tríplice fronteira: diferentes aspectos de uma região ... · questão do terrorismo e passar a...
TRANSCRIPT
*Mestrando em Relações Internacionais – IHAC – UFBA. Bolsista FAPESB. [email protected] **Mestranda em Relações Internacionais – IHAC – UFBA. [email protected]
Tríplice Fronteira: diferentes aspectos de uma região instável
Lucas Milhomens Lopes*
Bárbara Conceição Nunes Santos**
RESUMO: O trabalho visa tratar da Tríplice Fronteira, uma região que engloba
três países (Brasil, Argentina e Paraguai) e uma grande variedade de relações.
A intenção é a de traçar um panorama geral da região e depois apresentar os
problemas encontrados na fronteira, apresentando e se afastando da visão que
ressalta o terrorismo na região, partindo para um enfoque especial na questão
da apreensão de mercadorias ilegais. Assim, não há a pretensão de realizar um
trabalho totalmente conclusivo sobre a área, mas sim uma exposição dos
grandes desafios encontrados nessa região fronteiriça brasileira, assim como
mostrar que tipos de atitudes vêm sendo tomados pelo Governo Brasileiro.
O presente trabalho busca despertar o interesse pela discussão em torno da
Tríplice Fronteira, a partir da discussão sobre a insegurança na área (sair da
questão do Terrorismo e passar a ver o problema da ilegalidade como o grande
empecilho ao desenvolvimento da área). Constata-se, assim, a necessidade de
o Estado fazer-se presente na região por meio de ações de repressão, mas
também por meio de investimentos sociais (educação e promoção de empregos
formais).
PALAVRAS – CHAVES: Tríplice Fronteira; Segurança; Contrabando;
Ilegalidade.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva analisar índices de violência em diversos âmbitos
da região da Tríplice Fronteira. Essa região formada pela Argentina (Puerto
Iguazú), Brasil (Foz do Iguaçu) e Paraguai (Ciudad del Este), historicamente foco
de extração de madeiras e ervas, sem grande destaque no subcontinente sul-
americano. Posteriormente se transformou através dos movimentos de
ocupação permanente realizados em suas terras, que incentivaram a presença
e o enraizamento de instituições estatais na área.
Para Neves e Camargo (2015), a Tríplice Fronteira é formada por
países que compartilham de semelhança; como o modo que foram colonizados
e explorados, além da aproximação em relação à economia (dependência
econômica em relação a outros países), política (histórico de ditaduras),
desigualdades (enfretamento de uma pobreza agravada), danos ambientais e
crescimento da violência (tráfico humano, de drogas e armas) em nome do
crescimento econômico.
Cardin (2009, p.03) aborda que essa região representa uma fusão de
diferentes visões de análise sobre a globalização:
“[...] a região possibilita a padronização do consumo e dos valores por intermédio de seus impostos diferenciados e de suas zonas francas internacionais, que disponibilizam mercadorias com alto valor agregado, produzidas nas mais diferentes partes do globo terrestre. ”
Tais fatores incentivam um forte comércio, que é somado a uma proximidade de
“laços culturais e sociais dos habitantes da região”, derivada de uma facilidade
de comunicação e de trânsito entre os habitantes, tendo em vista que há um
fluxo de trabalhadores entre as fronteiras, fruto de seus diferentes mercados
(CARDIN, 2009).
