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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇAO E CIENCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇAO EM CIENCIAS SOCIAIS SEBRAE E EMPREENDEDORISMO: origem e desenvolvimento NATÁLIA MAXIMO E MELO Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, para obtenção do título de mestre em Ciências Sociais. Orientador: Roberto Grün Agência financiadora: Capes São Carlos/SP 2008

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS

    CENTRO DE EDUCAAO E CIENCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS GRADUAAO EM CIENCIAS SOCIAIS

    SEBRAE E EMPREENDEDORISMO:

    origem e desenvolvimento

    NATLIA MAXIMO E MELO

    Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal de So Carlos, para obteno do ttulo de mestre em Cincias Sociais.

    Orientador: Roberto Grn

    Agncia financiadora: Capes

    So Carlos/SP 2008

  • Ficha catalogrfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitria da UFSCar

    M528se

    Melo, Natlia Maximo e. SEBRAE e empreendedorismo : origem e desenvolvimento / Natlia Maximo e Melo. -- So Carlos : UFSCar, 2008. 139 f. Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal de So Carlos, 2008. 1. Empreendedorismo. 2. Sociologia econmica. 3. Micro e pequena empresa. 4. SEBRAE. 5. I. Ttulo. CDD: 306.3 (20a)

  • Minha famlia:

    Eleonice(me), Washington (pai),

    Lis, Luize, Bruno e Carlos Alberto.

  • Agradeo...

    A minha famlia pelo apoio e incentivo constantes,

    Ao prof. Roberto Grn pela oportunidade de trabalho, orientao e apoio.

    Aos colegas do Nesefi (Ncleo de Estudos de Sociologia Econmica e das Finanas): Ana

    Paula, ngela, Elaine, Maria Jardim, Ana Carolina, Martin, Ariele, Maria Clara, Tatiane,

    Marina, Marcela e Karina, pessoas com quem aprendi e compartilhei idias preciosas.

    Agradeo especialmente ao colega Antonio Pedroso, quem leu e comentou com detalhes

    esta dissertao e muito contribuiu para minhas reflexes.

    Aos professores que compuseram a banca de qualificao, Eduardo Noronha (CSo-

    UFSCar) e Julio Csar Donadone ( DEP- UFSCar), e aos professores da banca de defesa,

    Mario Grynzspan (FGV-Rio) e Thales Haddad ( UFSCar) por terem contribudo com

    crticas e sugestes preciosas que foram incorporadas neste trabalho.

    E tambm a todos os professores do departamento de Cincias Sociais- UFSCar, pois

    contriburam para a minha formao desde a graduao.

    No posso deixar de agradecer a todos os amigos e familiares, prximos ou distantes, com

    quem compartilhei momentos importantes da minha vida.

    A todos, meu muitssimo obrigado!!

  • Resumo

    Empreendedorismo um termo que tem estado presente no vocabulrio da

    Economia e da Administrao e tambm no senso comum, no entanto, pouco tem feito

    parte das pesquisas das cincias sociais. Esta dissertao procura mapear os principais

    atores sociais que contriburam para a institucionalizao do empreendedorismo no

    mundo. Alm disso, investiga um dos principais atores na difuso e apoio ao

    empreendedorismo no Brasil: o SEBRAE (Servio Brasileiro de Apoio s Micro e

    Pequenas Empresas). Traando um histrico desta entidade pode-se identificar como foi

    introduzido este tema (e termo) nos programas do SEBRAE. Por fim, investiga-se o

    principal destes programas, o Empretec, o qual coordenado pela ONU e constitui-se de

    um treinamento comportamental que visa transformar a conduta dos indivduos. O

    empreendedorismo, assim, se apresenta no como conceito acadmico de valor descritivo,

    mas sim, como um conjunto prescritivo de normas e valores que orientam e alteram a

    percepo dos indivduos.

    Palavras-chave: sociologia econmica, cultura econmica, empreendedorismo,

    SEBRAE, Empretec

  • Abstract

    Entrepreneurship is a term that has been present in the vocabulary of the Economy

    and the Administration and also in the common sense; however, rarely has been part of

    researches in social sciences. This dissertation describes the mains social actors who had

    contributed for the institutionalization of the entrepreneurship in the world. Moreover, it

    investigates one of the main actors that diffuse and support the entrepreneurship in Brazil:

    SEBRAE (Brazilian Service of Support to Micro and Small Companies). Describing it, we

    can identify how was introduced this subject (and term) in the programs of SEBRAE.

    Finally, the main of these programs, the Empretec, is investigated. It is co-coordinated by

    ONU and consists of a behavioral training which aim is to transform the behavior of

    individuals. Entrepreneurship seems in it not as academic concept with descriptive value,

    but as a prescriptive set of norms and values that guide and modify the perception of

    individuals.

    Key-words: economic sociology, economic culture, entrepreneurship, SEBRAE,

    Empretec

  • Resum

    Entrepreneurial est un terme qui a t prsent dans le vocabulaire de l'conomie et

    de l'Administration et aussi dans le sens commun, nanmoins, peu a fait partie dans les

    recherches de sciences sociales. Cette dissertation cherche decrire les principaux acteurs

    sociaux qui ont contribu l'institutionnalisation de l' Entrepreneurial dans le monde. En

    outre, enqute un des principaux acteurs dans la diffusion et aide l'entrepreneurship au

    Brsil : SEBRAE (Service Brsilien d'Aide au Micron et Petites Socits). En traant une

    description de cette entit cest possible de identifier comme a et introduit ce sujet (et

    terme) entre les programmes de SEBRAE. Finalement, s'enqute le principal de ces

    programmes, l'Empretec, qui est coordonn par l'ONU et se constitue d'une entranement

    comportamental laquelle vise transformer la comportement des personnes. L'

    entrepreneurial se prsente non comme concept acadmique de valeur descriptive, mais

    comme un groupement normatif de normes sociaux et des valeurs qui guident et modifient

    la perception des personnes.

    Mots-cl: sociologie conomique, culture conomique, Entrepreneurial, SEBRAE,

    Empretec

  • Lista de abreviaes e siglas

    ABASE: Associao Brasileira dos SEBRAE Estaduais

    ABDE: Associao Brasileira de Instituies Financeiras de Desenvolvimento

    ACSP: Associao Comercial de So Paulo

    AED: Agncia de Educao para o Desenvolvimento

    AEESP: Associao de Empreendedores Empretecos de So Paulo

    ANPAD: Associao Nacional de Ps Graduao e Pesquisa em Administrao

    ANPEI: Associao Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras

    ANPROTEC: Associao Nacional das Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avanadas

    ANPEC: Associao Nacional dos Centros de Ps-graduao em Economia

    APEX: Agncia de Promoo de Exportaes do Brasil

    APL: Arranjos Produtivos Locais

    ARENA: Aliana Renovadora Nacional

    Assimpec : Associao Nacional dos Sindicatos de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Comrcio

    Assimpi: Associao Nacional dos Sindicatos de Micro e Pequenas Indstrias

    Banresul: Banco Regional do Rio Grande do Sul

    BB: Banco do Brasil

    BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BNDE: Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico

    BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    CACB: Confederao das Associaes Comerciais e Empresariais do Brasil

    CCE: Caracterstica do Comportamento Empreendedor

    CDN: Conselho Deliberativo Nacional

  • CEAG: Centro de Assistncia Gerencial

    CEBRAE: Centro Brasileiro de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas

    CEDIN: Fundao Centro de Desenvolvimento Industrial

    CEF: Caixa Econmica Federal

    CEFEI: Centro Empresarial de Formao Empreendedora de Itajub

    CEGEM: Centro Goiano de Assistncia Gerencial Pequena e Mdia Empresa

    CESAR: Centro de Estudos e Sistemas Avanados do Recife

    CIAGE: Centro Integrado de Gesto Empreendedora

    CNA: Confederao da Agricultura e Pecuria do Brasil

    CNC: Confederao Nacional do Comrcio

    CNI: Confederao Nacional da Indstria

    CNT: Confederao Nacional dos Transportes

    CODEAMA: Comisso de Desenvolvimento do Estado do Amazonas

    CONDESE: Conselho de Desenvolvimento Econmico de Sergipe

    COPEME: Conselho de Desenvolvimento da Micro, Pequena e Mdia Empresa

    CPF: Cadastro de Pessoa Fsica

    CRAAI: carteira de crdito agrcola e industrial

    DF: Distrito Federal

    DPC: Diretoria de Portos e Costas

    EFEI: Escola Federal de Engenharia de Itajub

    EGEPE: Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gesto de Pequenas Empresas

    ENE: Escola de Novos Empreendedores

    ER : Escritrio Regional

    EUA: Estados Unidos da Amrica

    FAESP: Federao da Agricultura do Estado de So Paulo

    FEA: Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da USP

  • FECOMRCIO: Federao do Comrcio do Estado de So Paulo

    FGV: Fundao Getlio Vargas

    FHC: Fernando Henrique Cardoso

    FIESP: Federao das Indstrias do Estado de So Paulo

    FINEP: Financiadora de Estudos e Projetos

    FIPEME: Programa de Financiamento Pequena e Mdia Empresa

    FIRJAN: Federao das Indstrias do Estado do Rio de Janeiro

    FUNDEPRO: Fundo de Desenvolvimento da Produtividade

    GEAMPE: Grupo Executivo de Assistncia Mdia e Pequena Empresa

    GEM: General Entrepreneurship Monitor

    GEPE: Grupo de Estudos de Pequenas Empresas

    IAPAS: Instituto de Administrao Financeira da Previdncia e Assistncia Social

    IBAGESC: Instituto Brasileiro de Assistncia Gerencial de Santa Catarina

    IBGE : Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstico

    IBMEC: Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais

    ICMS: Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servio

    IDEG: Instituto de Desenvolvimento do Estado da Guanabara

    IDEIS: Instituto de Desenvolvimento Industrial do Esprito Santo

    IDERGS: Instituto de Desenvolvimento Empresarial do Rio Grande do Sul.

    IEL: Instituto Euvaldo Lodi

    INATEL: Instituto Nacional de Telecomunicaes

    INCRA: Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    INPS: Instituto Nacional de Previdncia Social

    INSS: Instituto Nacional de Servio Social

    IPAG: Instituto Paranaense de Assistncia Gerencial Pequena e Mdia Empresa.

