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Violência contra mulher como uma expressão da desigualdade de gênero

Título: Mulheres com deficiência, uma barreira a mais para ser superada

nos casos de violência e desigualdade de gênero.

Jaqueline Volotão

Bruna Catalan

Resumo

O presente artigo tem o intuito de trazer a realidade das mulheres com deficiência que estão em situação de violência de gênero e suas dificuldades para conseguir se libertar do ciclo de violência e encontrar apoio na rede de atendimento.

As barreiras encontradas por esse público vão muito além de suas limitações físicas ou mentais, se deparam com a desigualdade de gênero, descredibilidade e vitimização.

Introdução

A violência contra mulher é uma violência considerada de gênero e, de fato, um tema muito discutido na atualidade, possuindo um avanço em grande escala desde que a Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006 até os dias atuais com a nova Lei 14.022 de 07 de julho de 2020, que dispõe de medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, incluindo as mulheres com deficiência.

Vivemos em uma sociedade que o processo de diferenciação entre gêneros não acontece de forma anatômica, mas por ser uma sociedade tradicionalista e patriarcal, onde as mulheres são consideradas extensão das posses e da honra de “seus homens”, estabelecendo a desigualdade de valor entre as pessoas. Assim, ainda possuímos discursos onde à manifestação da violência masculina é sinônimo de virilidade e superioridade frente ao sexo frágil (mulher).

A violência contra mulher acontece de forma maioritária no seu convício familiar, sendo praticada por pessoas com forte vínculo afetivo, tornando muita mais difícil para uma tomada de decisão, seja sobre denuncia ou rompimento do ciclo de violência. Para uma mulher com deficiência as barreiras são ainda maiores, pois precisam ultrapassar suas limitações físicas para que ocorra essa tomada de decisão.

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Quando afirmamos que a violência contra a mulher é uma desigualdade de gênero, estamos afirmando também que as mulheres estão em relações desiguais na sociedade, sendo caracterizada pela injustiça social. Nesse momento fica o questionamento de qual a melhor maneira para se combater essa desigualdade social imposta pela sociedade patriarcal?

Vamos pensar um pouco mais sobre essa desigualdade quando pegamos um público ainda mais descriminado, as mulheres com deficiência. Como é para essas mulheres romper um ciclo de violência, conseguir realizar uma denúncia ou mesmo ter acesso às redes de atendimento para mulher, ultrapassando as barreiras de suas limitações?

Objetivos

Analisar as dificuldades encontradas pelas mulheres com deficiência em situação de violência de gênero e suas desigualdades sociais.

Específicos:

- conhecer as possíveis contradições e entraves na garantia de direitos e de proteção as mulheres em situação de violência portadoras de deficiência.

- identificar a atuação da rede de atendimento para as mulheres em situação de violência

Justificativas

A história nos mostra como é recente as conquistas das mulheres no mundo. Apenas em 1948 conseguimos o direito ao voto, sendo o grande avanço para que a sociedade olhasse para mulher como parte do todo. Com esse ponta pé inicial algumas convenções sobre direitos políticos, civis, de igualdade, entre outros, da mulher começaram a surgir e modificar a postura da mulher na sociedade.

Mas todos esses avanços não eliminaram os abusos e violências que as mulheres sofriam, sendo necessário uma Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará em 1994. Essa convenção definiu a violência contra mulher sendo “qualquer ato ou conduta baseado nas diferenças de gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher”. Após essa Convenção ocorreram muitas mudanças nas leis brasileiras sendo a mais conhecida como Lei Maria da Penha.

Pensando nas mulheres com deficiência que sofrem violência de forma mais peculiar e não comum as mulheres sem deficiência, temos como justificativa desse trabalho mostrar as diferentes formas de violência, discriminação e desigualdade de gênero sofridas por elas, e suas dificuldades

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em romper o ciclo de violência e ter acesso aos serviços da rede de atendimento.

Metodologia

Esse artigo possui um caráter qualitativo. Seu recorte temporal ocorre no

período em que ocorre a proposta da Lei 11.340 de 2006, conhecida

popularmente como Lei Maria da Penha, até os dias atuais com a nova Lei

14.022 / 2020.

Inicialmente, propõe-se a realização de uma pesquisa exploratória a

partir de levantamento bibliográfico (teses, seminários, artigos publicados sobre

o tema) e documental (normativas da esfera nacional e estadual), com vistas a

proporcionar maior aproximação com o objeto pesquisado.

