor era

    antiquada, o recrutamento militar s deixava para o Exrcito o que havia de pior. E cita que em 1884, quando o

    Exrcito tinha um efetivo de 13.500 homens, registraram-se 7.326 passagens pelas prises, nas quais se incluam

    54 oficiais. Adiante, reclama da contnua ingerncia de civis na remoo, punio e promoo de oficiais,

    apontando inmeros casos. Esse pronunciamento no constitua um discurso isolado; os acontecimentos que se

    seguiriam dariam mostras de que essa era a ponta de um iceberg. (MONTEIRO, 1986, p.16-17)

  • 17

    2.4 A questo religiosa

    Uma das questes enfrentadas pela Monarquia em seus momentos finais foi um

    conflito com a Igreja, que ficou conhecida como Questo Religiosa.

    Carlos Guilherme Mota e Adriana Lopez explicam a questo Religiosa da seguinte

    maneira: o Papa Pio IX, em 1872, proibiu os catlicos de participarem de lojas manicas; ele

    buscava uma purificao da Igreja (Lopez e Mota, 527) e, para tanto, precisava terminar

    com qualquer relao entre a Igreja Catlica e a Maonaria, e queria tambm um retorno

    ortodoxia. Entretanto, havia um enorme de nmero de pessoas que faziam parte da elite que

    tinham relaes com a maonaria. At este acontecimento, as relaes entre essas duas

    instituies eram pacficas.

    Um acontecimento foi o estopim da crise; as lojas manicas deram uma festa

    comemorando a Lei do Ventre Livre e um padre proferiu um discurso utilizando o jargo da

    maonaria; por esta razo, ele foi punido, com suspenso, do plpito e do confessionrio. As

    lojas do Rio de Janeiro passaram ento a atacar o Episcopado brasileiro. O imperador e sua

    famlia, que tambm tinham relaes com a maonaria, sentiram-se ofendidos quando os

    bispos Dom Vital, de Olinda, e Dom Macedo Costa do Par, fiis ao Papa, tomaram medidas

    drsticas contra padres simpticos Maonaria. Como o Imperador considerou a atitude dos

    bispos uma ofensa grave contra a Majestade do Imprio, os bispos foram processados e

    presos. Em 1874 receberam a pena de 4 anos de priso. Isso, porm, no durou muito tempo;

    o governo imperial logo se viu obrigado a anisti-los em 17 de setembro de 1875. Entretanto,

    o erro j havia sido cometido e a priso dos bispos repercutiu dentro e fora do Brasil de

    maneira muito negativa para o Imprio brasileiro. As relaes entre a Monarquia e a Igreja

    entraram em crise, e isso foi mais um motivo de descontentamento: No de estranhar que o

    bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda, na madrugada de 16 de novembro de

    1889, ao ver o Imperador Pedro e sua famlia detidos no palcio, tenha dito: Exatamente o

    que ele fez aos bispos... (Lopes e Mota, 2008, p. 528)

    Entretanto, de acordo com a historiadora Emlia Viotti da Costa, essa crise entre o

    Imprio e a Igreja no poderia ter sido um fator preponderante para a queda da monarquia,

    pois, de acordo com a autora, a sociedade brasileira da poca no era profundamente clerical,

  • 18

    e a Igreja no era contrria Monarquia; ao contrrio, havia padres monarquistas e padres

    republicanos.9

    2.5 A Proclamao da Repblica

    De acordo com Celso Castro, a Proclamao da Repblica foi apenas um golpe, o golpe

    de 1889; esse movimento, foi um momento-chave no surgimento dos militares como

    protagonistas no cenrio poltico brasileiro (CASTRO, 2000, p.8). Ainda de acordo com este

    autor, o golpe republicano foi militar, em sua organizao e execuo; entretanto, no foi ao

    de todos os segmentos militares, mas de apenas alguns indivduos em particular. No houve

    praticamente participao da Marinha, e mesmo em relao ao Exrcito, houve uma

    participao muito pequena dos oficiais do topo da hierarquia. Apenas Deodoro da Fonseca

    estava presente; alm dos oficiais superiores estarem em nmero reduzido, o que mais se

    destacou foi Beijamin Constant, professor de matemtica na Escola Militar. De acordo com o

    autor, houve participao efetiva apenas de um conjunto de oficiais de patentes inferiores do

    Exrcito (alferes-alunos, tenentes e capites) que possua educao superior ou cientfica

    obtida durante o curso da Escola Militar, localizada na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.

