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O ENSINO DA LITERATURA: DESVIOS E RUMOS MARIA MADALENA RESINA (PUC). Resumo RESUMO A proposta deste estudo é expor as idéias da pesquisadora Cyana Leahy– Dios, em que se percebe a realização de um trabalho árduo e competente, fundamentado em pesquisas empíricas, sobre o ensino da literatura. Suas colocações são pertinentes com a prática docente e, de certa forma, impactantes, uma vez que faz do cotidiano de inúmeros professores um retrato de sua prática pedagógica, levando a uma reflexão profunda acerca dela, e exigindo, outrossim, um pensamento analítico e interrogador, que envereda por questões de políticas públicas. Percorrendo a tessitura de seu texto, sentimos o quão é necessário não só rever nossos conceitos e a transmissão do trabalho literário a partir da reprodução de textos, tanto no ensino fundamental quanto no médio, bem como a percepção da disciplina pelos sujeitos envolvidos no processo de educação literária. Assim, fará parte da primeira etapa do estudo ressaltar o objetivo da pesquisa, a importância da educação literária e as políticas escolares. Além disso, serão expostos os sistemas educacionais escolares no Brasil e na Inglaterra. A segunda etapa procurará reproduzir as abordagens metodológicas levantadas pela estudiosa. As últimas etapas trazem a educação literária em escolas brasileiras com a amostragem de três escolas, com seus respectivos modos de ensinar e aprender. Palavras-chave: ensino, literatura, sociedade. INTRODUÇÃO A proposta deste estudo é expor as idéias da pesquisadora Cyana Leahy- Dios, em que se percebe a realização de um trabalho árduo e competente, fundamentado em pesquisas empíricas, sobre o ensino da literatura. Suas colocações são pertinentes com a prática docente e, de certa forma, impactantes, uma vez que faz do cotidiano de inúmeros professores um retrato de sua prática pedagógica, levando a uma reflexão profunda acerca dela e exigindo, outrossim, um pensamento analítico e interrogador, que envereda por questões de políticas públicas. Percorrendo a tecetura de seu texto, sentimos o quão é necessário não só rever nossos conceitos e a transmissão do trabalho literário a partir da reprodução de textos, tanto no ensino fundamental quanto no médio, bem como a percepção da disciplina pelos sujeitos envolvidos no processo de educação literária. Assim, fará parte da primeira etapa do estudo ressaltar o objetivo da pesquisa, a importância da educação literária e as políticas escolares. Além disso, serão expostos os sistemas educacionais escolares no Brasil e na Inglaterra. A segunda etapa procurará reproduzir sumariamente as abordagens metodológicas levantadas

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  • O ENSINO DA LITERATURA: DESVIOS E RUMOS MARIA MADALENA RESINA (PUC). Resumo RESUMO A proposta deste estudo expor as idias da pesquisadora Cyana LeahyDios, em que se percebe a realizao de um trabalho rduo e competente, fundamentado em pesquisas empricas, sobre o ensino da literatura. Suas colocaes so pertinentes com a prtica docente e, de certa forma, impactantes, uma vez que faz do cotidiano de inmeros professores um retrato de sua prtica pedaggica, levando a uma reflexo profunda acerca dela, e exigindo, outrossim, um pensamento analtico e interrogador, que envereda por questes de polticas pblicas. Percorrendo a tessitura de seu texto, sentimos o quo necessrio no s rever nossos conceitos e a transmisso do trabalho literrio a partir da reproduo de textos, tanto no ensino fundamental quanto no mdio, bem como a percepo da disciplina pelos sujeitos envolvidos no processo de educao literria. Assim, far parte da primeira etapa do estudo ressaltar o objetivo da pesquisa, a importncia da educao literria e as polticas escolares. Alm disso, sero expostos os sistemas educacionais escolares no Brasil e na Inglaterra. A segunda etapa procurar reproduzir as abordagens metodolgicas levantadas pela estudiosa. As ltimas etapas trazem a educao literria em escolas brasileiras com a amostragem de trs escolas, com seus respectivos modos de ensinar e aprender. Palavras-chave: ensino, literatura, sociedade.