Conseguimos o levantamento quantitativo de atendimentos realizados

entre os anos de 2018 e 2019 através do disque 100 e no Núcleo de

Atendimento as Mulheres Vítimas de Violência de Gênero da Defensoria

Pública do Rio de Janeiro.

1. As Leis de proteção à mulher e seus avanços

1.1 - Lei Maria da Penha

A Lei 11.340 de 2006 chega a nossa sociedade com propósito nobre de eliminar todas as formas de discriminação contra a mulher, prevenir, punir e erradicar a violência de gênero, criando mecanismos no Código De Processo Penal para o cumprimento da Lei.

Seus artigos são voltados para assegurar a mulher vítima de violência de doméstica seus direitos básicos e fundamentais para sua restruturação na sociedade. Garante o desenvolvimento de políticas públicas para resguardar a integridade dessa mulher vitimada, propõe medidas de prevenção, incluindo, também, como a autoridade policial deverá conduzir tomar as devidas providências cabíveis.

O art. 2 trás em sua descrição que a Lei vigente atende qualquer tipo de mulher, visando assegurar as oportunidades e facilidades para viver sem violência, além de preservar sua saúde física e mental.

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Consideramos importante destacar o art. 7 dessa Lei, que trás as diferentes formas de violência de gênero:

I- a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

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V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A Lei Maria da Penha também trata da assistência à mulher em situação de violência, promovendo uma integração entre o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Segurança Pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação. Destaca a importância de promoção dos estudos e pesquisas, para avaliar os resultados das medidas tomadas com uma periodicidade.

O art. 8 também merece destaque em seus incisos que falam sobre a promoção de programas educacionais, atendimento policial especializado para as mulheres e a promoção de realização de campanhas educativas de prevenção da violência contra a mulher.

Quando a mulher consegue chegar algum órgão da rede de atendimento com a denuncia, é realizado encaminhamento para Medida Protetiva de Urgência, podendo ser solicitado na própria Delegacia de Polícia ou na Defensoria Pública. Nesse momento entra o art. 22, onde o juiz pode aplicar sanções restritivas ao agressor, como exemplo e mais comum em sua aplicabilidade, é o distanciamento da ofendida e seus familiares por qualquer meio de comunicação.

1.2 - Lei do Feminicídio

A Lei 13.104 de março de 2015, altera o art. 121 CPP, para prever o feminicídio como crime hediondo, qualificando o homicídio contra a mulher por sua perspectiva de gênero.

É considerado Feminicídio quando a tentativa ou as vias de fato são originadas por condições de violência doméstica, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Constatado a causa do crime ou de sua tentativa, a pena é aumentada em 1/3 (um terço) até a metade se for praticado contra as mulheres gestantes ou puérperas, meninas com menos de catorze anos e maior de sessenta anos, ou com deficiência.

Assim a Lei do Feminicídio não incluiu um crime novo no Código Penal Brasileiro, e sim condicionou um agravante ao crime de homicídio, transformando a pena maior conforme as circunstâncias do crime praticado.

As mortes em razão de gênero são comuns no mundo inteiro, devido à discriminação estrutural, desigualdade de gênero e de poder, que torna a mulher inferiorizada e subordinada aos homens na visão patriarcal das sociedades em geral. O Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos

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Humanos (ACNUDH) aponta o Brasil como 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio.

1.3 - Lei Nº 13.836

Essa Lei veio para acrescentar o art.12 da Lei Maria da Penha, onde torna obrigatória a informação sobre violência contra mulher portadora de deficiência vítima de violência doméstica. Isso quer dizer que ao realizar a denuncia em rede policial, é obrigatório acrescentar o inciso IV, onde informa a condição da vitima como pessoa portadora de deficiência ou que agravou sua deficiência preexistente.

A Lei entrou em vigor em 4 de junho de 2019, possibilitando, entre outras coisas, quantificar as mulheres portadoras de deficiência que conseguem realizar a denuncia sobre a violência sofrida. Assim como no registro de ocorrência deve conter a informação do inciso, na solicitação de Medida Protetiva também deve conter, alertando assim, o juiz que vai determinar a sentença do agressor.

2. Ciclo da violência doméstica

O Instituto Maria da Penha identifica o ciclo da violência em três fases distintas: aumento da tensão, o ato de violência e o ultimo como arrependimento e comportamento carinhoso.