    IPEA: Instituto de Pesquisa Econmicas Aplicadas

  • IPT: Instituto de Pesquisas Tecnolgicas

    KfW: Banco alemo Kreditenstalt fr Wiederaufbau

    MBA: Mster of Business Administration

    MDIC: Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior

    MIC: Ministrio da Indstria e Comrcio

    MICROGERAES: Programa de estmulo criao de Microempresas no Estado de Minas Gerais

    MIT: Massachusetts Institute of Technology

    Monampe: Movimento das Micro e Pequenas Empresas

    MPE : Micro e Pequena Empresa

    MSI: Management Systems International

    NAE/CE: Ncleo de Assistncia Empresarial do Cear

    NAG/PI: Ncleo de Assistncia Gerencial do Piau

    NAI: Ncleo de Assistncia Industrial

    NAI/PB: Ncleo de Assistncia Industrial da Paraba

    OCDE: Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OEA: Organizao dos Estados Americanos

    ONG: Organizao No Governamental

    ONU : Organizao das Naes Unidas

    PAE: Posto de Atendimento ao Empreendedor

    Parqtec: Fundao Parque Alta Tecnologia de So Carlos

    PATME: Programa de Apoio Tecnolgico s Micro e Pequenas Empresas

    PEGN: Pequenas Empresas Grandes Negcios

    PFL: Partido da Frente Liberal

    PMDB: Partido do Movimento Democrtico Brasileiro

    PND: Plano Nacional de Desenvolvimento

    PNUD: Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

  • POC: Programa de Operaes Conjuntas

    PROGER: Programa de Gerao de emprego e renda

    PROGERAR: Programa de Gerao de Emprego e Renda

    PROMICRO: Programa Nacional de Apoio s Microempresas

    PRONAEX: Programa Nacional de Apoio Pequena e Mdia Empresa Exportadora PRONAC: Programa Nacional de Servio Pequena e Mdia Empresa

    PRONAGRO: Programa Nacional de Apoio Empresa Rural

    PT: Partido dos Trabalhadores

    PUC-Rio: Pontifica Universidade Catlica do Rio de Janeiro

    RAIS: Relao Anual de Informaes Sociais

    REUNE: Rede de Ensino Universitrio em Empreendedorismo

    SBA: Small Business Association

    SBDE: Sociedade Brasileira Desenvolvimento Empreendedor

    SEBRAE: Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequena Empresas

    SENAC : Servio Nacional de Aprendizagem Comercial

    SENAI : Servio Nacional de Aprendizagem Industrial

    SENAR : Servio Nacional de Aprendizagem Rural

    SENAT : Servio Nacional de Aprendizagem do Transporte

    SESC : Servio Social do Comrcio

    SESI : Servio Social da Indstria

    SEST : Servio Social Transporte

    Simpec : Sindicato das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Comrcio do Estado de So Paulo

    Simpi : Sindicato da Micro e Pequena Indstria do Estado de So Paulo

    Sindibancos: Sindicato dos Bancos do Estado de So Paulo

    SIPEME: Sistema de Informaes Gerenciais para as Pequenas e Mdias Empresas

  • SUDENE: Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste

    TAT: Thematic Aperception Test

    UEDCE: Unidade de Educao e Desenvolvimento da Cultura Empreendedora

    UF: Unidade de Federao

    UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais

    UFPE: Universidade Federal de Pernambuco

    UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFSC: Universidade Federal de Santa Catarina

    UNB: Universidade de Braslia

    UNCTAD : United Nations Conference on Trade and Development

    UNCTC: United Nations Centre for Transnational Corporations

    UNDP: United Nations Development Programme

    UNESP: Universidade do Estado de So Paulo

    UNO: Unio Nordestina de Assistncia Pequena Organizao

    USAID: United States Agency for International Development

    USEN: Universidade SEBRAE de Negcios

    USP: Universidade de So Paulo

  • Lista de quadros

    Quadro 1: Definies de Micro e Pequenas Empresas........................................................25

    Quadro 2: Instituies Membros do Conselho Nacional do SEBRAE...............................31

    Quadro 3: Distribuio dos Recursos advindas da contribuio social s unidades do

    SEBRAE por regies...........................................................................................................36

    Quadro 4: Instituies membros do Conselho Deliberativo do SEBRAE-SP....................37

    Quadro 5:Comparao dos atores de difuso do empreendedorismo: EUA vs Brasil...86-87

  • Sumrio

    INTRODUO........................................................................................................1 Problema de pesquisa........................................................................................................2 Coleta de dados..................................................................................................................9

    PRIMEIRA PARTE:

    O PAPEL DO SEBRAE PARA A INSTITUCIONALIZAO DAS PEQUENAS EMPRESAS NO BRASIL

    1. O SURGIMENTO DAS PEQUENAS EMPRESAS NO BRASIL.......................14 1.1.Definio de MPE........................... .............................................................................21

    2. SEBRAE : ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E JURDICA...........................28 2.1. A Formao da cpula..........................................................................................30 2.2. Formas de custeio.....................................................................................................33 2.3. O SEBRAE SP.......................................................................................................37

    3. A HISTRIA......................................................................................................39

    3.1. PRIMEIRA FASE : CEBRAE..................................................................................39 3.1.1. Criao...................................................................................................................39 3.1.2. Consolidao do sistema CEBRAE.......................................................................44 3.1.3. As formas de atuao: servios, mdia e poltica...................................................47

    3.2. SEGUNDA FASE: de CEBRAE para SEBRAE.....................................................53 3.2.1. A crise do CEBRAE e a intensificao da atuao poltica..................................53 3.2.2. As conseqncias da sobrevivncia do SEBRAE................................................59 3.2.3. Redefinies..........................................................................................................63 3.2.4. A trajetria dos Programas e a atuao poltica....................................................65

    SEGUNDA PARTE :

    EMPREENDEDORISMO NO SEBRAE E O CASO DO PROGRAMA EMPRETEC

    4. EMPREENDEDORISMO: A TRAJETRIA DE UM CAMPO DE CONHECIMENTO.................................................................................................72

    4.1. Significados tericos do empreendedorismo........................................................72 4.2. O Campo Internacional.............................................................................................80 4.3. O Campo Brasileiro..................................................................................................84 4.4. Empreendedorismo nas pesquisas acadmicas brasileiras.......................................88

  • 4.5. Tecnologia e a legitimidade do empreendedorismo.................................................93

    5. A CHEGADA DO EMPREENDEDORISMO NO SEBRAE...............................95 5.1. Origem do Programa Empretec................................................................................95 5.2. Empretec no Brasil...................................................................................................98 5.3. Empretec no SEBRAE-SP......................................................................................100 5.4. A organizao e os instrutores................................................................................101 5.5. A lgica do Seminrio Empretec............................................................................104 5.6. O contedo do Empreendedorismo........................................................................107 5.7. As disposies atribudas ao indivduo empreendedor..........................................113

    6. CONCLUSES..............................................................................................116

    BIBLIOGRAFIA...................................................................................................123 Literatura acadmica......................................................................................................123 Documentos...................................................................................................................129 Sites...............................................................................................................................131 ANEXO 1......................................................................................................................132 ANEXO 2......................................................................................................................134 ANEXO 3......................................................................................................................136 ANEXO 4......................................................................................................................137 ANEXO 5......................................................................................................................138 ANEXO 6......................................................................................................................139

  • - 1 -

    Introduo

    Relato brevemente, para iniciar, o contedo da primeira palestra que presenciei

    de um consultor do SEBRAE (Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas),

    ocorrida na UFSCar no dia 26/04/2006, para uma platia de universitrios durante um evento

    da Engenharia de Produo da UFSCar.

    O consultor contava histrias de si mesmo, seja para exemplificar, seja para

    preencher o tempo ou conquistar risos da platia. Antes de introduzir a temtica, argumentou

    que para qualquer profisso que se escolha (mdico, dentista, ator, jogador, etc) no basta ser

    bom no que faz, preciso gerenciar sua carreira, preciso planejar o futuro. O planejamento

    da vida no pode ser delegado a outra pessoa, assim tambm se deve fazer com sua prpria

    empresa.

    Ele explicou que os estudos sobre empreendedorismo comearam nos EUA e

    foi verificado que no era ter dinheiro o que garantia o sucesso de uma empresa, portanto, no

    adiantava apenas conceder crdito. O sucesso tambm no estava no conhecimento tcnico

    sobre a fabricao de um determinado produto. Ento, a explicao encontrada para tal

    sucesso estava no comportamento do empresrio. Pessoas bem sucedidas eram pessoas

    motivadas. Deste estudo, tirou-se a concluso de que o empreendedor, aquele que tem

    sucesso, movido por metas. E assim, seguiu a fazer uma lista de qualidades do

    empreendedor: quem focaliza seus objetivos, faz a anlise dos riscos, quem toma as

    decises, quem planeja, quem sabe trabalhar em equipe, busca solues, visa qualidade e

    eficincia, tem autoconfiana e capacidade de persuaso para lidar com clientes, bancos,

    fornecedor, etc.

    A lio focalizar os objetivos, pensar o que se deseja fazer daqui a 5 ou 10

    anos e fazer todo sacrifcio para realizar este sonho, economizar, liderar pessoas, etc pois o

    lder deve ser exemplo para o funcionrio e no ser um chefe autoritrio.

    Alm disso, apresenta explicaes no econmicas para a criao de um

    produto ou para a abertura de uma empresa. Para ele, todos os negcios e produtos existentes

    saciam uma necessidade humana1. Por esta palestra o consultor era chamado pela platia para

    1 Questionado sobre o caso da Coca Cola e do cigarro, disse que tambm saciam necessidades, a sede e a vontade de status. Levando a explicao para aspectos orgnicos ou tidos como bvios transforma toda iniciativa econmica em algo natural e, portanto, inquestionvel. O consultor tem o papel de dar resposta a tudo, no h

  • - 2 -

    dar resposta a problemas do mundo, como por exemplo, as mudanas no contrato de trabalho,

    escolha do ponto comercial, etc. tendo at o final da palestra a platia cheia. Aps o trmino,

    uma srie de estudantes foi at ele para conversar.

    Como se pode notar, desde o incio de sua apresentao, o consultor procurou

    transmitir que o empreendedorismo so princpios vlidos para qualquer pessoa, de qualquer

    profisso, vlidos em todos os pases. E mesmo se supusermos que nem todos da platia

    tenham concordado, ao menos no houve qualquer questionamento ou pergunta quanto a isso.

    Diante deste fenmeno Como entender o contedo do que o consultor do

    SEBRAE chama de empreendedorismo?

    Problema de pesquisa

    Com maior ou menor nfase, os autores da sociologia econmica apresentam a

    preocupao de incluir variveis culturais na anlise da economia. Por exemplo, quando se

    trata da questo da racionalidade instrumental dos agentes econmicos, socilogos

    argumentam que aquela no inata a eles, ao contrrio, construda e compartilhada

    socialmente, no fazendo sentido fora deste contexto (Marques, 2003; Smelser e Swedberg,

    1994).

    Segundo Powell e Dimaggio (1991), as transformaes nas organizaes em

    direo implementao de novas tcnicas organizacionais nem sempre visam o incremento

    da eficincia, embora muitas mudanas assim sejam justificadas. Mas sim, visam garantir a

    legitimidade da firma frente aos seus concorrentes, de modo que, ao invs de se diferenciar,

    desenvolve-se uma homogeneizao (isomorfismo) dentro do campo de organizaes.

    Seja em anlise micro ou macro, a sociologia econmica aponta para a

    importncia de se compreender a estrutura cognitiva dos fatos econmicos, seja no plano

    consciente dos atores - as representaes com as quais explicam o mundo - seja no plano

    inconsciente - a estrutura lgica das categorias de classificao e valorao. (Dimaggio in:

    Marques, 2003)

    pergunta que ele no tenha uma resposta imediata, at quando testado, ele portador de um conjunto de valores, uma crena.

  • - 3 -

    Questes quanto legitimidade das aes e dos atores econmicos so

    investigados por vrios autores. A acumulao de capital, a hierarquia dentro da organizao e

    a dominao entre classes devem ser legtimas, isto , reconhecidos por todos. Boltanski e

    Chiapello (2002) explicam o capitalismo como uma forma pacfica de acumulao, e para

    isso, deve estar sempre criando justificativas. Pessoas no aderem ao capitalismo apenas em

    troca de remunerao ou porque so coagidos a ele. Estes motivos no bastam para garantir a

    adeso das pessoas, por isso, o capitalismo adiciona valores de justia, inclusive tomando-os

    de outras esferas sociais.

    O presente estudo no acompanha os objetos estudados tipicamente pela

    sociologia econmica: os mercados e as firmas, mas sim, toma para a anlise uma

    organizao social existente unicamente no Brasil e cuja funo e estrutura organizacional lhe

    peculiar: o SEBRAE. Este objeto se torna do interesse da sociologia econmica ao

    emprestarmos desta literatura a preocupao com a anlise das transformaes culturais do

    capitalismo.

    Em paper apresentado na Anpocs, Antonia Colbari (2006) aponta uma

    pesquisa sobre a educao empreendedora do SEBRAE. Para ela, a partir da dcada de 80

    que o empreendedorismo se torna um movimento social mundial que se apresenta ora como

    um revival do pequeno negcio ora como sinnimo de inovao e mudana (p. 2 ). Segundo

    a autora, desde a dcada de 30, o Brasil passou por um esforo de construo social de

    trabalhadores adaptados a uma sociedade capitalista, disso decorreram polticas de

    qualificao. Porm, a partir da dcada de 80 e 90, h um perodo marcado por reestruturao

    produtiva. Para exemplificar, Chahad (2003) apresenta dados apontam para o crescimento do

    setor de servios em 16,8% entre 95 e 2002 enquanto a indstria decresceu 13,5%. Houve

    tambm crescimento da informalidade, ou seja, o nmero de trabalhadores autnomos cresceu

    129,6% em relao a 1995, j os assalariados sem carteira assinada aumentaram 135,8% em

    2002 em relao ao mesmo ano. No mesmo perodo, a evoluo dos trabalhadores

    terceirizados teve aumento de 45,5%. J o desemprego aberto cresceu 53,9% sendo 72% de

    mulheres e 45,2% dos homens e 88,5% de escolaridade entre nvel fundamental e mdio

    incompleto e 72,8% entre os de nvel superior completo.

    Com isso, h mudanas nos sistemas de representao e normas ticas que

    moldavam o mundo do trabalho.

    Uma nova tica social inspira as representaes da empresa, a concepo de alternativas de desenvolvimento e o status do trabalho. O empreendedorismo

  • - 4 -

    apresentado ora como o que impulsiona o progresso econmico, ora como estratgia defensiva de reinsero. ( Colbari, 2006, p.2)

    Segundo a autora, como o esprito empreendedor tem fonte em valores sociais,

    no h definio precisa, associando assim uma dimenso prescritiva-normativa ao perfil

    empreendedor. neste sentido, que Colbari entende que o empreendedorismo um

    movimento que traz uma nova tica para o trabalho, pois vem mostrar qual comportamento

    considerado certo ou, bom; qual , portanto, aconselhvel.

    Lpez-Ruiz (2007) fez uma pesquisa com executivos de empresas

    transnacionais e defende a tese de que o ethos dos executivos ( no sentido de um conjunto de

    princpios e prticas de um grupo) tem se tornado o ethos da sociedade capitalista atual.

    Segundo ele, no incio do sculo XX, os jovens desejavam ser empregados de grandes

    empresas, pois o status social estava no mercado de trabalho e no no controle individual da

    propriedade.

    Ao traar a trajetria das teorias econmicas, o autor identifica o surgimento do

    conceito de capital humano, metfora2 que relaciona as caractersticas humanas a

    propriedades capazes de gerar valor econmico. Um capital para ser investido assim como

    qualquer outro.

    Mas, nos anos 90, com a reestruturao ficou claro aos empregados das

    grandes empresas que seu capital se depreciava, surge a metfora do indivduo enquanto

    empresa. Cada pessoa deve, portanto, (e isso uma obrigao moral) aumentar suas

    habilidades e competncias, ou seja, precisa investir em si prprio, gerir seu prprio capital.

    neste contexto que a figura do empreendedor apontada por Schumpeter retomada, como

    veremos mais adiante, porm, se a iniciativa econmica era o atributo de uma minoria, hoje

    todos devem ter (e perseguir constantemente) esse atributo (p.20).

    Em conseqncia, as identidades vo alm da dicotomia capital vs trabalho.Os

    executivos das transnacionais se sentem, hoje, capitalistas e no trabalhadores e se justificam

    com o argumento de que esto na empresa para capitalizar seu prprio capital. Lpes- Ruiz 2 A metfora se constri pela relao de um significante, no caso, o indivduo a algum smbolo, aqui a empresa. Quando se constri uma metfora, atribui-se caractersticas ao significante, ele toma a posio social daquilo a que foi comparado. No caso, o indivduo comparado a uma empresa, portanto, recebe os atributos dela. Na antropologia inglesa, onde encontramos Mary Douglas e Vitor Turner, o processo cognitivo explicado como um processo de construo de metforas. Vitor Turner em Dramas, fields and methaphors: symbolic action in humam society, de 1974 explica que a metfora consiste de dois pensamentos de coisas diferentes atuando juntas e suportadas por uma nica palavra ou frase. O significado da metfora resulta desta relao. Douglas se aproxima da perspectiva de Turner, pois tambm considera o processo cognitivo construdo sobre metforas. Para explicar as instituies expe que elas se fundamentam em analogias. Instituies operam por classificaes de modo a agrupar e excluir, criar similaridades e diferenas. Atribui posies aos elementos e assim valores referentes s posies dentro de um sistema de relaes.

  • - 5 -

    aponta ainda que inmeros livros atualmente e a mdia sugerem pensar os empregados como

    trabalhadores-investidores. Este tipo de literatura e a mdia tm importante papel na difuso

    do ethos dos executivos para a populao.

    De modo diferente do estudo anterior, Pedroso Neto (2001) discute, a partir de

    um estudo de caso feito na empresa Amway, a importncia de convenes realizadas em

    grandes espaos pblicos ou privados para a manuteno e coeso do grupo de vendedores

    dos produtos Amway. Estas convenes so compreendidas pelo autor como rituais onde so

    consagrados aqueles indivduos que se destacaram, os quais sobem ao palco para serem

    aplaudidos pelo grupo.

    Nestes rituais, o grupo recebe celebridades como escritores, esportistas, para

    darem seus relatos e explicar os motivos de seus sucessos, enfatizam a perseverana, e

    persistncia diante das dificuldades, o trabalho duro, a confiana em si, a confiana num lder,

    etc (p.4). Alm de ser um espao de socializao, as convenes tambm difundem um

    sistema de treinamento(sic) que formam um sistema simblico que orienta a percepo, a

    classificao, o esquecimento e a lembrana de informaes, fatos, acontecimentos e relaes,

    e dessa forma, a auto-reproduo dos agentes do grupo(p.87).

    Nestes rituais, so apresentados como empreendedores aqueles indivduos que

    se destacam. As qualidades do empreendedor, dentro da Amway, so ligadas capacidade de

    trazer resultados econmicos para empresa, e tambm para o indivduo.

    Enfim, estas pesquisas acima relatadas apontam questes quanto moral dentro

    do capitalismo, as quais esto presentes na sociologia desde os autores clssicos. Durkheim

    (1983) j apontava um problema de anomia, isto , fragilidade das normas sociais para

    ordenar a diviso do trabalho em um perodo de transformao do capitalismo pois o

    ambiente das trocas econmicas no desprovido de normas morais e coeres sociais. Ao

    contrrio, disso decorre que as relaes econmicas vo se d em meio a normas sociais

    previamente existentes que podem favorecer ou limitar a efetivao de qualquer tipo de

    contrato ou transao econmica.

    em Weber (2001) que encontramos a tese de que o ethos de determinados

    grupos propicia que os indivduos tenham melhores desempenhos econmicos. No porque

    tenham interesse no lucro, mas porque desenvolvem um conjunto de prticas, um tipo de

    disciplina de conduta que os levam a resultados econmicos lucrativos. Weber verificou que

    certas religies, mais que outras, apresentavam tal ethos adequado ao desenvolvimento do

    capitalismo. O esprito do capitalismo, segundo ele, transformou prticas econmicas, at

    ento mal vistas, em prticas recomendveis. Assim, Weber contribuiu para a compreenso de

  • - 6 -

    como o capitalismo est entrelaado a outras esferas sociais absorvendo, inclusive, valores

    ticos disciplinadores do processo de acumulao de capital.

    Analisando a tica do capitalismo, tem-se como referncia o trabalho de

    Boltanski e Chiapello (2002), os quais se inspiraram em Weber, entre outros, para tratar de

    um novo esprito do capitalismo. Este, no mais baseado na religio, pode ser encontrado na

    literatura gerencial das dcadas de 1990 comparativamente a da dcada de 1960. Estes autores

    entendem o esprito do capitalismo enquanto um conjunto de crenas que dirigem e justificam

    a ao de pessoas e grupos. Alm disso, transcende as divises de classe, pois tais crenas so

    compartilhadas tanto pelos capitalistas quanto pelos trabalhadores.

    Isso permite melhor compreender as pesquisas de Colbari e Lpez- Ruiz, os

    quais apontam que o empreendedorismo tem se difundido pela sociedade de modo a estar

    presente tanto nos programas de (re)qualificao de trabalhadores de camadas mais baixas,

    como nas falas de executivos de grandes empresas. Tambm no estudo da Amway isto se

    verifica uma vez que a hierarquia dentro da empresa no denota que haja necessariamente

    conflito, pois legtima, uma vez que todos compartilham dos mesmos valores e participam

    dos mesmos rituais.

    Ainda segundo Boltanski e Chiapello, o esprito do capitalismo necessrio

    para garantir o comprometimento das pessoas com o capitalismo, tanto daqueles que

    dominam e devem justificar sua posio quanto daqueles que so dominados e devem encarar

    tal subordinao como legtima.

    Assim como Pedroso Neto nos mostra a existncia de rituais na empresa

    Amway, diversas outras empresas e organizaes tambm desenvolvem em menor proporo

    seus rituais internos ou recorrem a outros mecanismos de controle e coeso que no os rituais.

    De uma forma ou outra, explicitamente ou no, as organizaes precisam garantir a adeso

    voluntria de seus membros e a legitimidade de seus lucros.

    Tomando como parmetro a abordagem proposta por Colbari, temos que a

    educao empreendedora (e, aqui, podemos acrescentar tambm a palestra relatada) visa

    difundir uma nova tica de trabalho. A palestra relatada no incio comprova isso, pois o

    consultor do SEBRAE expressou que em qualquer profisso escolhida os mesmos princpios

    valorativos so considerados vlidos. Transcendendo o mbito do trabalho e da empresa, ou

    seja, um ethos que molda a ao dos indivduos para alm da esfera econmica.

    Segundo Colbari, o SEBRAE surge como centro logstico e de referencial tico

    para o pequeno empreendimento. Esta nova tica mencionada por Colbari e Lpez- Ruiz se

    adapta concepo comportamentalista (como veremos mais a frente) por valorizar

  • - 7 -

    caractersticas individuais como a capacidade de adaptao, liderana, motivar os outros,

    tomar decises, criatividade, etc.

    Quando referido a estas qualidades, o termo empreendedor tem pouca

    capacidade de descrever uma realidade, um ator econmico ou uma ao econmica real. Ao

    invs disso, torna-se um qualificativo e, portanto, um instrumento de julgamento moral e de

    legitimao daqueles que apresentem tais caractersticas.

    Para exemplificar, cito que durante consultorias coletivas e em conversa com

    um consultor do SEBRAE, por duas vezes, ouvi dois consultores diferentes se referirem ao

    empreendedor de verdade. Um deles citava um empresrio integrante do Programa

    Empreender/ SEBRAE, e que se destacava dos demais, por isso, era um empreendedor de

    verdade. A noo de empreendedor parece ser neste grupo um consenso, ento, para criar

    uma distino positiva acrescenta-se o de verdade. Outro caso: para criticar o fato de no

    haver quem solucionasse um problema pblico, um consultor comentou que no havia

    empreendedor de verdade.

    O que pretendo demonstrar aqui, que o termo empreendedor no s aparece

    como conceito para anlise acadmica da realidade, mas sim, to entranhado j est na

    mentalidade social que tambm pode ser entendido como uma categoria de classificao

    nativa carregada de significados valorativos e que precisa ser compreendido em cada

    contexto de relaes sociais, o que pode vir a ser objetos de pesquisas futuras.

    Voltando discusso feita por Colbari, tem-se que os conceitos de

    empreendedorismo so transmitidos (e talvez mesmo produzido) por um ator tomado

    especificamente para esta pesquisa: o SEBRAE. Se hoje o SEBRAE desempenha esta atuao

    educadora de um tipo especial (educao empreendedora), e mais, de um empreendedorismo

    especfico (comportamental porque focada sobre o indivduo, como veremos), a pergunta que

    surge : como (e quando) se desenvolveu o empreendedorismo no interior do SEBRAE?

    Para embasar esta pesquisa, toma-se como referncia terica a noo de

    instituio de autores como Ccile Raud, Mary Douglas e Bourdieu. Todos eles consideram

    instituio no somente um arranjo instrumental, de contratos formais, mas sim, uma

    construo social e este processo denominado institucionalizao.

    Ccile Mattedi define instituio segundo a concepo clssica de

    regularidades na atividade social. Douglas considera a instituio como uma conveno social

    estabilizada pelos processos cognitivos da sociedade. E, por fim, Bourdieu acrescenta a

    perspectiva histrica.

  • - 8 -

    Bourdieu (2001) argumenta que instituies costumam ser vistas como

    entidades abstratas como, por exemplo, o Estado, a Igreja, a Famlia, etc. Isto , tendem a ser

    encaradas como unidades da ao histrica.

    Diante disso, prope que instituies sejam estudadas a partir da distino entre

    histria incorporada e histria objetivada. A histria objetivada aquela que se acumulou nas

    coisas, documentos, postos, etc. a histria que constri a estrutura social, suas relaes de

    conflito e aliana. J a histria incorporada analisada pelo conceito de habitus3. Portanto, a

    histria que se tornou disposies interiorizadas nos indivduos e nas coletividades que a

    vivenciaram. So tais disposies que permitem atualizar a histria nas prticas presentes.

    Entretanto, estas duas dimenses da histria esto imbrincadas, pois, se do lado

    da histria incorporada, explica-se que pessoas estejam prontas para ocupar postos que esto

    para serem feitos. Do lado da histria objetivada, tem-se que um posto s se torna atuante e

    atuado se encontrar quem o ache interessante para se responsabilizar por ele.

    Portanto, instituies no so agentes em si, so antes um campo4 onde h

    lutas. Tambm no surgem por inteno consciente, mas porque ao longo da histria pessoas

    adquiriram e produziram habitus que surgem e produzem tais instituies.

    O processo de instituio, de estabelecimento, quer dizer, a objetivao e a incorporao como acumulao nas coisas e nos corpos de um conjunto de conquistas histricas, que trazem a marca das suas condies de produo e que tendem a gerar as condies de sua prpria reproduo. (Bourdieu, 2001, p.100)

    Aqui, pode-se pensar que aquilo que foi anteriormente denominado como tica

    ou ethos, pode ser considerado conceitualmente como o habitus de um grupo. Devemos

    considerar que este no esttico, um conjunto de disposies e de prticas, tambm um

    processo construdo historicamente.

    Diante desta perspectiva terica que se constitui a presente dissertao. Aqui

    no investigaremos habitus individuais mas procuraremos identificar disposies adquiridas 3 Assim Bourdieu define a noo de habitus: como sistema de disposies para a prtica, um fundamento objetivo de condutas regulares, logo, da regularidade das condutas, e, se possvel prever as prticas, porque o habitus faz com que os agentes que o possuem comportem-se de uma determinada maneira em determinadas circunstncias( Bourdieu, 2004, p.98). o habitus ao mesmo tempo, um sistema de esquemas de produo de prticas e um sistema de esquemas de percepo e apreciao das prticas (idem, p. 158) 4 Todo campo um espao de relaes sociais autnomo de outros campos em que agentes disputam poder a partir dos diferentes tipos e quantidades de capitais que possuem. Bourdieu, analisando o campo literrio, assim explica; campo literrio simultaneamente um campo de foras e um campo de lutas que visa transformar ou conservar a relao de foras estabelecida cada um dos agentes investe a fora (capital) que adquiriu pelas lutas anteriores em estratgias que dependem , quanto orientao, da posio desse agente nas relaes de fora, isto , de seu capital especfico(idem, p. 172)

  • - 9 -

    em grupo e reproduzida ao longo do tempo. E ainda a tica do empreendedorismo como

    normas e princpios valorativos que so transmitidos para servir como guia para a ao.

    Esta dissertao se constitui de duas partes. A primeira delas tem a inteno de

    traar a histria objetivada, ou seja, sua estrutura corprea, jurdica e organizacional e a

    histria incorporada presente na atuao do SEBRAE. Tambm ter a finalidade de identificar

    quando teve entrada programas classificados pela instituio pelo termo empreendedorismo e

    como foram construdas as disposies dos atores a ele ligados. Perpassa esta primeira parte a

    discusso acerca da institucionalizao de categorias cognitivas de classificao das empresas

    por porte assim, como a importncia desta questo para o desenvolvimento do SEBRAE.

    Na segunda parte, ser aprofundada a questo do contedo do

    empreendedorismo difundido pelo SEBRAE. Mas tambm tem-se a necessidade de

    compreender a construo do principal programa de empreendedorismo promovido pelo

    SEBRAE: o Empretec.Para tanto, trata-se da histria objetivada deste programa at sua

    introduo no SEBRAE quando a histria destas duas instituies se cruzam. Tambm se trata

    das disposies incorporadas dos agentes envolvidos na difuso do empreendedorismo.

    O objetivo geral desta dissertao , a partir de um estudo do SEBRAE,

    contribuir por meio da anlise sociolgica, para o entendimento das relaes sociais e

    culturais entre os diversos atores difusores do empreendedorismo. A literatura no qual esta

    pesquisa se baseia permite dar um olhar sociolgico a um objeto ainda pouco abordado nas

    cincias sociais brasileira e abrir espao para questionamentos para pesquisas futuras.

    Coleta de dados:

    A palestra do consultor do SEBRAE no ciclo de palestras da UFSCar em abril

    de 2006 foi o primeiro contato que tive com um evento do SEBRAE e tambm foi o que me

    instigou a questionar sobre vrios aspectos do papel social do SEBRAE e a procurar saber

    como uma instituio chegou a desenvolver trabalhos como esse tendo tamanha proximidade

    com o pblico. Meu principal objetivo se tornou compreender como se construram os

    programas de empreendedorismo dentro do SEBRAE. Isso ser detalhado ao longo desta

    dissertao, por agora, exponho o percurso de investigao para realizao desta pesquisa.

  • - 10 -

    A pesquisa no teve desde o seu incio um recorte preciso, a busca por

    literatura acadmica sobre o SEBRAE foi frustrante devido escassez de pesquisas

    produzidas, sendo as trs pesquisas anteriormente citadas as principais referncias sobre o

    tema no Brasil. Mas, por outro lado, essa dificuldade me impunha o desafio de trazer tona

    ao mundo acadmico a figura deste ilustre desconhecido. Sendo assim, inicialmente,

    procurei coletar o mximo de informaes sobre esta instituio. Deixei-me guiar pelas

    fontes, pois elas me dariam as perguntas e os limites das respostas. O que o SEBRAE e

    como surgiu foram as perguntas, obviamente, iniciais.

    A fim de traar sua histria, me apresentei junto ao Escritrio Regional do

    SEBRAE em So Carlos perguntando sobre a existncia de biblioteca. Porm, esta apenas

    existe na sede em So Paulo. Pedi para marcar um horrio com algum consultor, porm, para

    isso, a atendente do Escritrio Regional me encaminhou a uma consultoria coletiva sobre

    abertura de empresa que ocorre todas as segundas feiras, em So Carlos.

    Esta atividade precondio para poder ser atendido individualmente por um

    consultor. feito um cadastramento em que so pedidos os principais documentos e os dados

    so includos no sistema computacional. A partir disso, as pessoas recebem um cdigo e

    podem ser atendidas em qualquer unidade do SEBRAE- SP. Feito isso, passei a ser

    considerada cliente do SEBRAE.

    Nesta consultoria coletiva pude observar um pouco da diversidade do pblico e

    como o consultor lida com cada caso encaminhando cada empresrio a outros servios do

    SEBRAE, seja consultoria, cursos ou material impresso.

    Aps ter participado da consultoria coletiva de abertura de empresas, pude

    retornar em outro dia e ser prontamente atendida por uma consultora que estava disponvel

    naquele horrio. Uma entrevista exploratria foi realizada com ela, quem me exps a forma

    de atuao do consultor, o papel do SEBRAE e sua estrutura organizacional. Chamou-me a

    ateno o fato de que tanto na consultoria coletiva quanto na entrevista, os consultores

    enfatizaram que o SEBRAE no um rgo do governo, que eles no so funcionrios

    pblicos e que no emprestam dinheiro. Segundo eles, o pblico costuma confundir muito o

    papel do SEBRAE.

    Quando perguntei se, ento, o SEBRAE era uma empresa, a resposta no foi

    precisa e foi acompanhada de uma expresso de dvida. O que ouvi foi que os consultores so

    empregados do SEBRAE como qualquer empregado de uma empresa. A resposta obtida deste

    consultor demonstra talvez uma cautela em falar sobre o assunto, o que poderia suscitar

    muitas outras perguntas em mim e que eles no desejariam responder. Mas tambm uma

  • - 11 -

    forma de identificao que os consultores pretendem passar ao pblico, classificam a

    instituio pelo que ela no (no pblica, no empresta dinheiro). Em outra ocasio, a

    explicao foi que o SEBRAE se parece com o SESI, SENAI, recebe contribuio do

    governo, por isso, consegue prestar servios to baratos. Em uma sala de espera antes de uma

    sesso de consultoria coletiva, um empresrio perguntou a outro: Como o SEBRAE se

    mantm? Resposta: De impostos. Esses relatos no tm capacidade explicativa, mas os

    menciono aqui, uma vez que expressam no ser bvia, nem consensual como definir a

    estrutura organizacional e os recursos financeiros do SEBRAE, o qu tambm ser tratado

    nesta dissertao.

    Para realizar esta pesquisa, foram buscados, primeiramente, documentos,

    publicaes com as quais fosse possvel reconstituir a histria do SEBRAE a fim de mostrar

    como esta instituio chegou ao que hoje. Para conseguir publicaes do SEBRAE, entrei

    em contato por telefone com a biblioteca do SEBRAE-SP e obtive como informao que no

    era permitido tirar xrox dos livros e tambm no permitiam a retirada dos mesmos, a

    consulta apenas poderia ser feita no local. Porm, fariam emprstimo de livros entre unidades

    do SEBRAE. Sabendo disso, me dirigi ao Escritrio regional do SEBRAE em So Carlos e

    pedi atendente que solicitassem os livros da biblioteca em So Paulo. Com a autorizao de

    um funcionrio supervisor, os livros foram solicitados e dentro de 2 dias estavam disponveis

    em So Carlos. A princpio eu no poderia retirar os livros para lev-los para casa, mas

    mediante a permisso do gerente do ER pude retirar o material para tirar xrox contanto que

    deixasse um documento pessoal (CPF) e devolvesse os livros no mesmo dia.

    Em Florianpolis, fui at a sede do SEBRAE-SC e solicitei livros diversos. Da

    mesma forma, os livros no poderiam ser retirados e sequer estavam presentes no prdio onde

    a solicitao era feita (onde se atendia o pblico). Os livros eram buscados no prdio ao lado

    que era o corpo administrativo do SEBRAE-SC. L encontrei a relao da legislao e um

    livro sobre a histria do SEBRAE catarinense. Mas de modo diferente do SEBRAE-SP, eles

    prprios se encarregaram de tirar xrox do material que solicitei mediante pagamento

    antecipado e pude retornar no fim da tarde e retirar o material.

    Foi solicitada junto ao gabinete da presidncia do SEBRAE Nacional,

    mediante ofcio, a relao de membros do Conselho Deliberativo do SEBRAE, instncia

    mxima da entidade. Depois de telefonemas cobrando foi-me encaminhado por email um

    arquivo com a relao de presidentes e diretores-presidentes do SEBRAE desde a sua criao,

    porm, os demais nomes dos membros que compuseram o Conselho (so 13 membros ao

  • - 12 -

    todo) continuam desconhecidos. Eliana Lopes, autora de uma dissertao sobre o SEBRAE5,

    fez a solicitao dos mesmos dados em 2000 e obteve resposta negativa da secretria (alis, a

    mesma secretria com quem falei por telefone). Talvez, devido s justificativas das pesquisas

    serem diferentes, o SEBRAE negue ou responda parcialmente s solicitaes. Justifiquei o

    pedido demonstrando inteno de fazer um histrico da entidade, j a pesquisa de Lopes

    tratava da atuao poltica do SEBRAE quanto aprovao do Estatuto das Micro e Pequenas

    Empresas.

    Fez parte da coleta de documentos, busca pela internet por notcias do jornal

    Folha de So Paulo entre os anos de 1996 a 2006, pela palavra-chave: SEBRAE. Algumas das

    reportagens encontradas foram utilizadas como material emprico.

    Alm disso, me dediquei a participar de algumas consultorias coletivas a fim

    de passar um tempinho dentro dos Escritrios Regionais de So Carlos e de Araraquara, as

    informaes sobre a estrutura organizacional do SEBRAE no Estado de So Paulo foram

    conseguidas em conversas com consultor, empresrios, com a secretria e uma funcionria de

    um Posto de Atendimento ao Empreendedor (PAE).

    Nos prximos captulos apresentam-se os resultados e anlise desta pesquisa.

    Ao cabo, tem-se como objetivo mais geral discutir aspectos levantados na literatura

    sociolgica a respeito da mudana no sistema cognitivo da sociedade brasileira quanto

    noo de pequena empresa. Na impossibilidade de uma investigao entre vrios atores

    sociais que possam ter contribudo para isso, tentaremos enfocar as mudanas promovidas (e

    tambm sofridas) pelo SEBRAE. Para tanto iremos traar historicamente sua trajetria, desde

    sua criao, transformao em entidade do Sistema S, atividades ofertadas ao pblico e

    treinamento dos consultores, onde se encontra noes de empreendedorismo e o ideal de

    pequena empresa.

    Para continuar em busca de compreender as mudanas cognitivas na sociedade

    que o SEBRAE apia, na segunda parte realiza-se uma retrospectiva histrica e conceitual do

    empreendedorismo, seus significados, principais atores de difuso e, por fim, chegamos ao

    principal treinamento de empreendedorismo do SEBRAE: o Empretec.

    5 Lopes, Eliana. O SEBRAE e as relaes pblico-privado no Brasil. UNESP. 2001

  • - 13 -

    PRIMEIRA PARTE:

    O papel do SEBRAE para a institucionalizao das pequenas empresas no Brasil

  • - 14 -

    1. O surgimento das pequenas empresas no Brasil

    Vimos na introduo que a importncia do termo empreendedorismo

    corresponde a mudanas na configurao das empresas e do mercado de trabalho.

    Compreender as mudanas no substrato de atores econmicos que vo incorporar as noes

    de empreendedorismo se faz necessrio aqui. Antes de traar a trajetria do SEBRAE e seu

    programa de empreendedorismo, trataremos de um tema que precede tal discusso, que a

    institucionalizao das categorias de empresa por porte e atribuio valorativa dada a elas

    dentro do processo de desenvolvimento econmico nacional.

    As teorias sociolgicas trazem a importante contribuio de analisar

    instituies dos mercados no apenas a partir da estrutura que tomam no presente, mas, antes

    disso, como se consolidam a partir da ao de vrios agentes.

    Ccile Mattedi (2005) define instituio segundo a concepo clssica de

    regularidades na atividade social. Retomando Weber, expressa que as vises do mundo

    criadas por idias frequentemente orientam as aes humanas sobre as vias determinadas pelo

    dinamismo dos interesses (p. 132). Mostra com isso que os interesses s so legitimados

    pelas idias e valores existentes em um contexto social. Essa postura terica importante para

    se estudar a dimenso simblica dos fenmenos econmicos. Na perspectiva sociolgica, as

    instituies econmicas so tambm instituies sociais, que comportam alm de sua

    estrutura organizacional, tambm um conjunto de idias e valores compartilhados e no

    apenas aes racionais. o entendimento desta questo que motiva e justifica a perspectiva

    terica adotada ao longo desta pesquisa.

    Considerando que a legislao que d tratamento especial s micro e pequenas

    empresas foi iniciada apenas na dcada de 80 e 90, tem-se que a classificao das empresas

    por porte no eram usuais antes desta poca. No eram pensadas enquanto um agrupamento

    de empresas com alguma semelhana entre si, como considerado hoje. Portanto, preciso

    compreender o processo que resultou na formao e transformao dessas empresas como se

    verifica hoje em dia.

    Por trs deste processo de institucionalizao das pequenas empresas muitos

    atores sociais estiveram envolvidos como, por exemplo, governos, bancos, empresas, dentre

    outros. Diante deste universo de atores, tomaremos como objeto deste estudo um em

  • - 15 -

    particular: o CEBRAE (Centro Brasileiro de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas),

    antecessor do atual SEBRAE, que ser investigado com detalhes mais a frente.

    Voltando dcada de 70, a literatura acadmica aponta que a questo da

    economia nacional era a transio do rural para o urbano. O grande foco das polticas

    nacionais estava na industrializao, na modernizao da economia nacional e nas novas

    formas de ocupao e explorao que surgiam (Abramo e Monteiro, 1995).

