tropicália 40 anos

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Suplemento produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso II, 2011, do curso de Jornalismo da Unesp, câmpus Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha

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Page 1: Tropicália 40 anos
Page 2: Tropicália 40 anos

cinema Novo

Pop Art

MúsICABrasILeira

ArtesPlásticas

O Cinema Novo inaugurou uma perspectiva crítica em relação ao ci-nema nacional até então produzido nos anos 50. Seus filmes inau-guravam o que se chamava de “aventura de criação” e buscavam

o equilíbrio entre o “cinema de autor” e a preocupação política em nome da formação de uma “consciência nacional”.

Diante da influencia do Neo-realismo italiano, da Nouvelle Vague francesa e do desenvolvimentismo de JK, o movimento tem no cine-asta baiano Glauber Rocha seu grande nome. Formulador teórico e

visionário da estética cinemanovista, cujo lema era “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, Glauber dirigiu filmes como Deus

e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em transe (1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), que

os colocaram na galeria dos maiores cineastas contem-porâneos.

O Cinema Novo criticava radicalmente a re-alidade política e cultural do país durante o

regime militar e Terra em Transe foi uma re-ferência fundamental para o movimento

tropicalista, tendo inclusive deter-minado um novo impulso criativo

em Caetano Veloso.O termo pop art refere-se a uma forma de arte que utili-

za produtos do universo da propaganda como temas das obras. Em oposição ao expressionismo abstrato, os artistas da

pop art apropriavam elementos da televisão, dos quadrinhos, do cinema e da publicida-de. Tinham como objetivo a crítica ao consumismo e para isso faziam uso das imagens familiares

cotidiana. Tiras de história em quadrinhos, anúncios, embalagens, cenas de TV – tudo era apropriado e transformado em obras de arte.

Influenciados pela pop art, os tropicalistas vestiam roupas pouco discretas e uma produção visual bastante colorida e impactante. O rótulo da antiarte que a arte pop carregou casava com o interesse dos tropicalistas de subverter os padrões de produção artística e de criticar a arte erudita e a separação desta da cultura popular.

Assimilar o pop era fundamental para a estética tropicalista.Também a crítica ao consumismo pode ser observada nas letras de algumas canções, o que não impediu que a tropicália dominasse a cena também na propaganda onde foram criados jingles

para comerciais da TV.

Proposta por Oswald de Andrade, a antropofagia consiste na produção de uma arte na-cional com a assimilação da cultura estrangeira transplantada para o Brasil. Baseado nas vanguardas européias, questionando as bases culturais consolidadas, a proposta

era deglutir o elemento estrangeiro e devolver um produto novo. Isso fizeram os tropi-calistas ao assimilar tudo, do samba à música pop.

O compositor Jorge Mautner afirma que é próprio da cultura brasileira a assimi-lação do elemento de fora. Para ele, essa tradição começou antes do descobri-

mento, em Portugal, quando o país acolhe os Cavaleiros Templários, perse-guidos na Europa, e com eles é recebida toda uma cultura pagã. Depois

vieram os índios, os negros, os imigrantes... Mautner afirma que Oswald e os modernistas apenas resgataram um processo que ocorria há séculos.

Como entusiasta da cultura nacional, Mautner acre-dita que essa “brasileiríssima” é a única forma de ven-cer a intolerância do mundo contemporâneo. “Ou o mundo se brasilifica ou vira nazista” proclama o músico que conviveu com os tropicalistas nos tempos do exílio. Em seu trabalho, Mautner

sempre valoriza a estética antropófaga na cultura: “De Jesus de Nazaré aos

tambores do Candomblé”.

Fundado em 1958, o Teatro Oficina apontou um novo caminho para o teatro diante do luxo do TBC (Teatro Brasileiro de Comédias) e do enga-

jado Teatro de Arena (capitaneado por Augusto Boal). A polêmica direção de José Celso Martinez Corrêa privi-

legia a inovação, o experimentalismo, a investigação e a bus-ca de novas linguagens para o teatro.

Em 1967, foi responsável por uma das primeiras manifesta-ções catalisadoras da Tropicália com a encenação de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, cujo texto radical sobre as maze-las do capitalismo tupiniquim e o vanguardismo da peça atualiza-

ram a proposta de uma arte antropofágica, produzindo no público um misto de fascínio e revolta ao inaugurar o chamado “teatro de agressão”.

O teatro do Oficina estava em sintonia com o novo panorama artístico cultural, como a música de Caetano Veloso e o cine-

ma de Glauber Rocha. A encenação de O Rei da Vela e a instalação de Tropicália, do artista plástico Hélio Oi-

ticica, foram as matrizes que identi-ficaram a curta e fulminante era

tropicalista.

POESIAConcreta

O concretismo foi um movimento literário van-guardista baseado na disposição espacial das palavras e utilizando uma linguagem não-discursiva. A poesia concreta

rompeu com as estrutura básica da poesia: o verso. E sem ele, acabavam-se as rimas e as métricas. A idéia era explorar os aspectos sonoros e as potencialidades visuais das pala-vras.

