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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS
CENTRO DE EDUCAAO E CIENCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS GRADUAAO EM CIENCIAS SOCIAIS
SEBRAE E EMPREENDEDORISMO:
origem e desenvolvimento
NATLIA MAXIMO E MELO
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal de So Carlos, para obteno do ttulo de mestre em Cincias Sociais.
Orientador: Roberto Grn
Agncia financiadora: Capes
So Carlos/SP 2008
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Ficha catalogrfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitria da UFSCar
M528se
Melo, Natlia Maximo e. SEBRAE e empreendedorismo : origem e desenvolvimento / Natlia Maximo e Melo. -- So Carlos : UFSCar, 2008. 139 f. Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal de So Carlos, 2008. 1. Empreendedorismo. 2. Sociologia econmica. 3. Micro e pequena empresa. 4. SEBRAE. 5. I. Ttulo. CDD: 306.3 (20a)
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Minha famlia:
Eleonice(me), Washington (pai),
Lis, Luize, Bruno e Carlos Alberto.
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Agradeo...
A minha famlia pelo apoio e incentivo constantes,
Ao prof. Roberto Grn pela oportunidade de trabalho, orientao e apoio.
Aos colegas do Nesefi (Ncleo de Estudos de Sociologia Econmica e das Finanas): Ana
Paula, ngela, Elaine, Maria Jardim, Ana Carolina, Martin, Ariele, Maria Clara, Tatiane,
Marina, Marcela e Karina, pessoas com quem aprendi e compartilhei idias preciosas.
Agradeo especialmente ao colega Antonio Pedroso, quem leu e comentou com detalhes
esta dissertao e muito contribuiu para minhas reflexes.
Aos professores que compuseram a banca de qualificao, Eduardo Noronha (CSo-
UFSCar) e Julio Csar Donadone ( DEP- UFSCar), e aos professores da banca de defesa,
Mario Grynzspan (FGV-Rio) e Thales Haddad ( UFSCar) por terem contribudo com
crticas e sugestes preciosas que foram incorporadas neste trabalho.
E tambm a todos os professores do departamento de Cincias Sociais- UFSCar, pois
contriburam para a minha formao desde a graduao.
No posso deixar de agradecer a todos os amigos e familiares, prximos ou distantes, com
quem compartilhei momentos importantes da minha vida.
A todos, meu muitssimo obrigado!!
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Resumo
Empreendedorismo um termo que tem estado presente no vocabulrio da
Economia e da Administrao e tambm no senso comum, no entanto, pouco tem feito
parte das pesquisas das cincias sociais. Esta dissertao procura mapear os principais
atores sociais que contriburam para a institucionalizao do empreendedorismo no
mundo. Alm disso, investiga um dos principais atores na difuso e apoio ao
empreendedorismo no Brasil: o SEBRAE (Servio Brasileiro de Apoio s Micro e
Pequenas Empresas). Traando um histrico desta entidade pode-se identificar como foi
introduzido este tema (e termo) nos programas do SEBRAE. Por fim, investiga-se o
principal destes programas, o Empretec, o qual coordenado pela ONU e constitui-se de
um treinamento comportamental que visa transformar a conduta dos indivduos. O
empreendedorismo, assim, se apresenta no como conceito acadmico de valor descritivo,
mas sim, como um conjunto prescritivo de normas e valores que orientam e alteram a
percepo dos indivduos.
Palavras-chave: sociologia econmica, cultura econmica, empreendedorismo,
SEBRAE, Empretec
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Abstract
Entrepreneurship is a term that has been present in the vocabulary of the Economy
and the Administration and also in the common sense; however, rarely has been part of
researches in social sciences. This dissertation describes the mains social actors who had
contributed for the institutionalization of the entrepreneurship in the world. Moreover, it
investigates one of the main actors that diffuse and support the entrepreneurship in Brazil:
SEBRAE (Brazilian Service of Support to Micro and Small Companies). Describing it, we
can identify how was introduced this subject (and term) in the programs of SEBRAE.
Finally, the main of these programs, the Empretec, is investigated. It is co-coordinated by
ONU and consists of a behavioral training which aim is to transform the behavior of
individuals. Entrepreneurship seems in it not as academic concept with descriptive value,
but as a prescriptive set of norms and values that guide and modify the perception of
individuals.
Key-words: economic sociology, economic culture, entrepreneurship, SEBRAE,
Empretec
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Resum
Entrepreneurial est un terme qui a t prsent dans le vocabulaire de l'conomie et
de l'Administration et aussi dans le sens commun, nanmoins, peu a fait partie dans les
recherches de sciences sociales. Cette dissertation cherche decrire les principaux acteurs
sociaux qui ont contribu l'institutionnalisation de l' Entrepreneurial dans le monde. En
outre, enqute un des principaux acteurs dans la diffusion et aide l'entrepreneurship au
Brsil : SEBRAE (Service Brsilien d'Aide au Micron et Petites Socits). En traant une
description de cette entit cest possible de identifier comme a et introduit ce sujet (et
terme) entre les programmes de SEBRAE. Finalement, s'enqute le principal de ces
programmes, l'Empretec, qui est coordonn par l'ONU et se constitue d'une entranement
comportamental laquelle vise transformer la comportement des personnes. L'
entrepreneurial se prsente non comme concept acadmique de valeur descriptive, mais
comme un groupement normatif de normes sociaux et des valeurs qui guident et modifient
la perception des personnes.
Mots-cl: sociologie conomique, culture conomique, Entrepreneurial, SEBRAE,
Empretec
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Lista de abreviaes e siglas
ABASE: Associao Brasileira dos SEBRAE Estaduais
ABDE: Associao Brasileira de Instituies Financeiras de Desenvolvimento
ACSP: Associao Comercial de So Paulo
AED: Agncia de Educao para o Desenvolvimento
AEESP: Associao de Empreendedores Empretecos de So Paulo
ANPAD: Associao Nacional de Ps Graduao e Pesquisa em Administrao
ANPEI: Associao Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras
ANPROTEC: Associao Nacional das Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avanadas
ANPEC: Associao Nacional dos Centros de Ps-graduao em Economia
APEX: Agncia de Promoo de Exportaes do Brasil
APL: Arranjos Produtivos Locais
ARENA: Aliana Renovadora Nacional
Assimpec : Associao Nacional dos Sindicatos de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Comrcio
Assimpi: Associao Nacional dos Sindicatos de Micro e Pequenas Indstrias
Banresul: Banco Regional do Rio Grande do Sul
BB: Banco do Brasil
BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDE: Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico
BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
CACB: Confederao das Associaes Comerciais e Empresariais do Brasil
CCE: Caracterstica do Comportamento Empreendedor
CDN: Conselho Deliberativo Nacional
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CEAG: Centro de Assistncia Gerencial
CEBRAE: Centro Brasileiro de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas
CEDIN: Fundao Centro de Desenvolvimento Industrial
CEF: Caixa Econmica Federal
CEFEI: Centro Empresarial de Formao Empreendedora de Itajub
CEGEM: Centro Goiano de Assistncia Gerencial Pequena e Mdia Empresa
CESAR: Centro de Estudos e Sistemas Avanados do Recife
CIAGE: Centro Integrado de Gesto Empreendedora
CNA: Confederao da Agricultura e Pecuria do Brasil
CNC: Confederao Nacional do Comrcio
CNI: Confederao Nacional da Indstria
CNT: Confederao Nacional dos Transportes
CODEAMA: Comisso de Desenvolvimento do Estado do Amazonas
CONDESE: Conselho de Desenvolvimento Econmico de Sergipe
COPEME: Conselho de Desenvolvimento da Micro, Pequena e Mdia Empresa
CPF: Cadastro de Pessoa Fsica
CRAAI: carteira de crdito agrcola e industrial
DF: Distrito Federal
DPC: Diretoria de Portos e Costas
EFEI: Escola Federal de Engenharia de Itajub
EGEPE: Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gesto de Pequenas Empresas
ENE: Escola de Novos Empreendedores
ER : Escritrio Regional
EUA: Estados Unidos da Amrica
FAESP: Federao da Agricultura do Estado de So Paulo
FEA: Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da USP
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FECOMRCIO: Federao do Comrcio do Estado de So Paulo
FGV: Fundao Getlio Vargas
FHC: Fernando Henrique Cardoso
FIESP: Federao das Indstrias do Estado de So Paulo
FINEP: Financiadora de Estudos e Projetos
FIPEME: Programa de Financiamento Pequena e Mdia Empresa
FIRJAN: Federao das Indstrias do Estado do Rio de Janeiro
FUNDEPRO: Fundo de Desenvolvimento da Produtividade
GEAMPE: Grupo Executivo de Assistncia Mdia e Pequena Empresa
GEM: General Entrepreneurship Monitor
GEPE: Grupo de Estudos de Pequenas Empresas
IAPAS: Instituto de Administrao Financeira da Previdncia e Assistncia Social
IBAGESC: Instituto Brasileiro de Assistncia Gerencial de Santa Catarina
IBGE : Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstico
IBMEC: Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais
ICMS: Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servio
IDEG: Instituto de Desenvolvimento do Estado da Guanabara
IDEIS: Instituto de Desenvolvimento Industrial do Esprito Santo
IDERGS: Instituto de Desenvolvimento Empresarial do Rio Grande do Sul.
IEL: Instituto Euvaldo Lodi
INATEL: Instituto Nacional de Telecomunicaes
INCRA: Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INPS: Instituto Nacional de Previdncia Social
INSS: Instituto Nacional de Servio Social
IPAG: Instituto Paranaense de Assistncia Gerencial Pequena e Mdia Empresa.