    Para Castro, esses jovens, que na poca eram chamados de a mocidade militar seriam os

    verdadeiros protagonistas da Proclamao da Repblica; Beijamin Constant no seria o lder

    deles, ao contrrio, eles, os alunos, que teriam seduzido o professor para os ideais

    9 exagero supor que a Questo Religiosa que indisps momentaneamente o Trono com a Igreja foi

    um dos fatores primordiais na Proclamao da Repblica. Para que isso acontecesse, era preciso que a nao

    fosse profundamente clerical, a Monarquia se configurasse como inimiga da Igreja, e a Repblica significasse

    maior fora e prestgio para o clero. De duas uma, ou a nao estava a favor dos bispos e contra D. Pedro, e

    ento a perspectiva de substituio do imperador seria vista com bons olhos em virtude de suas conhecidas

    ligaes com a Igreja; ou a nao era pouco simptica aos bispos e, nesse caso, se solidarizaria com a Monarquia

    e a Questo Religiosa, em vez de prejudica-la, teria reforado o seu prestgio. De qualquer maneira, a Questo

    Religiosa no poderia contribuir de modo preponderante para a queda da Monarquia. Quando muito, revelando o

    conflito entre o Poder Civil e o Poder Religioso, contribuiria para aumentar o nmero dos que advogavam a

    necessidade de separao da Igreja do Estado e, assim, indiretamente, favoreceria o advento da Repblica, que

    tinha essa norma como objetivo.

    Tambm no parece exato dizer que o clero, identificando-se com o povo onde ele era recrutado, esteve

    sempre solidrio com os anseios populares manifestando a sua rebeldia, aderindo s ideias liberais e colocando-

    se contra a Monarquia, pois na realidade o clero esteve sempre dividido e, em certas questes, como no caso da

    Abolio, manteve-se ao lado das camadas dominantes, e no ao lado do povo. Havia no Imprio padres

    republicanos, como o padre Jos Manuel, e padres monarquistas, como muitos outros, e a Igreja muito pouco

    tem a ver com a instalao da Repblica. ( COSTA, 458-459, 2007)

  • 19

    republicanos. Alm disso, na viso deste autor, Deodoro da Fonseca no teria dado o golpe

    por causa de seus ideais republicanos, mas em nome daquilo que ele imaginava ser a honra

    (grifo do autor) do Exrcito e por algumas particularidades da poltica do Rio Grande do Sul,

    que ele havia chefiado h pouco.

    Para Jos Murillo de Carvalho, no houve uma Proclamao da Repblica, mas trs

    proclamaes; isso porque os militares que participaram do golpe divergiam quanto sua

    viso de Repblica, quanto ao papel que cada um deveria exercer, e, sobretudo, porque havia

    por trs disso, uma disputa de poder (CARVALHO, 1990).

    O autor tambm diverge em relao viso tradicional, que tem na sua frase mais

    famosa, proferida pelo jornalista e republicano Aristides Lobo, testemunha histrica do

    acontecimento, de que o povo assistiu a tudo bestializado, sem compreender o que se

    passava, julgando ver talvez uma parada militar. Na viso deste autor, a ideia do povo

    bestializado muito simplista, pois no leva em considerao a real participao do povo; h,

    entretanto, que ver com a forma como o povo participava e, alm disso, o fato de a Repblica

    ter como pressuposto a participao popular, mas isso no se dar na prtica, pois as mesmas

    elites permaneceram no poder, e o povo, como sempre, continuou margem. (CARVALHO,

    1987).

    De acordo com o autor, o povo tinha conscincia de que no havia lugar para si na

    Repblica, da mesma forma como no havia na Monarquia; no caberia participar de algo

    que, na realidade, no lhes pertencia, ou que, de fato, no mudaria nada em sua vida cotidiana.

    A participao popular se dava em outras esferas, as esferas possveis, como a Revolta da

    Vacina, os rituais religiosos, entre outras manifestaes populares. No haveria razo alguma

    para o povo participar da Proclamao da Repblica, porque esta, na verdade, no tinha

    inteno alguma de mudar a vida do povo para melhor; era s mais uma troca de figuras do

    poder, nada havia de transformao profunda, nada havia de revolucionrio nesse

    acontecimento.

    Alm disso, segundo Carvalho, a populao negra era contrria Proclamao da

    Repblica, e mesmo antes desta ocorrer, j havia se manifestado atravs da Guarda Negra,

    organizada por Jos do Patrocnio para defender a Princesa Isabel. Jos do Patrocnio, apesar

    de republicano, era um abolicionista ferrenho; para ele, a Abolio estava acima da

    Repblica, deveria ser uma prioridade de qualquer governo, sobretudo dos republicanos;

    entretanto, nem todos os republicanos pensavam assim, a Repblica viria primeiro, somente

    depois a Abolio. Por isso, quando a Princesa Isabel decretou a Abolio da Escravatura,

  • 20

    Jos do Patrocnio, apesar de ser republicano, ficou ao lado da princesa, porque, para ele, que

    era filho de uma escrava alforriada e de um cnego, dar liberdade aos escravos era mais

    importante do que mudar o regime.

    Segundo Murillo de Carvalho, tanto a Princesa Isabel quanto Pedro II eram alvo de

    grande simpatia por parte do populao negra. O autor cita o escritor e republicano Raul

    Pompia, que testemunhou o aniversrio do Imperador em 2 de dezembro de 1888, relatando

    que o Pao Imperial foi invadido por uma turba imensa de populares, homens de cor a maior

    parte. Alm desse testemunho, h o de Lima Barreto, escritor mulato que tinha uma

    conhecida ojeriza pela Repblica; Triste Fim de Policarpo Quaresma, um de seus romances

    mais conhecidos, mostra bem a Repblica que no permitia crticas, e a ditadura de Floriano

    Peixoto.