Seus principais autores, os poetas Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari eram também críticos musicais de arte que contribuíram com a Tropicália. Dentro dos dois mo-vimentos é possível identificar o ideal de subversão dos padrões de arte e cuidado especial com a forma, mas elementos específicos do concretismo no tropicalismo são mais discretos, sendo que o

principal exemplo é a canção Batmacumba de Gilberto Gil.Mas o mais importante para Tropicália e Poesia Concreta não é a ocorrência

de uma na outra, mas a capacidade de as duas produzirem coi-sas diferentes, alinhadas com o mesmo ideal, que

dialogadas aprimoraram e especiali-zaram ambas estéticas.

Em 1959, João Gilberto lançava seu primeiro LP, Chega de Saudade, em que intro-duzia uma nova linguagem musical, criando uma batida que mistura o ritmo da percussão com as harmonias do samba, aliados a um jeito de cantar solto, quase

falado. A originalidade da nova técnica assemelhava-se ao tom intimista do cool jazz, e foi responsável por influenciar as novas composições extremamente.

Talvez o baiano João Gilberto tenha sido o maior responsavel por impulsionar criativamen-te os tropicalistas, mas a inspiração veio de todos os lados. Com o brega de Vicente Celesti-no, o Sgt. Pepper`s dos Beatles, a guitarra de Hendrix, o cantar de Janes Joplin, o iê-iê-iê

dos meninos da Jovem Guarda, as canções de protesto, a música serial de John Cage até os clássicos de Chopin. Fazendo com tudo isso uma associação entre o erudito e o popular, o rural e o urbano, e assim por diante.

Retomando estilos já esquecidos, misturando-os com aqueles da atuali-dade e incorporando novos elementos, a Tropicália fez uma mistura

com “cara de Brasil”. Todo esse caldeirão rítmico se deu com a fusão do violão e a guitarra elétrica (rechaçada pelos críticos como anti-nacionalismo), do baião e do ma-racatu com o rock e da soma de todos os estilos, fazendo da nova antropofagia uma ode à for-mação do novo jeito de pensar, fazer e sentir a música brasileira.

No terreno das artes plásticas, as formas bidimensionais e as es-culturas não eram mais suficientes para um grupo de vanguardistas da arte moderna brasileira. Em 1966, é organizado o “Propostas 66”,

manifesto que pretende examinar a situação da arte no país e suas possibilidades futuras. Nos debates, o artista plástico Hélio Oiticica propõe que seja criada uma

nova objetividade para as experiências das vanguardas brasileiras, onde a conflu-ência de diferentes tendências e a ausência de uma “unidade de pensamento” fi-

zessem parte desse novo conceito. Segundo Hélio, ela seria um estado de múltiplas tendências e fusões artísticas - e não um movimento dogmático esteticista que

define padrões. Assim, o grupo formado por Ligia Clark, Ligia Pape, Helio Oiticica e outros

vanguardistas executaram essa proposta em 1967 apresentando a exposi-ção Nova Objetividade Brasileira. Na exposição, a obra “Tropicália”

de Oiticica dá o tom. A montagem consistia num ambiente composto de areia, brita espalhada pelo chão, araras e vasos com plantas formando uma espécie de labirinto que percorria a tenda principal, às escuras. No fim do labirinto havia uma TV ligada que rompia de vez com os padrões artísticos tradicionais, provocando uma

fusão entre a sensibilidade e a racionalidade da vida e da arte. Os suportes tradicionais

- como o quadro - são desconstruídos em busca de uma relação integral

entre espectador e obra

eatroOficina

Page 3: Tropicália 40 anos

“A mais sintética definição da Tropicália é a de Caetano:

‘A Tropicália é o avesso da Bossa Nova’.”

(Carlos Calado, jornalista e escritor)

“Tropicália são os so-nhos do Deus da Chuva e da Morte e a relidade do Kaos com K” (O artista multimídia Jorge Mautner)

“É um caldeirão de cul-tura fervilhante. Tudo cai ali e se transforma. É um

mix de tudo.” (George Vidal, maestro)

“A tropicália foi um movimento que, parado-xalmente, rompeu com a noção de movimento.” (Santuza Cambraia Na-ves, pesquisadora)

“A tropicália foi uma re-novação da música bra-sileira, uma adequação à música e às artes que

vinham sendo praticadas fora do país.”

(Fábio Trummer, vocalis-ta da banda Eddie)

“O Tropicalismo é ao mesmo tempo a salva-ção e uma muleta. En-gessou qualquer tipo de possibilidade de se criar música não-universal no país.” (Daniel Faria, estudante)

“Hoje em dia é uma referência, como qual-

quer outro movimento ou estilo do passado.”

(John, guitarrista da ban-da Pato Fu)

A anarquia tropicalista

A tropicália, suas dife-rentes manifestações -- música, artes plásti-

cas, literatura, cinema e teatro -- foi um movimento que, pa-radoxalmente, rompeu com a noção de “movimento”. Dito de outra maneira, as manifes-tações tropicalistas não obe-deceram os moldes centrali-zadores dos movimentos de vanguarda; pelo contrário, as atitudes anárquicas dos tropi-calistas sinalizavam mais para uma carnavalização da idéia de movimento, à maneira anár-quica de Oswald de Andrade.

Ao contrário também dos movimentos de vanguarda que apontavam para o futuro da arte, a tropicália optou por uma poética do aqui e agora. Assim, os tropicalistas não ig-noraram os fenômenos do seu tempo, como os repertórios culturais locais e estrangeiros e as informações da cultura de massa, incorporando-os ao seu projeto estético. Para realizar esse projeto incor-porativo, a tropicália rompeu com a MPB e suas premissas nacional-populares. Poética do aqui e agora.

A relação com a bossa nova foi mais ambígua, pois, ao mes-

mo tempo em que os tropica-listas retomaram e homenagea-ram a tradição de João Gilberto, adotaram o mesmo procedi-mento para com a tradição mu-sical rejeitada por ele, como os samba-canções e os boleros dramáticos. E ao contrário da estética em preto e branco da bossa nova, a tropicália pro-jetou um Brasil em cores.

Afinados com Oswald de Andrade, procuraram repre-sentar o Brasil como uma co-lagem de elementos díspares — locais e globalizados, bár-baros e sofisticados, comedi-dos e excessivos. Adotaram também procedimentos inter-textuais, ao dialogarem com a literatura, as artes plásticas, o cinema e o teatro. Valorizaram o corpo e as performances, ao contrário da apresentação bossa-novista que recorria ao banquinho e violão.

(Santuza Cambraia Naves é mes-tre em Antropologia Social pela UFRJ (RJ) e doutora em Socio-logia pela Sociedade Brasileira de Instrução (RJ). Atualmente é professora da PUC (RJ) e coor-denadora do Núcleo de Estudos Musicais da Universidade Cândi-do Mendes.)

O que é a tropicália pra você?

“Mandei plantar folhas de sonhos no jardim do Solar” é uma referência quase explícita à plantação de maconha no Solar da Fossa, um cortiço transfor-mado em hotel onde conviviam juntos os integrantes da bossa nova, da jovem guarda e os fu-turos tropicalistas.

De certa forma, o disco Tro-picália simboliza tudo isso, mas apenas se pensarmos de maneira generalista demais. Na verdade, “Tropicália, Panis et Circensis“ é um disco grandioso, que vai do latim à guitarra elétrica em menos de 14 faixas. Sincretiza tudo o que o movimento suge-ria: aproveitar, engolir, transfor-mar, subverter e regurgitar. Novo.

Caetano, Gil, Tom Zé, Nara Leão e os Mu-tantes sob a orquestra-ção de Rogério Duprat comandam o elogio à cultura nacional e per-turbam sua ordem para sempre.

Um v e r d a -deiro ves-peiro de opiniões; a crítica e o público repudiaram e acolheram “Terra em Transe”, um dos mais controvertidos filmes de toda a obra do baiano Glauber Rocha.

Montagem narrativa fragmen-tada, desenquadramentos pro-positais, cortes abruptos e uma espécie de desordem alicerçam a questão focal do filme: uma crítica agressiva e contundente sobre a política nacional através do país-alegoria Eldorado.

Em meio a toda discussão política, Glauber Rocha utiliza a película para propor uma cons-trução revolucionária no modo de fazer cinema subvertendo to-dos os paradigmas. Decerto que Terra em Transe é ruptura.

Organizado pelo jornalista especializado em biografias, Carlos Calado (que também escreveu “A Divina Comédia dos Mutantes”), “Tropicália: A História de uma Revoluçõ Musical” narra a epopéia dos baianos concentrando a narrativa em Caetano e Gil. Traçando um paralelo entre a evolução do movimento e de todos os seus realizadores – de maior ou menor importância – Carlos apresenta todos os pormenores a partir de um trabalho de pesquisas, entre-vistas e, até mesmo, um pouquinho de ficção. Vale, ainda, pelo belo arquivo fotográfico e por detalhes escondidos nos bastidores.

A Nova Objetividade veio não como um movimen-to ou uma tendência estética, mas como uma “che-gada” (como dizia Hélio Oiticica) em que a falta de unidade é a própria vanguarda. Para seus autores,

esse novo conceito de expor arte insere o espec-tador na obra, gerando sensações táteis, visuais, olfativas e sonoras. O conceito de exposição da obra perdia-se em detrimento ao novo método de aproximar ao ambiente as obras eliminando,

assim, toda sua estrutura básica. A construção de Tropicália de Oiticica inaugu-

ra a relação entre ambiente e arte e batiza o movi-mento.

Síntese de movimentos teatrais de todo mun-do, tendo base um texto do mais radical moder-nista de todos os seus autores, Oswald de Andra-de, “O Rei da Vela” foi um choque à comodidade burguesa e sua apatia geral. A leitura da peça pelo Teatro Oficina ganhou uma forma mortal, violen-ta, repleta de ícones, símbolos e impactos.

Numa celebração no maior estilo pictórico num misto de sexo, circo e sonho causaram no público uma reação de repulsa e êxtase. Zé Celso Marti-

nez Corrêa – mentor da obra e, no limite, de toda trans-

gressão teatral – inaugura com a peça um “teatro de agressão”, nevrálgi-co e visceral, que vai de encontro à passibilidade dos espectadores.

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Qualquer análise crítica de uma obra artística

merece, segundo pressu-postos estabelecidos por Benjamin, ser tratada sob o afastamento total da relação temporal-espa-cial estabelecida entre o espectador e o produto. Dessa forma (e buscando resultados mais eficientes na explanação dos argu-mentos sobre a obra), o contexto ideológico no qual se obtém o produto é apontado como fator mais substancial do que a própria acepção do públi-co. Contudo, todos esses conceitos relacionam-se e misturam-se ao tentar es-tabelecer padrões sobre os movimentos artísticos – que são o extremo de qualquer obra.

No contexto sessentista de efervecência cultural, no pré-auge do declara-do amor aos movimentos sociais e às lutas entre re-acionários e modernistas

(ou já pós), nasce nosso grande trunfo cultural. E não são poucas as pelejas enfrentadas pela Tropicá-lia, ainda hoje, passados 40 anos, onde os efeitos de magnitude póstumos, adquirem um caráter so-berbo de excelência.

Mas, de fato, o que foi esse tal de tropicalismo?

Que Caetano e Gil che-garam da Bahia com idéias semelhantes, motivados pela exigência de subver-são dos ares brasileiros - ares que também fizeram o Cinema Novo reagir ao co-lonialismo, que motivaram os irmãos Campos e Décio Pignatari a quebrar o ver-so, a Zé Celso transgredir a moral desmascarando a nudez ou, ainda, as artes plásticas sugerirem que espectador e obra devem manter uma relação de integralidade – estamos cansados de ouvir. Como também sabemos que foi o Sgt. Peppers, ouvido in-cansavelmente por Gil nas

tardes no Danúbio que o incentivou; assim como também foram responsá-veis os Mutantes por apro-ximarem a juventude ur-bana paulista aos artistas intelectuais e a batuta de Duprat na concepção mu-sical, movida pelo dode-cafonismo de John Cage. Ou como foi importante que a velha música popu-lar brasileira se mantives-se num estado de inércia, inicialmente abalado pelo iê-iê-iê do Rei, do Tremen-dão e da Ternurinha e pela importação da guitarra elétrica – o mal-estar da nossa civilização – para só depois reagir tentando calcar ainda mais profun-damente seus velhos há-bitos e valores. Ou como foram também importan-tíssimos Carmen Miranda, Chacrinha, Torquato Neto, Capinan e o pequeno prín-cipe Ronnie Von.

Enfim, tudo converge para o que já estamos can-sados de saber. Porém,

essa noção de encadea-mento das circunstâncias é o que constrói o tropi-calismo. E hoje, passados quarenta anos de sua rea-lização, tudo adquire uma aura mágica de exuberân-cia, magnitude e inatingi-bilidade.

Coroar Caetano Velo-so e Gilberto Gil por se-rem mentores do projeto tropicalista tornou-se um senso-comum da crítica, que parece simplesmen-te reproduzir sempre as mesmas informações, sem nunca se questionar so-bre o verdadeiro alcance popular do nosso tropica-lismo e de todas as suas transformações.

Não é relegar ao mais importante movimento ar-tístico popular brasileiro (já que o maior movimen-to vanguardista, que é a Semana de 22, apresentou graus de receptividade ainda menores, sendo to-talmente rechaçado pela maior parte da elite inte-

lectual e absolutamente despercebido pela massa) suas tão honrosas conquis-tas. Mas é considerar que, distanciando-nos do mo-mento de sua concepção compreendo-o passadas as turbulências, a Tropi-cália transgrediu e impôs novos paradigmas, trouxe a universalidade ao local e deixou profundas marcas na maneira como a cultura era vista por todos aque-les que a produziam.

Em contraponto, é de extrema importância en-carar que o país vivia um momento de mudanças conceituais e que todas as artes convergiam para um mesmo sentido, o da transformação. Sem os baianos, é claro, a Tropi-cália talvez fosse só mais uma das tantas vanguardas que ilustram a transição daquelas décadas fadada ao esquecimento.

E, assim sendo, não es-taríamos escrevendo essas páginas.

EDITORIAL

Traz uma lista dos pecados da vedete

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EdiçâoIsaac Pipano

Edição de ArteRafael Pedroso

ReportagemIsaac PipanoLeonardo SchimmelpfengRafael PedrosoRodrigo Azevedo

Tropicália 40 anos

Receita da Geléia Geral

tropicalia.uol.com

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Page 4: Tropicália 40 anos

Nos anos 90, a obra dos tropicalistas serviu de estímulo para uma

série de cantores-composito-res da moderna MPB. O per-nambucano Chico Science, por exemplo, criou com a sua banda Nação Zumbi uma das expressões mais fortes do panorama musical do perío-do empregando um recurso tipicamente tropicalista: o diálogo de ritmos regionais e universais.

A idéia era valorizar a mú-sica regional, assim como os tropicalistas fizeram com o baião, esnobado pela bossa nova. O estilo classificado de Mangue-beat valorizava ritmos pernambucanos como maraca-tu, ciranda e embolada fundin-do-os ao rock, o rap, e o funk.

O Mangue-beat sintetizava o que seria o muito nacional com o que seria o muito in-ternacional e adquiriu caráter de movimento, com manifes-to influenciado pela proposta de antropofagia cultural de

Oswald. Para o escritor Carlos Calado, autor do livro “Tropi-cália: a História de uma revo-lução musical”, o movimento Mangue-Beat foi tão vanguar-dista quanto foi a Tropicália.

Outras bandas atuais de Recife - como o Mombojó e o Eddie - ainda mantêm a pers-pectiva de modernizar o som local a partir de suas influên-cias mais cercanas.

Fábio Trummer, vocalis-ta da banda Eddie, rejeita a influência diretamente. Para ele, “o Mangue-beat se orien-

“Ninguém é profeta fora de sua terra” escreveu Ca-etano em 1969. De fato,

não foi fácil mostrar para o mundo a música que era fei-ta no Brasil, como ainda hoje não é. A mistura de sons de Caetano, Gil e seus amigos era muitas vezes vista como falta de originalidade. Asso-ciada à bossa nova no início, vista como uma vertente lati-na do jazz, posteriormente, a música tropicalista foi toma-da como vanguarda do rock internacional. Essas visões eram capazes de valorizar a música, mas não davam conta da relação com a cultura e a política do nosso país e nem do diálogo com as artes de Oiticica, Glauber e Zé Celso.

Em 1989, surge Beleza Tro-pical, álbum de músicas lança-do pela Luaka Bop do músico

David Byrne da banda Talking Heads. O disco reuniu músicas de Jorge Bem, Gil e Caetano, misturados com ritmos africa-nos. Na mesma época surge a world music, que, convenha-mos, pouco contribuiu para a música porque reuniu estilos diferentes em torno de um mesmo nome (e serviu muito mais como um estilo para a crítica catalogar).

De David Byrne é também o álbum Rei Momo, lançado em 1990. O disco vai além do tropicalismo e da MPB, acom-panhando os trabalhos do músico sobre culturas afro-la-tinas. E é Byrne também que, nessa mesma época, “desco-bre” Tom Zé e lança o álbum Massive Hits do brasileiro. E é Tom Zé que inicia uma me-lhor compreensão da música brasileira lá fora, mais ampla e complexa, pois a partir do

álbum Com Defeito de Fabri-cação, músicos como Sean Lennon e The High Llamas gra-vam remixes que resultam no álbum Post Modern Platos.

Um pouco mais longe e al-guns anos mais tarde, o cantor Beck lança, em 1998, o álbum Mutations - músicas tocadas ao violão são misturadas a elemen-tos psicodélicos. Mutations é um trabalho de Beck que deve-ria ser lançado por uma grava-dora independente, porém saiu pela Geffen, o que chegou até a dar processo do cantor con-tra a gravadora. Mas interessa que o nome Mutantions é refe-rência aos Mutantes e a faixa Tropicalia é uma homenagem do cantor ao movimento. Mas é verdade que a crítica brasilei-ra não recebeu bem a homena-gem e o próprio Beck admitiu não ser um conhecedor da mú-sica tropicalista.

Vez em quando longe daqui

tou pelo punk, pelo reggae e pelo hip-hop para formatar o manifesto caranguejo com cérebro, nenhum movimento ligado ao tropicalismo”.

Entretanto, Trummer consi-dera que o recurso tropicalista de fundir o local ao universal foi fundamental para formar o movimento do mangue e criar a identidade do movimento. Para ele, “os mangueboys não são herdeiros da tropicália, mas tem nos tropicalistas a base ideoló-gica musical que determinou o som do Mangue-Beat”.

Caranguejo Antropofágico

Há uma controvérsia em definir se o marco inicial da Tropicália

foi a apresentação de Alegria, Alegria e Domingo no Parque, a gravação do disco Panis et Circensis em 68 ou, ainda, as instalações de Oiticica no Mu-seu da Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM Rio -, que co-memorou os 40 anos do movi-mento com a apresentação da exposição “Tropicália: A revo-lução na Cultura Brasileira”.

A mostra esteve em Berlin,

Londres, Nova York e Chicago e seguiu para o MAM-Rio por motivos um tanto óbvios. As-sim, em 7 de agosto de 2007, o MAM foi tomado pelo senti-mento de nostalgia de quem viveu e acompanhou o movi-mento e por olhares curiosos da nova geração, que só o co-nhecia através de livros, arti-gos e matérias jornalísticas.

As obras remontadas ainda surpreendem, como quando se põe os óculos e luvas que Lígia Clark propôs para testar novos usos aos cinco sentidos

em “Máscaras Sensoriais” ou provar as essências de “Roda dos Prazeres”, que traz inúme-ros conta-gotas de misturas com cores, texturas e gostos diferentes espalhados em po-tes pelo chão. E a Tropicália de Hélio Oiticica (1937-1980) também está lá pra comemo-rar seu aniversário.

Outro ponto chave foi a presença da bateria da Man-gueira, que aguçou ainda mais os sentidos dos visitantes. O convite funcionou como um pedido de desculpas por par-

te do MAM, pois em 67 a bate-ria foi obrigada a se retirar da Mostra por seu samba ser in-terpretado como bagunça pela direção do museu.

Também foram reservados espaços para a música, tea-tro, cinema, arquitetura (com fotos de obras da arquiteta Lina Bo Bardi) e lembranças sobre o momento político do país, além de produções con-temporâneas que dialogam diretamente com as dos par-ticipantes do movimento, os penetráveis e os parangolés.

A Velha Nova ObjetividadeD

ivulgação

Fotos da Exposição “Tropicália: A revolução na Cultura Brasileira”: Hélio Oiticica, em frente à Whitechapel Gallery em- Londres, 1969; “Cubo da Nova Objetividade Brasileira”, obra de Hans Haudenschild, 1967; “Diálogo Óculos” de Lygia Clark, 1968; e estampas da Rhodia dos anos 60.

Postmodern Platos, 2000, de Tom Zé com remixes do álbum Com Defeito de Fabricação.

O cantor Beck em show no

State Theater em Detroit em

setembro de 2005.

Forest Casey

Com recurso tipicamente tropicalista, mangueboys modernizam sons locais através de infl uências universais

A magia segue pela reluzente galáxiaMesmo com as saídas de Arnaldo e Duncan, Sérgio Dias garante que os mutantes não param

A Tropicalia ganha espaço em terras longe do pé grande de Abaporu.Rafael Pedroso

Rodrigo Azevedo

Divulgação

Divulgação

Em 2001, Arnaldo An-tunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown inicia-

ram um projeto para gravar algo que fosse diferente do que cada um estava acostu-mado. No mesmo ano - entre reuniões, troca de e-mails e telefonemas - o projeto “Tri-balistas” – homônimo ao ál-bum – sai do estúdio e o dis-co é lançado já em 2002.

Talvez por Brown já ter gravado com Caetano e Gil um disco em homenagem à

tropicália e por possuir certa aura antropofágica (com suas roupas e batidas exóticas), ou por Arnaldo Antunes ser poe-ta concretista e simpatizante do movimento tropicalista, e ainda, por Marisa exibir certas aberturas a inovações musicais e ser sempre cultuada pela crítica, criou-se certo mito de que os três tinham o objetivo de inaugurar uma nova pers-pectiva musical, baseada na Tropicália dos baianos.

Embora a pretensão te-nha sido relevada, o resulta-do soou descompromissado, muito mais como um diálogo

entre os artistas sobre suas percepções e propostas mu-sicais imbuídos de um desejo de fazer algo novo, diferente do que produzem costumei-ramente. Talvez a desculpa para o não êxito da coisa seja que de fato não estavam inte-ressados em promover nada. Mas só talvez.

O fato é que hoje, artistas como Lenine, Arnaldo Antu-nes, Carlinhos Brown, Zeca Baleiro e tantos outros, ten-tam resgatar elementos e ten-dências que o tropicalismo iniciou, cada um à sua manei-ra, a troco de nada.

Vale a pena salientar que embora o movimento não te-nha prosseguido como algo linear, de fácil percepção na música contemporânea, torna-se de extrema conveniência, vez ou outra, resgatá-lo. Mes-mo assim, a Tropicália deixou o recado de que a música não deve seguir fórmulas prontas ou tendências já criadas, e sim primar por novas experi-mentações, incorporações e misturas para que possa haver renovações e aprendizados com o que já se fez e o com o que se pode fazer. Não é só botar no microondas.

É somente requentar e comerReincidência da Tropicália é recorrente na MPB e sua infl uência vira ferramente para músicos

Leonardo Shimmelpfeng e Isaac Pipano

Dinho Leme, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias

depois do anúncioda volta.

Formado em 1966 por Arnaldo Baptista (bai-xo, teclado, vocais),

Rita Lee (vocais) e Sérgio Dias (guitarra, baixo, vocais), os Mutantes foram “uma das me-lhores bandas de rock de to-dos os tempos, inclusive em âmbito internacional”, segun-do Carlos Calado, autor do livro A Divina Comédia dos Mutantes. A banda se tornou referência quando o assunto é psicodelia e experimentalis-mo e foi inovadora no uso de feedback, distorção e tantos outros truques de estúdio.

Após 28 anos do último show, os fãs celebraram a vol-ta ocorrida no centro cultural londrino Barbican, onde tam-bém acontecia uma exposição

dedicada à Tropicália (ver tex-to ao lado). Rita Lee, a primeira a sair da banda em 1973, não participou do retorno. Os ir-mãos Arnaldo e Sérgio, aliados ao baterista Dinho Leme, ga-nharam o reforço de Zélia Dun-can, que assumiu os vocais.

A participação dos Mu-tantes no movimento tropica-lista nasceu com o empurrão do maestro Rogério Duprat quando produzia o arranjo de “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil. Logo no início do contato com Gil, Duprat percebeu que “os meninos” eram o que ele precisava para a canção.

Embora os Mutantes ainda fossem extremamente jovens – igualmente inconseqüentes - e não estivessem interessa-

dos de fato em revolucionar cultura nenhuma – tornaram-se, de imediato, o expoente rock´n roll no tropicalismo, contribuindo com diversas gravações e promovendo par-cerias, sempre com diversão (e muito LSD). Em pouco tempo o trio paulista já domi-nava a essência do espetácu-lo pop, tanto que emplacou até jingle de campanha dos postos Shell.

Em 2007, Zélia e Arnaldo anunciaram saída (após um tão breve retorno) para se de-dicarem a projetos solos. Po-rém, uma nova formação as-sumirá a banda e lançará um disco com canções inéditas sob a batuta de Sérgio Dias, algumas delas em parceria com Tom Zé.

Rodrigo Azevedo

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Tribalistas: alusãomal-sucedida???

O cantor Lenine dia-loga com tropicalismo e regionalismo.

Em comemoração aos 40 anos da Tropicália, o MAM do Rio recebe exposição.Leonardo Shimmelpfeng

Page 5: Tropicália 40 anos

“Eu não entrei nem saí, nem virei, nem mexi. Eu fazia assim por causa dos meus problemas. Continuei fazendo assim durante o tro-picalismo. O tropicalismo acabou e eu só sei fazer isso. Não é que eu seja coerente. É que eu só sei fazer isso”

Tom Zé

O pequeno municí-pio de Irará nas-ceu na capitania

de Todos os Santos. As bandeiras formaram a ter-ra movidas, algumas pela caça ao ouro, outras pes-cando pessoas. Dizem os índios que Irará é “nasci-do da luz do dia”, do ta-buleiro, da caatinga, da farinha e da castanha de caju. Hoje, seus pouco mais de 26 mil habitantes ainda andam de um lado para outro quando faz ca-lor demais, sentam-se nos degraus das casas e, às ve-zes, visitam o site da cida-de pra ver que dia aconte-ce mesmo a Feira Regional da Mandioca.

Aos 23 anos, Antonio José Santana Martins, que ainda nem era o irreverente (adjetivo alcunha) Tom Zé, vivia sob o sol de Irará numa timidez convertida, abalada.

“Veja bem, um jovem de 16, 17, 18 anos que-rendo ser alguma coisa na vida, tímido pra cara-lho tendo uma família que era um problema filha da puta, o pai muito bondo-so, mas aquilo era uma loucura; uma mãe muito bondosa, mas aquilo era uma loucura. O lado de minha família que tava todo na universidade co-meçou a achar que a gen-te era uns “porquinho”. Você que é criança não vê a coisa, mas tem intuição e sabe que você tá sendo recusado. Quando você chega aos 15 anos, não ar-ranja uma namorada. Tem vergonha de sair, não tem amigos, não tem o cara-lho. Inventa que música deve ser sua salvação.”.

Como resposta a toda a angústia e desprezo, Tom Zé, 72, apegou-se a música. Não era bonito pra ser ator, não tinha voz para cantar e inibia-se demais. Assim, teve de conceber uma for-ma alternativa para se expressar.

“[...] nesse dia eu desisti de fazer mú-sica e comecei a fazer uma coisa que era a coisa

chamada jornalismo can-tado. Eu transformava em música os personagens da cidade de forma que, quando eu chegasse aqui na frente, pra você se ligar em mim, eu falava de Bau-ru, da Universidade, coi-sas que eu soubesse da-qui e você ficava afim de ouvir. Você nem descon-fiava que eu não era bom músico. Muitas vezes uma pessoa ouvia, mas depois dizia: “Isso não é música”. Depois disso, fui dando mais um certo trato a essa não-música, fazendo me-lhor essa não-música, cada dia mais não-música”.

Talvez tenha sido a não-música que o manteve no ostracismo por longa data, muito embora pro-duzisse discos e perma-necesse como referência subversiva, – muito mais por insistir na reprodução de sua proposta inicial e por encontrar barreiras na viabilidade comercial de suas intenções – enquan-to que toda a leva baiana quis adaptar-se ao novo panorama da música bra-sileira. Foi só em 1990 que David Byrne, ex-líder do Talking Heads, recuperou o baiano (ver página 7). “Eu tô aqui por causa de David Byrne, que se fosse o Brasil e os tropicalistas eu tava enterrado. Na di-visão do espólio do tropi-calismo, eu fui enterrado vivo, em 1971.”

