três instrumentos básicos da comunicação

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O tempo da comunicação 15 FOUV © Porto Editora Três instrumentos básicos da comunicação Comunicar envolve troca de informação. Todavia, em muitas ocasiões, essa troca falha ou é deficiente e, por isso, a comunicação não alcança os objetivos pretendidos. Nessas alturas gera-se um conflito que só poderá ser solucionado através de uma abordagem consciente ao ato de comuni- car. Aélion 3 resumiu essa abordagem na regra dos dois terços: ouvir o dobro do que se fala; formular o dobro de perguntas relativamente ao número das afirmações; reafirmar as palavras dos outros, isto é, voltar a colocá-las sobre a mesa, afirmando-as, assim, duas vezes mais do que as próprias. A partir desta regra podemos facilmente deduzir os três instrumentos básicos da comunicação eficaz: escuta ativa, formular perguntas e reafirmar. 3 Id. ibid. p. 34. A escuta ativa implica que prestemos atenção à mensagem veiculada por alguém e, ao mesmo tempo, aos sentimentos e emoções nela contidos. As expressões faciais e a atitude corporal de quem escuta ativamente devem demonstrar entendimento e interesse. Escuta ativa Reafirmar é o resultado da escuta ativa: é a repetição dos pontos essenciais das palavras do interlocutor. Deverá ser fiel, concisa, inteligente, simples e positiva. reafirmar Formular perguntas é um meio importante de obter informações do interlocutor e chegar às suas intenções profundas. Devem evitar-se perguntas enganosas ou negativas. Formular perguntas Os três C da comunicação eficaz Dominar os instrumentos básicos da comunicação expostos acima é fun- damental quer para o comunicador quer para o ouvinte. Todavia, na comunicação eficaz, o comunicador tem um papel preponderante, pois é ele que tem de veicular a mensagem de forma a “cativar” o seu recetor. Assim, o bom comunicador deve seguir o “princípio dos três C”: clareza, concisão e cortesia.

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O tempo da comunicação 15FO

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Três instrumentos básicos da comunicação

Comunicar envolve troca de informação. Todavia, em muitas ocasiões,

essa troca falha ou é deficiente e, por isso, a comunicação não alcança os

objetivos pretendidos. Nessas alturas gera-se um conflito que só poderá

ser solucionado através de uma abordagem consciente ao ato de comuni-

car. Aélion3 resumiu essa abordagem na regra dos dois terços:

ouvir o dobro do que se fala;

formular o dobro de perguntas relativamente ao número das

afirmações;

reafirmar as palavras dos outros, isto é, voltar a colocá-las sobre

a mesa, afirmando-as, assim, duas vezes mais do que as próprias.

A partir desta regra podemos facilmente deduzir os três instrumentos

básicos da comunicação eficaz: escuta ativa, formular perguntas e reafirmar.

3 Id. ibid. p. 34.

A escuta ativa implica que prestemos atenção à mensagem veiculada por alguém e, ao mesmo tempo, aos sentimentos e emoções nela contidos. As expressões faciais e a atitude corporal de quem escuta ativamente devem demonstrar entendimento e interesse.

Escuta ativa

Reafirmar é o resultado da escuta ativa: é a repetição dos pontos essenciais das palavras do interlocutor. Deverá ser fiel, concisa, inteligente, simples e positiva.

reafirmar

Formular perguntas é um meio importante de obter informações do interlocutor e chegar às suas intenções profundas. Devem evitar-se perguntas enganosas ou negativas.

Formular perguntas

Os três C da comunicação eficaz

Dominar os instrumentos básicos da comunicação expostos acima é fun-

damental quer para o comunicador quer para o ouvinte. Todavia, na

comunicação eficaz, o comunicador tem um papel preponderante, pois é

ele que tem de veicular a mensagem de forma a “cativar” o seu recetor.

Assim, o bom comunicador deve seguir o “princípio dos três C”: clareza,

concisão e cortesia.

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É a transparência do conteúdo da comunicação. Por isso, para facilitar a

compreensão da mensagem, importa:

Consiste no número justo de palavras para transmitir as ideias. A brevidade elimina o

aborrecimento e reduz a margem de incompreensão. É por isso importante sintetizar

o essencial da mensagem, eliminando as frases vagas e as palavras redundantes,

dando preferência à voz ativa e à ordem direta das palavras na frase.

É uma forma de comportamento indispensável na vida social e facilitadora da

comunicação. Pressupõe colocar-se no lugar do outro, reconhecendo os seus

sentimentos, reações e objetivos. Sugere ser delicado na exposição das ideias, em

especial se podem ferir a suscetibilidade de quem ouve, e procurar uma voz

modulada e harmoniosa pelo treino permanente, a partir da respiração exercitada.