    INTRODUO

    A proposta deste estudo expor as idias da pesquisadora Cyana Leahy-

    Dios, em que se percebe a realizao de um trabalho rduo e competente,

    fundamentado em pesquisas empricas, sobre o ensino da literatura. Suas

    colocaes so pertinentes com a prtica docente e, de certa forma, impactantes,

    uma vez que faz do cotidiano de inmeros professores um retrato de sua prtica

    pedaggica, levando a uma reflexo profunda acerca dela e exigindo, outrossim,

    um pensamento analtico e interrogador, que envereda por questes de polticas

    pblicas. Percorrendo a tecetura de seu texto, sentimos o quo necessrio no s

    rever nossos conceitos e a transmisso do trabalho literrio a partir da reproduo

    de textos, tanto no ensino fundamental quanto no mdio, bem como a percepo

    da disciplina pelos sujeitos envolvidos no processo de educao literria. Assim,

    far parte da primeira etapa do estudo ressaltar o objetivo da pesquisa, a

    importncia da educao literria e as polticas escolares. Alm disso, sero

    expostos os sistemas educacionais escolares no Brasil e na Inglaterra. A segunda

    etapa procurar reproduzir sumariamente as abordagens metodolgicas levantadas

  • pela estudiosa. As ltimas etapas trazem a educao literria em escolas brasileiras

    com a amostragem de trs escolas, com seus respectivos modos de ensinar e

    aprender.

    1. LITERATURA E AS POLTICAS ESCOLARES

    Nesse trabalho, Cyana Leahy-Dios (2004) trata da questo da leitura e

    interpretao literrias praticadas no ensino mdio, quando a educao formal

    deixa de ser obrigatria. O objetivo de sua pesquisa investigar como se d a

    transmisso do trabalho literrio com textos na educao fundamental, para uma

    prtica formal no ensino mdio.

    Seu estudo adquire tamanha importncia, porque investiga a educao

    literria como representao cultural de sociedades. Estudar literatura primordial

    ao processo de educar sujeitos sociais, visto que envolve um tringulo

    interdisciplinar composto de estudos da lngua, estudos culturais e sociais.

    A pesquisadora descreve, analisa e interpreta dois paradigmas da educao

    literria. O primeiro o modelo ingls que tenta inculcar nos estudantes uma gama

    de valores superiores e no apresenta metodologia clara para o ensino da

    literatura; os objetivos e teorias so obscuros e nas perguntas dos textos literrios

    so obtidas quase sempre respostas pessoais. Trata-se de um modelo que visa

    construo de uma subjetividade cultural literria.

    O segundo o modelo brasileiro, o qual se ampara no paradigma positivista

    calcado na historiografia literria, um modelo sistematizado e descritivo, que exige

    o domnio de grandes quantidades de contedo.

    Apesar disso, Cyana (2004) defende a tese de que h semelhanas em

    certas prticas pedaggicas, viso do aluno e produto final desejado entre os dois

    pases.

    A literatura no Brasil e na Inglaterra um assunto estudado no ensino

    mdio, posto que a disciplina mais vasta, variada e indefinida, por isso, os

    departamentos de literatura produzem crtica e teoria e no literatura.

  • No Brasil, a disciplina sempre foi matria obrigatria, enquanto na Inglaterra

    eletiva, mas, em ambos os casos, o perfil educacional da literatura na escola

    requer, alm da interao social e individual dos leitores, o alcance de resultados

    mensurveis. Nesse sentido, os objetivos considerados relevantes tm sido de

    carter utilitrio: ensinam-se tcnicas lingsticas e comunicativas ou valores

    morais e hereditrios.

    Os resultados esperados com o ensino da literatura nos dois pases no se

    preocupam com o carter esttico ou sociocultural, apenas lidam com um carter

    didtico e pedaggico, dotado de um perfil estabelecido para os exames.

    Em um dado momento, a investigadora coloca em discusso a finalidade de

    se estudar a literatura segundo a viso de alguns estudiosos: a de construir uma

    pessoa melhor, segundo F.R. Leavis (apud Cyana, 2004); de levar ao conhecimento

    puro e simples de texto, levando ao domnio da linguagem escrita, como tambm a

    viso de fatos histricos, polticos e sociais, segundo os marxistas.

    Cyana (2004) tambm questiona o motivo de se ensinar leitores a gostar de

    ler literatura e para que se l, estuda e analisa literatura. Se a educao literria

    seria apenas um fator de entretenimento ou exerceria papel relevante no

    desenvolvimento poltico e no autocrescimento de sujeitos sociais.