IPEA: Instituto de Pesquisa Econmicas Aplicadas
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IPT: Instituto de Pesquisas Tecnolgicas
KfW: Banco alemo Kreditenstalt fr Wiederaufbau
MBA: Mster of Business Administration
MDIC: Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior
MIC: Ministrio da Indstria e Comrcio
MICROGERAES: Programa de estmulo criao de Microempresas no Estado de Minas Gerais
MIT: Massachusetts Institute of Technology
Monampe: Movimento das Micro e Pequenas Empresas
MPE : Micro e Pequena Empresa
MSI: Management Systems International
NAE/CE: Ncleo de Assistncia Empresarial do Cear
NAG/PI: Ncleo de Assistncia Gerencial do Piau
NAI: Ncleo de Assistncia Industrial
NAI/PB: Ncleo de Assistncia Industrial da Paraba
OCDE: Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
OEA: Organizao dos Estados Americanos
ONG: Organizao No Governamental
ONU : Organizao das Naes Unidas
PAE: Posto de Atendimento ao Empreendedor
Parqtec: Fundao Parque Alta Tecnologia de So Carlos
PATME: Programa de Apoio Tecnolgico s Micro e Pequenas Empresas
PEGN: Pequenas Empresas Grandes Negcios
PFL: Partido da Frente Liberal
PMDB: Partido do Movimento Democrtico Brasileiro
PND: Plano Nacional de Desenvolvimento
PNUD: Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
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POC: Programa de Operaes Conjuntas
PROGER: Programa de Gerao de emprego e renda
PROGERAR: Programa de Gerao de Emprego e Renda
PROMICRO: Programa Nacional de Apoio s Microempresas
PRONAEX: Programa Nacional de Apoio Pequena e Mdia Empresa Exportadora PRONAC: Programa Nacional de Servio Pequena e Mdia Empresa
PRONAGRO: Programa Nacional de Apoio Empresa Rural
PT: Partido dos Trabalhadores
PUC-Rio: Pontifica Universidade Catlica do Rio de Janeiro
RAIS: Relao Anual de Informaes Sociais
REUNE: Rede de Ensino Universitrio em Empreendedorismo
SBA: Small Business Association
SBDE: Sociedade Brasileira Desenvolvimento Empreendedor
SEBRAE: Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequena Empresas
SENAC : Servio Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI : Servio Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR : Servio Nacional de Aprendizagem Rural
SENAT : Servio Nacional de Aprendizagem do Transporte
SESC : Servio Social do Comrcio
SESI : Servio Social da Indstria
SEST : Servio Social Transporte
Simpec : Sindicato das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Comrcio do Estado de So Paulo
Simpi : Sindicato da Micro e Pequena Indstria do Estado de So Paulo
Sindibancos: Sindicato dos Bancos do Estado de So Paulo
SIPEME: Sistema de Informaes Gerenciais para as Pequenas e Mdias Empresas
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SUDENE: Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste
TAT: Thematic Aperception Test
UEDCE: Unidade de Educao e Desenvolvimento da Cultura Empreendedora
UF: Unidade de Federao
UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais
UFPE: Universidade Federal de Pernambuco
UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC: Universidade Federal de Santa Catarina
UNB: Universidade de Braslia
UNCTAD : United Nations Conference on Trade and Development
UNCTC: United Nations Centre for Transnational Corporations
UNDP: United Nations Development Programme
UNESP: Universidade do Estado de So Paulo
UNO: Unio Nordestina de Assistncia Pequena Organizao
USAID: United States Agency for International Development
USEN: Universidade SEBRAE de Negcios
USP: Universidade de So Paulo
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Lista de quadros
Quadro 1: Definies de Micro e Pequenas Empresas........................................................25
Quadro 2: Instituies Membros do Conselho Nacional do SEBRAE...............................31
Quadro 3: Distribuio dos Recursos advindas da contribuio social s unidades do
SEBRAE por regies...........................................................................................................36
Quadro 4: Instituies membros do Conselho Deliberativo do SEBRAE-SP....................37
Quadro 5:Comparao dos atores de difuso do empreendedorismo: EUA vs Brasil...86-87
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Sumrio
INTRODUO........................................................................................................1 Problema de pesquisa........................................................................................................2 Coleta de dados..................................................................................................................9
PRIMEIRA PARTE:
O PAPEL DO SEBRAE PARA A INSTITUCIONALIZAO DAS PEQUENAS EMPRESAS NO BRASIL
1. O SURGIMENTO DAS PEQUENAS EMPRESAS NO BRASIL.......................14 1.1.Definio de MPE........................... .............................................................................21
2. SEBRAE : ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E JURDICA...........................28 2.1. A Formao da cpula..........................................................................................30 2.2. Formas de custeio.....................................................................................................33 2.3. O SEBRAE SP.......................................................................................................37
3. A HISTRIA......................................................................................................39
3.1. PRIMEIRA FASE : CEBRAE..................................................................................39 3.1.1. Criao...................................................................................................................39 3.1.2. Consolidao do sistema CEBRAE.......................................................................44 3.1.3. As formas de atuao: servios, mdia e poltica...................................................47
3.2. SEGUNDA FASE: de CEBRAE para SEBRAE.....................................................53 3.2.1. A crise do CEBRAE e a intensificao da atuao poltica..................................53 3.2.2. As conseqncias da sobrevivncia do SEBRAE................................................59 3.2.3. Redefinies..........................................................................................................63 3.2.4. A trajetria dos Programas e a atuao poltica....................................................65
SEGUNDA PARTE :
EMPREENDEDORISMO NO SEBRAE E O CASO DO PROGRAMA EMPRETEC
4. EMPREENDEDORISMO: A TRAJETRIA DE UM CAMPO DE CONHECIMENTO.................................................................................................72
4.1. Significados tericos do empreendedorismo........................................................72 4.2. O Campo Internacional.............................................................................................80 4.3. O Campo Brasileiro..................................................................................................84 4.4. Empreendedorismo nas pesquisas acadmicas brasileiras.......................................88
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4.5. Tecnologia e a legitimidade do empreendedorismo.................................................93
5. A CHEGADA DO EMPREENDEDORISMO NO SEBRAE...............................95 5.1. Origem do Programa Empretec................................................................................95 5.2. Empretec no Brasil...................................................................................................98 5.3. Empretec no SEBRAE-SP......................................................................................100 5.4. A organizao e os instrutores................................................................................101 5.5. A lgica do Seminrio Empretec............................................................................104 5.6. O contedo do Empreendedorismo........................................................................107 5.7. As disposies atribudas ao indivduo empreendedor..........................................113
6. CONCLUSES..............................................................................................116
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................123 Literatura acadmica......................................................................................................123 Documentos...................................................................................................................129 Sites...............................................................................................................................131 ANEXO 1......................................................................................................................132 ANEXO 2......................................................................................................................134 ANEXO 3......................................................................................................................136 ANEXO 4......................................................................................................................137 ANEXO 5......................................................................................................................138 ANEXO 6......................................................................................................................139
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Introduo
Relato brevemente, para iniciar, o contedo da primeira palestra que presenciei
de um consultor do SEBRAE (Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas),
ocorrida na UFSCar no dia 26/04/2006, para uma platia de universitrios durante um evento
da Engenharia de Produo da UFSCar.
O consultor contava histrias de si mesmo, seja para exemplificar, seja para
preencher o tempo ou conquistar risos da platia. Antes de introduzir a temtica, argumentou
que para qualquer profisso que se escolha (mdico, dentista, ator, jogador, etc) no basta ser
bom no que faz, preciso gerenciar sua carreira, preciso planejar o futuro. O planejamento
da vida no pode ser delegado a outra pessoa, assim tambm se deve fazer com sua prpria
empresa.
Ele explicou que os estudos sobre empreendedorismo comearam nos EUA e
foi verificado que no era ter dinheiro o que garantia o sucesso de uma empresa, portanto, no
adiantava apenas conceder crdito. O sucesso tambm no estava no conhecimento tcnico
sobre a fabricao de um determinado produto. Ento, a explicao encontrada para tal
sucesso estava no comportamento do empresrio. Pessoas bem sucedidas eram pessoas
motivadas. Deste estudo, tirou-se a concluso de que o empreendedor, aquele que tem
sucesso, movido por metas. E assim, seguiu a fazer uma lista de qualidades do
empreendedor: quem focaliza seus objetivos, faz a anlise dos riscos, quem toma as
decises, quem planeja, quem sabe trabalhar em equipe, busca solues, visa qualidade e
eficincia, tem autoconfiana e capacidade de persuaso para lidar com clientes, bancos,
fornecedor, etc.
A lio focalizar os objetivos, pensar o que se deseja fazer daqui a 5 ou 10
anos e fazer todo sacrifcio para realizar este sonho, economizar, liderar pessoas, etc pois o
lder deve ser exemplo para o funcionrio e no ser um chefe autoritrio.
Alm disso, apresenta explicaes no econmicas para a criao de um
produto ou para a abertura de uma empresa. Para ele, todos os negcios e produtos existentes
saciam uma necessidade humana1. Por esta palestra o consultor era chamado pela platia para
1 Questionado sobre o caso da Coca Cola e do cigarro, disse que tambm saciam necessidades, a sede e a vontade de status. Levando a explicao para aspectos orgnicos ou tidos como bvios transforma toda iniciativa econmica em algo natural e, portanto, inquestionvel. O consultor tem o papel de dar resposta a tudo, no h
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dar resposta a problemas do mundo, como por exemplo, as mudanas no contrato de trabalho,
escolha do ponto comercial, etc. tendo at o final da palestra a platia cheia. Aps o trmino,
uma srie de estudantes foi at ele para conversar.
Como se pode notar, desde o incio de sua apresentao, o consultor procurou
transmitir que o empreendedorismo so princpios vlidos para qualquer pessoa, de qualquer
profisso, vlidos em todos os pases. E mesmo se supusermos que nem todos da platia
tenham concordado, ao menos no houve qualquer questionamento ou pergunta quanto a isso.
Diante deste fenmeno Como entender o contedo do que o consultor do
SEBRAE chama de empreendedorismo?
Problema de pesquisa
Com maior ou menor nfase, os autores da sociologia econmica apresentam a
preocupao de incluir variveis culturais na anlise da economia. Por exemplo, quando se
trata da questo da racionalidade instrumental dos agentes econmicos, socilogos
argumentam que aquela no inata a eles, ao contrrio, construda e compartilhada
socialmente, no fazendo sentido fora deste contexto (Marques, 2003; Smelser e Swedberg,
1994).
Segundo Powell e Dimaggio (1991), as transformaes nas organizaes em
direo implementao de novas tcnicas organizacionais nem sempre visam o incremento
da eficincia, embora muitas mudanas assim sejam justificadas. Mas sim, visam garantir a
legitimidade da firma frente aos seus concorrentes, de modo que, ao invs de se diferenciar,
desenvolve-se uma homogeneizao (isomorfismo) dentro do campo de organizaes.
Seja em anlise micro ou macro, a sociologia econmica aponta para a
importncia de se compreender a estrutura cognitiva dos fatos econmicos, seja no plano
consciente dos atores - as representaes com as quais explicam o mundo - seja no plano
inconsciente - a estrutura lgica das categorias de classificao e valorao. (Dimaggio in:
Marques, 2003)
pergunta que ele no tenha uma resposta imediata, at quando testado, ele portador de um conjunto de valores, uma crena.
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Questes quanto legitimidade das aes e dos atores econmicos so
investigados por vrios autores. A acumulao de capital, a hierarquia dentro da organizao e
a dominao entre classes devem ser legtimas, isto , reconhecidos por todos. Boltanski e
Chiapello (2002) explicam o capitalismo como uma forma pacfica de acumulao, e para
isso, deve estar sempre criando justificativas. Pessoas no aderem ao capitalismo apenas em
troca de remunerao ou porque so coagidos a ele. Estes motivos no bastam para garantir a
adeso das pessoas, por isso, o capitalismo adiciona valores de justia, inclusive tomando-os
de outras esferas sociais.
O presente estudo no acompanha os objetos estudados tipicamente pela
sociologia econmica: os mercados e as firmas, mas sim, toma para a anlise uma
organizao social existente unicamente no Brasil e cuja funo e estrutura organizacional lhe
peculiar: o SEBRAE. Este objeto se torna do interesse da sociologia econmica ao
emprestarmos desta literatura a preocupao com a anlise das transformaes culturais do
capitalismo.
Em paper apresentado na Anpocs, Antonia Colbari (2006) aponta uma
pesquisa sobre a educao empreendedora do SEBRAE. Para ela, a partir da dcada de 80
que o empreendedorismo se torna um movimento social mundial que se apresenta ora como
um revival do pequeno negcio ora como sinnimo de inovao e mudana (p. 2 ). Segundo
a autora, desde a dcada de 30, o Brasil passou por um esforo de construo social de
trabalhadores adaptados a uma sociedade capitalista, disso decorreram polticas de
qualificao. Porm, a partir da dcada de 80 e 90, h um perodo marcado por reestruturao
produtiva. Para exemplificar, Chahad (2003) apresenta dados apontam para o crescimento do
setor de servios em 16,8% entre 95 e 2002 enquanto a indstria decresceu 13,5%. Houve
tambm crescimento da informalidade, ou seja, o nmero de trabalhadores autnomos cresceu
129,6% em relao a 1995, j os assalariados sem carteira assinada aumentaram 135,8% em
2002 em relao ao mesmo ano. No mesmo perodo, a evoluo dos trabalhadores
terceirizados teve aumento de 45,5%. J o desemprego aberto cresceu 53,9% sendo 72% de
mulheres e 45,2% dos homens e 88,5% de escolaridade entre nvel fundamental e mdio
incompleto e 72,8% entre os de nvel superior completo.
Com isso, h mudanas nos sistemas de representao e normas ticas que
moldavam o mundo do trabalho.
Uma nova tica social inspira as representaes da empresa, a concepo de alternativas de desenvolvimento e o status do trabalho. O empreendedorismo
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apresentado ora como o que impulsiona o progresso econmico, ora como estratgia defensiva de reinsero. ( Colbari, 2006, p.2)
Segundo a autora, como o esprito empreendedor tem fonte em valores sociais,
no h definio precisa, associando assim uma dimenso prescritiva-normativa ao perfil
empreendedor. neste sentido, que Colbari entende que o empreendedorismo um
movimento que traz uma nova tica para o trabalho, pois vem mostrar qual comportamento
considerado certo ou, bom; qual , portanto, aconselhvel.
Lpez-Ruiz (2007) fez uma pesquisa com executivos de empresas
transnacionais e defende a tese de que o ethos dos executivos ( no sentido de um conjunto de
princpios e prticas de um grupo) tem se tornado o ethos da sociedade capitalista atual.
Segundo ele, no incio do sculo XX, os jovens desejavam ser empregados de grandes
empresas, pois o status social estava no mercado de trabalho e no no controle individual da
propriedade.
Ao traar a trajetria das teorias econmicas, o autor identifica o surgimento do
conceito de capital humano, metfora2 que relaciona as caractersticas humanas a
propriedades capazes de gerar valor econmico. Um capital para ser investido assim como
qualquer outro.
Mas, nos anos 90, com a reestruturao ficou claro aos empregados das
grandes empresas que seu capital se depreciava, surge a metfora do indivduo enquanto
empresa. Cada pessoa deve, portanto, (e isso uma obrigao moral) aumentar suas
habilidades e competncias, ou seja, precisa investir em si prprio, gerir seu prprio capital.
neste contexto que a figura do empreendedor apontada por Schumpeter retomada, como
veremos mais adiante, porm, se a iniciativa econmica era o atributo de uma minoria, hoje
todos devem ter (e perseguir constantemente) esse atributo (p.20).
Em conseqncia, as identidades vo alm da dicotomia capital vs trabalho.Os
executivos das transnacionais se sentem, hoje, capitalistas e no trabalhadores e se justificam
com o argumento de que esto na empresa para capitalizar seu prprio capital. Lpes- Ruiz 2 A metfora se constri pela relao de um significante, no caso, o indivduo a algum smbolo, aqui a empresa. Quando se constri uma metfora, atribui-se caractersticas ao significante, ele toma a posio social daquilo a que foi comparado. No caso, o indivduo comparado a uma empresa, portanto, recebe os atributos dela. Na antropologia inglesa, onde encontramos Mary Douglas e Vitor Turner, o processo cognitivo explicado como um processo de construo de metforas. Vitor Turner em Dramas, fields and methaphors: symbolic action in humam society, de 1974 explica que a metfora consiste de dois pensamentos de coisas diferentes atuando juntas e suportadas por uma nica palavra ou frase. O significado da metfora resulta desta relao. Douglas se aproxima da perspectiva de Turner, pois tambm considera o processo cognitivo construdo sobre metforas. Para explicar as instituies expe que elas se fundamentam em analogias. Instituies operam por classificaes de modo a agrupar e excluir, criar similaridades e diferenas. Atribui posies aos elementos e assim valores referentes s posies dentro de um sistema de relaes.
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aponta ainda que inmeros livros atualmente e a mdia sugerem pensar os empregados como
trabalhadores-investidores. Este tipo de literatura e a mdia tm importante papel na difuso
do ethos dos executivos para a populao.
De modo diferente do estudo anterior, Pedroso Neto (2001) discute, a partir de
um estudo de caso feito na empresa Amway, a importncia de convenes realizadas em
grandes espaos pblicos ou privados para a manuteno e coeso do grupo de vendedores
dos produtos Amway. Estas convenes so compreendidas pelo autor como rituais onde so
consagrados aqueles indivduos que se destacaram, os quais sobem ao palco para serem
aplaudidos pelo grupo.
Nestes rituais, o grupo recebe celebridades como escritores, esportistas, para
darem seus relatos e explicar os motivos de seus sucessos, enfatizam a perseverana, e
persistncia diante das dificuldades, o trabalho duro, a confiana em si, a confiana num lder,
etc (p.4). Alm de ser um espao de socializao, as convenes tambm difundem um
sistema de treinamento(sic) que formam um sistema simblico que orienta a percepo, a
classificao, o esquecimento e a lembrana de informaes, fatos, acontecimentos e relaes,
e dessa forma, a auto-reproduo dos agentes do grupo(p.87).
Nestes rituais, so apresentados como empreendedores aqueles indivduos que
se destacam. As qualidades do empreendedor, dentro da Amway, so ligadas capacidade de
trazer resultados econmicos para empresa, e tambm para o indivduo.
Enfim, estas pesquisas acima relatadas apontam questes quanto moral dentro
do capitalismo, as quais esto presentes na sociologia desde os autores clssicos. Durkheim
(1983) j apontava um problema de anomia, isto , fragilidade das normas sociais para
ordenar a diviso do trabalho em um perodo de transformao do capitalismo pois o
ambiente das trocas econmicas no desprovido de normas morais e coeres sociais. Ao
contrrio, disso decorre que as relaes econmicas vo se d em meio a normas sociais
previamente existentes que podem favorecer ou limitar a efetivao de qualquer tipo de
contrato ou transao econmica.
em Weber (2001) que encontramos a tese de que o ethos de determinados
grupos propicia que os indivduos tenham melhores desempenhos econmicos. No porque
tenham interesse no lucro, mas porque desenvolvem um conjunto de prticas, um tipo de
disciplina de conduta que os levam a resultados econmicos lucrativos. Weber verificou que
certas religies, mais que outras, apresentavam tal ethos adequado ao desenvolvimento do
capitalismo. O esprito do capitalismo, segundo ele, transformou prticas econmicas, at
ento mal vistas, em prticas recomendveis. Assim, Weber contribuiu para a compreenso de
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como o capitalismo est entrelaado a outras esferas sociais absorvendo, inclusive, valores
ticos disciplinadores do processo de acumulao de capital.
Analisando a tica do capitalismo, tem-se como referncia o trabalho de
Boltanski e Chiapello (2002), os quais se inspiraram em Weber, entre outros, para tratar de
um novo esprito do capitalismo. Este, no mais baseado na religio, pode ser encontrado na
literatura gerencial das dcadas de 1990 comparativamente a da dcada de 1960. Estes autores
entendem o esprito do capitalismo enquanto um conjunto de crenas que dirigem e justificam
a ao de pessoas e grupos. Alm disso, transcende as divises de classe, pois tais crenas so
compartilhadas tanto pelos capitalistas quanto pelos trabalhadores.
Isso permite melhor compreender as pesquisas de Colbari e Lpez- Ruiz, os
quais apontam que o empreendedorismo tem se difundido pela sociedade de modo a estar
presente tanto nos programas de (re)qualificao de trabalhadores de camadas mais baixas,
como nas falas de executivos de grandes empresas. Tambm no estudo da Amway isto se
verifica uma vez que a hierarquia dentro da empresa no denota que haja necessariamente
conflito, pois legtima, uma vez que todos compartilham dos mesmos valores e participam
dos mesmos rituais.
Ainda segundo Boltanski e Chiapello, o esprito do capitalismo necessrio
para garantir o comprometimento das pessoas com o capitalismo, tanto daqueles que
dominam e devem justificar sua posio quanto daqueles que so dominados e devem encarar
tal subordinao como legtima.
Assim como Pedroso Neto nos mostra a existncia de rituais na empresa
Amway, diversas outras empresas e organizaes tambm desenvolvem em menor proporo
seus rituais internos ou recorrem a outros mecanismos de controle e coeso que no os rituais.
De uma forma ou outra, explicitamente ou no, as organizaes precisam garantir a adeso
voluntria de seus membros e a legitimidade de seus lucros.
Tomando como parmetro a abordagem proposta por Colbari, temos que a
educao empreendedora (e, aqui, podemos acrescentar tambm a palestra relatada) visa
difundir uma nova tica de trabalho. A palestra relatada no incio comprova isso, pois o
consultor do SEBRAE expressou que em qualquer profisso escolhida os mesmos princpios
valorativos so considerados vlidos. Transcendendo o mbito do trabalho e da empresa, ou
seja, um ethos que molda a ao dos indivduos para alm da esfera econmica.
Segundo Colbari, o SEBRAE surge como centro logstico e de referencial tico
para o pequeno empreendimento. Esta nova tica mencionada por Colbari e Lpez- Ruiz se
adapta concepo comportamentalista (como veremos mais a frente) por valorizar
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caractersticas individuais como a capacidade de adaptao, liderana, motivar os outros,
tomar decises, criatividade, etc.
Quando referido a estas qualidades, o termo empreendedor tem pouca
capacidade de descrever uma realidade, um ator econmico ou uma ao econmica real. Ao
invs disso, torna-se um qualificativo e, portanto, um instrumento de julgamento moral e de
legitimao daqueles que apresentem tais caractersticas.
Para exemplificar, cito que durante consultorias coletivas e em conversa com
um consultor do SEBRAE, por duas vezes, ouvi dois consultores diferentes se referirem ao
empreendedor de verdade. Um deles citava um empresrio integrante do Programa
Empreender/ SEBRAE, e que se destacava dos demais, por isso, era um empreendedor de
verdade. A noo de empreendedor parece ser neste grupo um consenso, ento, para criar
uma distino positiva acrescenta-se o de verdade. Outro caso: para criticar o fato de no
haver quem solucionasse um problema pblico, um consultor comentou que no havia
empreendedor de verdade.
O que pretendo demonstrar aqui, que o termo empreendedor no s aparece
como conceito para anlise acadmica da realidade, mas sim, to entranhado j est na
mentalidade social que tambm pode ser entendido como uma categoria de classificao
nativa carregada de significados valorativos e que precisa ser compreendido em cada
contexto de relaes sociais, o que pode vir a ser objetos de pesquisas futuras.
Voltando discusso feita por Colbari, tem-se que os conceitos de
empreendedorismo so transmitidos (e talvez mesmo produzido) por um ator tomado
especificamente para esta pesquisa: o SEBRAE. Se hoje o SEBRAE desempenha esta atuao
educadora de um tipo especial (educao empreendedora), e mais, de um empreendedorismo
especfico (comportamental porque focada sobre o indivduo, como veremos), a pergunta que
surge : como (e quando) se desenvolveu o empreendedorismo no interior do SEBRAE?
Para embasar esta pesquisa, toma-se como referncia terica a noo de
instituio de autores como Ccile Raud, Mary Douglas e Bourdieu. Todos eles consideram
instituio no somente um arranjo instrumental, de contratos formais, mas sim, uma
construo social e este processo denominado institucionalizao.
Ccile Mattedi define instituio segundo a concepo clssica de
regularidades na atividade social. Douglas considera a instituio como uma conveno social
estabilizada pelos processos cognitivos da sociedade. E, por fim, Bourdieu acrescenta a
perspectiva histrica.
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Bourdieu (2001) argumenta que instituies costumam ser vistas como
entidades abstratas como, por exemplo, o Estado, a Igreja, a Famlia, etc. Isto , tendem a ser
encaradas como unidades da ao histrica.
Diante disso, prope que instituies sejam estudadas a partir da distino entre
histria incorporada e histria objetivada. A histria objetivada aquela que se acumulou nas
coisas, documentos, postos, etc. a histria que constri a estrutura social, suas relaes de
conflito e aliana. J a histria incorporada analisada pelo conceito de habitus3. Portanto, a
histria que se tornou disposies interiorizadas nos indivduos e nas coletividades que a
vivenciaram. So tais disposies que permitem atualizar a histria nas prticas presentes.
Entretanto, estas duas dimenses da histria esto imbrincadas, pois, se do lado
da histria incorporada, explica-se que pessoas estejam prontas para ocupar postos que esto
para serem feitos. Do lado da histria objetivada, tem-se que um posto s se torna atuante e
atuado se encontrar quem o ache interessante para se responsabilizar por ele.
Portanto, instituies no so agentes em si, so antes um campo4 onde h
lutas. Tambm no surgem por inteno consciente, mas porque ao longo da histria pessoas
adquiriram e produziram habitus que surgem e produzem tais instituies.
O processo de instituio, de estabelecimento, quer dizer, a objetivao e a incorporao como acumulao nas coisas e nos corpos de um conjunto de conquistas histricas, que trazem a marca das suas condies de produo e que tendem a gerar as condies de sua prpria reproduo. (Bourdieu, 2001, p.100)
Aqui, pode-se pensar que aquilo que foi anteriormente denominado como tica
ou ethos, pode ser considerado conceitualmente como o habitus de um grupo. Devemos
considerar que este no esttico, um conjunto de disposies e de prticas, tambm um
processo construdo historicamente.
Diante desta perspectiva terica que se constitui a presente dissertao. Aqui
no investigaremos habitus individuais mas procuraremos identificar disposies adquiridas 3 Assim Bourdieu define a noo de habitus: como sistema de disposies para a prtica, um fundamento objetivo de condutas regulares, logo, da regularidade das condutas, e, se possvel prever as prticas, porque o habitus faz com que os agentes que o possuem comportem-se de uma determinada maneira em determinadas circunstncias( Bourdieu, 2004, p.98). o habitus ao mesmo tempo, um sistema de esquemas de produo de prticas e um sistema de esquemas de percepo e apreciao das prticas (idem, p. 158) 4 Todo campo um espao de relaes sociais autnomo de outros campos em que agentes disputam poder a partir dos diferentes tipos e quantidades de capitais que possuem. Bourdieu, analisando o campo literrio, assim explica; campo literrio simultaneamente um campo de foras e um campo de lutas que visa transformar ou conservar a relao de foras estabelecida cada um dos agentes investe a fora (capital) que adquiriu pelas lutas anteriores em estratgias que dependem , quanto orientao, da posio desse agente nas relaes de fora, isto , de seu capital especfico(idem, p. 172)
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em grupo e reproduzida ao longo do tempo. E ainda a tica do empreendedorismo como
normas e princpios valorativos que so transmitidos para servir como guia para a ao.
Esta dissertao se constitui de duas partes. A primeira delas tem a inteno de
traar a histria objetivada, ou seja, sua estrutura corprea, jurdica e organizacional e a
histria incorporada presente na atuao do SEBRAE. Tambm ter a finalidade de identificar
quando teve entrada programas classificados pela instituio pelo termo empreendedorismo e
como foram construdas as disposies dos atores a ele ligados. Perpassa esta primeira parte a
discusso acerca da institucionalizao de categorias cognitivas de classificao das empresas
por porte assim, como a importncia desta questo para o desenvolvimento do SEBRAE.
Na segunda parte, ser aprofundada a questo do contedo do
empreendedorismo difundido pelo SEBRAE. Mas tambm tem-se a necessidade de
compreender a construo do principal programa de empreendedorismo promovido pelo
SEBRAE: o Empretec.Para tanto, trata-se da histria objetivada deste programa at sua
introduo no SEBRAE quando a histria destas duas instituies se cruzam. Tambm se trata
das disposies incorporadas dos agentes envolvidos na difuso do empreendedorismo.
O objetivo geral desta dissertao , a partir de um estudo do SEBRAE,
contribuir por meio da anlise sociolgica, para o entendimento das relaes sociais e
culturais entre os diversos atores difusores do empreendedorismo. A literatura no qual esta
pesquisa se baseia permite dar um olhar sociolgico a um objeto ainda pouco abordado nas
cincias sociais brasileira e abrir espao para questionamentos para pesquisas futuras.
Coleta de dados:
A palestra do consultor do SEBRAE no ciclo de palestras da UFSCar em abril
de 2006 foi o primeiro contato que tive com um evento do SEBRAE e tambm foi o que me
instigou a questionar sobre vrios aspectos do papel social do SEBRAE e a procurar saber
como uma instituio chegou a desenvolver trabalhos como esse tendo tamanha proximidade
com o pblico. Meu principal objetivo se tornou compreender como se construram os
programas de empreendedorismo dentro do SEBRAE. Isso ser detalhado ao longo desta
dissertao, por agora, exponho o percurso de investigao para realizao desta pesquisa.
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A pesquisa no teve desde o seu incio um recorte preciso, a busca por
literatura acadmica sobre o SEBRAE foi frustrante devido escassez de pesquisas
produzidas, sendo as trs pesquisas anteriormente citadas as principais referncias sobre o
tema no Brasil. Mas, por outro lado, essa dificuldade me impunha o desafio de trazer tona
ao mundo acadmico a figura deste ilustre desconhecido. Sendo assim, inicialmente,
procurei coletar o mximo de informaes sobre esta instituio. Deixei-me guiar pelas
fontes, pois elas me dariam as perguntas e os limites das respostas. O que o SEBRAE e
como surgiu foram as perguntas, obviamente, iniciais.
A fim de traar sua histria, me apresentei junto ao Escritrio Regional do
SEBRAE em So Carlos perguntando sobre a existncia de biblioteca. Porm, esta apenas
existe na sede em So Paulo. Pedi para marcar um horrio com algum consultor, porm, para
isso, a atendente do Escritrio Regional me encaminhou a uma consultoria coletiva sobre
abertura de empresa que ocorre todas as segundas feiras, em So Carlos.
Esta atividade precondio para poder ser atendido individualmente por um
consultor. feito um cadastramento em que so pedidos os principais documentos e os dados
so includos no sistema computacional. A partir disso, as pessoas recebem um cdigo e
podem ser atendidas em qualquer unidade do SEBRAE- SP. Feito isso, passei a ser
considerada cliente do SEBRAE.
Nesta consultoria coletiva pude observar um pouco da diversidade do pblico e
como o consultor lida com cada caso encaminhando cada empresrio a outros servios do
SEBRAE, seja consultoria, cursos ou material impresso.
Aps ter participado da consultoria coletiva de abertura de empresas, pude
retornar em outro dia e ser prontamente atendida por uma consultora que estava disponvel
naquele horrio. Uma entrevista exploratria foi realizada com ela, quem me exps a forma
de atuao do consultor, o papel do SEBRAE e sua estrutura organizacional. Chamou-me a
ateno o fato de que tanto na consultoria coletiva quanto na entrevista, os consultores
enfatizaram que o SEBRAE no um rgo do governo, que eles no so funcionrios
pblicos e que no emprestam dinheiro. Segundo eles, o pblico costuma confundir muito o
papel do SEBRAE.
Quando perguntei se, ento, o SEBRAE era uma empresa, a resposta no foi
precisa e foi acompanhada de uma expresso de dvida. O que ouvi foi que os consultores so
empregados do SEBRAE como qualquer empregado de uma empresa. A resposta obtida deste
consultor demonstra talvez uma cautela em falar sobre o assunto, o que poderia suscitar
muitas outras perguntas em mim e que eles no desejariam responder. Mas tambm uma
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forma de identificao que os consultores pretendem passar ao pblico, classificam a
instituio pelo que ela no (no pblica, no empresta dinheiro). Em outra ocasio, a
explicao foi que o SEBRAE se parece com o SESI, SENAI, recebe contribuio do
governo, por isso, consegue prestar servios to baratos. Em uma sala de espera antes de uma
sesso de consultoria coletiva, um empresrio perguntou a outro: Como o SEBRAE se
mantm? Resposta: De impostos. Esses relatos no tm capacidade explicativa, mas os
menciono aqui, uma vez que expressam no ser bvia, nem consensual como definir a
estrutura organizacional e os recursos financeiros do SEBRAE, o qu tambm ser tratado
nesta dissertao.
Para realizar esta pesquisa, foram buscados, primeiramente, documentos,
publicaes com as quais fosse possvel reconstituir a histria do SEBRAE a fim de mostrar
como esta instituio chegou ao que hoje. Para conseguir publicaes do SEBRAE, entrei
em contato por telefone com a biblioteca do SEBRAE-SP e obtive como informao que no
era permitido tirar xrox dos livros e tambm no permitiam a retirada dos mesmos, a
consulta apenas poderia ser feita no local. Porm, fariam emprstimo de livros entre unidades
do SEBRAE. Sabendo disso, me dirigi ao Escritrio regional do SEBRAE em So Carlos e
pedi atendente que solicitassem os livros da biblioteca em So Paulo. Com a autorizao de
um funcionrio supervisor, os livros foram solicitados e dentro de 2 dias estavam disponveis
em So Carlos. A princpio eu no poderia retirar os livros para lev-los para casa, mas
mediante a permisso do gerente do ER pude retirar o material para tirar xrox contanto que
deixasse um documento pessoal (CPF) e devolvesse os livros no mesmo dia.
Em Florianpolis, fui at a sede do SEBRAE-SC e solicitei livros diversos. Da
mesma forma, os livros no poderiam ser retirados e sequer estavam presentes no prdio onde
a solicitao era feita (onde se atendia o pblico). Os livros eram buscados no prdio ao lado
que era o corpo administrativo do SEBRAE-SC. L encontrei a relao da legislao e um
livro sobre a histria do SEBRAE catarinense. Mas de modo diferente do SEBRAE-SP, eles
prprios se encarregaram de tirar xrox do material que solicitei mediante pagamento
antecipado e pude retornar no fim da tarde e retirar o material.
Foi solicitada junto ao gabinete da presidncia do SEBRAE Nacional,
mediante ofcio, a relao de membros do Conselho Deliberativo do SEBRAE, instncia
mxima da entidade. Depois de telefonemas cobrando foi-me encaminhado por email um
arquivo com a relao de presidentes e diretores-presidentes do SEBRAE desde a sua criao,
porm, os demais nomes dos membros que compuseram o Conselho (so 13 membros ao
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todo) continuam desconhecidos. Eliana Lopes, autora de uma dissertao sobre o SEBRAE5,
fez a solicitao dos mesmos dados em 2000 e obteve resposta negativa da secretria (alis, a
mesma secretria com quem falei por telefone). Talvez, devido s justificativas das pesquisas
serem diferentes, o SEBRAE negue ou responda parcialmente s solicitaes. Justifiquei o
pedido demonstrando inteno de fazer um histrico da entidade, j a pesquisa de Lopes
tratava da atuao poltica do SEBRAE quanto aprovao do Estatuto das Micro e Pequenas
Empresas.
Fez parte da coleta de documentos, busca pela internet por notcias do jornal
Folha de So Paulo entre os anos de 1996 a 2006, pela palavra-chave: SEBRAE. Algumas das
reportagens encontradas foram utilizadas como material emprico.
Alm disso, me dediquei a participar de algumas consultorias coletivas a fim
de passar um tempinho dentro dos Escritrios Regionais de So Carlos e de Araraquara, as
informaes sobre a estrutura organizacional do SEBRAE no Estado de So Paulo foram
conseguidas em conversas com consultor, empresrios, com a secretria e uma funcionria de
um Posto de Atendimento ao Empreendedor (PAE).
Nos prximos captulos apresentam-se os resultados e anlise desta pesquisa.
Ao cabo, tem-se como objetivo mais geral discutir aspectos levantados na literatura
sociolgica a respeito da mudana no sistema cognitivo da sociedade brasileira quanto
noo de pequena empresa. Na impossibilidade de uma investigao entre vrios atores
sociais que possam ter contribudo para isso, tentaremos enfocar as mudanas promovidas (e
tambm sofridas) pelo SEBRAE. Para tanto iremos traar historicamente sua trajetria, desde
sua criao, transformao em entidade do Sistema S, atividades ofertadas ao pblico e
treinamento dos consultores, onde se encontra noes de empreendedorismo e o ideal de
pequena empresa.
Para continuar em busca de compreender as mudanas cognitivas na sociedade
que o SEBRAE apia, na segunda parte realiza-se uma retrospectiva histrica e conceitual do
empreendedorismo, seus significados, principais atores de difuso e, por fim, chegamos ao
principal treinamento de empreendedorismo do SEBRAE: o Empretec.
5 Lopes, Eliana. O SEBRAE e as relaes pblico-privado no Brasil. UNESP. 2001
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PRIMEIRA PARTE:
O papel do SEBRAE para a institucionalizao das pequenas empresas no Brasil
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1. O surgimento das pequenas empresas no Brasil
Vimos na introduo que a importncia do termo empreendedorismo
corresponde a mudanas na configurao das empresas e do mercado de trabalho.
Compreender as mudanas no substrato de atores econmicos que vo incorporar as noes
de empreendedorismo se faz necessrio aqui. Antes de traar a trajetria do SEBRAE e seu
programa de empreendedorismo, trataremos de um tema que precede tal discusso, que a
institucionalizao das categorias de empresa por porte e atribuio valorativa dada a elas
dentro do processo de desenvolvimento econmico nacional.
As teorias sociolgicas trazem a importante contribuio de analisar
instituies dos mercados no apenas a partir da estrutura que tomam no presente, mas, antes
disso, como se consolidam a partir da ao de vrios agentes.
Ccile Mattedi (2005) define instituio segundo a concepo clssica de
regularidades na atividade social. Retomando Weber, expressa que as vises do mundo
criadas por idias frequentemente orientam as aes humanas sobre as vias determinadas pelo
dinamismo dos interesses (p. 132). Mostra com isso que os interesses s so legitimados
pelas idias e valores existentes em um contexto social. Essa postura terica importante para
se estudar a dimenso simblica dos fenmenos econmicos. Na perspectiva sociolgica, as
instituies econmicas so tambm instituies sociais, que comportam alm de sua
estrutura organizacional, tambm um conjunto de idias e valores compartilhados e no
apenas aes racionais. o entendimento desta questo que motiva e justifica a perspectiva
terica adotada ao longo desta pesquisa.
Considerando que a legislao que d tratamento especial s micro e pequenas
empresas foi iniciada apenas na dcada de 80 e 90, tem-se que a classificao das empresas
por porte no eram usuais antes desta poca. No eram pensadas enquanto um agrupamento
de empresas com alguma semelhana entre si, como considerado hoje. Portanto, preciso
compreender o processo que resultou na formao e transformao dessas empresas como se
verifica hoje em dia.
Por trs deste processo de institucionalizao das pequenas empresas muitos
atores sociais estiveram envolvidos como, por exemplo, governos, bancos, empresas, dentre
outros. Diante deste universo de atores, tomaremos como objeto deste estudo um em
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particular: o CEBRAE (Centro Brasileiro de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas),
antecessor do atual SEBRAE, que ser investigado com detalhes mais a frente.
Voltando dcada de 70, a literatura acadmica aponta que a questo da
economia nacional era a transio do rural para o urbano. O grande foco das polticas
nacionais estava na industrializao, na modernizao da economia nacional e nas novas
formas de ocupao e explorao que surgiam (Abramo e Monteiro, 1995).
Diniz e Boschi (1978) fizeram estudos focalizando o processo de transio da
sociedade agro-exportadora para uma sociedade de base industrial. Comparando a dcada de
30 com a da fase ps-64 argumentam que, antes, a
...Produo industrial pouco diferenciada, predominando os ramos tradicionais, com um grande nmero de empresas de caractersticas artesanais e padres familsticos de gesto empresarial, enquanto no outro extremo as caractersticas so distintas, ou seja, o setor industrial caracteriza-se por uma estrutura diferenciada e especializada, empresas de grande porte e padres mais complexos de gesto empresarial e de organizao interna da empresa. (p.21 )
Os autores retomam a fase anterior a 1964 a fim de compreender o surgimento
de um empresariado nacional com poder poltico. Apontam que at a dcada de 30, a
literatura pressupe a irrelevncia econmica da indstria no conjunto da economia brasileira,
assim como tambm, a irrelevncia poltica da elite empresarial na poca.
Segundo Villela e Suzigan (apud Diniz e Boschi, 1978) entre novembro de
1940 e maro de 1941, cerca de 33% dos scios das empresas industriais, responsveis por
42,3% do capital realizado, eram de origem estrangeira, preponderando os italianos e os
portugueses( p.35). Estes dados demonstram o carter pouco nacional da indstria
brasileira no comeo do sculo XX. Ou seja, no s o capital, mas tambm seus donos eram
estrangeiros.
Os autores fazem consideraes acerca da proliferao de pequenas empresas
de modo a formar um mercado interno de trabalhadores assalariados. As pequenas empresas
visavam atender demanda do mercado consumidor da poca, no havendo ainda um
processo de concentrao de capital em torno de grandes empresas.
Acrescentam que, no havia, no incio do sculo, um mercado de crdito para
indstrias. Apenas com a criao do CRAAI (Carteira de Crdito Agrcola e Industrial) no
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Banco do Brasil em 1937, o governo institui um sistema de emprstimo capaz de suprir a
indstria com crdito a mdio e longo prazo para a aquisio de mquinas e equipamentos.
At ento, todos os emprstimos para o setor industrial deviam ser resgatados a curto prazo.
(idem, p.34)
Quanto presena das pequenas empresas, ao contrrio da tendncia ao seu
desaparecimento, o que se verifica uma estabilizao da proporo dessas empresas em
relao ao total dos estabelecimentos industriais (Robalinho Barros, 1973, apud Diniz e
Boschi, p.27, 1978).
Os autores mostram que foi na dcada de 30, que comea a concentrao de
capital com a formao de grandes empresas. Entre 1930 e 1937, em So Paulo tem-se que a
proporo de pequenas empresas decresceu de 18% para 11% e a porcentagem de grandes
empresas aumentou de 55% para 63%. Apesar do grande nmero de pequenas empresas no
setor industrial, o que importante salientar a presena, j na dcada de 30, de um pequeno
nmero de empresa de grande porte, seguramente formando uma elite (Diniz e Boschi, p.41).
A inteno desta dissertao no avaliar o poder explicativo destas teorias
frente aos dados empricos da poca, mas apenas identificar as categorias cognitivas que
construam interpretaes para o mundo econmico. Ao identificar tais categorias podemos
apontar quais mudanas ocorreram, no s nos fatos empricos, mas na forma de pensar o
mundo empresarial brasileiro atual.
Cardoso (1964) estudou a modernizao da economia brasileira, no s no que
se refere transio de uma economia agrria para industrial, mas tambm s transformaes
internas nas indstrias brasileiras. Sobre as empresas brasileiras (e aqui vale a ressalva de que
a pesquisa de Cardoso no fazia diferenciao quanto a porte das empresas), o autor comenta:
Como a propriedade das empresas se restringe, em geral, aos grupos familiares, o padro de controle dos empreendimentos implica na intromisso dos proprietrios em decises que ultrapassam o limite natural de ingerncia dos acionistas nas empresas dos pases desenvolvidos (...) os proprietrios das empresas clnicas exercem intensa atuao administrativa (Cardoso, p. 95. 1964 ).
Ao traar comparao com as empresas dos pases desenvolvidos, o Brasil
aparece, no pensamento da poca, com um padro de empresas tradicionais porque ligadas
a famlias, portanto, consideradas empresas clnicas.
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Com a modernizao, as empresas brasileiras passaram por um processo de
racionalizao da administrao. O mesmo autor aponta que os gerentes dividem a
administrao com os familiares ou que algum dos familiares passa a ocupar a gerncia. Deste
modo, h uma combinao entre o tradicional e o moderno no interior de uma mesma
empresa, mas ainda com predomnio do tradicional.
O trabalho de Cardoso expressa a noo que se tinha das empresas brasileiras
at a dcada de 70. Alm da explicao dada por esta teoria, tambm est a uma viso de
mundo a respeito do mundo econmico. Essa concepo de que no Brasil, e na Amrica
Latina, predominam empresas familiares ainda hoje est se reproduzindo na literatura
internacional mais recente.
Por exemplo, Lipset (2000), a partir de comparao entre a literatura americana
e a latino-americana, aponta que h diferenas entre estas duas culturas quanto ao nvel
organizacional e de administrao das empresas. Na Amrica latina, as pesquisas apontam
para uma menor separao entre a administrao e outras atividades; as normas burocrticas e
competitivas so fracas e as caractersticas pessoais so mais valorizadas do que as
habilidades organizacionais, e os gerentes so, freqentemente, recrutados na base das
relaes familiares. O sucesso no considerado um resultado de aplicao sistemtica de
esforo e criatividade, mas sim, uma combinao de sorte. Ainda segundo Lipset, Hirschman
considerou que a inabilidade dos latinos em confiar e trabalhar com outros como a anttese do
empreendedor efetivo.
Mas o que vale chamar ateno no o fato de ser ou no, de fato, a
administrao familiar ineficiente (um mal para as empresas brasileiras!), e explicao para o
subdesenvolvimento da Amrica Latina. Estes fatos comprovam as teses sociolgicas que
consideram que no h racionalidade plena e que os fatos econmicos convivem com normas
e valores j existentes na sociedade.
O que interessante notar na concluso tirada por Lipset a convico
presente no pensamento de autores estrangeiros ( mas tambm nacionais) de que as empresas
tradicionais no eram bons modelos de empresa. Convico esta que os trabalhos
(re)produziam nas explicaes acerca do desenvolvimento nacional.
Fernanda Wanderley (1999), levantando a literatura acadmica, traa a
trajetria das teorias acerca dos pequenos negcios e atividades informais. Segundo ela, os
autores da dcada de 50 consideravam que o desenvolvimento econmico dependia de
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estratgia de industrializao acelerada baseada na produo em larga escala e tecnologia
moderna.
Essas estratgias de desenvolvimento, que ignoravam o potencial das pequenas empresas, tinham as grandes empresas como a base do crescimento econmico, uma vez que elas garantiam a necessria economia de escala, alta produtividade e eficincia. (Wanderley, 1999, p. 17)
Segundo Wanderley, considerava-se uma economia moderna quando era
baseada na diferenciao das esferas sociais, por isso,
Todas as economias que no se adequam ao modelo da economia de mercado so, em conseqncia, automaticamente classificadas como atrasadas, e menos esforos sistemticos so dedicados a compreender e explicar como e por que outros contextos institucionais permitem que diferentes organizaes econmicas operem. (idem, p.18)
O perodo em que estes primeiros estudiosos analisaram estes fatos no Brasil a
preocupao era que o processo de modernizao nacional estava nas mos das grandes
empresas, nelas se encontravam as novas tecnologias e os melhores empregos. Na
dependncia destas grandes empresas ficavam as pequenas empresas. Consideradas como
miniaturas das grandes, ou apresentariam a tendncia geral de se tornarem grandes tambm,
ou, do contrrio, tenderiam ao fracasso.
Grn (1998) comenta acerca da viso que estava contida nas anlises
econmicas das dcadas anteriores:
A PME que eles construram em suas crticas era uma espcie de mfia dirigida por critrios de confiana mais do que de eficincia e o incomodo com o comportamento pblico ostentatrio das famlias de imigrantes era traduzido para a linguagem econmica e financeira como dissipao ao invs de reinverso dos lucros (p.154 ).
A modernidade exigia, portanto, uma separao entre famlia e empresa, o
capital nacional e o estrangeiro. Alm disso, h que se considerar os conflitos de classe. Nas
anlises da relao capital vs trabalho deixam parte as camadas intermedirias como os
pequenos empresrios, principalmente comerciais. Estes no tinham lugar na explicao do
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desenvolvimento econmico nacional ou eram secundrios nas anlises sociolgicas sobre a
composio da elite empresarial com poder poltico. Tendia-se a pens-los em um dos plos
de anlise, ou prximos fora de trabalho ou ao grande capital (Wanderley, 1999).
Ainda na dcada de 70, estudos foram formulados com base na noo de
economia informal, a qual era definida pela facilidade de entrada em empreendimentos cujos
recursos de origem so a domstica, a propriedade individual ou familiar, com produo em
pequena escala, tecnologia adaptada, mercados competitivos e no regulados. nesse espao
econmico (e conceitual) que se localizavam as pequenas empresas (Wanderley, 1999).
Era uma viso que vinculava setor informal e pobreza, pequenos negcios eram
estratgias de sobrevivncia, uma alternativa ao desemprego, situao contrria lgica da
economia capitalista que visa acumulao de capital. Para Wanderley, apesar de auto-
emprego e desemprego estarem associados, essa literatura no explica porque o nmero de
micro e pequenas empresas no diminuiu em perodo de expanso econmica.
As atividades econmicas de menor porte e que no se enquadram na dualidade
capital vs trabalho ou empregado vs empregador no aparecem na literatura, ou aparecem no
mbito da chamada economia informal. Estas atividades eram consideradas transicionais para
o mundo do trabalho assalariado, atividades temporrias realizadas por migrantes do meio
rural para a cidade ou imigrantes deslocados de seus pases de origem. Enfim, atividades
realizadas por falta de emprego assalariado, e no por opo do indivduo.
Vislumbrava-se que estas atividades tenderiam a acabar ou ao menos a se
reduzir medida que o Brasil intensificasse seu processo de industrializao. Nos planos de
desenvolvimento do governo tambm no se encontram referncias diferenciao das
empresas por porte pois o alvo das polticas era desenvolver a indstria nacional (Mancuso,
2002).