Entretanto, a Tríplice Fronteira não é somente uma área que reflete a
globalização e o comércio, como também, é palco para o tema de migrações e
as relações entre variados povos em uma área. Como abordado pelo
Observatório da Tríplice Fronteira:
“Foz e Ciudad del Este aglutinam grande parte desta diversidade, cuja exaltação positiva tomou, no caso de Foz do Iguaçu, a forma de um slogan que afirma que ali “convivem pacificamente mais de 72 etnias, representação enraizada e recorrente tanto pelos organismos públicos como pelas empresas de turismo e alguns grupos religiosos que consideram a Tríplice Fronteira como um terreno fértil para a prática do proselitismo transcultural. ”
A região da Tríplice Fronteira acaba abarcando um intercâmbio de
culturas, tanto comercial quanto econômico, que forma uma comunidade
pautada no turismo e comércio – relacionada às regras internacionais. De acordo
com Saquet e Souza (2009), as comunidades que moram nessa região,
migrantes ou não, se deparam com uma “situação de ambiguidade” de lógicas
territoriais. Dessa forma, fronteira é representada a partir de:
espaços nos quais o local e o internacional se articulam, estabelecendo vínculos e dinâmicas próprias, construídas e reforçadas pelos povos fronteiriços. Neles estão presentes as identidades e as culturas nacionais de cada um dos países envolvidos, que constrói, reelabora e constitui uma outra cultura e identidade diferenciada, capaz de recriar um novo lugar, com aspectos regionais. São regiões que não respeitam as barreiras existentes, já que há ação e integração dos agentes fronteiriços, estimulando dinâmicas fronteiriças informais. (SAQUET E SOUZA, 2009, p.05)
No entanto, a região também é uma região-fonte de problemas para as
nações que nela estão envolvidas. Ao mesmo tempo em que possui comércio e
turismo intensos, a área apresenta muitos agravantes em relação ao tráfico, em
suas várias ramificações (de armas, de drogas, de seres humanos e de bens); a
pirataria e a venda de contrabandos que são elementos de destaque e motivo
de transtornos para as autoridades dos países envolvidos e o terrorismo, tendo
em vista que a região é classificada como uma área propicia para o
estabelecimento de grupos ligados a esse tipo de atividade – pois, a lei não é
aplicada de maneira efetiva, e, quando aplicada, não há uma devida fiscalização
de seu cumprimento; além da perceptível existência, em abundância, de
atividades consideradas ilícitas.
Para fins da análise, o presente trabalho se dividirá em cinco partes. A
primeira abordará o contexto histórico geral da região, seguido por uma leitura
dos conceitos de fronteira através da ótica das Relações Internacionais aplicada
a Tríplice Fronteira. A terceira parte elenca as conexões e riquezas existentes
entre as cidades que partilham a área em estudo, finalmente são apresentados
os desafios, problemas e ameaças da região, seguidos por breves
considerações finais.
2 CONTEXTO HISTÓRICO
A história da Tríplice Fronteira é marcada pela extração de madeira e de
ervas, a qual era relegado um caráter secundário no subcontinente sul-
americano. Com o passar dos anos, grandes transformações foram ocorrendo.
As fundações de Foz do Iguaçu - em 1889 - e de Puerto Iguazú - no início do
século XX – foram fundamentais para o desenvolvimento da região, pois, além
de instaurarem um movimento de ocupação permanente, fizeram com que
instituições estatais fossem se tornando cada vez mais presentes na área.
Outra grande transformação na dinâmica da região, diz respeito as
relações entre as cidades que envolvidas. Até 1960, as relações Foz-Puerto
dominavam a área; isso foi modificado com a fundação de Puerto Presidente
Stroessner (desde 1989, chamada de Ciudad del Este) e, com a construção da
Ponte da Amizade – esses dois eventos foram essenciais para a transformação
das relações, que passaram a concentrar-se no eixo Foz-Ciudad del Este.
Um marco relevante para a região foi a criação de Itaipu, uma das maiores
usinas hidrelétricas do mundo, que tem caráter binacional (Brasil e Paraguai).
Porém, a partir de 1990, foi percebida uma diminuição da atividade econômica
no seio da Tríplice Fronteira. Isso pode ser explicado por meio de dois fatores: a
criação do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul), que acabou por fomentar
disputas industriais e comerciais; e pela pressão na região diante do clima de
insegurança, resultado do aumento da criminalidade vivenciada na área. Com o
passar dos anos, a região volta a presenciar um comércio intenso,
principalmente por parte dos “sacoleiros” brasileiros, indivíduos que atravessam
a fronteira a fim de comprarem produtos com um preço abaixo do seu mercado
nacional para revender no Brasil.