Clareza

Concisão

Cortesia

Comunicação empática

A comunicação é uma das mais complexas capacidades que o ser humano

utiliza no seu dia a dia. Quando a pessoa procura interiorizar, profunda e

intensamente, cada sentimento, cada gesto, cada ideia das outras pessoas,

o uso dessa capacidade é mais natural e, por conseguinte, mais eficaz.

A esse processo chama-se comunicação empática. Por outras palavras, a

melhor forma de estabelecer uma comunicação eficaz é criar empatia com

o outro, escutando-o ativamente.

O entendimento mútuo com alguém, objetivo último da comunica-

ção, implica transmitir informação, estimular sentimentos, ideais, ener-

gias, bem como originar feedback. Para além disso, é fundamental dar o

exemplo e, através deste, motivar, envolver, cativar as pessoas, procurando

atingir as metas propostas. Como sublinha Lair Ribeiro:

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O verdadeiro significado das nossas palavras é expresso através do tom de voz, da nossa linguagem corporal e da paralinguagem – combinação de sinais que damos quando falamos, excluindo as próprias palavras.Curiosamente: 55% do impacto da apresentação é feito pela nossa lingua-gem corporal, gestos e contacto visual (aquilo que a retórica clássica cha-mava o “carácter do orador”); 38% pelo tom de voz; 7% pelo verdadeiro conteúdo da apresentação.

(Ribeiro, L., Comunicação Global, pp. 14-16)

Pode-se afirmar que 99% dos problemas do ser humano são linguísticos. Jamais se verá um cão a chorar por se ter esquecido de festejar o seu aniver-sário, simplesmente porque o aniversário não faz parte do universo linguís-tico do cão.

(Ribeiro, L., Comunicação Global, p. 18)

As palavras são importantes, todavia, a forma como elas são apresen-

tadas e a expressão corporal que as acompanha transformam-nas em

magia. Mas o homem exagerou a importância da palavra, como se esta

constituísse o todo comunicacional, esquecendo os outros aspetos.

A comunicação é tanto mais eficiente quanto melhor se utilizarem as

palavras certas, no momento certo, para o público certo, com o tom de

voz, os gestos e o contexto apropriados e integrados na mensagem.

A magia da comunicação reside na perceção e na compreensão das

diferenças ou dos pontos de vista alheios, procurando descodificar o des-

conhecido e o surpreendente nos seus valores, comportamentos e ideias.

Importa abrir horizontes e sair da nossa zona de conforto, por outras pala-

vras, entrar no mundo dos outros para, assim, melhor comunicar.

Há comunicação que não transforma nada nem ninguém. Mas existe

outra que gera ação e cria a realidade, através da motivação, do carisma,

da persistência, do entusiasmo do seu autor. O seu discurso arrasta outras

pessoas na abertura de caminhos e na construção de mundos alternativos

mais apropriados às novas exigências de uma sociedade cada vez mais

complexa.

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Em resumo:

Comunicar é partilhar, pôr em comum entre duas ou mais pessoas sentimentos, ideias, olhares, opiniões e impressões.

Uma abordagem consciente do ato de comunicar permite dominar melhor os três instrumentos básicos da comunicação:

escuta ativa; reafirmar; formular perguntas.

O bom comunicador deve seguir o “princípio dos três C”: clareza; concisão; cortesia.

A melhor forma de estabelecer uma comunicação eficaz é criar empatia com o outro, escutando-o ativamente.

Uma das marcas da comunicação empática consiste na capacidade de

escutar com interesse os outros, de os ouvir atentamente e de procurar

compreendê-los, ou seja, pôr-se no lugar deles. Este procedimento serve

para unir esforços, no sentido da resolução de problemas e da tranquili-

dade dos ânimos exaltados.

Capítulo V

A negociaçãoFO

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Uma comunicação estratégica

A negociação é uma comunicação estratégica de difícil manejo, mas de

utilização quotidiana, tanto por responsáveis políticos e económicos

como pelo cidadão comum. Historicamente, os portugueses são bons

negociadores: de Afonso Henriques, com o papado, aos navegadores do

século XVI, com “a mais desvairada gente” do planeta, e aos que negocia-

ram a nossa entrada na CE, em 1985, Mário Soares e Hernâni Lopes. Mas

também o povo o é no seu dia a dia, facto registado na máxima que o

caracteriza como sendo “hospitaleiro e de brandos costumes”.

