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17/08/2017 Um enigma chamado Brasil – Outra janela https://janelaideia.wordpress.com/2017/08/13/um-enigma-chamado-brasil/ 1/6 Outra janela A janela-ideia, de onde todas as outras nascerão – Juliano Cazarré Um enigma chamado Brasil 1 3 DE AGOSTO DE 2017 14 DE AGOSTO DE 2017 ~ @CEZARSEZAR ~ Morro da favela, 1924, Tarsila do Amaral. O título desta postagem remete ao livro de André Botelho e Lilia Mori Schwarcz que reúne 29 intérpretes que tentavam explicar as dimensões sociais, políticas e culturais do Brasil. Boa parte desses autores são identificados como pensadores sociais que deram alicerce para a Ciência Social no Brasil. Por que entender o Brasil se revela um grande enigma? Por que quando tentamos definir uma identidade brasileira encontramos uma dificuldade acima do normal para a generalidade? Esses aspectos dizem respeito à formação do que consideramos um Estado-nação. No início e até mesmo depois da independência, pouca gente se sentia brasileira. A ausência de uma identidade que ligasse o indivíduo a nacionalidade impossibilitava a constituição de algo homogêneo que despertasse em cada um o sentimento de consciência coletiva ou solidariedade. É por isso que muitos falam que o Brasil foi forjado em muitos aspectos. Do ponto de vista político, econômico, social e cultural. Aqui vamos apresentar elementos que refletem os aspectos culturais. Hoje em dia podemos dizer que temos um mito que nos une como brasileiros – mesmo fragilizados pelos recentes acontecimentos políticos – e não há nenhuma exclusividade na constituição de um “mito nacional”.

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17/08/2017 Um enigma chamado Brasil – Outra janela

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Outra janela

A janela-ideia, de onde todas as outras nascerão – Juliano Cazarré

Um enigma chamado Brasil

13 DE AGOSTO DE 201714 DE AGOSTO DE 2017 ~ @CEZARSEZAR ~

Morro da favela, 1924, Tarsila do Amaral.

O título desta postagem remete ao livro de André Botelho e Lilia Mori� Schwarcz que reúne 29intérpretes que tentavam explicar as dimensões sociais, políticas e culturais do Brasil. Boa partedesses autores são identificados como pensadores sociais que deram alicerce para a Ciência Social noBrasil. Por que entender o Brasil se revela um grande enigma? Por que quando tentamos definir umaidentidade brasileira encontramos uma dificuldade acima do normal para a generalidade? Essesaspectos dizem respeito à formação do que consideramos um Estado-nação. No início e até mesmo depois da independência, pouca gente se sentia brasileira. A ausência de umaidentidade que ligasse o indivíduo a nacionalidade impossibilitava a constituição de algo homogêneoque despertasse em cada um o sentimento de consciência coletiva ou solidariedade. É por isso quemuitos falam que o Brasil foi forjado em muitos aspectos. Do ponto de vista político, econômico,social e cultural. Aqui vamos apresentar elementos que refletem os aspectos culturais. Hoje em dia podemos dizer que temos um mito que nos une como brasileiros – mesmo fragilizadospelos recentes acontecimentos políticos – e não há nenhuma exclusividade na constituição de um“mito nacional”.

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O “mito nacional” é a forma moderna por excelência para a produção de umsentimento de “solidariedade coletiva”, ou seja, por um sentimento de que“todos estamos no mesmo barco” e que, juntos, formamos uma unidade. Sema construção de um sentimento de “pertencimento coletivo” desse tipo, nãoexiste nação no sentido moderno, nem sentimento de compartilhamento deuma mesma história e de um mesmo destino. (SOUZA, 2009; 29)

Johann Mori� Rugendas. Rua direita, 1822-1825. (Ao longo do século XIX, viajantes europeusestiveram no Brasil com o objetivo de conhecer a natureza tropical e a nova sociedade que alinascia […] O olhar estrangeiro reconhecia aspectos civilizados, que colocavam essa gente luso-brasileira no mesmo “patamar” de um europeu, e percebia modos e costumes que apontavampar a ausência de civismo na mesma ótica eurocêntrica.)

Se observarmos os conflitos na Síria podemos perceber a ausência de uma unidade nacional quecompartilha um destino comum no que diz respeito ao rumo do país. A constituição dessesfenômenos nos revela que as construções indenitárias são essenciais e estão relacionadas a processosde aprendizado coletivo. Aprender no sentido cognitivo e moral, como falou Jessé Souza (2009), aponto de vencer nosso narcisismo e egoísmo. A sobrevivência é um elemento importante para aorganização da coesão social, sem essa garantia ficaria difícil se estabelecer em sociedade e transferirpara os outros responsabilidades como a segurança. Mesmo assim, não é garantido uma estabilidade de todos os indivíduos, passamos por uma crisesocial que não é novidade, mas que tem testado os limites do Estado brasileiro. Com o advento daglobalização tem ficado cada vez mais claro a visão anárquica do mundo no sentido de umadificuldade para estabelecer acordos globais. Se entre os indivíduos prevalece interesses pessoais,entre nações prevalece interesses políticos que dificultam a resolução de conflitos territoriais, como ocaso da Síria. O mito nacional, neste contexto, substitui aquilo que é produzido por religiões mundiais. O mitopode ser entendido como imaginário social, ou seja, um meio para interpretar determinadaexperiência histórica e coletiva.