E é com certo ressen-timento que o baiano co-menta essa experiência com os tropicalistas ne-gando veementemente esse rótulo.

“Gil e Caetano podem atender ao lado contem-plativo ao fazer canções que batem fundo na alma. Meu trabalho é jogar um anzol no cognitivo. Então, se eu fui tropicalista, eu não sei. Fiquei debaixo do telhado do tropicalismo durante o começo. Quan-do eles acabaram, até me expulsaram porque fo-

ram pra Inglaterra. Quan-do eles foram pra Inglater-ra [Caetano e Gil], que eu não fui, todo mundo tinha a porra duma inveja. Todo mundo que tinha algum dinheiro no bolso tinha uma vaga no tropicalismo. Aí as pessoas começaram a falar mal de mim”.

O prestígio depositado em Caetano e Gil pela im-prensa e as dis-putas pessoais de ego acaba-ram por ofus-car totalmente sua tentativa de progresso na carreira e qual-quer relevância no cenário nacional.

“Eu vou contar como aconteceu pra você ver como é a linguagem des-se povo: Gil chegou, eu tava sentado no meio, ele bateu no meu peito assim: ‘Quê que tem de errado com você?’. Parecia que ele ia me dar uma surra. Aí eu comecei a desconfiar que aquilo era como ser-mão de Pe. Vieira pra São Benedito que começava ladrão, sujo, vagabundo. Isso que chama reducio

ad absurdo, de começar como que xingando. Ele me disse assim: ‘Essas suas músicas novas que você cantou aí são muito melhor do que você fez até hoje e pode cantar em qual-quer lugar da Europa, dos Estados Unidos, do

Inferno! Quê que é que tem de errado você?’.

Como se Gil previsse,

Tom Zé tocaria suas mú-sicas em qualquer lugar da Europa ou nos Estados Unidos. Enquanto no Bra-sil permaneceria restrito a um público pequeno.

Como no anfiteatro Guilherme Ferraz, conhe-cido pelos estudantes da Unesp de Bauru como Guilhermão, relativamen-te lotado na abertura do

encontro na-cional dos “XX Anos da Luta Por Uma S o c i e d a d e Sem Manicô-mios”, onde Tom Zé faria a abertura

num show de graça. A platéia assistiu ao come-ço do show um tanto dis-persa, desatenta e, quem sabe, desinteressada. Pa-recia até que todos ali, onde que se supunha estar os mais interessados nas desconstruções musicais de Tom Zé, estavam dian-te de um Zé qualquer.

Na altura da terceira música, o baiano, bas-tante contrariado, pediu que os músicos parassem e bronqueou com todo mundo: “Vocês não que-rem ouvir? Não acham que é burrice vir aqui e ficar conversando?” O duvidoso happening, que no começo pareceu brin-cadeira, foi o impulso ne-cessário para que as aten-ções se voltassem a ele num domínio tão seguro, contrariando a época em que teve de lidar com acu-sações e um sentimento

de inveja que supunham tê-lo tomado por inteiro.

“Anos depois [de Gil e Caetano irem a Londres], Caetano voltou. Estava na casa de Augusto de Cam-pos, o poeta concreto, e Augusto disse: “O show da Gal com o Macalé foi uma porcaria”. E Caetano disse: “Foi mesmo? Orra!” (com voz de cínico). Aí eu virei e disse pra Caetano “Ô Caetano, eu não te con-tei numa carta que aquele show foi ruim?”. Ele me chegou e disse: “Ah, pen-sei que fosse inveja”. Eles mesmos começaram a acreditar que eu tava in-vejando. Aí quando eles voltaram já tinha uma certa coisa de me evitar. Eu era delicadamente evitado.”

Talvez tenha sido o carisma que contornou a platéia [e a música] e a fez cantarolar, dançar e bater palmas. Talvez tenham sido os incessantes esfor-ços em manter a platéia atenta, contorcendo-se, rebolando, quase arran-cando a camisa, em per-formances viscerais, reve-zando vocais baixi-nhos com surtos de euforia.

Tom Zé passou o show todo tentando mostrar quem ele era, ensinando suas letras, pedindo pra que cantassem juntos, gri-tassem, fruíssem, fa-zendo todos prestarem a devida atenção nele mesmo. Ten-tando negar um passado em que “era delicadamen-te evitado”.

Mas, hoje em dia, Irará tem site na internet.

Tom Zé

Fu

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vez

esentrevista

Isaac Pipano Rafael Pedroso

Fotos Rafael Pedroso

“Então, se eu fui tropicalista, eu não sei. Fiquei debaixo do telhado do tro-picalismo durante o começo. Quando

eles acabaram, até me expulsaram”