A negociação popular não é, todavia, esclarecida nem sistematizada.

Diz-se que eram estas as qualidades visadas pelo Marquês de Pombal para

as elites da época, com a fundação do Colégio dos Nobres, em 1761, sem

sucesso. Impõe-se, pois, um olhar claro sobre essa atividade, indispensá-

vel no tempo em que o acesso à comunicação se generalizou.

O processo negocial

Paulo Morgado1 estabelece dois blocos de cinco pontos nos quais se enqua-

dram todas as negociações. O bloco inicial diz respeito às atividades prin-

cipais do processo negocial. Vejamos o caso de uma procura de emprego.

1. Consulta – Começa-se sempre pela recolha de informação sobre

alternativas ao que se perspetiva como negócio, em documentos escritos

ou junto de amigos e personalidades conhecedoras do campo em causa.

Há negócios de que não nos damos conta e outros dos quais desconhece-

mos as alternativas. Por isso, importa ir recolhendo informações relevan-

tes (pesquisa) num campo onde temos interesses, para depois analisar e

avaliar a sua oportunidade (potencial e posição), quando surge a oportu-

nidade de negócio2.

1 Morgado, P., O Processo Negocial, pp. 9-13. 2 Id., ibid., p. 15.

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2. Contacto – De seguida, tenta-se conhecer a organização onde se

poderá vir a trabalhar, nomeadamente, no que respeita a funções ou tarefas,

ambiente de trabalho e salário. Três variáveis estão aqui implicadas: o pro-

duto, serviço ou objeto da negociação; as pessoas responsáveis por ele; e a

perspetiva de valorização ou desvalorização do produto ou das pessoas3.

3. Confronto – É o momento de negociar as condições da relação

laboral entre a organização e o funcionário, usando-se o termo “con-

fronto” por a organização querer o máximo de serviço ao mínimo custo e

o funcionário, o inverso. É o momento de abrir o jogo entre os interlocu-

tores, no qual estão três elementos: o produto ou serviço e os benefícios

correspondentes, a receber ou a oferecer; o preço a oferecer ou a pedir por

eles; o poder relativo daqueles que se encontram a negociar, fazendo-o

pender mais para um lado ou para o outro4.

4. Conciliação – A este passo, corresponde a fase da persuasão e das

cedências mútuas, visando um acordo. Corresponde-lhe uma convergên-

cia de interesses, alcançada pelo exercício da persuasão, na conciliação de

prazos e conveniências de cada parte5.

5. Conclusão – Por fim, há que fechar o contrato, pondo o preto no

branco, aquilo a que, antes, correspondia o aperto de mão. A negociação

assegura-se pela observação de três requisitos: o contrato que vincula as

partes; as penalizações a observar em caso de incumprimentos do paga-

mento, da qualidade e dos prazos contratualizados; o pagamento e os

sujeitos aos quais se deve determinado “preço” pelo usufruto ou proprie-

dade do bem ou serviço negociados6.

3 Id., ibid., p. 23. 5 Id., ibid., p. 69.

4 Id., ibid., p. 53. 6 Id., ibid., p. 77.

consulta

conclusão

conciliação

confronto

contacto

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O segundo bloco é o das atividades de suporte ou de gestão do pro-

cesso negocial. Para evitar que o conhecimento das anteriores atividades

seja inconsequente, o negociador deverá comportar-se como um gestor.

– Ele deverá saber porquê, como, quando, com quem e

onde negociar. Como outras atividades, o processo negocial inicia-se com

uma tomada de decisão, mesmo que esta tenha de superar um problema

cuja resolução gera várias alternativas7.

b) Planeamento – Saberá marcar objetivos ou metas e traçar o caminho

para os alcançar. Planear é uma proteção contra o acaso e as limitações da

condição humana como capacidade de memória, estados de espírito, etc.

O plano está para o negociador como o mapa de estradas para o condutor8.

– Deverá descobrir a melhor forma de os concreti-

zar. Isto passa por três tipos de recursos: o trabalho, suportado pelos

homens; o capital, materializado no dinheiro; e as tecnologias, implicando

os dois anteriores, pelo conhecimento e pela informação dos primeiros e

pelos suportes informáticos e comunicacionais do segundo9.

d) Controlo – Em cada momento, deverá ter uma ideia do ponto de

realização do plano criado. Como em todo o projeto, o sucesso passa pela

sua conclusão no tempo previsto, com a qualidade desejada e dentro dos

custos/benefícios definidos10.

e) Liderança – Saberá comportar-se como um líder, ao encontrar motiva-

ção, conhecimentos e poder para suportar todo o atrito e inércia que encon-

trará, sozinho ou em conjunto, durante o processo. A liderança condiciona os

outros pontos atrás mencionados, por imprimir ao processo negocial três

virtudes essenciais: o querer, isto é, a vontade e a motivação; o poder ou a

energia acima da média para as realizações planeadas; e o saber ou a capaci-

dade de encontrar a via de satisfazer as necessidades e desejos enfrentados11.