    Diniz e Boschi (1978) fizeram estudos focalizando o processo de transio da

    sociedade agro-exportadora para uma sociedade de base industrial. Comparando a dcada de

    30 com a da fase ps-64 argumentam que, antes, a

    ...Produo industrial pouco diferenciada, predominando os ramos tradicionais, com um grande nmero de empresas de caractersticas artesanais e padres familsticos de gesto empresarial, enquanto no outro extremo as caractersticas so distintas, ou seja, o setor industrial caracteriza-se por uma estrutura diferenciada e especializada, empresas de grande porte e padres mais complexos de gesto empresarial e de organizao interna da empresa. (p.21 )

    Os autores retomam a fase anterior a 1964 a fim de compreender o surgimento

    de um empresariado nacional com poder poltico. Apontam que at a dcada de 30, a

    literatura pressupe a irrelevncia econmica da indstria no conjunto da economia brasileira,

    assim como tambm, a irrelevncia poltica da elite empresarial na poca.

    Segundo Villela e Suzigan (apud Diniz e Boschi, 1978) entre novembro de

    1940 e maro de 1941, cerca de 33% dos scios das empresas industriais, responsveis por

    42,3% do capital realizado, eram de origem estrangeira, preponderando os italianos e os

    portugueses( p.35). Estes dados demonstram o carter pouco nacional da indstria

    brasileira no comeo do sculo XX. Ou seja, no s o capital, mas tambm seus donos eram

    estrangeiros.

    Os autores fazem consideraes acerca da proliferao de pequenas empresas

    de modo a formar um mercado interno de trabalhadores assalariados. As pequenas empresas

    visavam atender demanda do mercado consumidor da poca, no havendo ainda um

    processo de concentrao de capital em torno de grandes empresas.

    Acrescentam que, no havia, no incio do sculo, um mercado de crdito para

    indstrias. Apenas com a criao do CRAAI (Carteira de Crdito Agrcola e Industrial) no

  • - 16 -

    Banco do Brasil em 1937, o governo institui um sistema de emprstimo capaz de suprir a

    indstria com crdito a mdio e longo prazo para a aquisio de mquinas e equipamentos.

    At ento, todos os emprstimos para o setor industrial deviam ser resgatados a curto prazo.

    (idem, p.34)

    Quanto presena das pequenas empresas, ao contrrio da tendncia ao seu

    desaparecimento, o que se verifica uma estabilizao da proporo dessas empresas em

    relao ao total dos estabelecimentos industriais (Robalinho Barros, 1973, apud Diniz e

    Boschi, p.27, 1978).

    Os autores mostram que foi na dcada de 30, que comea a concentrao de

    capital com a formao de grandes empresas. Entre 1930 e 1937, em So Paulo tem-se que a

    proporo de pequenas empresas decresceu de 18% para 11% e a porcentagem de grandes

    empresas aumentou de 55% para 63%. Apesar do grande nmero de pequenas empresas no

    setor industrial, o que importante salientar a presena, j na dcada de 30, de um pequeno

    nmero de empresa de grande porte, seguramente formando uma elite (Diniz e Boschi, p.41).

    A inteno desta dissertao no avaliar o poder explicativo destas teorias

    frente aos dados empricos da poca, mas apenas identificar as categorias cognitivas que

    construam interpretaes para o mundo econmico. Ao identificar tais categorias podemos

    apontar quais mudanas ocorreram, no s nos fatos empricos, mas na forma de pensar o

    mundo empresarial brasileiro atual.

    Cardoso (1964) estudou a modernizao da economia brasileira, no s no que

    se refere transio de uma economia agrria para industrial, mas tambm s transformaes

    internas nas indstrias brasileiras. Sobre as empresas brasileiras (e aqui vale a ressalva de que

    a pesquisa de Cardoso no fazia diferenciao quanto a porte das empresas), o autor comenta:

    Como a propriedade das empresas se restringe, em geral, aos grupos familiares, o padro de controle dos empreendimentos implica na intromisso dos proprietrios em decises que ultrapassam o limite natural de ingerncia dos acionistas nas empresas dos pases desenvolvidos (...) os proprietrios das empresas clnicas exercem intensa atuao administrativa (Cardoso, p. 95. 1964 ).

    Ao traar comparao com as empresas dos pases desenvolvidos, o Brasil

    aparece, no pensamento da poca, com um padro de empresas tradicionais porque ligadas

    a famlias, portanto, consideradas empresas clnicas.

  • - 17 -

    Com a modernizao, as empresas brasileiras passaram por um processo de

    racionalizao da administrao. O mesmo autor aponta que os gerentes dividem a

    administrao com os familiares ou que algum dos familiares passa a ocupar a gerncia. Deste

    modo, h uma combinao entre o tradicional e o moderno no interior de uma mesma

    empresa, mas ainda com predomnio do tradicional.

    O trabalho de Cardoso expressa a noo que se tinha das empresas brasileiras

    at a dcada de 70. Alm da explicao dada por esta teoria, tambm est a uma viso de

    mundo a respeito do mundo econmico. Essa concepo de que no Brasil, e na Amrica

    Latina, predominam empresas familiares ainda hoje est se reproduzindo na literatura

    internacional mais recente.

    Por exemplo, Lipset (2000), a partir de comparao entre a literatura americana

    e a latino-americana, aponta que h diferenas entre estas duas culturas quanto ao nvel

    organizacional e de administrao das empresas. Na Amrica latina, as pesquisas apontam

    para uma menor separao entre a administrao e outras atividades; as normas burocrticas e

    competitivas so fracas e as caractersticas pessoais so mais valorizadas do que as

    habilidades organizacionais, e os gerentes so, freqentemente, recrutados na base das

    relaes familiares. O sucesso no considerado um resultado de aplicao sistemtica de

    esforo e criatividade, mas sim, uma combinao de sorte. Ainda segundo Lipset, Hirschman

    considerou que a inabilidade dos latinos em confiar e trabalhar com outros como a anttese do

    empreendedor efetivo.

    Mas o que vale chamar ateno no o fato de ser ou no, de fato, a

    administrao familiar ineficiente (um mal para as empresas brasileiras!), e explicao para o

    subdesenvolvimento da Amrica Latina. Estes fatos comprovam as teses sociolgicas que

    consideram que no h racionalidade plena e que os fatos econmicos convivem com normas

    e valores j existentes na sociedade.

    O que interessante notar na concluso tirada por Lipset a convico

    presente no pensamento de autores estrangeiros ( mas tambm nacionais) de que as empresas

    tradicionais no eram bons modelos de empresa. Convico esta que os trabalhos

    (re)produziam nas explicaes acerca do desenvolvimento nacional.

    Fernanda Wanderley (1999), levantando a literatura acadmica, traa a

    trajetria das teorias acerca dos pequenos negcios e atividades informais. Segundo ela, os

    autores da dcada de 50 consideravam que o desenvolvimento econmico dependia de

  • - 18 -

    estratgia de industrializao acelerada baseada na produo em larga escala e tecnologia

    moderna.

    Essas estratgias de desenvolvimento, que ignoravam o potencial das pequenas empresas, tinham as grandes empresas como a base do crescimento econmico, uma vez que elas garantiam a necessria economia de escala, alta produtividade e eficincia. (Wanderley, 1999, p. 17)

    Segundo Wanderley, considerava-se uma economia moderna quando era

    baseada na diferenciao das esferas sociais, por isso,

    Todas as economias que no se adequam ao modelo da economia de mercado so, em conseqncia, automaticamente classificadas como atrasadas, e menos esforos sistemticos so dedicados a compreender e explicar como e por que outros contextos institucionais permitem que diferentes organizaes econmicas operem. (idem, p.18)

    O perodo em que estes primeiros estudiosos analisaram estes fatos no Brasil a

    preocupao era que o processo de modernizao nacional estava nas mos das grandes

    empresas, nelas se encontravam as novas tecnologias e os melhores empregos. Na

    dependncia destas grandes empresas ficavam as pequenas empresas. Consideradas como

    miniaturas das grandes, ou apresentariam a tendncia geral de se tornarem grandes tambm,

    ou, do contrrio, tenderiam ao fracasso.

    Grn (1998) comenta acerca da viso que estava contida nas anlises

    econmicas das dcadas anteriores:

    A PME que eles construram em suas crticas era uma espcie de mfia dirigida por critrios de confiana mais do que de eficincia e o incomodo com o comportamento pblico ostentatrio das famlias de imigrantes era traduzido para a linguagem econmica e financeira como dissipao ao invs de reinverso dos lucros (p.154 ).

    A modernidade exigia, portanto, uma separao entre famlia e empresa, o

    capital nacional e o estrangeiro. Alm disso, h que se considerar os conflitos de classe. Nas

    anlises da relao capital vs trabalho deixam parte as camadas intermedirias como os

    pequenos empresrios, principalmente comerciais. Estes no tinham lugar na explicao do

  • - 19 -

    desenvolvimento econmico nacional ou eram secundrios nas anlises sociolgicas sobre a

    composio da elite empresarial com poder poltico. Tendia-se a pens-los em um dos plos

    de anlise, ou prximos fora de trabalho ou ao grande capital (Wanderley, 1999).

    Ainda na dcada de 70, estudos foram formulados com base na noo de

    economia informal, a qual era definida pela facilidade de entrada em empreendimentos cujos

    recursos de origem so a domstica, a propriedade individual ou familiar, com produo em

    pequena escala, tecnologia adaptada, mercados competitivos e no regulados. nesse espao

    econmico (e conceitual) que se localizavam as pequenas empresas (Wanderley, 1999).

    Era uma viso que vinculava setor informal e pobreza, pequenos negcios eram

    estratgias de sobrevivncia, uma alternativa ao desemprego, situao contrria lgica da

    economia capitalista que visa acumulao de capital. Para Wanderley, apesar de auto-

    emprego e desemprego estarem associados, essa literatura no explica porque o nmero de

    micro e pequenas empresas no diminuiu em perodo de expanso econmica.

    As atividades econmicas de menor porte e que no se enquadram na dualidade

    capital vs trabalho ou empregado vs empregador no aparecem na literatura, ou aparecem no

    mbito da chamada economia informal. Estas atividades eram consideradas transicionais para

    o mundo do trabalho assalariado, atividades temporrias realizadas por migrantes do meio

    rural para a cidade ou imigrantes deslocados de seus pases de origem. Enfim, atividades

    realizadas por falta de emprego assalariado, e no por opo do indivduo.

    Vislumbrava-se que estas atividades tenderiam a acabar ou ao menos a se

    reduzir medida que o Brasil intensificasse seu processo de industrializao. Nos planos de

    desenvolvimento do governo tambm no se encontram referncias diferenciao das

    empresas por porte pois o alvo das polticas era desenvolver a indstria nacional (Mancuso,

    2002).