    Estas eram algumas razes que impediam que o povo estivesse ao lado dos

    republicanos; o povo, talvez sabendo bem que, estivesse quem estivesse no poder, seu lugar

    seria sempre o mesmo, no veria razes para participar; os negros, simpticos figura da

    Princesa Isabel, que da por diante passou a ser conhecida como a Redentora, no poderiam,

    tambm, por sua vez, estar ao lado dos republicanos, j que o Imprio havia concedido a

    libertao. Apesar da evidncia de que a Princesa Isabel cedia a presses abolicionistas, de

    que talvez estivesse tentando salvar a Monarquia, que, enfim, como disse Rui Barbosa, no

    fosse uma questo de bondade, como pensavam muitos, mas pura e simplesmente, uma

    questo poltica, a princesa ia ganhando adeptos e simpatia entre o povo negro.

    E, na verdade, a Repblica, apesar do discurso pr-popular, no se apresentou desta

    forma quando chegou ao poder.

  • 21

    3. A REPRESENTAO DA TRANSIO DA MONARQUIA PARA A

    REPBLICA, EM ESA E JAC

    O romance Esa e Jac, de Machado de Assis, conta a histria de Pedro e de Paulo,

    apaixonados pela mesma moa, Flora. O livro, publicado em 1904, retrata o perodo de

    transio do Regime Monrquico para o Republicano, momento poltico vivenciado de fato

    pelo autor, que nasceu em 1839 e morreu em 1908; ou seja, nasceu quando o Brasil vivia um

    governo monrquico e morreu quando o governo j era republicano. A representao se d no

    enredo e na construo das personagens; Pedro e Paulo so gmeos, porm, um deles

    republicano e outro monarquista; brigam desde pequenos, dentro do ventre, e desejam a

    mesma mulher, cujo nome Flora.

    3.1 O enredo

    O primeiro captulo de Esa e Jac chama-se Cousas Futuras; o narrador apresenta

    duas personagens, Natividade e Perptua, subindo ao Morro do Castelo, onde havia uma

    mulher capaz de prever o futuro. Estavam elas interessadas em descobrir o futuro dos filhos

    da primeira, recm-nascidos e gmeos.

    Era a primeira vez que as duas iam ao Morro do Castelo...O ngreme, o desigual, o mal calado da

    ladeira mortificavam os ps s duas pobres donas. No obstante, continuavam a subir, como se fosse penitncia,

    devagarinho, cara no cho, vu para baixo. A manh trazia certo movimento; mulheres, homens, crianas que

    desciam ou subiam, lavadeiras e soldados, algum empregado, algum lojista, algum padre, todos olhavam

    espantados para elas, que alis vestiam com grande simplicidade; mas h um donaire que no se perde e no era

    vulgar naquelas alturas. A mesma lentido do andar, comparada rapidez das outras pessoas, fazia desconfiar

    que era a primeira vez que ali iam... (MACHADO DE ASSIS, 2003, p.11)

    No Morro do Castelo, elas teriam um encontro com Brbara, para que esta lhes falasse

    a respeito dos filhos de Natividade. Esta lhe deu os retratos e os cabelos cortados dos filhos

    para que a mulher dissesse o que estava destinado a eles. A mulher olhou bem para os retratos

    e para os cabelos e perguntou se eles haviam brigado no ventre. Depois, porm, diz que os

    gmeos sero grandiosos: Sero grandes, oh! Grandes! Deus h de dar-lhes muitos

    benefcios. Eles ho de subir, subir, subir...Brigaram no ventre de sua me, que tem? C fora

  • 22

    tambm se briga. Seus filhos sero gloriosos. s o que lhe digo. Quanto qualidade da

    glria, cousas futuras!

    Este primeiro captulo revela que a disputa entre as personagens principais, Pedro e

    Paulo, se d desde que eles esto no ventre da me, Natividade. Depois, no decorrer da

    infncia, os dois brigam pelos mais diferentes motivos, e a me, lembrando-se sempre das

    previses feitas pela vidente do Morro do Castelo, aflige-se cada vez mais com as constantes

    disputas.

    Mais tarde, os irmos, ainda pequenos, discordam ao entrar em uma loja de retratos.

    Um quer comprar um retrato de Lus XVI e outro quer comprar um retrato de Robespierre.

    Como este ltimo mais caro, discutem; neste episdio j comea a se delinear o

    posicionamento poltico de ambos; Paulo, o gmeo que desejou o retrato do rei, tornar-se-,

    quando adulto, republicano, e Pedro, o gmeo que desejou o retrato do lder jacobino,

    monarquista.