7 Id., ibid., p. 123. 9 Id., ibid., p. 161. 11 Id., ibid., p. 103 e 115.

8 Id., ibid., p. 137. 10 Id., ibid., pp. 169.

decisão

liderança

controlo

implementação

planeamento

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Capítulo IX

A elaboração do discursoFO

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“A clareza e, se podemos falar assim,

a popularidade da expressão,

simples mas sem baixezas, e nobre

sem afetação, são

as fronteiras do discurso.”

Noël e De La Place, Code des Rhétoriciens, p. 274 (adaptado).

O discurso

Seja por imposições profissionais, seja por imposições sociais ou familia-

res, em algum momento da nossa vida somos chamados a falar para uma

audiência. Independentemente de termos de fazer uma apresentação

numa reunião da empresa ou um elogio a um amigo ou familiar numa

festa, a forma como usamos a palavra vai condicionar a imagem que quem

nos ouve tem de nós. Importa, então, sabermos o que é discursar e que

estrutura deve seguir um bom discurso.

“O termo discurso aplica-se àquilo que é dito em público, segundo

regras de falar em público, com uma certa extensão, sobre um tema deter-

minado e num tom sério. Pressupõe um auditório numeroso e atento,

implicando a ideia de uma certa solenidade.”1

Um discurso pode ser dirigido apenas aos presentes, mas também a

um público ausente, seja através dos meios de comunicação social seja

através de outras formas de reprodução oral ou escrita. “O seu objetivo é

tratar temas de ordem geral e, quando pronunciado no momento de um

facto particular, o orador alarga a dimensão do interesse que esse aconte-

cimento apresenta.”2

“Ora, é através de um discurso bem ordenado, bem composto e estru-

turado que comunicador mostrará a amplitude da questão da qual se

ocupa. O seu mérito principal consistirá em fazer sobressair claramente

as razões desta extensão do interesse do tema.”3 O importante, no dis-

curso, é a maneira como o autor coordena as ideias e dá a cada uma delas

o lugar e a importância que ela merece.

1 Doriac e Dujarric, Toasts, Allocutions et Discours Modèles, p. 92. 3 Id., ibid., p. 93.

2 Id., ibid.

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Preparação do discurso

Preparar um discurso “significa reunir os pensamentos próprios, as ideias

próprias, as convicções próprias, as necessidades próprias”4. E possuímos

todas essas realidades? Naturalmente. A nossa existência está cheia de sensa-

ções, experiências e reflexões pessoais. A estas seguem-se pensamentos,

ideias, convicções e necessidades referidos, por vezes, de modo inconsciente.

Preparar uma intervenção significa pensar, considerar, recordar, selecio-

nar toda essa riqueza individual para, de seguida, coordenar, confrontar,

entrelaçar umas realidades com as outras. Todavia, evitemos focar muitos

aspetos numa comunicação, pois é um erro de principiantes. Tomar um ou

dois pontos de vista e desenvolvê-los adequadamente é uma boa estratégia.

Depois de definir a razão pela qual vai fazer um discurso, fixe-se no

tema com antecedência, uma semana, dez dias. Pense nele constante-

mente: ao levantar, na deslocação para o trabalho, ao esperar por alguém.

Comente-o com amigos e familiares. Leve-o para as suas conversas. Inter-

rogue-o com todas as perguntas possíveis, mesmo as mais disparatadas.

Há um ritual na antecâmara dos comícios do PS. Antes de subir ao palco, o líder isola-se atrás dos panos,

fuma cigarros, não quer conversas e concentra-se. Como quem revê um guião antes de entrar em cena.

muda, seja para uma multidão de Cabeceiras de Basto ou para uma plateia das “Novas Fronteiras”.(Ângela Silva, Expresso, 2005-02-18)

4 Carnegie, D., Cómo Hablar Bien en Público, p. 44.

D. Moody:

Quando escolho um tema, escrevo o título numa ficha. Tenho muitas fichas sobre ele. É que, quando leio e

encontro uma ideia sobre um desses temas, escrevo-a numa ficha, junto-a àqueles. Quando preciso de fazer

uma comunicação, revejo todas as fichas reunidas e confronto-as com aquilo que eu penso sobre o tema em

questão. Deste modo tenho material sempre disponível para apoiar pensamentos e necessidades de produ-

zir intervenções.(Carnegie, D., Cómo Hablar Bien en Público, pp. 44-45, adaptado)

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Lincoln:

Como preparava ele os seus discursos? Ao efetuar o trabalho quotidiano: enquanto comia, enquanto cami-

nhava, enquanto se vestia, fazia a sua deslocação diária, enquanto levava o filho ao jardim – Lincoln seguia

abstraído nas suas reflexões, pensando no seu discurso, aparentemente esquecido do que o rodeava.