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O mito é uma transfiguração da realidade de modo a provê-la de “sentido”moral e espiritual para os indivíduos e grupos sociais que compõem umasociedade particular. (SOUZA, 2009; 30)

Para que essa imaginação se materialize nos discursos a nação precisa ter um conjunto de ideias,histórias, imagens, enfim, um “arsenal simbólico” para construir uma identidade. No caso brasileiroisso era necessário para romper com as identidades locais que se reafirmavam em cada parte do país,mais ou menos o que se reflete hoje na divisão regional.

Fandango, Pernambuco Autor(a): Luís Pedro de Souza SOARES

No caso das culturas dos povos indígenas e africanos o processo de aculturação foi severo, restandopoucos elementos que resistiram ao tempo. Parte dessa higienização diz respeito a constituição deuma brasilidade sob o olhar do colonizador europeu, que não cabia a diversidade cultural e étnicaque o Brasil apresentava. Por isso que a maioria das referências identitárias do país diz respeito asculturas europeias.

Após a independência de 1822 era emergencial a constituição de uma identidade forte que unisse as

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Após a independência de 1822 era emergencial a constituição de uma identidade forte que unisse asregiões declaradamente separadas. No início, percebemos a força física do Estado pesado eburocrático que se forma, mas que não se revela suficiente para ser internalizado por todos. Atémesmo a natureza, sempre usada em alusão ao território tropical e marcada por uma diversidade daflora, não era suficiente. Aquele momento, com o predomínio de teorias raciais, colocava o Brasil norol dos problemas que a miscigenação supostamente acarretava. E sendo um país de mestiços issopegava mal, inclusive as justificativas se encontravam nas características sociais e culturais dessepovo – marcado por desigualdades, analfabetismo e conflitos regionais após a independência. Esse prestigio cientifico com as teorias raciais dificultava a composição de uma imagem positiva doBrasil até o inicio do século XX, mas a partir da obra Casa grande & Senzala(1933), de Gilberto Freyreisso já refletia uma mudança. A “virada culturalista” evidenciava algo maior que a miscigenação: adiversidade cultural coexistente. Vargas se apropria muito bem dessas ideias que cultivam acordialidade para reforçar essa singularidade cultural na década de 1930. Inclusive, para Freyre, aprova empírica dessa singularidade é a miscigenação.

A noção de comunidade compartilhada é constituída pela lembrança real ouimaginária de uma tradição comum compartilhada, seja esta baseada emhábitos comuns, origem religiosa, costumes compartilhados ou identidadelinguística. A finalidade aqui é criar um terreno de sentimentos e identidadesemocionais comuns que permita que todos, dos mais amplos setores e dosdiversos grupos sociais com interesses divergentes ou conflitantes, se vejamcomo construtores e participantes do mesmo projeto nacional (SOUZA, 2009;34)

Essa lógica incorporada pelo estado novo, reforçava a unidade social, a negação do conflito e anaturalização de ideias como a cordialidade. O Estado foi percursor na institucionalização dessesideias, induzindo a aceitação do que está posto, sem criticar, sem pestanejar.

Num país como o nosso, que só percebe a “economia” e, portanto, o dinheiro esuas materializações, como fábricas, carros, usinas, estradas, sequer chegamosa perceber a enorme influência dessas coisas imateriais como as ideias e osvalores sempre associados a elas.(SOUZA, 2009; 39)

Somos um povo que mesmo diante das mazelas sociais usa a alegria, a cordialidade, a sensualidade ea simpatia como algo compensador. Essas coisas estão por toda parte, na novela, na literatura, namúsica.

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Zeca Pagodinho - Eta Povo Pra Lutar

REFERÊNCIAS: BOMENY, Helena et al. Que país é esse. In: Tempos modernos, tempos de sociologia. 3 ed. SãoPaulo: Editora do Brasil, 2016.

SOUZA, Jessé. A construção do mito da brasilidade. In: A ralé Brasileira: Quem é e como vive. BeloHorizonte: Editora UFMG, 2009.

PUBLICADO EM CONTEÚDO

Publicado por @cezarsezar

Estudante de ciências sociais pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), colaborador no projetoPIBID e bolsista do projeto Conexões de Saberes. Ver todos os posts de @cezarsezar

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