    Na dcada de 70, apenas os bancos trabalhavam com a definio de porte de

    empresa (pequena, mdia e grande, no existindo micro empresas). Porm, estas definies

    no eram padronizadas e serviam aos propsitos de delimitar o mercado de crdito s

    empresas, no havendo legislao estatal para regular e definir quais seriam estas empresas.

    nesta dcada que surge o CEBRAE (Centro Brasileiro de Apoio s Pequenas

    e Mdias Empresas), primeira entidade governamental de apoio s pequenas e mdias

    empresas cuja funo era, fundamentalmente, de orientao ao crdito.

    A partir da dcada de 80, h um processo de reestruturao das grandes

    indstrias nacionais. Perodo este, em que as grandes empresas nacionais sofrem com a

  • - 20 -

    reestruturao produtiva e um contingente de trabalhadores fica margem do mercado de

    trabalho. nesta dcada que as pequenas empresas e novas categorias de atividade, alm da

    indstria, como o comrcio e os servios, passam a entrar na pauta, alm dos bancos. Por

    exemplo, na segunda parte desta dissertao, veremos o surgimento de diversas disciplinas

    acadmicas voltadas a este segmento a partir da dcada de 80, alm disso, a temtica das

    pequenas empresas aparece na mdia, entre eles o SEBRAE e outros consultores que se

    especializam em aconselhar este pblico empresarial.

    Wanderley aponta que, a partir deste perodo de reestruturao produtiva h

    uma mudana nos estudos da informalidade, esta no mais considerada transitria, mas h

    um problema crescente - na melhor das hipteses, constante - no mercado de trabalho

    brasileiro. Mas tambm na literatura econmica aparece a percepo de economia informal

    como aquela que guarda grandes capacidades competitivas, de alocao de mo-de-obra, que

    apresenta, portanto, vantagens em comparao ao mercado de trabalho rigidamente regulado

    pelo Estado (Portes,1996; Noronha, 2003)

    Dentro do processo de redemocratizao da dcada de 80, h a nfase na

    gerao de renda por outros meios, que no o trabalho assalariado, e o crescimento econmico

    no somente vinculado industrializao. Os setores do comrcio e servio ganham

    relevncia e com eles uma diversidade de arranjos empresariais (Cassiolato, Lastres, 2003).

    Para citar alguns, APLs, cooperativas, centrais de negcios, incubadoras de base tecnolgica,

    franquias. So formas organizacionais em que empresas de pequeno porte so comumente

    encontradas, sejam como extenso de grandes empresas (por exemplo, as franquias) ou

    vinculadas a outras organizaes (como universidades no caso de incubadores de base

    tecnolgica), tambm formam arranjos autnomos (as cooperativas e as centrais de negcio),

    ou ainda, sendo uma organizao independente como, as tradicionais, e que nunca deixam

    de existir, empresas familiares ou sem empregados.

    Segundo o IBGE, foi na dcada de 80, quando houve a reduo do ritmo do

    crescimento da economia e elevao no nvel de desemprego, que os pequenos negcios

    passaram a ser uma alternativa de ocupao de mo-de-obra. Surgiram, ento, as primeiras

    iniciativas de incentivo da abertura de micro e pequena empresa. So elas:

    Primeiro estatuto da microempresa (lei no 7256 de 27 de novembro de 1984),

    Incluso das MPEs na constituio Federal de 1988,

  • - 21 -

    Lei no 9317 que instituiu o Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuies das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte) em

    1996,

    Lei no. 9841 que instituiu o segundo estatuto das microempresas e empresas de pequeno porte de 1999,

    Estabelecimento do Frum Permanente da MPEs (2000) Tambm marcaram a trajetria da instituio das MPEs os avanos nos

    sistema de representao poltica deste segmento como, por exemplo, o Sindicato da Micro e

    Pequena Indstria do Estado de So Paulo (Simpi), este foi o primeiro a ser criado em 1988;

    o Sindicato das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Comrcio do Estado de So

    Paulo (Simpec), Associao Nacional dos Sindicatos de Micro e Pequenas Indstrias

    (Assimpi) e Associao Nacional dos Sindicatos de Microempresas e Empresas de Pequeno

    Porte do Comrcio (Assimpec).

    Essas entidades fazem parte do Frum permanente e promovem seminrios e

    congressos peridicos, buscam parcerias e integrao com as instncias dos governos

    municipal, estadual e federal.

    1.1.Definio de MPE

    Frederico Robalinho6 publica em 1978 um livro intitulado Pequena e Mdia

    empresa e poltica econmica: um desafio mudana, juntamente com o IPEA (Instituto de

    Pesquisa Econmicas Aplicadas), um diagnstico das pequenas e mdias empresas no Brasil.

    Ele era na poca diretor do CEBRAE. Na apresentao do Livro de Frederico Robalinho de

    1978, Ruy Barreto (empresrio, vindo de famlia proprietria de cafezais do Rio de Janeiro)

    apresenta a seguinte defesa da pequena empresa: as pequenas e mdia empresa constitui a

    nica e natural resposta de um anseio to longnquo quanto histria da civilizao e to

    espontneo quanto a prpria natureza do ser humano: ela corresponde ao direito inalienvel

    do homem de ter algo que seja seu, algo porque trabalhar, por que lutar, porque defender,

    algo, enfim, que ele possa fazer frutificar e transmitir a seus filhos e posteridade. Isso se

    chama propriedade privada(p.18). 6 Hoje consultor e presidente da empresa Robalinho e Consultores Associados.

  • - 22 -

    Ruy Barreto defende a propriedade privada e demonstra sua oposio a

    polticas existentes em outros pases de desconcentrao da grande empresa, pois a estatizao

    um retrocesso uma vez que no possvel planejar e regulamentar a criatividade e

    imaginao do ser humano. Para ele, a democracia se alcana com acesso pequena

    propriedade onde o Homem tenha iniciativa prpria de produzir e comercializar. H uma

    grande nfase no Homem e na iniciativa do indivduo, mas nada tratado ao longo do livro

    sobre qual deve ser o comportamento do empresrio. E, ao fim, escreve: a pequena e mdia

    empresa representam, em suma, a pequena economia, a pequena economia representa a classe

    mdia e a classe mdia representa a estabilidade econmica, a justia social e a segurana

    poltica. Representa, assim, a Democracia(p.19).

    O autor apresenta neste livro a preocupao de valorizar e ampliar a classe de

    pequenos empresrios. Sobre eles recairiam preconceitos, por exemplo, o empresrio no

    consegue obter capital pois nas avaliaes dos bancos a capacidade empresarial do indivduo

    confundida com a tradio no setor industrial, ou a posio social em que se situar o

    indivduo, ou simplesmente com o fato de o mesmo possuir bens materiais de razes , o que o

    credencia perante as fontes de recursos(p.29). O tom do livro marcado por uma

    preocupao com a democratizao do capital e da valorizao do homem enquanto centro de

    todo o progresso industrial.

    Robalinho Barros, apresenta uma discusso a respeito da definio de Pequena

    empresa da dcada de 70, quando ainda no havia legislao quanto a esta definio. O autor

    aponta que h dificuldades em estabelecer critrio nico de definio porque o que

    considerado pequeno ou mdio em um pas ou regio pode ser considerado grande em outro.

    Toda e qualquer definio , portanto, relativa.

    Segundo ele, as variveis mais comumente consideradas, so: o emprego e o

    investimento. Alguns estudos internacionais relatados pelo autor utilizam ainda o volume de

    vendas e o consumo de energia, no entanto, estes critrios so desfavorveis pois variam

    muito segundo cada atividade manufatureira. Tambm se encontram descries acerca das

    caractersticas dessas empresas: contato pessoal entre o dono e os trabalhadores, entre os

    clientes e os produtores e a falta de acesso ao capital, integrao na comunidade local de

    modo que trabalhadores, dirigentes, mercado e matria-prima esto situados na localidade.

    No Brasil da dcada de 70, as variveis mais usadas para definio eram: a)

    investimento (ativo fixo); b) nmero de pessoas empregadas; c) faturamento, sendo que os

    critrios adotados nem sempre so uniformes nas diversas instituies financeiras do pas. A

    diversidade de conceituaes varia de acordo com o objetivo e com os instrumentos de ao

  • - 23 -

    da instituio responsvel pelos programas de apoio. Esta falta de homogeneizao de

    definio dificulta a elaborao de programas de maior amplitude (Robalinho, 1978).

    A primeira definio mais ampla foi a do FIPEME (Programa de

    Financiamento Pequena e Mdia Empresa):

    1. Ativo fixo + investimento total menor ou igual a 500.000 ORTNs (Obrigaes

    Reajustveis do Tesouro Nacional).

    2. No pertencer a grupo econmico de patrimnio lquido maior a 1000.000 ORTNs.

    3. A atividade principal atende a requisitos e prioridade setorial conforme

    enquadramento interno do BNDE (Resoluo n. 05/75, art.II e resoluo n.06/75 do BNDE).

    Fora desses critrios, ento, considerado grande empresa.

    Em 1970, a FIESP (Federao das Indstrias do Estado de So Paulo) realiza

    estudo e estabelece a seguinte definio:

    Pequena empresa = at 99 empregados, Mdia empresa =de 100 a 499 empregados, e Grande empresa = a partir de 500 empregados.

    Em 1972, Federao de Indstrias de Minas Gerais (FIEMGE) definia:

    Pequena empresa: possui at 49 empregados e custos de salrio e de materiais, somados, tendem a exceder 60% do valor de sua produo.

    Mdia empresa: possui de 50 a 499 empregados e custos de salrio e materiais na faixa de 53% a 60% do valor da produo.

    Grande empresa: possui mais de 500 empregados e custos de salrio e materiais menores que 53% do valor da produo.

    O IPEA (Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas), em 1973, apresentava

    a mesma definio da FIESP. Segundo Robalinho, o CEBRAE no fixava parmetros de

    definio mas levava em conta as caractersticas funcionais da empresa:

    Pequena especializao na administrao, isto , praticamente a administrao de um s homem, do empresrio-gerente,

    Relacionamento pessoal do administrador com empregados, consumidores e fornecedores.

    Desvantagens na obteno de capital e crdito. A pequena ou mdia empresa no pode, normalmente, obter recursos no mercado de capitais e encontra, muitas vezes,

    dificuldades em conseguir emprstimos bancrios e crditos de fornecedores,

  • - 24 -

    Grande nmero de unidades empresariais, tornado impraticvel a adoo de tcnicas uniformes de assistncia e consultoria, sendo necessrio o exame setorial e/ou regional

    para o estabelecimento de programas especficos de assistncia (p.54)

    Os critrios para definir porte de empresas, ainda hoje, so variveis tanto por

    parte da legislao especfica quanto por instituies financeiras e rgos representativos do

    setor. Ora baseiam-se no valor do faturamento, ora no nmero de pessoas ocupadas e, s

    vezes, em ambos. Isso se deve ao fato de que a finalidade e os objetivos das entidades

    responsveis so distintos (regulamentao, crdito, estudos, etc).

    O critrio de classificao das MPEs por nmero de pessoas ocupadas no leva

    em conta as diferenas entre atividades com processos produtivos distintos, por exemplo, uso

    de tecnologia de informao (internet, e-commerce, etc) e, ou, grau de qualificao da mo de

    obra. H casos, por exemplo, de empresas com pequena quantidade de mo de obra mas com

    um grande volume de negcios. Os casos mais comuns seriam o comrcio atacadista,

    atividades de informtica ou servios profissionais como contabilidade, consultoria ou

    atividade jurdica.

    Veja o quadro contendo as principais definies para as MPEs e seus

    respectivos critrios de classificao.

  • - 25 -

    Quadro 1: Definies de Micro e Pequenas Empresas

    Faturamento Nmero de empregados SEBRAE 7

    Porte Estatuto da Micro e Pequena Empresa (Lei 9841/1999)

    Lei Compl. n 123, dez/ 2006

    BNDES para indstrias (receita operacional bruta anual)

    Indstria Comrcio/ Servio

    IBGE

    Micro At R$ 244.000,00

    At R$240 mil At R$ 1,2 milho

    At 19 At 9 At 5

    Pequena De R$244mil a R$ 1,2 milhes

    De R$240 mil a R$2,4 milhes

    De R$ 1,2 milho a R$ 10,5 milhes

    De 20 a 99 De 10 a 49 De 6 a 19

    Mdia X X De R$ 10,5 milhes a R$ 60 milhes

    De 100 a 499

    De 50 a 99

    Grande X X Superior a R$ 60 milhes

    > = 500 >= 100

    De 20 ou mais

    Tabela elaborada pela autora a partir das leis citadas encontradas no site do Planalto (http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis) e dados do site do BNDES (http://www.bndes.gov.br/clientes/porte/porte.asp), Boletim Estatstico do IBGE e site do SEBRAE (http://www.sebrae.com.br/customizado/estudos-e-pesquisas/bia-97-criterios-para-classificacao-do-porte-de-empresas/BIA_97/integra_bia )

    As PMEs, antes vistas indistintamente como tradicionais, referentes

    padaria do portugus ou loja do turco, empresas que eram passadas de pai para filho,

    formas de sobrevivncia que tendiam a serem extintas pelo grande capital, hoje, so

    repensadas e, em muitos casos, consideradas um nicho econmico com potencialidade de

    modernizao, e meio para o desenvolvimento do pas.

    At aqui, podemos perceber que, ao longo das dcadas, houve etapas de

    transformao no pensamento social a respeito das pequenas empresas:

    1. Primeiramente, inexistentes na cognio social, a qual se atinha a questes

    relativas industrializao e relao capital vs trabalho.

    2. Depois, ligada noo de economia informal, atividades tpicas da transio de

    uma sociedade rural para moderna, pequenas empresas eram vistas negativamente como

    tradicionais e tenderiam a desaparecer frente ao grande capital.

    3. Por fim, ao longo dos anos 80 e o perodo de reestruturao das empresas, a

    literatura acadmica e tambm outros atores se ativeram a estudar e promover formas

    organizacionais de pequeno porte. 7 No Boletim de Desempenho Exportador das MPEs Industriais Brasileiras, realizados pela Funcex para o Sebrae, o critrio para definir MPEs difere combinando o numero de pessoas ocupadas com o volume de exportaes das empresas.

  • - 26 -

    Neste processo, as questes nacionais mudaram, os atores em disputa tambm se

    alteraram e, assim, o entendimento que se tinha sobre as MPEs tambm se alterou. Por esta

    razo, aponta-se a necessidade de mapear (futuramente) os interesses polticos dos atores do

    jogo das classificaes de empresas8.

    At aqui, verifica-se, ento, uma institucionalizao das categorias de empresa

    por porte. Para melhor compreender este processo, tem-se como referncia o conceito de

    instituio de Mary Douglas (1998). Segundo a autora, uma instituio no um arranjo

    instrumental, , no mnimo, uma conveno, ou seja, uma regra que assegure a coordenao.

    A instituio se estabiliza quando h naturalizao das classificaes.

    Ao longo deste percurso histrico que vem ressignificando e estabilizando as

    categorias de empresa por porte, vrios atores estiveram envolvidos, entre eles, acadmicos,

    consultores, mdia, governo, etc. Um desses atores, que veio a ter grande visibilidade com

    assuntos relativos s pequenas empresas o (C)SEBRAE. Sua histria acompanhou o

    processo de institucionalizao das pequenas empresas, por isso, o objetivo do prximo

    captulo mostrar, a partir do histrico deste ator especfico, como foi possvel o processo de

    institucionalizao das pequenas empresas no seu interior.

    ***

    Nos captulos a seguir ser apresentada uma descrio histrica dos CEBRAE

    e SEBRAE. A principal fonte de informao foi o livro SEBRAE. 30 anos parceiro dos

    brasileiros, no qual o autor, Humberto Mancuso, funcionrio do prprio SEBRAE, fez

    inmeras entrevistas com os presidentes, diretores presidentes e alguns funcionrios da

    instituio e apresenta inmeros relatos.

    Apesar de ser um livro institucional, que expe a histria oficial do SEBRAE,

    estes relatos trazem informaes importantes obtidas pelo autor diretamente dos indivduos

    que estiveram na cpula dos CEBRAE e SEBRAE. Alm disso, o acesso a todas estas

    pessoas, a quem o autor teve por ser membro da instituio, dificilmente seria possvel em

    8 Isto porque alm de constatar as alteraes ocorridas, ainda se faz necessrio explic-las em funo dos jogos de poder, ou seja, quem define quais critrios e das caractersticas sociais que moldam os interesses dos atores em disputa. Estes aspectos no foram possveis de serem identificados em uma pesquisa histrica como a que foi aqui desenvolvida uma vez que estes atores (instituies e indivduos) so esparsos e alguns sequer existem mais.

  • - 27 -

    uma pesquisa acadmica. Estes relatos, que inicialmente seriam uma forma de apologia ao

    SEBRAE, podem ser perfeitamente submetidos a uma anlise sociolgica, o que tentarei

    apresentar a seguir.

    Outras fontes de dados utilizadas aqui so a dissertao de Eliana Lopes, os

    estatutos, a legislao, site do SEBRAE, assim como, conversas informais com funcionrio e

    consultores do Escritrio Regional de So Carlos e Araraquara.

  • - 28 -

    2. SEBRAE: Estrutura organizacional e jurdica

    Neste captulo, sero apresentadas as principais caractersticas da estrutura

    organizacional do SEBRAE desde a sua criao. necessrio conhecer a histria objetivada,

    ou seja, como se do os vnculos formais da estrutura organizacional e como ela tomou o

    formato que tem hoje a fim de melhor compreender posteriormente a atuao do SEBRAE.

    A estrutura organizacional do SEBRAE se constitui em um sistema composto

    por uma unidade central, o SEBRAE Nacional, e unidades localizadas nas capitais das 27

    unidades federativas. Mas sua origem est na dcada de 70 com o CEBRAE (Centro

    Brasileiro de Apoio Gerencial s Pequenas e Mdias Empresas).

    De 1972 a 1990, o CEBRAE se constitua em estrutura da administrao

    pblica. O CEBRAE foi vinculado ao Ministrio do Planejamento de 1972 a 1984, neste ano,

    passa administrao do Ministrio da Indstria e Comrcio e assim permaneceu at 1990.

    Sabendo que nesta poca as PMEs eram consideradas secundrias em relao

    s grandes indstrias, no podemos esperar que uma entidade que atuasse em prol delas fosse

    uma entidade de prestgio e mesmo de poder.

    Lopes mostra que o antigo CEBRAE teve 6 estatutos. Veremos mais adiante

    que as mudanas de estatutos esto relacionados mudanas nas polticas do governo. O

    primeiro estatuto data do ano de sua criao (1972), porm, j em 1975 foi estabelecido o

    segundo estatuto e no ano seguinte (1976), o terceiro estatuto. Neste, o nome foi mudado para

    Centro Brasileiro de Apoio Pequena e Mdia Empresa, porm, a sigla foi mantida. Alm

    disso, recebeu o IPEA como membro do Conselho Deliberativo. Ficou estipulado que cabia

    ao IPEA a presidncia do Conselho Deliberativo e ao BNDE a presidncia das diretorias.

    Em 1979 foi institudo o quarto estatuto do CEBRAE e ficou estabelecido que

    o secretrio do Ministrio Pblico quem passaria a presidir o Conselho Deliberativo e

    nomear o diretor-presidente do CEBRAE. Com isso, a atuao do CEBRAE se alterou devido

    a tal aproximao com o Ministrio.

    O quinto estatuto do CEBRAE, de 1984, acrescentou as micro e pequenas

    empresas em seu campo de atuao e estabelece que o CEBRAE executaria as diretrizes do

    COPEME e assessoraria o Ministrio. Tambm h alterao na composio do Conselho

    Deliberativo que passou a abarcar: MIC, SEPLAN, BNDES, IPEA, ABDE, a Caixa

    Econmica Federal (CEF), o Banco do Brasil (BB), Conselho Nacional de Desenvolvimento

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    Cientfico e Tecnolgico (CNPq), Conselho Governamental da Indstria e do Comrcio

    (CONSIC). Para gerir o CEBRAE criado o Conselho de Desenvolvimento da Micro,

    Pequena e Mdia Empresa. (COPEME).

    Em 1984, discutia-se a desvinculao do CEBRAE do Ministrio do

    Planejamento, inclusive havia a possibilidade de se tornar uma Fundao. No entanto, o que

    ocorreu que o CEBRAE foi transferido com a mesma estrutura organizacional para o

    Ministrio da Indstria e Comrcio, sendo o presidente do Conselho Deliberativo o secretrio

    geral deste ministrio.

    O sexto estatuto, de 1987, manteve praticamente inalterado o estatuto anterior

    mas incluiu entre os membros a ABACE, a associao dos funcionrios do CEBRAE9.

    Enquanto a entidade esteve vinculada ao Estado, operou principalmente

    programas de crdito orientado (concesso de crdito e assistncia gerencial por meio de

    consultoria) of