u1 - texto 1. introdução ao estudo da história da música

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História da Música

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  • HISTRIA DA MSICA I Profa. Dra. Jlia Tygel Unidade 1 - Texto 1

    INTRODUO AO ESTUDO DA HISTRIA DA MSICA

    Estamos comeando um curso de Histria da Msica. Alguns conceitos so fundamentais:

    A idia de que se deve estudar histria algo recente na histria da humanidade. O estudo

    sistemtico da histria da msica teve incio apenas no sculo XVIII. Nunca se teve tanta

    informao sobre o passado como se tem hoje; inclusive h segmentos importantes da anlise

    musical contempornea que esto redescobrindo e reinterpretando conceitos e prticas

    musicais de perodos histricos passados.

    Por que estudamos histria da msica, em usos prticos? Primeiro, para termos uma

    noo do que j foi feito e no ficarmos equivocadamente reinventando a roda. Segundo,

    para entender de onde viemos e podermos pensar para onde vamos musicalmente. Terceiro,

    para buscar idias e materiais que podem ser reaproveitados em novos projetos musicais (isso

    muito frequente entre compositores de todas as pocas). Quarto, para treinar o pensamento

    abstrato em relao a determinadas tcnicas musicais, estudando os perodos que

    representaram seu apogeu, por exemplo: estudar contraponto com Palestrina; estudar o

    desenvolvimento de motivos com Beethoven; estudar a forma sonata com Haydn, etc. Esses

    conceitos mudaram a forma de pensar a prpria msica ao longo da histria, e estud-los nos

    abre novas perspectivas de compreenso musical que podemos aplicar a quaisquer estilos e

    prticas depois (assim como, por exemplo, no usamos toda a matemtica que aprendemos no

    nosso dia-a-dia, mas precisamos dela para estimular nossa capacidade de pensamento

    abstrato). A grande maioria dos grandes msicos que admiramos estudaram mestres e

    tcnicas musicais do passado tanto na msica erudita quanto na msica popular.

    O conceito de histria como o entendemos s existe quando consideramos que o tempo

    linear, e eventos podem ser marcados no tempo. Sociedades tradicionais normalmente

    consideram o tempo como algo circular, cclico, sem contar o tempo com eventos particulares

    em datas especficas como ns, e sim atravs da recorrncia de eventos em ciclos de tempo.

    Em um tempo circular no h histria da forma como a entendemos, mas mitologia (isso

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  • no torna a histria desses povos no factvel ou inventada, apenas outra forma de olhar

    para o passado).

    A histria da msica que estudaremos neste curso parcial e eurocntrica. Outros povos

    tm outras formas de organizar a sua msica e a sua histria. Isso acontece somente porque a

    sociedade ocidental, cuja cultura originria de alguns pases da Europa, a dominante, e

    no porque a nossa msica seria mais evoluda ou melhor que qualquer outra. Podemos at

    considerar que nossa msica mais complexa em alguns aspectos se comparada a repertrios

    de outros povos, como no aspecto do desenvolvimento da polifonia por exemplo, mas

    certamente no temos uma msica mais desenvolvida que as outras em todos os aspectos nem

    do ponto de vista de nossos prprios parmetros, quanto menos a partir de outros parmetros

    que possam ser estabelecidos por outras culturas. Dizer que a msica ocidental a dominante

    porque de qualidade superior, ou porque foi o caminho mais natural segundo a evoluo

    da srie harmnica como dizer que a lngua inglesa, mais falada no mundo, a dominante

    porque mais rica ou evoluda que o portugus, o francs, o alemo, etc. o que claramente

    nos parece absurdo. Ns impusemos aos outros povos (e continuamos impondo o tempo

    todo) a nossa msica, a nossa esttica, a nossa afinao. sim possvel que haja alguns

    parmetros musicais que sejam universais para todos os seres humanos, como talvez a

    organizao de sons por escalas pentatnicas, que comum a muitas culturas ancestrais no

    mundo. Mas sabemos muito pouco sobre isso e estamos longe de poder afirmar qualquer

    coisa definitiva sobre alguma tendncia natural ou biolgica do desenvolvimento da

    msica. Precisamos olhar portanto para as outras culturas musicais com a mesma humildade

    que temos ao tentar aprender outra lngua, tendo em vista que elas seguem outras regras,

    outra lgica, e seus executores e ouvintes tm certamente outro jeito de apreciar essas

    msicas. Um bom exemplo o caso da pera chinesa, uma arte secular e de alta cultura, que

    exige tanta dedicao de seus executantes quanto esperamos de nossos cantores lricos mas

    ns quando ouvimos geralmente no conseguimos apreci-la porque no entendemos quais os

    elementos esto em jogo ali.

    No se tem notcia de nenhum povo no mundo que no produza algo que se possa chamar

    de msica, no entanto pouqussimas sociedades tm uma palavra que se equivalha nossa

    msica (ou suas tradues nas lnguas ocidentais). Para os povos tradicionais a msica est

    associada vida cotidiana: aos rituais, dana, s pocas do ano, aos momentos do dia, etc.

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  • Assim, o conceito de msica no est separado desses outros conceitos. O conceito de arte

    como algo que serve apenas para contemplao s existe nas sociedades complexas, nas

    sociedades tradicionais a arte tem sempre um uso prtico e por isso a chamamos de

    artesanato. Novamente, esse apenas nosso ponto de vista sobre o mundo, e no implica em

    sermos superiores ou termos uma produo melhor em sentido absoluto.

    Com essas ideias em mente, vamos disciplina!

    * No material e Youtube h uma playlist de vdeos que ilustram os pontos comentados.

    O incio da histria da msica ocidental

    Consideramos que da msica ocidental comea com a msica produzida pela Igreja

    Catlica Romana, por causa da existncia de registros (contagem do tempo de forma linear).

    Quase nada se sabe sobre a msica grega e romana anteriores, tanto pela escassez de registros e

    fontes confiveis, quanto porque a prpria Igreja procurou evitar ao longo da histria que

    houvesse ateno a essas tradies ligadas ao paganismo. Pela falta de documentao sobre os

    repertrios de fora da Igreja dos perodos antigos, somos obrigados a concentrar nossos estudos

    de histria da msica, em muitos sculos, somente na msica produzida e documentada pela

    Igreja. Devemos ter em conta, contudo, que mesma poca outros tipos de repertrios no

    documentados sempre circularam paralelamente fora da Igreja.

    Pela escassez de registros, costuma-se chamar o perodo grego de pr-histria da msica.

    No entanto, nossa msica deve muito aos gregos, que nos deixaram, se no muitas fontes

    musicais propriamente ditas, muitos tratados sobre teoria da msica, cujos conceitos permearam

    toda a Idade Mdia, e muitas aluses aos usos da msica na sociedade em obras da literatura.

    Sabemos, portanto, muito mais sobre a teoria e usos da msica grega, que sobre a msica em si, e

    isso que frisaremos adiante.

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