Na primeira fase, o homem apresenta um comportamento tempestivo, mostrando-se irritado, podendo começar a realizar ameaças e quebra de pequenos objetos que a mulher estima. O comportamento da mulher costuma ser retraído, evitando inflamar a raiva do companheiro, mesmo que o medo tome conta de seus pensamentos. É nessa fase que a negação dos fatos ocorre, pelo simples desejo de não acreditar que realmente está acontecendo com ela, buscando justificativas em seu comportamento que justifique as reações do parceiro.

Essa primeira fase não possui um tempo pré-determinado, podendo durar horas, dias ou anos para chegar à segunda fase. É no ato de violência, o que chamamos de segunda fase, que a agressão ocorre, pois o homem não consegue mais controlar seu comportamento violento. A mulher se sente paralisada com a atitude final, e sem conseguir reagir ao ato de violência seus sentimentos tornam-se um misto de ódio, solidão, vergonha e dor.

Sem sombra de dúvidas, essa é a fase mais delicada para a mulher, onde suas reações são completamente adversas, ou seja, cada mulher pode reagir de formas diferentes, como procurar ajuda, se esconder ou mesmo se matar. Essa tomada de decisão depende exatamente do tempo que a primeira fase durou e o que ela sofreu (violência verbal, psicológica, patrimonial).

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Quando a terceira fase chega, onde o homem mostra-se arrependido do que fez, com comportamento amável na tentativa de reconciliação. A mulher, mesmo que desconfiada, aceita a reconciliação com as lembranças dos momentos bons que tiveram juntos. Essa aproximação com estreita a relação de dependência entre vítima e agressor.

Assim como na primeira fase não temos como precisar o tempo, a terceira fase também não temos como mensurar quanto tempo demora para que volte a acontecer os episódios da primeira fase, concretizando o que chamamos de ciclo de violência doméstica.

O ciclo pode ser rompido em qualquer fase, sendo mais comum o seu rompimento após um longo período da fase um e na fase dois. Isso acontece após a mulher já ter passado por mais de uma vez nesse ciclo completo.

Esse ciclo é muito mais difícil de ser rompido quando falamos de mulher com deficiência, justamente pelo fato da dependência dessa mulher aos laços familiares, seja por sua sobrevivência financeira ou emocional. Seus sentimentos são parecidos com das mulheres sem deficiência, porém o medo e a ansiedade são mais fortes e aflorados nas duas primeiras fases.

É na primeira fase do ciclo para a mulher com deficiência que ocorrem as diferentes formas de violência que as mulheres sem deficiência não passam, como será mencionado nesse artigo.

3. Mulher portadora de deficiência – suas barreiras contra a violência

O artigo 4º do Decreto nº 3.298 de dezembro de 1999, cogita pessoas com deficiência que se enquadre dentro de cinco características:

Deficiência física

Deficiência auditiva

Deficiência visual

Deficiência múltipla

Deficiência menta

Partindo dessas definições, vamos focar nas mulheres portadoras de deficiência que sofrem e sofreram violência de gênero, familiar e doméstica. Existe a dificuldade de conseguir tornar visível a violência sofrida por esse grupo de mulheres, devido à tolerância da sociedade quanto à violência praticada dentro da privacidade do lar.

As mulheres portadoras de deficiência sofrem discriminação baseada na deficiência, onde aumenta a incidência de maus-tratos e abuso, incluindo abuso sexual. Assim podemos afirmar que existe um subconjunto baseado no

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gênero e na deficiência. O encontro desses fatores aumenta a vulnerabilidade das mulheres com deficiência.

Algumas violências sofridas por mulheres com deficiência são diferentes das mulheres que não possuem deficiência, tendo como exemplo tratamentos médicos de natureza intrusiva ou administrados sem o consentimento livre, constituindo como forma de tortura ou tratamento cruel.

A International Network of Women with Disabilities (INWWD), de 2011, mostra tipos de violência característicos de violência contra mulheres com deficiência, como o isolamento forçado, institucionalização forçada, negação das necessidades e negligência, colocação de mulheres em desconforto físico ou em situações constrangedoras, entre outros. Essas maneiras de violência, mulheres sem deficiência não sofrem.

Não estamos vitimando as mulheres com deficiência, nosso objetivo é mostrar que a vulnerabilidade dessas mulheres é muito maior do que as que não possuem deficiência, e a forma dos maus tratos também aumentam. Com isso, as mulheres portadoras de deficiência possuem barreiras maiores a serem enfrentadas para o rompimento do ciclo de violência.