    A me, para atenuar a rivalidade que tem origem ainda em seu ventre, decide

    encaminhar os filhos para diferentes carreiras, a fim de que eles estudassem em cidades

    diferentes, o que lhes propiciaria uma amizade futura. Paulo deveria ser advogado e estudar

    em So Paulo, e Pedro, mdico, e estudar no Rio de Janeiro. Os dois, de fato, tomam rumos

    diferentes, mas conhecem Flora, menina com quem fazem uma amizade, e por quem se

    apaixonam. A rivalidade entre os dois se mantm sempre, apesar de, com isso, causar grande

    tristeza na me; os filhos, apaixonados pela mesma moa, tambm tm o seu amor

    correspondido. Porm, se ela corresponde ao amor de ambos, por um lado, por outro, no se

    decidindo por nenhum, afasta-se deles, adoece e morre. Todos pensam que a morte de Flora,

    enfim, resolver o problema da rivalidade entre os irmos. Os dois, de fato, prometem ser

    amigos depois da morte da amada; entretanto, novamente, tornam a brigar. A me dos

    gmeos, antes de morrer, pede que sejam amigos e eles prometem que se daro bem; no

    entanto, em pouco tempo voltam rivalidade. O Conselheiro Aires, personagem de um velho

    diplomata que, como diz o nome, serve mesmo como conselheiro para os outros personagens,

    diz , no captulo final, a algum que lhe perguntasse sobre Pedro e Paulo, que eles sempre

    foram os mesmos, rivais desde o tero materno.

  • 23

    3.2 As personagens: a rivalidade entre os irmos

    A relao de rivalidade entre os irmo Paulo e Pedro j est presente desde o ttulo,

    Esa e Jac, que remete aos irmos bblicos, filhos de Abrao e Rebeca. De acordo com a

    histria constante na Bblia acerca deles, a rivalidade tem incio porque Esa era o filho

    preferido de Abrao e Jac era o filho preferido de Rebeca; em determinada situao, Esa, o

    mais velho, estava caando enquanto o irmo mais novo, Jac, estava fazendo uma sopa. Ao

    chegar, morrendo de fome, pediu a Jac que lhe servisse a comida e este, exigiu-lhe o direito

    de primogenitura em troca de lhe servir a sopa. Assim, Jac, o mais novo, usurpa o direito de

    primogenitura do mais velho. Mais tarde, quando o pai j estava velho e prestes a morrer, este

    queria dar a bno ao filho mais velho, mas a me, querendo a bno para o mais novo, o

    seu preferido, disse a Jac que ele deveria fingir ser Esa, a fim de conseguir a bno

    destinada ao mais velho. Jac faz o que a me lhe pede, e, enganando o pai, consegue ser

    abenoado por ele. Depois, Esa chega a sua casa e vai at o pai para que este lhe d a

    bno, mas ele diz que j o abenoou. Descobrem a mentira, mas o pai no poderia abenoar

    Esa, pois j tinha abenoado Jac. Assim, Esa, enfurecido, promete vingar-se do irmo. Na

    Bblia, esta rivalidade termina, pois os irmos fazem as pazes.

    Desta forma, mesmo sem ler o livro, o leitor j tem uma aluso a duas personagens

    bblicas, dois irmos rivais. De fato, Pedro e Paulo so irmos, e gmeos, e rivais, assim como

    os irmos bblicos Esa e Jac. H ainda outro detalhe acerca dos protagonistas Pedro e

    Paulo. Seus nomes so tambm bblicos, so nomes de dois apstolos. Porm, enquanto Esa

    e Jac so personagens do Velho Testamento, os nomes de Pedro e Paulo so aluso a

    personagens do Novo Testamento. Pedro e Paulo, os apstolos, no so irmos, e ocupam

    diferentes posies como apstolos de Jesus. Pedro considerado o fundador da Igreja, e o

    seu nome, dado por Jesus, significa pedra, rocha. Paulo, um ex-perseguidor de cristos que

    teria se convertido. Assim, tambm possvel pensar em os nomes dos personagens fazem

    aluso a esses personagens bblicos, os apstolos. Pedro remete ao Pedro fundador da Igreja, o

    pescador de homens, e Paulo, ao ex-perseguidor de cristos, que se convertera depois. Por que

    Pedro o monarquista e Paulo, o republicano? Que relao pode ser feita entre o Pedro

    fundador da Igreja e o Pedro monarquista? E que relao pode haver entre o apstolo Paulo e

    o republicano Paulo?

  • 24

    3.3 Abolio

    No captulo XXXVII, chamado Desacordo no acordo, h uma referncia questo

    da abolio da escravatura, e forma como os gmeos Pedro e Paulo reagiram em relao a

    ela. Tanto um quanto o outro concordavam que a emancipao deveria ocorrer; a nica

    diferena que Pedro via nisto um ato de justia, e Paulo, o incio de uma revoluo. Nesse

    sentido, pensando alegoricamente como Pedro representando o Imprio, e Paulo

    representando a Repblica, e, sabendo-se que, historicamente, tanto a Monarquia foi a favor

    da abolio, uma vez que esta foi feita pelo Imprio, atravs do decreto-lei assinado pela

    Princesa Isabel, quanto os republicanos, que tambm tinham tambm ideias abolicionistas.

    Entretanto, interessante observar como vista a Abolio por Pedro e como vista

    por Paulo. De fato, pode-se pensar que a Abolio foi o incio da Revoluo, pois para alguns,

    foi o que marcou o fim da Monarquia, um dos fatos que pode ter levado o Imprio ao seu

    derradeiro fim.

    No esquea dizer que, em 1888, uma questo grave e gravssima os fez concordar

    tambm, ainda que por diversa razo. A data explica o fato: foi a emancipao dos escravos.