3 A TRÍPLICE E AS FRONTEIRAS
Nas Relações Internacionais, o conceito de fronteira é analisado pelas
mais diferentes abordagens da disciplina. Os teóricos raramente falam sobre ele
tratando como assunto principal, dando primazia aos conceitos de soberania,
Estado e território. A análise sobre fronteiras foi sofrendo modificações de acordo
com a evolução do pensamento empírico da disciplina.
Na concepção realista, esse conceito é intrinsecamente relacionado à
soberania, se configurando como uma linha que divide o país territorialmente.
Segundo Scherma (2012, p.114), as fronteiras se classificam como “relevantes
na medida em que representam uma região delicada para o Estado” e a
abordagem realista não leva em conta o fator específico de uma região: “em
nenhuma hipótese, para os realistas, uma condição específica regional poderia
levar, por exemplo, à adoção de uma política para as fronteiras que contrariasse
o ‘interesse nacional’ – este definido sempre em termos de poder” (SCHERMA,
2012, p.114).
A abordagem liberal, a partir da globalização, trouxe à tona discussões
sobre o real papel do Estado diante das “novas conexões globais que não
obedeciam a lógica restritiva das fronteiras nacionais” (SCHERMA, 2012, p.115).
Dessa forma, o mundo tornou-se tão interdependente que cabe ao Estado
controlar os fluxos em suas fronteiras, já que as mesmas são objetos de
integração regional e possível cooperação.
De acordo com Scherma (2012, p. 124), nas abordagens construtivistas,
“assim como as formas de Estado e soberania, a saliência do território e mesmo
o significado de ‘fronteira’ que separa esses territórios não são fixos nem
constantes no tempo e espaço”. De uma maneira geral, as fronteiras são
alteradas ao longo do tempo, tendo em vista que elas são consideradas como
mecanismo transmissor – manifestando ou emitindo – para o exterior, sendo
assim passível de interpretações como, apenas uma linha divisória que separa
o doméstico do internacional, ou “uma faixa de fronteira, ou seja, um dado
espaço territorial de transição, no qual convivem ainda características físicas,
políticas e sociais de ambos os lados” (SCHERMA, 2012, p.109).
A definição de fronteira conta com diferentes interpretações nas
Relações Internacionais e muitas delas se respaldam na geopolítica para tal. De
acordo com Meira Matos (1990, p.34):
(...) os limites entre as nacionalidades se caracterizam por uma faixa de transição onde os valores de cada parte, particularmente a língua, raça, religião, ideologia, costumes e comércio, se interpenetram. Realmente, as faixas fronteiriças, quando habitadas, são regiões de endosmose cultural, daí a caracterização sociológica do chamado homem fronteiriço. Esta interpenetração se faz
natural e pacificamente quando se trata de Estados amigos e é limitada e mesmo proibida quando se trata de Estados rivais.
Para Ferreira (2009, p.384), o conceito de fronteira traz uma série de
personificações, chamada de “tríplice significação”: “fronteira política como limite
entre unidades territoriais, a fronteira social ou identitária entre grupos, a fronteira
econômica como espaço em incorporação ao mercado e relações de produção
dominantes”. Entretanto, juridicamente, o conceito de fronteira trata-se de uma
linha, derivada de um acordo resultado de uma decisão de um tribunal arbitral
ou judicial que finaliza um litígio entre as partes que estão envolvidas (GOUVEIA,
2003, p. 495). A “fixação da fronteira” é mantida posteriormente através da
celebração do tratado, como uma “forma a garantir a integridade do traçado
definido” (DINH ET AL., 2003, p. 477). No Brasil, a fronteira é tratada como uma
faixa pelo pelo Decreto n° 85.064, de 26 de agosto de 1980, cujo teor foi
ratificado pela Constituição Federal de 1988, no parágrafo segundo do artigo 20:
Art 1º - Este regulamento estabelece procedimentos a
serem seguidos para a prática de atos que necessitem de
assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional
(CSN), na Faixa de Fronteira, considerada área
indispensável à segurança nacional e definida pela Lei nº
6.634, de 2 de maio de 1979, como a faixa interna de cento
e cinquenta (150) quilômetros de largura, paralela à linha
divisória terrestre do território nacional. (PLANALTO DO
GOVERNO)
Faz-se necessário salientar que o conceito de fronteira, devido a suas
variadas interpretações, assume um caráter contraditório, pois, à medida que se
esforça para desenhar os limites, há uma forte propensão a conflitos. Segundo
Colognese (2011, p. 142), ao demarcar diferentes convivências, há um “[...]lócus
privilegiado da manifestação das interações relacionais e conflitivas que as
constituem [...]” e que essas manifestações podem demarcar disputas, conflitos
e tensões. Especialmente tratando-se da região da Tríplice Fronteira, para
Cardin (2013, p.113):
[...]território de fronteira com maior densidade demográfica
da América do Sul, apresentando uma grande diversidade
étnica, uma alta circulação de capitais e enormes índices
de violência. Os limites do Brasil com o Paraguai
representam parte da faixa de fronteira brasileira que
possui maior destaque midiático, político e acadêmico,
principalmente quando os assuntos abordados tangenciam
temas como tráfico, contrabando e violência.
O recorte dessa região, permite o reconhecimento de uma relação de
dependência econômica que vai além do comércio, pautada na ilegalidade, que
envolve práticas não lícitas transfronteiriças, ressaltando a fragilidade da região.
Sendo assim, no contexto desse trabalho, o conceito de fronteira vai além de
uma simples linha, englobando dinâmicas múltiplas, de suma importância em
âmbitos diferenciados para os países envolvidos na área.
4 CIDADES, CONEXÕES E RIQUEZAS
A região da Tríplice Fronteira é formada por três cidades que chamam a
atenção internacional e o interesse de grandes nações. Puerto Iguazú, do lado
argentino da fronteira, acaba por ser a cidade mais distante nas questões físicas,
sociais e econômicas, em relação às outras duas cidades (Ciudad del Elste e
Foz do Iguaçu). Com uma população de 82.227 segundo o Censo de 2010
realizado pelo INDEC (Instituto Nacional de Estadística y Censos), Puerto Iguazú
tem no turismo sua grande atividade econômica. A construção da Ponte
Tancredo Neves, em 1985, sobre o rio Iguaçu, marca a integração entre a cidade
argentina e a cidade de Foz do Iguaçu, no Brasil. Essa ponte estreitou os laços
entre os dois países na área, e os deslocamentos só não são mais intensos,
devido à forte fiscalização da alfândega argentina – o que chega a causar
empecilhos à integração.
Ciudad del Este, cidade situada no Paraguai, é a mais jovem entre as três
cidades que formam a região. Foi fundada com o nome de Puerto Presidente
Stroessner e teve seu nome trocado em 1989. Essa cidade tem no comércio a
sua grande atividade econômica, que a torna um dos grandes polos de comércio
do continente americano. Ao mesmo tempo, Ciudad del Este comporta altos
índices de contrabando e, juntamente com Foz do Iguaçu, apresentam os
maiores indicadores de criminalidade. O eixo Ciudad del Este-Foz do Iguaçu é
hoje o maior entre as três cidades, isso se deve ao intenso comércio e
deslocamento de pessoas, além da existência da Ponte da Amizade (construída
em 1965), sobre o rio Paraná; e que se apresenta como um verdadeiro “corredor
de passagem”. A cidade possuía, em 2002, uma população de 222.274
habitantes de acordo com o DGEEC (Dirección General de Estadísticas,
Encuestas y Censos).
Por fim, a cidade de Foz do Iguaçu, é a mais antiga das três e ocupa a
parte brasileira da fronteira. Inicialmente fundada como uma colônia militar, ainda
em 1889; durante o século XX, sua população e economia tiveram uma rápida
expansão. O comércio e o turismo (com destaque para as Cataratas do Iguaçu,
um dos pontos mais visitados do Brasil e eleito uma das sete maravilhas naturais
do mundo em 2011 pela Fundação New7Wonders) são suas principais
atividades econômicas. Possui uma população de 256.088 de acordo com o
Censo de 2010, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística).
As conexões entre as três cidades são realizadas de diferentes maneiras
e foram evoluindo ao longo do tempo. As pontes da Amizade e Tancredo Neves
são exemplos do interesse de integrar cada vez mais a região. A adaptação ou
construção dos aeroportos, também são exemplos da importância da integração
para a área. É relevante ressaltar a existência do Aquífero Guarani, uma das
maiores reservas de água doce do mundo. Esse reservatório subterrâneo natural
de água se apresenta como um dos grandes destaques da região e que desperta
o interesse de muitos países.
5 DESAFIOS, PROBLEMAS E AMEAÇAS À TRÍPLICE
A região que engloba uma série de relações, além de ser um dos
maiores polos comerciais da América, com turismo intenso; apresenta também
muitos problemas. Uma das dificuldades que se destaca é o tráfico, em suas
várias vertentes (de armas, de drogas, de seres humanos e de bens). Outro
empecilho para a estabilidade na região está diretamente relacionado ao
comércio, a pirataria e a venda de produtos contrabandeados são elementos que
se fazem presentes e que vêm causando grandes transtornos para as
autoridades dos países envolvidos.
A Tríplice Fronteira, segundo seu Machado (2005, p.268), é acusada de
ser uma espécie de “terra sem lei” e de possuir “zonas cinza” – áreas em que o
poder estatal não se faz tão presente. Assim, há cada vez mais esforços a fim
de dar estabilidade à região, como, por exemplo, a fiscalização das fronteiras, a
qual vem sendo intensificada, gerando a insatisfação de muitas pessoas que
vivem desse comércio ilegal – daqueles que vendem as mercadorias àqueles
que vivem da revenda desses produtos, os “sacoleiros” brasileiros.
Além disso, não se pode ignorar o debate em torno da questão do
terrorismo na região, um problema que vem sendo cada vez mais discutido no
cenário internacional. Sendo assim, o próximo tópico visa apresentar um dos
lados da discussão, aquele que afirma que o Terrorismo é um problema na
Tríplice Fronteira, devendo, então, ser combatido.
5.1 TERRORISMO NA REALIDADE DA TRÍPLICE FRONTEIRA
O debate acerca do tema do Terrorismo na Tríplice Fronteira não é
consensual, apresentando opiniões divergentes. Neste tópico, a intenção é a de
expor a abordagem que defende a ameaça do Terrorismo como uma realidade
na região, proposta defendida, em larga escala, pelos Estados Unidos. Nesse
intuito, a Tríplice Fronteira é classificada como uma área propícia ao
estabelecimento de grupos ligados ao Terrorismo; tendo em vista que a lei não
é aplicada de maneira efetiva, e, quando aplicada, não há uma devida
fiscalização de seu cumprimento. Além disso, é perceptível a existência, em
abundância, de atividades consideradas ilícitas. A região é considerada, de
acordo com Abbott (2005, p.18), como o “maior centro de contrabando da
América do Sul”; e ainda, segundo cálculos dos EUA, cerca de “seis bilhões de
dólares americanos são lavados por ano” (ABBOTT, 2005, p.18) em Ciudad del
Este.
Há uma crença de que haja uma relação estreita entre o comércio ilícito
e o financiamento de grupos considerados hostis, a exemplo do Hezbollah, do
Hamas, do Jihad e da Al-Qaeda. Isso se deve à grande quantidade de
muçulmanos e árabes na fronteira, os quais são vistos como adeptos desses
movimentos. Essa presença de grupos terroristas na América Latina está ligada
à sua flexibilidade e também ao uso da globalização a fim de alcançar seus fins.
Nesse sentido, é necessário que haja um movimento contra-terrorista com um
elevado poder de alcance, englobando os governos dos países envolvidos,
organizações internacionais com poder de influência na área, como o
MERCOSUL e a OEA (Organização dos Estados Americanos) e os aliados
desenvolvidos desses países (em especial, os Estados Unidos).
Na visão do tenente-coronel americano Philip K. Abbott (2005), deve-
se fazer uso de elementos militares, políticos, econômicos e de inteligência a fim
de forçar a retirada do inimigo, o que lembra a política do governo Reagan contra
os esquerdistas e comunistas durante a Guerra Fria. Abbott (2005) também
destaca a importância dos EUA no processo de estabilização da região, pois
considera que os Estados que a formam necessitam de recursos e investimentos
na área militar, os quais seriam “despreparados” no tocante ao controle das
fronteiras. Essa “fraqueza” do militar nesses países também pode ser explicada
devido à forte desconfiança nos militares, reflexo dos períodos de ditaduras
vividos pelos países que formam a Tríplice Fronteira.
Assim, afirma-se também que o “novo terrorismo é mais radical, irracional
e difícil de detectar” (ABBOTT, 2005, p.21), sendo necessários esforços
transnacionais a fim de conter essa ameaça. Com isso, os defensores dessa
“corrente” de pensamento concluem que a presença do Terrorismo na Tríplice
Fronteira não é um mito, e sim uma realidade que deve ser estudada e combatida
por meio de múltiplas linhas de ação. Esse problema possui escala global,
necessitando esforços conjuntos das nações e organizações internacionais a fim
de dissipar essa ameaça da região e do mundo como um todo. Por fim, há de se
ressaltar a constante defesa da participação dos EUA no processo de
harmonização da fronteira, tendo como explicação a defesa de uma América
mais unida e mais pacífica.
5.2 TRÍPLICE: PARA ALÉM DO TERRORISMO
A região, em toda a sua complexidade, apresenta obstáculos, os quais
devem ser controlados. Embora o terrorismo seja um tema que merece atenção,
é necessário que não seja visto como a maior ameaça, outros problemas
merecem destaque. Entre esses empecilhos, podem ser citados: a expansão da
produção da soja brasileira em território paraguaio (e o impasse que envolve os
“brasiguaios”); a questão do controle da biodiversidade existente na região; o
tema que engloba a presença dos povos islâmicos na fronteira e o contrabando
(droga, armas e outros bens); sendo o último, a questão que mais urge soluções,
pois as perdas para os Estados são imensuráveis.
Assim, tendo em vista as fortes assimetrias, principalmente no que se refere à
pobreza e às desigualdades, os problemas na região possuem várias causas e
uma delas está relacionada à ocupação desmedida da área, que se deu de
maneira rápida e excessiva. De 1970 a 2001, segundo Fogel (2008, p.271), a
população da região passou dos aproximadamente 60.000 habitantes para os
aproximadamente 700.000 indivíduos. Também há que se ressaltar a intensa
movimentação de pessoas entre os três países, sendo o fluxo entre Foz-Ciudad
del Este o mais intenso; chegando a serem encontrados, em dias de pico,
aproximadamente 30.000 “sacoleiros” brasileiros no lado paraguaio (FOGEL,
2008, p.271), pessoas que atravessam a fronteira a fim de comprar mercadorias
para revender no Brasil.
O contrabando começou envolvendo dois produtos em especial, o
uísque e o cigarro. Essa atividade foi se intensificando, sendo a ditadura de
Stroessner, no Paraguai, considerada como o apogeu. Na atualidade, o
contrabando acaba por ser facilitado pela dificuldade em patrulhar a fronteira,
sendo o lago de Itaipu um facilitador para as trocas ilícitas (FOGEL, 2008, p.275).
O contrabando, com o tempo, passou a englobar uma grande diversidade de
bens – com destaque para os produtos eletrônicos – além de envolver as armas
e as drogas. Outro motivo para a intensificação dessa atividade é o elevado
contingente de pessoas que não estão inseridas no trabalho formal, tendo de
procurar fonte de renda na informalidade. Isso desencadeia a existência de um
grande número de “sacoleiros”, que buscam na revenda de mercadorias um meio
de sobreviver. Nessa perspectiva, chama-se a atenção para a necessidade de
intervenção dos Estados com o intuito de incluírem seus cidadãos em suas
sociedades.
Porém, um elemento que deve der frisado é a multiculturalidade existente
na região. Como é colocado por Ramón Fogel (2008), Ciudad del Este, por
exemplo, abarca mais de 20 nacionalidades, cada uma com seu próprio nicho; e
que juntos fazem da cidade o segundo centro de comércio mais importante da
América – perdendo apenas para Miami.
A questão dos “sojeiros” brasileiros também merece destaque, pois estes
vêm expandindo suas produções em direção ao Paraguai. Essa expansão pode
ser vista principalmente na região do Alto Paraná e de Canindeyú, o que vem
sendo foco de conflitos crescentes; pois os camponeses paraguaios pobres
acabam por ter de se deslocar a fim de ceder espaço às produções de ricos
empresários brasileiros. Esse impasse tem sido cada vez mais divulgado, e a
existência dos “brasiguaios” tem se tornado bastante debatida. Nesse sentido,
se fala de uma “brasilenización” da fronteira.
Por fim, deve-se levar em consideração que o terrorismo não se apresenta
como o maior problema da Tríplice Fronteira, e sim o contrabando, a pobreza e
as desigualdades na região. Os povos muçulmanos e árabes são vistos como
indivíduos que migraram em busca de melhores condições de vida e que têm no
comércio o seu sustento. Eles não são tidos como ameaças para a região, muito
menos para os EUA; e isso pode ser visto nas estratégias de defesa dos países
da fronteira, os quais não acreditam nessa ameaça do Terror em seus territórios.
A preocupação para os Estados é com o controle da ilegalidade
existente na Tríplice Fronteira, o que pode ser corroborado a partir da
perspectiva brasileira segundo suas políticas públicas relacionadas à região,
como as operações de vigilância e repressão da Receita Federal e suas
atividades de fiscalização aduaneira (Operação Panos Quentes III – foco no
setor têxtil e vestuário e Operação Passos Largos – com ênfase em calçados, a
título de exemplo). Através do projeto Proteger, que inclui o Sistema Integrado
de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) e o Centro de Defesa Cibernética (CD
Ciber), evidenciam-se os esforços do Brasil para o controle da região.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve a intenção de expor o panorama da Tríplice
Fronteira, visando elencar os principais desafios e problemas que dominam a
região. Através dessa perspectiva, construiu-se a ideia de que o terrorismo não
pode ser classificado como uma questão preponderante à manutenção da ordem
da área, e sim a existência de um forte comércio ilegal que reflete nas dinâmicas
sociais assimétricas de desigualdade e pobreza.
Deve-se levar em consideração os Estados envolvidos e suas ações
específicas para a região, tendo em vista que os efeitos são sentidos
diferentemente em cada país, assim como suas respectivas políticas públicas
para solucionar empecilhos que podem vir a surgir. Ademais, tratando-se de uma
tríplice fronteira, é necessário salientar que os esforços conjuntos entre os
Estados são de suma importância – uma vez que direta ou indiretamente, as
medidas tomadas por um país podem afetar o outro.
Sugere-se um aprofundamento e uma expansão do tema a fim de
reconhecer o real impacto do contrabando e da ilegalidade que impera na região,
através de análises que envolvam a utilização de dados qualitativos e
quantitativos. Além disso, se faz relevante o estudo de uma política conjunta
entre os países com o intuito de minimizar os maus efeitos resultantes dessa
conjuntura. Finalmente, tem-se a intenção de trazer temas de segurança e
defesa como objetos de análise na academia com o objetivo de ressaltar sua
importância na agenda dos tomadores de decisão no âmbito doméstico e
internacional.
7 REFERÊNCIAS
ABBOTT, Philip K. A Ameaça Terrorista na Área da Tríplice Fronteira: mito ou realidade? In: Military Review. Janeiro-Fevereiro de 2005. PP 18-23
CARDIN, Eric Gustavo. Globalização e desenvolvimento regional na Tríplice Fronteira. Revista de Ciências Sociais Unisinos. Volume 45, número 2, mai/ago 2009 maio/agosto de 2009.
CARDIN, Eric Gustavo. Sociedade e indivíduos: convivendo com a violência na fronteira. In: As múltiplas faces da fronteira. Curitiba: Editora CRV, 2013, p. 113-133.
CARVALHO, Mariana Nunes. A Guerra do Paraguai e sua Ideologia. Cantareira (UFF), Edição nº 4, 2002. Disponível em: http://www.historia.uff.br/cantareira/edic_passadas/v4/paraguai.pdf
COLOGNESE, Silvio Antônio. A Fronteira como unidade de análise dos estudos sobre gerações de italianidade. In: Identidades nas Fronteiras: território, cultura e história. São Leopoldo: Oikos, 2011, p.139-156.
DGEEC (Dirección General de Estadísticas, Encuestas y Censos). Censo 2002. Disponível em: http://www.citypopulation.de/Paraguay.html#Stadt_gross
DINH, N.Q., DAILLIER, P. & PELLET, A., 2003. Direito Internacional Público. 2nd ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
FERREIRA, Andrey. Políticas para Fronteira, História e Identidade: a luta simbólica nos processos de demarcação de terras indígenas Terena. Revista Mana, vol.15, N.2, Rio de Janeiro. Outubro de 2009.
FOGEL, Ramón. La región de la triple frontera: territorios de integración y desintegración. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 10, nº 20, jun/dez 2008. pp 270-290.
GOUVEIA, J.B., 2003. Manual de Direito Internacional. Coimbra, 2003.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo de 2010. Disponível
em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1
INDEC (Instituto Nacional de Estadística y Censos). Censo 2010. Disponível em: http://www.indec.gob.ar/
MACHADO, L. Estado, territorialidade, redes. Cidades gêmeas na zona de fronteira sul-americana. In: SILVEIRA, M. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 243-284.
MEIRA MATTOS, Carlos de. 1990. Geopolítica e teoria de fronteiras: Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1990.
NEVES, Pedro Dias Mangolini; CAMARGO, Fernando Monteiro e NEVES, Gabriel Dias Mangolini. Tríplice fronteira: Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Puerto Iguazu. Revista Interface, Edição nº 10, dezembro de 2015 – p. 70-78.
OBSERVATORIO DE LA TRIPLE FRONTERA. A Atividade Cultural e Religiosa. Disponível em: http://www.observatoriotf.com/br/a_diversidade_cultural_e_religiosa.html.
PLANALTO DO GOVERNO, DECRETO No 85.064, DE 26 DE AGOSTO DE 1980. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d85064.html
SAQUET, Marco Aurélio; SOUZA, Edson Belo Clemente. (org.) Leituras do conceito de território e de processos espaciais. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
SCHERMA, Mario Augusto. As Fronteiras Nas Relações Internacionais, 2012. Revista Monções, Vol.1, N.1 – Janeiro/Junho de 2012.