A rede de enfrentamento para mulheres vítimas de violência atende de forma adequada as mulheres que não possuem deficiência. Aquelas que possuem qualquer tipo de deficiência passam por dificuldades na acessibilidade dos profissionais, entendimento de sua denuncia e até mesmo credibilidade do acontecimento.

No Congresso realizado pelos 16 dias de Ativismo do ano de 2019, foi mencionados relatos de mulheres portadoras de deficiência mental que tentou por várias vezes realizar uma denuncia em sede policial de abuso sexual e não foi dado credibilidade. Essa mulher passou pela unidade de saúde, abrigo e sempre procuravam a sua família para o restabelecimento ao lar. O problema estava justamente em seu ambiente doméstico. Ela sofria abuso sexual desde 11 anos de idade por seu próprio pai.

Outro exemplo foi citado, onde uma mulher portadora de deficiência auditiva, onde se comunicava apenas por libras, estava grávida de gêmeos e não sabia, pois nenhum profissional informou sobre sua gestação. No momento que deu a luz, parou de fazer força quando o primeiro saiu, e não conseguiu entender que era para continuar o trabalho de parto, sofrendo uma violência institucional.

De fato, algumas mulheres portadoras de deficiência podem não entender a violência sofrida por considerar uma normalidade em suas vidas. Para que isso não ocorra, o formato de informações sobre a violência deve ser acessível a todos os tipos de deficiência.

A rede de atendimento a mulher precisa sensibilizar os profissionais para o atendimento as mulheres com deficiência e entender suas particularidades

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devido as diferentes formas de deficiência e dificuldades de expressar a violência sofrida.

Pensar nas barreiras encontradas pelas mulheres com deficiência engloba fatores que vão além das informações sobre tipos de violência, acessibilidade à rede de atendimento, mas como essa mulher vai sobreviver sem o auxilio do(s) agressor(es). Sua dependência financeira e dos cuidados específicos de algumas deficiências a tornam presas ao ciclo de violência, não conseguindo encontrar saída para sua liberdade.

A rede de atendimento acaba se limitando ao atendimento psicológico e de saúde dessas mulheres, pois a inclusão ao mercado de trabalho não ocorre com a mesma facilidade que as mulheres sem deficiência. Acrescento que essa inclusão ao mercado de trabalho não é realizada de forma simples e rápida, entendendo realidade vivida em nosso estado quanto ao trabalho.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, (Lei Nº 13.146 de 2015), é destinada, entre outras coisas, a inclusão das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, obrigando as empresas preparar ambientes acessíveis para as diferentes formas de deficiência. A Lei 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, obriga as empresas a contratarem pessoas com deficiência em seu quadro de funcionários. Essa Lei é de suma importância para as pessoas com deficiência, porém é ampla para homens e mulheres, não sendo exclusiva para as mulheres e nem para mulheres que foram vítimas de violência.

De acordo artigo da revista virtual Exame.com, publicado em outubro de 2014, extraiu dados do IBGE de mulheres com deficiência e sua dificuldade na inserção no mercado de trabalho. O IBGE informa que existem mais mulheres que homens com algum tipo de deficiência leve ou severa, porém, as mulheres deficientes ativas economicamente são menos da metade dos homens deficientes.

A discriminação da mulher deficiente é muito maior do que o homem deficiente. Assim como as empresas preferem, de forma implícita, a contratação por homens do que por mulheres, pelos mesmos motivos, a contratação de homens deficientes é superior das mulheres deficientes.

As mulheres com deficiência sentem-se desvalorizadas pela sociedade devido à falta de oportunidades para desempenhar papéis tradicionais disponíveis para as mulheres sem deficiência. A falta de respeito pela pessoa com base em sua deficiência são atos de violência e de discriminação.

4. Núcleo Especial de Direito da Mulher e de Vítimas de Violência de Gênero (NUDEM)

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro realiza atendimento as mulheres vítimas de violência de gênero há quase 22 anos através do NUDEM, incluindo as mulheres com deficiência.

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O Núcleo contem uma equipe especializada em atendimento as mulheres vítimas de violência, com a presença de Defensor(a) Público(a) exclusivo para o órgão e uma equipe técnica (assistente social e psicóloga) para que possa dar o suporte a toda necessidade da mulher que chega para o atendimento.

O atendimento é realizado de acordo com a necessidade da mulher, seja para orientação jurídica e realização de processos referentes à guarda e regulamentação de visita de seus filhos, alimentos, divórcio, queixa-crime, indenização, entre outras ações, ou encaminhamentos para rede de atendimento para que possa dar o suporte psicossocial dessa mulher que é vítima de violência de gênero.