    Estavam ento longe um do outro, mas a opinio uniu-os. A diferena nica entre eles dizia

    respeito significao da reforma, que para Pedro era um ato de justia e para Paulo era o

    incio da revoluo. Ele mesmo o disse, concluindo um discurso em So Paulo, no dia 20 de

    maio: A Abolio a aurora da liberdade; esperemos o sol; emancipado o preto, resta

    emancipar o branco. (MACHADO DE ASSIS, 2003, p. 81)

    Levando-se em considerao que havia abolicionistas tanto por parte de monarquistas

    quanto de republicanos, e que, alm disso, os abolicionistas tambm divergiam em relao

    prioridade ou no da Abolio e como ela deveria ser feita, o enfoque diferente dado aos

    personagens, ou em outras palavras, o seu posicionamento em relao ao assunto, bastante

    simblico de um pensamento que era, de certo modo, corrente, mas que tinha suas variaes.

    Ainda pensando como os personagens enxergavam a Abolio, em que, para Pedro,

    constitua um caso de justia e para Paulo, o incio de uma revoluo, pode-se pensar na

    justia feita pela Princesa Isabel ao assinar o decreto que libertava todos os escravos em 13

    de maio de 1888, imagem que, de fato, muitos tinham a respeito da soberana. Tanto era assim

    que contava com grande simpatia por parte da populao negra, o que j foi mencionado no

    captulo anterior, pois viam nesse acontecimento um ato de bondade por parte dela. E,

  • 25

    tambm citado em captulo anterior, imagem refutada por parte de alguns, como Rui Barbosa,

    por exemplo.

    3.4. Cenas da histria: O Baile da Ilha Fiscal

    No captulo intitulado Terpscore, musa grega da dana, Machado de Assis conta a

    noite do Baile da Ilha Fiscal, que, de acordo com Llia Moritz Schwarcz, foi um evento

    montado para representar a imponncia da monarquia. Segundo a autora, o baile foi muito

    comentado na poca, e ficou conhecido como um smbolo do fim da monarquia: Discorreu-

    se sobre as orgias infindveis, a ostentao e o luxo incompatveis com a situao poltica, e

    circularam rumores de que as foras armadas teriam sido intencionalmente excludas da lista

    de convidados. ( SCHWARCZ, 1998, p.455). Era o primeiro baile promovido oficialmente

    pelo Imprio, para o qual foram distribudos trs mil convites. De acordo com a autora, a festa

    parecia uma grande confraternizao, e, no mesmo salo, suspensos os conflitos, estavam

    reunidos liberais e conservadores, a corte e seus bares, e, inclusive, o primeiro-tenente da

    Marinha, Jos Augusto Vinhais, que participaria do golpe que colocaria um fim na

    Monarquia, apenas alguns dias depois. Enquanto isso, o povo fazia festa do lado de fora:

    O povo, sempre afastado dos grandes acontecimentos, foi premiado com fandangos e lundus,

    coroando seus reis enquanto nos sales se evidenciava o cenrio da realeza decadente. No largo da Praa, bem

    em frente Ilha Fiscal, uma banda da polcia com farda de gala se responsabilizava por essa parte da diverso.

    Mais uma vez, as festas do Imprio se encontravam, apesar dos estilos e motivos um tanto diferentes.

    (SCHWARCZ, 1998, p.455)

    No trecho a seguir, Natividade, me dos gmeos Paulo e Pedro, deixava todas as suas

    preocupaes de lado para dar ateno ao Baile da Ilha Fiscal, um grande evento promovido

    pelo Imprio para a elite da poca; de acordo com o autor, a ltima grande festa da monarquia

    ocorreu em novembro e, de fato, ocorreu no dia 9 de novembro, somente alguns dias antes

    da Proclamao da Repblica:

    Nenhuma dessas coisas preocupava Natividade. Mais depressa cuidaria do Baile da

    Ilha Fiscal, que se realizou em novembro para honrar os oficiais chilenos. (MACHADO DE

    ASSIS, 2003, p. 102)

  • 26

    Neste ponto possvel ver que, embora as personagens do livros sejam fictcias,

    representativas da prpria histria, todo o contexto remete histria factual; o baile que, de

    fato aconteceu, a poca que corresponde exatamente mesma, a homenagem aos chilenos, a

    magnitude do baile e o interesse da aristocracia por ele.

    O trecho abaixo revelador da suntuosidade do baile; Flora, aqui chamada pela

    narrador de esquisitona vai ao baile com o pai e a me; bem como tambm Nativdade, o

    marido, os filhos, Aires, enfim, os representante da elite no contexto do romance:

    No importa; a esquisitona foi ao baile da Ilha Fiscal com a me e o pai. Assim

    tambm Natividade, o marido e Pedro, assim Aires, assim a demais gente convidada para a

    grande festa. Foi uma bela ideia do governo, leitor. Dentro e fora, do mar e de terra, era como

    um sonho veneziano; toda aquela sociedade viveu algumas horas suntuosas... (MACHADO

    DE ASSIS, 2003, p. 105)

    3.5 A proclamao da Repblica

    O romance Esa e Jac narra tambm a Proclamao da Repblica; o personagem

    Custdio o dono de uma confeitaria, cujo nome Confeitaria do Imprio. Ocorre que ele

    resolve, por conselhos de outrem, pintar a tabuleta, que est velha; nesse nterim, porm,

    ocorre uma reviravolta inesperada para ele: o golpe de 15 de novembro de 1889. Ento ele

    manda um recado para o pintor, que diz: Pare no D.

    O pintor, entretanto, no vira o recado e continuou pintando; ao ver que na tabuleta

    estava escrito Confeitaria do Imprio, Custdio se desespera, pois, com a mudana de

    regime, este nome poderia lhe causar problemas futuros:

    Referido o que l fica atrs, Custdio confessou tudo o que perdia no ttulo e na despesa, o mal que lhe trazia a

    conservao do nome da casa, a impossibilidade de achar outro, um abismo, em suma. No sabia que buscasse;

    faltava-lhe inveno e paz de esprito. Se pudesse, liquidava a confeitaria. E, afinal que tinha ele com poltica?

    Era um simples fabricante e vendedor de doces, estimado, afreguesado, respeitado, e principalmente respeitador

    da ordem pblica.

    -Mas o que que h? perguntou Aires.

    -A Repblica est proclamada.

    - J h governo?

  • 27

    -Penso que j; mas diga-me: Vossa Excelncia ouviu algum acusar-me jamais de atacar o governo? Ningum.

    Entretanto...Uma fatalidade! Venha em meu socorro, Excelentssimo. Ajude-me a sair desse embarao. A

    tabuleta est pronta, o nome todo pintado Confeitaria do Imprio, a tinta viva e bonita. O pintor teima em

    que lhe pague o trabalho, para ento fazer outro. Eu, se a obra no estivesse acabada, mudava de ttulo, por mais

    que me custasse, mas hei de perder o dinheiro que gastei? Vossa Excelncia cr que, se ficar Imprio, venham

    me quebrar as vidraas? (MACHADO DE ASSIS, 2003, p. 137 e139)

    interessante observar que o confeiteiro nada sabia sobre poltica, e estava

    completamente alheio a todos os acontecimentos que diziam respeito ao golpe contra a

    monarquia, tendo ficado sabendo, como muitos, inclusive como muitos republicanos, apenas

    no dia do acontecimento. Sua preocupao, porm, no tinha a ver com o regime, se

    monrquico ou republicano, que, para a personagem, era completamente indiferente; o seu

    medo era de que, tendo no nome de seu estabelecimento algo que pudesse parecer contrrio

    ao governo da situao, ele pudesse ter o seu negcio prejudicado. De certa forma, esse

    episdio da tabuleta muito representativo da ideia de que o povo assistiu a tudo

    bestializado, que no tomou conhecimento do que estava acontecendo, e que no tinha

    interesse nenhum em tomar. De fato, nem mesmo os personagens do romance, todos

    representantes da elite, estavam a par dos acontecimentos; at mesmo o republicano Paulo foi

    pego de surpresa ao saber do golpe.

    A noo, porm, de que a mudana de regime era, de fato, muito pouco significativa

    em temos de mudanas reais, est clara no pensamento de Aires, que parece ser o porta-voz

    das ideias do autor:

    Aires quis aquietar-lhe o corao. Nada se mudaria; o regmen, sim, era possvel, mas tambm se muda

    de roupa sem trocar de pele. Comrcio preciso. Os bancos so indispensveis. No sbado, ou quando muito na

    segunda-feira, tudo voltaria ao que era na vspera, menos a Constituio. (MACHADO DE ASSIS, 2003,

    p.141)

    Ao dizer que se pode mudar de roupa sem mudar de pele, Aires revela que a

    mudana de regime no vai mudar de fato as figuras do poder; afinal, conservadores ou

    liberais, monarquistas ou republicanos, todos faziam parte de uma elite, e o povo, de fato, no

    fazia parte disso de forma alguma.

    Outra ideia que se pode depreender de que, acima de qualquer governo, est o

    comrcio e os bancos Comrcio preciso. Os bancos so indispensveis ou seja, h a

  • 28

    noo clara de que nada est acima do dinheiro, nem mesmo o regime, fosse ele monarquista

    ou republicano.

    3.6 O Encilhamento

    De acordo com John Schulz, a bolha especulativa chamada de Encilhamento

    comeou quando o Visconde de Ouro Preto, vendo a Monarquia em perigo, buscou o apoio

    de fazendeiros descontentes, colocando-lhes nas mos grandes somas em dinheiro. (SCHULZ,

    1996, p. 97 ). Para o autor, a atitude de Ouro Preto foi mais correta em relao a seu sucessor,

    Rui Barbosa, o ministro da Fazenda de Deodoro da Fonseca; Barbosa permitiu aos bancos

    criarem dinheiro vontade sem lastro; permitiu que os bancos emitissem dinheiro e, quando

    ele saiu, havia muito mais dinheiro circulando do que aquele que, de fato, o pas tinha:

    Quando ele deixou o governo, os bancos haviam emitido notas iguais a mais da metade do

    dinheiro em circulao na poca em que assumiu. Essa imensa quantia representou uma

    transferncia de recursos do povo brasileiro para os bancos privilegiados e seus clientes

    preferenciais. (SCHULZ, 1996, p. 98)

    Para o autor, a abolio gerou a necessidade de uma reforma financeira, pois a elite

    endividada assim o queria; assim, o governo precisou oferecer crdito fcil a eles, pois j no

    tinham escravos e sim uma mo-de-obra assalariada. Assim, foi colocado no mercado interno

    mais dinheiro do que o pas de fato tinha; ou seja, o pas fazia nos exterior para incentivar os

    capitalistas a investirem ou a emprestar dinheiro para o comrcio ou para a agricultura. A

    poltica do Encilhamento, porm, teve srias consequncias; inflao altssima, um custo de

    vida muito elevado para a populao, pessoas enriquecendo de um dia para o outro, pessoas

    empobrecendo de um dia para o outro. Apesar de tantas repercusses negativas, o

    Encilhamento teve, segundo o autor, um aspecto positivo, o crescimento industrial.

    No captulo chamado Um Eldorado, - uma aluso cidade lendria cujas

    construes eram de ouro, e na qual havia infinitos tesouros - ,Machado de Assis menciona a

    palavra Encilhamento e d uma ideia do que era; dinheiro que se fazia, como que por

    mgica; h tambm no trecho uma relao direta entre o Encilhamento e o crescimento

    industrial; o autor fala em aes, fala em estradas de ferro, em bancos e fbricas, entre outras

  • 29

    coisas, dando uma ideia do que foi essa poltica monetria, dos seus efeitos na cidade e,

    enfim, dos seus efeitos na sociedade brasileira no final do sculo XIX:

    A capital oferecia ainda aos recm-chegados um espetculo magnfico. Vivia-se dos restos daquele

    deslumbramento e agitao, epopeia de ouro da cidade e do mundo, porque a impresso total que o mundo

    inteiro era assim mesmo. Certo, no lhe esqueceste o nome, encilhamento, a grande quadra das empresas e

    companhias de toda espcie. Quem no viu aquilo, no viu nada. Cascatas de ideias, de invenes, de concesses

    rolavam todos os dias, sonoras e vistosas para se fazerem contos de ris. Todos os papis, alis, aes, saam

    frescos e eternos do prelo. Eram estradas de ferro, bancos, fbricas, minas, estaleiros, navegao, edificao,

    exportao, importao, ensaques, emprstimos, todas as unies, todas as regies, tudo o que esses nomes

    comportam e mais o que esqueceram. Tudo andava nas ruas e praas, com estatutos, organizadores e listas.

    Letras grandes enchiam as folhas pblicas, os ttulos sucediam-se, sem que se repetissem, raro morria o que era

    frouxo, mas a princpio no era frouxo. Cada ao trazia a vida intensa e liberal, alguma vez imortal, que se

    multiplicava daquela outra vida com que a alma acolhe as religies novas. Nasciam as aes a preo alto, mais

    numerosas que as antigas crias da escravido, e com dividendos infinitos. (MACHADO DE ASSIS, 2003, p.

    158, 159)

  • 30

    CONSIDERAES FINAIS

    A transio da Monarquia para a Repblica representada atravs do enredo e das

    personagens na obra Esa e Jac, do escritor Machado de Assis. Seus romances, embora

    sempre mostrem algo relativo a aspectos histricos ( entendendo-se que toda obra situada no

    tempo, portanto histrica), no tm uma preocupao com isso; excetuando Esa e Jac.

    Esa e Jac uma obra que tem a pretenso de contar a histria e, melhor, conta a

    histria. Da forma como o escritor Machado de Assis a viu; atravs de sua lente, de sua viso.

    No livro o narrador em terceira pessoa fala de momentos importantes na histria brasileira;

    datas, acontecimentos, tudo marcado, historicizado; o enredo, as personagens, tudo o que h

    no romance evoca a histria do pas.

    Os gmeos Pedro e Paulo representam os diferentes regimes; Pedro representa a

    Monarquia, Paulo representa a Repblica. Com que inteno o escritor representa esses dois

    regimes como irmos gmeos? Na histria brasileira, e em muitas outras, os defensores de um

    regime e de outro por vezes tm os mesmos interesses; os seus interesses. Para Machado,

    cujas obras so marcadas por grande ceticismo, no h grandes ideais; o ser humano tem uma

    natureza egosta. Os gmeos Pedro e Paulo, independente de suas concepes polticas, fazem

    parte da elite brasileira; nascidos em uma famlia de posses, um torna-se monarquista e outro

    republicano. Com isso, o autor quer mostrar a origem comum de monarquistas e republicanos;

    todas as ideias, conservadoras ou liberais, nascem realmente no seio da elite.

    Nesse sentido, pode-se dizer que a viso de Machado sobre a origem de monarquistas

    ou republicanos, no difere muito da historiografia; alis, no difere nada porque todos sabem

    e lugar-comum dizer que, no Brasil, nunca houve revolues de fato, e que o povo jamais

    esteve presente. Melhor dizendo, o povo, muitas vezes esteve presente, atravs de revoltas,

    atravs de uma srie de manifestaes em que atuou como protagonista. Porm, ele no

    esteve presente nas grandes mudanas polticas, no esteve presente na Independncia nem

    na Proclamao da Repblica. At mesmo a Abolio foi feita de cima para baixo, atravs

    de uma lei.