    Vale dizer que o encontro mediado pela escola entre a criana e a obra

    literria feito de forma bem diferente da mediao feita entre o adolescente e o

    texto literrio. Para o jovem, a experincia escolar se detm no aprender, ficando

    cada vez mais distanciado o prazer e a criatividade literria, com nfase nos

    aspectos formais e menos desafiadores da educao, pois na escola os estudantes

    so encaminhados a produzirem ensaios crticos nas salas de aula inglesas e, no

    Brasil, respondem a exerccios de compreenso memorizada.

    Seu interesse especfico a contribuio da literatura na proposta por um

    currculo melhor, assim como o papel da disciplina na construo de um saber

    relevante para sujeitos sociais, indivduos participantes em uma sociedade

    valorativa.

    1.1 SISTEMAS DE EDUCAO ESCOLAR

  • Houve um tempo em que a experincia escolar foi descrita como um campo

    de treinamento para pontualidade, silncio, ordem, obedincia, campainhas,

    horrio, respeito pela autoridade, rotina, punio, falta de incentivo e freqncia

    regularizada a um local de trabalho. Nesse contexto, a literatura tinha um papel

    voltado para as narrativas particulares.

    Cyana (2004) observa que, apesar de as rotinas e normas de

    comportamento impostas pela escola constiturem um aspecto importante de

    socializao, na educao literria, o currculo de livros didticos, a palavra do

    professor e os planos de aula que desempenham a funo bsica direta de

    influenciar alunos.

    No entanto, ela coloca que os alunos no so internalizadores passivos de

    mensagens preestabelecidas, pelo contrrio, contribuem com as suas vises

    pessoais para a complexidade de transao pedaggica. Dessa maneira, a lacuna

    maior a ser preenchida nas aulas de literatura seria a descoberta de possibilidades

    atravs do exerccio de capacidades crticas na leitura literria. (LEAHY-DIOS,

    2004: XXXII).

    Outro fator constatado em sua pesquisa que tanto os grupos observados

    no Brasil quanto na Inglaterra apresentavam interesses acadmicos e pretendiam

    ingressar na universidade. A maioria dos estudantes de literatura em ambas as

    naes era de mulheres no-brancas de classe trabalhadora. Os referidos

    estudantes observados lutavam por um futuro melhor, colocando suas esperanas

    de ascenso social na aquisio futura de um diploma.

    Os sujeitos escolhidos para este estudo so de classe trabalhadora tanto na

    Inglaterra quanto no Brasil. Representam uma parcela da produo em situao de

    excepcionalidade, ou seja, estudando alm da educao compulsria - idade entre

    quatorze anos no Brasil e dezesseis na Inglaterra.

    A pesquisadora relatou uma experincia bem sucedida num projeto de que

    participou entre os anos de 1986 e 1992, em trs escolas de ensino fundamental

    estaduais, baseado em pedagogias alternativas e usando textos literrios como

    instrumento de autocrescimento pessoal e social e de construo de processos

    democrticos nos anos iniciais da escolarizao. O texto literrio foi tratado como

    elemento importante para o auto-reconhecimento de cada indivduo na biblioteca,

    ajudando a descobrir e valorizar os papis social e poltico de cada pessoa em

    contextos imediatos e mais amplos. Todavia, depois que os alunos deixam as sries

  • iniciais do ensino fundamental, o modelo positivista de reforo cognio

    quantitativa nos estudos literrios dirige o foco de interesse para as estruturas

    formais do texto, colocando o aluno leitor num plano secundrio.

    Cyana (2004) visitou salas de aula na Inglaterra, tentando apreender

    hbitos pessoais e profissionais, alm de ideologias institucionais. Ao voltar para o

    Brasil, depois de um ano e meio de afastamento, em maro de 1995, adquiriu um

    olhar de estranhamento. Seu olhar estrangeiro lhe foi muito importante,

    permitindo ver atos pedaggicos por meio de processos narrativos.

    Aps a reflexo de vrias linhas de pensamento e fundamentao terica,

    percebeu que os paradigmas propostos educao literria foram construdos por

    meio de uma perfeio lgica, mas raramente so postos em prtica em situaes

    de sala de aula, oferecendo um exemplo claro de dicotomia entre pesquisa e

    docncia.

    2. ABORDAGENS METODOLGICAS

    A autora, com um olhar amplo e tangvel realidade que nos circunda, discorre

    sobre as abordagens metodolgicas para concretizar sua pesquisa a partir da

    tentativa de responder a trs questes que permeiam o assunto. So elas:

    Para que se ensina e se estuda literatura?

    Qual o papel social atual da educao literria nas escolas?

    Como podemos fortalecer sujeitos sociais nas salas de aula de literatura?

    Primeiramente foi constatado que, tanto no Brasil quanto na Inglaterra, a

    disciplina literatura aponta para uma interseco com outras disciplinas, ou seja,

    abarcam mais aspectos pedaggicos, crtica literria e estruturas filosficas e

    histricas do que propriamente aspectos literrios, desfocando, portanto, sua

    especificidade. inegvel, atravs da percepo que temos de prticas

    pedaggicas, que no Brasil as aulas de literatura so estudos calcados numa teoria

    histrico-biogrfica sobre questes literrio-pedaggicas. Ao passo que na

    Inglaterra, privilegiado o aspecto pragmtico, forando o estudante a encontrar a

    resposta autntica. Segundo a autora, preciso uma reflexo acerca do

    conhecimento para poder aplicar a teoria prtica com proficuidade.

  • Os focos de interesse da pesquisa nos levaram a pensar que a educao

    literria se apresentou como uma possibilidade de anlise de representaes

    culturais de nossa sociedade, que consequentemente so parmetros para analisar

    a formao e comportamentos dos sujeitos sociais.

    2.1. A PRODUO DE DADOS

    A autora entrevistou um total de quatorze professores de diversos espaos

    socioculturais. Passou por duas escolas pblicas e uma da rede privada no Brasil e

    seis colgios, sendo a maioria no subrbio, na Inglaterra. Observou maior liberdade

    e flexibilidade quanto a sua atuao e horrios nos colgios da Inglaterra.

    As questes foram planejadas de modo que emergisse hbitos de cada

    professor, caractersticas de suas origens e conseqentes hbitos de leitura em

    razo da escolha profissional.

    A fim de efetuar uma pesquisa emprica o mais factual possvel, foi

    necessria uma anlise dos contedos, atravs de plano de aulas, e atitudes em

    sala, observando se havia um comprometimento ideolgico e um engajamento

    poltico, o que tornaria as aulas mais substanciais.

    2.2. ENTREVISTANDO PROFESSORES

    O perfil das questes feitas aos professores revelou intenes interligadas

    bem definidas: constatar, atravs da observao dos hbitos dos docentes, se

    possuem uma formao consistente, tanto conteudista quanto poltica, para

    adequar teorias sua prtica pedaggica, a fim de transmitir ao seu alunado uma

    viso social, poltica, ideolgica, e, sobretudo, crtica do mundo ao seu redor

    atravs do conhecimento literrio.

    As respostas obtidas revelaram que esses professores, escolhidos como

    representantes da classe, adquiriram o gosto pela leitura na infncia. Esquivam-se

  • da teoria para ministrar suas aulas, no tm uma postura politizada, portanto, no

    relacionam assuntos de interesse social ao estudo da literatura. Sentem-se

    insatisfeitos com a falta de conhecimento e estmulo dos alunos.

    2.3. ENTREVISTANDO ALUNOS

    As questes para alunos brasileiros e ingleses foram um pouco diferentes,

    levando em considerao que a disciplina literatura eletiva na Inglaterra e

    compulsria no Brasil e as diferenas curriculares. As perguntas objetivaram revelar

    a reao dos alunos literatura como disciplina de estudo, aos mtodos

    pedaggicos experimentados, suas preferncias acadmicas, sugestes para o

    ensino da literatura, e verificar sua participao na agenda poltica do pas.

    As respostas mostraram que os estudantes ingleses no davam a devida

    importncia disciplina, considerando-a menos difcil e mais divertida que as

    outras. Estavam desapontados com o excesso de contedo e metodologias

    apassivadoras. Se fossem professores, utilizariam mtodos mais dinmicos e

    incluiriam textos mais interessantes.

    As respostas dos alunos brasileiros apontam para uma grande semelhana

    de posies ideolgicas com os estudantes ingleses, bem como as prticas

    pedaggicas e metodolgicas do sistema educacional. A literatura simplesmente

    no era a disciplina favorita dos alunos, devido ao mtodo cansativo e os contedos

    memorizveis. Os alunos brasileiros declararam a inteno de cursar uma

    universidade, mas reconheceram suas chances escassas de passar em uma, o que

    deixa evidente a discrepncia econmica em relao a um pas do primeiro mundo,

    em que o ensino superior uma realidade mais tangvel. Quanto aos vestibulares,

    se decepcionaram menos com o contedo calcado na histria e na lngua que com a

    carga horria reduzida para tanta matria, a leitura dos cnones exigidos pelos

    programas das universidades e metodologia apassivadora.

    3.2. O NOVO OLHAR SOBRE O SISTEMA

  • Cyana volta com um novo olhar aps um ano e meio na Inglaterra; se

    depara com a crise da educao, que se agravara em virtude dos salrios dos

    docentes, mais baixos do que nunca, e com a proposta do governo de aumentar o

    tempo mnimo de trabalho para aposentadoria dos professores. Ameaados, muitos

    deles pediram aposentadoria antes que a nova lei entrasse em vigor, fazendo com

    que os salrios fossem ainda mais reduzidos e os investimentos com a educao

    das massas fossem ainda mais limitados.

    Ela visitou trs escolas aqui no Brasil, s quais chamou de Escola A, Escola

    B e Escola C. A primeira era uma escola estadual, cujo turno da manh era,

    basicamente, formado por alunos egressos de escolas particulares, e turno da noite

    freqentado por alunos de baixa renda.

    A Escola B era um colgio vocacional de habilitao para o magistrio de

    ensino fundamental. O alunado era semelhante aos alunos da Escola A em relao

    ao nvel socioeconmico, porm, o que diferia era o perfil do corpo docente e das

    alunas.

    A escolha da Escola C, uma instituio da rede privada muito bem

    conceituada, foi motivada pela necessidade de se conhecer as razes pelas quais

    tantos alunos eram aprovados nos vestibulares das universidades federais.

    Frente a essa investigao nas trs escolas, conclui-se que havia mais

    semelhanas que diferenas entre as Escolas A e C. A diferena se constitua no

    mbito cultural e socioeconmico, e, muito pouco, no intelectual ou acadmico.

    Havia tambm a questo do status social: manter um filho na escola particular

    garantia de melhor qualidade de ensino e uma grande possibilidade de ingresso nas

    universidades, situao que a escola pblica no garante..

    4. ESCOLA A

    Fundada em 1835, no centro histrico da cidade, a escola mantm a

    imagem tradicional de ensino pblico no Estado, dotada de um perfil voltado

    orientao acadmica. Os alunos, num passado no to remoto, procuravam obter

    um desempenho acima da mdia nos vestibulares para universidades pblicas, e os

  • professores de uma total seriedade e competncia profissional. Nessa poca, a

    escola sofria de uma crise de investimentos imposta pelo governo estadual

    educao em geral.

    A situao ainda se agravava, por no ter tido nos ltimos dez anos,

    coordenao de lngua e literatura. Cyana (2004) observou que os alunos do turno

    da manh trabalhavam com um livro didtico, enquanto tarde, a ciso entre

    professores era visvel na utilizao de diferentes materiais, inclusive apostilas de

    outros colgios. Os professores da noite apenas liam e estudavam textos esparsos

    com os discentes, reflexo das diferenas socioeconmicas entre o alunado dos trs

    turnos.

    Foi possvel perceber que no era alcanado nenhum consenso entre os

    professores em relao aos materiais didticos, devido falta de comunicao, no

    porque se negavam a isso, mas por trabalharem em turnos diferentes.

    Ela percebeu grandes diferenas de contedo e estratgias de ensino de

    literatura. Em seis aulas observadas, um dos professores utilizou textos esparsos

    para compreenso textual, mesclando teoria da comunicao com anlise sinttica,

    figuras de discurso e lingstica, sem muita conexo entre os textos e o material

    escolhido, apresentado de forma linear, generalizada e superficial.

    Nas aulas de outra professora, seguia-se fielmente o livro didtico, sem

    variao do programa. Explanou acerca das caractersticas da prosa e da poesia do

    sculo XIX, oferecendo apenas as informaes contidas no livro. Certo momento,

    uma aluna discordou da resposta dada a uma das questes de interpretao de

    texto e ficou evidente o seu despreparo tcnico-cientfico; a professora no foi

    capaz de mencionar outro autor, muito menos utilizar referencial terico-literrio, a

    fim de estimular a discusso e levantar outros pontos.

    Ambos os professores mostraram-se inseguros quanto ao desempenho

    tcnico-pedaggico e conhecimento lingstico-literrio. O primeiro tratava seus

    alunos como aprendizes passivos, cujas vozes so desnecessrias. A segunda dava

    explicaes claras e lineares com diversos exemplos, mantendo conexes entre os

    textos, perodos, e gneros literrios, porm, mastigava as informaes para

    facilitar a apreenso do conhecimento pelos alunos.

    Os alunos permaneciam silenciosos, semi-adormecidos e passivos. Durante

    a entrevista, a professora disse ser uma profissional dedicada, tentando dar o

  • melhor de si. Acredita que ensinar um ato de amor maternal que dispensa

    engajamento poltico.

    Os professores observados na Escola A em geral manifestaram a angstia

    perante os salrios baixos, as dificuldades materiais, as instalaes fsicas, e a

    pobreza generalizada de recursos. Por outro lado, outros professores mostravam

    certo alvio pedaggico com o retorno das classes mdias s escolas pblicas, j

    que possuam um nvel cultural mais elevado que facilitava suas prticas docentes.

    Nessa escola, as turmas observadas comportavam, em todas as salas, mais

    alunas que alunos, forte indicador de hegemonia no aspecto gnero.

    Segundo os professores, a composio socioeconmica dos alunos era de 60

    a 70% pertencentes classe mdia, egressos de escola privada. No

    entanto, h uma confuso, visto que, durante as entrevistas, ficou

    claro que 4/5 do alunado morava em bairros perifricos de baixa

    renda.

    Para a estudiosa, a explicao que os docentes cada vez mais carentes

    tendiam a supervalorizar o poder aquisitivo dos estudantes, classificando-os como

    economicamente privilegiados.

    Nas entrevistas, os alunos em geral lastimavam a ausncia de interao nas

    aulas, pois somente se limitavam a responder s perguntas formais feitas pelo

    professor. Dessa maneira, percebe-se a insatisfao dos alunos, que rejeitam a

    superficialidade dos contedos no problematizados e declaram enfadonho o

    simples copiar do quadro nos cadernos.

    4.1. ESCOLA B

    A escola B um curso tradicional de formao de professoras primrias, que

    at os anos sessenta atendia s classes mdias da populao local, todavia, nas

    dcadas recentes, passou a receber uma clientela de classe trabalhadora.

  • O programa se caracterizava por treinamento pedaggico tecnicista e

    pragmtico. A nfase era voltada para as qualidades pessoais, como a paixo pelas

    criancinhas, instinto maternal, ou seja, predominncia de abordagens sensorial e

    emocional da palavra e do universo social, em detrimento da produo de

    conhecimento cognitivo mais profundo.

    Nessa escola, a educao literria oferecida, de acordo com os

    entrevistados, refora a ausncia de discusso acerca da educao literria, o que

    reduz a apropriao dos instrumentos crticos-tericos que possibilitariam s

    alunas-mestras a responsabilidade por sua prpria educao.

    Todos os anos, centenas de alunas da Escola B so formadas como

    professoras de ensino fundamental, contudo repetem o mesmo modelo aprendido,

    utilizando a pedagogia acrtica com outra gerao. Trata-se de professoras

    primrias com pouca leitura, alienadas do compromisso profissional com a justia

    social.

    O programa, to vasto quanto o da Escola A, refora a ausncia de

    criticidade e engajamento poltico. Os professores seguiam o contedo de acordo

    com o programa guiados pelo livro didtico, somente uma se permitia abordar

    literatura infantil, fora do componente curricular, porm sem profundidade, pouco

    crtica e superficial devido a carncia de fundamentao terica.

    Embora os trs professores entrevistados fossem bem intencionados,

    transmitiam o contedo de forma tradicional, superficial e desinteressante para os

    alunos, que no encontravam sentido nas atividades propostas por eles, e,

    portanto, no se envolviam.

    Os trs professores atriburam culpa de suas dificuldades profissionais ao

    baixo nvel cognitivo das alunas para proficincia de leitura e experincia literria.

    A pesquisadora julga o esforo dos professores insuficiente para substituir o

    aparente descomprometimento sociopoltico.

    Por fim, a estudiosa julga as alunas extremamente imaturas, ignorantes da

    problematizao social, reprodutoras do modelo de memorizao de contedos e

    incapazes de olhar e ver, ler e refletir, criar ou discutir conhecimentos conceituais.

  • 4.2. ESCOLA C

    Uma das poucas diferenas entre a escola da rede privada e da rede

    pblica eram os salrios pagos aos professores, a assiduidade e pontualidade

    destes, bem mais rigorosas na escola particular e, conforme j dito, o perfil social,

    cultural e econmico dos alunos.

    O programa de literatura da escola particular era mais extenso, detalhado,

    com reflexes pedaggicas e filosficas. Porm, a prtica pedaggica s vinha a

    confirmar que teoria e prtica eram dissociveis at mesmo numa instituio

    conceituada e cara como aquela.

    As aulas seguiam o contedo do livro didtico, sem problematizaes,

    seguindo-se desde leitura silenciosa at exerccios de fixao. O aspecto bio-

    histrico em relao aos perodos histricos era ainda mais incisivo que nas escolas

    A e B.

    Um professor, que tambm trabalhava na rede pblica, comentou sobre

    algumas adversidades encontradas e o esforo em atender as necessidades de

    acordo com cada clientela. Acerca da viso poltica dos alunos do ensino mdio,

    nesse caso, da escola pblica, disse que tentava prepar-los para aprofundar

    conceitos literrios, mas sabia que era incua qualquer tentativa de transformao

    ideolgica, uma vez que alguns se consideravam alvos de preconceitos raciais e

    socioculturais. Duas outras professoras, comparando seus alunos da Escola A e da

    C, constataram que estes apresentavam uma viso poltica radical e unilateral dos

    problemas sociais, enquanto os da Escola A eram mais flexveis.

    Essas mesmas professoras foram indagadas quanto a uma possvel

    mudana no ensino de literatura. Elas sugeriram um comprometimento cultural

    maior, uma transmisso de conscincia da sua importncia atravs de um ano para

    iniciar essas questes de relao.

    Em relao s queixas, elas no diferiam em quase nada: as dificuldades

    de adaptar teorias literrias s prticas pedaggicas devido aos limites de tempo

    para to vasto contedo, a preguia dos alunos, o desinteresse geral, a

    resistncia leitura. No entanto, no levavam em considerao que suas aulas

    cansativas, passivas, desinteressantes, testemunhadas por Cyana, eram o que

    desencadeavam a displicncia dos alunos.

  • Uma delas, inclusive, fez uso de uma justificativa colonialista: faltava a

    competncia de leitura, o saber literrio e o interesse em ler os clssicos por

    serem, antes e acima de tudo, cidados de Terceiro Mundo (LEAHY-DIOS, 2004:

    68).

    Conceitos como esses, arraigados na mentalidade de muitos professores,

    impedem que reconheam sua prtica como reflexo das polticas educacionais,

    cujas competncias vo alm de prticas docentes, pois carregam consigo o poder

    transformador dentro de uma sociedade, determinando quo polticos e ativos

    sero os sujeitos inseridos nela.

    5. CONSIDERAES FINAIS

    A pesquisadora conclui sua investigao tecendo algumas consideraes

    sobre as prticas observadas e as vantagens e desvantagens do livro didtico,

    principal e nico instrumento didtico do professor. Ela afirma que facilita a prtica

    dos professores, contribuindo para que os alunos sejam menos dependentes de sua

    palavra, que outrora se fazia detentor total do saber; entretanto, certo e visvel

    que enfraquece interesses e limita investigaes, decepando a autonomia tanto do

    professor, quanto do aluno.

    Ademais, o sistema educacional fruto de polticas pblicas pouco

    eficientes, que no privilegia e estimula a criatividade e a liberdade, mudanas

    nesse aspecto seriam fundamentais para gerir um sistema educacional preocupado

    de fato com a formao do ser humano como um todo.

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    LEAHY-DIOS, Cyana. Educao literria como metfora social desvios e

    rumos. So Paulo: Martins Fontes, 2004.