A estrutura física do Núcleo é adaptada para que possa receber mulheres com deficiência. Para as mulheres portadoras de deficiência auditiva, recebemos parceiros da rede de atendimento para que possa identificar a real necessidade daquela mulher e seguir com atendimento de forma adequada.

Em quase dois anos como servidora pública atuante neste Núcleo, eu, Jaqueline Volotão, recebi poucas mulheres com deficiência (menos de cinquenta) necessitando de atendimento jurídico por terem sofrido violência doméstica ou de gênero. Isso só aumenta a certeza de que as mulheres deficientes possuem grandes dificuldades para conseguirem romper com o ciclo da violência e se tornarem livres de seus agressores.

O total de atendimento realizado pelo NUDEM entre os anos de 2018 e 2019 foram de aproximadamente 6 (seis) mil mulheres vítimas de violência, porém o atendimento as mulheres portadoras de deficiência não possuiu um número que pudesse justificar uma estatística.

5. Redes de atendimento presencial

A mulher vítima de violência possui uma rede de atendimento

especializada com atuação focada em auxiliar a mulher na ruptura do ciclo de

violência. A nível nacional existe a Secretária de Políticas para as Mulheres

(SPM) junto a Presidência da República, criada em 2003, responsável pelas

diretrizes do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres,

assim como a constituição e fortalecimento compreendido no I e II Planos

Nacionais de Políticas para as Mulheres (PNPM).

Após a criação dessa Secretária que pode fortalecer a rede de

atendimento a mulher nos Estados e Municípios, onde também criaram suas

secretárias e formas de atendimento para esse público, de forma a atender as

estratégias e articulações previstas na Lei Orgânica da Assistência Social,

entre outras normas e políticas de proteção emergencial.

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Todo município é obrigado a ter ao menos um Centro de Referência de

Assistência Social (CRAS) e Centro de Referência Especializado de

Assistência Social (CREAS), sendo pertencente da Secretária Municipal de

Desenvolvimento. O CREAS atende de forma especializada pessoas que tem

situações comprovadas de risco, ou seja, vítimas de violência.

O Centro Integrado de Atendimento à Mulher (CIAM) e o Centro

Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), foram criados para atender as

mulheres vítimas de violência de gênero, podendo analisar os casos de

necessidade de abrigamento. Eles não são presentes em todos os municípios,

assim como não são todas as cidades que possuem um Conselho Municipal

dos Direitos da Mulher, sendo incorporados pelas Secretarias Municipais de

Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH).

Assim, a mulher vítima de violência, seja ela com ou sem deficiência

pode procurar as instituições que o município de sua residência possui, além

das delegacias e das DEAMs, em busca do auxílio policial, assistencial e

jurídico. Todo município possui uma Defensoria Pública atuante para os casos

de violência doméstica, mesmo que não possua um Juizado próprio para o

tema.

6. Dados quantitativos

Buscamos como fonte de dados quantitativo de atendimento as

mulheres deficientes vítimas de violência de gênero os canais de denuncia

como o disque 100.

Através do disque 100, limitamos as denúncias realizadas no Estado do

Rio de Janeiro, conforme estipulado no recorte do artigo. Abaixo segue o

quadro completo de atendimentos no Brasil no ano de 2018, destacando os

atendimentos no Estado do Rio de Janeiro de forma mensal e totalitária.

Disque 100 - Ano 2018 - Número de denúncias de Pessoa com Deficiência por UF, por mês

UF JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ TOTAL %

AC 1 2 4 4 5 3 7 3 3 7 2 1 42 0,36%

AL 8 14 10 8 9 14 7 23 23 23 19 11 169 1,44%

AM 15 13 11 10 9 9 12 15 19 13 12 6 144 1,23%

AP 1 2 4 3 3 3 2 18 0,15%

BA 69 53 44 50 47 66 78 78 62 76 74 67 764 6,50%

CE 39 22 34 33 37 39 48 40 41 33 45 17 428 3,64%

DF 13 20 15 17 18 15 19 31 12 26 18 17 221 1,88%

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ES 36 14 21 22 23 25 29 25 27 12 24 18 276 2,35%

