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Ubiratan D'Ambrosio ubi@ pucsp.br II Jornada de Hi stória da Ciência 1 II Jornada de História da Ciência e Ensino: propostas, tendências e construção de interfaces 23 a 25 de julho de 2009 PUCSP - Centro de Ciências Exatas e Tecnologia O cotidiano como fonte de História da Ciência. Ubiratan D’Ambrosio [email protected]

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Ubiratan D'Ambrosio [email protected] II Jornada de História da Ciência

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II Jornada de História da Ciência e Ensino:propostas, tendências e construção de interfaces

23 a 25 de julho de 2009PUCSP - Centro de Ciências Exatas e Tecnologia

O cotidiano

como fonte de História da Ciência.

Ubiratan D’[email protected]

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No cotidiano está o que acontece nodia-a-dia, o que é comum e que constitui a experiência e o conjunto de fatos e eventos inseridos na vida diária das pessoas.

Dentre esses fatos e eventos estão as práticas, as notícias, a literatura e os divertimentos, o lazer e as manifestações populares, em geral os reflexos do momento sócio-cultural de uma comunidade.

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CONHECIMENTO, HISTÓRIA e IDEOLOGIA

Segundo G.W.F. Hegel, a ação dos intelectuais tem sido apropriar o conhecimento que existe e torná-lo diferente do que era antes.

Entender, interpretar e explicar o que era antes á a missão do historiador.

A ideologia é inevitável, pois é o substrato da interpretação histórica.

“O historiador não tem o direitode desertar” , L. Febvre, 1953.

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UMA CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA

No Catálogo da Exposição sobre “Machado de Assis. 100 anos de uma Cartografia Inacabada” (Biblioteca Nacional, 2008), o curador Marco Lucchesi identifica, na crônica de Machado de Assis, de 07/07/1895, sobre a morte de Floriano Peixoto, uma concepção de História.

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Machado diz:

“fios do tecido que a mão do tecelão vai compondo, para servir aos olhos vindouros; com os seus vários aspectos morais e políticos. Assim como os há sólidos e brilhantes, assim também os há frouxos e desmaiados, não contando a multidão deles que se perde nas cores de que é feito o fundo do quadro.”

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A historiografia tradicional contempla sómente os “sólidos e brilhantes” (=fontes tradicionais), mas os “frouxos e desmaiados” são, também, parte da História. Uma proposta é dar aos “frouxos e desmaiados” a mesma importância que se dá aos “sólidos e bilhantes”.

Os “frouxos e desmaiados” são, muitas vezes, os que permitem a contextualização sócio-cultiural dos fatos e eventos históricos.

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Isso conduz a uma historiografia focalizando também a popularização e o cotidiano e a dimensão sócio-cultural.

UM EXEMPLO: O Projeto REPOhistory: repossessing history

Um grupo de artistas produzindo ciência para o povo, baseada em leituras multiculturais de narrativas perdidas, esquecidas ou eliminadas.

REPOhistory. Circulation, Art Journal, vol.59, nº4, 2000, pp.38-53.

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MAS O QUE É HISTORIOGRAFIA?

Há duas concepções maiores:• o conjunto de fontes e estudos de fatos e

eventos do passado;• o estudo de métodos e estilos de relatar,

organizar, analisar e interpretar fatos, eventos, personagens do passado.

AMBAS SE COMPLEMENTAMCharles-Olivier Carbonell, L’historiographie,

Collection Que sais-je?, Presses Universitaires de France, Paris, 1981.

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Exemplos de concepções mais amplas de historiografia.

• Annales, 1929, Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956).

• Bernard Lewis: “História Lembrada, Recuperada, Inventada”, 1974.

• Patrícia Fara: Newton: The Making of Genius. Columbia University Press, New York, 2002.

• D. Graham Burnett: Trying Leviathan: The Nineteenth-Century New York Court Case That Put the Whale on Trial and Challenged the Order of Nature , Princeton Uni. Press, 2007.

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Todas essas alternativas visam entender, interpretar e explicar fatos e eventos passados a partir não apenas das fontes tradicionais (“sólidas e brilhantes”), mas também a partir de leituras multiculturais de narrativas perdidas, esquecidas ou eliminadas (“frouxas e desmaiadas”).

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MAS QUE SÃO NARRATIVAS?

DISCURSO é o encadeamento de elementos da linguagem.

NARRATIVA LITERÁRIA e NARRATIVA

ARTÍSTICA é o discurso organizado e coerente, com objetivos comunicativos específicos, incorporando elementos sintáticos, semânticos e semióticos, e utilizando, geralmente, redundâncias, metáforas, ficção.

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A NARRATIVA CIENTÍFICA é o discurso caracterizado por uma organização formal, utilizando recursos sintáticos, semânticos e semióticos, mas evitando redundâncias, metáforas e ficção. O protótipo da narrativa científica é a matemática e, em conseqüência, procura-se matematizar o discurso das ciências.

A linguagem matemática, por ser

a mais conveniente, permeia o discurso dominante da narrativa atual das ciências.

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UMA CITAÇÃO CÉLEBRE

“O milagre da conveniência da linguagem matemática para a formulação dos leis de física é um maravilhoso presente que nós nem entendemos nem merecemos. Nós deveríamos ser agradecidos por isso e esperar que vá permanecer assim nos pesquisas futuras, e que se estenda, para melhor ou para pior, mesmo que talvez também para nossa confusão, para campos maiores do conhecimento.”

Eugene Wigner, 1960

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MAS mesmo a narrativa científica admite, muitas vezes, particularmente na educação e na divulgação, redundâncias (na forma de exercícios repetitivos) e metáforas (na forma de exemplos).

Há, em consequência, uma conveniente aproximação da narrativa científica com anarrativa ficcional.É IMPORTANTE QUE A HISTORIOGRAFIA

RECONHEÇA O CARÁTER DE CONVENIÊNCIA DA MATEMÁTICA NA

NARRATIVA CIENTÍFICA.

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MODERNIDADE e PÓS-MODERNIDADE

A modernidade discrimina entre as três modalidades de narrativas [narrativas literária, artística, científica], como discutiu C.P. Snow em 1959.

A pós-modernidade procura integrar essas modalidades, o que provocou a chamada science wars, cujo momento mais intenso e explícito surge com o embuste do físico teórico Alan Sokal, publicado na prestigiosa revista Social Text, em 1996.

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REFERÊNCIAS IMPORTANTES SOBRE AS SCIENCE WARS.

• C.P. Snow: As Duas Culturas e uma Segunda Leitura, EDUSP, São Paulo, 1995 (orig.1959).

• Alan Sokal: Transgressing the Boundaries: Toward a Transformative Hermeneutics in Quantum Gravity, Social Text, nº46/47 , pp. 217-252 (Spring/Summer 1996)

• Alan Sokal: A Physicist Experiments with Cultural Studies, Lingua Franca, pp. 62-64, (May/June 1996).

• Alan Sokal et Jean Bricmont: Impostures Intellectuels, Ed. Odile Jacob, Paris,1999.

• http://www.physics.nyu.edu/faculty/sokal/

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VIDAS NA CIÊNCIA: a fascinaçâo com as biografias e asautobiografias (uma forma de história oral) pode conduzir a NARRATIVAS FICCIONAIS e exigem a multiplicidade de fontes.

As narrativas ficcionais encontram espaço na literatura, no cinema e no teatro, que podem ser documentários mesclados com ficção.

Ex: Uma Mente Brilhante.

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A ficção é

uma crônica do presente, recorrendo à história e, muitas vezes, incursionando no futuro.

O grande desafio é

harmonizar o rigor acadêmico

e a narrativa ficcional.

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Exemplos

• Dos livros sagrados a Homero, Virgílio, “Arturiana”, Luiz de Camões, William Shakespeare, Victor Hugo, Umberto Eco.

• Federico Andahazi: O Anatomista, Relume – Dumará, Rio de Janeiro, 1997 [Mateo Realdo Colombo: De Re Anatomica, Veneza, 1559].

• Do gnosticismo ao Golem (Rabino Löw, de Praga, século XVI).

• Francis Bacon: Nova Atlântida, 1627.• Padre Antonio Vieira: História do Futuro, 1665?

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• Mary Wollstonecraft Shelley: Frankenstein, 1818.

• Bram Stocker: Drácula, 1897.• Thomas Mann: A Montanha Mágica, 1924.• Robert Musil: O Homem Sem Qualidades, 2

vols., 1930-43.• George G. Simpson: A Descronização de Sam

Magruder, Editora Peirópolis, São Paulo, 1996.• Emílio Salgari: As maravilhas do ano 2000,

1907 (recriação de Carlos Heitor Cony, Ediouro).

• Julio Verne: conjunto da obra.• Albert Robida: conjunto da obra.

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CINEMA:• Fritz Lang: Metropolis, 1927. • Arthur C. Clarke e Stanley Kubrick: 2001. Uma Odisséia

no Espaço, 1968.• Isaac Asimov/Chris Columbus: O Homem Bicentenário,

1976/1999.• Ridley Scott: Caçador de Andróides, 1982.• Eliana Caffé: Kenoma, 1998 [sobre o perpetuum mobili].• Steven Spielberg: Inteligência Artificial, 2001.• Ron Howard, dir.: Uma Mente Brilhante, 2001 [baseado

em Sylvia Nasar: A Beautiful Mind (A Biography of John F. Nash), Simon & Schuster, New York, 1998]

TEATRO:www.arteciencianopalco.com.br

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CONCLUINDO:

Uma historiografia moderna deve, necessariamente, incluir a ficção e a popularização da ciência como elementos fundamentais no estudo da geração, organização individual e social, e transmissão e difusão da ciência no sentido amplo.

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Trabalhos de suporte para esta apresentação:

Ubiratan D’Ambrosio: Review of D. Graham Burnett: Trying Leviathan, em Bulletin of The Pacific Circle (Hawaii), nº21, October 2008, pp.15-19 (ISSN 1520-3581).

Ubiratan D’Ambrosio: Uma Mente Brilhante. John Forbes Nash Jr. em História da Ciência no Cinema, Bernardo Jefferson de Oliveira (organizador), Argumentum, Belo Horizonte, 2005; pp. 111-130 (ISBN 85-98885-04-5).

Ubiratan D’Ambrosio: História das Ciências e Ficção.