    Viso semelhante da historiografia o autor tem em relao Abolio da

    Escravatura; no captulo Desacordo no acordo, os gmeos concordam na questo de que os

    negros devem ser libertados; porm, s discordam no sentido disso que, para um um ato de

    justia, e para o outro, um ato revolucionrio.

  • 31

    A abolio considerada pela historiografia como um dos grandes problemas

    enfrentados pelo Imprio , um dos motivos apontados como mais importantes na questo da

    queda da Monarquia. Na realidade o Imprio no tinha sada; precisava da Inglaterra e esta

    lhe pressionava, exigindo que os escravos fossem libertados a fim de, como mo-de-obra

    assalariada, pudesse se transformar em mercado consumidor de seus produtos.

    Assim a Monarquia precisava fazer a Abolio; mais do que um ato de justia, como

    pensava o monarquista Pedro, era uma exigncia dos ingleses, para quem o Brasil devia e de

    quem precisava financeiramente. Por outro lado, os republicanos tambm tinham em seus

    planos de ao a defesa dos ideais abolicionistas; porm, h nisso uma contradio. Primeiro

    porque, para muitos republicanos, a Abolio no era uma questo to prioritria; podia ser,

    portanto, deixado para depois. A prioridade para alguns republicanos no era o trmino da

    escravido, mas a mudana de regime; alm disso, muitos republicanos eram donos de

    fazenda e tinham escravos.

    A Abolio foi uma questo controversa porque foi defendida pelos republicanos -

    muitos do quais tambm eram donos de escravos - e concedida pela Monarquia, que precisava

    dos recursos da Inglaterra, mas que, com isso, conquistou, de certa forma, ainda mais

    inimigos.

    Vem da Abolio da Escravatura o surgimento dos republicanos de ltima hora, ou

    seja, aqueles fazendeiros que apoiaram a Monarquia at que ela decretasse livres, de um dia

    para outro, todos os escravos negros do pas e, a partir da, revoltados com isso, mudassem

    de concepes polticas.

    Machado de Assis captou bem essas contradies ao mostrar o apoio tanto do

    monarquista Pedro quanto do republicano Paulo Abolio porque tanto o discurso

    monarquista quanto o discurso republicano eram favorveis a que se libertassem os escravos.

    Entretanto, muitas vezes o discurso pregava uma coisa, mas a prtica era bem diferente.

    O livro oferece ainda outras referncias histria da poca, como o Baile da Ilha

    Fiscal, o ltimo grande baile da Monarquia, e o Encilhamento, resultado de uma poltica

    Imperial que depois foi continuada pelo governo republicano.

    Voltando s representaes, pode-se pensar em Flora como o Brasil; desejada tanto

    pela Monarquia (Pedro) quanto pela Repblica (Paulo), ela, no conseguindo se decidir,

    deixa-se morrer; uma interpretao livre, mas possvel imaginar que, para Machado, o pas

    no tinha bem certeza sobre por qual regime preferia ser governado; o povo, de fato, no

    escolheu ser republicano e nem monarquista; em verdade, a Repblica surgiu menos por

  • 32

    vontade do povo brasileiro; foi um golpe que envolveu meia dzia de militares e que pegou a

    todos, at mesmo alguns republicanos, de surpresa. Assim como Flora no soube ou no pde

    escolher qual dos gmeos deveria amar, o povo sempre foi deixado margem dos processos

    polticos. O escritor mostra bem essa questo no captulo que menciona a tabuleta da

    confeitaria. Ao dono do estabelecimento pouco importa quem est no poder; se monarquista

    ou republicano, ele s no quer ser considerado subversivo; no tem, portanto, participao

    nenhuma no processo poltico. Nesse sentido, possvel dizer que Machado tinha uma viso

    semelhante de Aristides Lobo, que via um povo bestializado assistindo Proclamao da

    Repblica como se fosse uma parada militar. Um pensamento quase da mesma natureza,

    proporcionado, talvez por um discurso comum da poca.

    Ao dizer que apenas o regime mudava, mas isso no era significativo, porque

    possvel mudar de roupa sem mudar de pele, Machado deixa transparecer atravs da voz do

    Conselheiro Aires o seu ceticismo poltico:

    Aires quis aquietar-lhe o corao. Nada se mudaria; o regmen, sim, era possvel, mas tambm se muda

    de roupa sem trocar de pele. Comrcio preciso. Os bancos so indispensveis. No sbado, ou quando muito na

    segunda-feira, tudo voltaria ao que era na vspera, menos a Constituio. (p.141)

    O regime podia mudar, mas tudo ficaria do mesmo jeito, porque, fosse uma

    Monarquia, ou fosse uma Repblica, nada verdadeiramente seria mudado; a roupa o regime

    poderia ser diferente, mas a origem, a pele- a elite continuaria a mesma. Ou seja, atravs da

    fala do conselheiro Aires, o escritor demonstra o seu pensamento; nada mudaria de verdade

    para o povo, pois a elite continuaria no poder, do mesmo modo que sempre fora.

  • 33

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