GO 33 23 18 28 25 26 14 31 44 31 21 19 313 2,66%

MA 24 20 14 11 20 29 23 24 20 24 23 21 253 2,15%

MG 141 106 127 116 133 119 160 171 192 159 130 137 1691 14,39%

MS 13 12 14 18 16 23 10 26 20 22 11 13 198 1,68%

MT 10 5 8 7 7 9 3 14 8 11 6 9 97 0,83%

PA 10 17 14 12 23 18 18 19 21 25 15 23 215 1,83%

PB 20 17 19 33 20 13 24 41 32 26 32 26 303 2,58%

PE 35 41 37 34 30 42 45 52 42 38 51 45 492 4,19%

PI 12 10 17 17 16 20 23 21 8 15 13 19 191 1,63%

PR 42 32 39 49 31 37 27 48 42 49 41 38 475 4,04%

RJ 116 89 103 119 93 94 125 121 114 133 126 116 1349 11,48% RN 23 20 19 23 19 19 21 29 19 32 21 19 264 2,25%

RO 5 8 8 4 4 3 4 9 5 5 11 10 76 0,65%

RR 3 1 1 1 3 2 1 2 14 0,12%

RS 49 38 36 40 36 47 43 68 51 54 58 42 562 4,78%

SC 22 36 24 34 35 19 26 35 44 37 28 29 369 3,14%

SE 10 8 12 10 11 9 14 14 15 11 15 12 141 1,20%

SP 204 201 221 206 202 202 193 245 265 239 244 212 2634 22,41%

TO 4 4 6 3 4 2 2 3 8 4 4 2 46 0,39%

NA 1 1 1 1 1 1 1 7 0,06%

TOTAL 958 829 876 908 879 906 981 1192 1138 1107 1049 929 11752 100,00%

Em 2019, o disque 100 recebeu 1,4 mil denuncia de violência contra

mulheres com deficiência somente no Estado do Rio de Janeiro, um aumento

considerável em apenas um ano.

Esse serviço de denuncias é um ponto de apoio para as mulheres

vítimas de violência, incluindo as mulheres deficientes, pois conseguem filtrar

os atendimentos específicos formulando estatísticas que servem para

formulação de políticas públicas voltadas para o público estudado.

Os dados apresentados pelo serviço de denuncias do Ministério da

Mulher apontam que as mulheres com deficiência mental são as mais atingidas

pelas violações, seguindo das deficientes física, intelectual, visual e auditiva,

em seus ambientes intrafamiliar.

Nesses dois anos de recorte quantitativo, a negligência é a violação

mais denunciada através do serviço de denuncia pesquisado, seguindo da

violência psicológica, física, abuso financeiro e violência institucional. Esse

dado nos permite afirmar que a violência sofrida entre mulheres com

deficiência é maior do que das mulheres sem deficiência.

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7. Conclusão

Em entrevista com a antropóloga e militante Viviane Farias, que faz

parte de várias redes de atendimento a mulher, informa que não existe um

levantamento oficial de como as mulheres portadoras de deficiência se sentem

com o atendimento prestado pelas instituições destinadas ao atendimento às

mulheres vítimas de violência, porém, seu olhar através das redes sociais, que

é um espaço de pesquisa etnográfica, observa relatos das dessas mulheres

diante das dificuldades pelo despreparo dos profissionais de segurança

pública, de saúde e até mesmo da assistência social.

Os profissionais que realizam atendimento direto as mulheres precisam

ter um preparo maior para entender que a violência sofrida por cada uma

possui pesos diferentes, e não há necessidade de julgamento e sim auxilio

para garantir que seus direitos sejam preservados. E quando se trata de mulher

com necessidades especiais, esse atendimento precisa ser ainda mais sensível

as suas demandas, buscando compreender seu contexto de vida.

Assim, além de uma preparação especializada ao profissional que

atende as mulheres em situação de violência, precisamos que a rede de

atendimento seja divulgada de forma massiva, onde a informação do

atendimento especializado chegue a todas as mulheres independentes do seu

nível social.

Entendemos que a violência contra mulher é de fato uma expressão da

desigualdade de gênero, e precisam ser divulgados de igual forma, com

direcionamento de como agir e a quem procurar. Todas as mulheres devem ter

acesso aos seus direitos, e principalmente ter o direito de viver sem violência.

Referências

BRASIL, Decreto-Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

BRASIL, Decreto-Lei Nº 13.104 de 9 de março de 2015

BRASIL, Decreto-Lei Nº 13.836 de 4 de junho de 2019

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mulheres no mundo. Novelo Comunicação. Disponível em:

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