Na dcada de 70, apenas os bancos trabalhavam com a definio de porte de
empresa (pequena, mdia e grande, no existindo micro empresas). Porm, estas definies
no eram padronizadas e serviam aos propsitos de delimitar o mercado de crdito s
empresas, no havendo legislao estatal para regular e definir quais seriam estas empresas.
nesta dcada que surge o CEBRAE (Centro Brasileiro de Apoio s Pequenas
e Mdias Empresas), primeira entidade governamental de apoio s pequenas e mdias
empresas cuja funo era, fundamentalmente, de orientao ao crdito.
A partir da dcada de 80, h um processo de reestruturao das grandes
indstrias nacionais. Perodo este, em que as grandes empresas nacionais sofrem com a
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reestruturao produtiva e um contingente de trabalhadores fica margem do mercado de
trabalho. nesta dcada que as pequenas empresas e novas categorias de atividade, alm da
indstria, como o comrcio e os servios, passam a entrar na pauta, alm dos bancos. Por
exemplo, na segunda parte desta dissertao, veremos o surgimento de diversas disciplinas
acadmicas voltadas a este segmento a partir da dcada de 80, alm disso, a temtica das
pequenas empresas aparece na mdia, entre eles o SEBRAE e outros consultores que se
especializam em aconselhar este pblico empresarial.
Wanderley aponta que, a partir deste perodo de reestruturao produtiva h
uma mudana nos estudos da informalidade, esta no mais considerada transitria, mas h
um problema crescente - na melhor das hipteses, constante - no mercado de trabalho
brasileiro. Mas tambm na literatura econmica aparece a percepo de economia informal
como aquela que guarda grandes capacidades competitivas, de alocao de mo-de-obra, que
apresenta, portanto, vantagens em comparao ao mercado de trabalho rigidamente regulado
pelo Estado (Portes,1996; Noronha, 2003)
Dentro do processo de redemocratizao da dcada de 80, h a nfase na
gerao de renda por outros meios, que no o trabalho assalariado, e o crescimento econmico
no somente vinculado industrializao. Os setores do comrcio e servio ganham
relevncia e com eles uma diversidade de arranjos empresariais (Cassiolato, Lastres, 2003).
Para citar alguns, APLs, cooperativas, centrais de negcios, incubadoras de base tecnolgica,
franquias. So formas organizacionais em que empresas de pequeno porte so comumente
encontradas, sejam como extenso de grandes empresas (por exemplo, as franquias) ou
vinculadas a outras organizaes (como universidades no caso de incubadores de base
tecnolgica), tambm formam arranjos autnomos (as cooperativas e as centrais de negcio),
ou ainda, sendo uma organizao independente como, as tradicionais, e que nunca deixam
de existir, empresas familiares ou sem empregados.
Segundo o IBGE, foi na dcada de 80, quando houve a reduo do ritmo do
crescimento da economia e elevao no nvel de desemprego, que os pequenos negcios
passaram a ser uma alternativa de ocupao de mo-de-obra. Surgiram, ento, as primeiras
iniciativas de incentivo da abertura de micro e pequena empresa. So elas:
Primeiro estatuto da microempresa (lei no 7256 de 27 de novembro de 1984),
Incluso das MPEs na constituio Federal de 1988,
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Lei no 9317 que instituiu o Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuies das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte) em
1996,
Lei no. 9841 que instituiu o segundo estatuto das microempresas e empresas de pequeno porte de 1999,
Estabelecimento do Frum Permanente da MPEs (2000) Tambm marcaram a trajetria da instituio das MPEs os avanos nos
sistema de representao poltica deste segmento como, por exemplo, o Sindicato da Micro e
Pequena Indstria do Estado de So Paulo (Simpi), este foi o primeiro a ser criado em 1988;
o Sindicato das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Comrcio do Estado de So
Paulo (Simpec), Associao Nacional dos Sindicatos de Micro e Pequenas Indstrias
(Assimpi) e Associao Nacional dos Sindicatos de Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte do Comrcio (Assimpec).
Essas entidades fazem parte do Frum permanente e promovem seminrios e
congressos peridicos, buscam parcerias e integrao com as instncias dos governos
municipal, estadual e federal.
1.1.Definio de MPE
Frederico Robalinho6 publica em 1978 um livro intitulado Pequena e Mdia
empresa e poltica econmica: um desafio mudana, juntamente com o IPEA (Instituto de
Pesquisa Econmicas Aplicadas), um diagnstico das pequenas e mdias empresas no Brasil.
Ele era na poca diretor do CEBRAE. Na apresentao do Livro de Frederico Robalinho de
1978, Ruy Barreto (empresrio, vindo de famlia proprietria de cafezais do Rio de Janeiro)
apresenta a seguinte defesa da pequena empresa: as pequenas e mdia empresa constitui a
nica e natural resposta de um anseio to longnquo quanto histria da civilizao e to
espontneo quanto a prpria natureza do ser humano: ela corresponde ao direito inalienvel
do homem de ter algo que seja seu, algo porque trabalhar, por que lutar, porque defender,
algo, enfim, que ele possa fazer frutificar e transmitir a seus filhos e posteridade. Isso se
chama propriedade privada(p.18). 6 Hoje consultor e presidente da empresa Robalinho e Consultores Associados.
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Ruy Barreto defende a propriedade privada e demonstra sua oposio a
polticas existentes em outros pases de desconcentrao da grande empresa, pois a estatizao
um retrocesso uma vez que no possvel planejar e regulamentar a criatividade e
imaginao do ser humano. Para ele, a democracia se alcana com acesso pequena
propriedade onde o Homem tenha iniciativa prpria de produzir e comercializar. H uma
grande nfase no Homem e na iniciativa do indivduo, mas nada tratado ao longo do livro
sobre qual deve ser o comportamento do empresrio. E, ao fim, escreve: a pequena e mdia
empresa representam, em suma, a pequena economia, a pequena economia representa a classe
mdia e a classe mdia representa a estabilidade econmica, a justia social e a segurana
poltica. Representa, assim, a Democracia(p.19).
O autor apresenta neste livro a preocupao de valorizar e ampliar a classe de
pequenos empresrios. Sobre eles recairiam preconceitos, por exemplo, o empresrio no
consegue obter capital pois nas avaliaes dos bancos a capacidade empresarial do indivduo
confundida com a tradio no setor industrial, ou a posio social em que se situar o
indivduo, ou simplesmente com o fato de o mesmo possuir bens materiais de razes , o que o
credencia perante as fontes de recursos(p.29). O tom do livro marcado por uma
preocupao com a democratizao do capital e da valorizao do homem enquanto centro de
todo o progresso industrial.
Robalinho Barros, apresenta uma discusso a respeito da definio de Pequena
empresa da dcada de 70, quando ainda no havia legislao quanto a esta definio. O autor
aponta que h dificuldades em estabelecer critrio nico de definio porque o que
considerado pequeno ou mdio em um pas ou regio pode ser considerado grande em outro.
Toda e qualquer definio , portanto, relativa.
Segundo ele, as variveis mais comumente consideradas, so: o emprego e o
investimento. Alguns estudos internacionais relatados pelo autor utilizam ainda o volume de
vendas e o consumo de energia, no entanto, estes critrios so desfavorveis pois variam
muito segundo cada atividade manufatureira. Tambm se encontram descries acerca das
caractersticas dessas empresas: contato pessoal entre o dono e os trabalhadores, entre os
clientes e os produtores e a falta de acesso ao capital, integrao na comunidade local de
modo que trabalhadores, dirigentes, mercado e matria-prima esto situados na localidade.
No Brasil da dcada de 70, as variveis mais usadas para definio eram: a)
investimento (ativo fixo); b) nmero de pessoas empregadas; c) faturamento, sendo que os
critrios adotados nem sempre so uniformes nas diversas instituies financeiras do pas. A
diversidade de conceituaes varia de acordo com o objetivo e com os instrumentos de ao
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da instituio responsvel pelos programas de apoio. Esta falta de homogeneizao de
definio dificulta a elaborao de programas de maior amplitude (Robalinho, 1978).
A primeira definio mais ampla foi a do FIPEME (Programa de
Financiamento Pequena e Mdia Empresa):
1. Ativo fixo + investimento total menor ou igual a 500.000 ORTNs (Obrigaes
Reajustveis do Tesouro Nacional).
2. No pertencer a grupo econmico de patrimnio lquido maior a 1000.000 ORTNs.
3. A atividade principal atende a requisitos e prioridade setorial conforme
enquadramento interno do BNDE (Resoluo n. 05/75, art.II e resoluo n.06/75 do BNDE).
Fora desses critrios, ento, considerado grande empresa.
Em 1970, a FIESP (Federao das Indstrias do Estado de So Paulo) realiza
estudo e estabelece a seguinte definio:
Pequena empresa = at 99 empregados, Mdia empresa =de 100 a 499 empregados, e Grande empresa = a partir de 500 empregados.
Em 1972, Federao de Indstrias de Minas Gerais (FIEMGE) definia:
Pequena empresa: possui at 49 empregados e custos de salrio e de materiais, somados, tendem a exceder 60% do valor de sua produo.
Mdia empresa: possui de 50 a 499 empregados e custos de salrio e materiais na faixa de 53% a 60% do valor da produo.
Grande empresa: possui mais de 500 empregados e custos de salrio e materiais menores que 53% do valor da produo.
O IPEA (Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas), em 1973, apresentava
a mesma definio da FIESP. Segundo Robalinho, o CEBRAE no fixava parmetros de
definio mas levava em conta as caractersticas funcionais da empresa:
Pequena especializao na administrao, isto , praticamente a administrao de um s homem, do empresrio-gerente,
Relacionamento pessoal do administrador com empregados, consumidores e fornecedores.
Desvantagens na obteno de capital e crdito. A pequena ou mdia empresa no pode, normalmente, obter recursos no mercado de capitais e encontra, muitas vezes,
dificuldades em conseguir emprstimos bancrios e crditos de fornecedores,
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Grande nmero de unidades empresariais, tornado impraticvel a adoo de tcnicas uniformes de assistncia e consultoria, sendo necessrio o exame setorial e/ou regional
para o estabelecimento de programas especficos de assistncia (p.54)
Os critrios para definir porte de empresas, ainda hoje, so variveis tanto por
parte da legislao especfica quanto por instituies financeiras e rgos representativos do
setor. Ora baseiam-se no valor do faturamento, ora no nmero de pessoas ocupadas e, s
vezes, em ambos. Isso se deve ao fato de que a finalidade e os objetivos das entidades
responsveis so distintos (regulamentao, crdito, estudos, etc).
O critrio de classificao das MPEs por nmero de pessoas ocupadas no leva
em conta as diferenas entre atividades com processos produtivos distintos, por exemplo, uso
de tecnologia de informao (internet, e-commerce, etc) e, ou, grau de qualificao da mo de
obra. H casos, por exemplo, de empresas com pequena quantidade de mo de obra mas com
um grande volume de negcios. Os casos mais comuns seriam o comrcio atacadista,
atividades de informtica ou servios profissionais como contabilidade, consultoria ou
atividade jurdica.
Veja o quadro contendo as principais definies para as MPEs e seus
respectivos critrios de classificao.
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Quadro 1: Definies de Micro e Pequenas Empresas
Faturamento Nmero de empregados SEBRAE 7
Porte Estatuto da Micro e Pequena Empresa (Lei 9841/1999)
Lei Compl. n 123, dez/ 2006
BNDES para indstrias (receita operacional bruta anual)
Indstria Comrcio/ Servio
IBGE
Micro At R$ 244.000,00
At R$240 mil At R$ 1,2 milho
At 19 At 9 At 5
Pequena De R$244mil a R$ 1,2 milhes
De R$240 mil a R$2,4 milhes
De R$ 1,2 milho a R$ 10,5 milhes
De 20 a 99 De 10 a 49 De 6 a 19
Mdia X X De R$ 10,5 milhes a R$ 60 milhes
De 100 a 499
De 50 a 99
Grande X X Superior a R$ 60 milhes
> = 500 >= 100
De 20 ou mais
Tabela elaborada pela autora a partir das leis citadas encontradas no site do Planalto (http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis) e dados do site do BNDES (http://www.bndes.gov.br/clientes/porte/porte.asp), Boletim Estatstico do IBGE e site do SEBRAE (http://www.sebrae.com.br/customizado/estudos-e-pesquisas/bia-97-criterios-para-classificacao-do-porte-de-empresas/BIA_97/integra_bia )
As PMEs, antes vistas indistintamente como tradicionais, referentes
padaria do portugus ou loja do turco, empresas que eram passadas de pai para filho,
formas de sobrevivncia que tendiam a serem extintas pelo grande capital, hoje, so
repensadas e, em muitos casos, consideradas um nicho econmico com potencialidade de
modernizao, e meio para o desenvolvimento do pas.
At aqui, podemos perceber que, ao longo das dcadas, houve etapas de
transformao no pensamento social a respeito das pequenas empresas:
1. Primeiramente, inexistentes na cognio social, a qual se atinha a questes
relativas industrializao e relao capital vs trabalho.
2. Depois, ligada noo de economia informal, atividades tpicas da transio de
uma sociedade rural para moderna, pequenas empresas eram vistas negativamente como
tradicionais e tenderiam a desaparecer frente ao grande capital.
3. Por fim, ao longo dos anos 80 e o perodo de reestruturao das empresas, a
literatura acadmica e tambm outros atores se ativeram a estudar e promover formas
organizacionais de pequeno porte. 7 No Boletim de Desempenho Exportador das MPEs Industriais Brasileiras, realizados pela Funcex para o Sebrae, o critrio para definir MPEs difere combinando o numero de pessoas ocupadas com o volume de exportaes das empresas.
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Neste processo, as questes nacionais mudaram, os atores em disputa tambm se
alteraram e, assim, o entendimento que se tinha sobre as MPEs tambm se alterou. Por esta
razo, aponta-se a necessidade de mapear (futuramente) os interesses polticos dos atores do
jogo das classificaes de empresas8.
At aqui, verifica-se, ento, uma institucionalizao das categorias de empresa
por porte. Para melhor compreender este processo, tem-se como referncia o conceito de
instituio de Mary Douglas (1998). Segundo a autora, uma instituio no um arranjo
instrumental, , no mnimo, uma conveno, ou seja, uma regra que assegure a coordenao.
A instituio se estabiliza quando h naturalizao das classificaes.
Ao longo deste percurso histrico que vem ressignificando e estabilizando as
categorias de empresa por porte, vrios atores estiveram envolvidos, entre eles, acadmicos,
consultores, mdia, governo, etc. Um desses atores, que veio a ter grande visibilidade com
assuntos relativos s pequenas empresas o (C)SEBRAE. Sua histria acompanhou o
processo de institucionalizao das pequenas empresas, por isso, o objetivo do prximo
captulo mostrar, a partir do histrico deste ator especfico, como foi possvel o processo de
institucionalizao das pequenas empresas no seu interior.
***
Nos captulos a seguir ser apresentada uma descrio histrica dos CEBRAE
e SEBRAE. A principal fonte de informao foi o livro SEBRAE. 30 anos parceiro dos
brasileiros, no qual o autor, Humberto Mancuso, funcionrio do prprio SEBRAE, fez
inmeras entrevistas com os presidentes, diretores presidentes e alguns funcionrios da
instituio e apresenta inmeros relatos.
Apesar de ser um livro institucional, que expe a histria oficial do SEBRAE,
estes relatos trazem informaes importantes obtidas pelo autor diretamente dos indivduos
que estiveram na cpula dos CEBRAE e SEBRAE. Alm disso, o acesso a todas estas
pessoas, a quem o autor teve por ser membro da instituio, dificilmente seria possvel em
8 Isto porque alm de constatar as alteraes ocorridas, ainda se faz necessrio explic-las em funo dos jogos de poder, ou seja, quem define quais critrios e das caractersticas sociais que moldam os interesses dos atores em disputa. Estes aspectos no foram possveis de serem identificados em uma pesquisa histrica como a que foi aqui desenvolvida uma vez que estes atores (instituies e indivduos) so esparsos e alguns sequer existem mais.
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uma pesquisa acadmica. Estes relatos, que inicialmente seriam uma forma de apologia ao
SEBRAE, podem ser perfeitamente submetidos a uma anlise sociolgica, o que tentarei
apresentar a seguir.
Outras fontes de dados utilizadas aqui so a dissertao de Eliana Lopes, os
estatutos, a legislao, site do SEBRAE, assim como, conversas informais com funcionrio e
consultores do Escritrio Regional de So Carlos e Araraquara.
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2. SEBRAE: Estrutura organizacional e jurdica
Neste captulo, sero apresentadas as principais caractersticas da estrutura
organizacional do SEBRAE desde a sua criao. necessrio conhecer a histria objetivada,
ou seja, como se do os vnculos formais da estrutura organizacional e como ela tomou o
formato que tem hoje a fim de melhor compreender posteriormente a atuao do SEBRAE.
A estrutura organizacional do SEBRAE se constitui em um sistema composto
por uma unidade central, o SEBRAE Nacional, e unidades localizadas nas capitais das 27
unidades federativas. Mas sua origem est na dcada de 70 com o CEBRAE (Centro
Brasileiro de Apoio Gerencial s Pequenas e Mdias Empresas).
De 1972 a 1990, o CEBRAE se constitua em estrutura da administrao
pblica. O CEBRAE foi vinculado ao Ministrio do Planejamento de 1972 a 1984, neste ano,
passa administrao do Ministrio da Indstria e Comrcio e assim permaneceu at 1990.
Sabendo que nesta poca as PMEs eram consideradas secundrias em relao
s grandes indstrias, no podemos esperar que uma entidade que atuasse em prol delas fosse
uma entidade de prestgio e mesmo de poder.
Lopes mostra que o antigo CEBRAE teve 6 estatutos. Veremos mais adiante
que as mudanas de estatutos esto relacionados mudanas nas polticas do governo. O
primeiro estatuto data do ano de sua criao (1972), porm, j em 1975 foi estabelecido o
segundo estatuto e no ano seguinte (1976), o terceiro estatuto. Neste, o nome foi mudado para
Centro Brasileiro de Apoio Pequena e Mdia Empresa, porm, a sigla foi mantida. Alm
disso, recebeu o IPEA como membro do Conselho Deliberativo. Ficou estipulado que cabia
ao IPEA a presidncia do Conselho Deliberativo e ao BNDE a presidncia das diretorias.
Em 1979 foi institudo o quarto estatuto do CEBRAE e ficou estabelecido que
o secretrio do Ministrio Pblico quem passaria a presidir o Conselho Deliberativo e
nomear o diretor-presidente do CEBRAE. Com isso, a atuao do CEBRAE se alterou devido
a tal aproximao com o Ministrio.
O quinto estatuto do CEBRAE, de 1984, acrescentou as micro e pequenas
empresas em seu campo de atuao e estabelece que o CEBRAE executaria as diretrizes do
COPEME e assessoraria o Ministrio. Tambm h alterao na composio do Conselho
Deliberativo que passou a abarcar: MIC, SEPLAN, BNDES, IPEA, ABDE, a Caixa
Econmica Federal (CEF), o Banco do Brasil (BB), Conselho Nacional de Desenvolvimento
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Cientfico e Tecnolgico (CNPq), Conselho Governamental da Indstria e do Comrcio
(CONSIC). Para gerir o CEBRAE criado o Conselho de Desenvolvimento da Micro,
Pequena e Mdia Empresa. (COPEME).
Em 1984, discutia-se a desvinculao do CEBRAE do Ministrio do
Planejamento, inclusive havia a possibilidade de se tornar uma Fundao. No entanto, o que
ocorreu que o CEBRAE foi transferido com a mesma estrutura organizacional para o
Ministrio da Indstria e Comrcio, sendo o presidente do Conselho Deliberativo o secretrio
geral deste ministrio.
O sexto estatuto, de 1987, manteve praticamente inalterado o estatuto anterior
mas incluiu entre os membros a ABACE, a associao dos funcionrios do CEBRAE9.
Enquanto a entidade esteve vinculada ao Estado, operou principalmente
programas de crdito orientado (concesso de crdito e assistncia gerencial por meio de
consultoria) of