De vez em quando anotava algumas coisas, fragmentos, frases soltas em pedaços de papel, envelopes

velhos, o que estava à mão. Essas anotações, guardava-as e não voltava a vê-las até ter tempo para se sentar e

as ordenar. De seguida, escrevia o discurso, revia-o e dava-lhe os retoques finais para o pronunciar e publicar.(Carnegie, D., Cómo Hablar Bien en Público, pp. 47-48, adaptado)

C. Brown:

Meditemos sobre o texto e tema, até nos apropriarmos deles e os manejarmos. Recolhamos assim ideias

promissoras que se vão depois desenvolver. É necessário tempo, tanto quanto seja possível. Depois há que

meditar sobre ele: caminhando na rua, viajando de transporte público, quando o cansaço profissional nos

toma. O mesmo pode ser feito, à noite ou de manhã, ao adormecer ou ao acordar.

Nessas alturas, é bom ter um pedaço de papel à mão, seja de que tipo for. Não é por economia, é que

será mais fácil de dispor e organizar esses papéis soltos, mais tarde, ao pôr em ordem esse material. Anote-

mos tudo o que nos ocorrer sobre o texto ou o tema. Registemos todas as ideias que nos venham à cabeça,

em poucas palavras. Apenas as suficientes para as retermos e continuemos à caça de outras – deste modo

mantemos os processos mentais frescos, originais e criativos. Continuemos a escrever essas ideias e para isso

pensemos forte e continuamente. Não tenhamos pressa. Esta é uma das operações mentais da maior impor-

tância em que podemos participar. É o método que mais desenvolve o poder produtivo da nossa mente.(Carnegie, D., Cómo Hablar Bien en Público, pp. 45-46, adaptado)

O plano do discurso

Muitos políticos e outros oradores pronunciam discursos como Rousseau

dizia que se devem escrever cartas de amor: Começar sem saber o que se vai dizer e acabar sem saber o que se disse. Ilustram a máxima de Herbert

Spencer: Quando um homem não tem as ideias em ordem, quantas mais tiver, maior será a confusão. Mais, ninguém se lembraria de edificar uma

casa sem fazer previamente um plano. Como pode, então, pronunciar-se

um discurso sem se ter redigido sequer um esboço, um programa?5

Carlos Pellegrini escreve: Para saber que caminho se há de seguir é necessá-rio saber onde se quer chegar6.

5 Id., ibid., p. 67, adaptado. 6 Id., ibid., p. 148.

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7 Id., ibid., p. 87. 8 Id., ibid., pp. 88-89, adaptado.

1. Eliminar a preguiça,mental – respeitar o facto,

observá-lo tal como é.

2. Observar, antes dediscutir – não acreditar

naquilo que se quer crer.

3. Pensar e repensar asideias.

4. Medir e pesar as coisas,comparando-as com

aquelas que têm afinidadescom elas.

5. Situar o assunto.

6. Gerir bem a memória –recordar os factos

importantes e esquecer os outros.

7. Recolher factos e ideias,mobilizar e concentrar aatenção nos objetivos aalcançar – tal como umgeneral faz na guerra.

8. Ter sempre presente omotivo essencial que fazagir os homens na vida

(fator psicológico).

9. Manter um espíritocrítico.

10. Saber apresentar oproblema.

11. Esboçar e propor assoluções possíveis.

Ora, um discurso é uma viagem que tem uma meta e, antes de partir,

deve-se fixar o itinerário no mapa: o indivíduo que não sabe para onde ir,

geralmente não chega a lado nenhum. Aqui, como na guerra, é válido

aquele pensamento de Napoleão: A arte da guerra é uma ciência na qual nada sai bem se previamente não for calculado e meditado7.

Elaborar um plano por etapas

Não há uma regra infalível para elaborar um plano. Não há planos adap-

táveis a todos ou à maioria dos temas. Há, porém, linhas mestras, de entre

as quais destacamos o método de trabalho intelectual avançado por André

Siegfried, constituído pelas seguintes etapas8: